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Correndo como de costume, Izza al-Taheri entrou na casa feita de tijolos de barro

apressada, sem se dar conta que haviam mais sandálias que o normal, pois sua
atenção estava no teto com rachaduras grandes e uma goteira insuportável. Com isso
tirou o pano velho que usava para cobrir seu rosto, o guardando em seu bolso, pois
seu pai odiava vê-la com aquele último tecido pertencente a ex-esposa dele, casa
adentro. Visto que a porta dos fundos a deixava direto na cozinha, seu objetivo
principal usando aquela entrada.

Usi al-Taheri, seu pai era, infelizmente, um bêbado viciado em apostas, antes
bonito e saudável, com suas feições redondas e um dia muito bem cuidado, agora que
sua única esposa havia o trocado por um estrangeiro se tornou apenas um morto vivo.

Seu rosto que um dia fizera muitas mulheres suspirarem e homens odiá-lo por ser tão
bonito e acentuado agora era um par de olhos grandes demais para o usual, com
olheiras escuras e fundas sob eles, ossos muito marcados sob a sua pele pela falta
de boa alimentação e dentes em falta, dado as muitas brigas que esteve por conta de
seus vícios em álcool.

— Pai? Está acordado? — ela dizia ao fechar a porta, carregando com dificuldade a
sacola de compras que conseguiu para eles sobreviverem pelos próximos dois dias.

Com seu ar pouco saudável diferente das fotografias que haviam pela casa simples, o
senhor pálido e com fundas marcas do sol, seus vícios e dos anos na pele, além de
manchas escuras na área dos olhos, resultado das muitas noites que esteve em casas
de jogos em claro, apostando todo dinheiro que tinha, inclusive o da comida da
única filha, não se via em nenhum lugar. Algo que não era comum nem um pouco ao
homem que deveria ser coluna da casa, entrando em ruínas ao longo dos últimos anos.

Caminho que sem saber ler, escrever e tampouco sem ter alguma outra chance em
qualquer profissão que fosse, pelas limitações que não ter uma mãe para instruí-la
ou estudos para aprender, se especializou na única coisa que conheceu nas ruas:

Roubar e correr o máximo que podia para não perder uma mão por tal atitude horrível
para sobrevivência. Ainda sim, Izza precisava comer para viver e seu pai também,
ainda que sumisse com todo e qualquer valor que fosse posto em suas mãos.

Sua mãe havia os deixado para trás quando a filha nem mesmo alcançava as
prateleiras de madeira no alto da parede e mesmo hoje em dia, quando podia pegar os
itens com mais facilidade, agora uma mulher adulta, não conseguia se recordar na
mesma maneira de como era sua vida quando tinha uma mãe.

Apenas sabia que tinha características muito específicas que pertenciam a sua
progenitora. Tal como seus olhos e seu nariz mais fino, que em contrapartida havia
sido uma das mais belas misturas com a cor marrom escura da pele de seu pai e os
cabelos negros, além dos lábios cheios que ele possuía.

Entretanto, ainda que sua aparência lembrasse aos outros, não a ela, somente sabia
bem e lembrava diariamente que doía muito ver todas suas vizinhas com suas mães
comprando tecidos, joias e escolhendo futuros maridos, enquanto a Izza al-Taheri
restava apenas observar tudo aquilo a distância.

Enquanto cometia pequenos furtos para não morrer de fome por muito tempo, cuidando
de seu pai também.

— Pai! O senhor está bem? — chama o homem de mais idade, que não a respondendo,
levou a moça a largar todas as compras na cozinha e sair em direção à porta que a
levaria a sala da casa deles.

Esbarrando num balde com água próximo a porta da saída da cozinha, evitou olhar seu
reflexo temendo enxergar nele, mas precisamente em seus olhos e na sua expressão
aquilo que a consumia naquele instante. Apenas a constatação do medo de seu pai a
deixar pelo resto da vida que sentia, assim como havia sua mãe feito também anos
atrás.

Ignorando a dor de cabeça insistente, juntamente da dor na barriga, resultado dos


seus dois dias sem conseguir roubar nada de valor, Izza al-Taheri tentou focar no
silêncio incomum de seu pai, se surpreendendo ao vê-lo acompanhado de três homens.
Imagem que a faz instintivamente mexer em sua cintura, onde um canivete enferrujado
ficava lá escondido para emergências como aquelas.

Sentado numa cadeira velha que possuíam, o senhor Usi al-Taheri tinha marcas de
violência notáveis e a julgar pela forma como um dos homens seguravam aquela arma,
iam matá-lo sem dúvidas.

— Fiquem longe do meu pai! — gritando com os homens, Izza até tenta intimidar os
três mostrando um canivete que carregava para situações perigosas, mas recebe
risadas deles.

— Vê só? Ela é bonita em fato. O velho não é em todo um mentiroso. Apenas um


péssimo pagador. — um dos homens observa em tom pensativo, fazendo o pai dela
sorrir.

Ainda que sujo de sangue, poeira e outras coisas, o senhor Usi al-Taheri, parecia
em êxtase com o comentário de seu algoz.

— Vê só? Ela é jovem, bonita, tem olhos tão lilás quanto uma lotus, de beleza maior
que uma! Só precisa de um banho e um pouco de comida! — o pai de Izza al-Taheri,
até então nunca havia a dito tais coisas, deixa a filha atordoada por uns segundos.

Por que razão estava a enchendo de elogios? Qual a necessidade daquele homem que
estava o machucando ter que concordar com ela ser considerada bonita pelo pai? O
que estava acontecendo ali?

— Ela é realmente muito bonita, Sadiki... — um homem que estava parado atrás da
cadeira onde Usi era mantido, concordou a olhando interressado.

— Pai, por que está falando isso? — Izza dando um passo para trás olha na direção a
porta de onde entrou.

Talvez se empurrasse um e corresse, poderia ir para rua buscar ajuda para seu pai.
Só precisava de força e muita sorte pra conseguir fugir daqueles três homens maus.

— Uma garota com olhos tão bonitos e juventude no auge certamente vai nos render
alguma boa quantia nesta noite.

— Vocês acham que podem me vender? Isso é um absurdo! Pai... — ela falou com seus
olhos já assustados, dando mais passos para detrás.

Para sua total perca de foco, seu pai apenas riu e concordou com os homens que
avaliavam a moça como um tipo de objeto qualquer.

— Ao menos uma vez na sua vida seja útil e desapareça como sua mãe, aquela
prostituta, fez! Me sirva de algo, garota! Siga-os e deixe de ser um fardo que é o
que você é toda sua vida! — Usi al-Taheri repreendeu a moça que sentiu seus olhos
arderem com as lágrimas que caíam naquele momento.

Como seu pai poderia ser tão malvado e frio a ponto de dizer tal coisa a única
filha que possuía?
— Pai! Não diga isso! — Izza em negação implora, torcendo que tivesse sendo apenas
um momento de reação sem pensar muito por parte do pai dela.

— Que eu ficarei melhor sem você? Vá embora e seja a prostituta que sua mãe é... Ao
menos sirva para saldar meu débito com eles! — atacando a própria filha, a faz
sentir mais dor do que já sentia. Seu coração batia tão rápido e dolorido em seu
peito que facilmente poderia explodir e matá-la naquele momento.

Sentindo a sua visão escurecer, ela impediu um dos homens de segurá-la o acertando
com seu canivete e correu para saída, decidida a fugir para o mais longe que
pudesse dali. Não tinha mais como contar com a única família que havia a restado.

E deixar aqueles homens a sequestrarem não era uma solução. Preferia morrer livre a
viver presa sendo objeto de diversão de monstros como aqueles que estiveram na casa
dela.

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