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Private Series

LIVRO 13

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OMINOUS

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SINOPSE
Após as revelações chocantes feitas no prequel privado, o Livro de
Feitiços, Noelle e Reed sabem que são descendentes das originais
Garotas Billings e seu legado inclui um misterioso clã de bruxas.
Mas isso não é nada comparado ao que acontece depois.
Uma por uma, as Garotas Billings desaparecem do campus.
A comunidade inteira se une para encontrar as garotas
desaparecidas, com a esperança de que ainda estejam vivas. Reed
não pode acreditar que mais uma vez aconteceu uma tragédia em
Easton, e começa a se perguntar se as Garotas Billings estão
amaldiçoadas. Mas quando o primeiro corpo aparece com uma
mensagem só para ela, ela teme que suas amigas estejam pior que
amaldiçoadas: que estejam condenadas.

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PERDA DE TEMPO
Traduzido por Beatriz Nunes

E
u não conseguia me mover. Do lado de fora da Capela Billings o vento
uivava. As tábuas antigas do chão rangiam. Meus ossos estavam congelados.
Fiquei olhando para o título do livro na minha frente, dificilmente capaz de
absorver o que eu estava vendo.
O LIVRO DE FEITIÇOS.
Isso não podia ser real. Na verdade eu não estava no porão de uma capela
centenária encarando um livro de feitiços com capa de couro e empoeirado. Eu
senti como se eu tivesse acabado de entrar em um livro de Nancy Drew e tivesse
assumido o papel de heroína. Timidamente eu estendi a mão para tocar a capa do
livro, mas antes que eu o pudesse fazer, o livro me foi arrancado.
— Você só pode estar brincando comigo — Noelle Lange deixou escapar,
segurando o livro pesado. O vento balançava seus cabelos escuros e seu rosto
estava vermelho de raiva. — Foi por isso que ela nos mandou aqui? Um livro de
feitiços?
Meu coração parou quando ela agitou o livro como se ele fosse apenas um
dicionário velho. — Noelle...
— Você sabe o que eu vou fazer com isso, vovó? — ela gritou para o livro. —
Eu vou encontrá-la onde quer que você esteja e bater na sua cabeça com isso!
— Noelle, apenas... se acalme. Não banque a maluca agora — eu disse.
Ela hesitou, mas logo depois jogou o livro no pódio, criando uma nuvem de
poeira que invadiu minhas narinas me fazendo tossir dolorosamente.
— Oh, eu sou a maluca? — Noelle disse sarcasticamente arrancando seu
cachecol de cashmere com as mãos trêmulas. — Certo. Por que fui eu que nos
mandou aqui no meio da noite em uma tempestade de neve para encontrar um
livro velho!
Ela jogou seu cachecol sobre as costas de uma cadeira velha e desabotoou seu
casaco de lã. Aparentemente sua raiva estava deixando-a com calor.
Andei até o pódio e abri o livro, e todo o ar saiu de meus pulmões. Lá estava a
caligrafia que eu reconheceria em qualquer lugar, onde as palavras Propriedade da
Sociedade Literária Billings estavam escritas.
Elizabeth Willians tinha sido uma estudante na escola Billings em 1915. Eu
passei tanto tempo lendo o que ela tinha escrito no livro da Sociedade Literária
Billings que eu poderia até copiar sua caligrafia agora. Eu sentia como se a tivesse
conhecido desde quando ela reorganizou sua sociedade secreta na Academia
Easton. Eu sabia as cores que ela gostava de usar, como ela era fortemente leal às
suas amigas, como ela amava viver distante de casa. Mas agora eu sentia como se
não a conhecesse em tudo. Porque em nenhum lugar do livro da SLB ela havia

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mencionado uma palavra sobre feitiços, bruxaria, ou esse livro enorme que nós
tínhamos acabado de descobrir. Nem uma única palavra.
Noelle parou ao meu lado e me empurrou para fora do caminho. Ela abriu o
livro em uma página que dizia “O feitiço da pureza”, e então começou a folhear as
folhas para frente e para trás rapidamente.
— O que você está fazendo? — eu perguntei.
— Vendo se esse é um daqueles livros em que se pode esconder coisas — ela
respondeu. — Você sabe, com um grande pedaço cortado para esconder algo que
realmente importa? — Ela deu um suspiro e fechou o livro. — Não. Nada.
Inacreditável.
Ela começou a atravessar a sala, pegou seu lenço novamente e começou a
enrolá-lo nervosamente.
— Você vem? — Noelle perguntou.
— Para onde? — eu respondi.
— Para o campus — ela respondeu impaciente. — Pessoalmente, eu não quero
perder mais o meu tempo aqui.
— Você vai levar isso com você? — eu perguntei apontando para o livro.
— Eu pareço com Sabrina, A Bruxinha Adolescente? — ela respondeu
revirando os olhos e balançando o quadril.
Eu estalei a língua. — Não, mas sua avó... nossa avó... — eu disse
hesitantemente. Eu tinha acabado de descobrir que Noelle e eu éramos meias-
irmãs, que o pai dela era o meu pai biológico, por isso as palavras não estavam
exatamente rolando para fora da minha boca. — Ela queria que nós achássemos
isso. Talvez haja mais do que você acha. Talvez haja... eu não sei... algo que ela
queria que nós lêssemos.
— Tudo bem, então. — Ela deslizou o livro do pódio e começou a caminhar
em direção as escadas. — Feliz agora?
— Eufórica — eu respondi sarcasticamente.
Eu a segui na subida da sinuosa escada em direção à sala do antigo capelão,
uma sala com uma decoração escassa e que não tinha sido utilizada por dezenas de
anos. Noelle murmurou algo baixinho, claramente irritada, mas quando fechamos
a porta atrás de nós meu coração ainda batia com curiosidade e anseio. Eu queria
saber o que tinha naquele livro. Saber o que isso tinha a ver com Elizabeth
Williams.
Noelle abriu a porta do escritório e ambas escutamos um pequeno rangido
vindo de dentro da capela. Nós congelamos e eu agarrei o braço dela. O barulho
soava muito parecido com passos. Já passava da meia-noite. Por que alguém
estaria aqui? Noelle olhou por cima do ombro para mim com os olhos arregalados
enquanto eu tentava engolir.
— Olá? — ela gritou.
Não houve nenhuma resposta. Lá fora, o vento assobiava através dos galhos
das árvores.
— Tem alguém aí? — eu gritei. Eu só conseguia enxergar um pedaço escuro
da capela onde tinha uma almofada aleatória no chão que alguém havia deixado
depois da última reunião da SLB, um cobertor dobrado, metade do púlpito e uma
embalagem vazia de LUNA Bar.
Outro rangido soou. Eu engoli seco. Noelle apertou a mandíbula e saiu em
direção à capela, me arrastando com ela.
— Não! — eu gritei, apavorada.
— Vamos — Noelle disse dando um suspiro. — Vamos dar o fora daqui.

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Ela andou pelo centro da capela me levando com ela. O vento criava gemidos
e estalos nas estruturas do chão. Eu não respirei até que nós estávamos fora da
capela e a porta estava fechada atrás de nós.
— Eu juro que eu vou matar aquela velha megera — Noelle disse, puxando
seu gorro de lã para baixo.
— Vamos apenas voltar para o campus — eu disse, olhando para o livro. — E
não deixe isso cair, ok? Tem neve e lama por todo o lugar.
Noelle rolou os olhos e abraçou o livro no peito. — Eu vou guardá-lo com a
minha vida — ela disse ironicamente.
Outro rangido alto soou dentro da capela e eu pulei.
— Vamos correr? — eu disse.
— Ok — ela respondeu.
E então nós fomos embora, metade do caminho caminhando rapidamente e a
outra metade correndo pela floresta, tentando nos fazer acreditar que não havia
nada a temer.

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2
DIREITOS DE NASCIMENTO
Traduzido por Thaynara Ribeiro

N
a manhã seguinte, peguei a escada para o quarto individual de Noelle no
Pemberly Hall. Meus olhos estavam inchados porque eu não havia
dormido nada. Eu tinha passado toda a noite pensando em minha mãe e
meu pai, e no pai de Noelle, e em nossa escola, em Elizabeth Williams, no livro
maluco, e, além disso, me perguntando por que eu não podia me preocupar com
coisas normais. Como, por exemplo, com minhas notas, meu SAT, minhas
solicitações da faculdade. Essas eram as coisas nas quais todos os outros jovens do
país se preocupavam. Eu não podia deixar de desejar nunca ter deixado Croton,
Pensilvânia.
Bati na porta dela. Noelle demorou um momento para responder e quando o
fez, me agarrou pelo braço e me arrastou para dentro de seu quarto.
— Espera. Reed acabou de chegar — ela disse em seu iPhone. — Vou colocar
no viva voz.
Noelle colocou o telefone em cima da cômoda e deu um passo para trás. Ela
usava uma saia de lã que chegava à metade da sua panturrilha, botas negras de
salto e um suéter preto de couto. Seu cabelo castanho escuro estava puxado para
fora de seu rosto nos lados e ela estava impecavelmente maquiada, com os olhos
completamente delineados e uma sombra cor lavanda. Ao que parecia, ela havia
dormido.
Eu puxei minha jaqueta de algodão azul mais apertada ao redor da minha
enrugada camisa de manga longa e abotoei um botão dela.
— Garotas? — disse a voz da senhora Lange alta e clara através do viva voz. —
Garotas, vocês estão aí?
— Estamos aqui, vovó — Noelle disse, colocando as mãos nos quadris.
— Reed?
Noelle me bateu com o cotovelo.
— Estou aqui — eu grunhi.
— Bom. Noelle está um pouco... Mal humorada esta manhã — disse a Sra.
Lange, soando desgostosa. — Talvez você possa me ajudar a acalmá-la.
— Me acalmar? — Noelle respondeu. — Como se isso fosse acontecer. Você
nos mandou para a neve no meio da noite para encontrar a chave do nosso futuro
e o que encontramos? Um livro sobre bruxaria. — Ela foi até sua cama e tirou o
grosso livro de debaixo de um monte de roupas e pijamas de seda, sustentando-o
para sua avó como se ela pudesse vê-lo. — Isso é o que você está tentando me dizer,
vovó? De verdade? Você acredita que somos bruxas? Desculpa, mais você está
muito louca ou muito, muito entediada.
Eu peguei os livros das mãos de Noelle com minhas duas mãos, cansada de
vê-la jogá-lo de um lado para o outro como se fosse um romance de bolso. Este

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livro havia pertencido a Elizabeth Williams e por isso era uma relíquia preciosa
para mim, com seu conteúdo ridículo, ou não.
— Sério, vovó, já pensou em jogar mah-jongg para se distrair? — Noelle
continuou sem pausar. — Já me disseram que realmente ajuda a manter a mente
em ordem.
— Noelle — a repreendi em voz baixa.
Ela arregalou os olhos.
— O quê?
Através do viva voz ouvi a Sra. Lange dar uma respiração profunda e
paciente.
— As garotas de hoje são tão céticas e teimosas. Mas vocês duas não tem ideia
do poder que poderiam ter.
Noelle revirou seus olhos.
— Então...? — eu disse, apertando o livro contra meu peito. — Você está
dizendo que existe bruxaria de verdade?
— Não — ela admitiu. Noelle levantou as mãos e se afastou. Ela havia voltado
à escola há quase duas semanas, mas sua mala Louis Vuitton de rodinhas ainda
estava aberta no chão. Ela a pegou e jogou todo o conteúdo na almofada de cor
vinho tinto e ouro. — Ninguém do Billings tem praticado há muito tempo —
continuou a Sra. Lange. — Mas vocês duas... garotas, não têm ideia do quão
poderosas poderiam ser, agora que estão juntas.
Senti um estranho calafrio passar através de mim, e olhei para Noelle. Ela
estava em frente a uma montanha de coisas, separando uma pilha de suéteres,
meias perdidas, e colares enrolados, com os dedos tremendo ligeiramente.
— Vocês têm uma oportunidade única aqui — continuou a Sra. Lange, alheia
ao silêncio que Noelle estava fazendo. — Vocês poderiam ser capazes de consertar
certas coisas, de arrumar as desagradáveis... situações que surgirem em Easton.
Noelle se levantou com a postura reta, os braços caídos de lado, sustentando
um cachecol Hermès em uma mão e na outra uma alça dourada de uma bolsa
Gucci. Nós olhamos uma para a outra, sabendo que estávamos pensando o mesmo:
a mulher estava louca. Mas logo vi um ponto movendo-se atrás de Noelle, um
ponto de cor contra a absoluta brancura da neve no exterior. Passei
cuidadosamente pela pilha de roupas aos meus pés, me aproximando da gelada
janela e olhei para o lado de fora. Ali, no pátio, em um lugar dizimado da antiga
Casa Billings, nosso antigo lar, estava um grupo de pessoas com longos casacos de
lã. Me dei conta da postura perfeita do diretor Hathaway, e os cachos negros de
Demetria Rosewell, uma das mais poderosas ex-alunas do Billings. Eles
caminhavam cuidadosamente ao redor do contorno irregular de pedras que
ficaram como prova da demolição do edifício, junto com um par de homens que
apontavam e faziam notas em pranchetas, inclinando a cabeça juntos na luz
brilhante do sol. Senti uma familiar sensação de vazio em minhas entranhas.
— O que é isso? — eu sussurrei para Noelle.
— Não sei — Noelle respondeu, vindo atrás de mim. Essas palavras soavam
estranhas vindas dela, já que normalmente ela sabia de tudo. Ainda que
ultimamente a minha amiga sabe-tudo houvesse deixado “a bola cair” mais de uma
vez. Levaria um tempo para eu me acostumar com a ideia de que ela nem sempre
estaria certa. Virei-me e olhei para o telefone.
— Sra. Lange?
— Sim, Reed.

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— Você quer dizer... — Eu mantive um olho no grupo através da janela, com
seus pés fundindo-se na neve. — Quer dizer que poderíamos ser capazes de trazer o
Billings de volta?
Pela primeira vez nesta manhã, Noelle me olhou intrigada.
— Agora você está pensando, Reed.
Havia um tom de orgulho em sua voz que eu senti em meu peito. Minha avó
estava orgulhosa de mim. Estranho. Noelle e eu olhamos uma para a outra, e
depois para a janela. A Sra. Rosewell segurava a mão do Sr. Hathaway, assentindo
com a cabeça de maneira satisfeita. A luz do sol se refletia no grande sorriso do Sr.
Hathaway. Eu tinha um pressentimento sobre isso. Como se alguém estivesse
fazendo um pacto com o diabo, mas não estava certa de quem era bom e quem era
mal. O que eu sabia era que não gostava disso.
Noelle e eu trocamos um olhar. E se pudéssemos trazer o Billings de volta?
Será que não valia a pena ouvir a nossa avó?
— Não. De maneira nenhuma. — Noelle sacudiu a cabeça e se afastou da
janela, como se estivesse voltando de um sonho enquanto estava acordada. Ela
tirou suas coisas da cama. — Não somos bruxas, vovó. Isso não é uma série de
verão da CW.
— Não sei o que isso significa — disse a Sra. Lange.
— Isso significa que essa conversa terminou — Noelle respondeu. Ela pegou
seu celular da cômoda e o colocou em frente a sua boca. — Ligarei mais tarde,
vovó. Senão, vamos nos atrasar para o café da manhã. — Então, ela encerrou a
chamada antes que a avó Lange pudesse protestar.
— Bem — eu disse. — Isso foi grosseiro.
— Ela superará — Noelle respondeu, enfiando seu celular na bolsa Birkin
avermelhada que ela usava como mochila escolar. Ela se voltou e sentou num
pedaço do seu edredom com um suspiro. Seus ombros caíram ligeiramente. —
Desculpa, Reed. — Ela olhou para mim. — Por tudo. O falso sequestro foi ideia
dela. Ela estava falando sobre “direitos de nascimento” e sobre sermos irmãs, e de
como você tinha que passar por essa prova para mostrar que eu era mais
importante para você do que qualquer outra coisa... Ela disse que se você passasse,
ambas teríamos nossa recompensa. Eu pensei que era outro de seus projetos
excêntricos para passar o tempo e pensei que ia... Não sei... Dar-nos a chave de
alguma vila na Espanha que eu nunca tinha ouvido falar para passarmos o verão.
— Ela suspirou de novo e fixou seus olhos no livro, que seguia apertado no meu
peito. — Eu nunca teria aceitado isso se eu soubesse no que ia dar toda essa
loucura.
— Está tudo bem — eu disse, soltando minhas mãos um pouco para poder
olhar a velha e gasta coberta. — Eu percebi que ela pode ser muito... persuasiva.
Uma sensação de formigamento ganhou vida em meu peito e desceu por
meus braços e meus dedos, e o livro pareceu quente em minhas mãos. Eu não diria
isso a Noelle nem em um bilhão de anos, mas uma pequena parte de mim se
perguntava... E se a Sra. Lange não estivesse louca? O que aconteceria se o que ela
havia dito fosse verdade e que nós pudéssemos ter algum tipo de poder? Eu havia
visto algumas coisas loucas desde que havia chegado na escola Easton no outono
passado. Nada sobrenatural, é claro, mas definitivamente coisas loucas que eu
nunca teria pensado ser possível alguns anos atrás. E se isso também fosse
possível?

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— Bom, esqueça isso. — Noelle tirou o livro das minhas mãos e o jogou de
novo na bagunça da sua cama. Meus dedos pareceram frios de repente, então os
coloquei debaixo do braço.
— Eu acho que você tem que se concentrar em coisas mais importantes — ela
disse, com seus olhos castanhos brilhando.
— Como o quê? — eu disse, tentando não olhar o livro por cima do meu
ombro.
— Coisas reais. — Ela pegou seu casaco quadriculado de branco e preto e
abriu a porta para mim, mas eu vacilei. — O quê? — ela perguntou com
impaciência.
— Se importa se eu ficar com isso? — eu disse, apontando para o livro. —
Quer dizer, se você não quiser vê-lo.
— Sério? — Ela caminhou até sua cama, pegou o livro e me entregou. — Isso
tem cheiro de lixo podre e mofo. Por favor, leve-o. — Eu tentei alcançar o livro,
mas ela o tirou do meu alcance, me dando um olhar curioso. — Desde que me
prometa que não vai tentar nada com ele. Porque eu não acho que posso ser amiga
de alguém que realmente acredita nessa merda.
Eu encarei seu olhar. — Eu prometo.
Seus olhos se estreitaram ainda mais, mas depois de um longo momento ela
me entregou o livro. O guardei em minha bolsa de mensageiro e a fechei.
— Como eu ia dizendo — disse Noelle saindo para o corredor. — Acho que
deveríamos falar sobre como fazer a melhor festa do décimo sétimo aniversário da
história das festas de aniversário. Você é uma Lange agora. Eu diria com certeza
que estamos atrasadas.
Em um instante, os músculos do meu ombro tencionaram.
— Eu não sou uma Lange. — Tentei manter a irritação longe da minha voz,
mas não funcionou completamente. Eu mal conhecia o papai de Noelle, e nem
sequer estava certa de que queria fazê-lo. Mas eu estava certa de que não me sentia
parte da sua família. Eu era uma Brennan e sempre seria.
Noelle revirou seus olhos, fechando a porta atrás de nós.
— Que seja. Papai te ligou, não foi? Ele disse que te deixou uma mensagem.
— Sim. Eu vi. É só que... eu ainda não retornei a ligação — eu disse.
Eu havia recebido a mensagem ontem de manhã, justo depois de deixar o
hotel onde a Sra. Lange nos havia dado a chave e nos enviou para a nossa muito
inútil busca. Minha mãe e eu havíamos ido a um restaurante para almoçar e
tínhamos acabado de sentar em nossa mesa, quando tocou o telefone, mostrando
um irreconhecível numero 212. Mais tarde, depois de escutar a mensagem, menti
para a minha mãe dizendo que era do meu namorado, Josh. Por que como se
supunha que eu ia contar que o cara que havia me gerado anos atrás agora me
ligava dizendo que ser parte da minha vida? Ela havia escolhido o meu pai. Havia
optado por esquecer seu erro e deixar meu pai biológico para trás. E agora... por
causa de mim... ele estava de volta.
Mas nesse momento eu não tinha nenhuma intenção de retornar a chamada.
— Na verdade, Noelle, eu queria falar com você a respeito... Podemos manter
toda essa coisa de sermos irmãs entre nós, por agora? Se estiver tudo bem para
você — concluí rapidamente.
Ela congelou com a mão na maçaneta da porta.
— Por quê?
— Eu só... Não quero responder todas as perguntas e explicações e tudo isso
até que eu esteja um pouco mais acostumada à ideia — eu disse.

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— Uau. Eu achei que você estaria um pouco emocionada por ser minha irmã
— Noelle disse. Só havia um ego suficientemente grande para dizer algo assim sem
uma ponta de ironia ou auto desprezo.
— Não é isso — eu disse. — É só que... É algo humilhante, sabe? Vou ter que
dizer a todos que minha mãe enganou o meu pai com o seu pai. — Olhei para as
minhas botas de couro molhadas e manchadas depois de vários dias andando por
todo o campus na neve e na água derretida da neve. — Não sigamos com isso.
A expressão de Noelle mudou completamente. Estava bastante claro que ela
nunca tinha pensado em tudo isso pelo meu ponto de vista.
— Sim. Muito bem. Eu entendo. — Ela fechou a porta com um golpe. — Mas
ainda assim você merece uma festa. — Ela insistiu. Tendo em conta que ela havia
fingido seu próprio sequestro, havia me assustado até a morte, e me fez passar por
múltiplas tarefas para encontrá-la no último par de semanas, eu devia reconhecer
que merecia qualquer coisa boa que ela quisesse me dar. Uma festa poderia ser
justamente o que um psicanalista ordenaria depois de tudo o que eu havia passado
recentemente.
Seus olhos se lançaram sobre mim com se estivesse vendo minha roupa pela
primeira vez e não a aprovasse.
— Onde está seu casaco? — ela perguntou, dando uma olhada em meus jeans.
— Oh. Acho que eu esqueci.
Ela negou com a cabeça, entrou e saiu dois segundos mais tarde com uma
jaqueta de lã branca.
— Viu? Você definitivamente deveria estar emocionada de me ter como irmã
mais velha. Eu estou cuidando de você.
— Obrigada — eu disse com um sorriso, deslizando o braço pelas mangas da
jaqueta. Ela sempre havia cuidado de mim, e ambas sabíamos. Até a sua última
pequena escapada, em todo caso.
Ela fechou a porta, respirou fundo e apagou a luz. — Ok. Vamos começar com
o lugar e a data. Estou pensando na cidade, no próprio dia do seu aniversário, já
que vai cair em uma sexta-feira. A menos que você tenha melhores planos de voltar
para Bumblefart, Pensilvânia.
Tentei não me enfurecer com seu insulto a minha cidade natal. Eu havia me
acostumado ao longo dos últimos anos, mas, de alguma maneira, agora que ela era
da opinião de que eu nunca pertenci a esse lugar, por ter sangue Lange nas minhas
veias, parecia mais pessoal. Eu podia não amar minha cidade natal, mas era minha
casa. E eu amo a minha família, incluindo o meu pai, que sempre seria meu pai,
não importa o que aconteça.
— Não — eu disse. — Não há planos. Acho que uma festa em Nova Iorque
seria perfeita. Mas só falta uma semana. Você pode conseguir isso tão rápido?
Ela coçou o queixo. — Lembre-se com quem você está falando.
— É verdade. Que tonta.
À medida que nós caminhávamos pelo corredor até a escada, senti o peso do
livro batendo em meu quadril uma e outra vez, me provocando para levá-lo para
meu quarto, abri-lo e dar uma olhada nas notas que Elizabeth Williams havia
escrito nas margens, e ver se eu reconhecia qualquer outra caligrafia.
Talvez eu tivesse uma chance de fazê-lo depois, quando Noelle não estivesse
por perto. Porque mesmo que eu não acredite em feitiços, estou certa de que ela
consideraria ridículo que eu me preocupasse por essas garotas que haviam vivido
aqui há quase cem anos.
Mas eu o fazia. E morria de vontade de saber mais sobre elas.

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3
IRONIA
Traduzido por Báh Tega

E
ntão você matou aula por duas semanas para que você pudesse ir para
algum spa em Sedona? — Portia Ahronian disse alisando seu cabelo perfeito
enquanto andava pela capela após o café da manhã. Ela enfiou o cabelo
dentro do capuz, desembaraçando algumas mechas que tinham sobrado sobre um
dos seus vários colares de ouro. — E o seu dever de casa? Suas provas?
— Hathaway me mandou todos por e-mail — Noelle mentiu casualmente, com
um dar de ombros. — Desde que meus pais o ajudaram a conseguir o emprego, ele
não pôde mais dizer não para mim.
— E por que, exatamente, você precisou nos assustar tanto na noite que você
foi embora? — Astrid Chou perguntou, colocando alguns cereais que estavam em
sua mão na boca. Ela limpou as mãos e colocou de volta suas luvas roxas que
combinavam com seu casaco — o tipo de acessório que Astrid considerava
indispensável para usar em um lugar como o campus de Easton. — Honestamente,
eu acho que Amberly quase teve um enfarte, e como nenhuma de nós sabe fazer
reanimação cardiorrespiratória, eu nem sei como isso poderia terminar.
— Ei! — Amberly Carmichael protestou, apertando seus lábios rosa. — Você
não salvaria a minha vida?
Astrid tirou sua franja dos olhos. — Talvez. Mas só se você me prometesse
que iria me dar aquela sua bolsa vermelha da Chloé.
Minhas amigas riram e eu podia dizer que nenhuma delas estavam realmente
bravas com Noelle por ela ter aprontado com todas nós naquela noite em que ela
supostamente “desapareceu”. Todas estavam tão felizes por ela estar de volta,
segura e feliz. É claro que eu não tive a chance de contar a ela que eu tinha falado
para Ivy Slade que na verdade ela estava com a mãe dela, e era óbvio que Ivy iria
começar a fazer diversas perguntas.
— Me desculpem sobre isso, meninas — Noelle disse, voltando ao assunto
principal assim que nossos pés encostaram o caminho de pedras. — Eu só estava
brincando com Reed. Ela me devia uma e vocês simplesmente acabaram ficando
no caminho. Mas eu prometo, sem mais nenhum drama até o fim do semestre.
— Ótimo. Você realmente traumatizou todas nós — Kiki Rosen disse, parando
no terceiro degrau para fora da capela Easton e dando uma volta para olhar para
todas nós. Um vento forte levantou seu cabelo, metade do qual ela recentemente
tinha pintado de verde fluorescente. — Nós estamos tão ferradas.
Noelle rolou seus olhos, mas sorriu assim que Astrid passou seu braço ao
redor do de Kiki. Juntas, as duas pareciam como duas personagens coloridas de
uma história em quadrinhos. Eu engoli a saliva com um péssimo pressentimento.
Kiki estava certa. Em Easton ninguém nunca deveria prometer não fazer drama.
Era como tentar enganar os fatos.

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— Falando da capela, Reed, quando vai ser o próximo encontro da SLB? —
Tiffany Goulbourne perguntou baixinho. Ela estava com sua câmera na mão
passando algumas fotos dela com Rose Sakowitz. Tiffany nunca ficava sem sua
câmera, mesmo tento uma pele perfeitamente bronzeada e um corpo atlético, ela
definitivamente deveria estar posando na frente da câmera, e não estando por
detrás de uma. Ela pegou seu BlackBerry, pronta para digitar em seu calendário a
data do próximo encontro. Tiffany sempre havia sido uma das mais responsáveis
das minhas amigas, mas diferentemente do resto delas, ela parecia mais
organizada e mais perto de se formar. As outras sêniores ainda pareciam estar de
folga, copiando os trabalhos de casa ou simulando enxaquecas para sair da classe.
Mas não Tiffany.
— Nós precisamos de um encontro de garotas — Rose completou, olhando sua
pele clara em contraste com seus cachos ruivos.
— Hum... honestamente, eu não tinha pensado nisso ainda. — Eu olhei
através do campus para o bosque em volta de Easton, onde ficava a Capela Billings.
De repente, eu lembrei que ainda precisava dar uma passada lá, para ver se eu e
Noelle havíamos esquecido alguma coisa na última noite — alguma outra pista do
que Elizabeth Williams e suas amigas haviam feito com o livro de feitiços quase
cem anos atrás.
Irônico, considerando que apenas alguns dias atrás eu havia ponderado
seriamente a ideia de nunca mais voltar para aquele lugar. Depois que Noelle
fingiu seu próprio sequestro, eu havia decidido nunca mais voltar a Easton esse
semestre. Eu estava cansada de toda essa insanidade, desse egoísmo, desses
privilégios. Mas então a Sra. Lange havia explicado que tudo isso havia sido ideia
dela para me atrair e eu havia caído direitinho como um satélite na terra.
— Por que nós não fazemos essa noite? — eu sugeri. — Eu mando uma
mensagem mais tarde.
— Uma mensagem sobre o quê?
Josh apareceu atrás do ombro de Tiffany e os olhos dela estavam arregalados
como se ela tivesse sido pega fazendo algo errado. Tiffany não sabia que eu havia
contado a Josh sobre a nossa sociedade secreta — quando ele estava me ajudando a
descobrir quem raptou Noelle. Ela e Rose não precisavam saber disso. Eu não
queria que elas se sentissem traídas porque Noelle decidiu fazer uma pausa para
um spa.
— Nada que você precise preocupar sua cabecinha — eu brinquei, puxando ele
para perto de mim. Nós encostamos nossos narizes e eu sorri, inalando o cheiro
particular de Josh de sabonete de perene e tinta fresca.
— Eu senti sua falta — ele disse.
— Eu também senti a sua — eu respondi.
— Eca. Vamos indo antes que a gente se afogue em toda essa babação desses
dois — Noelle brincou.
Ela e as outras meninas voltaram a andar enquanto Josh e eu dávamos um
selinho. Ele abriu seu casaco e me abraçou dentro dele, fazendo um pequeno
casulo de Reed e Josh. Enquanto eu estava abraçada com ele depois de beijá-lo, eu
me perguntei como eu poderia ter imaginado ir embora daqui — e deixar ele. Ano
que vem Josh vai estar na faculdade e nós raramente vamos nos ver.
— Nós precisamos fazer alguma coisa. Ir a algum lugar — Josh disse baixinho
me afastando dele e passando uma das suas mãos delicadamente em minha
bochecha. — Faz quanto tempo que não temos um encontro?
Eu estreitei meus olhos, fingindo pensar. — Desde sempre?

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— Ok, então. Com a sua permissão, eu vou fazer um plano — ele disse,
fazendo nossas testas se tocarem. — O mais rápido possível.
— O mais rápido possível parece bom — eu respondi.
— Que merda ela está fazendo aqui? — Josh disse, de repente.
Meus olhos se abriram e eu me virei. O diretor Hathaway caminhou em nossa
direção a partir da direção do salão com Demetria Rosewell a reboque. Meu
primeiro pensamento foi: Duplo H vai perder os serviços matinais. Mas eu
percebi no segundo seguinte que este não era o fato importante aqui. Nem era
Demetria a “ela” a quem Josh se referiu. Vindo logo atrás deles, estava Paige Ryan
— a filha da louca que tentou me assassinar diversas vezes em St. Barths. Josh
ficou com uma feição de raiva, mas tudo o que ela fez foi sorrir. A alguns passos da
capela ela parou e olhou para trás.
— Missy! Você vem ou não? — ela perguntou.
Missy Thurber, minha pior inimiga em Easton, passou por Constance Talbot
e London Simmons e foi em direção à sua prima Paige. Ela também me deu um
sorriso, mas que havia um significado totalmente diferente do que parecia. Como
quem queria dizer eu sei de algo que você não sabe.
Meu coração parou na garganta, e eu olhei de volta para Constance e London.
As duas se viraram e me evitaram.
— O que é isso? — Josh perguntou, entrelaçando seus dedos nos meus.
— Eu não sei — eu respondi. — E eu acho que eu não quero saber.

15
4
SEM DRAMA
Traduzido por Thaynara Ribeiro

—A dorei a ideia da festa em honra aos estudantes do último ano — eu


disse a Amberly esta noite enquanto nós relaxávamos sobre o solo
da Capela Billings. — Você quer formar um comitê?
— Sim! Eu adoraria um comitê! — disse Amberly, aplaudindo.
Eu pude ver muitas garotas fazendo caretas ante a ideia de estarem atadas a
Amberly e sob sua direção, mas era a sua ideia, então elas simplesmente teriam
que lidar com isso. Estávamos terminando nossa reunião quando Amberly havia
formalmente apresentado a nós “uma petição para um novo assunto” como se
estivéssemos em uma comissão de diretoria, em vez de deitadas em almofadas de
seda, cobertores e pedaços de pano na capela deserta. Rose havia proporcionado o
refrigerante essa noite — salgados gourmet enviados de Nova Iorque — e havia
migalhas, farelos e resto de coco em todas as partes. Vienna Clark gemeu, com suas
mãos sobre seu estômago plano e um pouco de chocolate no canto de seus lábios.
— Muito bem, se não há outros pontos novos para tratar — eu disse, — então
eu darei por terminada a reunião!
O grupo alegre se levantou tão logo quanto as palavras saíram da minha boca,
e minhas amigas começaram a recolher suas coisas. Noelle pegou as mãos de
Vienna e a levantou do chão, enquanto Amberly praticamente saltou para Lorna
Gross e Astrid, pedindo a elas para se unir ao comitê.
— Está pronta? — Ivy perguntou, tirando seu longo cabelo negro de seu
casaco vermelho e deixando-os cair sobre suas costas.
— Na verdade, acho que vou ficar aqui um pouco mais — eu disse, dando de
ombros de um modo que eu esperava que fosse casual. Eu tinha um plano para
essa noite, e este não envolvia voltar ao campus.
Noelle parou perto da porta e arqueou uma sobrancelha. Afastei meus olhos
nervosamente. Talvez meu gesto passasse despercebido.
— Não quero deixar essas migalhas. Podem atrair ratos.
— Oh! Então eu te ajudo — Ivy disse.
Ela começou a descer sua bolsa e eu entrei em pânico. — Não! — eu balbuciei.
Ivy e Noelle estavam me olhando agora com expressões iguais de
preocupação e confusão. O que era interessante, considerando o muito que se
odiavam mutuamente. Noelle cruzou os braços sobre seu peito.
— É só que... eu quero ficar sozinha — eu disse. — Tenho muito em que
pensar e eu... acho que nunca lhes disse isso, mas eu gosto de limpar enquanto
penso. Me ajuda a relaxar.
A testa de Ivy se franziu ainda mais, e por um momento pensei que ela iria
discutir, mas então Noelle girou, golpeando Ivy gentilmente com seus ombros.
— Vamos. Deixa a louca com sua terapia de limpeza.

16
Se tinha alguém que sabia de verdade que eu tinha muito o que pensar, essa
era Noelle. Ao que parecia, ela estava tendo pena de mim. O que fazia eu me sentir
culpada por todas as mentiras. Reed má.
— Tudo bem — disse Ivy lentamente. — Mas eu não gosto da ideia de você
aqui fora sozinha.
— Eu ficarei bem — eu prometi. — Estou com meu celular se eu precisar de
algo.
As duas finalmente se renderam e seguiram as demais para fora, todas me
cumprimentaram e gritaram suas despedidas enquanto saíam para a noite.
Quando suas vozes finalmente se foram levadas pelo vento, dei uma respiração
profunda e olhei ao meu redor. Exceto pelas poucas velas queimando, a capela
estava na escuridão. Algumas das janelas manchadas tinham sido quebradas há
muito tempo, deixando para trás ásperos mosaicos incompletos, e as estrelas
estavam brilhando do lado de fora dos cristais quebrados. Os bancos estavam
polidos e brilhantes, graças aos membros da minha sociedade secreta, e o chão de
madeira estava limpo, mas no alto do lugar ainda ficaram algumas teias de aranhas
e ninhos de pássaros.
Rapidamente desliguei tudo com exceção de uma vela, deslizei meus braços
dentro do casaco branco de Noelle para me proteger do frio do porão, peguei
minha bolsa e a única vela e caminhei para a sala na parte traseira do edifício.
Deixei minha vela no suporte em cima da mesa coberta de poeira, logo
caminhei para a estante na parede oeste. Usando as duas mãos, afastei a estante do
estuque. Ela se afastou, deixando escapar um grunhido silencioso de protesto.
Atrás dela havia uma pequena porta branca com uma maçaneta de latão e uma
velha fechadura. Tirei a chave de cordão roxo do bolso de meus jeans. Enquanto
enfiava a chave na fechadura, olhei por cima do meu ombro para ter certeza de que
nenhuma das minhas amigas havia voltado. Depois girei a chave com um clique, e
a maçaneta gelada da porta girou facilmente em minhas mãos.
Ar frio correu pelo porão, junto com um odor de umidade que me fazia
pensar no porão da biblioteca de Croton. A habitação úmida alojava todos os livros
históricos, e os alunos mais velhos sempre eram pegos se beijando lá. Alcancei a
vela e a sustentei no alto na minha frente enquanto descia as escadas, sentindo
uma descarga de emoção. Eu havia estado esperando por esse momento durante
todo o dia.
Quando meu pé golpeou o chão de concreto, eu parei. Minha garganta estava
seca e eu olhei ao meu redor. O porão era um círculo perfeito. Onze cadeiras
estavam estabelecidas no centro, e nesse centro havia um pódio, simples, robusto e
feito de maneira. Caminhei ao redor da habitação até que estive posicionada contra
a parede diretamente atrás do pódio. Depois levantei a barra do casaco de Noelle
para que não se sujasse e me sentei.
Inalei um pouco de ar almiscarado, olhando lentamente ao redor da
habitação e sorri. Elizabeth Williams havia passado momentos aqui. Havia estado
nesta mesma habitação com Theresa Billings e Catherine White e todas as demais
garotas mencionadas no livro da SLB. Eu queria saber como elas eram, e eu me
perguntava por que eu nunca havia pensado em tentar encontrar fotos delas antes.
Havia câmeras em 1915, não é? Amanhã eu teria que revisar os arquivos de Easton
e ver se eu conseguia encontrar algumas fotografias.
Tirei o livro da SLB primeiro e o abri na segunda página, onde cada um dos
membros da Sociedade Literária Billings havia assinado seu nome. Então
lentamente abri o livro de feitiços. Na frente havia uma lista de feitiços básicos, e

17
ao lado de cada um havia uma pequena marca, como se alguém os tivesse marcado
depois de realizá-los. Ao lado de alguns itens havia notas, escritas em diferentes
letras.
Terceira tentativa com êxito, ou Deve-se fazer com duas irmãs, segurando
as mãos.
Algumas das notas eram com a mesma letra inclinada da do livro da SLB —
onde os y’s eram curvados para baixo pela cauda e os s’s eram enfeitados. Havia
pequenas curvadas nos w’s, m’s e n’s. A letra pertencia a Elizabeth Williams.
Cuidadosamente, estudei algumas das outras notas, meus olhos indo e vindo
da página de assinaturas do livro da SLB para o livro de feitiços. De repente, meu
coração se acelerou. Algumas das outras notas eram escritas por Catherine White,
a melhor amiga de Elizabeth. Seus a’s e o’s minúsculos eram perfeitamente
redondos, quase como a letra de uma criança.
Um tremor de satisfação me atravessou, como quando eu resolvia um
problema de cálculo. Passei as páginas do livro de feitiços, olhando alguns dos
títulos. “O Feitiço do Esquecimento”. “A Língua Inchada”. “O feitiço para
Consertar um Coração Partido”. Logo algo chamou minha atenção enquanto eu lia,
e lentamente voltei. Escrito contra a parte superior da página estavam as palavras,
“A Presença do Feitiço Mental”.
Essa letra não era de Elisabeth, mas era familiar. Olhei para trás na lista de
assinaturas e a identifiquei de imediato. Os traços eram fortes e confiantes, as
letras maiúsculas grandes demais. O feitiço havia sido escrito por Theresa Billings.
— Isso é tão loucamente genial — eu sussurrei.
Olhei ao redor da habitação de novo, abraçando a mim mesma contra o frio.
Imaginei Theresa, Elisabeth e Catherine no pódio, fazendo notas no livro. Elas
realmente haviam feito feitiços nesse lugar? Alguns deles haviam funcionado? Isso,
inclusive, era possível? Ou era uma brincadeira para ocupar seus tempos?
Mordendo meu lábio, passei o encantamento perto da frente do livro de
feitiços, o que supostamente poderia transformar um grupo de onze garotas em
bruxas. Eu o havia encontrado essa tarde no almoço, quando havia passado o
período escondida em um cubículo de estudo na parte traseira da biblioteca. As
instruções eram explícitas. Onze garotas vestidas de branco era um requisito. Elas
estariam sentadas em um círculo, cada uma segurando uma vela e recitando o
feitiço. Um tremor de emoção me atravessou. Se isso precisava de onze garotas de
branco para funcionar, então não podia fazer nenhum dano para mim dizê-lo por
minha própria conta, não é?
— Como poderia fazer algum dano, perdedora — eu sussurrei. — Isso não é
real.
Tomei uma respiração profunda e a segurei, segurando uma risada de
vergonha. Logo movi minha vela sobre a página e li.
— Viemos juntas formar esse círculo bendito, puras de coração, livres de
mente. A partir dessa noite estamos ligadas, somos irmãs — minha voz mudou com
um júbilo ante minha própria infantilidade, mas não importava. Isso era divertido.
— Juramos honrar esse laço sobre todos os demais. De sangue para sangue, de
cinzas para cinzas, de irmã para irmã, fazemos este voto sagrado.
Escutei um rangido que parou meu coração, e de repente uma rajada de vento
disparou através da habitação circular, lançando meu cabelo sobre meus ombros e
apagando a vela. Com o coração na garganta, fiquei de pé, os livros caindo sobre o
chão aos meus pés. O acre odor da fumaça da vela de festas de aniversários
ondulou através das minhas fossas nasais enquanto pesados passos desciam as

18
escadas, cada rangido dos velhos degraus eram como uma flecha no meu coração,
cada barulho realçando meu terror. Pressionei minhas costas contra a parede, me
perguntando se havia algum jeito de usar minha vela como uma arma. Logo, de
repente, saído de nenhum lado, a vela voltou à vida de novo. Olhei a chama,
paralisada, meu coração parado de medo.
Como isso pôde acontecer?
Nesse momento, Noelle chegou ao pé da escada, suas mãos apoiadas nas
paredes, na altura de suas orelhas, e me olhou com uma expressão irônica.
— Eu sabia!
— Noelle! Você me assustou pra caramba! — eu balbuciei.
— É o que você merece! — ela disse, andando através da habitação. — O que
você está fazendo? Por favor, me diz que você não está levando essa coisa a sério de
verdade.
Ela tirou o livro da SLB das minhas mãos e o olhou. — O que você está
fazendo agora, escrevendo uma monografia?
Peguei o livro de novo e, com uma mão tremendo, empurrei a estúpida vela
para ela. Enquanto me agachava no chão, enfiando os livros na minha bolsa, dei
umas tantas inalações para não perder o equilíbrio. Obviamente o vento havia
soprado pelas escadas quando Noelle havia aberto a porta. E quanto a vela... era só
um pavio defeituoso. Ou uma dessas velas que voltam a se acender sozinhas.
Exceto que eu nunca tinha visto uma dessas que não fosse do tamanho de
uma-vela-para-bolo-de-aniversário.
— Eu só estava dando uma olhada — eu improvisei, colocando a bolsa no
ombro enquanto caminhava. — Eu estava tentando investigar se essas garotas da
Sociedade Literária Billings realmente acreditavam nessa merda de bruxaria.
Noelle, para minha surpresa, parecia interessada. — E? Elas acreditavam?
— Algumas delas, eu acho — eu disse, dando de ombros. Por alguma razão eu
não queria dar nomes. Pareceria como se eu estivesse traindo as garotas da SLB de
algum modo. As expondo à ridicularização de Noelle. O que, sem dúvida, era
ridículo, já que todas elas estavam mortas há provavelmente trinta anos.
— Sim, bom, as pessoas eram muito mais crédulas nisso naquela época —
disse Noelle, girando e se dirigindo para a porta aberta. — Vamos. Lá em cima
ainda está um desastre e eu não vou entrar aqui outra vez se estiver infestado de
ratos.
— Vou logo depois de você — eu disse, mantendo um olho na vela, que ela
segurava na frente dela. Ela começou a subir a escada, mas eu parei, olhando ao
redor mais uma vez.
É apenas uma sala, eu me disse. Igual a qualquer outra sala de Easton.
Levantei o pé, e o pus no primeiro degrau, e enquanto o fazia senti uma suave
brisa contra o meu rosto. Olhei ao redor. Não havia nada aberto na parede de
pedra. Não havia janelas em lado nenhum, sendo que eu estava embaixo da terra.
Encolhendo os ombros, segui caminhando, mas no terceiro degrau, o senti de
novo. E no sétimo foi ainda mais forte, ele veio justo na minha cara, desacelerando
minha subida. No décimo degrau, a chama da vela nas mãos de Noelle havia
morrido, e no décimo segundo, eu apertei meus olhos para ver. Quando cheguei à
parte superior, fechei a porta atrás de mim, sem respiração.
— Desde quando essas escadas são um túnel de vento? — eu perguntei.
Noelle cuidadosamente pôs o cabelo atrás das suas orelhas, e uma parte de
sua franja ficou em sua testa.

19
— Deve ser esta janela — Noelle disse, assinalando para a vidraça atrás da
mesa. A parte superior estava completamente descoberta, como se alguém a
tivesse quebrado, removido todos os cacos, e nunca concertado. Meu interior se
revolveu, enquanto eu olhava a flexão e o movimento dos galhos das árvores lá
fora.
— Eu não lembro de ela estar quebrada antes — eu disse.
— Bom, agora está — ela respondeu casualmente. — Vamos lá. Vamos limpar
isso e voltar para o Pemberly. Precisamos fazer uma lista de convidados para a sua
festa.
— Ok.
Tentei soar tão emocionada quanto ela, mas enquanto saíamos dei uma
última olhada temerosa para a janela, meio que esperando ver o fantasma de
Elizabeth Williams alcançando-me. Fechei a porta firmemente atrás de mim e corri
para alcançar Noelle.
Se eu realmente quisesse uma vida sem drama, talvez fosse o momento de eu
deixar de caminhar no meio da noite procurando-o.

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5
ELIZABETH
Traduzido por Ligia Brajato

—O Billings só continuará a existir por causa de você, Reed. Você é a


única que pode consertar as coisas.
Minha respiração era como uma nuvem branca na minha
frente. As estrelas brilhavam alegremente através do emaranhado de galhos acima
de mim. Eu fiquei no centro de uma pequena clareira na floresta de Easton,
usando apenas minha camiseta da Penn State e meus shorts de malha do futebol
de Easton.
— O Billings precisa continuar existindo, Reed. O livro de feitiços é real.
Alguém estava falando, mas não havia ninguém ali. A voz mandou um
formigamento quente e familiar pela minha espinha, mas não era de medo. Era
quase como se eu reconhecesse os tons delicados. Como se eu os tivesse ouvido em
algum lugar antes.
— É real, e eu posso te provar.
Um movimento repentino no canto da minha visão parou meu coração. Uma
garota nova, da minha idade, saiu de trás das árvores. Era como se ela tivesse se
materializado do nada, do éter, mas não era um fantasma. Ela parecia sólida, real e
tridimensional enquanto atravessava lenta e deliberadamente o chão da floresta.
Ela usava um vestido a moda antiga com uma saia xadrez azul e um casaco de lã
azul mais escuro, o capuz puxado para cima para cobrir seu cabelo escuro. Seus
olhos eram verdes, meio parecidos com os da minha mãe, e enquanto ela se
aproximava, eu percebi que ela era da minha altura, embora muito mais magra. Eu
poderia colocar minhas mãos ao redor do seu pulso fino e estava certa de que as
pontas dos meus medos se tocariam. Ela estava cerca de sessenta centímetros
distante de mim, mas eu não recuei. Não havia nada de ameaçador nela.
— Você é muito bonita — ela disse, inclinando sua cabeça para o lado. Seus
lábios se moveram, mas sua voz não surgiu da sua garganta. Veio dos arredores,
como se as árvores tivessem alto-falantes escondidos. — Mas não é a coisa mais
admirável em você.
— O que é? — eu perguntei.
Ela sorriu devagar. — Ah, eu acho que você sabe. E se não sabe, em breve
saberá.
— Quem é você? — eu perguntei.
— Acho que você sabe isso, também.
Ela se virou com um sorriso e andou até a borda da clareira. Elizabeth
Williams. Tinha que ser ela. Que outro espectro meu subconsciente iria conjurar
na minha frente? Porque claramente era isso que era — um sonho. Ao contrário,
como eu havia chegado aqui, no centro da clareira da floresta Easton? Ao pé de
uma árvore de carvalho antigo, ela se agachou, suas saias ondulando antes que

21
flutuassem para descansar no chão. Atrás dela, a uma distância pequena, a torre da
Capela Billings pairava sobre os galhos mais altos das árvores desfolhadas, sua
superfície austera e branca contra o céu noturno.
— Aqui — ela disse, tocando a lama com sua luva de camurça. A neve ainda
não a havia tocado, já que o espaço era cercado por galhos grossos. — Aqui foi onde
nós enterramos os livros e prometemos nunca mais falar deles novamente. — Ela
olhou para cima com um sorriso torto, porém triste. — É claro, promessas são
feitas para serem quebradas.
— Livros? — perguntei. — Tinha mais do que um?
Ela assentiu devagar, olhando para o chão. Ela arrastou os dedos com
reverência — quase amorosamente — para trás e para frente como se ela estivesse
lembrando-se de algo ou alguém com quem ela se importava profundamente.
— Sim. Os outros desapareceram há muito tempo. Dispersos pelos quatro
ventos em lugares desconhecidos. — Depois ela me olhou nos olhos. — Mas o livro
de feitiços, o mais vital dos livros, está em mãos seguras agora.
Eu ajoelhei em frente a ela. Embora eu ainda pudesse ver minha respiração e
havia arrepios visíveis na minha pele, eu não sentia mais frio. Nem sentia calor.
Era como se eu tivesse em algum lugar fora do meu corpo, e nada que me tocasse
importava.
— Por que estamos aqui? — perguntei.
— Porque você é uma garota cética, Reed Brennan. Você precisa de provas.
— Ela levantou suas mãos e entrelaçou sobre seus joelhos. — Eu vim lhe dizer
como achar.
Ela disse esse último pedaço com um tom excitado, como se ela fosse uma
garotinha propondo um plano. Eu estava prestes a responder quando meus olhos
se moveram para trás de seus ombros. Alguma coisa havia se movido, ali nas
árvores. Uma figura. Uma garota. Eu estava certa disso. Mas quando eu encarei a
escuridão quebrada pelos troncos de árvores e pela vegetação rasteira, eu não vi
nada.
— Amanhã à noite, você voltará para esse lugar — Elizabeth instruiu. —
Traga uma pá e uma vela para iluminar o seu caminho. Se você cavar nesse
mesmo lugar, você achará o que procura.
Um emaranhado de cabelo loiro se agachou atrás das árvores. Meu coração
pulou e eu me levantei. Um galho quebrou. Inspirei um cheiro de perfume —
alguma coisa terrosa e azeda — e meus sentidos recuaram. Tinha cheiro de morte.
As folhas farfalharam. Os sons aumentaram. Tinha alguém ali. Alguém se
movendo em nossa direção através das árvores. Eu abri minha boca para avisar
Elizabeth, mas de repente minha garganta contraiu. Era como se alguém tivesse
enrolado seus dedos ao redor da minha garganta e começado a apertar, mas não
havia ninguém ali. Quando eu tentei gritar, tudo o que consegui foi um coaxar.
Eu acenei com as minhas mãos, tentando chamar a atenção de Elizabeth, mas
sua cabeça estava inclinada em direção a terra. Ela estava inclinada acariciando o
chão com a ponta de seus dedos novamente. Atrás dela, os galhos balançavam. O
barulho dos passos se aproximando ficou mais alto, mas ela não recuou. Não olhou
para cima. Não havia ar e eu não conseguia me mexer. Não podia defendê-la, nem
a mim mesma.
De repente, alguém saiu dos arbustos e se lançou em cima de Elizabeth,
lutando com ela no chão. Um borrão de cabelo loiro e pele pálida. A garota fechou
seus dedos ao redor do pescoço de Elizabeth, bateu sua cabeça contra o chão

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enlameado da floresta e agitou sua cabeça para que ela pudesse me olhar por cima
de seu ombro.
— Ariana!
Minha porta se abriu e eu me sentei ereta em minha cama, minha mão
cobrindo meu coração. Ivy estava na porta, seu cabelo bagunçado pelo sono, sua
camisa de dormir caindo sobre um ombro. Ela segurava um bastão de alumínio de
softball em cima de seu ombro.
— Reed! Você está bem? — ela puxou o bastão para trás e olhou rapidamente
ao redor do meu quarto, como se estivesse pronta para destruir qualquer coisa que
se movesse.
— Por quê? — eu perguntei, tentando recuperar o fôlego.
Sua postura relaxou suavemente. — Porque você estava gritando coisas sobre
Ariana.
Minhas bochechas esquentaram de vergonha. Mas a memória do que havia
acabado de acontecer estava queimando em meu cérebro. Elizabeth Williams
morrendo nas mãos de Ariana Osgood. Tudo era tão impossível, mas parecia tão
real. Eu me lembrei exatamente onde nós estávamos quando Ariana a atacou.
Exatamente ao norte da Capela Billings, em uma clareira intocada na floresta.
Eu olhei para a cara preocupada de Ivy enquanto ela abaixava seu bastão para
o chão.
— Foi só um sonho — eu disse.
Ela sentou no pé da minha cama. — Pelo som não foi um muito bom.
Meu coração ainda batia nervosamente. — É. Não.
— O que era? — Ivy perguntou, movendo-se um pouco. — Você se lembra?
Mordi o interior da minha bochecha, colocando meus joelhos embaixo do
meu queixo. Eu queria contar a ela antes que os detalhes escorregassem da minha
mente. Contar a ela sobre a clareira, e o lugar que Elizabeth havia indicado. Ela
provavelmente me diria que era só um sonho — que eu era louca. O que
provavelmente seria uma boa coisa. Por que uma pessoa sã estaria considerando
seguir as ordens de uma garota morta de um sonho?
— Ivy, tem uma coisa que eu preciso te contar — eu disse seriamente. — É
sobre a SLB.
Ivy colocou o bastão de lado, apoiando-se contra a divisão da parede entre o
fim da minha cama e o meu armário.
— Ok — ela disse, combinando seu tom com o meu. — Estou ouvindo.

23
6
PARTICULARMENTE JOSH
Traduzido por Amanda Caroline

J
osh olhou para mim como se eu fosse louca mais de uma vez em nosso
relacionamento de um ano e meio, mas nunca por tanto tempo, ou com tanta
convicção. Nós nos sentamos em nossa mesa reservada no canto do
refeitório, enquanto o resto dos alunos da Academia Easton ria e comia, verificado
suas lições de casa.
— O quê? — eu perguntei finalmente, levando a colher até a minha boca para
tomar meu iogurte de morango.
Limpando a garganta, Josh deslizou para frente em sua cadeira, empurrando
a bandeja com seu sanduíche de peru meio comido para o lado, apoiou os
cotovelos sobre a mesa, e me dirigiu um olhar duvidoso. Um cacho loiro escuro
caiu sobre sua testa e eu sorri um pouco, sentindo o formigamento que eu sentia
quando algo particularmente de Josh acontecia — algo que só eu saberia que era
uma particularidade de Josh.
— Então deixa eu entender isso direito — disse ele. — Depois de tudo o que
aconteceu neste campus — o assassinato, a perseguição, o sequestro — você quer ir
para dentro da floresta — sozinha, no meio da noite, com base em algo que um
fantasma lhe disse em um sonho — para cavar um buraco?
Bem, quando ele coloca dessa maneira...
— Vamos lá. Eu basicamente tenho que fazer isso — eu disse, colocando a
colher e o copo de iogurte para baixo. — Se eu não fizer isso, eu sempre vou me
perguntar se realmente havia alguma coisa lá.
Foi Ivy que tinha me convencido. Esta manhã, enquanto eu me vestia,
dizendo que era apenas um sonho. Ninguém me viu correndo em Croton,
Pensilvânia, à procura de um rio feito de marshmallow, não é? (Esse era um sonho
recorrente que eu tinha no jardim de infância.) Não. Eu não fiz isso.
Porque sonhos completamente insanos são evocados pelo nosso subconsciente,
não era um mapa do tesouro para ser seguido na calada da noite. Ivy tinha
escutado pacientemente tudo isso antes de dizer as palavras mágicas. As que eu
tinha acabado de repetir para Josh.
— Sim, mas se eu não for — eu digo novamente, com os braços cruzados
sobre o peito, — eu sempre vou me perguntar.
— Posso te perguntar uma coisa? — Josh disse, limpando algumas migalhas
de bolinho do canto de sua boca. — Quando você teve este pequeno pesadelo?
Apertei os olhos, me perguntando por que isso poderia importar.
— Hum... esta manhã. Quando acordei, o sol já estava alto. Umas... seis e meia?
Os olhos verdes de Josh se arregalaram. Ele pegou outro biscoito.
— Isso é tão estranho.
— O quê? — eu perguntei.

24
— Eu tive um pesadelo esta manhã também, e você estava nele — ele contou.
— Eu não me lembro sobre o que era, exatamente, mas quando acordei, eu olhei
para o relógio e eram exatamente seis e trinta e dois.
Senti um arrepio estranho subindo nas minhas costas e parei a colher a meio
caminho da minha boca. — Sério?
Ele sorriu e colocou o biscoito em sua boca. — Não.
— Ugh. — Eu fiz uma bolinha com meu guardanapo e atirei nele. Ele se virou
para o lado e o guardanapo caiu inocentemente no piso de madeira atrás dele.
— Ok, sobre o plano de vocês, posso apenas dizer que... não? — perguntou
Josh. Ele usou o guardanapo para limpar a boca e, em seguida, bebeu um copo
cheio de leite integral.
— Não? — eu pergunto, incrédula. — Desde quando você me diz o que posso e
o que não posso fazer?
Josh ri, colocando sua cabeça para trás e sacudindo-a de uma forma
divertida. — Como se eu alguma vez tivesse tentado. Não. Eu não estava dizendo
não, que você não pode ir. Eu estava dizendo não, você não vai sozinha. — Ele fez
uma pausa e limpou a boca com o guardanapo, desta vez limpando o bigode de
leite. — Eu vou com você. A partir de agora, eu não vou deixar você fora da minha
vista nem por um segundo.
— Oh — eu digo, me sentindo tonta.
— A menos que você ache que a Elizabeth se importe — ele acrescenta,
deixando a frase no ar.
Eu ri e revirei os olhos para ele. — Eu não acho que ela se importará.

25
7
PROVA
Traduzido por Báh Tega

A neve no chão havia congelado e formado uma crosta grossa, o que


dificultava alguns dos meus passos. Às vezes ao trocar de passo meu pé
acabava preso. Minha trilha parecia a de um jogo: duas pegadas aqui, uma
ali e outra bem longe.
A lua iluminava todo o campus, refletindo as coisas suavemente, e deixava o
céu tão iluminado como ficava à luz do dia.
Quando me aproximei do galpão de paisagismo tudo estava quieto. Não havia
corujas, grilos ou nenhum outro bicho estúpido que poderia fazer barulho.
Ninguém exceto eu mesma. E…
— Josh? — eu sussurrei, me esgueirando em uma beirada do galpão que era
feito de madeira. — Josh, você está...?
Um barulho muito alto me assustou. Eu pensei que poderia ser um ferrolho,
mas em seguida a porta ao lado se abriu lentamente e Josh colocou a cabeça para
fora juntamente com duas grandes pás.
— Desculpa. Te assustei? — ele perguntou.
— Eu e metade de Connecticut — eu disse, olhando para as janelas do Hull
Hall, com a mão sobre o coração.
— Sabe, quando eu sugeri que a gente tivesse um encontro, não era isso que
eu tinha em mente — Josh disse, dando um passo para fora.
— Eu sei. Nós ainda vamos fazer isso — eu prometi a ele. Eu olhei para o
cadeado aberto na porta. — Então como você...
— Ei!
Josh e eu gritamos e nos encostamos na parede com as pás. Eu soltei seu
braço assim que vi Ivy vindo em nossa direção. Ela usava um sobretudo preto junto
com um gorro da mesma cor, e seu cabelo estava com duas tranças feitas.
— O que você está fazendo aqui? — eu disse.
— Vocês não acham mesmo que eu vou deixar vocês dois fazerem isso sem
mim? — ela disse, levantando suas perfeitas sobrancelhas. Ela levantou seu queixo
em direção ao galpão. — Vocês deviam travar isso.
— Você quer uma pá? — Josh perguntou, virando para a porta.
Ela torceu o nariz. — Eu não uso pás.
Josh riu. Eu desejei que Ivy tivesse me dito que ela viria no meio da missão,
mas eu estava feliz por ela estar ao meu lado de novo. Se esgueirar por aí pelos
bosques de Easton procurando um legado de um fantasma era definitivamente
uma situação interessante. Josh trancou a porta segurando as duas pás nos
ombros.
— Nos mostre o caminho, “Elizinha” — ele disse.

26
Eu o empurrei levemente em direção à floresta. O lugar onde eu havia estado
no meu sonho era atrás da capela, então decidi caminhar um pouco para o norte e
tentar encontrar a clareira. Nós três estávamos andando em fila, Josh e Ivy
estavam atrás de mim, os bosques estavam silenciosos com exceção dos sons dos
nossos passos e da nossa respiração. De repente eu me lembrei que eu brincava de
aventuras na selva com meu irmão Scott e seus amigos quando éramos pequenos
— na floresta atrás da nossa escola com cantis e lanternas. Só então, percebi que
meu pulso estava batendo nos meus ouvidos de forma irritantemente enervante.
— Uau — Josh sussurrou assim que dávamos alguns passos largos em volta
da capela. — Isso que é uma igreja bonita.
— Você já havia visto ela antes, não foi? — eu disse, olhando sob meu ombro
para ele.
Ele parou perto de um pilar e olhou para trás observando toda a estrutura. —
Huhum, mas nunca à noite. Eu devia voltar aqui e repintá-la antes de me formar.
Meu coração se espremeu com o pensamento de Josh deixando Easton, e
pareceu que a notícia mudou minha expressão. Ele procurou minha mão e a
apertou sob a luva.
— Que será daqui há muitas, muitas, muitas semanas — ele me lembrou.
Eu assenti. Ivy ficou para trás a uma distância respeitosa, com as mãos nos
bolsos do casaco, mas eu não pude deixar de lembrar que há pouco tempo não
teria sido a minha mão que ele estaria pegando. Já era estranho o suficiente
quando ela namorava o meu ex, mas agora eu o namorava de novo e ele era o ex
dela. O fato de nós três estarmos juntos na mesma missão era um pequeno
milagre. Eu limpei a minha garganta e continuei.
— Vamos lá, estamos quase chegando.
Eu andei até o centro da parede dos fundos, em seguida, virei meus pés
perpendicularmente e fui em direção à floresta. Agora que estávamos tão perto, de
repente eu percebi o quão completamente inútil e insano todo esse esforço era. O
que eu realmente achava que ia encontrar aqui? Isso era produto da minha
imaginação fértil, junto com a minha obsessão pela SLB e o livro de feitiços.
Mas quando fiquei sob a linha das árvores, eu parei. Bem de frente a mim
estava o caminho. Um pouco escondido, mas estava lá.
— O que foi? — Josh perguntou, ficando atrás de mim.
— Olha — eu apontei para o chão, indicando com meu dedo a trilha do
caminho. Todos nós entramos na escuridão. Mais à frente, parecia que as árvores
se separavam. — Isso é...
— Uma clareira? — Ivy disse, parando do meu outro lado. — Pode apostar que
é.
Ela seguiu em frente, abrindo o caminho para a floresta.
— Eu acho que a gente devia seguir ela — Josh disse.
— Isso seria rude, certo? Deixar ela sozinha aqui — eu brinquei.
— Sem dúvida.
Eu dei uma olhada para o céu por um momento, sentindo como se alguém
nos observasse. Não de uma forma assustadora, mas… interessada. Eu procurei
pela mão de Josh, feliz por eu não ter que fazer isso sozinha. Quando nos
encontramos com Ivy, ela estava de pé no centro de um círculo de árvores. O chão
estava cheio de sujeira, sem neve à vista. Meu coração acelerou. Eu sabia que não
era a mesma coisa do meu sonho, mas era familiar. Lentamente, passei meus olhos
ao redor das árvores, folhas e galhos. E eu congelei.
— O quê? — Ivy e Josh disseram juntos. — O que foi?

27
Josh ficou próximo a mim, as pás se chocaram enquanto eu tentava ver
exatamente as coisas do meu ponto.
— Ali — eu disse apontando. — É aquela. Aquela é a árvore do meu sonho.
Ivy e eu fomos juntas até a enorme árvore. Ela se agachou exatamente como
Elizabeth havia feito naquela noite e eu fui atingida com um soco doentio no
estômago. Eu quase a puxei de volta. Mas isso era ridículo. Não era como se Ariana
fosse sair do meio das árvores para me atacar.
Eu respirei fundo e novamente olhei ao meu redor. Não havia ninguém ali.
— Olha isso — Ivy disse. — Esta área está diferente. Olha. Está mais baixa que
o resto da clareira.
Meu estômago se encheu de borboletas com o tamanho de bolas de baseball.
Josh colocou uma pá no ombro e me entregou a outra. Ele colocou a ponta da pá
no chão.
— O que você está fazendo? — eu perguntei, fazendo-o parar com a minha
mão.
— Cavando — ele respondeu. — Não foi isso que nós viemos fazer aqui?
Eu sorri. — O que aconteceu com o cético Josh?
— Ele oficialmente deixou o prédio — Josh respondeu. — E então, você vai me
ajudar ou não?
Nós dois começamos a cavar, enquanto Ivy colocou seu casaco debaixo de
suas pernas e se sentou em uma grande árvore caída para assistir. O chão sólido e
congelado fez o trabalho ser lento e frustrante. Cada vez que tentávamos cavar
ficávamos mais frustrados. Mesmo assim, eu imaginava minha pá batendo em algo
metálico, o que Elizabeth Williams havia me enviado aqui para encontrar. No
mesmo ponto as árvores se moviam ao redor da lua com a floresta escura nos
cercando, e Ivy tinha duas lanternas que ela pegou do kit de emergência do nosso
dormitório. Meus ombros começaram a doer. Eu limpei o suor da minha testa, me
perguntando quando eu tinha ido de congelada para superaquecida.
— Reed? — Josh disse. Ele apoiou ambas as mãos sobre o fim do cabo da sua
pá e olhou para mim. Ele estava parado em uma vala de cerca de um metro de
profundidade. Havia uma mancha de sujeira do seu nariz até o lóbulo da sua
orelha. — Nós já podemos parar agora?
Eu olhei para Ivy. Ela tremia de frio.
— Há quanto tempo nós estamos fazendo isso?
— Duas horas — ela disse, sem olhar para o relógio. Ela suspirou. — Isso é um
saco.
— Eu sei. Eu tinha certeza de que iríamos achar alguma coisa — eu disse
enquanto Josh saía do buraco. — Talvez — eu completei. Mas eles estavam aqui
comigo, e eles não tinham sequer tido esse sonho.
— Tem certeza de que você nunca esteve aqui antes? — ele perguntou,
respirando fundo. — Talvez você tenha sonhado sobre isso porque você já tinha
visto isso, e não porque...
— Não porque o fantasma de Elizabeth Williams queria que eu o
encontrasse? — Isso soou ridículo, até para mim. Eu não acreditava que eu arrastei
meus dois melhores amigos aqui para nada.
— Me desculpa, gente. Eu me sinto uma completa...
Justo então, algumas nuvens se dispersaram, mandando alguns raios do luar
sob as árvores. Pelo canto do olho eu vi algo brilhar. Bem no meio de toda a terra
que eu e Josh havíamos cavado.
— Ivy! Ilumina ali!

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— Onde? — ela perguntou, se levantando alarmada com a minha voz.
— Ali! — eu apontei uma lanterna para a esquerda do pé de Josh. Quando Ivy
apontou, eu perdi a habilidade de respirar.
— Ai meu Deus! — Ivy e eu dissemos juntas.
Josh se virou como se esperasse que Elizabeth saltasse da árvore e mordesse
seu pescoço. Eu rapidamente contornei o buraco e caí de joelhos ao lado da pista
de ouro. Usando meus dedos doloridos, eu empurrei a sujeira de lado até que eu
encontrei um grande pingente redondo. Puxei-o para fora pela sua corrente e o
coloquei sob a palma da minha mão. Estava quente ao toque — o que era estranho,
já que ele tinha estado enterrado na terra congelada por sei lá quanto tempo. Ele
tinha um desenho intrincado que tinha sido entalhado na sua superfície, então eu
tentei limpá-lo com meu dedo para eu poder vê-lo melhor.
— O que é? — Josh perguntou, abaixando-se também.
Finalmente eu o limpei o suficiente para enxergar à luz do luar. De repente,
minha cabeça se iluminou e eu estendi a mão para agarrar o ombro de Josh.
— O quê? — Josh perguntou novamente. — O que é?
— É o mesmo desenho — eu disse, me virando para mostrar para Ivy.
Ivy trouxe o rosto baixo, os olhos pairando sobre o desenho dos círculos em
redemoinhos. — É exatamente o mesmo — ela disse.
— Alguém pode me dizer o que está acontecendo? — Josh perguntou.
Eu olhei para ele, meus olhos brilhavam e meu coração estava disparado com
a incerteza e com o medo.
— É o mesmo desenho que está gravado na capa do livro de feitiços.

29
8
A BOMBA
Traduzido por Gabriel Willian

—E ntão agora você está tão desesperada por uma boa joia que você vai
apenas usar qualquer coisa velha que você encontrar por aí? —
Noelle disse quando ela sentou-se em seu lugar de costume na mesa
do Billings: o último assento na fileira, de frente para a porta para que ela pudesse
ver todo mundo que vem e vai. — Se você realmente quer algo, tenho certeza de
que papai irá comprar seja o que for. Ele ainda está esperando que você
reconsidere, depois de tudo.
Revirei os olhos e deixei cair minha bandeja na frente dela. O medalhão
estava quente contra a minha pele e brilhava com o reflexo das luzes do teto,
graças ao limpador de joias que Ivy havia passado nele durante a noite.
— Isso é tudo o que você tem a dizer? — eu perguntei, tocando o medalhão
com o dedo. — Eu digo que o fantasma de uma Garota Billings me levou ao bosque
para encontrar o colar perto da capela, e tudo o que você tem a dizer são insultos?
Noelle jogou o guardanapo no colo e despejou sal e pimenta em seu ovo
cozido fatiado. Um dos sacudidores de cristal tilintou contra seu anel de ouro. Ela
não me olhou nos olhos durante os cinco minutos seguintes.
— Noelle...
— Reed, você está se ouvindo? — ela perguntou, finalmente, descansando os
braços na beirada da mesa. — Você soa como uma pessoa louca. Você não pode
contar a ninguém que somos irmãs, mas pode muito bem correr por aí e dizer a
todos que uma pessoa morta levou você até o medalhão no meio da floresta?
Meu coração reagiu a alguma emoção que eu não consegui identificar e eu
toquei o medalhão novamente. Só então Tiffany e Portia deslizaram para as duas
cadeiras próximas. Noelle me lançou um olhar de advertência, claramente me
mandando ficar de boca fechada, como se eu precisasse ser avisada. Ela era a única
pessoa com quem eu estava interessada a conversar sobre isso.
— Espere até você ver as peças de centro que eu projetei para a sua festa —
disse Noelle habilmente mudando para um tópico mais companhia-amigável. —
Eu vou investir em um tema aquático, e eu encontrei um cara que faz peças de
centro florais com pequenos aquários no fundo dos vasos. Peixes de verdade e tudo
mais.
— Fabuloso — Portia disse, jogando o cabelo sobre o ombro.
— O que eles fazem com o peixe depois da festa? — Tiffany perguntou.
— Não dê uma de ambientalista, menina verde. Papai vai levá-los para casa
para a sua coleção pessoal — Noelle disse. Ela arrancou um pedaço do seu pão e
enfiou em sua boca, me olhando maliciosamente. — Ele está pagando por tudo,
sabe.

30
Uma enorme rocha se formou entre o meu coração e a minha garganta, e
minha mão foi automaticamente para o medalhão novamente. De repente eu
estava muito interessada em meu cereal.
— Sério? Isso é legal da parte dele — Tiffany disse, olhando-me com
curiosidade.
— Por que ele faria isso? — perguntou Portia, levantando o garfo. — Sem
ofensa.
Encolhi os ombros e dei-lhes um pequeno sorriso.
— Ele sabe o quanto Reed e eu somos próximas — Noelle disse, espetando
uma fatia de ovo. — Eu quero dizer, nós somos praticamente irmãs.
Eu engasguei com meu suco de laranja e um pouco dele subiu para meu
nariz.
— Tudo bem, Reed? — Noelle questionou.
— Sim. Claro.
Consegui dar outro sorriso e respirei fundo, tentando não tossir novamente.
— Reed! Que medalhão incrível — Portia disse, de repente, estendendo a mão
para o pingente, que eu nem tinha percebido que ainda estava brincando com ele.
— É tão... único. — Ela passou o dedo sobre a superfície. — Definitivamente uma
antiguidade. Onde você conseguiu isso?
Eu atirei em Noelle um olhar de pânico.
— Hum, eu encontrei em um bazar de caridade quando eu estava em casa.
Portia torceu o nariz. — O que é um bazar de caridade?
— Você poderia deixar ela em paz, P? — Noelle pediu. — Ela está ficando azul.
Portia deu de ombros e eu me endireitei de novo, alisando o medalhão e
esfregando-o na parte de trás do meu pescoço, onde a corrente havia cortado
minha pele. Portia ainda estava avaliando o colar pelo canto do olho, enquanto
mordia algo da sua salada de frutas.
— Você vai ter que avaliá-lo. Poderia valer alguma coisa — disse ela.
Olhei para Noelle, com uma sensação de calor debaixo dos meus braços e em
volta do meu pescoço.
— Sim — eu disse. — Talvez eu faça isso.
Kiki e Astrid chegaram, caindo nas cadeiras ao lado de Tiffany e Portia. Em
seguida, Lorna, Amberly e Viena preencheram os últimos assentos, ajustando suas
bandejas na mesa para caber tudo.
— Olha aquilo — Astrid disse, levantando o queixo em direção à mesa
principal, onde o diretor e os professores do conselho geralmente se sentavam.
Meu sangue gelou quando eu vi que o Sr. Hathaway estava segurando uma cadeira
na cabeceira da mesa para Demetria Rosewell. Ela usava um terno branco de
inverno que fez seu cabelo preto se destacar até mesmo do outro lado do salão. Ela
balançou os cachos para trás quando ela sentou-se e deu um sorriso com seus
lábios finos quando o diretor apresentou os professores ao seu redor.
— Por que ela está sendo tão paparicada ultimamente? — eu disse baixinho.
— Eu posso te dizer o porquê.
Um frio abateu em minhas costas quando Missy Thurber inclinou-se por trás
de mim. Ela pousou uma mão nas costas da cadeira e a outra sobre o canto da
mesa. Ela devia estar andando pelo corredor atrás de mim enquanto eu fazia
minha pergunta. Ela cheirava a perfume de lavanda e a combinação de manteiga e
pasta de amendoim. Eu prendi minha respiração. Constance e London estavam em
pé no final da mesa. Pelo canto do olho, eu vi Sawyer Hathaway, meu amigo e filho

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do diretor, levantar-se de seu lugar. Ele tinha um olhar preocupado sobre a sua
aparência de garoto bonito, como se estivesse antecipando uma briga.
— Eu não acho que alguém daqui estava falando com você, Missy — Noelle
atacou.
Missy se endireitou, misericordiosamente me dando espaço para respirar, e
se afastou para ficar ao lado das suas amigas. Erguendo o queixo de modo que eu
podia praticamente ver seu cérebro através de suas enormes narinas, ela dirigiu-se
à mesa inteira com o ar de uma garota que sabia que estava prestes a soltar uma
bomba importante.
— Demetria Rosewell e Paige Ryan decidiram doar alguns milhões de dólares
para a escola para que o Alojamento Billings fosse reconstruído — disse ela
maliciosamente.
Meu coração pulou com uma batida de animação. O Billings ia ser
reconstruído?
— Por que eu tenho um pressentimento de que isso não é tudo? — Noelle
perguntou, baixando o garfo.
— Bem, Demetria esteve em algumas reuniões com a diretora nas últimas
noites, para revisarem os requisitos de admissão para o dormitório — disse Missy.
— Mas elas já decidiram uma coisa. — Ela se virou e me olhou diretamente nos
olhos. — Você, Reed, não vai poder retornar ao Billings, não depois de todos os
problemas que você já causou este ano.
Meu coração despencou e os meus dedos se fecharam em punhos em cima da
mesa.
— Na verdade, nenhuma de vocês irá poder entrar no Billings — Missy disse,
olhando para cada uma das garotas na mesa, diretamente nos olhos. — O conselho
me pediu uma lista das meninas que tiveram más influencias durante toda a
confusão com Cheyenne e Sabine no semestre passado, e eu fiquei mais do que
feliz em fornecê-la.
— Missy — disse Lorna de uma das extremidades da mesa, — você não fez
isso.
Os olhos cruéis de Missy deslizaram sobre a sua ex-melhor amiga.
— Você escolheu seu lado. Agora, eu escolhi o meu. — Sua boca se torceu em
um sorriso largo. — Adeus, senhoritas! — ela disse, balançando os dedos para nós.
Então ela virou-se e se afastou. Constance me lançou um olhar incerto, abaixou a
cabeça e, em seguida, London fez o mesmo atrás dela.
— Isso. Não. Pode. Estar. Acontecendo — Amberly disse em voz alta.
Olhei através da mesa para Noelle, cujo rosto estava tão vermelho que eu
pensei que ela iria começar a derreter. Então, de repente, Sawyer estava lá,
parecendo envergonhado com as mãos nos bolsos de suas calças cinzentas de corte
fino. Ele usava uma camisa branca aberta sobre uma camiseta preta de uma banda.
— Ei — disse ele timidamente. — Você está bem?
— É verdade? — eu perguntei, olhando para ele através dos meus cílios.
Sawyer rangeu os dentes. — Sim. Sinto muito. Eu teria dito a você, mas eu só
descobri esta manhã.
— Por quê? — perguntou Noelle. — Por que seu pai foi até elas em vez do meu
pai?
Sawyer ficou um pouco verde, e eu poderia dizer que o que quer ele tinha a
dizer, ele estava com medo de dizê-lo.
— Elas foram até ele — Sawyer disse. — E quando o fizeram, meu pai ligou
para o seu pai para verificar... para ter certeza de que ele não queria oferecer uma

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quantia mais alta ou algo assim. Olha, o meu pai não quer o Billings de volta, mas,
aparentemente, a escola precisa do dinheiro, então... eu acho que ele pensou que
quem doasse mais poderia controlar o projeto.
— Ele lhe disse isso? — perguntou Tiffany.
— Não. Eu o ouvi esta manhã. — Ele virou-se para Noelle. — No telefone com
o seu pai.
— E então? — Noelle e eu dissemos ao mesmo tempo.
Sawyer fechou os olhos por um instante, como se estivesse reunindo forças.
— Ele disse que não. Ele disse que não queria ter nada a ver com o Billings, e ele
não queria suas garotas perto dele também.
Meu rosto ardeu e meus olhos se encontraram com os de Noelle e então com
os de todos na mesa.
— As garotas dele? Que merda é essa? — disse Portia. — Você tem alguma
irmã secreta que não conhecemos, Noelle?
As outras meninas riram sem entusiasmo, mas eu senti o gosto de laranja do
suco subir de volta à minha garganta. Isto tudo não era nada bom.
— Obviamente Sawyer ouviu mal — disse Noelle entredentes, me encarando.
— E não se preocupem, meninas — ela acrescentou, jogando o cabelo sobre os
ombros. — Eu vou checar a fundo tudo isso. De jeito nenhum eu vou deixar o
Billings nas mãos de uma perdedora como Missy Thurber.

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9
ESTA NOITE
Traduzido por Camila Chable

—D esculpa, eu não consegui um passe para sair do campus — disse


Josh. Ele diminuiu as luzes para um brilho romântico e se sentou
em frente a mim na pequena mesa pedestal que ele havia colocado
no centro do cemitério das artes. Em cima da mesma mesa, estavam as caixas de
comida tailandesa, frango com citronela, arroz de coco e salmão com molho de
manga. — Depois de tudo o que aconteceu no ano passado eu acho que o Hathaway
finalmente irá nos reprimir.
Eu sorri quando peguei os pauzinhos para comer.
— Ou ele apenas nos odeia.
— Isso também — Josh admitiu. Ele ergueu seu copo de vinho cheio de
champanhe espumante. — Ainda assim, eu acho que fiz a coisa certa.
Eu peguei meu copo e toquei no dele. — Estou de acordo.
Olhamos nos olhos um do outro enquanto tomávamos nosso falso
champanhe, e eu senti um toque de antecipação. Quando queríamos ficar sozinhos,
o cemitério das artes era o melhor lugar que poderíamos estar. Porque tudo o que
eu conseguia pensar era em beijá-lo, e beijá-lo de uma forma que provavelmente
não poderia ser feito em público.
— O que você acha de esquecermos a comida? — perguntou Josh, de repente.
Coloquei minha taça em cima da mesa com um estrondo. — Bom plano.
Nós dois levantamos e colidimos um com o outro, nossos lábios já se tocando
antes que eu pudesse recuperar o fôlego. Ele segurou meu rosto com as duas mãos
e tropeçou no lado do assento à moda antiga, empurrando-o contra a parede. Meus
pés tocaram um conjunto de quadros com molduras douradas quando caí em cima
de Josh, deixando cair toda a pilha de quadros com um estrondo enorme, mas
nenhum de nós sequer parou. Coloquei minha mão dentro do suéter de Josh e
encontrei com o tecido áspero da sua camisa de cambraia.
Afastei-me, os meus lábios zumbido. — Você poderia?
— O quê? Oh, sim.
Ele se sentou para tirar seu suéter e eu me afastei para dar espaço para ele.
Enquanto ele atirava o suéter no chão e comecei a abrir os botões da sua camisa até
que eu vi uma parte do seu peito nu, e então eu o beijei. Ele recostou-se de novo
enquanto eu beijava o caminho até a sua clavícula, depois para o pescoço e para a
orelha e, em seguida, encontrei sua boca novamente. Ele soltou um pequeno
gemido quando ele começou a tirar seus sapatos. Em seguida, ele mudou de lado,
meio que me jogando de lado de modo que ficássemos deitados frente a frente,
com as minhas costas contra parte de trás do sofá.
Eu me senti como se não estivéssemos a sós a semanas, mesmo que tenham
sido apenas alguns dias, e pela direção frenética das mãos de Josh eu poderia dizer

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que ele sentia o mesmo. Era como se ele quisesse tocar cada centímetro do meu
corpo o mais rápido possível enquanto beijava meus lábios. Ele se afastou de
repente e olhou diretamente nos meus olhos. Levou um momento para eu
recuperar o fôlego. Minha mão estava dentro da abertura da sua camisa,
segurando sobre sua cintura.
— Eu te amo, você sabe — disse ele, arrastando a ponta do dedo para baixo da
minha bochecha.
— Eu também te amo — eu disse.
Em seguida, ele colocou sua mão na minha bochecha. Seus dedos eram
inacreditavelmente quentes e sua respiração estava irregular no meu rosto. — Mas
nós não vamos fazer isso aqui.
Eu olhei nos olhos dele. — Não?
Ele se inclinou e beijou meu rosto, o meu nariz e em seguida minha testa.
— Nós vamos fazer isso, não me interprete mal. Só não... aqui.
Eu engoli um caroço que se formou na minha garganta e respirei. Minha
cabeça caiu para frente e eu descansei meu rosto contra seu peito. Ele colocou o
queixo no topo da minha cabeça e apenas me abraçou. Ele estava certo, é claro.
Nós não poderíamos ter a nossa primeira vez juntos aqui. Neste lugar onde Dash
McCafferty e eu tínhamos confrontado o irmão de Thomas Pearson, Blake, depois
que Thomas tinha morrido. Este lugar onde Sabine tinha drogado Josh e o
enganou para juntá-lo com Cheyenne. Esse sempre foi o nosso lugar antes disso, e
nós tínhamos feito esse ser o nosso lugar novamente desde então. Mas ele estava
contaminado. E Josh e eu — nós merecemos o melhor.
— Você ficou chateada? — ele perguntou.
— Não — respondi, balançando a cabeça o melhor que pude.
— Um presente pode melhorar este momento? — ele perguntou.
Eu levantei meu queixo para olhar para ele. — Sempre — eu disse com um
sorriso.
Ele sentou-se e eu também, ajustando a saia do meu vestido, que tinha
subido uma tanto considerável. Josh levantou, respirou fundo e soltou o ar, como
se estivesse aliviado por termos tido essa conversa. Eu sorri e coloquei minha mão
em suas costas. Por alguma razão, naquele momento, eu o amava mais do que eu
poderia ter imaginado ser possível.
Olhando para mim por cima do ombro, Josh se inclinou para frente e puxou
algo debaixo do sofá. Era um livro cinza escuro com páginas amarelas. Quando ele
colocou-o em seu colo, eu consegui ver uma data escrita em ouro perto do canto
inferior direito.

1915-1916

Meu coração quase parou. — Isso é...?


— O anuário das Garotas Billings — disse ele, segurando-o para que eu
pudesse ver a capa. — Completo com fotos da classe.
— Meu Deus! — eu disse, agarrando o livro. Ele o segurou sobre o braço do
sofá, como se estivéssemos de repente jogando um-contra-um na quadra de
basquete. — Onde é que você conseguiu isso?
— Revirei os arquivos esta tarde.
Eu fiquei de joelhos e fiz outra tentativa de agarrá-lo, mas seu braço era
irritantemente longo. Ele levantou sua outra mão para me parar e minha bunda
bateu nas almofadas novamente.

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— O quê? — eu perguntei com petulância.
— Você tem que me prometer uma coisa — ele disse.
— Um presente com condições? Eu não gosto disso — eu brinquei.
Ele sorriu e colocou o livro em minhas mãos, mas manteve a palma da mão
pesada sobre a capa, segurando-o fechado.
— Caso ela pareça diferente do seu sonho na foto, você vai parar com isso —
disse ele. — Sem mais caminhadas à meia-noite através da floresta e nada de ouvir
as pessoas que aparecem nos seus sonhos. Me prometa que você vai parar.
Eu olhei para ele, as palavras lotando minha cabeça, mas eu não conseguia
deixá-las ir. Seus olhos verdes ficaram sérios e ele olhou para o chão.
— Reed, eu só... eu só quero que você fique segura, ok? Isso é tudo.
— Eu sei — eu disse. — Eu entendo.
E eu sabia. Porque depois de tudo, isso era tudo o que eu desejava para ele,
também.
— Eu prometo. Se ela for diferente, eu vou parar — eu disse a ele.
— Tudo bem — ele disse enquanto tirava a mão da capa.
Eu hesitei, olhando para ele com incerteza. — Josh? E se ela não tiver a
mesma aparência?
Seus olhos estavam nublados de preocupação. — Então... eu não sei — ele
acenou para o livro. — A página é a vinte e dois.
Eu rapidamente coloquei na página designada, correndo pelas antigas
fotografias em preto-e-branco. Quando o livro se abriu na página vinte e dois, eu
parei. Porque lá, olhando para mim na fotografia, estava um grande rosto oval. Era
Elizabeth Williams. O cabelo escuro puxado para trás de seu rosto. A pele branca
cremosa. Os olhos arredondados. Sua expressão era séria, mais grave do que eu
poderia ter previsto. Havia um leve sorriso em seus lábios, mas a tristeza estava em
seus olhos. Olhos que eu sabia que teriam sido verdes se a foto não fosse sem cor.
Porque Elizabeth Williams era a menina do meu sonho.
Timidamente, eu toquei meus dedos na página, sentindo a profundidade de
sua tristeza dentro do meu peito. Sob a foto estava a inscrição ELIZABETH JUNE
WILLIAMS e abaixo disso, uma palavra, ELIZA. Então, ela realmente era chamada
de Eliza. Eu gostava muito mais do que Elizabeth. Era menos enfadonho de
alguma forma.
— A coisa é... — Josh disse lentamente, colocando o braço para trás do sofá,
apertando suas mãos nas almofadas perto do meu quadril. — A coisa é que... ela se
parece com você. Parece bastante com você.
— Sério? — eu disse, arrancando os olhos da fotografia.
O que quer que Josh viu nos meus olhos o fez piscar. — É ela, não é?
— Sim — eu disse. — É ela.
Seu pomo de Adão balançou quando nós dois olhamos para a imagem
novamente. — Reed. Eu tenho que te contar uma coisa.
— O quê? — eu perguntei, sem fôlego.
— No outro dia, quando eu disse que tive um pesadelo e você estava nele? E
que eu acordei dele ao mesmo tempo em que você acordou do seu? — ele disse.
Eu pressionei minha língua em cima da minha boca. — Sim?
— Aquilo não era uma piada — disse ele. — Eu realmente tive aquele sonho.
Eu só... não queria te assustar.
Minha cabeça ficou pesada e confusa e levou um momento para eu me
concentrar.
— Sobre o que foi o sonho?

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Josh caiu de volta no sofá e apertou as palmas das mãos em seus olhos.
— Eu não me lembro. Eu sei que você estava em apuros. Eu acho que alguém
estava tentando... te matar.
Meu coração caiu aos meus pés e suas mãos saíram dos seus olhos.
— Você gritou para me pedir ajuda, e então eu acordei.
Eu respirei fundo, tentando normalizar o meu corpo. Tentando parar o
sangue que corria, os pensamentos gritando, o terror e, estranhamente, a emoção
que tomou meu coração ao mesmo tempo. Eu virei minha cabeça e olhei para Eliza
Williams, silenciosamente pedindo-lhe para me dizer o que tudo aquilo significava.
— Ok. Isso é... ok — eu me ouvi dizer lentamente.
Josh sentou-se para frente de novo e me olhou nos olhos. — O que diabos
está acontecendo, Reed?
Eu toquei o medalhão no pescoço, e o metal de repente aqueceu os meus
dedos e ficaram avermelhados. — Eu gostaria de saber.

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10
NÃO BRUXAS
Traduzido por Amanda Caroline

—E la realmente se parece com você — Ivy confirmou, olhando do


anuário aberto para mim, depois de novo para o anuário.
Estávamos sentadas no meio do meu quarto, ela com o livro da SLB
e eu com o livro de feitiços, comparando os dois e tentando descobrir que data no
livro da SLB correspondia com cada magia. Era incrível o quão cuidadosa Eliza
tinha sido. Em nenhum lugar do livro da SLB mencionava feitiços, ou bruxarias ou
outra coisa além de reuniões regulares, encontros, festas e projetos de serviço
comunitário que a sociedade secreta tinha feito. — Você tem o mesmo queixo. E os
olhos... Você acha que vocês podem estar relacionadas?
— Sim, certo — eu digo.
Porque é isso que a velha eu teria dito. Aquela que era um produto de dois
sem-nomes da Pensilvânia. Mas agora que eu sabia que eu era uma Lange, quem
sabia de onde diabos eu tinha vindo, quem os meus antepassados podiam ser?
Ainda assim, Noelle nunca tinha mencionado ter algo a ver com Eliza Williams
antes. Ela teria me dito se tivesse alguma conexão, não teria? Peguei o anuário de
Ivy, o fechei e o coloquei no chão. Ela voltou a estudar o livro da SLB e eu voltei
para o livro de feitiços.
— Você notou que tem algumas páginas faltando nisso aqui? — perguntou
Ivy, virando o livro para eu poder ver. Eu me inclinei para frente para ver o local
que ela me mostrava e, realmente, havia algumas páginas irregulares abaixo do
centro do livro. Cuidadosamente, eu corri um dedo ao longo de suas bordas, uma
sensação arrepiante de apreensão correndo pelo meu corpo.
— Como eu não notei isso antes? — eu pergunto a ela.
— Eu não sei. Você praticamente vive com este livro — disse Ivy, encolhendo
os ombros e levando o livro de volta para seu colo. — Seja como for, ele foi escrito
por Eliza. Sua letra está nas páginas antes e depois — disse ela, dando de ombros
novamente. — Acho que foi algo que ela não queria que ninguém lesse.
Deslizei para trás de encontro com o lado da minha cama, me sentindo —
ridiculamente — traída. — É, acho que não.
Lentamente, virei a capa do livro de feitiços. A primeira página era um
cuidadoso desenho intrincado de círculos que se cruzavam. Corri meus dedos
sobre o desenho, pensando em Eliza e me perguntando o que ela sentiu na
primeira vez que ela viu este livro. Passo meus dedos pelo medalhão que, como
sempre, estava quente contra a minha pele e vou para a próxima página: O Rito de
Iniciação. Sinto uma vibração dentro do meu peito, lembrando o que aconteceu
quando eu li o rito na sexta-feira. Eu olhei para Ivy hesitantemente. Ela estava
olhando diretamente para mim.
— O que foi? — ela pergunta.

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Eu lambo meus lábios. — Que tal se a gente recitasse esse encantamento?
Ela olhou para mim, seu rosto sem nenhuma expressão aparente. — Por que,
exatamente, faríamos isso?
— Eu não sei. — Dou de ombros. — Por diversão.
Ela pensa por um tempo, depois dá de ombros. — Está bem.
Ela fecha o livro da SLB e o coloca de lado, vindo mais para o meu lado,
tentando ver melhor o livro em meu colo. Uma coisa que eu amava em Ivy Slade:
Ela sempre estava pronta para qualquer coisa.
Eu rio. — É só isso? Apenas “está bem”?
Ela olha para mim com um sorriso irônico. — Por que não? Não vai acontecer
nada.
Inclino minha cabeça, esperando que ela esteja certa. Ela tem que estar certa.
Porque mesmo que eu acreditasse que Eliza Williams tenha realmente me visitado
em sonho, e mesmo que eu pensasse que era estranho que o medalhão de ouro
sempre estava quente, e mesmo que a minha vela tenha apagado e depois
reacendido, não era possível que magia realmente existisse. Isso simplesmente não
era possível.
— Precisamos de velas — eu digo.
— Por quê? Você precisa fazer disso um rito oficial? — Ivy brincou. Mas havia
algo sério por trás de seus olhos. Talvez ela estivesse mais assustada do que
deixava transparecer depois que eu encontrei o medalhão na floresta, e pelo fato de
que Eliza realmente estava em meu sonho.
— Tudo bem, esqueça — eu digo, desapontada.
Ivy vem mais para perto de mim e cruza as pernas de modo que nossos
joelhos ficam encostados. Arrumo o livro para que ele fique metade nas minhas
coxas, metade nas delas. — Certo. Pronta? — eu pergunto. Ela assente com a
cabeça e começamos a ler.
— Nós nos reunimos para formar esse círculo sagrado.
Tanto uma quanto a outra fizemos uma pausa. Nós não éramos exatamente
um círculo.
— Vamos dar as mãos — Ivy sugeriu. Ela tirou as mãos de baixo do livro e
apertou as minhas mãos sobre as páginas. — Ok. Vamos começar de novo.
— Nós nos reunimos para formar esse círculo sagrado, com o coração puro,
livre de espírito. A partir desta noite nós estamos ligadas, somos irmãs. — Eu olhei
para Ivy aqui e nós duas sorrimos uma para a outra. — Nós juramos honrar esse
vínculo acima de tudo. De sangue para sangue, de cinzas para cinzas, de irmã para
irmã, fazemos este juramento sagrado.
Foi quando as luzes se apagaram.
— Puta merda — disse Ivy baixinho.
Puxei um pouco de ar, ainda agarrada nas mãos de Ivy. Foi exatamente como
na outra noite, quando a minha vela tinha se apagado. Em seguida, os nossos
celulares tocaram exatamente ao mesmo tempo, suas telas minúsculas iluminando
para lançar feixes de luz do chão até o teto. Deixei escapar um ruído que parecia
meio um suspiro, meio um guincho.
— Tudo bem, tudo bem. Se acalme — Ivy disse, segurando meus dedos com
tanta força que chegava a doer.
Ela soltou uma das minhas mãos e lutou para pegar seu telefone.
— Aqui diz: “número desconhecido” — disse ela, olhando para a tela, que
lançava um brilho que iluminava apenas metade de seu rosto.

39
Engoli em seco e agarrei meu iPhone. Minha garganta ficou seca.
— O meu também.
Em seguida, as duas telas se apagaram em nossas mãos.
— Ivy. Há algo que eu tenho que te dizer — eu disse na escuridão, minha
respiração superficial e rápida. Meu corpo inteiro formigava com o suor. — Na
outra noite, eu recitei o encantamento sozinha no porão da capela. E quando fiz
isso, teve um vento repentino, e minha vela apagou, e dois segundos depois,
reacendeu.
— E você não pensou em me contar isso antes de recitarmos essa coisa
estúpida juntas? — ela sussurrou.
A porta do meu quarto se abriu de repente, e Ivy e eu gritamos. Noelle deu
uma olhada em nós e se inclinou para o lado da porta. Ela estava iluminada pela
luz do corredor, o que significava que só a eletricidade no meu quarto tinha
acabado. Ela segurava uma carta dobrada.
— Que diabos é isso? — perguntou ela.
Então seus olhos desviaram-se para o livro de feitiços, que tinha caído do colo
de Ivy, mas ainda assim continuava no meu. Sim. Eu nunca mais quero reviver
isso.
— Vocês estão de brincadeira? — ela perguntou, posicionando-se na minha
frente. — Gente! Nós não somos bruxas! — ela sussurrou, olhando por cima do
ombro para o corredor.
Ivy e eu olhamos uma para a outra, a minha mão direita ainda agarrada à sua
esquerda. Noelle não tinha visto o que eu tinha acabado de ver. E apesar de
repentina e inoportuna, sua presença me trouxe de volta à realidade, aquela
sensação estranha de quando Josh me mostrou a foto de Eliza na noite anterior
estava começando a crescer.
Talvez... Seria possível? Nós poderíamos ser bruxas?
No momento em que o pensamento me ocorreu, eu ri alto. Porque, fala sério,
o quão ridículo isso era?
— A gente só estava brincando — Ivy disse, soltando minha mão e se
levantando. Ela limpou as mãos na parte de trás da sua calça jeans e mexeu sua
cabeça de um lado para o outro. Seu rabo de cavalo escuro balançou com o
movimento, e eu respirei fundo numa normalidade súbita. Até a minha pele estava
começando a esfriar.
— Ótimo. — Noelle pressionou o meu interruptor de luz e as luzes do teto
reascenderam. Eu olhei para ela, assustada. — Porque eu tenho algo para mostrar
para vocês. — Noelle disse, dando alguns passos para dentro do quarto. Ela
desdobrou a carta e virou para nos mostrar. — Eu fui aceita em Yale!
— Você está falando sério? — deixei escapar, me levantando num pulo e
pegando a carta da sua mão para ler o primeiro par de linhas. — Noelle! Parabéns!
Joguei meus braços ao redor dela, abraçando-a com força. As lágrimas
saltaram dos meus olhos, pois acabara de cair a ficha com força total de que no ano
que vem ela não estaria mais aqui. Yale era o que Noelle sempre quis. Ela estaria
na escola com seu namorado, Dash McCafferty, e os dois certamente seriam um
casal poderoso no campus. Além disso, New Haven não era tão longe de Easton.
Como as escolas da Ivy League eram bastante rígidas, esse era o melhor resultado
possível para mim.
— Isso é ótimo, Noelle. Parabéns — Ivy disse quando eu soltei Noelle. Ela
parecia soar bem sincera. — Você ligou para Dash?

40
— Claro. Eu espero uma enorme caixa cheia de coisas de Yale amanhã de
manhã. — Noelle disse com uma risada tonta. — Mas agora, teremos uma festa.
— O quê? — eu perguntei, olhando para o relógio. Já se passava das dez.
— Você me ouviu. Nós estamos indo para a capela. Tragam suas coisas,
vadias — disse Noelle. — É hora de comemorar.

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11
VIVA E BEM
Traduzido por Thaynara Ribeiro

K
iki aumentou o volume de seu novo iDock enquanto o resto de nós dançava
em círculos com Noelle no centro. Ela lançou seus braços acima da cabeça
e balançou seu espesso cabelo ao redor, dançando para todo mundo como
se ninguém estivesse ao redor dela. Não era como se Noelle nunca tivesse se
soltado a esse nível, mas ela finalmente havia garantido seu futuro e merecia essa
comemoração.
Além disso, eu já tinha dado uma garrafa inteira de Taittinger para ela
sozinha. Por isso eu nunca tinha visto ela tão bêbada.
— Vamos, Noelle! Vamos, Yale! Vamos, Noelle! Vamos, Yale! — Amberly
cantou junto com Lorna e Rose, seus punhos se agitando no ar. Vienna bebia de
uma garrafa de champanhe com uma mão, gravando a festa com seu Flip com a
outra. Ela estava se balançando sobre suas boas de salto Ferragamo, e eu só podia
imaginar que a gravação seria detestável de se ver. Tudo o que eu podia fazer era
esperar que todo o assunto não acabasse no Facebook mais tarde dessa mesma
noite.
Noelle se dobrou pela cintura, depois deu a volta para cima de novo, tentando
fazer algum tipo de movimento sexy, mas em vez disso ela caiu para trás. Ela
tropeçou nos meus braços e nos de Ivy, mas rapidamente endireitou a si mesma e
clareou a garganta.
— É a vez de Tiffany! — ela gritou, lançando suas mãos para cima, e depois
arrastando Tiffany para o centro do círculo.
Tiffany ruborizou, mas forçadamente fez uns movimentos de vai e vem com
os quadris no meio antes de pegar rapidamente sua câmera e tirar algumas fotos
aleatórias do resto de nós. Essa tarde, ela também havia recebido sua carta de
admissão da faculdade que ela escolheu a Escola de Design de Rhode Island,
abreviado para EDRI. Ela havia conseguido entrar em seu prestigiado curso de
fotografia, ainda que houvesse ocultado informações do seu pai famoso. Ainda
assim, aposto que iam ficar desconsertados quando descobrissem. O pai de
Tiffany, Tassos, era um dos fotógrafos de moda mais procurados do mundo.
— Vamos, Tiff! Vamos, EDRI! Vamos, Tiff! Vamos EDRI!
— É a vez de Portia! — Tiffany gritou, girando Portia para o centro do círculo.
— Vamos, Portia! Vamos, Sorbonne! Vamos, Portia! Vamos, Sorbonne!
Portia mexeu a cabeça em uma série de movimentos que parecia algo tirado
de um vídeo de exercícios para strippers. Todo mundo gritava e ria, e eu descobri
que eu não podia parar de sorrir. Mesmo que eu fosse sentir falta das minhas
amigas no ano seguinte, sua emoção e alegria eram contagiantes nesse momento.
Finalmente, as três se reuniram no centro do círculo dançando, e Vienna subiu no
primeiro banco para uma vista área da ação. Quando todas começaram a atuar na

42
frente da câmera, Ivy agarrou a minha mão e me empurrou para a área provisória
das bebidas — um dos bancos do coral onde havíamos colocado várias garrafas e
um monte de caixas de chocolate que Vienna havia escondido para este exato
propósito.
— O que foi? — eu perguntei a Ivy, quando meu estômago se apertou. Eu
supus exatamente o que estava acontecendo.
— Bom, eu sei que eu te disse para não pirarmos, mas temos que falar sobre o
que aconteceu em seu quarto — ela disse, pressionado seus dedos juntos para
formar uma espécie de buraco na frente do seu peito. — Que diabos foi aquilo?
— Falha na tecnologia? — eu sugeri, rindo nervosamente.
— Certo — ela disse com uma expressão duvidosa. — As luzes do seu quarto
se apagaram, nossos celulares tocaram ao mesmo tempo sem que houvesse
ninguém do outro lado. Como você explica isso?
— Uh... — espremi meus neurônios tentando pensar em algo que soasse
racional. — Uma erupção solar?
Ela revirou seus olhos. Atrás de nós, Vienna e Lorna tentavam levantar Portia
sobre seus ombros.
— Reed, qual é...
— Não, Ivy, você que começou — eu respondi. Por alguma razão eu achava
mais fácil duvidar de tudo quando alguém começava a acreditar. — O que você está
tentando dizer realmente? Você não acha que algo aconteceu realmente quando
dissemos o feitiço. Quer dizer, você realmente acredita que nós somos...?
— Realmente acredita que são o que? — Astrid disse, parando para pegar um
chocolate.
Ivy e eu olhamos uma para a outra, assustadas. Me distraí pegando um
chocolate para mim mesma, e o empurrei na minha boca. Quando o mordi, quase
tive náuseas. Eca. Avelã.
— Estávamos falando da sorte que todas tiveram de passar na primeira
seleção — Ivy improvisou.
— E eu estava acabando de falar... você realmente acredita que nós vamos
conseguir entrar nas nossas? — completei rapidamente, brincando com o pingente
no meu pescoço. — Ivy é completamente supersticiosa, por isso acredita que
nossas possibilidades, de alguma maneira, são menores agora. — Astrid nos olhou,
com uma bochecha cheia de chocolate, fazendo-a parecer inchada.
— O que você acha? — eu perguntei a Astrid.
Astrid mastigou lentamente e engoliu. — Eu acho que vocês, perdedoras,
deviam parar de se preocupar e curtir a festa.
Ela nos pegou pela mão e nos arrastou de volta para a pista de dança, nos
empurrando para o centro, onde nos unimos com Portia — que agora estava de
volta sob seus pés — Noelle e Tiffany. Noelle me pegou em seus braços e, com o
rosto incrivelmente franco, começou a me guiar no que eu acho que era um cha-
cha-chá. Uma risada escapou da minha garganta, e eu prometi nesse mesmo
momento e nesse mesmo lugar, que eu não pensaria em Elizabeth Williams ou no
livro de feitiços pelo resto dessa noite.
Essa noite era sobre as minhas Irmãs Billings — as que estavam vivas e bem,
e ao meu lado. Não nas mortas que atormentavam os meus sonhos.

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12
APENAS UM SONHO
Traduzido por Camila Chable

A
s luzes na pista de dança pulsavam ao ritmo da música que vibrava o chão
debaixo dos meus pés. Cada passo era incerto enquanto eu tentava tecer o
meu caminho através da multidão, empurrando um tipo de lutador seminu
com meu cotovelo, tocando os saltos agulha de um preto Louboutin com os dedos
do pé. Para onde quer que eu olhasse havia rostos desconhecidos, todos distorcidos
pela maquiagem punk e cabelo tingido.
Onde ela estava? Eu sabia que ela estava aqui em algum lugar, mas todo
mundo estava tão alto, tão suado, tão... bizarro.
De repente, alguém passou por mim, o suave e sedoso tecido de um manto
negro fez cócegas na pele do meu braço. Eu senti um ar frio em meus pulmões
quando a figura passou, e eu me virei para ver melhor, mas quem quer que fosse já
tinha desaparecido na multidão. Depois, com o canto do meu olho, vi outro manto.
Meu coração se apertou com medo. Esta pessoa ficou imóvel no meio de todo o
caos, o rosto completamente coberto pelo pesado capuz preto. Mas eu poderia
dizer que eu estava sendo observada, então eu rapidamente me virei e... bati direto
em outra figura encapuzada com peito muito sólido. Eu congelei. Eu queria me
aproximar e tirar aquele manto para descobrir quem ou o quê estava por baixo,
mas algo me dizia para não fazer isso. Algo me dizia que eu não gostaria do que
encontraria. Suor apareceu ao longo da minha testa quando comecei a correr,
lutando contra a multidão, desesperada para fugir. Eu tropecei em alguém com a
perna esticada e de repente me vi à beira da pista de dança.
Eu retomei minha respiração trêmula e coloquei minha mão aberta sobre o
meu medalhão. Diante de mim estava a entrada da Casa Billings. Lá estava o
corrimão de carvalho reluzente. O papel de parede de ouro desbotado. As fotos
emolduradas das antigas Garotas Billings que revestiam as paredes. O antigo, mas
intocado tapete oriental no centro do chão. E lá estavam as minhas amigas. Todas
elas. Vestidas de preto segurando suas velas. Elas sorriram para mim sobre as
luzes piscando. Noelle Lange, Kiran Hayes, Taylor Bell, Tiffany Goulborne,
Natasha Crenshaw, Cheyenne Martin, Shelby Wordsworth, Vienna Clark, London
Simmons, Rose Sakowitz, Portia Ahronian, Ariana Osgood. Olhei para baixo e vi
que eu estava usando uma túnica branca decorada. Meu cabelo estava penteado ao
longo dos meus ombros e brilhava à luz das velas. Eu estava quente, segura e em
paz. Aquelas aparições com trajes pretos nunca poderiam me machucar. Então,
alguém pegou minha mão. Eu a olhei e sorri.
— Astrid! Aí está você! — eu disse, jogando meus braços ao redor do seu
pescoço.
— Eu estive aqui o tempo todo, querida. Onde você estava? — perguntou ela.
Ela sorriu quando eu a soltei e as meninas começaram a recitar.

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— Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja
bem-vinda ao nosso círculo.
Sorri para Astrid enquanto ela olhava para mim, com os olhos cheios de
orgulho. Então, do nada, um saco de pano preto desceu sobre seu rosto. Astrid
soltou um horripilante grito quando ela foi arrastada para trás, longe de mim e em
direção à porta.
— Astrid — gritei.
Eu olhei para as meninas pedindo ajuda, mas todas elas simplesmente
estavam ali, seus sorrisos calmos, continuando seu recital.
— Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja
bem-vinda ao nosso círculo.
— Socorro! Noelle! Faça alguma coisa!
Astrid gritou, chutou e se debateu. A porta atrás dela se abriu e ela estendeu a
mão, segurando os lados da porta com ambas as mãos.
— Pare! — eu gritei, movendo-me em direção a ela. — Deixa ela em paz!
Pela primeira vez, a pessoa que tinha agarrado ela mostrou seu rosto,
aparecendo por cima do ombro direito de Astrid. Os cabelos loiros. Os olhos azuis
condescendentes. Era Cheyenne Martin.
— Ela é minha agora, Reed — Cheyenne disse através de seus dentes.
Eu me virei para olhar para as meninas. O local onde Cheyenne estava um
momento antes estava vazio. Tudo que foi deixado em seu lugar foi um suéter rosa
no chão.
— Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja bem-vinda ao nosso círculo. Seja
bem-vinda ao nosso círculo — as meninas entoavam.
Astrid soltou um último grito sufocado quando a porta bateu atrás dela. Meus
olhos se abriram. Eu estava de lado na minha cama. Meu quarto estava escuro.
Meus dedos agarraram meu travesseiro ao lado do meu rosto, e eu estava
respirando com dificuldade. Fechei os olhos por um momento, tentando rever a
imagem do sequestro de Astrid, as expressões estranhas de paz nos rostos das ex-
Garotas Billings.
Foi apenas um sonho, eu disse a mim mesma. Apenas um sonho.
É claro que tinha sido por causa do recente “sequestro” de Noelle. E muito
chocolate da noite de celebração.
Eu respirei fundo e me virei na cama. As imagens foram desaparecendo e
meu pulso estava voltando ao normal. Mudei meu pé de lugar e bati em alguma
coisa dura. Minha cabeça disparou para cima e vi que o livro de feitiços ainda
estava aberto perto do pé da minha cama, onde eu tinha deixado quando eu
cochilei. Eu pensei em fechá-lo e colocá-lo em outro lugar, mas minhas pernas
estavam muito pesadas e cansadas para se moverem. Em vez disso, eu rolei para o
outro lado da parede.
Em algum lugar no fundo da minha consciência eu ouvi suavemente o som de
páginas soltas flutuando para o chão. Então minhas pálpebras caídas fecharam e
eu rapidamente entrei em um sono profundo e sem sonhos.

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13
UM PROBLEMA
Traduzido por I&E BookStore

N
o café da manhã na manhã seguinte, a mesa de Missy estava cercada por
um grupo de meninas do nosso ano, todas falando animadamente
enquanto elas se inclinavam em direção a algum tipo de revista ou
catálogo. Eu tentei dar uma espiada no que quer que fosse enquanto passava por
perto, mas London me viu e moveu seu braço, bloqueando minha visão da página.
Ainda assim, eu pensei ter vislumbrado amostras de tecido, e eu definitivamente vi
Constance enfiar uma roda de cores enorme em sua bolsa.
Uma sensação de vazio embrulhou meu estômago. Seria possível? Elas
estavam escolhendo cores de tinta e tecido para a nova Casa Billings?
Eu coloquei minha bandeja em frente à Noelle e ela fez uma careta,
perturbada. — Desde quando a mesa das rejeitadas começou a nos atirar olhares?
— ela perguntou, tomando um gole de café. — Elas estão olhando para mim
durante toda a manhã.
— E você simplesmente vai deixar isso assim? — perguntei.
Suas narinas alargaram ligeiramente enquanto ela colocava a caneca para
baixo. — Deixe-as ter a sua diversão. Elas acham que ganharam uma batalha, mas
a guerra ainda não acabou.
Uma emoção de antecipação passou por mim. Alguns meses atrás Noelle
tinha me dito que não tinha interesse em trazer o Billings de volta. Mas agora ela
parecia mais do que um pouco interessada.
— Isso quer dizer...?
Noelle sorriu. — Oh, não se preocupe, Reed. Eu decidi fazer com que a minha
missão seja esmagar cada desejo de Missy Thurber. Se haverá um Billings no
campus no ano que vem, é você quem irá comandá-lo.
— Mas como? — eu perguntei, pensando na Sra. Lange e na sua promessa de
que podemos concertar as coisas. Noelle tinha reconsiderado explorar o livro de
feitiços?
— Bem, lembra no outro dia quando eu lhe disse que o papai faria você
conseguir tudo o que quisesse? — ela perguntou, erguendo as sobrancelhas por
cima da borda da sua xícara de café.
Eu me contorci. De alguma forma, eu não gostava para onde isso ia. — Sim...
— Eu acho que você devia pedir a ele para dar um lance pelo Billings! —
Noelle anunciou. Ela colocou a xícara na mesa com um estrondo. Eu fiquei
boquiaberta para ela. Ela tinha que estar brincando.
— Você quer que eu peça ao seu pai para construir para mim um dormitório
de milhões de dólares para que eu possa viver nele no meu último ano — eu disse.
— Na verdade, provavelmente será uns dez mil. — Ela levantou os ombros
casualmente. — E por que não? Você vai pedir a ele quando formos para a cidade

46
neste fim de semana para a sua festa de aniversário. O momento realmente não
poderia ser mais perfeito.
— Noelle...
— Eu tenho que dizer, Reed, eu estava um pouco chateada com você por não
ter ligado para ele de volta ainda, mas agora eu percebi que você estava agindo
estrategicamente — disse ela, com os olhos brilhando com orgulho. — Faça-o
esperar. Faça-o rastejar. No momento em que chegarmos lá, ele vai estar pronto
para dar o meu fundo de garantia. — Ela piscou. — Na verdade, não o faça esperar
muito tempo.
— Eu realmente não me sinto confortável com esse plano — eu disse
timidamente.
— Você quer o Billings de volta ou não? — ela perguntou.
— Sim, mas...
— Então você deve estar disposta a fazer o que for preciso para obtê-lo de
volta — disse ela com firmeza. — Esse é o estilo dos Lange.
Engoli em seco. Eu não queria lembrá-la agora que eu não era uma Lange. E
os Brennan não tinham muito dinheiro para torrar. Em vez disso, decidi deixar o
assunto por agora e estendi a mão para o meu copo de suco de laranja.
— Você dormiu com ela?
Toda a cafeteria calou-se ao som do grito desumano de Ivy. Eu me virei e a vi
de pé junto à parede mais distante do refeitório, em uma das maiores pinturas
retratando uma rua pitoresca de Easton mais ou menos da virada do século. O
objeto da sua briga era Gage Coolidge, uma das pessoas menos favoritas para mim
em Easton, e um incerto amigo com benefícios de longa data de Ivy. Ele olhou ao
redor nervosamente, seus ombros um pouco curvados quando ele notou que todo
mundo estava assistindo.
— Ivy, calma. Não foi nada. E eu lhe disse, eu estava bêbado.
— Como isso é uma desculpa!? — Ivy gritou, com o rosto vermelho de raiva.
— Você sabia exatamente o que estava fazendo! Admita!
Gage estendeu a mão para ela. — Ivy. Gata. Pare com isso. Você sabe que eu
te amo. Eu nunca faria...
— Não diga isso! — Ivy gritou, empurrando-o para longe dela. Ele bateu na
parede, e a pintura sobre sua cabeça deslizou sobre sua moldura.
A equipe de segurança de Easton entrou em ação. Dois dos guardas saíram de
seus postos perto das portas e encaminharam-se para Ivy em um rápido, mas não
em pânico, ritmo.
— Você é um mentiroso, Gage — Ivy fervia, as mãos enroladas em punhos em
seus lados. — Você é um mentiroso, um vagabundo e uma fraude! Eu não sei por
que eu voltei com você!
A pintura inclinou-se de repente quando uma de suas cordas estalou. Engoli
em seco, mas Ivy não pareceu notar.
— Ivy — Gage implorou.
— Não! Me deixe em paz, Gage! Eu espero que você morra.
Só então, a segunda corda estalou e a pintura pesada despencou. Metade do
refeitório engasgou, a outra metade gritou.
— Gage! Cuidado! — eu gritei.
Tudo aconteceu tão rapidamente que era tudo um borrão. Gage olhou para
cima, seus olhos se arregalaram, e ele cambaleou para o lado na hora certa para
não ficar com o rosto achatado, mas o canto do quadro bateu em seu ombro. Sua

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cabeça bateu em uma cadeira quando ele desceu e caiu, esparramado no chão, o
quadro meio cobrindo seu rosto.
— Oh meu Deus — disse Ivy, agachando-se ao lado dele, com as mãos sobre a
boca. — Oh meu Deus!
— Senhorita, por favor. Dê um passo para trás. — Os agentes de segurança
tinham chegado no último segundo. Um deles pegou o braço de Ivy e ajudou-a a
levantar. Todas as pessoas ao meu redor sussurraram alto.
— Ele está bem?
— Será que ele quebrou o pescoço...
— Por que o quadro caiu...?
Corri para Ivy e coloquei minha mão em suas costas, assim que Josh chegou
de outra direção, parecendo assustado e cansado, com olheiras sob seus olhos. Ivy
escondeu o rosto no meu ombro quando o guarda de segurança cuidadosamente
moveu o quadro. Havia um corte na testa de Gage e o sangue tinha escoado para o
chão. Eu engoli uma onda de bile.
— Ele está bem? — Ivy gemeu, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto
quando ela olhou para mim.
Eu não respondi. Eu não tinha certeza. O segundo guarda se inclinou em
direção ao rosto de Gage, inclinando sua orelha em direção a seus lábios.
— Ele está respirando — disse ele. — Ligue para o nove-um-um. — O outro
guarda fez o que lhe foi dito e o primeiro guarda se levantou.
— Ninguém toque nele. É melhor se ele não se mover.
— Oh meu Deus, Reed, o que foi que eu fiz? — Ivy disse calmamente. — O que
eu fiz...?
— Você não fez nada. Foi um acidente — disse Josh enquanto eu acariciava
seu cabelo atrás da orelha.
— Não, mas... logo antes de isso acontecer, eu imaginei que isso acontecia —
ela sussurrou furtivamente. — Eu vi isso... Eu queria que a pintura caísse sobre a
cabeça dele.
Meu sangue parou de se mover em minhas veias. Olhei para Josh e seus olhos
estavam arregalados. As palavras de Ivy ainda estavam em meus ouvidos quando
Gage de repente acordou e olhou em volta. — O que aconteceu? — Ele tocou com os
dedos na testa, em seguida, desmaiou quando viu o sangue.
— Não se mova, filho — disse o guarda, caindo de joelhos ao lado de Gage. —
Você levou uma pancada na cabeça.
— Está vendo? Ele está bem — disse Ivy. — Ele vai ficar bem.
Em pouco tempo, Gage sentou-se lentamente, com a ajuda dos guardas e foi
levantado em uma cadeira. Todo o refeitório deu um suspiro de alívio, e houve um
punhado de aplausos, como se ele fosse um jogador de futebol ferido que tinha
conseguido mancar para fora do campo. Ivy suspirou e acenou com a cabeça.
— Ok. Está tudo bem — disse ela.
— Reed!
Nós duas pulamos ao som do meu nome. Rose e Kiki tinham acabado de
entrar pelas portas duplas. Kiki estava arrumada, mas seu cabelo estava molhado
debaixo de seu gorro. Rose ainda estava em seu pijama rosa de flanela xadrez, seu
casaco cinza aberto e ondulando ao seu redor.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— É Astrid. Ela está... desaparecida — Rose disse sem fôlego.
Instantaneamente, todos os detalhes do meu sonho da noite anterior
inundaram o meu cérebro, deixando-me tonta. Astrid. As figuras vestidas de preto.

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O lobby do Billings. O ritual. Cheyenne arrastando Astrid para longe. Eu caí
pesadamente na cadeira mais próxima.
— O que você quer dizer com desaparecida? — disse Ivy.
— Eu acordei esta manhã e ela tinha ido embora — disse Rose.
— Sua cama estava uma bagunça, o que não é incomum, então eu pensei que
ela estava no banheiro, mas ela nunca mais voltou. A bolsa dela está no quarto e
também os seus materiais de arte e o seu iPod. Ela simplesmente desapareceu.
— Talvez ela só saiu para uma caminhada matinal — Ivy sugeriu. — Talvez ela
quisesse um pouco de exercício.
— Astrid é alérgica a se exercitar — Kiki disse, segurando-se firmemente em
torno da sua cintura. — Alguma coisa está errada.
— Você já disse a alguém? — eu me ouvi dizer.
— O diretor sabe — respondeu Rose. — Eu passei a última meia hora em seu
escritório dizendo-lhe uma e outra vez que eu não ouvi ela ir embora. — Ela
apertou as pontas dos dedos em sua têmpora. — Por que eu tinha que ser uma
dorminhoca profunda?
Olhei para Noelle, que me lançou um olhar interrogativo. Não muito tempo
atrás, ela e sua avó tinham fingido o sequestro dela. Seria possível que elas
estivessem por trás disso, também, de alguma forma? Noelle olhou de forma
convincente dizendo que não sabia de nada, mas ela provou ser uma boa atriz no
passado. Mas por que ela e sua família queriam mexer com Astrid?
Ou talvez Astrid estivesse brincando com a gente. Foi ela quem tinha acusado
Noelle de nos assustar. Talvez ela de alguma forma descobriu que tudo tinha sido
uma brincadeira e estava revidando, fazendo a mesma brincadeira. Era
definitivamente uma coisa que ela faria, com o seu perverso senso de humor. Meu
coração em pânico diminuiu ligeiramente em alívio com a ideia, mas depois eu me
lembrei do meu sonho. E eu me apavorei de novo.
Naquele momento, as portas duplas se abriram com um estrondo, e entrou o
diretor Hathaway, seguido por quatro policiais de uniforme completo. O walkie-
talkie de alguém estava apitando várias vezes, e mais uma vez o refeitório ficou em
silêncio. Olhei para Noelle novamente e ela, como toda a gente na sala, parecia
assustada e nauseada. Nós tínhamos passado por isso muitas vezes.
— Atenção, estudantes! — o Diretor Hathaway gritou, parando no topo do
corredor central. Sua pele parecia cinza sob as luzes brilhantes. Os policiais se
espalharam ao redor dele, de pé em uma linha, com os pés em posição larga, como
se estivessem se preparando para lidar com uma debandada. O diretor pigarreou e
levantou as duas mãos.
— Ninguém entre em pânico, mas temos um problema.

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ARROGANTE
Traduzido por Báh Tega

O diretor Hathaway havia imposto um toque de recolher. Todos teriam que


estar em seus dormitórios até às 8 da noite e em seus quartos até as nove.
O campus, em contrapartida, era um burburinho só com tantos policiais.
Alguns de uniformes, outros com roupas mais casuais, mas todos com uma postura
que dizia “não mecha comigo”.
Não iríamos ter a chance de sairmos de fininho do campus para ir até a
capela sem sermos pegas ou seguidas. Então eu enviei uma mensagem para as
meninas para me encontrarem em meu quarto às 7 da noite. E desculpas não
seriam aceitas.
É claro que eu não precisei me preocupar com esse último aviso. Todas
apareceram, a maioria antes da hora marcada. Todas queriam estar juntas para
que tudo o que estivesse acontecendo acabasse bem. Eu tive um mau
pressentimento de que o que eu ia contar para elas não iria acalmar ninguém.
Eu fiquei na frente da porta fechada do meu quarto. Minhas amigas estavam
amontoadas entre a cama e o chão. Todas, com exceção de Kiki, que estava
andando em círculos perto do meu closet igual a um animal enjaulado, e Noelle,
que estava na minha escrivaninha e me olhava com cara de quem não gostava
daquilo. Oh, bem. Nem sempre Noelle poderia ter tudo do jeito dela.
— Gente — eu comecei, meu coração se apertando com os nervos. — Tem
uma coisa que eu preciso falar para vocês.
Eu olhei para Noelle nos olhos. Era hora de ser totalmente transparente. Eu
mantive tantos segredos, tantos planos escondidos nos últimos dois anos. Eu
estava cansada de mentir.
— Noelle e eu somos irmãs.
Noelle uniu as sobrancelhas. Eu imaginei que ela não pensou que eu iria dizer
isso. Mas era algo que mais cedo ou mais tarde eu iria ter que contar, e eu sentia
que eu tinha que contar a elas em ordem o resto da história para fazer sentido.
— O quê? — Amberly soltou. Ela olhou para Noelle como se sentisse
pessoalmente traída. — Noelle? É verdade?
— É — Noelle disse, mantendo os olhos fixos em mim. — Meio irmãs. Meu pai
tinha um problema em manter as calças no lugar.
Vienna e Portia se entreolharam, enquanto todas estavam chocadas em
silêncio. Apesar de estar tão perturbada, eu até sorri. Eu sabia que Noelle ia achar
uma forma de tornar isso menos doloroso.
— Então é por isso que o seu pai está pagando a festa dela — Portia disse.
— Ótimo — Kiki soltou, se encostando a uma parede. — O que isso tem a ver
com Astrid?

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Eu congelei por um momento. Eu não havia esquecido o porquê de estarmos
aqui, mas eu não queria que ninguém pensasse que eu havia.
— Eu vou chegar lá — eu disse — Apenas... me escutem.
Então eu contei tudo a elas. Que eu e Noelle achamos o livro de feitiços. Que
eu fiz um feitiço sozinha naquela noite e o que aconteceu. Que eu sonhei com Eliza
Williams e achei o medalhão, e sobre o anuário e como Eliza era definitivamente a
menina do meu sonho. Então contei que Ivy e eu havíamos dito o feitiço
novamente, e o que aconteceu depois — que as luzes se apagaram e nossos
celulares tocaram. Fora algumas trocas de olhares, as minhas amigas ficaram
quietas.
— E agora a parte que mais me atormenta — eu disse com a minha garganta
secando. — Ontem eu sonhei novamente.
Kiki, que parou de andar assim que eu disse as palavras “livro de feitiços”,
olhou para mim com uma expressão que era de alguma forma desconfiada e
intrigada. — Com o que? — ela perguntou. — Era sobre Astrid?
Eu engoli em seco. — Sim. Eu sonhei que ela havia sido sequestrada.
— Você sonhou? — Ivy gritou. — E por que você não disse nada?
— Porque eu achei que fosse só um sonho — eu disse.
— Tá, quem a sequestrou? — Kiki perguntou. — Eu digo, no sonho?
Eu mordi meu lábio, sabendo que aquilo não iria acabar bem. — Cheyenne.
Houve um longo e carregado silêncio com várias trocas de olhares. Então
todas começaram a rir. Todas menos Ivy e Kiki que estavam com caras de enojadas
e Noelle que tinha uma expressão que dizia O que diabos eu vou fazer com você?
— Obrigada por isso, Reed — Tiffany disse, se levantando e se apoiando em
meu ombro. — Todas nós precisávamos mesmo rir.
— Gente, eu sei que parece loucura! — eu disse, enquanto todas se
arrumavam em seus assentos. — Mas primeiro o medalhão estava exatamente
onde eu havia sonhado e então Astrid desaparece logo depois de eu sonhar que ela
havia sido sequestrada? Isso não é um pouco?
— Coincidência? — Rose disse.
Minha boca se fechou quando eu percebi que eu estava argumentando como
se fosse psicótica. Ou, pelo menos, intuitiva demais. O que era exatamente o
oposto do que eu queria ser. Eu estava esperando que elas me dissessem que era
apenas um acaso, mas agora, de alguma forma eu me sentia... traída.
O que havia de errado comigo?
— Ela está certa, Reed. Por favor — Amberly disse, vestindo seu casaco. —
Isso é um pouco arrogante, até mesmo para você.
Senti como se tivesse levado um tiro no coração. — O quê? Eu não estou
sendo arrogante. Eu sei que parece loucura, mas eu preciso de ajuda. Estou com
medo de ir dormir. E se eu tiver outro sonho? E se todas nós estivermos em perigo
ou...
— Reed, qual é — disse Noelle. — Eu sei que nós tivemos um monte de drama
no passado, mas é Astrid. Pessoalmente eu acho que todo mundo está exagerando.
— O quê? — Kiki desabafou, com os olhos em chamas.
Noelle deu de ombros. — Ela não tem um histórico de fazer coisas assim? De
aprontar nas escolas, pirando seus pais, tentando chamar a atenção?
— É verdade. Ela uma vez até se chamou de rebelde sem causa — Lorna disse
com uma risada. Houve uma agitação divertida por todo o quarto, e eu me senti
ignorada.

51
— Eu não ficaria surpresa se ela aparecesse aqui amanhã de manhã com
algumas lembrancinhas de Dollywood ou alguma coisa do tipo — Noelle
continuou.
— Não. Ela me diria se fosse a algum lugar — Kiki disse, balançando a cabeça
enquanto segurava seus braços. — Ou ela teria deixado um recado para Rose.
— Então só por que ela não falou nada para você significa que Reed está
vendo o futuro em seus sonhos? — Tiffany disse, incrédula.
— E, além disso, Astrid e Cheyenne não eram, tipo, melhores amigas? —
Portia disse, puxando seu cabelo para fora da gola do casaco.
— Sim, se Cheyenne fosse voltar do túmulo para sequestrar alguém,
definitivamente não seria Astrid — Vienna brincou.
Desta vez, o riso foi mais alto e todo mundo começou a ir na direção da porta.
— A menos que Cheyenne esteja com saudades dela e só queira passear —
Amberly acrescentou orgulhosamente e soltou uma gargalhada ainda maior.
Eu me senti desesperada quando elas começaram a sair pelo corredor. Eu não
sabia mais o que esperar, mas eu detestava me sentir como se eu fosse o alvo da
piada quando eu só estava tentando ajudar.
— Ah, gente, eu quase esqueci de dizer a vocês — eu me voluntariei com o
diretor para liderar um grupo de estudantes para fazer panfletagem pela cidade —
Tiffany disse, pegando a bolsa da sua câmera do chão e colocando em um ombro.
— Se vocês quiserem vir também, nós vamos nos encontrar nos degraus da capela
amanhã depois das cinco, e teremos o resto do dia livre.
— Eu estou dentro — Portia disse.
— Eu também — Rose completou.
— Você estará lá, certo, Reed?
Havia algo na pergunta de Tiffany que soou mais como uma advertência.
Como se ela estivesse me levando na tarefa para desperdiçar o tempo delas. Como
se metade delas esperasse que eu dissesse não, porque ajudar a achar Astrid não
era algo que uma pessoa como eu faria.
— Sim — eu disse com firmeza, mesmo que eu quisesse dar uma chacoalhada
nela por não me levar a sério. Por não me ouvir. Por não confiar em mim. — Eu
vou estar lá.
— Ótimo — ela disse em um tom condescendente.
Ela saiu e eu quis bater a porta atrás dela.
— Se isso servir de consolo, Reed, eu acredito em você — Ivy disse.
Eu me virei. Ela, Kiki e Noelle eram as únicas que sobraram.
— Eu também — Kiki disse.
— Você acredita? — eu perguntei.
Ela mexeu os ombros e andou até a minha mesa onde o livro de feitiços
estava em cima do meu notebook. Cuidadosamente, ela passou os dedos por cima
do desenho na capa.
— Tem muitas coisas nesse mundo que ninguém é capaz de explicar, coisas
que ninguém nunca falou antes. Eu não estou dizendo que bruxaria não é real, e só
que eu nunca vi com meus próprios olhos — ela respirou fundo e passou os braços
ao seu redor. — Eu acho que seria legal ser uma bruxa.
Eu dei a ela um pequeno sorriso. Eu não tinha certeza se era uma bruxa, mas
pelo menos ela me fez sentir menos doida.
— Pessoalmente eu acho que você é louca, mas eu te amo mesmo assim —
Noelle disse, pegando sua bolsa Birkin enquanto ia em direção à porta. — Mas eu
tenho que te amar. Você é minha irmã.

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Ela sorriu, jogou o cabelo sobre o ombro, me soprou um beijo e saiu.

53
15
INTENSO
Traduzido por Thaynara Ribeiro

O
lhei pela janela naquela noite, vendo um dos novos guardas de seguranças
contratados que fazia sua ronda do lado de fora dos dormitórios. À medida
que o dia terminava, a presença dos policiais diminuía, sendo substituída
pelo pessoal da segurança da escola. O rumor era de que sem uma nota de resgate
e sem evidências de luta, a polícia não se decidia se considerava o desaparecimento
de Astrid um sequestro, ou qualquer coisa sinistra, até que ela estivesse
desaparecida há mais de trinta e seis horas. Como melhor amiga de Astrid, Kiki
havia sido interrogada por mais tempo do que qualquer uma de nós, e havia saído
do escritório do diretor com o rosto vermelho e parecendo como se quisesse
arrancar um pedaço de alguém. Quando ela se acalmou, ela nos disse que, assim
como Noelle tinha sugerido, a polícia pensava que Astrid tinha fugido. Kiki lhes
disse que se Astrid tivesse fugido ela teria levado seu iPod e seu caderno de
desenhos, que ainda estavam em seu quarto, mas simplesmente lhe responderam
que não fosse a nenhum lugar no caso de precisarem falar com ela novamente.
Chamaram-me em seguida, e eu estava tão enjoada que passei toda a
conversa de quinze minutos cravando minhas unhas na parte inferior da cadeira.
Eu disse a eles que não acreditava que Astrid tivesse fugido por conta própria, mas
quando me perguntaram o que me fazia pensar isso, eu não podia falar sobre o
meu sonho. Eu não era tão louca.
Ou talvez eu fosse. Quem sabe?
A porta do meu quarto se abriu e o meu coração bateu na minha garganta.
Dei a volta para ver Josh deslizar através da porta, parecendo aliviado por ter
chegado inteiro.
— Oi — ele disse. Ele cruzou o quarto envolvendo seus braços frios ao meu
redor.
Falando de socorro. Eu me fundi a ele, colocando a minha bochecha em seu
ombro. — Oi. Obrigada por vir. Não tem como eu dormir sozinha essa noite.
— É um favor que você pode pedir a qualquer momento — ele brincou.
Ele apoiou o queixo na minha cabeça, e nós olhamos pela janela. O guarda
assoviava enquanto passava na frente da porta principal do Pemberly. Eu não
podia ouvir a melodia, mas via seus lábios franzidos, um denso sopro de ar saía
deles em intervalos.
— Ele te causou algum problema? — eu perguntei.
— A mim? Não. Eu me movo como o vento — disse Josh com um sorriso. Ele
me segurou pelos ombros e me deu um longo e suave beijo. — Está ficando tarde.
Devemos fazer o que vim fazer?
— Sem dúvida — eu disse.

54
Deitei-me na cama, e ele tirou seu sapato, suéter e sua calça jeans, jogando
tudo na cadeira da minha mesa até que ele só usava sua camiseta branca e sua
cueca. Levantei a coberta e lhe dei as boas vindas à minha cama. Ele me deu outro
beijo e eu me virei, me envolvendo em seus braços.
— Bons sonhos, Reed — Josh sussurrou, sua respiração quente em meu
cabelo. — Tudo vai ficar bem.
Ele apertou os braços ao meu redor e eu puxei suas mãos para cima do meu
queixo, apertando-as com as minhas. Enquanto meus olhos se fechavam, eu quase
acreditei que ele estava certo.

***
— Reed, o que você acha disso?
Levantei o olhar do livro de feitiços. Lorna estava no centro da Sweet
Nothings, a butique favorita das Garotas Billings de Easton, com dezenas de
vestidos em um braço, os cabides se movendo e batendo entre si. Brilhando em sua
mão havia uma corrente de ouro, e no extremo da corrente estava um pingente.
Um medalhão.
O meu medalhão.
Minha mão foi até o meu pescoço e o encontrou nu. Minhas entranhas se
apertaram de raiva. Lorna havia roubado meu colar.
— Reed — ela pediu. — Você pode me ajudar a colocá-lo?
As toneladas de roupas haviam sumido. Ela segurava a corrente aberta ao
redor do seu pescoço, esperando que eu a fechasse. Engolindo a minha raiva,
coloquei o livro de feitiços no banco ao lado do que eu estava sentada, e me
levantei. Talvez não fosse meu colar, só um que se parecia com o meu. Dei um
passo e cambaleei em meus saltos. Quando olhei para baixo eu usava uma saia de
vinil e botas de salto alto. Isso não me pertencia, mas eu já os havia visto em algum
lugar. Por alguma razão, vê-los me deixou tensa, nervosa e triste ao mesmo tempo.
Dei outro passo até Lorna. Ela se voltou para mim, como se perguntasse por
que eu demorava tanto, quando de repente o colar se apertou ao redor de sua
garganta. Os olhos de Lorna se arregalaram.
— Reed! — ela chorou.
— Lorna! — dei outro passo para ela. Meu tornozelo virou, e eu agarrei uma
cremalheira de suéteres para me apoiar.
— Reed! Reed, me ajuda! — Lorna gritava.
— Ela não pode te ajudar.
A voz enviou um calafrio violento pelas minhas costas enquanto eu tentava
arrumar meus pés debaixo de mim. Sabine DuLac me olhou por cima do ombro de
Lorna, com as mãos apertando um dos extremos da corrente de ouro. Seu cabelo
negro estava selvagem e descuidado nos ombros, e sua pele parecia de cera
marrom clara, quase cinza. Suas bochechas estavam fundas e havia nojentos
círculos roxos ao redor de seus olhos verdes. Tentei dar mais um passo, mas o salto
se quebrou debaixo de mim e eu caí no chão. Meu quadril estralou de dor. Sabine
riu enquanto olhava para mim.
— Uma virada justa no jogo — ela disse.
Me dei conta de que a minha saia havia subido e minha calcinha estava
exposta para todo mundo. Do nada, dezenas de rostos estavam a minha volta,
rindo, e eu me lembrei que essas eram as botas de Cheyenne. As que ela havia

55
usado para envergonhar Sabine no outono passado. Dei a volta e olhei os
espectadores: Gage Coolidge, Hunter Braden, Walt Whittaker, Marc Alberro,
Sawyer e Graham Hathaway, Upton Giles, Thomas Pearson, e todos riam. Abri a
boca para gritar, para chegar até Lorna e ajudá-la, mas não saiu nada. E eles
pareciam não se dar conta de nada, exceto da minha humilhação.
— Ela não tem poder aqui — disse Sabine, seu sotaque francês mais
acentuado do que nunca. Ela aproximou os lábios do ouvido de Lorna. — Ela
nunca teve nenhum poder.
Lorna se aproximou de mim com as duas mãos, os dedos estirados até o
limite. Seus lábios lentamente ficaram azuis. Sabine se sacudiu rapidamente para
trás, cortando seu pescoço com o colar. E, por último, a cabeça de Lorna caiu para
um lado. Ela estava morta.
— Não!
Eu golpeei a testa contra a parede e acordei, vendo estrelas.
Josh levantou-se em uma mão. Seu peito se elevou através do fino algodão da
sua camiseta. Sentei-me, segurando a cabeça, enquanto lutava para conter as
lágrimas.
— Era Lorna... Sabine... Sabine a enforcou até a morte.
— O quê? — Josh me segurou em seus braços. Eu choramingava quando
encostei minha bochecha em seu peito. Eu podia ouvir a batida de seu coração e
parecia estar batendo ainda mais rápido do que o meu. — Foi só um sonho — ele
disse. — Está tudo bem.
Fechei os olhos e tentei acreditar nele, mas a única coisa que eu via era a
cabeça caída de Lorna. O sorriso maligno de Sabine. Astrid sendo arrastada do
Billings por Cheyenne. A cara de Rose e Kiki essa manhã quando vieram me dar a
notícia.
— Josh — eu o afastei de mim. — E se não foi só um sonho? E se...?
— Reed — ele se aproximou e alisou meu cabelo com a mão. — Sabine está
presa. Ela não pode machucar ninguém.
— Sim, e Cheyenne está morta, mas Astrid desapareceu — eu respondi.
Tirei a colcha das minhas pernas e me levantei. Eu não podia ficar sentada.
Eu tinha que pensar. Eu deslizei o medalhão de um lado para o outro na corrente,
produzindo um som rítmico. — Reed, escuta o que você está falando — Josh disse,
me olhando. — O que você vai fazer, chamar a polícia e dizer que sonhou que
Lorna foi assassinada por uma garota que está presa há dois meses?
— Sim! Não — eu disse, torcendo minhas mãos. — Eu não sei.
— Só respira fundo — disse Josh. Ele colocou suas mãos em meus ombros. —
O que aconteceu com Astrid ainda pode ser só uma coincidência — ele disse. —
Isso poderia ser só um sonho.
— Para de tentar me acalmar! — eu respondi, me afastando dele.
Joguei meu cabelo para trás e apertei meus olhos, fechando-os, tentando tirar
as imagens de Sabine e Lorna da minha cabeça. Mas elas não se foram. Nesse caso,
as imagens só ficaram mais intensas. Eram muito mais fortes que o sonho. Eu
quase podia cheirar o couro da roupa nova e os aromas frescos da Sweet Nothings.
Quase podia sentir as estúpidas botas nos meus pés.
— Sei que soa louco, mas parecia tão real — eu digo em voz baixa.
Josh deixa escapar um suspiro. — Tudo bem, então... O que você quer fazer?
Dei a volta e o olhei com uma gratidão fluindo através de mim. — Você
acredita em mim?

56
Os olhos verdes de Josh estavam cheios de dor, angústia e preocupação. — Eu
acho que você está seriamente perturbada, e acho que há algo estranho
acontecendo por aqui. Mas... quando não está?
Nós dois demos meios sorrisos.
— Por que você não liga para Lorna? — Josh sugeriu. — Assim que você
escutar que ela está bem, você será capaz de dormir.
Olhei o relógio. Eram mais de duas da manhã. Mas era um caso de vida ou
morte.
— Está bem.
Peguei meu iPhone da mesa e disquei o número de Lorna rapidamente.
Quando o telefone começou a tocar, fechei meus olhos e rezei em silêncio.
Por favor, atenda. Por favor, atenda. Por favor, atenda.
Um toque. Dois. Três. Olhei para Josh, o medo entrando lentamente em
minhas veias.
— Quatro toques — eu disse a ele.
Ele engoliu saliva. — Bem, é de madrugada.
Cinco toques. Seis.
— Alô?
— Lorna! — eu respondi.
O rosto de Josh se inundou de alívio. Ele passou as mãos sobre os olhos por
um momento, logo as deixou cair para cobrir sua boca.
— Reed? Que horas são? Encontraram Astrid? — Lorna perguntou.
No mesmo instante eu me senti ainda mais culpada. Por não falar em
estúpida, ingênua e louca.
— Não. Eu sinto muito. Eu disquei errado. Só... volte a dormir.
— Ah. Está bem. — Lorna deixou escapar um bocejo. — Boa noite.
Em seguida, ela desligou.
Soltei um suspiro e deixei o telefone em cima da minha mesa. — Ela está
bem.
— Que bom — disse Josh. — Você está bem?
Assenti com a cabeça, mordendo o interior da minha bochecha. As imagens
do pesadelo começaram a desaparecer. — Eu sinto muito.
— Está tudo bem — disse Josh. Ele me deu um abraço e beijou a parte
superior da minha cabeça. — Fico feliz por eu estar aqui.
— Eu também — eu respondi.
Nós voltamos para a cama, Josh com um braço ao meu redor, e eu apoiando a
bochecha em seu peito. Ele me abraçou com força e eu escutava sua respiração à
medida que diminuía ao ritmo estável do sono. Virei meu rosto para as costelas de
Josh.
— Nunca me deixe — eu sussurrei.
— Eu nunca vou te deixar — disse Josh em voz baixa.
Sorri e fechei os olhos. Segundos depois, ele roncava ligeiramente. Segundos
depois disso, eu também.

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16
GOLPE DESPERTADOR
Traduzido por Camila Chable

E
u acordei de um sono profundo para o som alto batendo na minha porta. A
luz rosada do amanhecer cobria o meu quarto, e eu estava piscando os olhos
embaçados para o meu relógio digital, quando a porta se abriu e a Sra.
Shepard, nossa governanta, olhou para dentro. Normalmente impecavelmente
vestida, ela usava um agasalho de treino roxo e tênis desamarrado. Seu cabelo
castanho estava em um rabo de cavalo, e havia uma linha de creme de noite seco
ao longo de sua mandíbula.
Josh e eu sentamos rapidamente na cama, apertando os cobertores nos
nossos corações. A boca da Sra. Shepard foi aberta com um anúncio silencioso,
mas ela congelou por um segundo com a visão de Josh. Estávamos com certeza
expulsos, isso não era nada divertido. A boca da Sra. Shepard se fechou. —
Levantem-se e vistam-se. Todos os alunos para a capela em dez minutos.
Então ela fechou a porta e foi embora. Até aquele momento eu não havia
ouvido o barulho. A Sra. Shepard não era a única a bater de porta em porta. Havia
alguns gritos, algumas gavetas batendo em outros quartos, e os sons de pessoas
sussurrando furtivamente.
— Oh, meu Deus — eu disse, olhando para Josh. Os cobertores foram
enrolados com tanta força em meus punhos que as costuras estavam cortando as
palmas das minhas mãos. — Oh meu Deus. Josh?
Sua pele estava como cera pálida, seus cachos saindo casualmente de quando
ele chicoteou as cobertas e se levantou. — Nós não sabemos nada ainda. Não se
desespere. Talvez eles encontraram Astrid. Talvez seja bom.
Eu respirei fundo e balancei a cabeça, mas eu me sentia como se não tivesse
oxigênio passando pelo meu nariz. Josh rapidamente puxou sua calça jeans e
pegou sua camiseta enquanto eu tentava respirar. Tentei não pensar em Lorna.
Tentei não imaginar o pior.
Nós nos vestimos rapidamente e corremos pelo campus com todos os outros
grupos de estudantes confusos e com os olhos turvos. Quando finalmente
chegamos à capela, meus olhos desviaram-se para o banco onde eu costumo sentar
com minhas amigas, mas ninguém estava sentado onde deveria estar. Os caras
estavam do lado das meninas, os calouros estavam na parte de trás, os mais velhos
junto com os juniores na frente. Josh e eu trocamos um olhar e sentamos no final
do último banco. Olhei em volta procurando Lorna e Constance, que era colega de
quarto de Lorna no Pemberly, mas eu não as vi. O braço de Josh tinha estado em
torno de meus ombros desde o momento em que saímos pela porta do meu quarto
e ele ainda estava lá. Inclinei-me para ele, observando as expressões nos rostos ao
meu redor. Todos estavam com medo, confusos, cansados, preocupados. Mas
foram os adultos que realmente me perturbaram. As governantas e os assessores

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dos dormitórios masculinos estavam ao longo das paredes da capela, os homens
com o cabelo espetado por um lado, as mulheres desprovidas de maquiagem,
nenhum deles falando, nenhum deles se atrevendo a olhar alguém nos olhos. Seus
rostos transmitiam a mesma emoção: medo.
— Alguma ideia de que se trata tudo isso?
Noelle deslizou para o assento na extremidade do corredor, forçando Josh e
eu a irmos em direção ao centro. Ela tinha usado o pouco tempo para escovar os
cabelos, passar rímel e brilho labial. Aparentemente eu tinha conseguido o meu
senso de urgência da parte da minha mãe. Senti uma pontada repentina de ira e
me virei para Noelle.
— Espero que você e sua avó não tenham nada a ver com isso — eu disse com
os dentes cerrados.
— O quê? — Noelle disse sem fôlego.
— Me diga, por favor, que isso não é mais um teste para mim? Ou para Astrid
e Lorna. Apenas jure para mim, Noelle.
Um lampejo de irritação acendeu em seus olhos, mas ela piscou, afastando-o.
— Reed. Eu juro — disse ela, colocando a mão no meu braço. — Eu
absolutamente não tenho nenhuma ideia do que está acontecendo.
Eu me virei, as lágrimas enchendo meus olhos. Eu queria acreditar nela, mas
neste momento eu não tinha ideia no que acreditar.
— Espera... Lorna? — ela perguntou. — Por que você...
— É sobre ela — eu me ouvi dizer. — Ela está morta.
— O quê? — Noelle engasgou.
— Reed, vamos — Josh disse, colocando sua mão sobre a minha. — Você não
sabe se é isso.
Eu dei a Noelle um olhar que eu não podia ler, e fechei meus olhos, deixando
uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Só então as portas duplas se fecharam atrás
de nós em silêncio e ouvi passos apressados pelo corredor central. Eu não
precisava olhar para saber que era o diretor Hathaway e uma trupe de policiais. O
barulho na sala momentaneamente cresceu a um bastante alto, e então acalmou-se
repentinamente, indicando que o diretor tinha chegado ao pódio. Houve uma
batida, e eu me forcei a olhar para cima. O diretor, vestindo um terno completo,
mas sem gravata, com a barba por fazer, limpou a garganta.
— Alunos e professores, tenho um grave anúncio a fazer — ele disse.
O braço de Josh apertou ao meu redor. Senti Noelle endurecer em seu
assento. Sussurros levantaram ao redor da sala.
— Apesar de nossos esforços para aumentar a segurança, e, apesar da
presença da polícia no campus...
Eu ouvi o sarcasmo em sua voz quando eu olhei para o meu velho amigo
detetive Hauer, que estava no canto com seu habitual uniforme: blazer
amarrotado, camisa amassada, gravata de algodão. Isso é culpa sua, o diretor
estava dizendo em silêncio. Você fez isso por se recusar a levar o desaparecimento
de Astrid Chou a sério.
— Outra estudante, Lorna Gross, desapareceu.
O suspiro coletivo na sala era tão previsível que era quase engraçado. Mas
tudo que eu ouvi foi a palavra desapareceu. E não está morta. E não morreu. Eu
senti uma sensação estranha. Isso era algo semelhante à esperança.
Enquanto isso, Josh e Noelle, ambos estavam olhando para mim. Josh, eu
suponho, estava começando a acreditar que eu era, na verdade, psíquica. Noelle,

59
tenho certeza, estava se perguntando como eu sabia que era Lorna. Eu toquei o
medalhão no meu pescoço e respirei fundo.
— A polícia já se lançou em uma investigação completa sobre ambos os
desaparecimentos — continuou o diretor, erguendo a voz para ser ouvido sobre as
perguntas sussurradas e soluços silenciosos. — Enquanto isso, os diretores do
conselho decidiram que, para a sua segurança, a Academia Easton vai fechar suas
portas até novo aviso.
Agora, o barulho era incontrolável. Vários estudantes levantaram-se. Alguns
até mesmo para a porta. Havia pessoas gritando e xingando, e, em algum lugar,
uma risada. O diretor pegou um martelo e trouxe-o para baixo várias vezes no topo
do pódio.
— Silêncio! Silêncio, por favor! — ele gritou. Todo o auditório calou-se
imediatamente. — Apenas me deem mais dois minutos do seu tempo. — Sua voz
estava estranhamente melancólica enquanto estava pedindo a nossa paciência, a
nossa simpatia, nossa ajuda. Ele apertou as duas mãos nos lados do pódio e se
inclinou na cintura, trazendo seu rosto perto de sua superfície por um momento.
Pela primeira vez desde que eu o conheci, meu coração simpatizou com o dele. Ele
respirou fundo e endireitou-se.
— Todos os seus pais e tutores foram informados sobre a situação — ele disse,
olhando do outro lado da sala grande e arejada. — Vários alunos já têm carros
esperando por eles lá fora, mas, por favor, antes de sair do campus, falem com um
membro do pessoal da segurança. Haverá um guarda na porta de cada quarto. Eu
entendo que o instinto é fugir, mas queremos ter certeza de que todos saíram em
segurança. Antes de deixar que vocês vão, eu só quero dizer que... vamos fazer tudo
o que pudermos para localizar seus colegas e certificar que o campus da Academia
Easton será seguro daqui para frente — ele disse. — Enquanto isso, por favor, se
mantenham seguros. Houve um silêncio longo e suspenso. Os olhos do diretor
brilhavam. — Vocês estão dispensados.
O que se seguiu foi como um vídeo que eu tinha visto de uma corrida de
touros em Pamplona, Espanha. Os guardas na porta mal tiveram tempo para abri-
la antes de uma explosão de estudantes desesperados correrem para fora. Todos
estavam com seus celulares, freneticamente fazendo arranjos de viagens ou
ligando para os pais para ver se já haviam providenciado as mesmas. Um cara do
segundo ano que estava sentado ao lado de Josh saltou sobre a parte de trás do
banco. Foi quando eu percebi que Noelle, Josh, e eu ainda não havíamos nos
mexido.
— Reed. O que aconteceu? — Noelle perguntou lentamente. — Como você
sabia de Lorna?
— Ela teve outro sonho — Josh respondeu.
— Lorna foi... ela foi assassinada — eu disse lentamente. Eu olhei nos olhos
de Noelle. — Por Sabine.
Noelle apertou os lábios e olhou direto para frente. Sawyer passou por nós
com seu irmão, Graham. Ele me lançou um olhar de simpatia, mas não parou.
Atrás deles estavam Rose e Kiki. Elas fizeram uma pausa no final do nosso banco,
deixando os outros alunos passando em volta delas. Então, Ivy estava lá. E Tiffany.
Vienna e London apareceram, agarrando uma a outra como se estivessem mais
seguras assim do que estiveram há semanas. Portia e Amberly chegaram juntas.
Todo mundo parecia sombrio para uma reunião.
— Onde está Constance? – eu disse.

60
— Eu vi a polícia levando-a para o Hull Hall por ali — respondeu Ivy. — Ela
estava abalada, mas fisicamente parecia bem.
— O que diabos está acontecendo? — Tiffany disse, abraçando-se quando
alguns dos professores passavam a nossa volta. — Primeiro Astrid e agora Lorna.
Isso tem alguma coisa a ver com a gente, não é?
Eu não podia responder. Como eu ia dizer-lhes sobre o meu sonho? Elas
iriam apenas rir de mim. E, além disso, mesmo com todas as evidências, às vezes
nem eu acreditava em mim mesma. Como eu poderia de repente ser vidente? Eu
não tinha certeza de que eu acreditava em médiuns. Eu toquei o medalhão com as
pontas dos meus dedos e evitei o contato visual.
— Parece que sim — disse Noelle. Seu telefone tocou.
— Reed, você teve outro sonhou? — perguntou Kiki.
Noelle levantou-se e as outras meninas deram um passo para trás, como se
ela estivesse irradiando fogo. — Não vamos falar sobre isso — disse ela. — Agora
nós só precisamos nos concentrar em sair daqui e ter certeza que todos estão a
salvo.
Kiki olhou para mim pelo ombro de Noelle. — Mas, e se...?
— Reed — Noelle disse, olhando para Kiki. — Papai tem um carro esperando
por nós. Vamos.
Eu não ia discutir com isso. Eu queria sair de lá mais do que tudo na minha
vida. Eu olhei trêmula para Josh e ele levantou a mão para o meu rosto.
— Não vá para casa — ele sussurrou. — Se você puder, vá para Nova York com
Noelle. Vou ficar no apartamento de Lynn lá. Estarei a cinco quarteirões de
distância.
Eu balancei a cabeça, sem palavras, com lágrimas escorrendo dos meus olhos.
Em seguida, ele me beijou e eu me levantei e peguei a mão de Noelle.
— Nós vamos ligar para vocês mais tarde — Noelle disse, com a voz
ligeiramente menos ameaçadora do que tinha estado um momento atrás. — Todos
vocês apenas... vão direto para casa.
As outras Garotas Billings se separaram para nos deixar passar, não
querendo mexer com Noelle, e ela me empurrou em direção à porta como uma
menina que arrasta sua irmãzinha para longe do perigo.

61
17
ANCESTRAIS
Traduzido por Gabriel Willian

—E
u sei, mãe. Eu sei. Mas ainda vou ver você na festa de sexta-feira ─
eu disse enquanto jogava minhas blusas e calças de ganga favoritas
em minha mochila. Isso se houvesse uma festa, é claro. Segurei o
telefone entre a orelha e o ombro, meu pescoço e eu girávamos ao redor do quarto,
pegando um gloss aqui, um notebook ali, tentando descobrir se eu realmente
precisava terminar meu texto de história e em quanto tempo eu iria embora. ─
Seria estúpido que eu voasse até aí e, em seguida, voasse de volta. Vamos esperar
que Astrid e Lorna sejam encontradas e tudo ficará bem.
─ Eu só... me sentiria muito mais confortável se você estivesse aqui ─ minha
mãe disse. ─ Com a gente.
Fiz uma pausa, com uma camiseta enrolada na minha mão.
─ Eu sei ─ eu disse suavemente. ─ Mas estar em Nova York...
Eu estarei com Noelle. E, mais importante, com Josh, eu pensei.
─ Eu vou estar mais perto da escola quando for reaberta e teremos que voltar
direto para cá ─ eu disse. ─ E o Sr. Lange... ─ fiz uma pausa, engolindo em seco
quando me lembrei do quão intimamente minha mãe esteve com o Sr. Lange
quando o conheceu, como intimamente estávamos todos conectados. ─ Tenho
certeza de que ele vai estar com uma segurança pesada criada para nós.
Enfiei a camiseta na minha bolsa, e depois acrescentei rapidamente a
fotografia emoldurada de mim e de meu pai, meu verdadeiro pai ─ que estava em
cima da minha mesa. Então eu fechei a mochila e me atirei para a porta.
─ Está bem. Se for isso que você realmente quer fazer ─ minha mãe disse com
tristeza. ─ Só me ligue quando você chegar lá. Na verdade, me ligue a cada hora.
Eu soltei uma risada, meu coração se espremendo em uma bola apertada
dentro do meu peito.
─ Tudo bem. Eu ligo.
─ Amo você, Reed ─ disse ela.
Minha garganta se fechou. Eu não tinha dito a minha mãe que a amava
muitas vezes na vida. Ela passou a maior parte da minha infância deitada na cama,
passando por muitos medicamentos prescritos e culpando toda a minha família
por sua situação ruim. Desde que ela havia ficado sóbria no ano passado, as
palavras foram pronunciadas entre nós com mais frequência, mas agora eu sabia
que não queria dizer muita coisa. Agora que eu sabia que ela mentiu sobre quem
era meu pai a vida toda.
Mas talvez eu poderia ser a próxima que iria estar desaparecida. Se eu não
dissesse isso agora, quando eu teria a chance novamente?

62
─ Eu também te amo, mãe. E o papai ─ eu acrescentei rapidamente,
segurando o telefone com tanta força que quase escorregou da minha mão, fazendo
o som de um porco guinchando.
─ Nós vamos vê-la na grande festa ─ disse ela, tentando soar otimista. ─
Fique segura.
─ Eu vou.
Desliguei o telefone, colocando-o no bolso de trás da minha calça jeans, e
agarrei meu travesseiro. Do lado de fora do meu quarto, as meninas corriam
passando com suas mochilas e suas bolsas, com ursos de pelúcia debaixo dos
braços, seus celulares presos aos seus ouvidos. Quando joguei meu travesseiro em
direção à minha mala cheia, notei os longos cadarços sujos do meu tênis favorito
saindo debaixo da minha cama e me coloquei de joelhos para puxá-los para fora.
Peguei o primeiro sapato, mas tive que me encolher no chão para poder
apanhar o outro. Quando o peguei, meus dedos roçaram nas bordas de alguns
papeis dobrados. Agarrando os papeis entre o polegar e o indicador, puxei para
fora. Assim que vi o que eles eram, me sentei com força sobre minha bunda. As
páginas eram grossas e amareladas, com as bordas desgastadas como se tivessem
sido arrancadas de um livro. Abri-as no meu colo, e uma mão voou para minha
boca.
Era a letra de Eliza, embora ligeiramente mais irregular e aparentemente
mais apressada do que o habitual. Pelo tamanho e textura, eu poderia dizer que
estas eram as páginas que se perderam do livro da SLB. De repente, lembrei-me do
barulho de papeis caindo na outra noite, quando acordei de um de meus pesadelos.
Elas devem ter sido enfiadas em algum lugar dentro do livro de feitiços e caiu
naquela noite.
Houve um estrondo no corredor como se alguém tivesse caído sobre sua mala
e ela se abriu espalhando seu conteúdo pelo chão. Levantei-me trêmula e fechei a
porta, então me sentei na minha cama. Ofegante, comecei a ler as páginas.

Eu nunca teria acreditado nos eventos horripilantes dos últimos dias se eu não tivesse visto
com meus próprios olhos, se não estivesse de coração partido pelo que aconteceu. Percebo os riscos
de estar colocando estas palavras no papel ─ as coisas que podem acontecer a mim e minhas
amigas se esse livro vir a cair em mãos erradas ─ no entanto, devo escrevê-las. Devo registrar
o que aconteceu, mesmo que seja apenas para me lembrar de que não sou louca ─ ou para avisar
as gerações futuras do que tem acontecido.

Engoli em seco em um suspiro. O terror de Eliza se derramava para fora das


páginas. Pressionando os lábios, eu li. Cada linha era como uma faca sendo
cravada em meu coração. Meticulosamente, Eliza contou a história de Caroline
Westwick, uma garota que esteve no Billings alguns anos antes dela, e sobre um clã
de bruxas que a irmã de Caroline, Lucille, tinha começado. Ela contou que Lucille
não deixou Caroline entrar, e como Caroline tinha levado isso para o lado pessoal,
roubando os livros, e lançando feitiços sobre si mesma até realmente enlouquecer.
Ela escreveu que Caroline tinha cometido suicídio, atirando-se do telhado da
capela Easton, e que suas últimas palavras foram: ─ Eu não pertenço.

63
É claro que não tínhamos ideia disso quando me deparei com o medalhão e o mapa no
jardim. Se tivéssemos, talvez teríamos sido cautelosas o suficiente para ficar longe. Ou talvez
não. Nunca saberemos.

Os próximos parágrafos contaram como Eliza, Theresa Billings, Catherine


White e Alice Ainsworth haviam formado um clã de onze meninas. Algumas das
meninas estavam aparentemente relutantes, mas foram fisgadas pela astúcia de
Theresa. Ela descreveu a noite que tinham lido o encantamento, e o que tinha
acontecido logo após as palavras serem ditas.

Um vento forte e frio chicoteou pelo templo, apagando cada vela. Estávamos todas
congeladas pelo terror, mas então, um momento depois, apenas as velas que segurávamos em
nossas mãos se acenderam. Onze pontos de luz formando um círculo na escuridão. Sabíamos que
o feitiço havia funcionado. Que éramos bruxas.

Passei a mão em volta de meu estômago. A luz tinha apagado, e, em seguida,


suas velas individuais tinham se acendido. Assim como naquela noite no porão da
capela. Assim como naquela noite que Ivy e eu tínhamos dito o encantamento
também. Minha cabeça girou e eu fechei os olhos, segurando a onda de náusea.
Isso não podia ser verdade. Simplesmente não podia ser. Lá fora, no corredor, uma
porta bateu e eu abri os olhos, forçando-me a continuar.
Havia histórias divertidas de feitiços ─ com meninos com algo quente nas
mãos, a diretora com uma saia rebelde. Histórias de celebrações com o clã,
narrações que soavam tão parecidas com os encontros que tive com as minhas
próprias amigas que era quase assustador. E então, justo quando eu estava me
sentindo confortável novamente, outra parte de mim congelou.

E depois, algumas noites atrás, eu tive um sonho. Naquela hora, eu pensei que não fosse
nada além de outro pesadelo vindo do fundo da minha imaginação mórbida, mas agora vejo que
era mais do que apenas isso.

Eliza tinha sonhado que sua amiga Theresa e a empregada, Helen Jennings,
tinham jogado Catherine White em uma vala na floresta, matando-a. E então,
apenas algumas noites mais tarde, Catherine morreu quase que da maneira exata.
Ela estava lutando com Theresa, quando Eliza se deparou com elas: Um feitiço
tinha dado errado, e Catherine tinha caído morta.
Encostei-me na cama, tentando respirar. Catherine tinha morrido? Todas as
vezes que eu tinha lido o livro SLB eu tinha imaginado as duas juntas, no campus
Billings, lendo livros e flertando recatadamente com os meninos mais-gatos-do-
século. Mas pela data da entrada, Catherine e Eliza mal tinham se conhecido no
mês que ela tinha morrido.
Mas isso não foi o pior acontecimento de todos. Eliza teve um pesadelo
horrível que tinha se realizado, de certa forma. Agora, eu tinha dois pesadelos que
também tinham sua cota de realidade. Será que isso significava que Astrid
realmente foi sequestrada? Que Lorna está realmente... morta? Meu coração quase
parou dentro de meu peito e me inclinei para frente, lutando para respirar, sendo

64
atingida pelas horríveis imagens dos meus sonhos. Isso não era verdade. Não
podia ser verdade.
Eu olhei para as páginas em minhas mãos e desejei nunca tê-las encontrado.
Seja lá o que fosse, não era algo com o qual eu poderia lidar. Fosse o que fosse, eu
desejava que tivesse acontecido com qualquer outra pessoa além de mim. Depois
de respirar fundo várias vezes, eu me forcei a me sentar ereta novamente. Parte de
mim não queria ler mais, mas eu sabia que tinha de fazer isso. Eu tinha que saber.
Estoicamente, em silêncio, eu li. Eu li sobre o clã trazendo Catherine de volta à
vida. Sobre como a coisa toda deu errado e o que eles trouxeram foi uma espécie de
monstro e não Catherine. Como a coisa atacou Eliza. Como Helen e Theresa a
salvaram. Como a coisa amaldiçoou todas elas, e todos os seus ancestrais, antes de
finalmente cair morta.
Eu me sentia mal, assustada e confusa. Será que eu realmente vivia em um
mundo onde coisas como essas poderiam acontecer? Eu me sentia lendo um
romance de horror e não um diário. Mas essas coisas tinham realmente acontecido
com Eliza ou, pelo menos, ela acreditava que tinham. A tristeza quando ela
descreveu a noite em que ela e suas amigas levaram o corpo de Catherine de volta
para o local de sua morte original era tão real. A descrição de como elas enterraram
o baú cheio de livros, e como Eliza também tinha jogado o medalhão na vala, foi
detalhada e vívida. Enquanto eu lia estas últimas palavras, minha mão tocou o
cordão em volta do meu pescoço.
Se Eliza havia mesmo feito isso, se ela o odiava o suficiente para jogá-lo fora,
por que ela me levou de volta para ele?
Quando um segundo pensamento se passou pela minha cabeça, zombei de
mim mesma e me levantei do chão. Um espesso nevoeiro clareou rapidamente o
meu cérebro e me livrou da terra da fantasia da história de Eliza e plantou meus
pés firmemente no mundo real.
Isto era uma loucura. Essa coisa toda estava me deixando um pouco insana.
Um fantasma não me levou a lugar nenhum. Era impossível. Eu estava acreditando
em tudo isso como uma ingênua idiota, mas isso não podia ser verdade. Não era
mais verdade do que Cheyenne me mandando e-mails da sepultura ou tentando
me assustar. Tudo isso tinha uma razoável explicação ─ Sabine tinha tentado me
assustar. Claramente algo semelhante estava acontecendo agora. Alguém estava
brincando comigo. Era a única explicação.
Mas como é que eles entraram nos seus sonhos, Reed? Uma pequena voz
perguntou dentro da minha cabeça. E os sonhos?
De repente, a porta se abriu e meu coração pulou até minha garganta. Noelle
me olhou de cima a baixo.
─ Pegue seu casaco. Vamos.
─ Espera ─ eu disse. Fechei os olhos e estendi as páginas para ela. ─ Por
favor, leia isso. Acabei de ler isso e me diga que não estou enlouquecendo.
Noelle suspirou com impaciência, mas tomou as páginas das minhas mãos.
Quando ela começou a ler, a cor desapareceu de seu rosto.
─ Onde você conseguiu isso?
─ É de Eliza ─ falei. ─ Caíram do livro de feitiços. Tenho certeza de que foram
arrancadas do livro SLB em algum momento. Sabe-se lá quando?
Sentei-me trêmula na minha cadeira e Noelle se sentou na beira da minha
cama. Para minha surpresa, devagar, e com cuidado, leu cada palavra. As páginas
tremeram em seus dedos.
─ Alguém está zoando com a gente ─ disse ela, de repente.

65
Respirei fundo e esperei sentir a sensação de alívio, mas não senti nada.
─ O que você quer dizer com a gente? ─ eu perguntei.
─ Isso mesmo ─ disse ela, em pé e segurando metade das páginas em uma
mão. ─ Isso não afeta apenas você. Afeta a mim também. ─ Ela juntou as páginas
novamente e voltou a estudá-las.
─ Quem poderia fazer isso? É estupidamente bem elaborado. Eu digo, olhe
para essas páginas. Realmente parecem velhas. Quem poderia saber sobre...
─ Noelle.
Ela levantou a cabeça. Ela parecia confusa, como se houvesse se esquecido
onde estava ou que eu estava lá também.
─ O que você quer dizer com isso afeta você também? ─ perguntei.
Noelle hesitou por um momento e eu senti meu sangue começar a ferver. Eu
lhe disse tudo. É melhor ela nem sequer pensar em esconder coisas de mim.
─ Garotas!
Ambas pulamos quando a Sra. Shepard enfiou a cabeça dentro do quarto.
─ Desçam para o andar de baixo em cinco minutos.
─ Ok ─ nós duas respondemos.
Assim que ela se foi, eu me levantei para encarar Noelle. ─ O quê, Noelle? O
que é isso?
─ Ok, prometa que você não vai ler muito sobre isso. ─ Noelle respirou
fundo. Ela dobrou as páginas, as colocou debaixo do braço e sacudiu o cabelo para
trás, levantando o queixo como se estivesse pronta para uma briga. ─ Theresa
Billings? Ela era minha tatara-tatara-avó. ─ Ela limpou a garganta. ─ Nossa tatara-
tatara-avó.
─ O quê? ─ perguntei.
Meu coração quase parou. Meus olhos estavam borrados quando eu olhei
para ela, tentando descobrir o que isso poderia significar.
─ A mãe da mãe da mãe do meu pai ─ disse Noelle, estreitando os olhos. ─
Sim. Eu acho que é isso. De qualquer forma, lembra como fiquei brava quando
achei o livro SLB no seu quarto? Foi porque eu vi o nome dela na lista de membros.
Eu pensei que se alguém devesse tê-lo, deveria ser eu.
Eu balancei a cabeça mais uma vez.
─ Mas agora que eu sei que nós somos irmãs...
─ É.
Meu cérebro não voou atrás das próximas palavras para uma resposta. Foi
como se ele estivesse com medo de pensar além disso. Se bem que qualquer coisa
além disso não passava de um buraco escuro e assustador.
─ Então isso significa que você e eu somos descendentes de Theresa Billings...
─ Noelle disse de uma maneira afetada. De repente, eu me sentia girando e caindo,
de novo e de novo para o vazio. Agarrei-me na parte de trás da minha cadeira e
tentei continuar de pé.
─ Portanto, a coisa que possuiu o corpo de Catherine, quando as amaldiçoou,
ela amaldiçoou a gente ─ eu falei.
─ Sim. Certo ─ disse Noelle, zombando. ─ E eu tenho algumas joias da coroa
e eu gostaria de vendê-las pra você.
De repente, uma ideia me ocorreu.
─ Noelle, você não leu o que Eliza escreveu?
─ Eu li o que alguém escreveu ─ Noelle disse com uma expressão duvidosa. ─
É evidente que nada disto aí é verdade, Reed. É um conto de ficção científica! Esse
tipo de coisa não acontece no mundo real!

66
─ Tudo bem. Você acha que alguém colocou isso em meu quarto? Vamos ver.
─ Todo o meu corpo tremia enquanto eu caminhava até a mochila, abria o zíper e
puxava o livro SLB para fora, derrubando também algumas roupas por todo o
chão. O coloquei em uma mesa com um baque e ele se abriu direto no lugar aonde
as páginas haviam sido arrancadas. ─ Me dê as páginas ─ eu pedi, estendendo a
mão.
Noelle revirou os olhos, mas me entregou. Ela se aproximou por trás do meu
ombro direito e viu como eu alinhei as laterais das páginas com as sucatas
rasgadas ao longo da coluna do livro. Minha boca ficou completamente seca. As
lágrimas, os soluços, os fragmentos ─ todos eles alinhados perfeitamente.
─ Ninguém plantou isso aqui, Noelle. Eliza Williams pode ter sido uma louca,
mas ela escreveu essas páginas ─ eu disse. ─ Se isso aconteceu ou não, ela
acreditou que aconteceu.
Noelle olhou para mim, com a cara pálida. Minha teoria tinha claramente
deixado ela assustada. Ela recuou um passo para trás, soltou um gemido e cobriu o
rosto com as mãos.
─ Se você quer acreditar em tudo isso, então você provavelmente deveria
juntar todos os fatos ─ disse ela. Suas mãos caíram, deixando para trás
momentâneas digitais vermelhas em sua pele pálida.
─ Que fatos?
─ Bem, tem mais uma coisa ─ disse Noelle. Ela olhou para as páginas e o livro
em vez de mim, e colocou as mãos nos bolsos do seu casaco toda casual. Como se
estivéssemos discutindo sobre a última edição da revista Vogue. ─ E você não vai
gostar disso.
Senti meu coração acelerar os batimentos, agitando meu corpo todo até meus
dedos dos pés. De repente, percebi que o dormitório estava em total silêncio.
Todos haviam saído, menos nós.
─ O quê? ─ perguntei.
─ Catherine White? A garota que se transformou em um monstro que
amaldiçoou nossa família? ─ Noelle disse, olhando-me nos olhos. ─ Ela era uma
parente distante de Ariana.

67
18
CONEXÃO COM ARIANA
Traduzido por Báh Tega

—S
im, Vienna, todos os guarda-costas são bem-vindos ─ Noelle disse no
telefone aquela noite, rolando seus olhos e olhando para mim
enquanto se sentava em frente a lareira. ─ Ok. Nos vemos em breve.
Ela desligou o telefone e o colocou próximo a nos.
─ Pronto ─ ela disse, com se estivesse exausta.
Nós tínhamos ligado para todas as Garotas Billings ─ incluindo Missy,
Constance e London ─ a maioria estava em algum lugar na cidade, e me convidou
para me juntar a elas. Ivy estava a caminho da sua casa em Boston, mas tinha dito
ao seu motorista para dar a volta no carro. Kiki, que morava na Califórnia, estava
na casa da sua tia no Brooklyn, e os pais de Amberly alugaram uma suíte para ela
no Waldorf’s com um par de guarda-costas, e sua mãe já estava a caminho em um
jatinho particular.
─ Missy foi a mais difícil ─ Noelle disse. ─ Mas ela virá.
─ Que bom ─ eu disse categoricamente.
Eu larguei a revista que eu estava folheando em cima da cama e fui me sentar
próximo ao pufe. O quarto de Noelle, no segundo andar da casa de seus pais no
Upper East Side, tinha no mínimo a metragem do Billings todo, ou pelo menos
parecia ter. Fora o quarto enorme com uma cama imensa e uma lareira própria,
sua suíte tinha sua própria cozinha, banheiro e sala, tinha também um closet que
era cinco vezes o tamanho do meu quarto junto com o do meu irmão.
Agora estávamos descansando em um lugar aconchegante, com uma lareira
quentinha e flocos de neve começando a cair do lado de fora onde tinha uma vista
incrível do Central Park. Com quatro guarda-costas ao redor da casa a mando do
pai de Noelle eu me sentia completamente segura, e com a quantidade de comida
que o cozinheiro nos mandou eu também me sentia bem cuidada. Não que eu
tivesse sido capaz de dar pelo menos uma mordida.
─ O que você vai falar para elas quando chegarem aqui? ─ Noelle perguntou,
colocando um braço atrás da cabeça.
─ Eu vou falar o que descobri ─ eu disse. ─ Um sonho era uma
ocasionalidade. Dois uma coincidência, mas três?
─ Então você acha mesmo que é vidente? ─ Noelle disse.
─ Eu não sei, só sei que se eu sonhasse com a sua morte eu iria te alertar ─ eu
disparei de volta.
Nós duas voltamos a olhar o fogo. Eu assisti as chamas dançando e comecei a
pensar na história de Eliza.
─ Eu tenho que te perguntar uma coisa ─ eu disse.
─ Eu já imaginava ─ Noelle respondeu pacientemente.

68
─ Se você sabia o tempo todo que Catherine White estava associada a
Ariana... por que você não me contou?
Noelle soltou um suspiro e se ajeitou. Ela esticou suas longas pernas e
colocou suas mãos ao redor.
─ Reed, isso aconteceu há dez mil anos atrás ─ ela disse lentamente. ─ Eu
achei que não iria fazer diferença. Para ser honesta com você, eu ainda não sei se
faz.
Eu tirei uma das almofadas das minhas costas. ─ Mas como você descobriu?
Noelle pressionou o canto dos olhos com os dedos por um momento, como se
estivesse com dores. Então ela se levantou e ficou parada ao lado do fogo, cruzando
os braços sobre o peito. Ela ficou tanto tempo encarando as chamas que eu quase
esqueci da pergunta.
─ No fim do nosso primeiro ano, Ariana fez uma árvore genealógica para o
nosso projeto de sociologia ─ Noelle começou. ─ Ela levou a sério o projeto ─ muito
mais sério do que o resto da sala. Enquanto ela pesquisava, encontrou que a irmã
da sua tatara-tatara-tataravó, Catherine White, tinha ido para o Billings na virada
do século. ─ Ela pausou e olhou para a pintura acima da lareira, uma bem colorida
e abstrata que ficava no Billings e que o pai de Noelle comprou para ela alguns
anos atrás. ─ Eu nunca vou esquecer como ela ficou animada. Ela corria pelo
campus como se tivesse descoberto que pertencia a alguma realeza ou algo do tipo.
─ Noelle me olhou sob o ombro. ─ Ela descobriu que essa descendência provava
que ela era um legado, portanto, ela teria um convite para a Legado no próximo
ano.
Eu estreitei meus olhos enquanto pensava em todo o drama dos convites na
temporada passada. ─ Mas ela não foi.
─ Não. Ela descobriu que precisava ser uma linhagem direta ─ Noelle disse,
soando quase triste. ─ Uma tatara-tatara-tataravó não poderia ser.
─ Oh ─ eu mordi meu lábio. Uma fagulha saltou da lareira e brilhou. Noelle
levantou seu pé e o colocou na beirada da lareira.
─ Então, se a história de Eliza é verdade, então a tatara-tatara-tataravó dela
amaldiçoou nossa família pela eternidade ─ eu disse.
Noelle se virou. ─ Bizarro, não é?
─ Na verdade, faz sentido, sem toda a parte chata ─ eu respondi.
Noelle arqueou suas sobrancelhas. ─ Então você acha… o quê? Que Ariana
assassinou seu namorado porque ela estava sob o efeito da maldição?
─ Eu sei, eu sei. Isso parece loucura. Mas não é muita coincidência? ─ eu
disse, tocando o colar de Eliza com a ponta dos meus dedos. ─ E não esqueça de
Sabine. Ela está associada a Catherine também.
Noelle mexeu a cabeça e sua expressão era condescendente. ─ Reed, Ariana
matou Thomas porque o ciúme a deixou fora de si. Claramente há alguma coisa
errada no DNA delas. Não tem nada a ver com maldição.
─ Que seja ─ eu disse. ─ O que eu quero saber é, o que aconteceu com Eliza e
sua família? E com Helen?
─ Procura no Google ─ Noelle disse calmamente. ─ Se nós descobrirmos que
todas as crianças morreram em um incêndio ou nasceram com duas cabeças então
eu vou acreditar em você.
A porta estava meio aberta e Ginny, a chefe de segurança, a abriu.
Aparentemente ela era uma ex-policial do serviço secreto, e eu imaginei que ela era
muito boa em seu trabalho. Com seus ombros largos, sua elevada altura e sua
expressão de mau humor ela podia intimidar muita gente.

69
─ Seus convidados começaram a chegar ─ ela disse, deixando Tiffany e Rose
entrarem. Elas caminharam até nós cautelosamente, e eu vi Tiffany olhando para a
comida no buffet próximo a janela.
─ Legal ─ ela disse, colocando sua câmera em cima da cama de Noelle. ─ Nós
estamos tendo uma festa?
Rose, que parecia exausta e assustada, olhou lentamente para mim e para
Noelle. ─ Por que eu tenho a impressão de que vocês não nos convidaram para
comer?
Eu respirei fundo e olhei para Noelle. Ela fez um pequeno gesto com a mão
como quem dizia: agora é com você. Lide com isso.
─ Vamos esperar até todas chegarem ─ eu disse. ─ Eu só quero contar essa
história uma única vez.

70
19
DISSENSÃO
Traduzido por Gabriel Willian

—E
ntão é por isso que tudo isso está acontecendo? ─ perguntou
Constance, trêmula. ─ Vocês são amaldiçoadas?
Eu tinha acabado de ler a carta inteira de Eliza a todas elas, e
em seguida, expliquei o sonho que eu tive sobre Lorna. Ivy se contorcia em seu
assento enquanto eu falava sobre o que era o clã de Eliza. Eu sabia que ela estava
pensando a mesma coisa que eu ─ que a descrição de Eliza sobre o que aconteceu
depois que elas leram o encantamento foi exatamente o que havia acontecido com
todas nós. Enquanto eu continuava contando a história, eu vi Tiffany, Portia e
Vienna ficarem inquietas e revirarem os olhos, enquanto Rose, Constance, London
e Amberly pareciam completamente apavoradas. Kiki parecia apenas intrigada,
olhando para mim o tempo todo enquanto eu falava, mas Missy olhava para frente
o tempo todo, seu maxilar definido obstinadamente, como se ela quisesse estar em
qualquer outro lugar agora.
─ Nós não estamos amaldiçoadas coisa nenhuma! — Noelle disse, jogando as
mãos para cima.
Amberly parecia estar chegando ao limite de suas necessidades de usar sais
aromáticos. Ela levantou a cabeça devagar. ─ Mas Reed acabou de dizer...
─ Eu sei o que ela disse, tudo bem? ─ Noelle respondeu, saindo da cabeceira
da cama para ficar ao meu lado na frente de todas as nossas amigas. ─ Eu só... não
acho que isso seja verdade.
─ Então, o quê? Vocês estão bancando o policial bom e o policial mal com a
gente? — London perguntou, erguendo as sobrancelhas. Ela estava usando um
moletom folgado com gola até o pescoço, calças de ioga, e prendeu o cabelo em um
rabo de cavalo. Eu nunca tinha visto ela parecer tão discreta antes. ─ Uma de vocês
nos diz que é real, e a outra diz que tudo é uma brincadeira? Vocês estão tentando
arrancar alguma coisa da gente?
─ Não ─ eu disse. ─ Não achamos que alguém neste quarto seja responsável
por isso.
─ Isso é ridículo ─ falou Tiffany, ficando de pé. ─ Me desculpa, mas eu não
acredito em bruxas, não acredito em médiuns e eu não vou ficar aqui nem mais um
momento.
─ Tiff, por favor ─ eu disse, sentindo o desespero dela ao andar até a porta. ─
Eu não sei no que acreditar também. Eu só queria avisar a todas vocês, no caso...
─ No caso de que? De você sonhar comigo agora? — disse Tiffany impaciente,
girando em volta de mim.
Minha boca se fechou e ela suspirou, olhando para mim com simpatia.

71
─ Olha, eu sinto muito. Eu só estou um pouco tensa ultimamente, ok? ─ ela
disse. ─ Eu finalmente entrei em RISD1, finalmente vi a linha de chegada, e pela
primeira vez na nossa estúpida escola tudo estava normal. Tudo que eu queria era
que tudo continuasse indo bem até a formatura, e então, bam. Astrid e Lorna
somem e aqui estamos todas de novo. ─ Ela jogou as mãos para cima e girou em
torno de si mesma uma vez. ─ De volta no mundo de vida-ou-morte ─ ela disse,
arregalando os olhos com sarcasmo.
As outras meninas olharam uma para a outra, e ficou claro que elas se
sentiam da mesma forma.
─ Eu sei ─ eu disse. ─ É uma merda. Acredite em mim, eu sei. Mas não é
minha culpa que isso esteja acontecendo. Eu só estou tentando encontrar algum
sentido para tudo isso.
─ Ou talvez a culpa seja sua ─ disse Missy.
Todas se viraram para olhar para ela. Ivy estalou a língua e revirou os olhos,
afastando-se de Missy como se ela estivesse se contendo para não atacar ela.
Missy, que estava sentada sobre um travesseiro com as costas contra a parede,
inclinou-se para frente.
─ Missy ─ Noelle disse em tom de aviso.
─ Não. Eu estou falando totalmente sério. ─ Missy impulsionou para ficar de
pé, levantando a trança loira sobre seu ombro. ─ Eu acredito em você, Reed. Tudo
faz sentido. Você está amaldiçoada.
─ O quê? ─ disse Portia. ─ Garota, você esta FDC.
─ Não, eu não estou fora de controle ─ falou Missy entre dentes, cruzando os
braços sobre o peito e dando um passo a frente.
─ Pensem bem. Tudo estava bem em Easton até que ela apareceu. Então
Ariana enlouquece, Thomas acaba assassinado, Sabine vem para a cidade e mata
Cheyenne, em seguida, atira em Ivy ─ ela disse, acenando para Ivy. ─ Então vocês
saem de férias e Reed acaba sendo sequestrada e deixada para morrer em uma ilha
deserta, e quando você volta, surpresa! O Billings está sendo reerguido e, agora,
duas de nossas amigas desaparecem. Você é amaldiçoada, Reed. Todas estaríamos
melhor se você não tivesse entrado em nossas vidas.
─ Tudo bem. Isso é o suficiente!
Virei-me e fiquei boquiaberta com Ivy. Acho que fomos todas surpreendidas
com as palavras que explodiram da sua boca e não da de Noelle. Missy ficou
vermelha com o choque, mas parou de reclamar.
─ Esqueçam tudo o que aconteceu no passado ─ Kiki soltou, levantando-se
para cima do sofá e se sentando no braço, suas botas descansando no tecido caro
do assento. ─ Vamos pensar somente no que está acontecendo agora. Se Reed e
Noelle são amaldiçoadas, então por que foram Lorna e Astrid que sumiram? Onde
é que elas se encaixam nisso tudo?
Algo passou através dos olhos de Missy naquele momento. Uma centelha de
informação. Alguma ideia.
─ O quê? ─ perguntei, dando um passo na direção dela. ─ O que você sabe?
A sala inteira caiu em silêncio profundo com a tensão. Todas as garotas se
viraram para nós como se fôssemos dois leões prontos para começar uma luta.
─ Nada ─ disse ela, mudando seu olhar.

1
RISD (Rhode Island School of Design - Escola de Planejamento de Rhode Island): Faculdade conhecida de Artes situada no estado de
Rhode Island (Estados Unidos).

72
─ Papo furado! ─ Ivy falou, atacando. ─ Que diabos, Missy? Se você sabe de
alguma coisa, você tem que nos dizer.
Missy ergueu o queixo.
─ Eu não tenho que dizer nada. Foram vocês que decidiram que eu não era
boa o suficiente para ficar com vocês.
─ Missy ─ Constance disse, com uma voz chorosa. ─ Por favor. Você sabe
realmente de alguma coisa?
─ Não ─ Missy lamentou. ─ Não! Deus! Eu não sei. Se soubesse você não
acha que eu diria? Lorna é uma das minhas melhores amigas. Ou pelo menos foi,
de qualquer modo ─ ela acrescentou, atirando-me um olhar acusador.
─ Sabe de uma coisa. Eu posso dizer ─ disse Ivy agarrando o braço de Missy.
─ Fala logo, Missy!
─ Saia de perto de mim ─ Missy gritou, arrancando o braço e indo para longe
de Ivy. Ela se curvou e apanhou sua bolsa de couro. ─ Eu nunca deveria ter vindo
aqui.
Missy saiu passando por mim em direção às portas duplas, que estavam
abertas para o corredor, e Gina e seu parceiro, Goran, estavam vagando do lado de
fora.
─ Missy, espera ─ eu implorei.
─ Esqueça isso ─ ela falou, sem olhar para trás.
─ Volte aqui! ─ Ivy gritou, indo atrás dela. ─ Missy! Você não vai a lugar
algum antes de nos contar o que sabe!
Naquele momento, eu juro que senti uma rajada de vento frio e ambas as
portas pesadas se fecharam. Constance e Amberly gritaram. Missy parou no meio
do caminho. Se ela estivesse três passos adiante, as portas teriam batido nela.
Lentamente, eu me voltei para Ivy. Seu cabelo escuro dançou ao redor de suas
bochechas por causa da brisa, antes de cair preguiçosamente para baixo, ao redor
dos ombros.
─ O que diabos foi isso? ─ Tiffany exigiu saber.
─ O vento ─ disse Noelle, passando por uma janela aberta e batendo-a ao
fechá-la. ─ Eu abri as janelas porque estava abafado demais com todo mundo aqui
de uma só vez.
Trêmula, Ivy virou-se para olhar para mim. Nós duas sabíamos que não era o
vento. Foi exatamente do mesmo jeito que a pintura caiu no refeitório na manhã
de ontem.
─ É o feitiço, não é? ─ Ivy me disse, como se estivéssemos apenas nós duas
ali. ─ Ele realmente funcionou.
Só então as duas portas se abriram novamente, e todo mundo engasgou. A
avó de Noelle, Lenora Lange, entrou na sala, os saltos altos estalando contra o chão
de mármore. Quando ela avistou Ivy, ela se assustou um pouco, quase como se ela
pudesse sentir o medo fluindo dela. Rapidamente, a Sra. Lange pigarreou.
─ Ora, meninas. Nós não podemos ter essa dissensão ─ disse ela claramente,
de forma sucinta. Ela olhou ao redor da sala, encontrando o olhar de cada uma das
meninas, uma por uma. ─ Se nós queremos parar o que quer que esteja
acontecendo com suas irmãs, nós vamos precisar trabalhar juntas.

73
20
PODER ÚNICO
Traduzido por Thaynara Ribeiro

—A
primeira coisa que devem saber é que a maldição é real — disse a
Sra. Lange.
Meu sangue gelou nas veias. Ninguém se moveu — nem Missy,
nem Ivy, nem sequer Noelle. Eu senti como se tivesse havido um sinistro estrondo
em uma área fora da janela, mas quando olhei para fora, tudo o que vi foram flocos
de neve girando pesadamente no céu azul escuro da cidade de Nova Iorque.
— Pelo menos, é real para algumas pessoas. O suficientemente real para as
pessoas que estão causando problemas — continuou a Sra. Lange. Ela se
aproximou da mesa do buffet e se serviu de um copo de água com gás. Ela tomou
um longo gole antes de se virar de novo, segurando o copo de cristal com as duas
mãos. Na última vez que eu havia visto a Sra. Lange, ela usava uma roupa de
negócios. Hoje seu curto cabelo branco estava empurrado para trás com uma tiara
de couro de tartaruga, que fazia com que seus traços firmes parecessem mais
suaves. Ela usava uma camisa com botões, uma jaqueta de cashmere azul marinho
e calças cinza de lã. Mas inclusive em sua roupa casual de fim de semana, ela
comandava a todos com atenção e respeito.
— As ex-alunas Billings desde muito tempo caíram em duas categorias — ela
disse. — Aquelas que acreditam na maldição, e aquelas que não acreditam. Nos
últimos cinquenta anos mais ou menos, não houve muitas provas de que os
descendentes de Eliza Williams, Theresa Billings e Helena Jennings estejam
realmente malditos. — Ela fez uma pausa e se pôs a rir. — A maioria de nós tem
vivido muito bem. Mas os que acreditam, passaram a pensar que Reed atraiu a
maldição por sua presença em Easton.
Minha garganta estava espinhosa e apertada quando me virei para olhá-la. —
O quê? — eu disse. — Por que eu?
A Sra. Lange caminhou para mim, com os olhos brilhantes. Ela pôs uma mão
no meu pulso. Seus dedos estavam frios e úmidos por causa do copo, mas seu
agarre era muito firme.
— Porque, minha querida, você não é somente descendente de Theresa
Billings, é também de Eliza Williams.
Na habitação ao meu redor cresceu um calor sufocante, e tudo ficou borrado.
De repente eu vi o rosto de Eliza em meu sonho. A curiosa maneira como ela me
olhou. Seus olhos tristes iguais aos meus.
— A coisa é que... — Josh havia dito em meu ouvido quando estávamos
investigando o anuário. — ...Ela se parece com você. Bastante.
Ela havia tido um sonho premonitório, e agora eu os tinha também. Seu
sangue louco, possivelmente psíquico, possivelmente bruxo estava em minhas
veias.

74
Peguei o copo de água das mãos da Sra. Lange, e logo me engasguei com as
borbulhas.
— Reed — Noelle falou, agarrando meus braços. — Você está bem?
Eu assenti com a cabeça enquanto tossia. A água saiu por meu nariz e as
lágrimas arderam em meus olhos. Noelle me levou ao banco ao pé da sua cama.
Por um longo momento eu me sentei com a cabeça entre meus joelhos. Eu podia
sentir minhas amigas me olhando e eu teria gostado que todas tivessem ido. Eu
queria acordar desse pesadelo como tinha acordado de todos os demais.
Salvo que eu não havia realmente acordado de nenhum deles, já que todos
eram reais.
— Como? — Noelle disse finalmente. — Eu não entendo como isso é possível.
— A avó da mãe de Reed era filha de Eliza, Catherine, assim chamada pela
velha amiga de Eliza — disse a Sra. Lange. — Catherine repudiou a sua filha Lea,
quando ela decidiu se casar com um trabalhador de aço, alguém que Catherine viu
como indigno do nome da sua família. Depois disso, a linhagem de Eliza decaiu por
seu patrimônio... mas não por seu espírito ou força — ela disse com admiração em
sua voz. — Isso é evidente em você, querida. É por isso que as ex-alunas tinham
tanto interesse em você desde o começo: é tanto uma Billings, quanto uma
Williams, você poderia ter uma quantidade única de poder.
Olhei para baixo para o medalhão, quente como sempre contra meu peito.
Uma vez ele pertenceu a Eliza. Havia pertencido a minha tatara-tataravó.
— Isso é ridículo — Missy disse em um ofego. — Ela não tem nenhum poder.
De repente, ouvi as palavras de Sabine em meu sonho na noite anterior. Ela
não tem poder aqui. Ela nunca teve nenhum poder.
Olhei fixamente para Missy e meu peito se apertou. Ela poderia estar
relacionada com tudo isso de alguma maneira?
A Sra. Lange se voltou para encarar Ivy, que parecia surpreendida por toda a
atenção. — Você leu o feitiço, não foi?
Ivy pareceu tímida por um breve momento, mas logo ela estufou seu peito e
levantou o queixo.
— Sim. Nós fizemos. Só nós duas. Como a senhora sabe disso?
— Eu posso ver em seus olhos — disse a Sra. Lange com um sorriso. —
Funcionou. Vocês duas convocaram o poder.
— Não — eu disse, sacudindo a cabeça, desejando ter tudo isso bem longe de
mim. — Precisa ter onze garotas para que o encantamento funcione... não é?
A Sra. Lange se sentou ao meu lado e pôs sua mão sobre a minha.
— Você não vê, Reed? O fato de que foi feito prova a teoria. Com o sangue de
Theresa e Eliza em suas veias, você pode invocar o poder quase por conta própria.
Uma sensação de calor começou na parte posterior do meu crânio e se
propagou para baixo sobre meus ombros e por todo o caminho até meus pés.
Simples assim, eu sabia. Ela estava certa. Foi por isso que os sonhos haviam
começado — sonhos iguais aos de Eliza. Porque eu havia dito o feitiço naquela
noite na capela e convoquei a... o que quer que fosse. E Ivy... ela havia movido
objetos sem tocá-los.
Tudo isso era realmente minha culpa? Devido a minhas tatara-tataravós?
— Ah! Eu não aguento mais — Missy soltou. — Estou farta de ouvir falar da
grande Reed Brennan!
Seu rosto estava vermelho e seus olhos se reduziram a ranhuras enojadas
quando ela me olhou. — Você não tem um poder único, Reed. Nem mágico ou de
qualquer outro tipo. O Billings vai ser reconstruído sem você, e você nunca porá

75
um pé dentro dele outra vez. E se alguma vez inclusive você por um pé na calçada,
eu serei a primeira a te dar um tiro na cara.
Ela deu a Sra. Lange um olhar fulminante e se virou. — Se essa loucura é de
algum modo verdade, não significa que você tem o dobro de poder. A única coisa
que significa é que você é duplamente maldita! — ela gritou por cima do ombro.
Quando ela se foi o único som na sala era o trepidar do fogo. A Sra. Lange
tomou uma respiração profunda e negou com a cabeça ligeiramente, como se
estivesse espantando uma mosca irritante. Então ela se levantou e olhou ao redor
das meninas, as quais estavam todas congeladas, como um quadro, ao redor do
fogo.
— Se alguma de vocês quiser sair, essa é a oportunidade — ela disse.
Olhei para minhas amigas — Noelle, Ivy, Constance, Kiki, Rose, Tiffany,
Portia, Amberly, Lorna e Vienna — e me perguntei o que pensavam. Algumas delas
pareciam assustadas, outras irritadas, outras simpatizantes. Mas foi nos olhos de
Constance que os meus chegaram. Parecia que ela queria me dar um abraço.
Clareei a garganta e me levantei, entregando o copo vazio a Noelle.
— Garotas, eu não sei se sou psíquica. Não sei se estou amaldiçoada. E
definitivamente não me sinto como se tivesse algum poder — eu lhes disse,
limpando as mãos na minha calça jeans. — Tudo o que importa... a única razão
pela qual lhes pedi para vir aqui é... manter a todas seguras. Então, por favor... só
fiquem aqui dentro. Fiquem com suas famílias. E se qualquer uma de nós ligar
para a outra, atenda o telefone.
— Inclusive Missy? — Amberly disse com a voz grossa.
Dei um meio sorriso. — Sim, inclusive Missy — eu disse. — O melhor que
podemos fazer agora é cuidar umas das outras.
— E se alguém não tiver seus pais por perto e quiser ficar aqui, pode ficar —
Noelle acrescentou.
Pouco a pouco todas começaram a se levantar. Pareciam assustadas, mas me
dei conta de que estavam alegres de estar em casa. Pelo menos sabiam que nós
cuidávamos umas das outras agora. Pelo menos todo mundo tinha toda a
informação. Abracei a cada uma delas em seu caminho para a porta, e Constance
se apertou a mim mais que todas.
— Ei, Reed — Kiki disse, fazendo uma pausa na parte posterior do grupo de
garotas que saíam pela porta.
— Sim? — eu disse, ansiosa.
— Liga se tiver outro sonho — ela disse.
Desta vez, ninguém riu.

76
21
PRÓXIMA
Traduzido por Camila Chable

—V
ocê não é nada, Reed! Nada! Você nunca deveria ter sido aceita
nessa escola! Você não merece estar aqui!
Minha pulsação vibrava em meus ouvidos enquanto eu voltava
ao telhado do Billings, e Missy ia avançando sobre mim com ferocidade predatória
em seus olhos. Seu manto negro ondulava com o vento, o capuz pulando para cima
e para baixo nas suas costas. Quando eu tropecei mais perto da borda, minha
mente corria, tentando descobrir uma maneira de sair dessa, rezando que alguém
olhasse para cima. Eu freneticamente olhei para o Ketlar, desejando que Josh
corresse porta a fora. Desejando que ele me salvasse.
Mas, algo estava errado. O Ketlar não estava onde deveria. Eu estava olhando
para o Billings do alto. Eu girei ao redor e percebi que não era o telhado do
dormitório. Estávamos no topo da capela Easton.
Como diabos eu cheguei aqui?
— Tudo estava bem antes de você chegar aqui, Reed! — Missy continuou
reclamando, com o rosto praticamente roxo de raiva. — Thomas está morto por
sua causa! Cheyenne está morta por sua causa! É tudo culpa sua!
— Não — eu disse, entre lágrimas, mesmo que a culpa horrível espremesse
meu coração. Minha cabeça balançou histericamente. — Não. Não fui eu. Eu não
fiz isso.
— Você não pode ser tão ingênua — Missy zombou. — Essas coisas foram
feitas por causa de você!
Entre essas palavras, Missy me empurrava em direção à borda do telhado.
Com meus olhos borrados e ardendo, eu olhei detrás dela para a porta — a porta
pela qual Noelle havia entrado não muito tempo atrás para me resgatar de Ariana.
A porta estava lá, mesmo que não estivéssemos no Billings.
— Você tem que morrer — disse Missy quando as costas das minhas coxas
atingiram as torres de pedra ao longo da lateral do telhado. — É o único jeito. Se
você morrer, a maldição será quebrada.
Minha mente gritava para me dizer alguma coisa. Para dizer palavras que a
convencesse. Mas ela estava louca. Ela estava fora de si. Assim como Ariana tinha
estado. Assim como Sabine.
Então, por trás dela, a porta se abriu e fechou. Minhas veias inundaram de
alívio. Mas não era Noelle que estava vindo em nossa direção com um taco de
hóquei. Era Ariana. E seu sádico olhar de assassina estava focado na parte de trás
da cabeça de Missy.
— Missy — eu gritei. — Cuidado!
Ela riu. — Como se eu fosse cair nes...

77
De repente, Ariana lançou o taco de hóquei através da garganta de Missy. Os
olhos de Missy se arregalaram de surpresa e terror.
— Ariana! Não! — eu gritei, inclinando-me na cintura, enquanto as lágrimas
derramavam de meus olhos.
As mãos de Missy voaram para segurar o taco, mas suas ações foram inúteis.
Ariana empurrou o taco para cima de Missy com as duas mãos. Missy começou a
gritar, mas seu pescoço estalou e os seus gritos pararam.
— Não — eu gemi, vendo Missy ficar com o corpo mole. — Não, não, não, não,
não...
Ariana placidamente sorriu para mim enquanto ela arrastava o corpo de
Missy para a parede de pedra e o jogava descuidadosamente pela borda. Um
momento depois, ouvi o baque de seu corpo acertando o chão.
— Por que — eu soluçava, caindo de joelhos. — Por que você está fazendo
isso, Ariana? Por quê?
Ela se virou e olhou para mim, os olhos famintos como um animal raivoso. —
Você é a próxima — ela rosnou.
Ela avançou em mim, seus dedos enrolando em volta do meu pescoço quando
eu soltei um grito.
— Não!
Sentei-me na cama, ofegante, o suor escorrendo no meu corpo. Noelle olhou
por cima de seu travesseiro. — O que foi? Reed? O que aconteceu?
— Missy — eu disse com um suspiro. — Foi Missy.
Ao mesmo tempo, ambos os nossos celulares tocaram. Corri para o meu e vi o
rosto sorridente de Josh na tela, e atendi a chamada.
— Josh!
— Reed! Você está bem? — ele perguntou.
— O quê? — eu pisquei. — Sim, eu estou bem. Eu só tive outro sonho.
Houve uma pausa. Eu podia ouvir sua respiração irregular clara como o dia.
— Eu sei.
Uma sensação de vazio passou por mim quando eu percebi o que significava.
Em seguida, a cama se movimentou quando Noelle levantou. As páginas rasgadas
de Eliza caíram no chão e por um momento eu percebi que Noelle devia estar lendo
na cama, e depois deve ter caído no sono. Lentamente, eu me virei para olhar para
ela, ainda segurando meu celular no meu ouvido. Ela ficou ao lado da cama, uma
mão segurando seu cabelo espesso, a outra segurando o telefone. Na lareira, a
última brasa brilhava vermelha, latejando como um batimento cardíaco.
— Reed? — Josh disse, parecendo em pânico. — Reed, você está aí?
— Certo. Sim, é claro. Nós vamos — Noelle disse severamente. — Obrigada
por me ligar, Paige.
Ela abaixou o telefone. Eu nunca tinha visto seu olhar com tanto medo.
— É Missy — disse ela para mim. — Ela desapareceu.

78
22
A CONEXÃO
Traduzido por Lais Silva

—E
u entendo agora — Noelle disse, apertando o punho de sua mão
enquanto ela andava para trás e para frente, de frente para a lareira.
— Eu vejo a conexão.
O andar de baixo da casa estava cheio de comoção enquanto o Sr. Lange, e
sua equipe de segurança, faziam chamadas telefônicas ordenando sistemas
maiores e mais arrojados, provavelmente colocando escutas nos telefones, ou
instalando câmeras de segurança escondidas ou encomendando alguns cães de
guarda ferozes. Sentei-me no final da cama, com meu telefone em minhas mãos,
esperando ele tocar novamente, como estava fazendo sem parar desde que a
notícia tinha saído. Josh estava a caminho, e eu me sentia como se estivesse
sentada em uma cama de alfinetes e agulhas, esperando ele entrar pela porta. Fora
das enormes janelas, o sol estava começando a aparecer, iluminando o céu com
tons de rosa-púrpura. Parecia que ia ser um lindo dia.
— Qual a conexão? — perguntei a Noelle, intimidada por aquela agitação
frenética. — O que você está falando?
— Eu sei por que eles levaram Astrid, Lorna e Missy — Noelle disse, com os
olhos arregalados, como se tivesse recebido café expresso injetado na veia a noite
toda. Ela pegou as páginas de Eliza do chão, franzindo as bordas ao pegá-las. Ela
folheou-as, reorganizando-as, procurando freneticamente por alguma coisa.
— Por que alguém as pegou? — eu perguntei em pé.
Noelle gemeu de frustração quando seus olhos percorreram uma página. —
Olha! — ela disse finalmente, segurando uma para mim. — Olha o que diz aí. As
palavras finais de Caroline Westwick.
Eu não precisei olhar a página. Eu praticamente a tinha memorizado. — Eu
não pertenço.
— Certo — disse Noelle. — Eliza diz que Helen tinha uma teoria de que tudo
correu mal porque uma menina que não foi devidamente escolhida e iniciada
deixou o grupo.
— O clã — eu corrigi.
Noelle revirou os olhos, deixando as outras páginas de lado. — Tudo bem, o
clã. Portanto, se o que a vovó disse sobre essas facções das ex-alunas é verdade, se
há realmente algumas morcegas velhas e loucas por aí que acham que tudo isso é
real, talvez elas estejam tentando se livrar das pessoas que não foram devidamente
escolhidas para o Billings.
Uma lufada de realização quase me arrancou dos meus pés. Astrid, Lorna e
Missy não haviam sido examinadas por outras Garotas Billings e convidadas para a
casa como a tradição ditava. Elas foram escolhidas a dedo no ano passado pelo

79
diretor Cromwell, quando ele estava tentando acabar com todo o elitismo, ele fez
com que a Casa Billings fosse reformada.
— Noelle — eu disse, sentindo uma onda de excitação. — Você é brilhante.
— Eu sei — ela respondeu, parecendo mais a si mesma do que ela esteve
desde o telefonema de Paige.
Em seguida, a corrida triunfante fracassou. Porque se ela estava certa, isso
não estava terminado.
— Isso significa que Constance e Kiki estão em perigo também — eu disse.
— E tecnicamente Sabine — ela acrescentou.
Eu estreitei meus olhos. — É. Não posso dizer que estou tão preocupada com
ela — eu levantei meu telefone. — Nós devíamos ligar para elas. E para a polícia.
— A polícia nunca vai acreditar em nós — disse Noelle, pegando o telefone
das minhas mãos. — Temos que dizer a vovó e ao papai.
Eu plantei os meus pés no chão enquanto ela tentava me puxar para a porta.
Eu só tinha visto o pai dela por cinco segundos após a nossa chegada. Nós
basicamente trocamos saudações, o que tinha sido estranho o suficiente. Eu meio
que esperava que eu pudesse esperar o resto da minha estadia aqui no casulo da
suíte de Noelle e não vê-lo novamente até a grande festa de aniversário, quando
teria tantas pessoas presentes que eu não poderia realmente ter de falar com ele.
— Reed? Vamos — disse Noelle.
Eu hesitei. Ela revirou os olhos. — Você vai ter que ficar no mesmo lugar que
ele algum dia.
— Tudo bem — eu disse. — Mas você fala.
Ela sorriu, pegou minha mão, e me puxou. — Do jeito que eu gosto.

80
23
MOMENTO PAI E FILHA
Traduzido por Báh Tega

O
Sr. Lange sentou no grande sofá de couro no seu escritório, com as mãos
apoiadas sobre a boca enquanto ouvia a história de Noelle. Mesmo que
fosse de madrugada, ele usava calça cinza de aparência cara e uma camisa
azul de botões, sem uma ruga à vista. Nenhum fio de cabelo em sua cabeça estava
fora do lugar, mas eu imaginei que não seria difícil disfarçar com seu corte de
cabelo bastante raspado. Sua testa lisinha agora estava franzida e ele me olhava
furtivamente se certificando de que eu ainda estava ali.
Esse homem dormiu com a minha mãe. Esse homem dormiu com a minha
mãe e me fez.
Eu precisava mesmo era de ar fresco, mas ao invés de ir na ponta dos pés
para a janela mais próxima, eu fiquei de mãos dadas com Josh. Nós sentamos no
sofá em forma de U que havia lá. Ele chegou logo atrás de nós no escritório do Sr.
Lange e eu não poderia estar mais feliz por ele estar aqui. Parte de mim estava
morrendo para perguntar sobre o seu sonho — o que me acordou e o inspirou para
me ligar — mas isso tinha que esperar.
— Se eu estou certa, Constance Talbot e Kiki Rosen também estão em perigo
— Noelle disse, olhando para sua avó, que estava de costas para a janela e usava
um conjunto lilás impecável. — Nós precisamos avisar alguém.
O Sr. Lange respirou fundo e expirou lentamente. Ele encostou-se no sofá, o
que fez o couro ranger. Ele não parecia surpreso com toda essa conversa sobre clãs,
maldições e facções.
— É por isso que eu não fui contra quando Hathaway me disse que derrubaria
o Billings — ele disse bufando. — É por isso que eu não quero ter nada a ver com a
próxima construção. Todo mundo que está associado com aquele lugar acaba
maluco ou morto.
Uau. Lá se vai a ideia de Noelle de o novo Billings ser o meu presente de
aniversário.
— Wallace.
— Desculpa, mamãe — ele disse automaticamente. — Menos você.
Ela mexeu o canto dos lábios e eu quase ri. Havia humor em tudo aquilo, ver
um homem daquele tamanho e maturidade sendo corrigido pela mãe.
— Bom, o que você acha, mamãe? — ele finalmente perguntou.
— Você não acredita em mim? — Noelle berrou.
— É claro que acredito em você, Noelle — ele respondeu, semicerrando os
olhos. — Mas essa é uma situação muito séria. Você se importa se eu pedir uma
segunda opinião?

81
Noelle caiu no silêncio. O Sr. Lange deu alguns passos em nossa direção,
entrelaçando e soltando os dedos várias vezes. Foi o mais próximo de um gesto de
nervosismo que eu o vi chegar.
— Eu acho que você devia fazer algumas ligações — ela disse.
— Está bem. — O Sr. Lange encostou-se no sofá, sua altura de um metro e
noventa bloqueando toda a luz que vinha da janela atrás dele. — Mamãe, ligue para
os Talbots e os Rosens — ele disse, indo em direção a enorme mesa que ficava de
frente para a maior estante de livros que eu já havia visto. — Eu vou ligar para meu
assistente e cancelar a festa de Reed.
Noelle e eu nos entreolhamos.
— O quê? Não! — Noelle andou para o lado oposto da mesa apoiando seus
dedos na beirada. — Papai, você não pode fazer isso.
Ele segurou o telefone e pousou seu dedo sobre um dos botões o colocando no
mudo.
— E por que, exatamente, eu não posso? — ele perguntou, me olhando
também.
Eu engoli em seco e soltei a mão de Josh.
— Porque… se quem está fazendo isso estiver realmente atrás da Garotas
Billings, eles não conseguirão ficar longe — eu disse.
— Exatamente por isso que eu estou cancelando — ele respondeu, falando
lentamente como se fosse algo óbvio. Meu rosto queimou e eu olhei para Noelle
pedindo socorro.
— Mas papai, se nós tivermos essa festa, teremos vantagem de campo — ela
disse. — Podemos atraí-los e pegá-los.
Alguém em algum lugar clareou a garganta. Todos nos viramos para olhar
para Ginny, a chefe de segurança, que levantava um dedo.
— Se me permite, senhor… a estratégia não é das piores.
— Usar minhas filhas como isca é uma boa estratégia? — ele soltou.
Minha pele pinicava desconfortavelmente. Era a primeira vez que ele se
referia a mim como filha. Eu procurei novamente pelas mãos de Josh, mas ele me
abraçou ao invés.
— Eu não gosto disso — ele disse desgostoso.
— Me desculpe, Hollis, mas você não pode votar — Noelle disse sobre o
ombro.
— Sim, ele pode — eu disse, com minha boca meio colada em sua camiseta.
Ele beijou o topo da minha cabeça.
— Senhor, eu prometo a você que se me permitir fazer a segurança para este
evento e trazer o resto da minha equipe, não permitirei ninguém prejudicar sua
família, mas também vamos pegar quem está fazendo isso — disse Ginny com a voz
baixa e emocionada. — Me deixe fazer o meu trabalho.
O Sr. Lange olhou para sua mãe. Ela fechou os olhos por um momento,
colocando os dedos indicadores do lado da cabeça e massageando suavemente.
— Ok — ele disse finalmente e colocou o telefone no gancho. — Mas eu vou
querer ver todos os planos de segurança pelo menos 24 horas antes da festa
começar.
Então ele olhou para nós duas. — E eu não vou tirar os olhos de vocês duas
pelo resto da noite.
— Vai ser explosivo! — Noelle disse sarcasticamente.
O Sr. Lange suspirou, olhou para sua mesa, sacudindo a cabeça. — É só isso?
Porque ainda tenho muitas ligações para fazer.

82
— Venham, vocês dois. Em algum lugar dessa casa há algumas torradas com
nossos nomes nelas — Noelle disse passando por nós e indo em direção à porta.
— Na verdade, Reed, eu gostaria que você ficasse por um momento — o Sr.
Lange disse.
Eu olhei para Josh, segurando ele com mais força. — Está tudo bem — ele
sussurrou. — Eu vou estar lá fora.
Eu o soltei e o deixei ir. Todos saíram e só ficamos eu e o Sr. Lange no
escritório.
— Sente-se — ele disse para mim. Ele mexeu em algumas canetas e deu a volta
na mesa. Assim que eu me sentei ele procurou um lugar próximo a mim. Eu juntei
minhas pernas, coloquei minhas mãos sob elas e prendi minha respiração. Ele
abriu a boca para falar, então chacoalhou a cabeça e começou a rir.
— Uau. Eu normalmente não vejo problema nenhum em fazer discursos — ele
disse.
— Você não tem que discursar — eu disse. — Eu entendo.
Porém eu não entendia nada.
— E me desculpe por não retornar sua ligação — eu disse. — É só que...
Eu parei. O que eu ia dizer? Eu só não queria ter nada a ver com você?
— Está tudo bem, não se preocupe com isso — ele disse, se inclinando para
frente com os braços sobre os joelhos e apertando as pontas dos dedos juntas. —
Tenho certeza de que você possui milhões de perguntas. Eu só quero que você
saiba que eu não tenho nenhuma expectativa aqui. Por mais que eu gostaria de te
conhecer, eu consigo imaginar o que você acha de mim, então eu entenderia se
você apenas me visse como o pai da sua melhor amiga.
Suas palavras foram inesperadas, e me tocaram. Nas poucas vezes que eu
havia visto o Sr. Lange, ele sempre pareceu tão importante, atarefado, irritado com
algo. Ele estar suavizando por causa de mim tinha que significar alguma coisa.
— Posso te fazer uma pergunta? — eu disse.
— Sim, qualquer coisa — ele respondeu, me olhando.
— Há quanto tempo você sabe? — eu perguntei.
Sua pupila dilatou e ele desviou o olhar. — Desde que você nasceu — ele disse.
Ele cruzou os dedos das duas mãos e suspirou. — Minha mãe, entre todas as
pessoas, me contou. Eu fui até o hospital e te vi... — ele tinha um olhar distante nos
olhos. — Você era tão pequenininha, menor até mesmo do que Noelle — ele fez
uma longa pausa e segurou uma risada, então suspirou novamente. — Eu falei para
sua mãe que eu iria ajudá-la, que eu me envolveria sempre que ela quisesse. Ela
não quis e me disse para ir embora. Ela queria seu pai, para ser... bem, seu pai.
— E você aceitou? — eu soltei, surpresa com tudo.
— Não, na verdade não — ele disse. — Mas não dependia só de mim.
— E sua esposa? Ela sabia? — eu perguntei.
Havia uma certa dor em seus olhos. — Ela sabia. Eu contei a ela quando
descobri. E nós lidamos com isso — ele respirou fundo. — Não se pode dizer que ela
ficou muito feliz quando você entrou na vida de Noelle — ele disse, me dando um
olhar apologético. — Eu só posso imaginar que você notou um comportamento um
pouco... frio dela em Sr. Barths.
Eu movi minha cabeça lentamente. Eu quase nunca estava com a mãe de
Noelle, pois achava que ela era frívola e excêntrica, mas ela só estava me evitando.
— Então até o dia em que eu nasci você não sabia que minha mãe estava
grávida... — eu engoli em seco. — Como sua mãe soube?

83
Ele riu. — Aquela mulher, igual à mãe dela, sempre foi obsessiva pelas
famílias antigas — os Williams, os Billings e outras — ele disse. — Ela
provavelmente soube antes mesmo da sua própria mãe.
Eu dei um pequeno sorriso.
— De qualquer forma, eu só queria que você soubesse… eu não sei… — o Sr.
Lange disse. — Eu acho que eu só quero que você não fique desconfortável quando
estiver perto de mim.
Eu olhei nos olhos dele. — Eu não estou — eu disse, vendo que aquilo era
mesmo verdade. De repente, eu estava agradecida por ele me amparar, apesar de
tudo. — Obrigada, Sr. Lange.
Seus olhos brilharam e ele sorriu esperançoso. — Disponha.

84
24
QUASE FAMOSAS
Traduzido por Camila Chable

T
odos no restaurante estavam olhando para nós. Não que eu pudesse culpá-
los. Era uma chata e nublada quinta-feira à tarde, e com dois enormes
guarda-costas que pairavam em nossa mesa, e suas costas viradas para a
janela, bloqueando a visão da Park Avenue para o restante dos clientes, éramos
suficientemente visíveis para atrair interesse. Uma menina em uma cabine
próxima se manteve segurando o celular em ângulos estranhos, aparentemente
tentando obter um sinal, quando ela estava obviamente tentando tirar uma foto de
Noelle. Ela provavelmente imaginou que ela era famosa e queria enviar uma foto
sua para a Page Six. Noelle tinha claramente notado e atuou perfeitamente, usando
seus enormes óculos de sol escuros, mesmo elas estando lá dentro.
Idiota.
— Ei, pessoal! — disse uma voz feminina.
Goran e Sam, os nossos dois acompanhantes do dia, deram um passo
ameaçador em direção a Ivy quando ela balançou a bolsa no chão ao lado da
cadeira vazia na nossa mesa.
— Ela é nossa amiga, meninos — Noelle disse, levantando a mão. Eles
imediatamente pararam, como um par de cães na coleira.
— Ei, Ivy — eu disse com um sorriso fraco.
Era bom vê-la, era bom estar fora e era bom pelo menos estar fingindo que
tudo estava normal. Ou tão normal quanto poderia ser, com um ex-zagueiro da
NFL2 respirando no meu pescoço, supostamente tentando fazer eu me sentir
segura. Claro, o pescoço do homem era tão grosso como um tronco de árvore,
então acho que ninguém ia mexer com ele.
— Sinto muito pelo atraso — disse Ivy, realizando manobras para encostar a
cadeira mais perto da mesa.
— Você deveria sentir mesmo — Noelle disse categoricamente. Ela tocou em
cada um dos talheres de prata, endireitando-os sobre a mesa. — Foi você que nos
chamou para esta pequena reunião.
Nós duas olhamos para ela. Noelle levantou os ombros. — O quê?
Revirei os olhos e voltei minha atenção para Ivy. — Então? O que está
acontecendo?
Ela esperou que o garçom enchesse a taça de água sobre seu ombro.
— Você precisa de alguns minutos? — ele perguntou, seu tom cortante.
— Por favor — Ivy disse educadamente, lançando um olhar para o menu
fechado em cima do prato de porcelana. Ele deu um aceno de cabeça e se retirou
rapidamente.

2
NFL: (National Football League) - Liga Nacional de Futebol (nos E.U.A.).

85
— Estive pensando — Ivy disse, colocando os cotovelos sobre a mesa e
apertando as mãos. Ela se inclinou para frente e baixou a voz para um sussurro. —
Devíamos reunir o resto das meninas para fazermos o encantamento antes da sua
festa.
— A conta, por favor! — Noelle disse, levantando o dedo e se retirando da
mesa.
— Noelle! — eu sussurrei quando o garçom olhou, confuso, de uma mesa
próxima. — Nós ainda nem fizemos o pedido.
Noelle levantou os óculos de sol, empurrando-os de volta no cabelo. A
menina do celular finalmente tirou a foto dela, e Noelle lançou-lhe um olhar que
poderia ter derrubado um arranha-céu.
— Eu passo em um carrinho de cachorro-quente a caminho de casa se for
preciso para evitar essa conversa — disse ela através de seus dentes.
— Apenas me ouça — Ivy disse, erguendo as sobrancelhas escuras. Ela
apertou os lábios antes de acrescentar. — Por favor?
Deve ter sido difícil para ela proferir essas palavras para a sua pior inimiga.
Noelle parecia comovida pelo esforço de Ivy. Ela revirou os olhos, mas sentou-se
novamente, dispensando o garçom perplexo.
— Tudo bem, tudo bem. Eu estou sempre pronta para uma risada. Porque,
em nome de Prada, eu deveria ouvir isso? — perguntou Noelle.
Ivy respirou fundo e finalmente falou. — Quando Reed e eu dissemos o
encantamento, algo aconteceu — ela sussurrou.
— Eu sei, eu sei. As luzes se apagaram e os celulares tocaram — Noelle disse,
acenando com a mão. — Assussssssstador.
Ivy olhou para mim e eu poderia jurar que ela estava começando a ficar
agitada. Eu dei a ela o que eu esperava ser um olhar calmo.
— Não foi só isso — eu disse a Noelle baixinho, tocando o medalhão. — Foi só
depois que dissemos aquilo no porão naquela noite que eu comecei a ter os sonhos
sobre nossas amigas e Ivy... — eu olhei para ela e hesitei. Nós não tínhamos
conversado sobre as coisas que eu tinha visto ela fazer, e eu não tinha certeza se ela
queria falar.
— Eu acho que... não, esqueça isso... eu fiz aquela pintura cair na cabeça de
Gage no outro dia — disse ela em voz baixa. — E quando Missy estava saindo
ontem... eu vi as portas batendo alguns segundos antes do que realmente
aconteceu.
Eu sabia. Eu sabia.
— Você está falando sério? — disse Noelle, com o queixo enrugado. — Você
acha que você pode mover coisas com sua mente?
Atrás dela, Goran passou de um pé para o outro, e ele e Sam trocaram um
olhar. Eles estavam, provavelmente, pensando que tinham sido contratados para
proteger um grupo de loucas.
— Eu sei que posso — disse Ivy.
Os olhos de Noelle se estreitaram. — Tudo bem, tudo bem. Mova este saleiro.
Ela empurrou o saleiro de prata para Ivy através da toalha de mesa. Ivy
estalou a língua. — Isso não funciona assim. Eu tenho que estar com raiva.
— Ah, certo. — Houve um estrondo e o rosto de Ivy ficou vermelho. Ela
cerrou os dentes e sua respiração falhou, olhando em direção ao seu pé. — Com
raiva agora? — perguntou Noelle, inclinando a cabeça com um sorriso.
— Você acabou de pisar no pé dela? — eu perguntei.
— Só estou tentando ajudar — disse Noelle angelicalmente.

86
— Ivy, eu sinto muito — eu disse, horrorizada.
— Está tudo bem — ela se endireitou novamente e virou a cadeira para mim,
longe de Noelle. — Olha, eu só acho que se vamos todas para a festa para agirmos
como isca, nós também poderíamos muito bem fazer o encantamento primeiro. Se
todas as meninas pudessem fazer coisas como nós podemos fazer... talvez elas
possam ser capazes de se proteger.
Eu vi lógica no que ela estava dizendo. Eu só não tinha confiança de que
poderíamos convencer qualquer uma delas a fazer isso.
— Oh, por favor! Não é porque você quer fazer isso — Noelle disse, tomando
um gole de água. — Você só quer que isso seja verdade. Você quer ser uma bruxa
de verdade. Admita, Ivy. Você passou toda a sua infância assistindo a reprises de
Charmed na TNT e sua heroína-adorada, Rose McGowan, não é? — Então ela
apertou os olhos e inclinou a cabeça. — Ou não... você é mais do tipo da Shannen
Doherty...
Ivy cerrou os dentes e me olhou nos olhos.
— Está tudo bem se eu matá-la?
Eu sorri. — Eu não tentaria. Goran está de olho. — Nós duas olhamos
cautelosamente para o guarda-costas inclinado à direita de seu quadril. Ele fungou
e trocou de lado com impaciência. — Além disso, sem ela não teremos onze.
Os olhos de Ivy se iluminaram.
— Sério? Você vai fazer isso?
— Oh, vamos lá — Noelle disse, impaciente. — Gente, só porque alguma
facção louca de ex-alunas acha que isso é real, não significa que é.
Eu atirei-lhe um olhar silencioso e peguei meu celular. — Vou começar com
Tiffany.
— Eu vou chamar Portia — disse Ivy rapidamente.
Noelle revirou os olhos e chamou o garçom balançando a mão.
— Eu vou querer um salmão e as duas vão querer a mais pesada massa que
você tem no cardápio.
— O quê? — eu disse, levantando o telefone no meu ouvido quando ele
começou a chamar. — Por quê?
Noelle triturou um cubo de gelo e suspirou. — Porque talvez se eu puder
acalmar vocês em um coma alimentar, eu possa evitar que essa coisa aconteça.

87
25
LADO POSITIVO
Traduzido por Thaynara Ribeiro

—D
e algum modo, eu não imagino ver Eliza e Catherine comprando
velas dentro da Pottery Barn — eu disse enquanto entrávamos pelas
enormes portas de vidro, fora do frio congelante e para dentro da
cálida e confortável loja na Quinta Avenida.
— Sim, bom, é o único lugar onde sempre se pode garantir que há velas
brancas — Noelle disse, de pé ao meu lado. Ela suspirou e negou com a cabeça. —
Ainda não posso acreditar que estamos fazendo isso.
— Vamos — Ivy disse, nos apressando com uma cesta de arame vazia em seu
braço. — Normalmente eles guardam as velas na parte de trás.
Soltando outro suspiro, Noelle caminhou atrás de Ivy e Goran a seguiu, com
sua cabeça balançando lentamente da direita para a esquerda como se estivesse em
uma encruzilhada. Noelle pegou seu Iphone para verificar suas mensagens
enquanto evitava um par de crianças pequenas se perseguindo com almofadas.
Sam e eu tentamos alcançá-las, mas uma mulher em uma cadeira de rodas parou e
me deteve no meio do corredor para inspecionar uma mesa. Olhando as costas de
Noelle se afastando, virei para a direita e comecei a caminhar ao redor da mesa
cheia de pratos e talheres, quanto notei um relógio prateado sobre a estante, com a
forma de um avião da velha escola. A face do relógio estava na parte da frente do
avião, e os ponteiros eram as hélices. Meu pai amaria isso. E depois de minha
conversa com o pai de Noelle ontem, eu estava me sentindo muito culpada por
meu pai, como se só falar com o Sr. Lange fosse uma traição.
Peguei o relógio e olhei o preço. Havia uma etiqueta rosa pregada sobre o
código de barras e o valor riscado com 50% de desconto! Genial. Sempre passei por
momentos difíceis procurando presentes para o meu pai que não estavam
relacionados com os Piratas (time de beisebol da Pensilvânia), os Pinguins (time
de hóquei no gelo da Pensilvânia), ou os Steelers (time de futebol americano da
Pensilvânia).
Sam deu a volta para que um cara de meia idade pudesse passar por nós, e
rapidamente me senti incomoda. Era estranho, ser seguida por alguém que você
mal falava.
— O que você acha disso? — eu perguntei levantando o relógio.
Ele franziu o cenho, surpreendido. — É um relógio em forma de avião.
Eu pisquei. — E...?
— Por que você quer um relógio em forma de avião? — ele perguntou, com
sua testa se franzindo.
— Porque é lindo — eu respondi.
— Nunca entendi porque as pessoas gastam seu dinheiro aqui — ele disse
baixinho, negando com a cabeça e olhando para a porta.

88
Meu rosto ardeu, mas preferi ignorá-lo. Dando uma olhada através da vitrine,
vi Noelle e Ivy parando perto da parte de trás da loja. Peguei uma das caixas de
relógio da estante mais alta, então fui me reunir com minhas amigas. De fato,
provavelmente não deveria ter deixado essas duas sozinhas por tanto tempo como
eu havia feito. Conhecendo-as, elas estariam discutindo se deveríamos levar velas
de trinta ou de vinte centímetros. Uma multidão de compradoras femininas com
casaco de pele passou ao meu lado como se eu nem sequer estivesse ali, e mordi
minha língua. Fiquei na ponta dos pés para tentar enxergar sobre seus ombros
enquanto caminhavam para as escadas a caminho do segundo andar. Achei a
sessão de velas, mas Noelle e Ivy de repente não estavam em nenhum lugar à vista.
Parei perto de uma cesta de velas votivas e olhei ao redor. Para onde elas
tinham desaparecido?
Então, repentinamente, meu coração deu uma acelerada. Será que elas
tinham desaparecido de verdade?
Mas você não sonhou que Noelle e Ivy iam desaparecer, disse uma pequena
voz na minha cabeça.
Logo zombei de mim mesma, incapaz de acreditar que minha voz interior
pensava que esse era um argumento lógico.
Sam parou no final do corredor, mas não parecia perturbado porque os
outros tinham saído. Eu supunha que contanto que eu estivesse segura, ele estava
fazendo seu trabalho. Olhei a loja outra vez, jogando meu cabelo sobre o ombro,
tentando parecer casual. Não vi a alta estatura de Noelle ou o cabelo escuro de Ivy
em nenhuma parte. Tudo o que supostamente tínhamos que fazer era comprar
velas. O que elas estavam fazendo? Dando uma olhada na sessão de roupa de
cama?
Coloquei o avião debaixo do meu braço e segui caminhando pelos corredores
da parte de trás da loja, um por um. Cada vez que chegava a uma esquina dizia a
mim mesma que tinham que estar na próxima, mas nunca estavam. Quando
cheguei à sessão de cozinha parei para recuperar o fôlego, e senti um repentino
estremecimento de antecipação descer pela minha coluna vertebral.
Alguém estava me observando.
— Está tudo bem? — Sam perguntou.
Dei um pulo e quase derrubei uma pesada vasilha branca precariamente
empilhada.
— Sim. Estou bem. Eu só... Onde elas foram?
— Espera — Sam disse. Ele deslizou sua mão para sua boca e falou em seu
pulso. — G? Quais são suas coordenadas?
Ele abaixou os braços e esperou. E esperou um pouco mais. Então se afastou
uns passos de mim e falou de novo. — G? Por favor, responda.
Pelo canto do olho vi alguém deslizar para o próximo corredor. Uma figura
grande, de cabelo longo escuro e pele escura. Meu coração subiu pela garganta.
Avancei vacilante longe da parede e olhei a divisão entre os corredores. A garota
estava de costas para mim, mas podia ver a maior parte de seu perfil. Ela usava seu
cabelo preso em um rabo de cavalo baixo, e coloridos brincos balançavam em suas
orelhas.
Sabine.
— Ah Meu Deus — eu disse sem ar.
Alguém agarrou meu pulso e eu gritei, dando a volta.
— Deus! Muito nervosa?

89
Paige Ryan estava de pé na minha frente, seu cabelo castanho estava para
trás com uma tiara quadriculada. Olhei outra vez através do corredor e fiquei cara-
a-cara com a garota que eu estava olhando. Ela era uma asiática americana, com
olhos marrons escuros e uma pequena estatura. Não se parecia nada com Sabine.
— Você está bem? — Sam perguntou atrás de mim.
— Estou bem — eu disse através dos meus dentes. — Você as encontrou?
Ele assentiu. — Estão nos esperando na parte da frente.
Eu soltei um suspiro de alívio.
Paige me olhou de cima a baixo. — O que você está fazendo aqui?
— Tomando um pouco de ar — eu respondi. — O que você está fazendo aqui?
Pensei que compras seria a última coisa na sua cabeça, com sua prima
desaparecida.
— Eu precisava me distrair — Paige respondeu.
Em sua defesa, ela parecia bem acabada. Quase não usava maquiagem e tinha
um hematoma na sua testa. Seu suéter cinza de cashmere estava enrugado e ela de
fato usava jeans esportivos, os que certamente eu nunca a havia visto usar.
— Bem, é bom te ver — eu menti, me virando.
— Espero que você possa voltar rápido para a escola — ela disse sobre seu
nariz, dando um gole no café para experimentá-lo. — Nesse passo, pode ser que
você tenha que fazer um semestre extra.
— Obrigada — eu disse sarcasticamente.
Ela deu um passo para mim, levantando a cabeça. — E você não fará nada
disso no novo Billings. Não se eu puder fazer algo para impedir isso.
Em seguida, ela pousou o copo de café sobre o balcão de vidro com um
tilintar e se afastou rapidamente. Era incrível como ela soou parecida com Missy.
Essas duas pareciam ter um próprio clã. Com uma profunda e clara respiração, dei
a volta e fui para a porta da frente da loja, com meu guarda-costas a reboque.
Noelle, Ivy e Goran estavam imóveis perto da porta com suas bolsas de
compras. Fiz-lhes um rápido cumprimento com a mão quando me uni a pequena
fila para comprar o novo relógio do meu pai. Enquanto a fila avançava, disse a mim
mesma que devia ver o lado positivo. É claro, havia um guarda-costas me seguindo
bem de perto, três das minhas amigas estavam desaparecidas e possivelmente
mortas, e eu acabei de enfrentar uma vadia, mas logo eu teria um presente de Dia
Dos Pais para o meu pai com três meses de antecipação, e pelo menos Sabine não
tinha escapado da prisão e começado a me perseguir. Mesmo nos piores dias,
sempre havia um lado positivo.

90
26
A PODEROSA NOELLE
Traduzido por Báh Tega

N
ós nos sentamos em círculo no meio da sala de estar privada de Noelle. As
cadeiras e os sofás foram arrastados para as paredes, e uma tigela cheia de
doces e frutas estava colocada no meio do confortável tapete pink. Nós
mantivemos a luz acesa e a lista de músicas favoritas de Noelle começou a soar nos
autofalantes. Sua teoria era que se alguma das meninas descobrisse por que
estavam aqui antes de nós contarmos a elas, o burburinho começaria antes do
previsto. Eu não via nenhuma falha nessa lógica.
— Ok — eu disse, me sentando entre Noelle e Ivy e me sentindo nervosa. Nós
decidimos que fazer todo mundo vestir branco estava fora de cogitação, porém eu
vesti o meu suéter branco com gola rolê e um jeans claro. Eu escondi o meu colar e
olhei para as minhas amigas de vestimentas coloridas. — Vou contar o porquê de
vocês estarem aqui.
— Você vai tentar nos transformar em bruxas, não é? — Vienna perguntou,
com sua boca cheia de chocolate. Ela me olhou e lambeu as pontas dos dedos. Ela
usava calças de ioga e uma camiseta enorme. O estresse estava fazendo-a comer
demais e isso estava afetando o seu corpo saudável.
Ninguém riu ou se moveu. Todas só se viraram para mim com várias
expressões diferentes que iam de expectativa, desconforto e medo. Tanto trabalho
para esconder o porquê de elas terem sido convidadas.
— Eu não vou tentar fazer vocês fazerem nada — eu respondi, olhando para
Ivy. — Nós só... nós imaginamos que desde o que aconteceu, onze de nós...
— Sobraram — Kiki disse olhando para frente, suas mãos pressionando o
chão. — Só sobraram onze de nós.
Meu coração bateu forte no meu peito. — Sim.
De repente, o cômodo ficou quente. Ninguém respirava, ou ao menos parecia,
por um longo período.
— Nós achamos que seria divertido — Noelle disse, se encostando no chão.
— E eu acho que pode ajudar a nos protegermos — Ivy acrescentou.
— Então você realmente acredita em tudo isso? — Tiffany disse abismada,
procurando por alguma fruta suculenta e a colocando sob o carpete. — Você
acredita mesmo que quando vocês disseram esse encantamento, vocês
desenvolveram algum tipo de poder?
Eu balancei minha cabeça e respirei fundo. — Eu não sei em quê acreditar,
Tiff. Eu só sei que isso é real... e Ivy está certa. Nós temos que ter algo para nos
protegermos.
— Eu não posso acreditar que você concordou com isso, Noelle — Portia disse
com uma risada nervosa.

91
— Ah, bem, eu já tenho um apoio terapêutico a partir de amanhã de manhã —
Noelle brincou. — Talvez o Dr. Markowitz possa me ajudar a descobrir por quê.
As outras meninas riram e eu senti meus ombros relaxarem um pouco. Noelle
não precisava de nenhum encantamento. Ela já era muito poderosa. Ela tinha a
habilidade de deixar todo mundo no lugar confortável.
— Na verdade, eu acho que isso poderia acalmar nossas cabeças — Noelle
disse. — Além do mais, Reed não vai desistir disso — ela disse, brincando
novamente e rolando os olhos.
Mais risadas. Eu olhei para Ivy, que claramente não estava no clima, mas eu
não me importei. Se a tática de Noelle estava funcionando, era isso o que
importava.
— Então, pessoal, o que vocês acham? — eu perguntei, olhando ao redor.
Tiffany terminou de comer seu morango e fechou os olhos. — Eu não posso
acreditar que eu estou concordando com isso, mas ok. Eu vou fazer isso — se você
provar que é uma brincadeira.
— Eu também estou dentro — London disse. Ela olhou para Vienna e corou.
— Eu acho que deve ser legal ser uma bruxa.
— Bem, se ela topa, eu também topo — Vienna disse, lambendo a ponta dos
dedos, e pegando outro doce. — O que nós precisamos fazer? Não tem sangue
envolvido, não é?
— Eu não faço se tiver sangue — Rose disse, empalidecendo.
— Não há sangue envolvido — eu afirmei, sentindo uma onda de excitação e
uma força que me fez sentir até nauseada. Eu sorri levemente para Ivy, que estava
separando alguns papéis e distribuindo-os.
— Tudo que precisamos fazer é segurar as velas e ler esse encantamento.
Rose gesticulou com a boca enquanto lia as palavras com as mãos unidas.
Tiffany leu uma vez e colocou de lado, como se já tivesse memorizado. A folha de
Amberly balançava enquanto ela a segurava, e uma linha apareceu entre seus olhos
enquanto ela se concentrava. Eu segurei meu fôlego, imaginando que com Eliza
tinha sido algo bem similar quando suas amigas decidiram se unir a ela. Elas iriam
fazer isso. Elas iriam mesmo fazer isso.
— Isso nunca vai funcionar — Noelle sussurrou para mim, se inclinando ao
meu ouvido.
Eu dei de ombros e lhe devolvi um sorriso inesperado. Pela primeira vez na
minha vida, eu sabia que ela estava errada.

92
27
DE ACORDO COM O PLANO
Traduzido por Báh Tega

A
ssim que eu olhei ao redor do círculo das minhas amigas, que estavam a
luz de velas, de repente me senti uma completa idiota. Como a chefe de um
novo experimento de alguma droga, ou pulando do topo do Empire State
Building, ou fazendo todo mundo raspar suas cabeças. Isso que eu estava fazendo
era estúpido e até meio perigoso — pelo menos tão perigoso quanto os dois
primeiros. Não que eu fosse admitir isso em voz alta. Porque eu não aguentaria
mais uma rolada de olhos de Noelle sem bater a cabeça dela na parede.
Ivy retornou para o círculo após se certificar de que todas as velas estavam
acesas. Ela ficou à minha esquerda e Noelle à minha direita. Bem à minha frente,
Rose encarava a chama enquanto Amberly parecia piscar em câmera lenta. A
mandíbula de Kiki estava rígida e Tiffany ficava checando seu relógio. Portia
brincava com seu colar de ouro. Vienna e London sussurravam, seguraram as
mãos, e Constance apenas me encarava como se estivesse pronta para fazer tudo o
que eu mandasse.
De alguma forma, isso me assustou mais do que qualquer pesadelo que eu já
havia tido.
Havia gargalhadas longas e profundas vindas do outro lado da porta de
Noelle que estava trancada. A gargalhada me lembrou sobre a essência daqui.
Tivemos muito trabalho para pedir aos seguranças pessoais e guarda-costas para
nos deixarem sozinhas aqui — o de Amberly mostrara que a maioria das ameaças
vinha “de alguém que você conhece e acha que pode confiar” (tivemos muitas
experiências com isso, cara). Eu imaginei que daqui a dez minutos um exército já
viria esmurrar nossas portas.
— Todas prontas? — eu perguntei.
Acenos de cabeças e murmúrios começaram no círculo.
— Ok, então. Lá vamos nós!
— Viemos juntas formar esse círculo bendito, puras de coração, livres de
mente — eu comecei. Eu estava surpreendida com as vozes fortes ao meu redor, e
isso me deu um pouco nos nervos. — A partir dessa noite estamos ligadas, somos
irmãs.
Eu olhei para Constance, sentindo uma pontada de culpa tão forte que quase
me nocauteou. Uma vez eu jurei que seria sua irmã, e de London também, e eu
sabia que as havia traído ao ter formado a SLB e as deixado de lado.
— Juramos honrar esse laço sobre todos os demais. De sangue para sangue,
de cinzas para cinzas, de irmã para irmã, fazemos este voto sagrado. — Eu fechei
meus olhos por um breve momento, sabendo o que viria. Ou o que eu achava que
viria. — Nós fazemos esse voto sagrado.

93
Eu prendi minha respiração. Um vento frio passou pela sala e eu ouvi
algumas pessoas tilintarem os dentes. Amberly apertou a mão de Rose e
choramingou enquanto as velas tremeluziam.
Eu olhei para Ivy, e ela me deu um sorriso triunfante e astucioso. Então olhei
para Noelle. Sua face não expressava nada.
As velas apagaram, e eu esperei. Então, lentamente, elas voltaram a se
acender. Primeiro a minha e a de Ivy. Então a de Noelle. Depois a de Kiki, de
London e de Vienna. A de Portia soltou um brilho tímido, como se estivesse com
problemas para se acender novamente, a de Rose se acendeu tão rápido que ela
deu um pulo para trás. Amberly encarou a sua, mas nada aconteceu. Eu pisquei
perplexa e olhei para Ivy. A vela de Tiffany soltou uma breve fumaça, mas não
acendeu. Já a vela de Constance piscava alegremente.
— Isso é estranho — Ivy disse.
— Truque legal, Reed. Com o vento e tudo mais — Tiffany disse, olhando para
as janelas. Quando ela percebeu que estavam fechadas, ela procurou pelos dutos
do ar condicionado. — Como você cronometrou?
— Eu não cronometrei nada — eu disse. — Isso aconteceu quando eu disse o
feitiço pela primeira vez. O vento e depois a vela. Daquela vez eu achei que o vento
veio das escadas quando Noelle abriu a porta, mas...
— Não houve vento comigo — Ivy disse. — Só os celulares tocaram.
— Mas meu celular não tocou — Amberly disse, olhando para o chão onde
estava seu celular.
— Não. Porque desta vez nós usamos velas — eu disse, ficando impaciente.
— Então por que minha luz não estremeceu? — Amberly perguntou, seu gloss
brilhava de forma petulante.
— Eu não sei — eu respondi.
— E a minha mal fez alguma coisa — Portia disse, agitando a dela. — Que
diabos aconteceu?
— Eu não sei — eu disse novamente.
— E o que isso significa? — Kiki perguntou, com um olhar intenso. — Nós
somos bruxas ou não?
— Talvez nós somos e elas não — London disse, apontando o dedo para
Tiffany e Amberly. — Porque, vocês sabem, nossas velas apagaram e reacenderam
e a delas não.
— Ou talvez a fábrica que fez essas velas mágicas produziram algumas com
defeito — Tiffany disparou de volta.
— Tiff, nós compramos as velas na Pottery Barn — Noelle disse. — E até onde
eu sei, eles não fazem velas com defeitos.
— Então eu sou o quê? — Portia disse. — Sou algum tipo de meia bruxa só
porque a vela mal se acendeu?
— Talvez vocês só não acreditaram — Kiki soltou.
— Você acertou — Tiffany retrucou.
De repente, todo mundo estava falando ao mesmo tempo, jogando fora
teorias, debatendo a realidade do que tinham visto. Eu fechei meus olhos, com as
vozes colidindo e rolando em minha cabeça, me dando nos nervos e me
desconcentrando.
Então, de repente, eu ouvi um sussurro. Abri os olhos para encontrar Noelle
ali de pé com seu polegar e indicador preso dentro de sua boca.
— Calem a boca! — ela gritou.
Elas o fizeram, é claro.

94
— Reed — ela disse, virando para mim e segurando a vela ao seu lado. — O
que você sugere que façamos agora?
Eu respirei fundo, contei até dez e engoli minha confusão, excitação, meu
aborrecimento e meu medo — como uma grande pílula difícil de engolir. Todo
mundo olhou para mim, esperando minhas próximas palavras. Lembrei-me das
páginas rasgadas do diário de Eliza e soube exatamente o que devíamos fazer.
— Eu acho que precisamos fazer alguns feitiços básicos.

95
28
PESSOAS LOUCAS
Traduzido por Thaynara Ribeiro

—E
sse é um dos primeiros feitiços que Eliza e suas amigas fizeram — eu
disse quando nos juntamos na pequena mesa perto da janela de
Noelle. Era um lugar onde ela gostava de comer croissants e tomar
café preto, enquanto lia a sessão de moda do New York Times e olhava o parque,
dependendo do dia. Ivy, Kiki, Constance, London e eu nos apoiamos na mesa,
enquanto as outras ficaram atrás de nós. Tiffany estava encostada na parede,
tirando fotos com sua câmera, a imagem da indiferença. Perguntei-me se ela
estava realmente desinteressada, ou se só o fazia para passar o tempo. Mas se esse
feitiço funcionasse, ela acreditaria. Todas elas acreditariam.
Se funcionasse.
— Bem? O que vocês estão esperando? — London exigiu, apertando as mãos
sobre a superfície polida.
Olhei para a colher ornada de prata que eu havia posto no meio de um
guardanapo antigo. Eu ia realmente fazer essa coisa flutuar? De repente, me senti
totalmente indigna, igual a primeira vez que eu tinha jogado Grand Theft Auto com
os amigos do meu irmão, e eu segui guiando meu carro para os postes enquanto
eles riam de mim.
— Talvez Ivy devesse tentar — eu disse, dando um passo para trás. — Nós já
sabemos que ela pode mover as coisas com sua mente.
— Ao que parece — Noelle disse, brincando com seu cabelo.
— Está bem. Vou tentar — Ivy disse secamente.
Ela se colocou tão próxima da mesa que a borda fez um ruído ao roçar em seu
cinto quadriculado. Seus olhos escuros olharam para baixo, para a colher. Eu
apertei meus lábios e passei meus dedos dos meus lados.
— Levitas — Ivy disse.
A colher se sacudiu. Amberly gritou e fechou os olhos. Outra pessoa ficou sem
respiração. Tiffany se apertou contra a parede, erguendo o queixo para ver sobre os
ombros de Vienna e Noelle.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
— Se moveu — Amberly gemeu através de seus dedos. — A colher se moveu.
— Eu pensei que ia flutuar — Kiki disse.
Ivy e eu nos olhamos. A colher ficou imóvel e pousada no centro do
guardanapo. Suas bochechas enrubesceram e ela olhou para a colher de novo.
— Levitas — ela disse, com mais força dessa vez.
Mais uma vez, a colher se moveu. Agora estava em um ângulo diferente e
claramente fora do centro. Tiffany se aproximou e olhou para baixo.
— Por favor. Uma de vocês está sacudindo a mesa — ela disse, revirando os
olhos.

96
— Não — eu disse, levantando as mãos. Eu estava de pé a uns dois metros de
distância.
— Eu tampouco — Kiki disse.
Todas se voltaram para London, que ainda estava agarrada à mesa. — O quê?
Logo ela olhou para baixo para seus dedos, mostrou-nos a língua, e se
afastou, colocando suas mãos debaixo dos braços.
— Não fui eu, eu juro.
— Tenta de novo — Noelle ordenou. Suas mãos estavam congeladas, seus
dedos enrolados na ponta de seu cabelo.
Ivy deu um suspiro audível, claramente chateada, e deu um passo para trás
da mesa. Agora ninguém a tocava. — Levitas.
Nada aconteceu. Meu coração bateu tão devagar que pensei que poderia não
ser capaz de voltar ao normal.
Tiffany começou a rir. — Viram?
Dei-me conta pela primeira vez que eu realmente havia esperado que o feitiço
funcionasse, e meu rosto ardeu como se eu tivesse acabado de voltar de uma
corrida sobre o sol do verão.
— Por que não está flutuando? — Ivy perguntou através de seus dentes.
— Eu não sei — eu respondi, tocando o medalhão com minha mão.
O grupo ao redor da mesa começou a se dispersar e eu quase podia sentir o
ceticismo que irradiavam. Por não falar em sua chateação comigo por perder seu
tempo, e a irritação com elas mesmas por terem entrado nisso. Honestamente, eu
não as culpava. Eu me sentia da mesma maneira. Exceto que meus sentimentos
estavam dirigidos a Eliza Williams e a Sra. Lange.
— Espera — Kiki disse, pegando o livro de feitiços de uma das cadeiras, onde
nós o havíamos deixado. — Vamos, meninas. Vamos tentar outra coisa.
— Acho que acabamos por aqui — Portia disse, colocando sua bolsa de couro
negro no ombro.
— Garotas, por favor, não saiam — eu disse. — Sei que estão chateadas, mas
vamos tentar de novo. Talvez tenhamos feito algo errado. Talvez alguém devesse
tentar. Poderia ser divertido.
Amberly, que tinha mais cor em seu rosto agora que a experiência havia
fracassado, jogou seu cabelo loiro sobre os ombros e virou a cabeça.
— Desde quando ver uma colher se mover conta como diversão?
Algumas das garotas riram, escondendo seus sorrisos com as mãos. De
repente, todo mundo se dirigia para a porta. Eu apenas poderia acreditar que
queriam renunciar a isso rapidamente — mas logo me dei conta do que isso
significava. Significava que de verdade elas não queriam acreditar. Não era como
Ivy, Kiki e eu fazíamos.
Talvez Kiki tivesse razão. Talvez por isso não funcionou. E se os onze
membros do clã tivessem que acreditar? Se pegássemos essa teoria e a
combinássemos com a ideia de London, significava que Tiffany, Amberly e Portia
nem sequer tinham acreditado o suficiente para se transformarem em bruxas
durante o feitiço. E as três não eram bruxas, isso enfraqueceria o grupo também.
— O que você está pensando? — Ivy perguntou em voz baixa.
Eu pisquei, realmente perdida em meus pensamentos pela primeira vez, e me
sentindo um pouco mal. Eu estava quase desistindo.
— Meninas, apenas esperem — eu disse em voz alta.

97
Felizmente, todas pararam. Peguei minha bolsa e tirei uma pasta que eu
havia escondido ali antes que elas chegassem. De repente, eu me sentia cansada,
abatida.
— Apenas no caso de alguma de vocês ter interesse, eu fiz cópias das páginas
de feitiços básicos na copiadora do Sr. Lange — eu disse, as entregando. —
Pratiquem em casa. Nunca se sabe...
Tiffany agarrou a folha da minha mão, a dobrou, e a colocou no bolso lateral
da bolsa de sua câmera sem olhá-la. E saiu sem dizer uma palavra. London pegou
uma e a olhou com uma expressão séria. O resto veio até mim em uma fila de má
vontade, cada uma delas pegando seu papel e o guardando. Eu não tinha a menor
ideia se qualquer uma delas pegaria nessas folhas de novo, mas como não
poderiam? Como minhas amigas não achariam isso tão interessante como eu
achei?
— Obrigada, Reed — Kiki disse, abaixando e pousando o livro e pegando sua
folha de tarefa de casa, por assim dizer.
— Sim, sinto muito se não foi o que você queria — Constance disse, seu papel
voando um pouco enquanto ela o pegava.
Olhei para as duas — as duas que sabiam que estavam em um maior perigo
eminente do que o resto de nós — e engoli a advertência que provavelmente
somente as deixaria pior.
— Obrigada por virem, garotas — eu disse.
Elas fecharam as portas atrás delas e um minuto mais tarde ouvi uma risada
alta vinda do grupo que estava no corredor. A humilhação queimou os meus ossos.
Minhas amigas estavam ali, rindo de mim.
— Eu não entendo — eu disse, me voltando para Noelle e Ivy.
— Eu sei. — Ivy se sentou em uma das cadeiras da mesa, seu cabelo jogado
nas costas quase até o assento da cadeira. — Eu juro que me senti diferente depois
da primeira vez que dissemos o feitiço. E eu sei que fiz aquela pintura cair e as
portas se fecharem.
— Além disso, eu só comecei a ter os sonhos depois de ler o feitiço — eu disse
me apoiando na mesa.
— Você acha que tem algo de verdade no que London disse? — Ivy perguntou,
cruzando as mãos sobre seu estômago plano. — Talvez não funcionou em Tiffany e
Amberly porque não acreditam nisso, e talvez ter um ou dois não crentes no grupo
enfraqueceu o feitiço?
Sentei-me com as costas retas.
— Eu estava pensando o mesmo!
— Vocês estão completamente fora de si por causa desse feitiço — Noelle
disse.
Eu estremeci. Quase me esqueci de que ela estava ali.
— Eu não acredito em nada dessa merda, mas minha vela voltou a se acender
— ela disse, apontando para o monte de velas queimado na mesa menor. — Tudo
isso é uma brincadeira ridiculamente grande.
Ivy e eu olhamos uma para a outra, surpresas e chateadas.
— Mas você mesma disse — Ivy respondeu, se sentando ereta. — Compramos
as velas na Pottery Barn, então como você pode explicar o fato de que oito velas e
meia apagaram e depois voltaram a se acender?
— Eu não sei, Ivy — Noelle disse, jogando as mãos para cima. — Talvez essa
rajada de vento só as apagou por um segundo e logo voltaram. Todas já vimos isso

98
acontecer antes. E talvez tenha golpeado a de Tiff, de Amberly e de Portia
diretamente e é por isso que as delas não voltaram a se acender.
— Então, como você explica o vento? — eu perguntei.
— Essa casa tem centenas de anos — Noelle disse, cruzando os braços sobre o
peito. — Sempre há correntes de ar.
Ivy e eu reviramos os olhos ao mesmo tempo.
— Tanto faz. Não me importo se vocês concordam comigo — Noelle disse. Ela
pegou as velas e as colocou no cesto de lixo de metal grosso perto da porta. — A
única coisa que eu sei é que a experiência não funcionou. E ainda tem um monte
de pessoas loucas por aqui que acreditam nessa maldição. — Ela marcou seus
pontos jogando as velas na lata de lixo com um som metálico, uma por uma. —
Então se vocês não se importarem, eu gostaria de dedicar nosso tempo e energia
para descobrir quem são essas pessoas e detê-las.
Ela bateu suas mãos juntas.
— Porque quando as encontrar — ela disse. — Eu vou ter o prazer absoluto de
chutar pessoalmente cada uma das suas bundas loucas.
Logo ela deu a volta entrando no banheiro e fechando a porta atrás dela. Um
momento depois escutamos a água correr e o estéreo ligar.
Ivy suspirou e se levantou de sua cadeira. — Foi estúpido eu pensar que isso
realmente iria funcionar? — ela perguntou.
Meus olhos se voltaram para a colher. — Não — eu disse debilmente. — Eu
queria que funcionasse, também.

99
29
CORPOS POR TODO LUGAR
Traduzido por Báh Tega

—P arabéns pra você, nessa data querida!


Eu olhei ao redor da lanchonete para os meus amigos, com
meu coração aquecido. Eu não podia acreditar que todos eles
haviam vindo para Croton por mim, mas eles estavam mesmo aqui, cantando com
alegria. Minha mãe colocou meu bolo de aniversário na minha frente e acendeu as
velas. Eu olhei para cima antes de fazer meu pedido, sabendo que ela estava
olhando para mim e sorrindo orgulhosa. Mas então meu coração parou. Não era
minha mãe, mas sim uma figura com uma túnica preta e o rosto escondido atrás de
um capuz. Eu olhei desesperadamente ao meu redor.
Noelle fez um barulho com a língua de sogra. Sawyer Hathaway e Upton Giles
colocaram seus chapeis de festa. Thomas Pearson riu e deu um tapinha no ombro
de Dash McCafferty. Na outra ponta, Astrid, Lorna, Kiki e Constance dançavam
enquanto Vienna e London olhavam a enorme pilha de presentes. Ninguém
parecia ver aquelas dúzias de pessoas de túnica ao redor delas, paradas como
cadáveres em meio a toda a alegria e caos.
— Assopre suas velas, Reed! — uma voz doce disse ao meu ouvido.
Eu olhei para cima para a criatura que deveria ser a minha mãe. O calor das
velas aumentou e a minha visão ficou embaçada. Todas as cores começaram a
borrar. Os balões coloridos, os vestidos bem costurados — tudo se difundiu com as
vozes e as risadas. Isso era demais. Eu ia desmaiar.
Respire fundo, Reed. Foco. Eles estão aqui por um motivo. Eles vão
machucar alguém.
Eu me forcei a continuar acordada. De repente, Thomas me pegou pelo braço.
— Cuidado, garota nova — ele disse, com seus olhos azuis brilhando como
uma água cristalina.
— Teve uma boa viagem? — Gage falou, soltando um risinho.
— Me desculpem, eu... — eu olhei para baixo e gritei. Aos meus pés estava um
corpo morto. Uma garota com a face encoberta por um papel.
Eu me virei e tropecei novamente. Outro corpo. E outro rosto coberto.
— Não! — eu gritei, me apoiando no primeiro braço que eu achei. — Não!
— Qual o problema, Lambe-Vidros? — Ariana disse atrás de mim.
Meu coração se comprimiu. Eu me afastei dela e dessa vez tropecei
novamente, caindo duramente. Minha mão pousou no torso de alguém. Quando
me virei, meus dedos estavam cobertos de sangue.
— Não! — eu gritei. — Não! Alguém me ajuda!
Eu procurei pelos meus amigos, mas eles não me ouviam. Portia e Rose
andaram até mim, andando sobre os corpos como se eles não estivessem ali.
Tiffany disse algo ininteligível e todos riram. Meu coração batia freneticamente nos

100
meus ouvidos. Por que ninguém era capaz de me ouvir? Por que eles não viam? O
chão estava cheio de corpos mortos e tudo o que eles faziam era ficar parados e
rindo?
— Me ajudem! Por favor, me ajudem!
De repente, alguém me agarrou pelos ombros e me virou. A pessoa abriu os
lábios e gritou: — Você não pertence!
Eu me levantei da cama gritando alto o bastante para acordar os mortos.
Noelle agarrou minha mão justo quando Ginny, Goran e Sam irromperam no
quarto com as armas apontadas para nós.
Eu me encolhi para trás em direção à cabeceira da cama me enrolando em
uma bola, tentando recuperar o fôlego.
— O que foi? O que aconteceu? — Ginny perguntou, indo em direção à cama.
Tudo que eu pude dar como resposta foi arfar enquanto os outros dois guardas
vasculhavam os outros cômodos.
— Foi só um sonho — Noelle respondeu por mim. Ela me abraçou e afagou
meu cabelo. — Reed? O que aconteceu? O que você sonhou?
Eu balancei a minha cabeça, apertando meus olhos e me lembrando das
imagens. Mas fechar os olhos só tornou as lembranças mais vívidas.
— Era sobre Kiki? Constance? — Noelle pressionou.
— Não — eu soltei, abrindo meus olhos novamente. — Era sobre… eu não sei
o que aconteceu. Tudo o que eu sei é que era meu aniversário… e havia corpos por
todo lugar.
Noelle espremeu a boca numa linha fina. Ela olhou para Ginny enquanto
ainda afagava meu cabelo.
— Vai ficar tudo bem — Ginny disse, tranquilizadoramente. — Nós vamos
manter a festa segura. Tudo vai ficar bem.
Eu concordei e deixei Noelle me apertar em outro abraço. Infelizmente,
depois de tudo o que aconteceu, as palavras de Ginny não significavam nada para
mim. Eu tive um pesadelo vívido e poderoso. E ultimamente, todos os meus
pesadelos tinham se tornado realidade.

101
30
FESTA, FESTA, FESTA
Traduzido por Mara Pavão

D
esde a primeira vez que cheguei a Easton no ano passado, eu participei de
algumas festas bem chiques. Festas de aniversário em iates, arrecadações
de fundos em locais chiques da Cidade de Nova York, piqueniques na praia
em Nantucket, onde a coisa mais básica no cardápio era carne de lagosta grelhada
com molho doce de manteiga. Para não mencionar as festas da Legado — enormes
eventos com elaborados cenários, frequentados pelos adolescentes mais desejados,
ridiculamente privilegiados e extremamente bonitos da Costa Leste dos Estados
Unidos. Mas a minha festa de aniversário de 17 anos explodiu todas as outras.
Se eu não tivesse estado tão distraída tentando manter um olho em todas as
minhas amigas, eu estaria tendo a melhor noite de todas.
A mansão dos Lange tinha três grandes quartos para festas no nível do solo.
Primeiro havia o grande lobby de entrada, com o seu piso de mármore, escadaria
em espiral e dois andares até ao teto. Depois havia o salão de baile, onde
literalmente se realizaram bailes em algum momento da sua história, e poderia,
portanto, sustentar mais de duzentos convidados. Finalmente, havia a sala de
jantar, embelezada por lareiras em ambas as extremidades e, no centro, uma mesa
de carvalho reluzente, longa o suficiente para acomodar confortavelmente cerca de
quarenta pessoas.
Esta noite a mesa tinha sido removida e substituída por várias áreas
confortáveis para as pessoas relaxarem enquanto petiscavam frutos do mar em
espetos e bebiam champanhe de quinhentos dólares. Bolhas coloridas flutuavam
junto ao teto e o som de ondas era reproduzido sutilmente através de dezenas de
alto-falantes escondidos. Por baixo das mesas, posicionadas no centro de cada área
de conforto, estavam os pequenos aquários que Noelle tinha prometido e, ao longo
das paredes, viam-se elaborados arranjos de coral e anêmonas do mar que, de
alguma forma, tinham sido animadas para flutuar preguiçosamente, como se
estivessem realmente crescendo a partir do fundo do oceano. O salão de baile foi
arranjado com uma pista de dança, com enguias coloridas de malha penduradas no
teto, ondulando misteriosamente e piscando em diferentes cores ao ritmo da
música que o DJ tocava a partir da sua cabine. As paredes foram forradas com
faixas de tecido azuis claras e verde água que balançavam como ondas, e dunas de
areia reais alinhavam-se contra as paredes.
No entanto, eu não tinha passado muito tempo lá dentro porque as minhas
amigas tinham se mantido na sala de jantar, encolhidas juntas em duas das áreas
confortáveis. Sempre que elas se moviam eram fáceis de seguir, uma vez que
ficavam em grupo enquanto iam de cômodo a cômodo. Ironicamente, elas me
lembraram de um velho livro infantil, Swimmy, no qual o peixe Swimmy ensinava
seus pequenos amigos a nadar juntos formando um peixe maior, a fim de manter

102
predadores afastados. Tal como os pequenos peixes, as minhas amigas
mantinham-se juntas por segurança. Eu estava feliz que elas estavam levando a
ameaça a sério, mesmo que não tivessem acreditado no livro de feitiços.
Infelizmente, Kiki ainda não tinha chegado e a sua ausência estava começando a
me deixar tensa. Especialmente considerando que ela e Constance — que no
momento estava tomando um coquetel de camarão à minha esquerda — eram as
duas sob maior ameaça.
— Você não tem que ficar sempre com elas, você sabe — disse Noelle, olhando
para mim enquanto o último grupo de simpatizantes se afastou no meio da
multidão. — Eu posso ficar de olho em todas.
— Está tudo bem. Eu não me importo — eu respondi.
Olhei por cima do ombro em direção ao canto onde Goran e Sam estavam
parados. Eles haviam concordado em manter uma distância razoável de modo a
nos deixar livres, mas eu sentia os seus olhos em mim o tempo todo. Sem
mencionar os meus pais. No momento, eles estavam a poucos metros dos guarda-
costas, falando com os pais de Constance que tinham acabado de conhecer.
Felizmente, a mãe e o pai de Noelle estavam noutro local. Eu ainda não havia visto
a minha mãe na mesma sala que o meu pai biológico, e eu esperava não ter de ver
— nunca. Imaginar esse cenário me fez sentir como se a minha cabeça fosse
explodir.
Noelle levantou-se e pousou as mãos na parte de trás do sofá que ela, Portia e
Rose estavam dividindo. — Eu não planejei tudo isto para você ficar aí e não
aproveitar. Vai! Dance! Encontre o seu garoto-brinquedo de cabelo ondulado. Eu
vou ficar de babá.
Eu ri e levantei um ombro. Eu ainda não tinha visto Josh hoje à noite, e eu
mal podia esperar que ele chegasse. — Bem, se você insiste... Obrigada Noelle.
Ela enxotou-me e eu finalmente me virei, notando que Sam tinha entrado em
ação no segundo em que me mexi. Cumprimentei mais alguns convidados
enquanto me movia pela porta para o lobby de entrada — alguns rostos
conhecidos, alguns completamente novos — e caminhei para o salão de baile.
Durante todo o caminho, os meus sentidos estavam em alerta máximo e tive a
certeza de manter um olho aberto para quem estivesse fora de lugar, qualquer
movimento estranho, quaisquer olhos curiosos.
A música no salão de baile era tão alta que o chão tremia sob os meus sapatos
cor de prata, e a minha caixa torácica parecia irradiar a batida. Eu parei por um
momento para me orientar na semi-escuridão. Ouvi o meu irmão Scott, que soltou
um grito de algum lugar perto do centro da pista de dança, e tudo o que eu podia
fazer era esperar que ele não estivesse fazendo figura de idiota.
— Reed! Aí está você!
De repente, eu estava presa num abraço triplo. Reconheci o perfume floral
que era a assinatura de Kiran Hayes antes mesmo de ver o seu rosto. Quando me
puxei para fora do abraço, lá estava ela em toda a sua glória de supermodelo.
Apenas a visão dela trouxe de volta tantas memórias dos meus primeiros dias em
Easton e no Billings que os meus olhos se inundaram de lágrimas. Ela usava um
vestido verde escuro com uma elaborada gola de babados que realçava as suas
maçãs de rosto afiadas e acentuava a sua tez verde-oliva. Com ela estava Taylor
Bell, outra das minhas primeiras amigas em Easton. O seu cabelo loiro
encaracolado tinha sido puxado para trás em um rabo de cavalo louco e ela usava
um macacão azul sem ombros que a fazia parecer tão magra quanto Kiran. O
terceiro par de braços pertencia a Natasha Crenshaw, a minha ex-companheira de

103
quarto e ainda boa amiga, cujo vestido azul royal apesar de ser conservador
acentuava todas as suas curvas. Os seus longos cachos negros tinham sido torcidos
num coque elaborado na nuca e a sua pele escura brilhava sob as luzes
estroboscópicas.
— Acredito que Noelle tenha lhes dado umas dicas sobre o esquema de cores
— eu disse com um sorriso, observando como as suas roupas complementavam a
decoração.
— É bom ter amigos em posições altas — Kiran objetou, tomando um gole de
champanhe. — Você parece incrível!
— Obrigada — eu respondi, olhando para o meu vestido azul escuro. A saia de
seda flutuava em torno dos meus joelhos como uma brisa fresca, e o decote
quadrado minimizava os meus ombros atléticos. Eu o tinha encontrado aos pés da
cama de Noelle naquela manhã, dentro de uma enorme caixa com um laço cor-de-
rosa. No cartão lia-se FELIZ ANIVERSÁRIO — WALLACE LANGE. Eu tinha o
pressentimento de que Noelle o havia escolhido, mas eu apreciei o gesto.
— Incrível, mas cansada — Natasha acrescentou, procurando a minha mão. —
Está tudo bem?
Eu sorri, exausta. Só mesmo Natasha poderia não apenas perceber o meu
estado atual, mas perguntar-me sobre isso.
— Aí está a garota aniversariante!
Dash McCafferty surgiu por entre a multidão, junto com Gage e Trey
Prescott, envolvendo-me em um breve abraço. O seu cabelo loiro tinha sido
cortado curto e ele usava um terno tão novo que parecia rígido. Ainda assim, ele
era um dos cinco garotos mais quentes no salão.
— É bom ver você, Dash — eu disse, soando um pouco formal, dando-lhe um
tapinha nas costas. Eu ainda estava sendo cuidadosa com qualquer contato físico
entre nós depois do que tinha acontecido na Legado do ano passado — e as
consequências disso.
— Espero que você não se importe, Pensilvânia, mas eu não tenho um
presente para você — disse Gage, abanando o seu uísque. — Eu estive de cama
desde o “incidente” da última semana.
Ele tentou fazer aspas no ar, mas derrubou metade da sua bebida no chão,
espirrando nos sapatos de Taylor.
— Ei! — disse Taylor, empurrando-o com uma mão. — Tenha mais cuidado,
Coolidge.
— Ooh! Olhem quem ganhou coragem desde que deixou Easton — disse
Gage, balançando os dedos para ela. — Acho que isso é o que acontece quando você
se matricula numa escola pública no centro da cidade.
— Bem, você não mudou — Taylor reclamou. Ela pegou um guardanapo de
um garçom que passava e se inclinou para passá-lo nos seus sapatos.
Por mais que eu quisesse conversar com os meus velhos amigos, eu precisava
ir checar as meninas novamente. Eu estava prestes a dar uma desculpa para ir
embora quando alguém agarrou o meu pulso. O meu coração bateu na minha
garganta, mas era só Kiki e o meu corpo inundou-se de alívio.
— Reed. Eu preciso falar com você — disse ela com urgência.
— O que foi? Está tudo bem? — perguntei.
— Sim, eu só... — ela lançou um olhar furtivo para os outros, mas eles
estavam debatendo se Gage era um idiota ou não. Como se isso fosse discutível. —
Alguns funcionaram — disse ela, puxando-me para perto.
O meu pulso pulsava nos meus ouvidos. — Alguns o quê funcionaram?

104
— Os feitiços — ela disse por entre os dentes. — Eu estive praticando-os e eu
fiz alguns deles funcionar.
De repente, a minha boca ficou seca. Alguém passou à minha volta, beijando-
me no ar e me desejando muitas felicidades, mas eu nem percebi quem era.
— Você está brincando comigo? — perguntei.
Ela balançou a cabeça lentamente de um lado para o outro, sem tirar os olhos
dos meus. Puxei-a para longe dos meus outros amigos em direção à parede.
— Quais? — perguntei. Eu basicamente tinha a lista memorizada, embora eu
não tivesse tentado nenhum deles hoje. Havia muito o que fazer para preparar a
festa, mas eu também estava meio que... irritada com o livro por falhar comigo. Eu
nem sequer tinha olhado na sua direção deste a noite passada.
Sim, eu estava ignorando o livro.
— Bem, primeiro foi o de Levitas — Kiki sussurrou, olhando em volta
furtivamente. — Esqueça a colher. Eu fiz uma dança de talheres.
O meu pulso acelerou nas minhas veias, fazendo cócegas em cada centímetro
do meu corpo. — Sério?
— Sim — disse Kiki, sorrindo. — E eu fiz o do Ventus funcionar também.
Eu pisquei. — Espere. Você fez vento?
Kiki acenou orgulhosamente. — Eu movi as cortinas do meu quarto e tudo
mais.
Eu mal podia respirar, eu estava tão animada. — Kiki, você percebe o que isto
significa?
— Eu sei — ela disse.
Eu agarrei a sua mão e olhei em volta. — Vamos lá. Você tem que me mostrar.
— Onde? Este lugar está cheio de pessoas. Para não mencionar os detalhes de
segurança — disse ela.
— Eu vou encontrar um lugar.
Nós estávamos acabando de nos afastar da parede quando um garçom parou
ao nosso lado e me entregou um pequeno cartão quadrado.
— O que é isto? — eu perguntei a ele.
— Uma mensagem para a aniversariante — disse ele antes de se mover
adiante.
Olhei para Kiki. Isso foi estranho. E, considerando as nossas atuais
circunstâncias, estranho não era bom. Olhei para trás de mim e me senti amparada
pela presença de Sam a cerca de dez metros de distância.
— Abra-o — disse Kiki.
Com os dedos tremendo, eu abri o pequeno envelope. Dentro havia um cartão
liso com uma mensagem rabiscada em uma caligrafia familiar.

Reed,
Encontre-me no quarto de Noelle para uma surpresa de aniversário.
Com amor,
Josh.

Senti uma onda momentânea de alívio, mas não durou muito tempo. Da
última vez que tinham me dado uma nota durante uma festa, tinha sido falsa —
uma nota de Dash, que na verdade era de Sabine, dizendo-me para encontrá-lo no
telhado. E o resto foi uma história horrível.
De repente, o meu celular vibrou na minha bolsa. Exalei alto e puxei-o para
fora. Era uma mensagem de Josh.

105
PARE DE ESTRESSE. SOU REALMENTE EU. EU SÓ QUERO DAR A VOCÊ O
SEU PRESENTE EM PRIVADO. AGORA TRAGA O SEU TRASEIRO AQUI EM
CIMA!

Eu ri, agora realmente aliviada. Olhei para Kiki com relutância. — Eu devia ir.
— Sem problema — disse ela. — Só me encontre quando voltar para baixo.
— Eu irei. Obrigada. — Enfiei a nota e o celular de volta na minha bolsa e me
dirigi para a porta. Por mais que eu quisesse ver Josh, a minha emoção tingiu-se
com pesar. Se Kiki podia realmente fazer feitiços, eu estava morrendo de vontade
de ver. Talvez eu só tivesse que encurtar o tempo com Josh. Eu estava no meio do
lobby quando quase colidi com Noelle, Ivy e o resto das garotas Billings.
— Ei! Nós estávamos indo dançar com a aniversariante — disse Noelle.
— Na verdade, eu estou indo lá para cima. Josh está no nosso — seu — quarto
— eu disse. — Você distrai Sam para que eu possa escapar?
— Você tem certeza de que é uma boa ideia? — perguntou Ivy, olhando para o
cimo das escadas. — Talvez ele devesse ir com você.
— Eles não estão deixando ninguém subir a menos que estejam na lista
aprovada pela família — eu disse, apontando para os dois guardas musculosos nos
degraus da escada. — Eu vou ficar bem.
— Tudo bem — disse Noelle. — Mas volta logo. Eu falo sério. Nada de
diversão nua de aniversário. Josh vai apenas ter que esperar até que a ameaça seja
neutralizada.
Corei e olhei para Ivy, que também estava rosa. — Eu não tenho intenção de
ter uma diversão nua de aniversário — eu assegurei, imaginando se Noelle dissera
aquilo apenas para torturar Ivy. — Eu prometo, nós dois vamos voltar para a festa
em quinze minutos. Se não o fizermos, você pode chamar a Guarda Nacional.
Virei-me e me encaminhei para as escadas. Sam fez um movimento para me
seguir, mas Noelle ficou na frente dele, uma mão no centro do seu peito
musculoso.
— Deixe-a ir. Ela vai ficar bem — disse ela.
— Mas eu...
— É o aniversário dela e ela quer passar algum tempo sozinha com o seu
homem — Noelle disse. — Então, a menos que você queira ser parte de um ménage
ilegal...
Essa foi a última coisa que ouvi antes de correr pela escada. Eu ri baixinho
enquanto escapava, o meu coração batendo descontroladamente, sabendo que,
pela primeira vez, só boas surpresas me esperavam.

106
31
FELIZ ANIVERSÁRIO, DE
FATO
Traduzido por Mara Pavão

N
o topo dos degraus acarpetados, virei à esquerda e me dirigi pelo corredor
em direção ao elevador que me levaria ao andar de Noelle. Era incrível
como o som era abafado aqui em cima. Além do baque surdo da música
eletrônica que passava através do assoalho desde o salão de baile e o grito
ocasional de risos, tudo estava silencioso. Enquanto me aproximava do interior do
pequeno elevador, os meus passos diminuíram. Normalmente, luz irradiava do
interior do elevador em todas as horas, mas agora estava escuro.
Senti um sopro frio de vento fazer cócegas nos pêlos do meu pescoço e,
subitamente, o medalhão de ouro pareceu quente contra o meu peito. A minha
mão voou para tocá-lo.
Imagens do meu último sonho inundaram a minha mente. O bolo de
aniversário, as figuras de túnicas, os corpos mortos. O que havia de errado comigo?
Isto tinha que ser uma armadilha. Claro que era. Como sequer eu poderia ter
pensado que era uma boa ideia ir a qualquer lugar sozinha?
Eu dei um passo instintivo para trás, ouvi um rangido e virei-me. Não havia
ninguém lá. Lá em baixo no lobby, um copo quebrou e foi recebido por uma
retumbante onda de aplausos.
Eu deveria voltar para a festa, pensei, dando um passo nessa direção. Eu
estarei segura cercada pela multidão.
Mas, então, tudo o que eu tinha que fazer era entrar no elevador que me
levaria direto até Josh. Ninguém podia me atacar se eu estivesse sozinha no
elevador. E eu queria vê-lo. Na verdade, era tudo o que eu queria naquele
momento. Se eu apenas pudesse vê-lo, tudo iria ficar bem. Virei-me de novo e algo
me prendeu a atenção. Uma câmera de vídeo aparafusada ao teto no canto, virada
diretamente para mim. Deixei escapar um suspiro, sentindo-me tola. Certamente
que se alguém suspeito tinha, de alguma forma, passado pelos guardas no primeiro
andar — o que era improvável — e chegado aqui em cima, eles teriam sido
agarrados por um das dezenas de seguranças. Eu estava apenas sendo paranoica.
Não que alguém pudesse me culpar, depois de tudo o que tinha acontecido comigo
nos últimos dois anos.
Me preparando, caminhei até o elevador. A lâmpada do teto tinha sido tirada.
Era isso. Não havia sinal de que tinha sido arrancada — o chão estava sem vidros,
não havia fios suspensos saindo. Ninguém estava à espreita. Apertei o botão e o
elevador chegou imediatamente. O meu coração bateu na minha garganta.
Droga, eu estava nervosa.

107
As portas se abriram e eu entrei. Assim que o fiz, tive o terrível
pressentimento de que uma mão estava prestes a tocar no meu ombro. Virei-me
rapidamente, mas não havia ninguém lá. Estendendo uma mão que tremia
violentamente, apertei o botão para o andar de Noelle. As portas não fecharam
rápido o suficiente. A cada segundo parecia que alguém estava prestes a saltar para
dentro e me agarrar. A qualquer momento uma mão enluvada ia saltar para dentro
e me agarrar. A qualquer momento uma mão enluvada ia aparecer ao virar da
esquina e segurar a porta. Quando as portas finalmente se fecharam eu estava
hiperventilando.
— Tudo bem, se acalme — eu disse a mim mesma, enquanto o elevador subia
com um zumbido eficiente. Inclinei-me para frente, descansando a minha cabeça
contra as frias portas douradas. — Está tudo bem, está tudo bem.
Quando as portas se abriram novamente, saí devagar, olhando para a
esquerda antes de me virar para a direita. Mais uma vez, ouvi um rangido. A porta
para as escadas de emergência não estava totalmente fechada. Será que alguém
tinha vindo por ali? Subitamente aterrorizada, corri para o quarto de Noelle
batendo ambas as portas atrás de mim e girei em volta, esperando ser agarrada,
vendada, arrastada. Mas quando me virei, a única pessoa de pé no quarto
iluminado por velas era Josh. Ele usava um terno azul e uma gravata dourada
escura. O seu cabelo estava um pouco mais elegante e mais arranjado do que de
costume, e em sua mão estava uma pequena caixa de joias vermelha.
— Oi, Reed. — Ele abriu a caixa com um rangido e um estalo. Dentro havia
uma linda pedra verde azulada quadrada, rodeada de pequenos diamantes. Um
anel. — Feliz aniversário.
— O quê? Quem é você? — Desviei os meus olhos da pedra brilhante, que
parecia refletir magicamente cada uma das dezenas de velas espalhadas pelo
quarto, e olhei para Josh. Subitamente, eu estava sem fôlego por uma razão
completamente diferente. — Você está falando sério com essa coisa?
Josh riu. Ele deu um passo à frente. — Não se preocupe. Não é um anel de
noivado nem nada disso — disse ele. Ele retirou a bugiganga da caixa, segurando o
delicado anel de ouro entre o seu polegar e o indicador. — É a sua pedra de
nascimento.
— Eu... Eu sei — eu disse, dando um passo em sua direção. — É linda.
Josh engoliu em seco. Ele pegou minha mão direita delicadamente na sua e
colocou o anel no meu dedo anelar. Coube perfeitamente e senti-me
surpreendentemente leve. — Eu apenas queria que você soubesse... o quanto você
significa para mim — disse ele com sinceridade, olhando-me nos olhos. — Se nós
fôssemos dez anos mais velhos, eu estaria pedindo para você se casar comigo agora
mesmo.
O meu coração se expandiu para encher o meu peito e lágrimas encheram os
meus olhos, mas desta vez eram lágrimas perfeitamente felizes. Sem medo, sem
raiva, sem nostalgia. Apenas felicidade.
— E eu estaria dizendo que sim — eu disse.
Josh sorriu. Ele me puxou para ele e me beijou e beijou, e beijou, até que eu
considerei seriamente quebrar a regra de Noelle de sem-diversão-nua-de-
aniversário. O quarto parecia ficar gradualmente mais e mais quente, até que
minúsculas gotas de suor se formaram ao longo da parte de trás do meu pescoço,
mas nós apenas continuamos nos beijando. Os seus braços ao redor dos meus, o
seu peito no meu, os nossos joelhos batendo juntos. Nos beijamos como se fosse a
última vez que o podíamos fazer.

108
— Eu te amo tanto, Reed — Josh disse, finalmente se afastando. As nossas
testas se tocaram, e as suas mãos estavam emaranhadas no meu cabelo.
— Eu também te amo — eu disse, sem fôlego.
Era um momento totalmente, absolutamente perfeito. Então, ouvi um ruído
surdo e os olhos de Josh se arregalaram e ele caiu no chão. Depois disso, tudo o
que havia no mundo era o meu grito.

109
32
VILÃS
Traduzido por Mara Pavão

—V
ocê é a mais forte de todas nós, Reed. Você é a única que pode
salvá-las. A única pessoa que pode salvar a si mesma.
Eliza Williams falou diretamente no meu ouvido. Mas eu não
podia vê-la. Estava tudo escuro. Tudo o que eu via era escuridão estendendo-se por
toda a eternidade. A minha cabeça pendeu para o lado e eu comecei a acordar, mas
mesmo com os meus olhos abertos, tudo estava preto. A minha cabeça irradiava
dor.
— Use o seu poder, Reed. Use-o para avisá-los.
Frustração borbulhou nas minhas veias. Eu queria alcançá-la e agarrá-la.
Sacudi-la. Esbofeteá-la tão forte quanto eu podia. Mas eu não conseguia mover os
meus braços. Como eu poderia usar o meu poder para me salvar? O meu poder,
mesmo que eu tivesse um, eram sonhos premonitórios. E desde que eu não tinha
sonhado que alguém ia bater em Josh e me agarrar, eu perdi a chance de usar os
meus poderes para fazer alguma coisa.
— Avise-os, Reed. Você pode avisá-los.
Eu não tinha ideia do que ela queria dizer e um gemido escapou pela minha
garganta, acordando-me por outra fração de segundos antes que eu entrasse em
um novo estado de semissono. Eu só queria saber se Josh estava bem. Eu só queria
que ele estivesse aqui, onde quer que aqui fosse. Eu franzi os meus olhos fechados
com tanta força quanto eu podia e pensei nele. Os seus olhos, as suas mãos, a sua
boca, o seu toque. Eu queria os seus braços ao meu redor. Eu queria que ele me
dissesse que tudo ia ficar bem. Esqueça salvar a mim mesma agora. Tudo o que eu
podia pensar era, Eu estou aqui, Josh. Por favor, me encontre. Por favor, me
ajude.
Eu vi ele me olhando nos olhos. Me vi desabar nele. Seus braços me
envolvendo. Segura, segura, segura em seus braços.
De repente, a venda foi arrancada do meu rosto e uma unha arranhou a
minha bochecha. A minha cabeça virou-se para trás e bateu contra algo duro. Eu vi
estrelas — coloridas, cintilantes e saltitantes — flutuando na minha visão. Eu
balancei a minha cabeça de um lado para o outro para clareá-la, e vi que estava
numa espécie de porão. Os tetos eram baixos, o chão era feito de cimento
manchado, e a única luz vinha de vários candelabros montados em torno da
periferia. Amarradas a postes de madeira idênticos, diretamente à minha frente,
estavam Astrid, Lorna, Missy e Constance.
Agora eu estava completamente acordada.
— Astrid! Lorna! Missy! Vocês estão bem? — eu soltei.
Lágrimas escorriam pelo rosto de Lorna e Astrid estava coberta com o que
parecia ser lama seca. Nenhuma delas estava remotamente bem. Mas elas estavam

110
vivas. Pelo menos estavam vivas. Mas onde estava Josh? O que tinham feito com
Josh?
— Reed? O que está acontecendo? — perguntou Constance, sua voz
tremendo.
Ela ainda estava usando o seu vestido de festa rosa, e um fio de sangue
escorria desde a sua têmpora até a sua mandíbula. Quando eles a tinham levado?
Quando tempo eu estive inconsciente? Os meus dedos cerraram-se em punhos
atrás de mim, o simples movimento forçando os meus bíceps. Olhei para mim pela
primeira vez. Os meus tornozelos e mãos estavam amarrados a um poste de
madeira. Os meus sapatos tinham desaparecido e a saia do meu vestido pendia
mais baixa de um lado, rasgada na costura. Além da dor latejante na parte de trás
da minha cabeça, eu parecia estar inteira.
— Eu não sei — eu disse. — Apenas fiquem calmas.
— Ficar calmas? — Missy guinchou. — Para o quê você acha que aquilo é?
Ela apontou com a cabeça para o centro do círculo e eu forcei-me a olhar.
Dispostos numa pequena mesa redonda estavam seis punhais de prata cristalinos,
as suas pontas tocando-se no centro do círculo, os seus punhos pretos
uniformemente espaçados. Cada punho apontava diretamente para cada uma de
nós. Parecia como se estivessem sido arranjados para serem agarrados facilmente.
Exceto que havia apenas cinco de nós. O sexto punhal apontava em direção a
um poste de madeira vazio.
Senti uma lufada de movimento atrás de mim e virei a cabeça, fazendo uma
careta de dor. Tudo o que eu vi foi um retalho de tecido preto, como uma túnica, e
depois desapareceu. O meu coração começou a bater a sério, vibrando com um
terror quente pelas minhas veias.
Túnicas pretas. Assim como nos meus sonhos.
— Quem está aí? Quem está fazendo isso? Bom trabalho raptando cinco
meninas indefesas, covardes. O mínimo que vocês podiam fazer era se mostrarem!
— eu rosnei.
Houve um estrondo em algum lugar na escuridão e Constance fez um baixo e
patético som na parte de trás da sua garganta.
— Bom trabalho. Agora você os irritou — Missy disse.
— Com esta são seis garotas — uma voz sem corpo rosnou.
Uma porta pesada se abriu, deixando momentaneamente entrar um feixe de
luz azul. Eu vi que pilhas de caixas cobriam as paredes, carimbadas com as
palavras ASTI MOVANTI por cima de um desenho de um algum tipo de pitoresca
aldeia rural. Subitamente, Kiki foi jogada através da porta, lutando, cuspindo e
xingando em voz alta. Uma fresca contusão vermelha rodeava o seu olho direito, e
sangue pingava de um corte em seu lábio. Duas figuras de túnica agarravam ela
pelos braços, mas mal estavam segurando. No momento que Kiki viu o resto de
nós, porém, ela parou de se debater. Os seus ombros murcharam no que parecia
ser uma derrota.
— Corra, Kiki — eu disse através dos meus dentes. — Você ainda pode
escapar.
Tanto quanto eu podia ver, ela era a nossa única esperança. Ela era a única de
nós que estava semi-livre. Mas ela me lançou um olhar que eu não consegui ler e se
deixou ser amarrada no poste ao lado do meu. Eu gemi e inclinei a cabeça para
trás. Estávamos ferradas. Nunca tínhamos estado tão ferradas.

111
Tomando uma respiração, olhei em volta, desesperada por qualquer coisa que
me pudesse dizer onde estávamos, qualquer coisa que eu pudesse usar para nos
libertar. Eu ouvi as palavras de Eliza nos meus ouvidos e cerrei os dentes.
— Você pode avisá-los. — Mas quem? Parecia que todas as pessoas que valia
a pena avisar já estavam aqui.
Ainda assim, fechei os olhos e pensei em Noelle, em Ivy, em Josh. Conjurei
uma imagem mental do porão e tentei de alguma forma fazê-los vê-la. Como se
isso fosse possível. O que realmente era uma droga é que este era o melhor — o
único — plano que eu tinha.
— Elas estão todas aqui — a voz de uma mulher disse na escuridão. —
Podemos começar o sacrifício.
Os meus olhos se abriram. Constance e Lorna choramingaram.
— Sacrifício? — Astrid chorou. — Que sacrifício?
— Alguém toque num fio de cabelo meu e morre — Missy cuspiu, puxando
contra as suas cordas. — Vocês têm ideia de quem é o meu pai?
Houve uma risada no escuro. O som era tão fora de lugar que enviou um
arrepio pela minha espinha. Uma figura encapuzada saiu das sombras atrás de
Constance e Missy, e deslizou de lado entre elas para entrar no centro do círculo.
Senti movimento ao meu redor e, rapidamente, estávamos cercadas por capuzes
pretos, pelo menos três para cada uma de nós. Os meus olhos dispararam para Kiki
e ela me olhou de volta, com o rosto triste, mas de alguma forma... determinado.
Determinado a fazer o quê? Não havia maneira de sair dali. A única coisa que
ela devia estar determinando era se ela queria dizer qualquer oração antes de
morrer.
A figura no centro do círculo parou ao lado da mesa dos punhais e,
lentamente, se virou, pausando enquanto encarava cada uma de nós, como se
pudesse ver os nossos rostos através do tecido negro do seu capuz. Olhou para
Kiki, depois Constance, Missy, Lorna, Astrid, e então, como se movendo por uma
névoa espessa, virou-se para mim.
Levantou as mãos para o seu capuz. Eu prendi a respiração e forcei-me a não
desviar o olhar. Pensei em todos os meus inimigos. Todas as pessoas que poderiam
ser loucas o suficiente para pensar num esquema horrível como este. A figura
parecia delicada, feminina. Era Paige Ryan. Tinha de ser. Ou Demetria Rosewell.
Antes que o capuz fosse empurrado para trás, tive um pensamento selvagem
de pânico de que ia ser Sabine. Ou mesmo Ariana. Elas tinham aparecido nos meus
sonhos, afinal de contas. Poderia ser uma delas? Será que tinham escapado?
E, então, o capuz caiu para trás e eu engasguei. Eu reconheci o cabelo loiro, a
testa com Botox, a pele perfeita, os enormes brincos de diamante. Não era uma das
vilãs dos meus sonhos, mas era próximo o suficiente.
Era a mãe de Cheyenne Martin.

112
33
MINHA EXECUTORA
Traduzido por Báh Tega

—S
ra. Kane? — eu gritei.
Então era por isso que eu sonhei com Cheyenne. Sua mãe estava
por trás disso. A mãe de Cheyenne deu um pequeno sorriso para mim,
como se eu tivesse acabado de contar uma piada interna. — Olá, Reed. — Ela
colocou um dos dedos magros na frente dos olhos. — Eu estive esperando por esse
momento por um longo… longo tempo.
Eu a encarei. A mãe de Cheyenne nunca foi nada além de educada comigo.
Ela pareceu tão forte após a morte de Cheyenne. Emotiva, claro, mas forte. Não
completamente doida. Certamente não a pessoa que era a mente brilhante que
arquitetou o sequestro de cinco das adolescentes mais ricas do mundo — e eu.
— Por quê? — eu perguntei. — O que nós fizemos para você?
Seu sorriso desapareceu. — Vamos esquecer sobre “nós” por agora, ok?
Vamos falar de você.
Missy soltou uma risadinha.
— Certo — eu disse encarando-a. — O que EU fiz a você?
Com o canto do olho, eu vi os ombros de Kiki se movendo ritmicamente. Eu
desejei que ela estivesse tentando se soltar. Então eu decidi fazer essa conversa
durar o máximo possível para que ela ganhasse um tempo extra.
— Eu sei que até agora você já sabe sobre nossas quatro mães fundadoras — a
Sra. Kane disse com uma pitada de sarcasmo. — E sobre como Catherine White
está relacionada com Ariana Osgood, e como Noelle Lange é descendente de
Theresa Billings, e como você — ela parou para me lançar um olhar de desprezo, —
tem ambos os sangues Billings e Williams corrompendo suas veias.
Eu senti um flash de orgulho e empinei meu nariz.
— Bom, eu, também, sou descendente desse vergonhoso pequeno clube — ela
disse, tirando seu cabelo loiro do rosto. — Cheyenne e eu somos descendentes
diretas de Helen Jennings.
— A empregada? — Kiki disparou.
Os olhos da Sra. Kane se estreitaram e ela lentamente olhou sob o ombro
para Kiki.
— Sim, senhorita Rosen. A empregada.
— O que infernos ela tem a ver com isso? — Astrid perguntou a Missy.
— Acredite em mim — Missy disse, — você não ia querer saber.
A Sra. Kane deixou o silêncio cair no local. Todas calaram as bocas.
— Nós sempre soubemos que se as quatro famílias se encontrassem em
Easton novamente, haveria problemas — ela continuou. — Mas achamos que a
linhagem Williams havia sido acabada.

113
Ela se aproximou de mim, seus sapatos faziam um barulho horrível sob o
chão de concreto. Ela se aproximou tanto que nossos narizes quase se tocavam.
— Nós já deveríamos saber. Deveríamos saber que Eliza ia meter o nariz em
tudo novamente. Assim como ela fez.
Sua respiração se juntou com a minha, e fiz um esforço enorme para não
morder seu nariz e cuspi-lo fora. Ela deu um passo para trás e já estava se
distanciando quando olhou para mim por seu ombro. — Sua avó já sabia disso, não
sabia?
A Sra. Kane pegou uma das facas na mesa circular. Meu coração pareceu ir
parar nos meus pés.
— O que você quer dizer com isso? — eu disse, mal conseguindo falar, pois o
horror ainda estava engasgado em minha garganta. — O que você quer dizer com
ela já sabia disso?
A Sra. Kane coçou a cabeça. — Você não sabia? — ela pegou a faca, andou até
mim e a apontou. Eu reprimi um gemido, e Constance e Lorna entraram em
pânico. — Você foi projetada, meu amor. — Ela passou a ponta da faca na minha
bochecha esquerda e eu senti uma picada na minha pele.
— Não, não, não, não — Lorna falou desesperada, se balançando.
— Foi sua avó que convidou sua mãe para uma entrevista nas Indústrias
Lange. Foi ela que insistiu para sua mãe conseguir o emprego de assistente do seu
pai. Ela dava a eles projetos que os faziam ficar juntos até tarde da noite, finais de
semana, feriados. Para que eles sempre ficassem juntos. Ela sabia muito bem o que
iria acontecer. E como uma descendente de Eliza, sua mãe era, é claro, uma vadia.
— Cala a boca! — eu cuspi.
Ela forçou um pouco mais a faca sobre minha bochecha. Eu comecei a sentir
o sangue escorrendo e estremeci.
— Assim como você — a Sra. Kane continuou, com uma voz que quase
cantarolava. Ela moveu a faca para a outra bochecha e a cortou também. — Todas
as Williams são vadias, e todas as Lange são mentirosas e manipuladoras.
Adivinha o que isso faz de você?
Ela se virou e colocou a faca sob a mesa novamente fazendo um estrondo. —
Limpe isso!
Alguém apareceu correndo e pegou a faca, e logo saiu correndo novamente. A
Sra. Kane se virou novamente para mim.
— Desde que você chegou em Easton, nada de bom tem acontecido — ela
disse, suas palavras saíam como ácido de sua boca. — Minha filha morreu por sua
causa e...
— Sua filha morreu porque Sabine DuLac era uma louca — Astrid rebateu.
A Sra. Kane respirou fundo e continuou como se Astrid não tivesse dito nada.
— Minha filha morreu porque você é amaldiçoada — ela disse para mim. — E
o resto de vocês só piorou isso.
Ela cruzou os braços.
— Desde que essa ralé entrou no Billings, só houve miséria e destruição. Mas
agora com o seu sacrifício, a maldição será quebrada.
A faca foi devolvida a mesa, e o ajudante da Sra. Kane desapareceu nas
sombras.
— Com a eliminação daquelas que não foram escolhidas, tudo correrá bem.
— Você está errada — eu disse. — Eu fui propriamente escolhida. E Missy
deveria ter entrado. Ela é um legado.

114
A Sra. Kane fez um estalo com a língua, então respirou através de seus
dentes. — Você foi escolhida por uma e apenas uma pessoa, Srta. Williams — ela
cuspiu. — Ariana Osgood, descendente de quem nos amaldiçoou, convenceu as
outras a convidá-la para que ela pudesse manter o olho em você. E então a
pequena pagã foi à loucura e começou a matar pessoas.
— E eu? — Missy disse, encarando a faca com terror. — Eu deveria ter sido
convidada no primeiro ano, como Reed disse. Você não pode fazer isso comigo. É
tão injusto.
A Sra. Kane a ignorou e se virou para mim novamente.
— Vamos começar o ritual — ela disse.
E então ela se fundiu com a escuridão. Instantaneamente, seis pessoas
formaram um círculo, cada uma com uma faca nas mãos. Meu coração latejava nas
minhas costelas repetidamente enquanto eu via as pontas das facas se
aproximando de mim.
— Não! — Astrid gritou. — Vocês não podem fazer isso!
— Isso não pode estar acontecendo — Lorna ficava repetindo para si mesma
enquanto chacoalhava a cabeça. — Isso não está acontecendo, isso não está
acontecendo.
Missy continuou gritando sobre ser um legado, e Constance gritando
descontrolada. Seus olhos estavam selvagens enquanto ela se debatia entre as
amarras, e eu sentia como se meu coração fosse se rasgar com cada grito.
— Reed! Reed! — Kiki choramingava.
De alguma forma, tirei meus olhos da faca que vinha lentamente na minha
direção. As seis pessoas sussurravam algo baixinho — como um cântico — porém
eu não conseguia entender o que estava sendo dito.
Kiki se virou e olhou para baixo na direção das suas mãos. Ela estava
sustentando sua mão esquerda, com a palma para o lado, mas os pulsos ainda
estavam presos. Olhei para o rosto dela, com a sobrancelha arqueada.
— O quê? — sussurrei.
Ela só falou uma palavra. — Ventus.
Ela não podia estar falando sério. Ela ia testar um feitiço? Esse era o plano de
gênio dela? Seu olhar estava concentrado, me encarando. Com o canto dos olhos
pude ver a pessoa que iria me matar. Eu tinha dez segundos de vida. Eu olhei para
Kiki, virei minhas mãos da mesma forma que ela e gritei.
— VENTUS!
De repente, uma rajada invadiu o local que estávamos, fazendo meu cabelo
cair sob meu rosto, grudando nas minhas bochechas cheias de sangue e cobrindo
meus olhos. Eu virei minha cabeça para tentar me proteger e ouvi o barulho das
facas caindo no chão. Alguém gritou. Vagamente, eu vi uma das figuras vestidas de
túnica rastejando pelo círculo, agarrando uma faca caída. Então a Sra. Kane
explodiu por entre as sombras, seu capuz longe do seu rosto, seu cabelo
esvoaçando selvagemente para todas as direções. Ela pegou o braço da pessoa
caída e o apontou para mim.
— Comece com ela! Comece com a garota Williams!
Dedos trêmulos se fecharam sob a faca afiada. A pessoa se levantou e olhou
para mim, com uma mão segurando a faca e a outra o capuz sob a cabeça. Eu
fechei meus olhos, imaginando o quanto isso iria doer antes de eu morrer.
Então houve um estouro. O vento parou. E alguém que soava idêntico ao meu
pai gritou apavoradamente.
— NÃO!

115
Um corpo se jogou contra a pessoa que estava tentando me atacar,
derrubando-a e a fazendo cair no chão. Meu pai segurou a pessoa no chão, com os
joelhos sob os ombros dela e tirou a faca de sua mão. Quando ele tirou o capuz, eu
não acreditei. Era Demetria Rosewell.
— Reed! Reed! Você está bem?
Josh estava na minha frente. Eu comecei a tremer da cabeça aos pés, de
alívio, de terror, de confusão. Nós havíamos mesmo feito o feitiço? Ou a porta
abriu no exato momento em que começamos, trazendo o vento com ela? Josh
estava mesmo aqui, ou eu estava sonhando novamente?
— Reed? Me responde — Josh disse.
Mas isso não era real. Nada disso era. Nada disso podia mesmo estar
acontecendo. Eu vi Noelle no canto. E Ivy. E o Sr. Lange. E a avó Lange. E dezenas
de policiais. Nenhum deles era real, é claro. Eles eram personagens de algum jogo.
Pessoas de alguma outra realidade. Eu encarei meu namorado, meus olhos
estavam marejados, e sangue escorria para os meus ombros.
— Reed? — Josh tocou meu rosto com a ponta dos dedos. Sua pele era quente
e seus dedos tremiam. — Reed, por favor?
Ele era real.
— Josh? — eu sussurrei. — Josh?
— Ai meu Deus, você está sangrando — ele disse.
Alguém começou a mexer em minhas mãos. Me desamarrando.
— Josh?
Eu não conseguia parar de dizer seu nome. Alguma coisa dentro de mim
estava quebrada.
— Josh? Josh? Josh?
Seu rosto mudou. A cor sumiu e seus olhos estavam vidrados.
— Soltem ela — ele disse.
Alguém tirou as amarras de meus pés e eu estava livre. Alguns segundos
depois, minhas mãos também. Eu me joguei em Josh, caindo sob ele e me
aninhando. Eu tremia tanto que minha cabeça batia repetidas vezes em seu queixo.
— Josh. Josh. Josh. Josh. Josh.
— Está tudo bem — ele sussurrou, com a boca no meu cabelo, beijando minha
cabeça e me segurando o mais suavemente que ele podia. — Está tudo bem. Eu
achei você. Eu achei você e tudo vai ficar bem.
A coisa estranha era que, era quase exatamente como eu imaginei que seria
alguns minutos atrás. Exatamente como eu desejei que fosse.

116
34
SANGUE COMPARTILHADO
Traduzido por Thaynara Ribeiro

—B
eba isso.
Sentei-me na cadeira que alguém havia encontrado em um
canto do porão, com uma grossa manta da Policia de Nova Iorque
em meus ombros. Josh se ajoelhou na minha frente segurando um copo cheio de
água.
— Sou uma idiota — eu disse.
Josh deixou escapar um suspiro. — Bem. Estou feliz por ouvir você dizer algo
que não seja meu nome, mas não concordo com isso.
Engoli em seco. Minha boca estava cheia de pó, sujeira e sangue. Levantei o
copo e o levei aos meus lábios, tremendo tanto que parte da água caiu em meu
colo. Bebi um pouco, e um gole frio e limpo deslizou pela minha garganta. Olhei
para o anel que Josh tinha me dado. Uma mancha de sangue tinha secado sobre
vários diamantes.
— Como você pode me amar? — eu perguntei, com minha voz fraca. — Tudo o
que eu faço é trazer sofrimento para você e... e ferimentos na cabeça. Como você
pode estar comigo?
Uma lágrima deslizou pela minha bochecha e ficou presa em uma crosta de
sangue, onde se deteve e começou a pingar. Josh riu baixinho. Ele levantou a mão
e acariciou minha bochecha, passando seu dedo sobre a lágrima, fazendo-a coçar.
— Como não vou estar com você? — ele perguntou.
Solucei. — Mas eu...
— Reed, nada disso é sua culpa — ele disse. — Eu sei que você não acredita
nisso agora, mas vou passar o resto da minha vida tentando fazer com que você
acredite. Você não está amaldiçoada. Você não traz má sorte. Você é perfeita.
Ele me abraçou, e eu me apoiei nele, pressionando meu nariz em seu peito.
Por cima de seu ombro, pude ver a policia rodeando os suspeitos — as crentes.
Surpreendi-me ao ver que Paige Ryan não estava entre elas, e fiquei feliz de ver
que não conhecia mais ninguém, exceto turvamente das páginas da sociedade. Eu
temia que Susan Llewelyn, uma das minhas ex-alunas favoritas, fizesse parte disso,
mas felizmente ela não estava ali.
— Posso te perguntar uma coisa? — Josh perguntou, sussurrando no meu
ouvido.
Assenti com a cabeça em seu casaco.
— Você tentou... me enviar uma mensagem? — ele perguntou.
Afastei-me dele, meu coração batendo fortemente. — O que você quer dizer?
Por quê?
Josh engoliu em seco, parecendo assustado.

117
— Eu estava com a polícia, o Sr. Lange, Ivy e Noelle e de repente chegou
uma... eu não sei... uma imagem na minha mente. Uma caixa de Asti Movanti.
Nós dois olhamos para a porta, onde havia dezenas de caixas Movanti.
— Você... viu de verdade? — eu perguntei.
Ele assentiu com a cabeça. — Eu simplesmente falei isso e o Sr. Lange disse
que era o nome desse vinho... de alguma empresa falida da Sra. Cox. Ela comprou
ações em uma empresa italiana ou algo assim, e esse vinho acabou sendo um
enxaguante. Eu não sei. Mas de todos os modos, tão rápido quanto eu o disse, Ivy
lhes disse que tínhamos que ir à casa dos Cox. Porque eles moravam justo ao lado
dos Lange, e a Sra. Cox... ela é uma ex-aluna do Billings e...
Ele fez uma pausa e respirou fundo. — É ela — ele disse em voz baixa. — Ali.
Com o cabelo branco.
Levantei o olhar para encontrar uma mulher algemada de aparência frágil,
com uma touca branca curta.
— Você me guiou até aqui? — ele perguntou.
— Você é a mais forte de todas nós, Reed. Você é a única que pode salvá-las.
— As palavras de Eliza enviaram calafrios através de mim. — Use seu poder para
avisá-los.
Seria possível? Eu realmente tinha enviado uma mensagem telepática para
Josh? Isso havia salvado a todas?
— Onde ela está?
Ericei-me com o som da voz da minha mãe, esquecendo tudo por um
instante.
— Mãe! — eu gritei.
Seu rosto relaxou quando me viu, e ela correu até mim. Josh me ajudou a
ficar de pé e ela me abraçou, me segurando tão perto quanto possível.
— Você está bem? — ela perguntou, inclinando-se para trás e segurando meu
rosto com ambas as mãos. — Meu Deus, o que eles fizeram com você?
— Estou bem, mãe — eu disse. — Estou bem.
Atrás dela, perto da porta, vi a avó Lange nos olhando. Ela tinha um brilho de
orgulho em seus olhos que me deu vontade de atirar algo nela. O que a senhora
Kane havia dito era verdade? Ela havia planejado minha própria existência?
Mas enquanto eu me fazia essas perguntas, lembrei-me do que o Sr. Lange
havia dito naquele dia em seu escritório, que sua mãe tinha mantido uma estreita
vigilância sobre todas as famílias antigas, que provavelmente sabia de mim antes
mesmo da minha própria mãe. Era verdade. Tudo. A senhora Kane e as crentes da
maldição podem ter enlouquecido, mas as pessoas que dirigiam nosso lado das
coisas tampouco estavam com os neurônios intactos.
Olhei-a fixamente, odiando-a por tudo o que tinha feito ao meu pai. A minha
mãe. Ao meu irmão. A mim. Inclusive ao Sr. Lange, Noelle e a sua mãe. Era como
se ela pensasse que fosse Deus. Ela não podia se meter assim na vida das pessoas, e
tão rápido quanto eu tivesse a oportunidade, eu ia fazê-la saber como eu me sentia
a seu respeito.
Quanto mais rápido eu pudesse fazer isso, mais rápido eu a afastaria da
minha mãe, do Sr. Lange e do meu pai. Ela poderia ser esmagada da mesma forma
que ele havia feito com Demetria Rosewell.
A multidão de oficiais do outro lado da sala se movimentava, e um deles
arrastava a Sra. Kane de uma cadeira. Sua maquiagem estava manchada e seu
cabelo se destacava ao redor de sua cabeça como se ela tivesse sido atingida por
uma descarga elétrica. Ela manteve a cabeça alta, enquanto a guiavam através do

118
lugar, mas ela tremia violentamente. Era evidente que ela não esperava acabar
dessa maneira. Era evidente que ela tinha tido a máxima confiança em seu plano
louco.
De repente, ela se voltou para me olhar, como se tivesse sentido que eu a
olhava, e me olhou com desprezo. — Isso não acabou. Você é um lixo e sempre será
um lixo.
Senti uma onda de fúria e triunfo ao mesmo tempo. Afastei-me da minha mãe
e de Josh, ainda que ambos tentassem se agarrar a mim, e me dirigi para ela, com
os pés descalços congelando no cimento frio. Apertando os dentes, fiquei de frente
para seu rosto, fazendo caso omisso das ameaçadoras armas apontadas da polícia.
— Pelo menos eu não vou para a cadeia — eu disse, fervendo. — Espero que se
divirta apodrecendo na sua cela junto com suas amigas loucas.
A Sra. Kane cerrou os dentes. Seus olhos eram como um abismo. Escuros —
muito mais escuros do que eu tinha me dado conta. Ela deixou escapar um grito
antinatural, e de alguma maneira se soltou do guarda que a segurava.
Antes que alguém pudesse se mover, ela tinha se livrado das algemas, pegou
uma das facas de cima da mesa, onde estavam embaladas e etiquetadas, e a lançou,
com ambas as mãos, para meu peito.
— Reed — Josh gritou.
— Não...! — meu pai gritou.
Mas eu não podia me mover. Por mais que eu tentasse não podia me mover.
Era como se uma força invisível me mantivesse imóvel. Tudo o que eu podia fazer
era pensar no quão poderosa Eliza Williams afirmava que eu era, e no quão errada
ela estava se eu não podia nem sequer me mover para o lado para salvar minha
própria vida.
E logo, do nada, o Sr. Lange se lançou na minha frente. A faca atravessou seu
peito com um som repugnante que eu nunca esqueceria enquanto eu vivesse. E
justo assim, o pai de Noelle, o bisneto de Theresa Billings, a pessoa que havia me
dado à vida, caiu no chão aos meus pés. Seus olhos estavam abertos, seus pulmões
estavam quietos.
Eu nunca teria a oportunidade de agradecê-lo.

FIM¹

119
Próximo Livro: Vengeance

Após os eventos devastadores na festa de aniversário de Reed, Noelle está


determinada a deixar o passado para trás, mas Reed está inflexível com a
reconstrução do Billings. Esbarrando contra os obstáculos sem fim do
diretor, para não mencionar as ex-alunas do Billings, Reed não irá deixar o
seu legado acabar em uma pilha de escombros.

Como se isso não bastasse, velhos fantasmas voltam a assombrar as Garotas


Billings. Reed passou por muitas coisas em seu tempo em Easton e ela
começa a se perguntar se talvez ela ainda poderia sair viva deste lugar.

120
PRIVATE NOVEL

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