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O que para alguns sempre foram motivos de pavor para mim desde sempre foi motivo de

paz e resoluta alegria.Dormir cedo? Não sair de casa? Ficar todo dia trancada num
quarto? Ler e estudar? Sim! Eu, Anaila, simplesmente amo tudo isso! Entretanto
naquele dia em específico precisei contrariar meus hábitos saudáveis e cômodos,
resolvendo participar da virada de ano junto com todos os demais membros da aldeia
de pescadores. Uma vez que minha mãe estava como de costume medicada e dormindo
como um anjo no quarto que dividiamos uma com a outra.

Depois de uma grande luta contra meu cabelo entre suspiros e gritos abafados por
minhas mãos, prendi todos os fios o maximo com um coque para que ninguém notasse o
quão ralos estavam. Visto que a cada dia que passava caíam mais, travando no escuro
quase que total do cômodo iluminado pela luz da lua mais uma guerra com meu velho
guarda roupa com suas portas de madeira emperradas e seladas de tão difíceis de
abrir. Onde meus vestidos de renda estavam já quase saindo de lá e andando sozinhos
de tanto que os usava.

— Custava facilitar pra mim hoje? — digo exasperada após mais uma vez ver que a
maldita porta não se moveu com a força que fazia nela.

Ao conseguir abrir, o som da porta ecoou por todo lugar, uma casa bem antiga que
ficava bem distante da area de pesca, onde só eu e mamãe vivíamos, próximas a uma
pequena mata, que dava na parte mais difícil de acesso a praia dos perdidos.

— Lua? — a voz baixa de minha mãe me chama lutando para não dormir novamente.

— É a Nai, mãe... Abri o guarda roupa com muita força.

Explicando enquanto me vestia, a ouço se mover na cama para meu lado de costume a
deitar, concordando mansa antes de ir dormir.

A última vez que assisti a queima de fogos foi aos meus dez anos de idade. Pouco
antes de tudo dar errado na minha vida e a única felicidade que eu possuir ser
limitada a páginas de livros.

— Só uma noite, mamãe. Preciso ver só mais uma vez... — digo a mim mesma ao segurar
com força o colar que me foi dado assim que nasci.

Ser leitora não era apenas um hobby, uma diversão ou tampouco uma coisa boba. Ler
era a única coisa que me permitia ser livre, viajar para terras distantes e bem...
Viver do jeito mais épico, incrível e mais divertido do mundo.

Minha mãe desde a partida de papai, levado pelo mar numa forte tempestade, nunca
mais conseguiu ser a boa mulher que ajudava a todos e era uma fortaleza inabalável.
Com a certeza de que havia sido culpada pela morte dele, Solange nunca mais teve
paz e sossego, tendo surtos e episódios de fúria, insistindo que as vozes que ouvia
estavam a dizendo para fazer algo muito ruim, além de terem a feito matar seu
marido.

Por ser muito pequena eu não entendia, mas mesmo hoje, não tive nenhuma resposta do
porquê de mamãe estar assim.

— Tia Luana faz falta pra ela... — afirmo a mim mesma, antes de conseguir
finalmente mover a porta emperrada.

Pegando o que precisava, tento fechar a porta e noto que algo a impedia, de forma
que peguei o que parecia ser um livro antigo, com camadas grossas de poeira e algo
que parecia enfeites de metal nele.

Curiosa sobre o que seria o tal livro, saio com ele para a comemoração dos
pescadores da virada de ano e entro na floresta que era iluminada apenas pela luz
da lua, agradecendo aos céus por ser uma extensão bem pouca a que me separava da
pequena vila de pescadores no litoral do Rio de Janeiro.

— Nai! O que é isso na sua mão? — Clara, minha melhor amiga desde sempre, pergunta
ao ver o livro sujo que eu tinha.

Meu vestido de renda havia sido levemente usado como flanela para tirar o excesso
de sujeira ao caminhar com o livro, com isso, acabei tirando o resto com a mão,
tendo o vislumbre de uma capa em couro com uma espécie de bússola entalhada na
capa.

— Vamos descobrir isso agora, amiga! — anunciando alegre me sento de qualquer


forma na areia a vendo imitar meu gesto.

De rosto fino, feições delicadas e sorriso fácil, Clara era o exemplo de uma mulher
que qualquer homem na vila amava, até mesmo os que apareciam uma vez e outra para
turismo. De forma que ela se tornou a guia oficial da Vila do penhasco onde ela
cresceu e morava desde sempre.

— Será que é segredo de família? — Clara arqueando as sobrancelhas ajeitou seu


vestido um pouco amassado, me olhando surpresa.

— Minha família não tem segredos... — ia dizendo até ver que o tal item não era um
livro, sim um diário.

Um diário em nome de Davi Miguel, que eu nunca tinha ouvido falar antes. Me fazendo
concluir que talvez minha família tivesse realmente segredos como Clara sabiamente
sugeriu.

— Os garotos estão chamando a gente, Nai! — clara diz enquanto acena para os
rapazes que estão quase babando nela.

A garota mais cobiçada era ela. Porque insistia em dizer “nós” se toda atenção lá
era sobre Clara e não eu?

Olhando para aquele céu estrelado, sentido a areia entre e sob meus pés, inspirei
mais profundamente a maresia, aquele cheiro que só o oceano tem e por uns segundos
senti uma grande saudade.

Não sabia do quê, ou porquê, só que estava com saudades e ninguém poderia preencher
o lugar do que quer que fosse que estivesse faltando na minha vida.

— Pode ir. Fico bem sozinha, ainda mais quando tenho entretenimento inesperado! — a
dispensei o mais gentil que pude, mostrando o diário que estava em minhas mãos.

Queria saber mais sobre Davi Miguel e descobrir que tipo de coisa o fazia ficar
escondido naquele armário velho debaixo de uma tonelada de poeira.

Parecia que alguém tentou muito apagá-lo, mas porquê?

— Daqui a pouco eu venho te sequestrar, ok? Não fuja!

Sorrindo divertida continuo a olhar o caderno, mexendo com cuidado na cordinha de


couro, que nas duas extremidades possuía um pequeno leme e na outra o que parecia
uma âncora, ambas de prata.

Era antigo e parecia muito singular. Que tipo de histórias haveriam lá?

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