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A girafa

Naquela estante empoeirada, entre livros e lembranças, eu, uma girafa de pelúcia,
repousava durante a tarde. Meu pescoço longo e desajeitado parecia desafiar a gravidade, como
se buscasse tocar as estrelas. Minhas manchas amareladas, desbotadas pelo tempo, contavam
histórias de abraços apertados e noites de sonhos compartilhados.
Diante disso, eu tinha um olhar doce e curioso, como se guardasse segredos do mundo
exterior, meu focinho de lã era macio ao toque, e as orelhas desproporcionais pareciam sussurrar
canções antigas, testemunhei risadas e lágrimas, momentos de solidão e de companhia. Desde
que me colocaram em uma loja para venda, sempre desejei ser acolhido; e ter uma dona que ao
me ver encheu seus olhos de felicidade e me amou parecia um sonho se tornando realidade.
Dessa forma, havia momentos em que me tornava o refúgio. A menina se encolhia sob os
lençóis, abraçando-me com força e contando o que a chateou.
Lembro da noite que esse carinho se tornou minha casa, da noite que fui entregue a ela com
chocolates e uma carta no seu aniversário.
Com o passar dos anos, a prateleira do quarto acabou sendo meu lar na maior parte do
tempo, sabia que estava sendo esquecida, relegada a um canto empoeirado. Mas nunca perdi a
magia, quando as luzes se apagavam, eu relembrava de todos os momentos ao lado de minha
dona.
Hoje, permaneço ali, testemunha silenciosa das mudanças. Meu pescoço ainda se estende
em direção ao infinito, como se buscasse respostas para perguntas não feitas. E, quando alguém
me encontra, acaricia as manchas gastas e sorri, sabendo que ali reside um pedaço de infância e
de eternidade.
Afinal, as coisas têm memórias. E eu, com meus olhos de botão e costuras desgastadas,
tenho um elo entre o passado e o presente, entre o real e o imaginário. Lembro que, mesmo
quando o mundo parece incerto, há sempre um abraço suave e uma história a ser contada.

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