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Copyright © 2023 by Simone Schneider

A NOIVA ERRADA
Spin-off da Série Homens Árabes

Capa: Design Tenório


Diagramação: Sandra Almeida
Revisão: Não profissional

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são


frutos da imaginação desta autora e usados como ficção. Qualquer
semelhança com a realidade ou fatos é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução, no todo em parte, através de quaisquer meios.


Os direitos do autor foram assegurados.
ATENÇÃO

A Noiva Errada é Spin-off da Série Homens Árabes. Porém não é


necessário ler o primeiro título, são histórias totalmente
independentes.
Este livro pode conter gatilhos.
Índice
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
EPÍLOGO
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SINOPSE
Um Casamento com prazo de validade.

A família de Zara sempre foi muito pobre, mas seu pai acabou se
metendo em dívidas que não podia pagar, e não contava que ele
fosse oferecer sua irmã mais nova para o homem mais perigoso da
região.
Tudo estava se encaminhando para aquele fim, mas no último
minuto Hana foge, deixando seu pai sem outra alternativa a não ser
casar Zara com o noivo. Temendo pela vida do pai, ela se casa com
o desconhecido e roga para que ele não mate os dois quando
descobrir a troca e o segredo que ela precisa esconder dele.
Após um acidente trágico, Hakim ficou com parte do rosto
desfigurado, o que fez com que as pessoas lhe lançassem olhares
tortos durante toda sua vida. Isso faz com que o ódio se aloje em
seu peito e que sinta desprezo por tudo e todos.
Mesmo tendo uma péssima reputação, ele precisa de filhos e vê no
pagamento pendente a oportunidade perfeita para se casar com uma
moça jovem e bonita, oferecida por um pai desesperado.
O que ele tinha a perder?
Enganado, descobre no dia seguinte a núpcias, que trocaram as
irmãs, decide ficar com a noiva errada por um mês, já que ela podia
estar gerando um filho seu, caso contrário, a repudiaria e a jogaria
ao vento, sem remorso, afinal, ele nunca tinha sido feito de tolo até
aquele momento.
Amar os outros é a única salvação individual que conheço:
ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em
troca.
Clarice Lispector
PRÓLOGO

ZARA

Eu tinha oito anos quando a minha mãe morreu e não tive tempo para
chorar, pois precisei me tornar útil e cuidar da minha irmãzinha. Ela me
arrancava sorrisos nos momentos mais tristes, com a inocência que só

crianças muito pequenas têm. Eu tive que me tornar forte por ela.
Minha irmã parecia uma bonequinha e via em mim mais do que uma
irmã mais velha, chegando muitas vezes a pensar que eu fosse sua mãe,
sendo que na realidade eu era uma criança cuidando de outra. Nosso pai
trabalhava e fazia de tudo para manter nós duas, mas eu sabia que no fundo
ele apenas esperava o dia em que nos tornaríamos maduras o suficiente para
que ele pudesse se livrar do fardo que é ter duas filhas mulheres.
— Eu quero brincar Zara, por favor! – Eu olho para ‘Hana com atenção,
e percebo que a voz dela parecia estar falhando. Sacudo a cabeça e volto a
olhar para o almoço que fazia. Nossa casa era pequena, sem nenhum luxo, e
como baba está sempre negociando tapeçarias no mercado ou mostrando a
cidade aos turistas, então eu precisava fazer tudo, inclusive, distrair 'Hana,
que agora com sete anos estava cada dia mais levada.
— Não tenho tempo, talvez mais tarde, vá fazer suas atividades. – Notei
que minha voz também parecia sumir, mas desconsiderei. Ela franziu o
cenho enquanto me olhava com atenção. — ‘Hana!
— Eu queria sair um pouco, ver as estrangeiras de olhos claros. – Era
impressionante como aquelas mulheres conseguiam ter a pele límpida e os
olhos tão absurdamente lindos, que parecem joias.
— Baba chega a qualquer minuto, eu não posso atrasar o almoço. –
Retruco, a deixando mais triste. Nosso pai não queria que saíssemos de
casa, principalmente pelo fato de ter muita gente estranha rondando a
cidade, mas o movimento atraía ‘Hana e eu não sabia mais o que fazer para
a convencer a ficar quieta.
Eu também achava bonito e até assistia alguns programas na televisão
pequena que tínhamos, na maioria das vezes eram os filmes românticos que
me faziam sonhar. Eu esperava que quando minhas regras viessem Ab'
escolhesse um homem que pudesse ser bom para mim, mesmo que as
chances de ser alguém jovem fossem quase nulas, já que as famílias boas
não queriam ter envolvimento com famílias como a nossa, pobres e sem
nome.
Por isso eu me contentaria se fosse alguém bom e justo. Orava para Alá
me abençoar, pedia com fervor que meu marido me deixasse cuidar da
minha irmã, nosso pai não era amável e por vezes parecia esquecer que
éramos suas filhas. Talvez baba pensasse em uma boa forma de conseguir
um dote generoso com os nossos futuros casamentos.
Eu suspiro e o vejo entrar em casa, com suas roupas um pouco sujas de
terra e o cabelo ensebado. Ele mudou desde que nossa mãe morreu, mas não
sei se pela dor que precisou lidar ou por sermos realmente um fardo difícil
demais de carregar.
— Zara! – Me adianto em ir até ele, tirando de seus ombros o peso da
sacola que carregava e a deixando cair no chão. — Me prepare um chai e o
meu narguilé. – Apenas obedeço, enquanto ele tira as sandálias de couro
que calça e as larga ao lado da entrada, se jogando sobre as almofadas da
sala, se acomodando entre elas.
Abro o pequeno pote com a essência e vejo que está vazia. Fecho e
penso, se deveria adiar o anúncio da falta do tabaco enquanto preparo o
chai, mas concluo que estaria apenas adiando o inevitável.
— Acabou a essência. – Ab' se volta para mim e noto em seu semblante
que a culpa, de ter acabado, é minha.
— O que está esperando menina, vá até o mercado e me consiga mais,
sabe que não consigo comer antes de fumar um pouco. – Fico esperando
que me dê o dinheiro, mas ele nem faz menção de vasculhar as roupas. —
Coloque na conta. – Diz por fim. — Rápido.
Visto meu hijab e saio apressada, seguindo a passos largos em direção a
tabacaria. O barulho parecia ter diminuído naquela manhã, geralmente os
sons eram ensurdecedores, essa era a pior parte de morar perto do mercado.
Bom, pelo menos estávamos longe das bancas de peixe.
Atravessei a rua junto com uma confusão de gente e parei do outro lado,
vendo um grupo de estrangeiros olhando um mapa e apontando para os
lugares. Eu fiquei encantada com as moças de cabelos loiros e peles
brancas, me perguntando se tinham olhos verdes ou azuis. Pensei em me
aproximar e conferir, para quando retornasse para casa, eu pudesse contar a
‘Hana sobre o que tinha visto. Eu entendia algumas palavras de inglês, mas
eram bem poucas, e tinha o sonho de conhecer o estrangeiro, já que pela
televisão tudo parecia tão bonito.
Chegando à tabacaria, notei que um dos cavalheiros me olhava com
tamanha atenção que chegava a ser incômodo e olhei para as minhas roupas
largas para ver se tinha algo de muito revelador, já que elas eram de
segunda mão e eu precisei fazer alguns ajustes para que me caíssem bem.
Ajeitei meu hijab, pois talvez meu cabelo estivesse aparecendo e isso seria
um tremendo problema. Apesar de não ter tido minha primeira regra, eu
usava o hijab, me sentia bem com ele.
Pedi a essência e o dono reclamou por um longo tempo da dívida que
meu pai tinha com ele e fiquei com medo de que se ele se recusasse a me
vender, meu pai me castigaria ao chegar em casa.
— Aqui, fica por minha conta. – O senhor, que antes não desviava os
olhos de mim, silenciou o dono ao colocar algumas notas de dirham sobre o
balcão. Eu fiquei temerosa, sem saber o que fazer, nunca havia conversado
com estranhos, principalmente homens.
Minha voz sumiu quando peguei o embrulho e sai sem conseguir sequer
agradecer. Estava tão nervosa, que praticamente corri de lá e somente voltei
a respirar aliviada quando alcancei certa distância, voltando a caminhar
enquanto apreciava os estrangeiros que passeavam pela Medina. Em algum
momento do caminho, senti uma sensação estranha, uma que nunca havia
sentido antes e ao olhar para trás, vi que estava sendo seguida de perto pelo
mesmo homem do mercado.
Ele me alcançou rápido, com apenas dois passos e segurou meu braço.
— Seu pai nunca te ensinou a ser educada? – Nervosa eu deixei o tabaco
cair enquanto ele me puxava em direção a uma parte mais afastada da rua
principal. — Estou pensando seriamente em oferecer um bom dote por
você.
Aterrorizada com a possibilidade que se apresentava, eu me soltei de sua
mão e corri. Corri como se fosse o dia do julgamento final e o meu medo
era tanto que eu nem pensei em olhar ao atravessar a rua principal, e sequer
tive tempo de gritar quando um carro de aluguel buzinou, me atingindo logo
em seguida, e jogando meu corpo para longe.

HAKIM

— Seja um homem, você não é mais criança. – O resmungo bêbado,


seguido de um tapa na nuca me fez tropeçar para frente. Meu tio Bali
tomava conta dos negócios da família desde que meus pais haviam morrido
num acidente de carro, e que também desfigurou meu rosto.
Me afasto de Bali, para que ele não tente me espancar outra vez e vejo a
cara de repulsa que a mulher dele me lança quando eu ergo meu rosto, o que
aumenta ainda mais minha raiva. Se ela não gostava da minha fuça por que
me encarava? Assim que eu me tornasse adulto chutarei os dois das terras
do meu pai.
Saio da tenda e sigo pisando duro, no chão de terra, com o sol rachando
minha cabeça. Meu rosto já era algo insuportável de se ver e Bali fazia
questão de cortar meu cabelo até quase pelar o crânio, talvez quisesse me
humilhar mais.
Vou até o camelo que carregava uma grande quantidade de palha seca
que cortei mais cedo. Eu tinha que lidar com tudo ali sozinho, pois o infeliz
do meu tio somente pegava o dinheiro e gastava com fanfarras, enquanto eu
fazia o trabalho pesado de alimentar os animais, ordenhar as fêmeas,
entregar o leite e separar os que iam para abate.
Por mais que eu gostasse das tendas, eu queria de volta a casa que meu
pai havia construído naquela zona árida. Ela foi a primeira coisa da qual
meu tio se desfez, e mesmo sendo minha, ele se deu a esse direito. Talvez
ele quisesse se desfazer de tudo, me deixando sem nada, pois de algo eu
tinha certeza, ele morreria logo.
Solto a pilha das costas do camelo de quase dois metros de altura e o
afasto para uma das cercas, antes que ele comece a comer tudo antes da
hora. Olho adiante, para o vasto deserto a minha frente e vejo o calor
criando uma miragem, ao longe parece um oásis, mas como eu conhecia
bem aquela região, sabia que para aquelas bandas não havia nada. Mesmo
assim, os estrangeiros vinham até aqui e alugavam alguns camelos para se
aventurarem no deserto. Eu os evitava, pois odiava que me olhassem.
— Garoto, com essa carranca que está fazendo sua cara fica muito pior.
– Bali diz, enquanto entorna uma garrafa de vinho e tropeça nas próprias
pernas. — Sabe, eu te criei bem, veja como cresceu. – O encaro tentando
me lembrar desse período da minha vida, pois não recordava de ele ter sido
bom em nada algum dia. — Por isso vou te levar a um lugar incrível para
que seja de fato um homem.
— Está bêbado. – Resmungo e ele segura meu ombro com força.
— Sou seu tio, exijo respeito. – O bafo de álcool me deixa enojado. —
Agora vá se aprontar, sairemos em breve. – Bufa, me empurrando. Bali é
um homem alto e gordo, talvez com mais de cem quilos. Sua mão pesada
adorava dar tapas e por mais bêbado que estivesse, sempre acertava em
cheio.
Eu não entendia muito bem o que ele queria dizer com aquilo de “ser
um homem de verdade”, mas, já me sentia pronto para assumir de uma vez
por todas o que meu pai havia me deixado. Carrego água até uma banheira
de estanho e a encho para um banho, esfregando minha pele queimada de
sol e tirando toda a areia do deserto que se acumulou no meu corpo.
Visto a melhor roupa que tenho e o encontro do mesmo jeito que estava,
fedendo e entornando mais bebida. Ele abriu a porta do carro e eu parei,
simplesmente travei no lugar. Lembro de quando consegui as marcas em
meu rosto e penso que talvez, se eu estivesse em mais um acidente, não
sairia vivo, ou pior, poderia ver alguém morrer.
— Yala, Yala! – Chamou irritado. Como eu definitivamente não estava
com nenhuma intenção de fazer com que ele me desse uma lição, subi no
veículo sentindo as minhas pernas fraquejando. — Você é um frouxo! –
Desdenhou rindo e levantando poeira A cidade mais próxima havia sempre
muito movimento, mas ele não ficou pelo centro, nos levando para uma
região mais isolada. O ar era até diferente, mas não tive muito tempo para
pensar nisso, logo parou o carro e eu desci o seguindo. Adentramos em uma
casa e logo ouvi os sons de uma banda bastante animada.
Bali me empurrou pelo ombro e notei os olhares das mulheres sobre
mim.
— Quem quer fazer do meu sobrinho um homem? – Bali gritou e atraiu
mais atenção. Os homens começaram a rir, enquanto as mulheres
simulavam estarem vomitando. — Meninas, não se façam de rogadas, ele é
uma criatura feia, mas não é para tanto. – Eu me senti exposto, humilhado e
ferido. Ouvi os risos e ao ver a repulsa naqueles rostos, um sentimento de
raiva que nunca imaginei sentir cresceu em mim, e por isso sai de lá o mais
rápido possível, antes que matasse meu tio com minhas próprias mãos.
CAPÍTULO 1

ZARA

Eu assistia 'Hana praticando a dança, enquanto sorria, girava e fazia


isso com perfeição. Minha pequena estava crescida, radiante e cheia de
alegria. Nesses momentos eu me pegava tentando ouvir qualquer coisa, mas

era difícil, mesmo depois de muitos anos eu sentia falta, principalmente do


som da risada da minha irmã.
Nosso quarto era pequeno, mas eu havia conseguido dar conforto para
'Hana, e adorava ver como ela ficava feliz com o que eu conseguia para ela.
Há pouco mais de seis meses, comprei um computador usado e ao ver o
quanto minha irmã ficou radiante me fez encher o peito de alegria
Olhar para ela e ver o quanto ela havia crescido ainda me assustava. Ela
estava um pouco mais alta do que eu, seus longos cabelos negros é
extremamente lisos, sua pele perfeita, as curvas de seu corpo estavam cada
dia mais acentuadas e eu já notava que por onde minha irmã passava atraia
olhares, por isso, nunca a deixava sair sozinha, pois temia que acontecesse
com ela o mesmo que aconteceu comigo no dia do acidente. Aquele olhar
repulsivo não me saia da cabeça.
‘Hana gostava muito de estudar, aprendia com facilidade, e eu lhe trazia
livros usados para que os lesse. Por vezes até mesmo eu os lia, mas não era
para mim aquilo, algumas coisas pareciam não entrar na minha mente do
mesmo jeito que entravam na dela.
— Você viu? Viu o que eu fiz? – Perguntou, parando diante de mim para
que eu conseguisse ler seus lábios. Era o único jeito de entender ela e o
nosso pai. Notei um pingo de frustração vindo dela por eu ter perdido todo
o show particular que ela havia feito. Com sua respiração acelerada e rosto
avermelhado, ela não poderia estar mais linda.
— Eu vi. – Respondi, vendo seu sorriso radiante retornar. Franzindo seu
rosto, percebi o momento que ela notou minha mentira. Eu havia me
perdido mais uma vez, pois me concentrar sem a audição, talvez fosse mais
difícil. Eu me pegava tentando lembrar do som que o vento fazia quando
balançava as árvores e sentia que estava esquecendo de tudo, de todos os
sons que antes eram bobos e que agora eu me forçava a lembrar. — Preciso
preparar o jantar, mas continue. – Estimulei e sai do quarto que dividíamos.
‘Hana estava contente com a ideia de aprender a dançar, para que um dia
pudesse fazer isso para o marido e saber que era o que ela queria, me
deixava um pouco perdida. O fluxo dela veio aos treze anos, mas
escondemos de nosso pai. Eu tinha medo de que ele pudesse cometer a
loucura de arrumar um pretendente para ela mesmo que ainda fosse tão
jovem. Mesmo agora, com quase dezoito, eu a enxergava como uma
criança, a qual havia embalado e cuidado. Um ser tão puro e ingênuo, que
poderia não se adaptar a tudo o que poderia vir a acontecer. Ela nem sabia
preparar um chai sem fazer confusão, ou sem quebrar algo, até mesmo
preparar um jantar decente, então eu sabia que ela não estava pronta.
Vejo Baba entrar em casa com seu semblante cansado. Ele estava velho,
e eu temia por mim e por ‘Hana, temia que nos deixasse e que fossemos
largadas ao vento, sem ninguém por nós.
— Onde está sua irmã? – Percebo que há algo de estranho nele, e na
realidade, ele está distante há meses, fazendo com que as condições dentro
de casa houvessem piorado bastante nos últimos tempos.
Eu precisava fazer muitos remendados para manter minhas roupas por
mais tempo e lavar outro tanto para comprar roupas apresentáveis para
‘Hana usar.
— Está no quarto. Quer que eu prepare um banho? – Ele evita me olhar,
mantendo sua atenção em volta, mas por fim, acaba focando em mim,
suspirando, o que me assusta.
— Zara, nós precisamos encontrar um bom marido para você. – Diz
pausadamente e penso ter lido seus lábios de forma errada.
— Nenhum noivo me aceitaria. – Vejo seu olhar de pena, e meu coração
dói em saber que nunca terei uma família. Eu tenho medo do futuro e por
‘Hana também.
— Não os de família nobre, mas talvez um mercador. – Ele não parecia
muito certo disso. — Você pode ser uma boa esposa para qualquer homem.
— Mas nenhum me aceitaria. – Repito, sentindo meu peito em chamas.
Dizer que eu nunca pensava sobre isso, era mentira, pois eu pensava o
tempo inteiro sobre como, na minha situação, eu poderia me casar. Parecia
que eu carregava uma pedra e ela pesava demais. Umedeço meus lábios
pensando que sempre soube que alguém como eu seria excluída, rejeitada,
sozinha e seca até o dia da própria morte.
O acidente foi só um adiantamento, eu já estava perdendo a audição aos
poucos, talvez tivesse conseguido chegar até os vinte anos ouvindo, mas
aquele impacto no meu corpo e na minha cabeça, tiraram de vez o resto de
audição que me restava. Mesmo assim, me perguntava muitas vezes, se
aquilo não tivesse acontecido eu estaria agora na minha casa, cuidando dos
meus filhos? Nunca saberei.
— Zara... aconteceram algumas coisas... – Ele segura minha mão, para
que eu preste atenção e consiga ler seus lábios e noto a urgência em todo
seu semblante cansado. — Eu tenho dividas, temo por nossas vidas e não
tenho como pagar.
— Baba, o que o senhor fez? – Ele cobre o rosto e vejo suas costas
sacudirem em tremores. Começo a ficar preocupada e assustada, sem saber
qual dos dois sentimentos fala mais alto dentro de mim. Percebo minha mão
tremendo ao tocar nele, olho em direção a escada, para o andar superior,
temendo que Hana nos ouça, mas eu sabia que sempre falava muito baixo,
pois eu temia falar alto e receber olhares das pessoas, então procurava me
concentrar para que o som que saia da minha boca saísse o mais baixo
possível.
— Eu sou um péssimo pai, mas eu as amo… amo de verdade… por isso,
preciso conseguir um bom marido para as duas, um bom marido para você.
– Cobrindo seu rosto com as mãos, vejo as lágrimas em seus olhos
escorrerem, tento assimilar tudo, e o desespero dele me fazia arrepiar a
espinha.
— O que o senhor fez? O que aconteceu? – Eu sabia que, por vezes, eu
parecia ser a única adulta responsável do nosso lar, e que colocar comida
em nossa mesa estava se tornando uma tarefa mais árdua a cada dia.
— Eu precisei comprar produtos para vender, mas não tinha de onde tirar
para poder investir – Esfrega o rosto, me dou conta de que a nossa situação
é pior do que eu imaginava. — Fiz um péssimo negócio, tudo que comprei
era de péssima qualidade. – Agora fazia sentido a inquietação de Baba, e o
porquê de ele estar há dias um tanto irritado. — Não tenho como pagar o
empréstimo que fiz.
— Eu tenho algumas economias, talvez… – Vou até a cozinha, ao lado
da sala, e tiro uma lata onde costumava guardar todas as gorjetas que
ganhava com os serviços que fazia. — Aqui. – Estendo o dinheiro, que não
era muito, mas que estava juntando para comprar uma seda rendada e fazer
um vestido para 'Hana.
— Filha… – Ele não faz menção de pegar o dinheiro que ofereço e ver
que estamos em uma situação tão ruim assim, me deixa desnorteada. — Me
perdoe. – Sua postura me aflige e eu sinto o medo invadir meu peito.
— Tem mais, não é? Qual o problema?
— Ofereci a sua irmã em casamento, ela irá se casar e a minha dívida
será perdoada. – Acho que o silêncio nunca havia sido tão gritante e eu o
encarava com meus olhos arregalados.
— Baba…
— Amanhã eu irei ao cartório com o noivo, para formalizar a união. –
As notas de dirham caem da minha mão, e eu as olho ali no chão, como se
não tivesse nenhum valor. Depois torno a encarar meu pai. Como ele pôde
fazer isso? Como pôde?
— Ela... não está pronta. – Sinto meu corpo tremendo.
— Está sim. Ela está com quase dezoito anos Zara. – Só de pensar em
minha irmãzinha saindo daqui, indo se casar, para longe de mim e da minha
proteção, penso que meu coração poderia parar. — O dote dela vai salvar os
negócios. – O encaro sem acreditar, aquilo tudo só podia ser mentira. — Irei
encontrar um bom marido para você, não tema, eu sei o que é melhor para
as duas.

[...]

Conseguia ver o terror nos olhos de 'Hana, e isso dilacerava minha alma.
Eu não entendia o que estava acontecendo naquele momento, só sabia que
os dois discutiam.
Baba não perdeu tempo em a colocar a par de tudo, e desde então, eu
não consegui mais acompanhar o que um dizia para o outro, porque eu
também estava assustada.
Parecia irreal toda aquela situação, eu custava a acreditar que nosso pai
houvesse de fato selado a união da filha mais nova sem sequer me consultar
antes. Apesar de termos apenas oito anos de diferença, 'Hana era quase uma
filha para mim, e todo cuidado que lhe guardei, deviam ser suficientes para
eu ser a pessoa a qual ele conversaria sobre isso.
O silêncio dentro de mim nunca foi tão sufocante como agora, eu queria
gritar, e saber o que se passava entre os dois a minha frente, queria implorar
para que Baba não entregasse o amor da minha vida a um desconhecido.
Era cedo, muito cedo e eu sabia que ela não estava pronta, eu não estava
pronta.
'Hana voltou a subir as escadas correndo, e notei que ela estava
chorando, aquilo me partiu o coração. Eu me sentia impotente quando ela
chorava e sempre a acalentava para que não ficasse triste, mas agora, até
mesmo eu, queria chorar.
— Zara, está decidido. – Baba parou diante de mim e vi a determinação
em seus olhos, sinal de que a culpa o tinha abandonado e que agora ele
estava certo de que era a coisa correta a se fazer. — Após o casamento de
sua irmã, eu encontrarei um bom marido para você.
— Baba... – Eu queria suplicar, mas não conseguia, simplesmente não
conseguia.
— Estou cuidando de vocês, não terão minha proteção para sempre,
estou velho e… – Busco seus olhos para tentar ler o que eles querem dizer.
— Vocês vão ficar bem. – Diz não muito confiante. — Providencie as
roupas de sua irmã e tudo o que ela quiser levar. – Eu estava em uma
espécie de transe.
Eu me apressei em subir para meu quarto e encontrei 'Hana deitada em
sua cama, com seu corpo tremendo pelo choro, e me sentei ao seu lado,
afagando suas costas. Ela se levantou rápido me abraçando e eu a apertei
com força, consolando nós duas. No entanto, 'Hana logo se afastou e
parecia ter algo em mente.
— Eu não vou me casar. – A firmeza em sua sentença me deixou
preocupada.
— Baba está certo 'Hana, você já tem idade para o casamento, e ele sabe
o que é melhor para você. – 'Hana me encara com desgosto, nada feliz em
me ouvir dizer aquilo.
— Não com aquele homem, me caso com qualquer um, menos com ele.
– Sinto um vinco se formar em minha testa, sem entender bem o que ela
queria dizer. — Ele me vendeu para aquele nômade do deserto. – Meu
coração falha uma batida ao ler seus lábios.
Todos na pequena cidade ouviram falar do nômade de rosto desfigurado.
'Hana o tinha visto há algum tempo, quando havia saído com Baba para
comprar tecidos, e ela ficou tão horrorizada que tremia um pouco quando
chegou em casa. — Eu não posso... Como viverei com um homem daquele?
Eu morrerei Zara, morrerei! – Sacudo a cabeça para que não continue a
falar tanta besteira.
— Baba não a entregaria sem a confiança de que vai ser bem tratada
pelo seu noivo. – Seu rosto fica retorcido de raiva.
— Que confiança? Zara, ele deve dinheiro àquele infeliz e eu sou o seu
objeto de barganha. – Apontou a si mesma. — Se ele me obrigar a casar
com aquele homem eu me mato, ouviu bem?
— 'Hana… – Fico aflita diante da menção a suicídio. — Tudo vai ficar
bem, eu prometo. – Tento amenizar, mas ela me afasta, como se eu fosse
alguém que ela não quer ter por perto naquele momento. Eu não sabia o que
dizer, ou mesmo o que fazer e me magoou sentir sua rejeição naquele
instante.
Ela se deitou, virou de costas, não me dando abertura para falar mais
nada. Eu precisava convencer Baba de que não havia como ter um
casamento e que ‘Hana não suportaria viver com alguém de quem sentia
repulsa.
A olhei por mais alguns instantes, ali encolhida e desolada, sem saber o
que fazer ou dizer, por fim, a deixei sozinha. Desço direto para a cozinha, e
quando começo a preparar o jantar, vejo que nem consigo ver direito o corte
das cebolas. Poderia dizer que elas é que estavam me fazendo chorar, mas
não eram. Eu estava a ponto de perder minha irmã, mesmo que soubesse
que o dia logo chegaria, não esperava que fosse agora.
O que eu faria sem ela?
O jantar com certeza não foi um dos melhores que fiz, mas sabia que
'Hana não desceria para comer e eu estava com a boca amarga demais para
mastigar o que quer que fosse.
Percebo que Baba entra em casa, e vai se sentando à mesa, me apresso
em o servir.
— Vou chamar 'Hana. – Digo e o vejo apenas confirmar com a cabeça,
enquanto já começava a comer com as mãos, sem esperar por nós. Bato de
leve na porta e entro, me surpreendendo por não a encontrar ali. Meus olhos
recaem sobre sua cama, onde havia uma página destacada de seu caderno de
desenho, corro até ele, com meu coração nas mãos.

Zara, não se preocupe comigo. Em duas semanas serei maior de idade, e


isso me deixa feliz, serei livre finalmente. Me desculpe, mas não posso
deixar que Baba destrua minha vida, e peço que não deixe que ele destrua
a sua também. Eu te amo, amo os dois, mas me casarei somente com o
homem que eu escolher. Adeus.

Eu a tinha deixado sozinha por algumas horas enquanto fazia o jantar,


então ela poderia ter saído agora ou no segundo em que eu saí do quarto, eu
nunca saberia, mas talvez houvesse tempo para a encontrar e trazer de volta
para casa. Desço correndo e quase caio no último degrau, com a carta em
minha mão parecendo uma bomba.
— Baba... — Paro diante dele, que me olhava assustado. — 'Hana
fugiu!
— O quê!? – Arranca a folha da minha mão. — Alá! Estou perdido, sua
irmã me sentenciou a morte Zara, onde ela está? Não minta para mim!
— Eu não sei. – Digo aflita demais, ainda sem acreditar que ela fugiu.
Para onde ela iria? Onde poderia estar agora? O que ela tinha na cabeça?
— O que farei? – Baba estava aterrorizado. — Amanhã bem cedo
preciso ir ao cartório, para selar a união da sua irmã. Sou um homem morto
Zara. – O medo do que se sucederia sem a noiva para o casamento que
prometeu é o que o dominava. Depois de alguns instantes de terror
absoluto, sua expressão muda, é como se um raio tivesse caído em sua
cabeça, noto que ele encontrou a solução. Me encarando, ele diz: — Sinto
muito filha, mas terei que entregá-la a Hakim, você será a noiva dele.
CAPÍTULO 2

ZARA

Meu corpo inteiro tremia, de puro pânico. Nada fez baba mudar de
ideia, e no dia seguinte após a fuga de 'Hana, ele levou os meus documentos

ao cartório e me casou com o noivo que era para ser da minha irmã. Não
haveria festa, nem nada, o noivo quis apenas a formalização com as

testemunhas, e agora, eu estava pronta para a noite de núpcias.


Como Baba podia acreditar que daria certo essa farsa absurda?
Claro que toda a situação do casamento apressado e a falta de uma festa
com convidados, contribuiu para que o plano seguisse o curso
que Baba queria, mas e depois? E quando o noivo estivesse diante de mim?
Quando ele olhasse na minha cara e visse que o que ele queria, não era o
que estava levando para casa.
Caminho de um lado a outro do quarto de Baba, aflita, com medo e
preocupada. Eu não conseguia acreditar que 'Hana havia fugido. Para onde
teria ido? Com quem estaria? Eu nem havia conseguido dormir ou sair pelas
redondezas para perguntar se alguém a viu ou se sabiam para onde ela tinha
seguido quando saiu de casa.
Não sabia em quê focar o meu desespero. Sabia que a qualquer minuto o
noivo, ainda desconhecido para mim, entraria por aquela porta e eu não
sabia o que se sucederia após isso. Não tinha como dar certo. Meu medo era
que ele fizesse algo contra mim e contra Baba. Eu precisava de tempo e não
tinha nenhum.
A porta abre e eu arregalo meus olhos, soltando o ar, quando vejo que se
trata de Baba. Ele estava vestindo a única roupa boa que tinha, e não estava
nada contente de ter que entrar em seu próprio quarto.
— Baba… isso não vai dar certo. – Tento fazer com que ele mude de
ideia, com que reverta aquela situação.
— Agora não tem mais volta. Seria um escândalo, você teria a sua
reputação manchada. – Meus olhos queimam, mas eu nem conseguia
chorar.
— Quando ele entrar, vai saber. – Aflição não era a palavra que
descrevia o que eu estava sentindo naquele instante.
— Não vai, ele pediu para que as luzes ficassem apagadas, não quer te
assustar. – Senti um peso frio no meu estômago, e minha boca ficou seca.
Me… assustar? — Acho que assim será melhor.
Eu não sabia nada sobre o noivo, mas 'Hana sabia, e tinha medo, por isso
fugiu sem olhar para trás e agora eu estava mais nervosa do que nunca.
Afinal, quem é aquele homem? — Assim que manchar os lençóis será
oficial e eu o convencerei de que não vai ser bom fazer uma anulação.
Eu tentava compreender tudo o que lia nos lábios de Baba e mesmo
assim não parecia fazer muito sentido, principalmente porque ele não estava
muito certo de que conseguiria manter tudo até o final. — Fique tranquila
ayune, apenas relaxe e tudo ficará bem. – Noto que ele está falando de outra
coisa agora. A qual eu estava tentando não pensar, ou seja, eu e o noivo
naquela cama.
Engulo em seco e sinto meu rosto arder de vergonha. Eu não fazia ideia
do que aconteceria, não tive uma mãe para me alertar sobre as questões
matrimoniais entre um homem e uma mulher, e sequer podia ouvir as
conversas das outras mulheres na lavanderia coletiva, vez ou outra
conseguia ler os lábios de uma, mas não conseguia interpretar nada. Então,
estava cega e surda diante disso, mas sabia que não queria que fosse ele a
me contar nada.
— Por favor Baba... não vamos falar sobre isso. – Ele me olha com pena
e parece pensar por alguns minutos, enquanto eu imagino que possa me
virar e o ignorar caso insista. Solto o ar aliviada quando ele não continua e
vejo que não falar, era o que ele também queria. — Encontre 'Hana, quando
tudo isso acabar.
— Sua irmã trouxe desonra para nossa casa, ela fugiu das
responsabilidades. – Voltou a ficar furioso. — Ela sofrerá um belo castigo.
– Entro em desespero só de imaginar no que poderia acontecer entre eles,
quando eu não estiver mais aqui para protegê-la.
— Por favor, não, ela é só uma criança. – Imploro. — Não a castigue, eu
estou fazendo isso, não é?
— Você mimou demais a sua irmã e veja só no que deu. Eu sei o que é
bom para vocês, eu faço o melhor pensando em vocês. – Fico nervosa, mais
do que estava e penso em eu mesma acabar com aquela farsa.
— Por favor…
Suspirando enquanto alinha a túnica desgastada, mas de bordado
elegante, me diz:
— Assim que a trouxer de volta, enviarei um comunicado a você, para
que venha vê-la. – Agradeci, aliviada. Ele nunca ergueu a mão para
nenhuma de nós, mas tudo isso parecia trazer o seu pior à tona. — Te vejo
pela manhã. – Beija minha testa e aperta meu ombro, por fim apaga a luz,
deixando o quarto na penumbra. Começo a suar um pouco e levo alguns
minutos para me acostumar com o escuro, percebendo que a luz que vinha
de fora, permitia que eu conseguisse distinguir as sombras dentro do
quarto.
Será que eu poderia voltar atrás? Não sabia..., mas eu tinha medo do que
viria a seguir, tinha medo da rejeição, que sabia que viria, pois nada se
comparava a ela, e sabia que não estava pronta. Era um absurdo tudo
aquilo, mas o que estava feito estava feito, não podia condenar.
Assim que a porta se abre, eu fico cega por alguns instantes, já que a luz,
mesmo que pouca, fez arder meus olhos. Apesar de ter sido só o tempo do
homem a abrir, entrar e a fechar, como se repudiasse a luz, eu fico aflita,
tentando voltar a enxergar nas sombras. Ele estaria dizendo algo? Estaria
me perguntando alguma coisa?
O cheiro que invade minhas narinas é de sabonete e fumaça. O olfato foi
o sentido que mais apurou após eu perder a audição, e eu conseguia sentir
cheiros que nunca imaginei serem possíveis. Meu corpo ficou inteiramente
arrepiado ao voltar a vislumbrar as sombras, agora conseguia ver o
desconhecido, que agora é o meu marido, estava tirando as botas e as
roupas.
Alá, ele estava se despindo!
Meu corpo começou a tremer, e não consegui me mexer, ficando parada
ao lado da cama, sem sequer respirar direito. Eu sabia que a essa altura ele
também via minha sombra, talvez até mesmo a cor do meu vestido de
dormir, que cobria meu corpo por inteiro, e de que também teríamos que
manchar os lençóis. Não fazer ideia de como seria e temer o desconhecido
era a pior das sensações.
Vejo ele se aproximar de mim, percebendo que é muito alto, e largo, mas
não consigo definir como é o seu corpo sem roupa. O cheiro de essência
invade os meus sentidos e sua mão é a primeira a me tocar. Ele agarra meu
braço, me virando de costas e busca pelos botões do vestido, mas não há
nenhum, pois aquela peça era vestida pela cabeça e assim que percebe, sinto
sua mão na barra do vestido que fica bem aos meus pés. Noto a respiração
pesada contra minha pele, o vestido deslizando por minhas pernas, quadril,
seios e ombros, finalmente saindo pela cabeça. Sei que estamos no escuro,
mas eu me cubro mesmo assim.
Ele segura em meu ombro e me empurra contra a cama, e nesse
momento eu travo. Seu corpo recai sobre o meu, tão rijo e quente, que perco
o fôlego ao senti-lo, sua mão afasta as minhas que cobria meus seios e logo
agarra um peito, o apertando de leve enquanto tenta afastar minhas pernas
com as suas. Sinto algo duro e molhado tocar minhas coxas, sua mão segura
minha perna e por fim consegue com que eu as abra. Em pânico percebo
que ele está tentando colocar algo dentro de mim, ali, naquele lugar onde
jamais alguém tocou, onde eu sabia que os bebês saiam, mas que não fazia
ideia de que era assim que entravam.
Prendo meus lábios com os dentes para evitar o choro, mas já sinto as
lágrimas escaparem dos meus olhos, à medida que ele se força, com aquela
coisa que me rasga. A dor quase arranca um grito dos meus lábios, eu quero
pedir para que pare, mas tenho medo, e estou em pânico, o seu peso sobre
mim as vezes me sufocando. Suas mãos não me tocam mais, mas aquela
coisa continuava ali, se forçando e parecia ser impossível que fosse chegar a
algum lugar, até que não aguentei e soltei o grito que estava preso, e o senti
dentro de mim. Como aquilo era possível? Como podia ser possível?
Sentia seu hálito forte contra meu rosto e sua respiração estava
acelerada. Quando ele para eu continuei chorando, ao ponto de soluçar,
esperando que não estivesse fazendo sons muito altos, o que na minha
opinião era algo quase impossível. Após o que pareceu uma eternidade, ele
volta a se mexer, indo e vindo, e aquilo parece querer me partir ao meio.
Sabia que talvez aquilo que ele estivesse fazendo comigo, não era certo.
Achava que não tinha como eu sobreviver por muito tempo, então puxei o
lençol que cobria a cama e o mordi, pedindo a Alá que findasse aquele
pesadelo.
Doía muito e ele continuava naquele ritmo, o sentia mais tenso e sua
respiração mais irregular, e quando pensei que ia desmaiar, ele parou e caiu
sobre mim, como se ele tivesse desmaiado. Seu rosto estava enterrado em
meu pescoço, mergulhado entre meus cabelos, respirando contra meu
ouvido e não parecia querer sair dali tão cedo, mas saiu e eu agradeci em
silêncio, me afastando e sentindo dor, sem conseguir me mover muito, pois
parecia que tinha sido atropelada novamente e temia que houvesse algum
dano permanente depois de tudo aquilo.
Percebendo um movimento na cama, o vejo se vestir novamente, com
calma, enquanto eu ainda estava deitada. Senti sua mão em mim, e temi
pelo pior, mas ele apenas me afastou e puxou o lençol, querendo a prova, e
acho que teria muito dela, pois sentia algo saindo do meio das minhas
pernas, como se fosse meu fluxo, e isso me fez pensar que 'Hana fez bem
em fugir, em não aceitar. Se ao menos eu fizesse ideia de que seria isso que
aconteceria, também teria fugido, era a pior sensação de todas, me sentia
suja, me sentia… usada.
Abrindo a porta, ele saiu, então eu puxei o lençol, me cobrindo com ele,
temia que Baba entrasse e me visse naquele estado. Não tinha forças para
sair da cama, ou levantar e não sabia quando teria, estava dilacerada,
devastada e não me sentia eu mesma. Minha aflição retornou quando a
porta tornou a se abrir e a fechar, sabia que era ele. Cega e surda, era como
estava, não havia ruído, não havia sombra, apenas o meu medo. Senti ele
me puxando, o que me fez agitar as pernas de modo defensivo, e deixei um
gemido escapar.
Era inútil, e eu não ia conseguir ir muito longe, não do jeito que estava
agora. Ele retirou das minhas mãos o lençol com o qual eu me cobria e o
jogou longe, me tirando a segurança que sentia. Segurando meus
tornozelos, ele me puxou até que eu voltasse a ficar deitada, ficando no
meio das minhas pernas e me fazendo sentir a coisa, que estava firme,
novamente. Estremeci quando sua boca abocanhou meu peito e deixei
escapar um som de surpresa, seus lábios sugavam como se fosse um bebê, o
sugando e logo o lambendo. Eu estava tensa e chorosa, mas percebi que
aquilo desencadeava em mim uma sensação estranha, sendo logo
substituída pela dor de sua invasão entre minhas pernas, assim que ele me
preencheu, abandonou meu peito e apenas o apertou. Eu o sentia ir fundo
dentro de mim, sentia seu corpo se chocando contra o meu, não parecia
haver fim, acreditei que preferiria morrer a viver mais daquele instante, e
por um momento pensei que estava mesmo perdendo a minha vida.
Como Baba pôde me condenar daquele jeito? Como pôde achar que
estava pensando em nosso bem, no meu bem?
Eu sabia que ele não ia parar, algo dentro de mim sentia que ele não
estava disposto a sequer respirar, então minha mente entrou em transe e eu
apenas virei minha cabeça e deixei que as lágrimas corressem soltas pelo
meu rosto.
CAPÍTULO 3

HAKIM
Eu sentia que talvez não fosse ser capaz de parar com aquilo, sentia
que precisava de mais, mesmo que meu corpo agora estivesse cansado e que
meu cacete estivesse mole. Porém levanto e procuro minhas roupas pelo

chão, faltava apenas meia hora para o sol se erguer e eu não tinha tempo
para aproveitar sequer o meu casamento.
Sabia que agora viria a parte difícil, e que talvez eu me odiasse dali por
diante, afinal, eu tinha me casado com uma bela jovem e perfeita aos olhos
de qualquer um. Então, quando ela me visse pela primeira vez, eu não
suportaria o medo ou o nojo que veria em seus olhos e talvez isso me
fizesse nunca mais querer procurar seu corpo.
Nossa primeira noite foi intensa, eu não imaginava que fosse assim,
afinal, que experiência eu tinha? Sabia que tinha que me enfiar dentro dela
e jorrar minha semente bem fundo, então o fiz várias vezes seguida para
que a semente ficasse e um filho viesse de primeira, assim estaria bom para
mim e para ela. Eu sentia meu pênis doer e ele estava esfolado, e por muitas
vezes, durante aquela noite, eu me arrependi por não ter procurado
mulheres antes.
Mas eu não pensava muito em sexo, então nunca foi problema estar com
quase trinta e nunca ter me deitado com nenhuma mulher. Seria fácil
continuar no celibato dali em diante, pois sabia que não seria bom lidar com
a rejeição da minha esposa assim que ela visse minha maldita cara.
Calçando minhas botas, percebo o movimento dela na cama. Talvez para ela
fosse um alívio não precisar se deitar comigo novamente, já que ela chorou
igual as fêmeas de camelos quando cruzam.
— Você tem dez minutos para ficar pronta e se despedir do seu pai. – Me
levantando, noto que ela não me respondeu, e talvez queira fingir que está
dormindo, mas eu sei que não está. — A viagem até minha casa é longa e
eu não quero me atrasar, tenho muitas coisas para resolver ainda hoje.
Nada, simplesmente me ignorou. A claridade ainda levaria um tempo
para entrar no quarto e eu não queria acender a luz e a fazer me encarar
agora, no entanto, quanto tempo poderia adiar? O que estava feito estava
feito. Eu precisava de uma mulher para gerar filhos e consegui da melhor
forma, já que nenhuma família aceitaria a mim como genro e suas filhas de
queixo em pé nunca diriam sim. — Eu sei que não está dormindo.
Minha paciência parecia se esgotar cada vez mais rápido e ao vê-la puxar
os lençóis para se cobrir, foi o estopim para mim, pois ela estava realmente
me ignorando, e pelo jeito ela já sabia quem eu era, ou quem sabe já
houvesse me visto. Eu sei que aceitar aquela proposta de quitar a dívida do
velho com o casamento foi péssima, mas quando a vi, eu não relutei em
aceitar, afinal, era a minha chance de conseguir um casamento com uma
noiva perfeita. Mesmo sabendo que lidaria com a rejeição, que inclusive
estava acontecendo agora, fiquei furioso, e com meu sangue fervendo de
raiva, fui até a parede ao lado da porta e soquei a coisa que acendia a luz.
Se fosse para ver sua cara de espanto, que fosse de uma vez, afinal eu me
casei com ela e a teria para sempre, mas logo que meus olhos se acostumam
a claridade súbita, eu percebo que tem algo de errado. A esposa que
comprei com a quitação de uma dívida, se afasta assustada, e me olha com
seus olhos castanhos cheios de lágrimas, e eu vejo que ela não era quem eu
queria, longe disso, era outra mulher ali, alguém que nunca havia visto em
toda minha vida.
— Quem é você? – O queixo dela era pequeno e tremia, se cobria como
podia, mesmo assim eu via suas pernas e notei que em sua coxa direita
havia uma cicatriz imensa que ia do joelho a seu quadril. Eu a olhei
horrorizado, me sentindo… enganado. Sim, era como eu me sentia, eu
nunca havia sido enganado quando se tratava de negócios, principalmente
quando envolvia muito dinheiro e o velho me devia uma pequena fortuna,
por isso aceitei o casamento, por saber que a noiva valia aquilo e um pouco
mais. Me aproximei a passos largos e a segurei pelo braço, a arrancando da
cama. — Quem é você? – Gritei contra sua cara.
— Por favor… não me machuque… – Implora e eu a solto, me dando
conta da minha agressividade. No mesmo instante ela cai no chão, suas
pernas parecem não sustentar o próprio corpo e noto que sua pele está suja
com sangue. Olho horrorizado para aquilo, e noto que a cama também está
suja, nada comparado ao lençol branco que levei até seu pai, que continha
uma mancha pequena de sangue, não, a mancha era maior, parecia que eu
havia esquartejado alguém ali.
Perceber que eu é que havia feito aquilo, me fez ficar sem saber o que
fazer, e a raiva que sentia parecia ter sumido. Eu finalmente me senti o
monstro em todo sentido da palavra. Desnorteado, tentei puxar o ar para
respirar e ele não vinha, olhar para aquela cama, com os lençóis sujos, me
fazia querer sair dali e não olhar para trás. A mulher que caiu, era a minha
esposa e eu a tinha dilacerado feito animal. Me aproximei e vi seu corpo
enrijecer, e por um momento eu pensei que devia sim, sair, e nunca mais
voltar, mas me inclinei, a peguei em meus braços e a deitei sobre a cama.
Evitando olhar para seu corpo quase nu, a cobri e vi a dor em seus olhos,
enquanto chorava e olhava para mim, sem entender nada. Eu mesmo não
sabia o que pensar e me senti perdido.
Não havia espanto, medo ou repulsa neles, apenas dor. E isso me matou.
Me afastei, e sai do quarto, notando que minhas mãos tremiam e que minha
boca amargava. Nunca a palavra monstro reverberou tanto em minha mente.
Era a minha voz que me condenava dessa vez.
Desci as escadas e ao ver meu sogro, a raiva retornou, então o agarrei
pela túnica e o empurrei contra parede.
— Você me enganou! – Rugi contra sua face.
— Me perdoe Hakim, por favor. – Eu queria o matar agora, por ter me
feito de idiota, por ter me enganado e por tudo mais, no entanto, aquele
olhar que recebi de sua filha, estava estampado na minha cabeça. — Ela é
uma boa moça, pode não ser jovem como a irmã, mas será uma boa esposa
para você, eu prometo.
— Eu devia te matar. Onde está a noiva que me prometeu? Mentiu para
mim dizendo que era sua filha? – O sacudi e quase o ergui do chão.
— La, não... não, ela fugiu. – Ouço sua explicação aos gaguejos.
— Como se atreve!?
— Me perdoe, por favor, não faça nada para machucar minhas filhas. –
O analiso com ódio redobrado. Como podia colocar sobre as filhas o peso
de seus erros?
— Solte o meu pai! – A voz era vacilante, mesmo assim tinha um certo
tom de ameaça nele e quando me virei eu a vi. Ela parecia que iria cair ali
mesmo a qualquer segundo, mas não parecia que voltaria atrás. — Agora! –
Exigiu, com seus olhos ainda cheios de lágrimas. Vestia um vestido branco
que a cobria por inteiro, mas seu cabelo cacheado e longo estava solto e eu
sabia que tinha um cheiro maravilhoso de frutas silvestres. — Não
machuque meu pai… eu faço o que você quiser… faço tudo… só não o
machuque.
Soltei o homem que tremia e talvez me arrependesse disso, mas algo em
seu tom me fez seguir o pedido e o alívio de o ver livre de mim, foi
evidente. — Obrigada.
— Hakim…
— Cale-se velho, antes que eu me arrependa e o mate aqui mesmo. – Ele
se encolheu e se afastou de forma apressada. Sua filha, não aguentando
sustentar o próprio corpo, se sentou, perdendo um pouco da cor do rosto. —
Eu estou voltando atrás com minha palavra, você terá que me pagar metade
do que deve, já que me enganou ao me entregar a noiva errada.
— O quê? Não, eu não tenho…
— Acha que está em condições de negociar? Eu fui enganado, essa
mulher não foi a que me prometeu. – Aponto para sua filha, que
aparentemente é mais velha do que a moça que vi no mercado uma vez, mas
havia semelhança entre elas e isso eu não podia negar, ambas eram bonitas.
— Aceite, caso contrário eu repudiarei sua filha e a honra dela nunca mais
será recuperada.
— Por favor… – O encaro furioso, aquele velho estupido estava
pensando que podia continuar a me fazer de idiota? — Está bem, eu só peço
um novo prazo.
— Você tem um mês, o tempo que sua filha tem para ficar prenha, caso
contrário a devolvo e exigirei meu dinheiro com juros. – O vejo engolir em
seco e sua filha arregalar os olhos. Ela me olha com atenção, não desviando
os olhos um segundo sequer e isso está me deixando desconfortável. Qual é
o maldito problema dessa mulher? — Ou será que já devo deixá-la aqui?
Afinal, quantos anos ela tem? Ainda pode gerar filhos?
— Claro que sim, claro que pode. – Disse não muito confiante. Eu não
podia me arriscar levando alguém defeituoso igual a mim.
— Eu tenho vinte e sete anos, e acredito que meu pai vai honrar com sua
parte. Não é? – Sua voz é muito baixa, mesmo estando fraca, ela parecia
firme e após encarar o pai, voltou a olhar para mim, o que me fez desviar os
olhos dos seus. Ninguém nunca me encarava por tanto tempo, o pai dela
mesmo, desviava os olhos a cada segundo.
— Sim, Alá é minha testemunha, apenas preciso de tempo. – Voltou a
pedir.
— O tempo foi dado da primeira vez e você não cumpriu, sabe muito
bem que não perdoou devedores e já fui benevolente mais que o suficiente
com o senhor, então é isso ou nada. – Ela segurou a mão do pai, em súplica,
o amava de verdade e aquele gesto tirou um pouco da minha estrutura. —
Vamos embora, não tenho tempo para perder com bobagens. – Rugi, pois
talvez eles quisessem isso, me dobrar para me fazer esquecer toda aquela
farsa que ambos tramaram. Eu me sentia o pior dos idiotas.
— Tudo bem. – Sussurrou. O que me fez ficar mais zangado. — Eu só
preciso… de alguns minutos.
— Não tenho minutos para te dar, e você não parece merecedora de nada
agora, então, pega logo suas coisas e vamos embora. – Olhou para mim
com atenção e somente depois de eu ter terminado de falar é que vi o medo
em seus olhos, mas era apenas para o meu tom rude e não para minha cara
feia.
Talvez ela fosse uma ótima atriz.
— Baba, por favor, você pode ir buscar minhas coisas? – Seu pai se
apressou em subir, talvez agradecido por não ficar em minha presença mais
do que o necessário.
— Não pense que vai me fazer de idiota novamente. – Resmunguei
cheio de raiva.
— Não passou por minha cabeça fazer nada parecido com o senhor. –
Encaro ela, buscando por algum indício, mas qual, eu não sabia, só que não
me agradava muito o jeito que ela me olhava, eu me sentia… exposto.
— Aqui. – Sua bolsa não passava de uma sacola pequena a qual ela
colocou no ombro. — Zara, me perdoe.
Zara… o nome repercutiu em minha mente com muita intensidade, eu
estava tão concentrado em toda aquela situação absurda, que sequer havia
pensado em nada. Tudo o que eu queria era sair daquela casa e a deixar ali
mesmo, mas seria bom demais para aquele velho desgraçado.
— Tudo bem Baba, encontre a ‘Hana, e cuide dela. – Segurou a mão do
pai e a beijou rapidamente. Eu segui em direção a porta, pisando duro,
pensando que talvez fosse ouvir a zomba de alguns dos meus empregados,
pois me vangloriei de que traria para casa uma esposa jovem e perfeita.
Aquela que agora me seguia, era linda sim, mas trazia junto de si o peso
da mentira e eu sabia que não poderia confiar em um rosto bonito como o
dela. Mulheres costumam ser traiçoeiras e apostava que de frágil ela não
tinha nada, então teria que manter meus olhos abertos. Abri a porta do meu
carro e subi, tomando o volante e já ligando o motor do 4x4. Ela ficou o
olhando do lado de fora, parecendo não saber o que fazer, e sua cor sumiu
ao ponto de estar quase no mesmo tom do hijab que agora cobria seus
cachos.
— Eu não tenho o dia todo. – Resmunguei impaciente, mas ela pareceu
não me ouvir, então abri a porta e ela se afastou, olhando para dentro e me
encarando novamente. — Anda! Sobe logo! Estou com pressa!
— E-eu… eu…
— Qual o seu problema? – Rugi, talvez a levar não tenha sido um bom
negócio.
— Eu… não vou conseguir… subir. – Eu precisei me esforçar para ouvir
o que ela disse, já que o fluxo de pessoas começava a aumentar pelas ruas.
Se apoiando na porta, olhou para o banco alto e eu até cogitei ignorar aquilo
e a fazer entrar de uma vez por todas, mas abri minha porta e rodeei o
veículo, notando que para ela, o carro era alto, pois sua cabeça mal chegava
aos meus ombros.
Eu me senti desmontado ao lembrar de suas pernas sujas com o sangue, e
que eu era o responsável por ela mal estar se aguentando ali, de pé ao lado
do meu carro.
— Tudo bem. – Resmungo, a tomo nos braços e a sento no banco de
couro. Seu corpo fica rígido e ela mantem seus olhos adiante, mas percebo
que logo estava tremendo muito e que talvez precisasse de um pouco de
repouso.
Monstro! Repetia minha mente, me fazendo acordar. Eu poderia lidar
com os olhares de repulsa, mas não com a voz dentro de mim, e ela é que
havia despertado aquilo em mim, disso eu tinha certeza.
CAPÍTULO 4

ZARA
Eu me mantive firme, mesmo não sendo uma tarefa fácil.
Provavelmente meu corpo não aguentaria por muito tempo, e cerca de uma
hora depois, eu sentia lágrimas enchendo meus olhos. Aperto a minha bolsa

contra meu peito, e aos poucos, até meus braços pareceram perder a força.
Minhas pernas tremiam e minha intimidade latejava, por sorte eu não sentia
sangue fluindo, mas estava muito dolorida.
Dizer que não estava com medo era o mesmo que mentir. O jeito como
aquele homem ameaçou Baba me fez tremer todos os ossos do corpo. Eu
pedi a Alá, durante o percurso que ele fazia, que se eu tivesse que morrer,
que fosse logo, pois não aguentaria passar por tudo aquilo novamente.
Olho de lado para ele, e percebo seu corpo rijo. Eu nunca tinha visto um
homem tão alto como ele, seus músculos se destacavam nos braços cobertos
com uma fina camada de pelos negros, seus dedos longos estão em volta do
volante, o qual guia com segurança e mesmo naquele veículo grande, ele
conseguia se destacar com seu tamanho.
O lado de seu rosto, que eu conseguia vislumbrar, tinha uma longa
cicatriz, que vinha de sua cabeça, passava por sua testa, dividia a
sobrancelha ao meio e alcançava a maçã alta de seu rosto, seguindo para
seu pescoço e sumindo em sua túnica. Seu olho direito, era branco como
nuvens em um dia de sol e eu sabia que ele não podia ver, pois já tinha visto
muitos como aquele. A cicatriz puxava sua pele, a esticando, e não parecia
ser algo recente, mas eu sabia que os médicos não fizeram um bom trabalho
ali. A cicatriz da minha perna era longa, mas não havia tirado o contorno da
minha coxa, podendo até mesmo ser coberta por uma maquiagem, mas a
dele, a pele saltava em alguns pontos, de forma quase imperceptível, porém
se olhasse com atenção estava lá.
Eu desviava os olhos e voltava a olhar, atenta a qualquer possibilidade de
que ele falasse comigo, o analisando com atenção. Seus cabelos eram mais
compridos, talvez em uma tentativa de esconder as cicatrizes, e as madeixas
negras alcançavam seus ombros em ondulações perfeitas, diferente dos
meus, que dificilmente ficariam daquele jeito, mesmo se eu os alinhasse
com uma escova por horas.
— Chegamos. – Vejo ele dizer. Parecia que evitava me olhar e eu não
sabia o que fazer. Devia contar para ele que não ouvia nada? Ou esperar por
mais um dia? Eu temia que ele fosse me arrastar pela Medina e me entregar
feito nada para meu Baba.
Vejo ele descer e me dou conta de que o carro parou em uma área árida,
com uma tenda imensa, à nossa volta eu podia ver cercas e dezenas de
camelos, e mais além, o deserto traiçoeiro. A porta ao meu lado abre e ele
me segura em seus braços, surpresa já que eu não esperava que ele fosse me
ajudar novamente, talvez eu não esperasse por nada, mas fiquei feliz em
não descer daquela coisa sem ajuda.
— São tantos… – Digo ao notar que eram muitos camelos, e eles se
mesclavam com as dunas mais além.
— Venha. – Fechando a porta, seguiu a passos largos em direção a tenda.
A lona se sacudia e eu podia ver a areia junto com o vento. Parando bem na
abertura, que continha uma parte erguida, como se fosse um telhado de uma
varanda, ele ficou me olhando com um pouco de impaciência. Então, com
passos vacilantes, andei, mordendo meus lábios toda vez que meu pé tocava
a areia quente.
Eu sabia que dali em diante não seria fácil, que aquele homem era um
bruto que poderia me matar apenas com uma mão, mas eu precisava ser
forte, e seria, pois, só de pensar que havia livrado minha irmã de estar no
meu lugar, vivendo isso, deixava minha alma acalentada. Erguendo meu
queixo o encarei, e olhando bem no fundo de seu único olho bom, segui até
ele mesmo dolorida, mesmo querendo morrer. Quando consegui o alcançar,
cai aos seus pés e fui engolida pela escuridão da minha inconsciência.
[...]

Sinto algo frio contra minha testa e abro meus olhos. Uma senhora sorri
e afasta uma toalha branca de mim.
— Salam Aleikum. – Tento me sentar, mesmo com dificuldade, e a
senhora ainda me olha preocupada.
— Aleikum Al Salam. – Olhando em torno, vejo que a tenda tem móveis
e cortinas que pareciam servir de paredes.
— Eu preparei um banho para você, está bem quentinho e coloquei
camomila. – Sorrio contente com a ideia de me limpar, havia saído de casa
sem ter oportunidade de fazer nada.
— Gostaria muito. – Eu quase poderia chorar, mas sentia um pouco de
vergonha. — Eu sou Zara.
— Que nome lindo, assim como você. – Diz se levantando, me ajudou a
fazer o mesmo. Ela vestia roupas em um tom amarelo apagado, estava com
a cabeça coberta por um turbante em volta dos cabelos, e o corpo cheio com
seios fartos não pareciam diminuir sua agilidade. — Me chamo Rahina, e
estou aqui para te ajudar.
— Obrigada, Rahina, mas não precisava. – Seu sorriso gentil me encheu
o coração. Afastando a cortina pesada, vi uma banheira de estanho grande
no meio do local, que tinha um piso liso e cinza com alguns suportes para
toalhas e sabonetes. Podia ver o aroma de camomila subindo da água, que
estava morna quando a toquei, e agradeci por aquele gesto.
— Precisa de ajuda? – Eu queria dizer que sim, mas sacudi a cabeça de
um lado a outro, negando, e sorrindo ela me deixou sozinha. Tirei meu
vestido e a roupa de baixo, e conforme entrei, fiz uma careta e gemi de dor,
até que consegui sentar, o que foi um alívio instantâneo, e poderia ficar a
vida inteira com meu corpo mergulhado ali dentro. Enrolando meu cabelo
para que não ficasse completamente molhado, me recostei sentido o metal
contra minhas costas.
Eu nunca tinha entrado em uma banheira antes, e me sentia um pouco
estranha sabendo que aquela ficava em meio ao deserto e que uma lona
imensa me protegia do que estava do lado de fora. Pegando a esponja sobre
uma banqueta de ferro, esfreguei nela o sabonete que estava ali, inspirando
seu cheiro. No mesmo instante percebi que era o cheiro dele e isso me fez
ficar tensa novamente. Os momentos daquela noite pareciam estar gravados
a ferro na minha lembrança. Como os homens podiam fazer aquilo? Como
minha mãe tinha suportado aquela tortura?
Esfreguei minha pele várias vezes, até que ficou vermelha. Me levantei
da água apenas quando essa estava fria e me senti bem, mesmo com a dor
entre minhas pernas ainda estando presente. Eu não queria pensar que ele
poderia me procurar naquela noite e realizar toda aquela tortura mais uma
vez, pois talvez eu não aguentasse, talvez eu preferisse a morte.
Usando uma das toalhas brancas que estavam ali, sequei meu corpo com
cuidado. Eu não tinha coragem nem de me tocar ali, tinha medo do que ia
sentir, estava aterrorizada e afastava as lembranças a cada segundo que elas
invadiam minha mente. Afastando a cortina, seguro minhas roupas que não
estavam limpas para serem usadas uma segunda vez, sem saber se poderia ir
até onde estava com Rahina.
Não havia indícios de pessoas por ali, parecia um pequeno corredor, com
um tapete cobrindo o chão e cortinas de um lado a outro. Eu não podia
esperar que aquela boa senhora viesse atrás de mim, e não podia ficar
coberta apenas com a toalha. Talvez o lugar estivesse cheio de estranhos e
eu não conseguisse ouvir sequer um ruído. Atenta a tudo, segurei o nó da
toalha e sai, tentando apressar o passo, mas gemendo com isso. Estava a
ponto de alcançar a cortina que me levaria até o que parecia ser o quarto,
quando ela se afastou e ele apareceu. Arregalo meus olhos, assustada, com
sua aparição súbita, vejo-o endurecer as feições.
Seu olhar desce por meu corpo coberto apenas pela toalha e eu engulo
em seco, sabendo que ele devia estar furioso por me encontrar assim.
— Nunca mais passeie por essa tenda usando somente uma toalha,
entendeu? – O jeito como ele sibilou aquela frase me fez estremecer, talvez
fosse bom não ouvir o tom que ele usou para proferir a ordem. —
Entendeu?
— Desculpe. – Pedi e ele franziu a testa, destacando a cicatriz em sua
testa.
— O que está olhando? – Tremi novamente, apertando a toalha. — Tem
alguma coisa errada? – Eu não sabia bem o que dizer, a verdade é que ele
estava entre mim e a entrada, e eu não conseguia pensar em como dizer
isso. Vê-lo assim de perto, na luz do dia, deixava evidente o quanto ele era
imenso e forte. — Você está tentando me fazer de idiota? – Segurando em
meu braço, ele me sacudiu.
— La, me desculpe… – Talvez eu tivesse feito algo de errado. Talvez
fosse o fato de estar perambulando de toalha em um lugar ainda
desconhecido. Conforme ele me solta, me apresso em entrar no quarto,
soltando o ar que estava preso em meu peito e me mantenho de costas. Com
medo de que ele estivesse dizendo algo, me volto em sua direção, mas ele
não estava mais lá, apenas a cortina balançava lentamente.
Me apresso em tirar da bolsa um dos poucos pares de roupas que eu
tenho, eram as melhores peças e não fazia sentido eu trazer as roupas
desgastadas que usava na casa de Baba. Antes de arrumar minhas coisas,
procurei pelo dinheiro que juntei, mas não havia sinal dele e só agora me
dei conta de que na verdade não tinha sumido e sim que 'Hana deve ter pego
para fugir. Pensar nela me deixa desnorteada e com medo.
Como eu faria para saber se ela estava bem? Como saberia se Baba a
encontrou?
Vesti meu hijab, sem saber se era necessário ali dentro, mesmo assim o
fiz. Arrumei a cama, que é de ferro e tem um colchão surpreendentemente
macio. Havia uma camada fina de poeira nos móveis, que limpei
rapidamente. Talvez até conseguisse tirar a poeira que estava nos tapetes
dispostos no chão, só não sabia se a limpeza duraria, já que o vento soprava
incansavelmente do lado de fora.
Esfregando minhas mãos, pensei se ficava ali, esperando algo ou
alguém, ou se saia e explorava tudo de uma vez. Não deve ter se passado
muitas horas desde que chegamos e eu não queria ser uma inútil dentro
daquela tenda, precisava saber o que enfrentaria e eu não podia fazer isso
aqui, além disso meu estômago já estava me pedindo alimento. Então, saí,
mesmo correndo o risco de o encontrar, e sabia que não havia escapatória,
pois, nossas vidas estavam entrelaçadas perante as leis dos homens e do
profeta.
Afastei a cortina daquele corredor estreito e me vi em uma parte onde
havia um sofá com pernas de madeira e mais adiante, a entrada da tenda,
que estava parcialmente aberta, balançando com o vento. Olhando em volta,
vi livros sobre uma mesinha que também tinha um narguilé de vidro. Os
tapetes seguiam cobrindo o chão batido de terra e me adiantando, fui até
uma outra cortina pesada e a afastei, chegando a uma cozinha com espaço
considerável, onde Rahina parecia preparar algo delicioso.
— Zara, me desculpe estar invadindo aqui, Hakim me disse que vocês
não comeram nada, então estou preparando um cordeiro com cuscuz. –
Falou como se ela estivesse fazendo algo de errado. — Aquele garoto é
duro na queda, mas hoje me surpreendeu ao me chamar para vir até aqui.
— Hakim… – Repeti o nome do homem que agora era meu marido. —
Você não vive aqui? – Ela voltou seu rosto redondo para mim e sorriu,
como se eu estivesse contando uma piada.
— Claro que não, eu fico na casa grande e espero que Hakim a leve para
lá em breve. – Não consigo entender algumas coisas, quando ela se vira
novamente para mexer nas panelas. O chão da cozinha é de terra batida e o
fogão a lenha, e bem no centro do lugar havia dois balcões.
Surpreendentemente havia também uma geladeira.
— Tem energia? – Pergunto, a fazendo me dar atenção novamente.
— Sim, tem um gerador, mas é só para a geladeira, a noite Hakim usa
lamparinas. – Aponta para os objetos sobre o balcão de madeira. – Você
pode as abastecer lá fora.
— E a água? – Questiono, curiosa, afinal, parecia que seríamos só nós
dois, então eu teria que me mostrar útil.
— Tem uma bomba logo ali atrás. – Sacode a mão para que eu a siga.
Afastando a pesada lona, saímos para o deserto, onde ali haviam mais
cercas e camelos. — É bem cansativo usá-la. – Me mostra uma manivela,
com vários baldes de ferro em volta. – Hakim adora banhos quentes, mas
aposto que ele não usa isso para se banhar. – Explica. — Lá, veja. –
Apontando além da cerca, cubro meus olhos com a mão, para poder ver
melhor o que parecem ser palmeiras enormes surgindo da areia, não parecia
ser real.
— O que é? – Me viro para ela e a vejo franzir a testa.
— Eu disse: é um oásis. – Sorrio sem jeito. A mulher era um pouco mais
baixa que eu, e parecia gostar de falar, então, eu não podia desviar os olhos
dela.
— Parece uma miragem. – Comento para que ela pare de me olhar com
certa curiosidade.
— É, você pode ir até lá quando quiser, mas tome cuidado. – Aconselha,
e se volta para entrar na tenda. A sigo, tomando o cuidado de permanecer
ao seu lado e ler tudo o que diz de forma apressada. — A extensão das
terras de Hakim vão além do oásis, mas sempre tem estrangeiros rondando,
ou até mesmo saqueadores.
— Saqueadores? – Ela parecia dizer aquilo como se não fosse nada.
— Sim, a carne dos camelos é uma das melhores do Marrocos, Hakim
comercializa para Casablanca e Marrakesh, por isso sempre tem estranhos
por aqui, mas eles não entram na tenda, então, quando perceber
movimentação, fique aqui dentro. – Pegando uma tigela de cerâmica, serviu
cuscuz com cordeiro assado, fazendo minha boca salivar e o estendeu para
mim.
— Chukran. – Uso minha mão para comer e suspiro ao sentir o quanto
estava bom.
— Você é uma alegria para os olhos Zara, espero que seja uma luz para o
caminho do meu garoto. – Eu não soube o que dizer, mas fiquei sem jeito.
Rahina talvez não soubesse como Hakim era, eu mesma não sabia, mas
estava certa de que não era tão bom como ela imaginava.
CAPÍTULO 5

ZARA
Na noite anterior eu não havia conseguido dormir quase nada, estava
apreensiva, o desconhecido me assustava, o temor de o ver puxar a cortina
me deixava a beira de um ataque, então, fiquei fuzilando a cortina que

servia de porta até que a luz do candelabro se apagou e fiz uma prece para
Alá, pedindo por proteção, e para que eu pudesse suportar aquele
infortúnio.
Eu não sabia se estava sozinha dentro daquela tenda, ou se ele estava em
outro cômodo do outro lado, o qual eu vi ser menor do que eu estava agora.
Rahina me contou que aquele era um quarto reservado a um amigo dele,
que ficava ali quando vinha a negócios, talvez um sócio, mas como eu não
consegui ler muita coisa, pois ela não parava para respirar entre as palavras,
então eu sabia em partes coisas sobre Hakim.
Sabia que ele possuía uma boa porção de terra, conquistada com muito
esforço, e que os camelos lhe rendiam ótimos negócios. Rahina também me
falou que a casa grande era de seus pais, mas que ele preferia o deserto. Por
isso, o chamavam de nômade, já que ele passara boa parte de sua vida ali,
dentro daquela tenda.
Eu estava contente de a ter aqui, mas quando ela foi embora, antes de o
sol se pôr, eu fiquei sem saber o que fazer ou se deveria fazer algo, já que
ela insistiu em deixar o jantar pronto. Então, carreguei água até a cozinha e
fervi boa parte, levando os baldes pesados com um esforço tremendo até a
banheira de estanho, talvez eu devesse preparar o banho dele ao final do
dia.
Por fim, eu comi sozinha, deixando as panelas na parte do fogo baixo
para que não queimassem, e tomando o cuidado de encher as lamparinas
que iluminariam a tenda durante a noite. As coloquei na saleta e cozinha e
levei uma comigo para o quarto. Por vários minutos me questionei se
deveria ficar ali, ou se seria melhor buscar outro lugar para dormir. Minha
cabeça girava sem saber o que fazer e tudo o que eu não queria era que ele
viesse atrás de mim, e que tentasse… que tentasse fazer tudo aquilo de
novo.
Usando a escova que trouxe para pentear meu cabelo, o trancei e vesti
minha roupa de dormir. Pela manhã eu precisaria lavar roupas. Será que eu
teria que lavar as minhas e as dele também? Aqui eu me sentia uma intrusa
e por boa parte do tempo tinha me esquecido de Baba e ‘Hana.
Fitando os móveis dentro do quarto, percebi que havia uma mesinha com
alguns livros. Ao folhear um deles, vi que era de administração e criação de
camelos, então não entenderia uma vírgula nem se quisesse, já o outro
estava em outro idioma, então por fim, os fechei com um suspiro. A cadeira
de madeira era bem desgastada, assim como a mesa, onde havia desenhos
entalhados na tábua, nada específico, mas talvez fossem algumas frases, e
como alguns estavam apagados, não consegui identificar. Indo até o armário
grande com duas portas, eu o abri, e vi que dentro dele estavam as roupas
dele, então o fechei no mesmo minuto, pois não queria invadir nada que
pertencesse a ele e depois receber algum desaforo.
Deitei na cama me sentindo exausta, mas pela segunda noite
consecutiva, eu não consegui dormir. Logo que percebi o céu clarear dentro
da tenda me levantei. Me sentia um pouco melhor, então aproveitei para me
limpar e lavar as peças de roupa. Afastando a cortina, olhei em torno, e não
parecia que ele surgiria do nada. Então, saí, tentando não fazer barulho, e
mesmo se o fizesse eu não saberia também. 'Hana sempre me dizia que eu
parecia um fantasma dentro da casa e que nunca sabia quando eu estava
chegando de repente. Lembrar disso me trouxe tristeza. Toda aquela vida
que eu tinha parecia distante e sentia que ela havia sido arrancada de mim.
Eu sempre pensei que 'Hana casaria e que eu é que ficaria sozinha,
acreditava que talvez ela me levasse para sua casa, para cuidar de seus
filhos. Outras vezes, imaginava que talvez eu ficasse para cuidar de Baba,
mas a minha realidade era essa. Estava acostumada a pensar que nunca seria
boa o suficiente para ser uma esposa e agora, como seria? Eu não podia
ouvir, não podia socializar e havia fincado isso dentro da minha mente,
aceitando meu destino. Que outra alternativa eu tinha?
Ao entrar na cozinha vi que havia coisas que não tinham na noite
anterior, entre eles, leite fresco dentro de uma jarra de vidro, ovos, algumas
frutas e grãos. Então, me apressei em buscar água fresca e a colocar sobre o
fogo já atiçado, sinal de que ele esteve ali antes de mim e que fez o favor de
colocar mais lenha para que o fogo ficasse vivo e pronto. Logo que a água
ficou morna, dissolvi o fermento e me adiantei para preparar o baghrir, e
enquanto o fazia, torcia para que ficasse bom, pois já tinha visto duas
geleias de frutas vermelhas e tomate. Precisava ficar maravilhoso, como
'Hana costumava dizer, para que eu tivesse coragem o suficiente para fazer
um pedido.
Precisava saber de 'Hana, precisava encontrá-la, ela é tudo para mim e eu
me sentia incompleta sem minha irmã. Nós duas éramos inseparáveis e eu
sabia que ela precisava de mim também.
Uma pilha discreta de baghrir repousava sobre uma tábua de madeira, e
o cheiro de canela e gengibre me fazia sorrir, um chai pela manhã poderia
fazer toda diferença.
Quando eu coloquei uma uva na boca ele abriu a cortina pesada da lona,
entrando com toda aquela determinação, e o que quer que eu fosse pedir a
ele foi direto para os meus pés. Ver seu rosto endurecer ao me encontrar ali,
me deixou desconcertada e quis sair de lá para lhe dar espaço. Eu sabia que
era a noiva trocada e que ele continuava furioso, mas não sabia o que fazer.
— Sabah al Khair. – Inclino minha cabeça rapidamente e ergo meu olhar
para ele. Parece confuso, talvez não esperasse que eu fosse dizer algo.
— Sabah al nūr. – Percebo seus dentes trincados e desvia o olhar de
mim. Vai até o desjejum que preparei e se serve, com certa agressividade
em cada gesto, a cada erguer de um copo ou talher.
— Eu tomei a liberdade de fazer o desjejum. – Iniciei vacilante, atenta a
uma brecha que me facilitasse no diálogo. Ainda existia a possibilidade de
ser devolvida e sofrer com a vergonha para sempre, mas por hora eu não
tinha escolha, a não ser tentar fazer com que nossa convivência fosse ao
menos pacífica.
Acho que ele percebe, finalmente, que continuo o encarando, pois espero
sua resposta ao meu comentário. Então, soca a bancada com força, o que
me faz recuar um passo vacilante, assustada com o rompante inesperado.
— Não gosto que fiquem me olhando. Seu pai nunca te ensinou que não
se deve encarar? – Engulo em seco, sentindo meus olhos ardendo por
estarem tão arregalados. O que eu devia responder? O que devia fazer? E a
pergunta que não queria calar: O que eu fiz de errado?
— Asif… eu… eu… – Eu devia dizer, devia contar, mas temia pelo pior e
temia por Baba, pois ser enganado duas vezes com certeza o faria esmagar
o meu pescoço. Pelo jeito ele não estava aceitando nada bem toda aquela
situação que Baba nos colocou, mas eu também tinha culpa, pelo menos em
parte. Qualquer um faria o mesmo, por medo, por temer que o pior pudesse
acontecer. — Me perdoe… devo… sair?
Seu cabelo revolto balançava ao redor de seu rosto, e notei que estavam
úmidos, o que deixava claro que ele estava tomando banho no oásis logo
atrás da tenda. Sua túnica em um tom azul escuro estava parcialmente
aberta, revelando parte do seu peito coberto com uma fina camada de pelos
escuros, a camisa o abraçava e se esticava quando ele se movimentava. —
Por favor… – A súplica me escapou. O vi fechar os punhos com força,
fazendo com que as veias de seus braços fortes ficassem em evidência. —
Não me… machuque… – Senti uma lágrima solitária rolar pelo meu rosto e
talvez isso o tenha enfurecido mais, talvez minha presença não o agradasse,
pois vejo seu rosto se retorcendo de uma forma que me assusta, então me
viro e corro, temendo pelo pior.

HAKIM

Mil coisas passavam pela minha cabeça naquele segundo e nenhuma


delas eram boas ou descreviam o que eu estava sentindo. Se me falassem
que em vinte quatro horas minha vida poderia ter sensações que estavam no
fundo de minha alma e despertar outras tantas, eu não acreditaria, pois eu
havia me blindado de tudo, feito aço fundido, e acreditava que nada poderia
quebrar aquilo assim.
Eu tencionava todos os meus músculos e tremia, um turbilhão dentro de
mim parecia querer sair e destruir tudo à minha volta, o ar saia por entre
meus dentes trincados de forma nada regular. Eu me sentia enjaulado, sentia
como se aquele monstro que eu era, estivesse tentando sair de forma
enlouquecida.
Tinha tentado me acalmar com relação a toda aquela farsa, mas ainda
não tinha conseguido engolir o fato de ter sido enganado por um velho
estupido e sua filha com cara de inocente. Se a intenção dela é me
enlouquecer, estava quase conseguindo, e trazer à tona aquela criança
rejeitada não iria facilitar as coisas para ela. A ver fugir me enfureceu, fez o
monstro rugir, então a persegui, sem me importar com nada e por um
momento a minha mente ficou entorpecida de raiva.
Ela se via no direito de me encarar e ter medo, e o tinha, claro, mas
porque fazia isso então?
Conforme ela tropeçou na mesa da saleta eu a agarrei pelo braço e o
assombro em seus olhos me fez apertar até ver a careta de dor substituir a
do medo. Eu sentia uma chama intensa dentro de mim, a tocar, a ver, a
sentir, me deixava prestes a explodir e eu não queria isso, eu odiava aquela
sensação despertada. Eu odiava o fato de que meu pau tinha ficado duro
durante toda a madrugada, que precisei ir até o maldito oásis para aplacar a
luxúria impregnada em mim.
— Você é minha esposa! – Rugi contra sua face pálida e novamente
assustada. — Ter medo de mim é o que desejo que sinta. – A arrastei para
dentro da tenda, a jogando na minha cama, a qual cedi para ela, feito idiota.
Ao tentar escapar para longe, senti meu sorriso se erguendo no canto dos
meus lábios. Era certo que eu não me reconhecia, mas cheguei a me agradar
com sua cara de súplica.
— Por favor… – Falou, o cabelo longo caindo sobre seu rosto e
escorrendo por seu busto.
— Por favor, o quê? O que quer implorar? – Arranquei minha camisa,
vendo seus olhos cair sobre a minha pele marcada, odiando ver a cara de
assombro que ela me mostrou. — Você me enganou, acha que tem direito a
algo? Seu pai merecia a morte por ter me feito de idiota! – Puxei sua perna
e ela lutou, chutou com força, me acertando na barriga e tirando meu
fôlego, mas o ar que saia de mim parecia fumaça de uma quase explosão
vulcânica. No entanto, me surpreendo com a força que ela tinha, não
esperava por essa relutância. Talvez o medo fosse uma arma realmente
poderosa.
— Me solta! – Grita, me fazendo rir. Ninguém viria, ninguém a ajudaria,
eu tenho direitos sobre ela, ela era minha. Minha! Rugia o monstro dentro
de mim.
— Não solto, agora você é minha e eu vou desfrutar de você, do jeito
que melhor me agradar e no momento que convir – A violência com que
puxo sua roupa a rasga com facilidade, a peça era mais frágil do que
aparentava. Ela puxa os trapos tentando se cobrir e consegue acertar seu pé,
bem no meio da minha cara, com tanta força que caio da cama, sentado no
chão e sentindo meu mundo girar.
— Não toque em mim! Nunca mais toque em mim! – Tonto e sem
conseguir colocar as ideias de volta no lugar, eu a deixo sair para onde quer
que seja seu esconderijo.
CAPÍTULO 6

ZARA

Eu me escondi em um canto da tenda bem colado à lona, mesmo


sendo quente eu não me mexia. Só conseguia pensar que eu havia
conseguido fugir, e não sabia de onde veio aquela força que me acometeu,
mas após alguns minutos, só conseguia pensar que eu havia enlouquecido.

Como pude me atrever a machucar o meu marido? Não entendia


absolutamente nada sobre casamento, mas tinha plena convicção de que

devia servi-lo e agradá-lo, no entanto, só de pensar em ter ele tocando em


mim como na primeira noite me deixava com medo, ainda mais com toda

aquela agressividade estampada em seu ser.


Podia não saber muito, mas sabia que aquilo não era certo, que não
deveria ser daquela forma e era desesperador pensar que as mulheres
casadas talvez vivessem esse terror.
Alá, e se o filho não viesse? Estava sentenciada a um mês e isso pairava
sobre minha cabeça sem me permitir pensar direito. Minha vida parecia ter
saído dos trilhos e eu não via como retomar o controle da situação. Pensar
em ‘Hana me deixava muito pior e saber que meu pai nunca teria como
pagar o dinheiro que devia, me fazia querer morrer agora mesmo. Eu já
havia tido uma boa cota de vergonhas na minha vida e não queria mais
nenhuma outra.
O que eu faria?
Aperto os pedaços da minha roupa contra meu corpo, tremendo e
sentindo um medo desesperador de que ele tentasse algo novamente e de
que dessa vez fosse pior.
Eu olhava em volta tentando ver algum movimento, já que não podia
ouvir e se ele estivesse me procurando com certeza me acharia. O sol
parecia já ir alto no céu e eu não conseguia mais ficar tão perto da lona
grossa. Me levanto vacilante, sem muita certeza se deveria sair do lugar
onde me escondia de meu marido, mas o que me restava? Eu estava presa a
ele, até o dia que ele determinasse.
Por sorte o meu vestido tinha se partido na parte superior e um ajuste
rápido faria com que ele ficasse composto novamente. Chegando à cozinha,
olho por todo o espaço e percebo que todas as coisas estavam jogadas, a
pilha de baghrir havia caído no chão, assim como o pote de geleia de
tomate. Vejo com tristeza que ser útil não estava me servido de muita coisa
com aquele homem.
Tentei entender o que havia acontecido, o que poderia ter causado aquele
ataque de fúria inesperado e só consegui dar voltas e mais voltas dentro de
um labirinto sem saída na minha mente. Teria sido o desjejum? Ou algo que
eu disse? Talvez tenha percebido minhas intenções e não gostado. Suspiro
de forma longa e ando nas pontas dos meus pés até o quarto onde deixei
minhas coisas. Acho que eu poderia dormir na saleta aquela noite, não me
importaria.
Solto o ar preso quando afasto a cortina e noto que estou sozinha ali e
aparentemente na tenda toda. Faço uma prece rápida e me troco de forma
apressada, sem saber como faria para consertar o estrago feito. Então,
apenas guardo dentro da bolsa que trouxe e volto para cozinha, onde havia
deixado as minhas roupas para lavar. Limpo toda a bagunça, como algumas
frutas e tomo um chai. Depois vou buscar água e a levo até a área onde
Rahina havia me mostrado antes, destinada as roupas, notando que ali já
tinha um cesto com as roupas dele. Olho em volta, pareço um cão acuado,
sei disso, mas não tenho como não estar. Eu não me importava de lavar,
cozinhar e cuidar da casa, por anos era o que me fazia sentir útil, já que não
podia almejar nada diferente. Por isso, lavo todas as roupas dentro daquele
cesto.
Enxugando o suor da testa com as costas das mãos, sigo para a cozinha,
já que estava faminta e não fazia ideia de que horas eram, mas sabia que
havia passado do meio-dia. Chegando lá, encontro sobre o balcão um corte
de cordeiro, que não estava ali antes, o que faz com que meu coração
acelere em pensar que ele estava por ali e eu até podia sentir o seu cheiro,
parecia que havia acabado de deixar o recinto. Relutando durante alguns
minutos, logo início o preparo do almoço, que com certeza sairia com
atraso e me dou conta de que seria melhor deixar tudo pronto para o jantar,
mas antes como o queijo de cabra junto com a geleia para aplacar a minha
fome.
O processo de preparar o jantar ocupa minha mente e por alguns
momentos eu esqueço de toda aquela situação, sendo apenas lembrada
quando tinha que pensar no que fazer em seguida. Então, essa era a solução,
eu precisava me manter ocupada, ser útil, evitar meu marido e tudo ficaria
bem, ou era assim que eu acreditava que seria, pois não tinha confiança em
meus próprios planos.
Eu sabia que o havia enganado junto com meu pai, pois, ainda escondia
o fato de não conseguir ouvir. O que me levava a crer que eu poderia tentar
mostrar a ele que eu conseguia ser uma boa esposa. Se havia sido capaz de
o enfrentar e de me defender, então seria capaz de contornar aquela situação
e buscar uma harmonia para o nosso casamento, talvez assim ele não me
devolvesse.... Mas eu precisava tentar. Naquela noite, caprichei no cordeiro,
sabia que minha comida era boa, então eu precisava colocar em prática o
plano inicial ou morrer tentando, pois só um de nós sairia vencedor naquela
situação em que nos encontrávamos e precisava que fosse eu.
Carreguei água para a banheira, o suficiente para que eu tomasse um
banho e que ele também tomasse, se assim desejasse. Como não havia
nenhuma opção de essência para banho, eu me limitei a usar o sabonete que
ele usava, que por sorte deixava a pele fresca e macia.
Coloco o meu vestido surrado, de um tom de amarelo claro que
contrastava com a minha pele, escovei meu cabelo com afinco, deixando os
fios ondulados caírem pesados e alinhados. Na saleta, organizei a mesa de
chai, afastando o apetrecho de narguilé para um canto e fiquei satisfeita
com a mesa posta para o jantar. Eu precisava de um pouco de confiança e
fé, já que não estava disposta a desistir.
Com o peito cheio de entusiasmo e o coração saltando, senti um frio
muito intenso na barriga, quando o vi entrar. De imediato vi sua surpresa,
choque talvez. Respirei fundo, o encarando, e notei no mesmo instante seu
semblante de desagrado assumindo suas feições.
— Salam Aleikum, sayidi. – Sua testa formava um vinco profundo.
— O que é tudo isso? – Ele sequer havia entrado por completo, e
engolindo o nó que se formou ao não ler em seus lábios sua retribuição a
minha saudação, tentei manter uma expressão o mais normal possível.
— Eu sei que não começamos bem, sei também que não foi a mim que
você escolheu, e mesmo participando dessa mentira para salvar a vida de
meu pai. – Enfatizo. — Eu estou aqui querendo trazer harmonia para o
nosso lar.
Minhas pernas tremiam um pouco ao finalizar. — Prometo não agir
com… agressividade, se tiver o mesmo tratamento em troca.
— É só não ficar no meu caminho. – Exigiu, não parecendo muito
contente com toda aquela conversa.
— Como quiser, sayidi. Chukran. – Seguiu em direção ao quarto e eu
não soube se ele aproveitaria o jantar, mas me sentei assim que vi a cortina
cair e ele sumir dentro da tenda. Minhas pernas tremiam, mas ironicamente
eu estava feliz.

HAKIM

Depois do episódio no meu quarto, em que eu deixei a raiva me dominar,


a surpreendente iniciativa da minha noiva trocada, me fez perceber que eu
estava sozinho novamente e isso era um pouco… frustrante.
Mantive o hábito de me levantar muito cedo e nos dois dias que se
seguiram ao seu pedido de trégua, eu encontrava o desjejum pronto, um
banquete farto com tudo que eu apreciava, porém sem nenhum sinal dela, o
que me fazia acreditar que ela realizava as tarefas domésticas enquanto eu
dormia.
Minhas roupas nunca estiveram tão limpas, um banho quente me
aguardava sempre que eu chegava no final da noite e parecia que o que eu
precisava brotava para mim.
Observo a lista que me deixou, com uma letra nada agradável de se ler,
contendo coisas que eu nunca pensaria em comprar, mas que pareciam ser
todas para a casa. Notei que havia também alguns itens de higiene pessoal
dos quais eu não fazia uso, pensei até em os ignorar, mas entreguei a lista a
um dos meus homens para que providenciasse em dobro, afinal, se ela fazia
a comida, tinha direito a um agrado.
A tenda também nunca havia estado tão limpa e organizada. Rahina
insistia em vir e limpar, mas eu praticamente a expulsava de volta para sua
casa e dava conta das minhas coisas, sozinho, pois sabia que minha comida
era boa. O que eu não imaginava era que, a daquela impostora, pudesse ser
tão saborosa. Eu me via repetindo com gosto e talvez comendo com
bastante gula, por isso, agora mantinha a dispensa cheia e a geladeira
abastecida.
— Eu te entrego dois e um menor, nada mais que isso. – Retruco ao
comprador, que insistia em pechinchar por uma redução no preço, mesmo
que toda região estivesse ciente que a carne dos meus camelos é a mais
saborosa de todo Marrocos e por isso eu não seguia a linha de meus
conterrâneos em brigar até conseguir o melhor preço. Comigo era pegar ou
largar.
Uma cabana de madeira servia como escritório para as vendas de
animais para abate.
— Que Alá reduza seus dias! – Repudiou de maneira desaforada, com
sua face avermelhada pelo calor e pela raiva por não conseguir chegar ao
valor que queria.
— Chukran e boa sorte em encontrar alguém que queira lhe vender carne
de procedência não duvidosa. – O empurro para fora e o vejo ir, ainda me
amaldiçoando. Volto meu olhar para a tenda. Pela manhã uma caravana de
turistas chegou às redondezas, buscando alugar os animais para explorar o
deserto.
O rato que os guiava era o mesmo que vivia entoando por toda M'hamid
que eu era um criminoso. Algumas vezes eu não me importava, mas em
outras eu sentia vontade de ser o que ele dizia que eu era. Bali havia sido
assassinado há três anos. A essa altura ele já havia destruído todo
patrimônio de nossa família e não tinha me sobrado nada. Eu precisei ir até
o inferno para conseguir tudo que possuía hoje, mesmo assim, toda cidade
acreditava que eu o matei por vingança.
Olhando novamente em direção a tenda, me pergunto se ela pensa o
mesmo de mim. Nunca antes havia me importado e não sabia o porquê de
estar pensando nisso agora, mas desde o casamento eu tinha desenterrado
coisas até então esquecidas, e isso me deixava furioso, pois odiava a perda
do meu autocontrole. Antes de desviar o olhar a vejo sair, o que é raro.
Aperto meu punho ao me dar conta de que agora não é um bom momento
para ela fazer isso, já que compradores e turistas estavam passeando por ali.
Vejo-a esticar a mão para os camelos e noto que os alimenta. Levanto e
caminho com pisadas duras até seu encontro.
— Hey! – Chamo, mas ela não me dá atenção, mesmo estando a apenas
dez passos dela. — Hey, não faça isso! – Exigi, mas a infeliz continua
fingindo que eu não estava dando uma ordem clara. Quando a alcanço,
estapeio sua mão para que não continue a dar torrões de açúcar para os
animais. — Nunca mais alimente os camelos! – Rugi entre dentes. Estava
furioso, enquanto ela parecia surpresa, o que era uma tremenda farsa de sua
parte.
— Eu não sabia, é só açúcar. – Retruca franzindo a testa, o que me irrita
a um nível de deixar minha cabeça quente.
— Eles não são cavalos, tem dieta balanceada e não precisam de mimos,
são carne! – Olhando para os animais, percebo pena em seu olhar, mas logo
volta a me encarar. Eu odiava a maneira como ela me olhava. — Saia das
minhas vistas, ou juro por Alá, que… – Fecho meus olhos com força.
— Temos um acordo. – Abro eles ao ponto de sentir as órbitas saltando.
Ela com certeza devia gostar de zombar de mim, não havia outra explicação
plausível.
— Acordo? Não lembro de firmar nada com você, você é minha
propriedade, me deve obediência e submissão. – Eu me inclinava em sua
direção, a ponto de me aproximar de sua estatura, enquanto ela não baixava
sequer sua cabeça, como eu gostaria que fizesse, e nem desviava seus olhos
cor de avelã da minha cara cheia de ódio. — Esses camelos valem mais do
que a sua vida inútil, então não se atreva a olhar para eles ou para mim. –
Seu queixo começa a tremer e eu sinto algo no fundo do meu ser, que me
faz me afastar por um segundo, porém logo em seguida sou tomado pela
raiva novamente. — Some, antes que eu… antes que eu… – Ela corre na
direção contrária a entrada da tenda, para o oásis e acho que uma veia
estourou dentro do meu cérebro, pois eu via tudo vermelho diante de mim.
— Onde pensa que vai!? – Gritei. — Pare agora! – Trovejei, sabendo que
havia turistas demais para que ela ficasse rondando sozinha por aí. Mas ela
não parou, correndo como se o demônio estivesse atrás dela, e o demônio
era eu.
CAPÍTULO 7

ZARA

Eu corri, sentindo as lágrimas me sufocando e meu peito doer.


Ninguém nunca havia sido tão cruel comigo e me dito tantas coisas ruins.
Eu sabia que os vizinhos tinham pena de mim e que provavelmente falavam
que eu nunca teria nada na vida por ter um defeito auditivo e por vezes isso

me doeu, mas não se comparava a aquilo.


Não me importei em subir nas dunas duras ou mais fofas, e escorregar a
ponto de quase descê-las rolando, me machucando no processo, pois eu
queria fugir para longe de tudo o que estava sentindo, como se minhas
pernas fossem capazes de sumir com tudo.
Além disso, eu sentia falta da minha família, daquela que me amava...,
mas será que realmente me amavam? Baba me entregou àquele homem
temendo pela própria vida, 'Hana fugiu sem pensar em mim, e agora eu
parecia largada ao vento, largada com a minha própria sorte.
O que eu fiz para ele? Por que precisava ser tão ruim comigo? Eu havia
feito de tudo para que a harmonia reinasse dentro daquela tenda, para ser
útil e não parecia ter surtido efeito. Ele me odiava por ter fingido ser
alguém que não era, sabia disso, e entendia que ele queria 'Hana, não a
mim. E se ela voltasse? Será que a tomaria como esposa após me devolver?
Um pânico crescente parece querer tomar conta de mim e pensar naquela
possibilidade era pior do que tudo o que já havia vivido até agora. Não
podia permitir, amava 'Hana como se eu mesma a tivesse gerado em meu
ventre e nunca iria conseguir vê-la sofrendo, eu a protegeria de tudo.
Devo ter corrido por minutos, e sentia o ar faltando e os músculos
doendo. Apoiando a mão no joelho, tentei fazer com que o ar voltasse a
preencher meus pulmões. O sol sobre mim parecia querer rachar minha
cabeça e ardia contra parte da pele dos meus braços expostos. Parecia que
eu estava sendo consumida por um fogo transparente, e provavelmente não
aguentaria tanto tempo ali fora, mas tinha certeza de que voltar não era o
que eu queria, não agora pelo menos.
Erguendo meu rosto, fitei o vasto deserto, o lugar que antes era palco de
muitas caravanas, que rumavam por ele sem medo, e tornou M'hamid
próspera, mas agora tudo isso estava enterrado no passado. Aquilo não
parecia ter fim, nada além de areia e sol. Foi quando notei um movimento, e
pôr fim uma imagem tremula a princípio, mas que ficou clara conforme se
aproximava. Vislumbrei alguém cambaleando como se um vento forte
estivesse a jogando de um lado a outro. Usei minha mão para ver melhor, e
parecia apenas um ponto rosa, mas tinha pernas e vinha com passos
pesados, até cair. Eu fiquei sem saber o que fazer por um minuto e por fim
dei um passo até lá, mas a mão rude de Hakim me puxou e ele não estava
nada contente.
— Eu te disse para parar! Ordenei que parasse! – Ele não parecia ter
perdido o fôlego, mas via seu peito subir e descer agitado. — Como pode
ser tão tola a ponto de correr para o deserto?
— Eu… eu… – As minhas lágrimas já tinham secado com a
temperatura. Ele parecia querer me partir ao meio e sua mão em torno do
meu braço fazia pressão ao ponto de doer. — Eu vi alguém.
— Pare! Não me venha com falsas desculpas. – Puxei meu braço e
esfreguei o local quando o soltou.
— Tem alguém ali. – Apontei, mas ele não desviou os olhos furiosos de
mim.
— Não é seguro rondar fora da tenda quando houver turistas à nossa
volta, entendeu? – Segurando meu braço novamente, tentou me puxar de
volta. Ele resmungava algo, mas eu não tinha sequer como ler seus lábios
agora, por isso me soltei e tornei a correr, sentia que deveria ir até aquela
pessoa que vi, mesmo correndo o risco de ter sido uma miragem produzida
pelo sol. Eu parei, para localizar, e vi que era uma mulher, vestindo uma
túnica preta, que a cobria até certo ponto, e sua pele estava vermelha
enquanto seu rosto permanecia enterrado na areia.
Senti a presença de Hakim e vi a surpresa em seu semblante ao notar que
eu estava certa. Havíamos acabado de encontrar alguém que se perdeu
naquele deserto traiçoeiro.
— É uma mulher. – Suas feições logo ficaram endurecidas e serrilhou os
dentes.
— Malditos ocidentais! – Desviei minha atenção dele e fui até ela, mas
ele me impediu antes que eu a alcançasse. — O que pensa que está
fazendo? – Mais uma vez me desvencilhei de seu toque rude.
— Ela precisa de ajuda, pode morrer aqui se não fizermos nada. – Disse
o óbvio e percebo que não me impedirá novamente, me inclino diante da
estrangeira desacordada e a viro. Ela não pesava nada, o movimento a
descobriu e vislumbrei uma calcinha bastante vulgar. A cobrindo
rapidamente, escondi sua nudez parcial. Seu rosto estava vermelho, mas não
tanto quanto seu corpo e ela tinha um pequeno corte em sua testa. — Alá…
– Disse, observando o quanto ela era diferente de todas as mulheres que já
havia visto, principalmente por seu cabelo curto e rosa. Abrindo os olhos,
ela os arregalou, se levantando rápido e me derrubando sentada.
— Help… Help… – Repetia e caiu novamente ao tentar se voltar na
direção de onde veio. Erguendo o braço, pareceu apontar, para o que
percebi ser, outra pessoa caída mais além.
— Precisam ajudar, precisam! – Disse aquilo, e notei que era quase uma
exigência, o que fez Hakim me encarar de uma forma diferente. — Por
favor.
Por um momento ele ficou apenas me fitando, e depois, por incrível que
pareça, fez o que pedi, me deixando com uma sensação de alívio imensa. —
Você vai ficar bem… – A moça ainda tentava ir até o companheiro, mesmo
que morresse no processo.
Eu não acreditava muito em destino, mas parecia que eu havia sido
encaminhada até ali com o propósito de os encontrar.

[...]

— Ambos têm queimaduras de segundo grau, estão desidratados, mas


vão ficar bem, só precisam repousar. – Olhava meio desconfiada para o
médico que Hakim trouxe, era um homem do ocidente e falava em inglês, o
qual eu entendi graças ao fato de muitas vezes ajudar Baba no comércio.
O casal estava instalado no quarto em que eu dormia, Rahina foi
chamada e me ajudou com a moça, que parecia delirar enquanto a
colocamos na banheira. O homem ainda não tinha acordado. Ambos
estavam machucados e precisaram fazer suturas nos ferimentos.
— Acho melhor levarem eles para o hospital. – Sugeriu Rahina, mas não
parecia muito certa. Eu queria dizer não, sentia que era nossa obrigação
cuidar deles até que estivessem em perfeitas condições para partir, mas
fiquei em silêncio. Hakim estava estranhamente sério.
— Não se preocupe com eles. – Disse e logo saiu com o médico, que
parecia contente em ir embora. Eu não conseguia parar de olhar para aquela
mulher de cabelo rosa. Até que Rahina tocou no meu braço e me olhou com
atenção.
— Você está bem? Parece muito distraída. – Engoli em seco, pois tinha
desviado a atenção dela para observar os estranhos. O homem era árabe,
mas com eles não havia nenhum documento para confirmar, já a mulher
aparentava ser americana, sua pele alva agora estava queimada em vários
pontos. — Zara. – Chamou novamente.
— Eles podiam ter morrido, se eu não os tivesse encontrado. – Eu digo,
ainda com aquilo martelando em minha mente.
— Acha que Alá a guiou até eles? – Confirmo que sim, tentando manter
minha atenção nela para que não me questionasse por não a ouvir. — Você
deve estar cansada, precisa de um banho e se alimentar. – Eu não havia
comido nada desde o desjejum, e agora recordava que estava me
preparando para fazer o almoço quando levei os torrões de açúcar para os
camelos.
Levar os desconhecidos até a tenda foi cansativo e demorado. Hakim
precisou usar alguns camelos, já que o carro não conseguiria andar pelas
dunas.
— Sim, acho que sim. – Respondi apenas para lhe dar razão. —
Chukran, Rahina. Eu não saberia o que fazer se você não estivesse aqui. –
Sorriu para mim e deixamos o quarto. Eu havia colocado toalhas no
congelador para amenizar o queimor da pele dos dois, e estávamos dando
pequenas quantidades de água para que bebessem até que o médico chegou
e os medicou, deixando ali soro fisiológico para ambos.
Rahina se ofereceu para carregar água para mim, mas neguei, ela já
havia feito muito, mesmo assim insistiu em preparar um jantar e deixou a
tenda com a promessa de voltar na manhã seguinte.
Eu dei mais uma olhada no casal e depois entrei na banheira, com meus
braços ardendo pela exposição ao sol escaldante do deserto e gemi quando
toquei a região, mas não parecia ser algo grave. A temperatura fria aliviava,
parecia que eu havia me queimado com um pouco de água quente. Meu
corpo agradeceu pelo banho e senti meus músculos, antes doloridos pela
corrida insana, relaxarem.
Jogava água em meu rosto, usando o sabonete na esponja, quando
Hakim entrou e eu rapidamente me cobri dentro da água.
— Eu te procurei por toda tenda e te chamei. – Me encolhi dentro da
banheira, envergonhada por estar nua. Isso o fez me lançar um olhar
enfurecido. — Por que não respondeu? Por que não disse que estava
tomando a droga de um banho?
— Me perdoe, eu estava distraída. – Minto e talvez ele perceba, pois seu
semblante endurecido fica cada segundo mais enfurecido. — Me desculpe,
sayidi. – Apertava com força a cortina pesada que servia de porta e eu
tentava ao máximo cobrir tudo o que estivesse visível.
— Da próxima vez seja mais atenciosa. – Alertou e me apressei em
concordar para que me desse privacidade novamente. — Queimou o braço?
— Não foi nada, estou bem. – Não pareceu contente com minha rápida
resposta, então me encarou, como se lesse minha alma e por fim abandonou
o local. Soltei o ar preso e saí da banheira de forma apressada, antes que ele
pensasse em retornar.
Eu agora levava minha roupa para o banheiro e me vestia ali mesmo e o
fiz mais rápido do que o normal, atenta a qualquer movimento da cortina.
Esvaziei a banheira, e deixei os baldes com mais água, já cheios, caso ele
quisesse tomar banho. Seguindo para saleta, vi que Hakim estava sentado
fumando narguilé e o cheiro da essência invadia toda a tenda. Ele soltava
densas fumaças no ar, olhando apenas um segundo para mim e depois fitou
a entrada aberta, onde uma brisa leve entrava por ela enquanto o sol ia
embora aos poucos.
— Quer que eu sirva o jantar agora? Nós não comemos nada. Talvez um
chai. – Ofereci, esperando por uma resposta e precisava ficar muito atenta
ao seus lábios, geralmente de perfil ficava mais difícil ler o que ele dizia,
mas ficar diante dele agora era praticamente impossível.
— Me deixe ver seu braço. – Fez sinal com a mão, para que fosse até ele
e soltou o bico do narguilé, repousando o apetrecho em sua perna. Eu
simplesmente não consegui me mexer, pois realmente não esperava por
isso. — Eu disse…
— Eu sei o que disse, só não sei se… – Voltando o rosto para mim,
percebo seu desagrado, mas minhas pernas travaram no lugar e não parecia
que elas fariam qualquer movimento.
— Está com medo de mim?
— Não. – Respondo rápido demais e por fim consigo fazer com que
minhas pernas me obedeçam, ficando a alguns passos de distância. Mostro
meus braços e ele sequer olha para eles.
— Saia, me deixe sozinho. – Retraio meus braços sem entender. — Sai!
– Dou um pequeno salto no lugar, sentindo a vibração do seu grito e
obedeço, afinal, eu já tinha o enfurecido demais em um único dia.
CAPÍTULO 8

ZARA

Pela madrugada a moça parecia bem, apenas dormia um sono


profundo, já o homem teve febre e delirou durante horas, me restando

apenas usar compressas frias em sua fronte para que ele ficasse melhor.
Antes de o sol nascer a febre cedeu e eu fui direto para cozinha. Tinha
encontrado um relógio de pulso entre as coisas de Hakim e o usava para me

orientar.
Era certo que ele levantava antes dos primeiros raios de luz, então eu
precisava preparar o desjejum, sabia que a manhã dele era cheia de tarefas e
que por isso necessitava se alimentar bem. Estava terminando de preparar o
pão de massa fina e caseira, quando a mulher entrou na cozinha, minhas
roupas a engoliam e sua pele vermelha se destacava no vestido amarelo
desbotado. Ficamos trocando olhares, ela não parecia ciente de nada e trazia
junto de si o soro vazio.
Começou a falar em uma língua que eu não compreendia, o que me fez
ficar um pouco nervosa. Estava claro que ela era estrangeira, mas constatar
que não era americana complicou as coisas.
— Não entendo. – Digo em inglês quando ela segue falando enquanto
observa a cozinha e principalmente a comida farta que preparei.
— Eu posso comer isso? – Apontando para os pães, eu confirmo que
sim. Ela avança no alimento com tamanho desespero que me assusta e a
observo enquanto come, engolindo ao mesmo tempo que chora, não de
tristeza, mas de pura satisfação. — Isso está muito bom. – Elogia com a
boca completamente cheia. Empurro a geleia de tomate que fiz no dia
anterior e que Hakim tinha devorado metade. Ela nem se faz de rogada,
sequer usa a espátula e vai enfiando um grande pedaço de pão dentro do
recipiente, engole de uma vez. — Meu Deus! – Arregala os olhos comendo
mais e mais. – É maravilhoso.
Sorrio um pouco envergonhada com o elogio e os olhos brilhantes, pois
ela parecia prestes a desmaiar de tanta satisfação, então coloco baghrir,
frutas e queijo diante dela. O café que sirvo é arrancado de minhas mãos no
mesmo instante. — Desculpe, eu nem sempre sou tão mal educada assim, é
que… nem sei há quantos dias eu não como nada. – Seu cabelo rosa estava
bagunçado e ela não se importava com isso, mesmo assim eram lisos, a
ponto de mesmo daquele jeito ficar bonito e combinar com seu rosto.
— O que aconteceu? – A pergunta sai sem que eu consiga evitar, e logo
que ela ergue seus olhos castanhos para mim eu fico totalmente sem jeito.
— Bem… – Pensa, ainda comendo, mas agora com mais calma. — É
uma longa história. – Toma longos goles do café e me estende a xícara sem
alça. — Posso ter mais disso?
— Claro. – Rapidamente a sirvo e ela suspira com satisfação. — Fico
feliz que esteja bem.
— Nem me fala. – Pegou um baghrir e devorou. — O que é isso? –
Aponta em volta.
— Uma tenda.
— Fala sério! – Suas mudanças de expressão me fazem sorrir sem que
perceba ou poça me conter. — Isso é muito legal! Nunca tinha visto nada
assim. – Servindo para mim um pouco de café, cálculo quanto mais terei
que fazer para que não falte comida para todos. — Onde estamos?
— Esse é o deserto de M'hamid. – Sua boca fica completamente aberta
por longos segundos, parecendo assimilar tudo aquilo ao redor, enquanto
engolia o que estava comendo. Seus olhos se movem de um lado a outro,
talvez um pouco nervosos, mas é difícil dizer.
— Hum… como disse que se chama? – Senti um vinco se formar em
minha testa e bebo um breve gole do meu café, sentido os resquícios da
borra nele.
— Me chamo Zara. – Disse e ela me dá um sorriso imenso.
— Zara, você é meu anjo da guarda. – Se levanta e me agarra, dando um
abraço forte e fazendo com que eu me incline um pouco por conta de sua
baixa estatura. Eu não sabia bem o que fazer, mas o abraço dela é bom e ela
apenas se afasta quando nota que mais alguém chegava ao recinto. Sua cara
volta a ficar surpresa e sua boca abre, formando um imenso O, e me viro,
notando que Hakim está parado, olhando para nós duas com certa
curiosidade. – U.A.U! – Eu consigo ler bem suas palavras, pois ela diz cada
letra pausadamente enquanto encara Hakim.
— Esse é Hakim, meu… meu…
— Puta merda garota, você tem sorte, hein? – Diz balançando a
sobrancelha rosa e ri como se fosse um segredo. — Eu sou Mariana, Mari
para os amigos e como você salvou a minha vida eu já a considero íntima.
Me afasto dela, um pouco nervosa por Hakim estar ali e curiosa para
saber como ele está encarando tudo aquilo, já que eu mesma não sei muito
bem como lidar com aquela mulher de cabelo rosa.
— Nossa tenda é sua tenda, terá abrigo aqui até que se sinta bem para
partir. – Vejo-o dizer, com sua costumeira expressão endurecida e com o
inglês bastante carregado.
— Agradeço a hospitalidade. – Ela não parecia muito incomodada com a
cara zangada de Hakim e lhe lançava olhares curiosos um tanto avaliativos,
enquanto mastigava o baghrir. — Iremos assim que o Aziz acordar, aposto,
já que ele não gosta muito de aventuras.
Fico curiosa com suas palavras e noto que Hakim também, mas ele não
demora em nos deixar sozinhas mais uma vez. — Hot! – Diz abanando a si
mesma com uma mão.
— Não entendo. – Ela sorri, talvez o som de seu sorriso deva ser
contagiante e eu me pergunto que timbre teria sua voz.
— Deixa para lá. – Fico tentada a pedir que explique, e quando me olha
deve ter notado a minha pergunta silenciosa. — Me desculpe, é que eu
tenho queda por machões com cara de bravo e ele tem, então… – Se põe a
rir novamente, me deixando mais confusa do que antes. — Ah, cara, é que
esqueço que aqui é tudo diferente. – Prossegue. — A quanto tempo está
casada?
— Cinco dias. – Arregala os olhos diante da minha resposta encabulada.
— Que droga! não me diga que atrapalhamos suas noites de núpcias. –
Meu rosto queima como se eu estivesse no sol novamente.
— Por Alá! – Exclamo, a fazendo rir.
— Desculpe é que eu não tenho filtro. – Eu estava ficando tonta com
aquela conversa, e nervosa, então comecei a preparar mais pão. Não estava
disposta a falar das minhas intimidades com uma desconhecida, por mais
simpática que fosse.
— O homem, ele é seu marido? – Noto que seu semblante assume uma
expressão travessa, como se fosse fazer algo que não deveria naquele
momento. Olha para trás e depois para mim.
— Sim, é meu marido, mas ele ainda não sabe disso. – Cobre o rosto
com a mão para conter o sorriso.
— O quê? – Paro com a sêmola no ar. Aquela moça era mais estranha do
que aparentava.
— Nada, eu só estou brincando, se bem que acho melhor seguir por essa
linha, mas pode ser que ele fique furioso ao ponto de querer me esganar, o
que vai ser bom... – Solto a farinha um pouco frustrada, pois quando acho
que estou começando a entendê-la, ela se complica em suas palavras e eu
me vejo perdida mais uma vez.
— Você é estranha. – Mordo minha língua por dizer isso, mas ela apenas
me dá um sorriso fácil.
— É o que todos dizem, mas sou legal, não é? – Confirmo, sem saber se
fiz bem. — É mais fácil assim, Zara, não vê? Eu tive uma segunda chance
de viver e vou aproveitar cada segundo. – Pisca um olho para mim e eu fico
tão nervosa que derrubo um ovo no chão.
— Eu… eu… eu não devia ter dito isso, não quis te ofender. – Me
apresso em limpar a sujeira.
— Calma Zara, relaxa, é muito difícil alguém conseguir me ofender, vai
por mim. – Sorri de um jeito tão sincero que me aquece a alma. — Agora
me explica, como é que pode você e aquele bonitão não estarem em lua de
mel? – Sinto meu sangue sumir do rosto.
— Por Alá… – Fica rindo e eu me atrapalho mais ainda preparando a
massa.
— Eu vou ver o… meu marido. – Diz com um humor impressionante. —
Obrigada pela comida, estava deliciosa.
— Eu farei mais, caso queira. – Sorri, me deixando sozinha novamente.
Eu acho que nunca havia errado uma massa de pão caseiro antes, mas dessa
vez preciso refazer uma toda do zero.
[...]

— Tem algum modo de conseguir um transporte seguro até a cidade? –


Eu observava com atenção o homem grande que havia acordado na parte da
tarde, e mesmo fraco, insistia em ir embora.
— Não é seguro irem agora, esperem até estarem em melhores
condições. – Hakim levava muito a sério seu papel de anfitrião e eu fiz um
belo banquete para o jantar, feliz por poder fazer isso.
— Não precisa insistir muito, a gente fica. – A moça diz e recebe do
parceiro um olhar feroz, semelhante aos que Hakim costuma ter, mas ele
disfarça bem. — Meu esposo ainda está sofrendo com a insolação, tadinho.
– Ergue a mão em direção ao rosto do marido, prendo ar quando o homem
segura seu pulso e a impede de o tocar no último segundo. — Nada de amor
por agora?
— Apenas fique quieta. – O jeito que os dois falam um com o outro
deixa claro que havia algo de errado, mas que experiência eu tinha com
aquilo? Na verdade, parecia muito com… olho para Hakim e ele não está
nada confortável, saindo sorrateiramente, e me lança um olhar de
repreensão. A verdade é que aqueles dois diante de mim, pareciam uma
cópia estranha de mim e Hakim.
— Eu não vou dormir no chão, dormimos muito bem aqui ontem e você
até me abraçou. – Percebo que talvez eu devesse abandonar o quarto e
deixar os dois terem privacidade, mas a curiosidade me impedia.
— Jamais faria isso! – Retruca com convicção demasiada.
— Ah, você fez, dormimos de conchinha e tudo mais. – Ela pula para
fora da cama quando ele tenta agarrá-la com uma mão. — Olha a anfitriã
ali, o que ela vai pensar?
— Me desculpe, eu… eu não devia…
— Zara, eu gostaria muito de um banho, você poderia me ajudar com
isso? – Vem até mim com muita empolgação. — Não ligue para ele, é um
ranzinza. – Confidencia cobrindo a boca.
— Claro, eu busco água para você. – Se afasta me olhando com surpresa.
— Busca? como assim? Não tem banheiro? – Me apresso em sair, mas
ela me acompanha, o que dificulta e muito ler suas palavras apressadas.
— Temos uma bomba de água lá fora. – Eu digo e ela comenta alguma
coisa, mas não consigo ler a tempo, captando apenas “lá fora mesmo”.
Apenas concordo, já que não me restava muita alternativa.
— Olha isso! – Ergue o rosto para o céu. — O que é aquilo?
— Camelos, meu… o meu… – Começo a bombear a água com certa
pressa. — Hakim tem criação de camelos para abate.
— Abate? – Por um momento eu a vejo assustada. — Como assim?
Abate do tipo: matar o animal e comer? – O brilho da lua nos ilumina o
suficiente para que eu possa ver sua cara de espanto.
— Sim, é a melhor carne de camelo do Marrocos. – Fica me encarando,
como se esperasse que a minha resposta fosse diferente, e eu nem havia
notado que repeti a frase que Rahina me falou a poucos dias.
— Isso é… cruel. – Tirei um balde cheio e comecei a encher outro, sem
saber muito bem o que dizer. — O que está fazendo?
— Não temos água encanada, lá dentro temos uma banheira grande de
estanho, eu te ajudei em um banho ontem. – Conto envergonhada por ter
feito algo tão íntimo com alguém desconhecido, lembrando de como ela era
estranha até nas partes baixas... como alguém podia aparar os pelos daquela
forma?
— Eu não lembro de muito, a última coisa que recordo é da tempestade
de areia. – Esfrega os braços e volta a olhar para o céu. — Agora estou
aqui, é isso que importa, e vou aproveitar. – Começa a tirar a roupa e eu
paraliso.
— O que está fazendo? – Volto meu olhar para tenda, temendo que
Hakim apareça por ali e a veja em sua nudez.
— Eu estou aqui, no meio do deserto, então é claro que vou tomar um
banho ao ar livre. – E ela o faz. Sem nenhum pingo de medo do que quer
que fosse.
CAPÍTULO 9

ZARA

Estava claro que o casal era bem mais do que aparentava e que
escondia algo. Mariana acabou me contando naquela noite, que é brasileira
e eu fiquei bastante curiosa com tudo o que me disse, inclusive sobre uma
amiga que vivia em Casablanca e que tinha se casado a pouco tempo. A

história pareceu um pouco confusa, pois ela mesma disse que também não
sabia muitos detalhes.
Me falou de seus pais e vi o brilho de saudade em seus olhos, enquanto
estávamos sentadas em duas cadeiras do lado de fora, cobertas com uma
manta grossa. Mariana parecia apreciar tudo e sorria com tamanha
facilidade que eu me peguei invejando-a.
— O que aconteceu com ele? – Ela toca em meu braço e franze a testa.
— Desculpe, eu estava distraída. – Havia erguido meu rosto para o céu,
após ela o elogiar com tanta emoção e notei que nunca havia contemplado o
céu com tanta atenção como agora.
— Percebi. – Disse um tanto desconfiada. — O que aconteceu com seu
marido? Com o rosto dele. – Aperto mais o cobertor contra mim.
— Eu não sei…
— Como assim? – Dou de ombros.
— Nosso casamento foi arranjado. – Engulo em seco, um pouco
envergonhada. — Meu pai devia dinheiro para ele, então…
— Entendo. – Me dá um sorriso fraco. — Então, são dois estranhos. –
Confirmo que sim. — Como é o sexo então? Não é estranho? – Reteso meu
corpo e fico à beira de um colapso nervoso. — Me desculpe, é que é
estranho esse lance de se casar com uma pessoa que você nem conhece
direito e ainda ter que transar com ela.
Eu fico completamente perdida com boa parte do que diz, e talvez ela
tenha notado isso e passa o minuto seguinte explicando o que queria dizer, e
eu só pensava em sair correndo dali. Ninguém nunca havia falado comigo
tão abertamente sobre o que acontece entre um homem e uma mulher.
— Pelo profeta… – Estranhamente eu sinto que o meu estado nervoso se
tornava curioso para ela.
— Isso é muito injusto, não acha? Você deveria saber essas coisas, ser
preparada para o matrimônio e o que se sucederia depois da união. – Desvio
meu olhar um segundo, me dando conta que ela estava certa, talvez eu
tivesse sido preparada se minha mãe estivesse viva. — Ele foi bom pelo
menos?
— Não sei do que está falando. – Parece chocada com minha resposta.
— Quando vocês tiveram a sua primeira noite, foi bom para você. – Eu
neguei e ela me olhou incrédula.
— Ele… – Engulo em seco, não acreditando que em poucos minutos ela
conseguiu fazer com que eu me abrisse. — Eu não conseguia me mexer…
não conseguia me por em pé sem um apoio. – Conto um pouco nervosa.
— Que bizarro. – Fica me olhando e noto pena em seus olhos. — Não
precisa ser assim Zara, você pode fazer com que seja bom pra você, do
mesmo jeito que é bom pra ele. – Eu me negava a acreditar que pudesse
haver algo de bom naquilo tudo. — Uma boa conversa pode ser o
suficiente, uma conversa aberta e franca.
— La, não, você não o conhece, ele me odeia. – Me viro para trás,
temendo ser ouvida, já que poderíamos ser surpreendidas ali a qualquer
momento.
— Odeia? – Faço que sim. — Talvez seja novo para ele, ser casado, mas
tenho certeza que não é uma pessoa ruim, se fosse, não teria salvado a mim
e o Aziz e nos acolhido em sua tenda. – Eu não saberia dizer se ele era ruim
a esse ponto, sabia apenas que ele não me suportava. — Se você não se
sente bem por que não separa?
— Eu entraria em desgraça e meu pai… meu pai ainda tem dívidas com
ele… seria uma vergonha.
— Certo, certo, eu entendo. – Respira fundo. — Então não há jeito,
vocês precisam aprender a se entenderem, do que ele gosta?
— Não sei. – Parece se frustrar com minha resposta.
— Do que você gosta? – Fico parada, sem saber o que responder, e
constato que não sei a resposta daquela pergunta e mesmo sendo algo tão
simples, me assusta não saber do que eu gosto. — E o que não gosta nele?
— Nunca pensei nisso. – Coloca seu cabelo rosa atrás da orelha, e noto
que tem vários furinhos nela. — Eu não gosto… não gosto…
— Você consegue. – Incentivou.
— Eu só quero que a gente tenha harmonia. – Estala o dedo diante de
mim.
— Está vendo, não foi difícil. – Diz exultante. — Minha mãe sempre me
fala que a gente tem que dar o melhor de si, então, dê o seu melhor para ele
Zara, se o seu marido não perceber a mulher maravilhosa que tem debaixo
dessa tenda, então ele não te merece e eu te aconselho a pegar suas coisas e
ir embora.
— Mas…
— Mas nada. – Me corta antes que eu argumente. — Só você sabe o que
é melhor para si, aprenda isso, e será feliz. – Ergue sua sobrancelha rosa,
que agora percebo estar desbotando para um tom castanho claro ou talvez
loiro. — Agora, vamos ao sexo.
— Pelo profeta! – Não contive um sorriso.
— Ouça com atenção as palavras de alguém que não tem experiência
prática nenhuma, mas que na teoria é expert no assunto. – Eu deveria temer
pelo que viria, pois não entendia muito do que ela dizia. — Esqueça sua
primeira vez, faça com que a próxima seja.
— Eu não sei…
— Hum… vejo que o caso é mais grave do que pensava. – Dou de
ombros mais uma vez. — Faz o seguinte, que tal você se tocar? Não hoje,
pode ser qualquer outro dia.
— Por Alá, por que eu faria isso? – Pergunto horrorizada.
— Vai por mim, você vai gostar, toque em seu corpo como se estivesse
explorando-o, como se estivesse massageando uma massa, igualzinho como
fazia mais cedo, lembra? – Meu coração se acelera de um jeito feroz. —
Você vai começar a sentir sensações, novas, porém boas, então prossiga,
talvez pense que vai explodir. Quando chegar a esse ponto, faça o que
estiver fazendo, só que com mais rapidez e espere a explosão tomar conta
do seu corpo inteiro.
— Isso não parece certo. – Sacode os ombros não dando importância.
— Quem disse? – Não encontro resposta. — Quando você souber a
resposta para o que você gosta, mostre para ele e tenho certeza que haverá
muiiiiita harmonia na sua tenda. – Choca seu ombro contra o meu com seu
costumeiro sorriso travesso.
— Ele vai me matar. – Digo rindo, sem jeito, mas notando que mesmo
ali fora, e sabendo que a noite estava fria, eu sentia um pouco de calor,
chegando até mesmo a me descobrir um pouco.
— Ah, vai... e você vai gostar, posso apostar que sim. – Pisca
zombeteira, e eu sabia que daria tudo para ser como ela, mas que jamais
seria, mesmo assim, estava contente por ter corrido até o deserto e a
salvado.

HAKIM

O homem, que dizia se chamar Aziz, passou cerca de vinte minutos em


uma chamada no meu telefone. Aqueles dois eram estranhos e não disseram
nada sobre o fato de estarem quase mortos no deserto, mas nosso povo
levava muito a sério o bom tratamento dos convidados. Como bons
anfitriões, os recebemos de portas abertas (ou tenda aberta), com Zara
fazendo banquetes dignos de reis, e a moça - não sei onde ela encontrava
lugar para colocar tanta comida -, se empanturrava.
— Consegui um transporte. – Me estende o telefone, não parecendo
muito satisfeito.
— Não se apressem em ir, tenho certeza que a sua… esposa? Gostaria de
ficar mais um pouco. – A amizade entre Zara e a estrangeira foi instantânea
e desde a noite anterior, as duas conversavam de forma animada durante
boa parte do tempo. Eu não sabia se aquilo era bom, dado que aquela moça
de cabelo rosa não aparentava ser uma boa influência para ninguém.
— Eu agradeço por tudo, sem a ajuda de vocês poderíamos estar mortos,
eu nunca tive oportunidade de conhecer o deserto de M’hamid.
— Ele costuma ser traiçoeiro até mesmo para os mais experientes. –
Estava claro que ele ainda precisava de alguns dias, mas se mostrava
determinado a partir o mais rápido possível.
— Lembrarei disso. – Fez um breve gesto com a cabeça e se afastou,
indo ao encontro da mulher que eu sabia que não era sua esposa.
Um pedido grande havia sido feito naquela manhã e segundo meus
homens, no centro de M’hamid, o pai de Zara havia desaparecido. O velho
estava querendo testar minha paciência. Duvidava que fosse me pagar o que
devia e pelo jeito estava largando a filha à própria sorte.
— Tem certeza de que precisam ir? – Vejo Zara questionar a moça de
cabelo rosa. Em momento algum ela o cobriu, e o homem não parecia se
importar com isso, deixando claro que não havia um vínculo entre eles, pois
um marido jamais deixaria sua esposa andar por aí sem um hijab.
— Você tem um telefone? Talvez eu possa te ligar.
— Mariana… – Ouço o tom de alerta do homem, e ela apenas o ignora.
— Não tenho. – Eu já havia notado que Zara não possuía muita coisa,
sabia que sua família era pobre, mas não imaginava que fosse tanto.
— Você pode ligar para o meu número. – Falei, provavelmente sem
pensar direito, e ao ver todos os rostos voltados para mim, me fez ter
certeza disso.
— Ótimo! Isso é maravilhoso. – Disse com entusiasmo, sorrindo para
mim como se fizesse isso todos os dias. Aquela alegria me pegou de
surpresa, pois nunca, jamais, alguém havia sorrido para mim, já que as
pessoas costumavam não me encarar e preferiam baixar o olhar e sussurrar
pelas minhas costas. — Chukran? É assim? – Questionou e Zara explicou a
forma certa para a pronúncia. — Eu não vejo a hora de falar tudo. Posso
voltar aqui, em uma ocasião menos… dramática? – Aziz parecia prestes a
explodir, lançando olhares ameaçadores para companheira.
— Poderia? – Zara me dirige um olhar quase suplicante.
— Ela não é alguém que vocês gostariam de ter como companhia. – Aziz
diz entre dentes. — Não leve em consideração nada que disser, a areia do
deserto deve ter entorpecido o cérebro dessa… dela.
— Eu sou uma pessoa bastante agradável, você que é um ogro, ranzinza
e insuportável! – Ambos mediam forças apenas com o olhar e palavras,
nenhum parecia propenso a ceder. Zara sorria, e eu me pegava olhando para
a curva de seus lábios erguidos, expondo seus dentes alinhados e pequenos.
— Sintam-se à vontade para retornarem quando acharem melhor, serão
bem-vindos. – Digo com sinceridade, como nunca antes, pois era claro,
como o dia, que eu nunca tinha gostado muito de ter estranhos sob meu
teto, mas o sorriso de contentamento de Zara me fazia querer vê-lo mais um
pouco e ele cresceu ao ouvir minha resposta em tom apaziguador.
— Toma essa Aziz! Engole isso! – Esnobou-o, e ele não se agradou
disso, talvez a castigasse em outro momento.
O som de um veículo se aproximando nos faz deixar a saleta e seguir
para fora, onde as duas se despedem como se fossem irmãs e logo em
seguida os dois desconhecidos vão embora, deixando no ar apenas uma leve
poeira. Ouço o suspiro triste de Zara e ela se adianta a entrar, mas consigo
ver o brilho de lágrimas em seus olhos. Talvez, estar aqui sozinha não fosse
o que ela esperava, e como poderia? Ela se casou comigo para que seu pai
não sofresse as consequências por me dever dinheiro.
A sigo em silêncio e vejo-a arrumar a pequena bagunça feita durante o
chai de despedida. Foi apenas um dia, mas ela se apegou a aquela moça.
Provavelmente eu devesse mandá-la para a casa grande, ficar junto de
Rahina e suas filhas mais jovens.
— Eu vou pedir para que Rahina te leve para ficar com ela na casa
grande, lá tem mais conforto e você vai se sentir melhor na companhia de
outras mulheres. – Digo, mas ela não parece me dar ouvidos, empilhando as
xícaras de chai e café e as abandonando na saleta, me fazendo ficar travado
e sem reação. Eu fui ignorado, ela simplesmente ignorou a minha presença
e esnobou as minhas palavras.
Eu senti o sangue em minhas veias esquentar a ponto de ferver, meus
dentes rangiam e faziam um barulho muito alto. Que tremendo idiota eu fui,
sim, não havia outra palavra para me definir, estava claro que eu não
deveria ser bom com quem quer que fosse, muito menos com a mulher que
agora é minha esposa, que de boa moça tinha apenas a aparência. Era igual
a todas.
Sigo ao seu encontro, com o monstro em mim dominando cada fibra de
meu corpo, que tremia de raiva e fúria. Ela está preparando algo e no
segundo que me vê, ergue seu olhar cor de avelã surpreso e receoso, dando
um passo para trás, o que faz com que eu quase ruja feito um animal.
— Ouça bem... não pense por um segundo sequer que eu esqueci das
palavras que proferi. Você e seu pai tem um mês e nada mais, então eu
espero que dentro de você tenha uma criança, porque nada além disso irá
fazer com que eu não a enxote daqui e acabe com a raça do seu pai, fui
claro? – Seus olhos ficam de imediato cheios de lágrimas, o medo se
tornando visível, e eu não me importei de ser eu o causador, afinal, qual era
o meu problema? Eu sabia o que causava nos outros? Então qual era o
problema de causar isso nela também? — Fui claro!? – Grito, a fazendo
saltar e por fim confirmar com a cabeça.
Eu era um monstro, não podia esquecer disso.
CAPÍTULO 10

ZARA

É certo que o deserto tem algo que atrai, que instiga as pessoas a
querer explorá-lo, por isso, eu via ao menos uma vez por semana, uma
caravana nova chegar, alugando camelos para seguirem pelas areias
quentes, mas claro, eles apenas iam até o oásis e se deliciavam com sua

água fresca e límpida, sem se atrever a irem além.


Dois dias após a partida de Mariana e seu companheiro rude, eu ainda
sentia um vazio e isso parecia piorar quando eu lembrava de ‘Hana e meu
pai. Não havia brecha para que eu pudesse fazer um pedido a Hakim,
parecia que a cada dia ele me odiava mais, e agora eu raramente o via
dentro da tenda. Eu preparava o desjejum e horas depois encontrava tudo
como havia deixado e aquilo me deixou… triste.
Suas palavras duras não saiam da minha cabeça, ameaças claras e
objetivas, que deixavam claro que eu estava ali por um motivo e que eu não
passava de um acordo infame.
A incerteza me deixava em pânico e para mim não parecia haver
solução, já nem sabia o que rogar para Alá, se pedia por um filho ou por um
milagre que fizesse com que tudo aquilo se resolvesse de uma forma que
não resultasse em ter minha reputação manchada para sempre.
Acaricio a orelha de um camelo na parte traseira da tenda, via ao longe
os turistas seguindo para o oásis. Eu havia ido até lá em uma tarde quente e
molhado meus pés em suas águas calmas, quase como em um sonho. No
fundo eu sabia que era uma adoradora daquele lugar, que para muitos era
inóspito, mas via tanta beleza naquelas dunas, mais até do que nas grandes
cidades que ‘Hana admirava em seu computador.
Eu me pegava pensando em tudo o que Mariana disse, sobre ir embora,
mas para onde iria? Só me restava Baba e ‘Hana e com o passar dos dias eu
temia que nunca mais fosse vê-los novamente.
— Não. – Afasto a grande cabeça do camelo que usa sua língua para
tirar meu hijab, os outros comiam folhas secas, que era trazida pela manhã.
Afasto o animal abusado, lançando um olhar ameaçador por suas tentativas
de despir minha cabeça. — Chega de carinho por hoje. – Me afasto ao notar
que começava a conversar com os animais que logo seriam vendidos.
Eu deveria fazer o jantar aquela noite? Não sabia, já que ainda tinha
muito do almoço que somente eu comi. Eu já havia me adaptado a uma
rotina dentro da tenda, e ela me ajudava a não pensar, e a bem da verdade,
eu gostava muito de fazer os pratos e vê-los sendo devorados com gosto.
Agora parecia que não tinha nada de útil a fazer. Nem as roupas ele deixava
no lugar habitual para que eu as lavasse e a banheira de estanho estava
cheia e com água limpa quando eu ia até ela para limpar e deixar tudo
pronto para mais um dia.
Comi alguns pedaços de cordeiro com arroz e desprezei o restante,
pensando em deixar um jantar à altura de um rei, e ele que decidisse se
comeria ou não. Não sei se aguentaria aquela tortura psicológica por muito
tempo, pois tentava me manter invisível e útil, mas com que finalidade? Já
que ele me devolveria ao final daquele mês.
Carreguei a água, a fervi e preparei o banho para nós dois. Eu daria o
meu melhor, já não me restava nada mais e eu não iria aguentar ficar
esperando pelo resultado do meu infortúnio. Preparei a saleta, como sempre
e tomei um banho, deixando meus cabelos soltos. O sol aos poucos ia
embora e eu havia criado o hábito de assistir aquele espetáculo graças a
Mari, que me mostrou o quanto era bonito. Estava saindo quando vi um
homem se aproximando da tenda, ele estava longe para que eu pudesse o
identificar de cara e me perguntava quem poderia ser, quando suas costas
curvadas e o jeito de andar o denunciaram.
— Baba… – Corri ao seu encontro e ele sorriu quando me viu e o
abracei com força, chorei contra seus braços, sentindo o quanto precisava
daquilo. — Está tudo bem? Aconteceu algo? Onde está ‘Hana? – Ele
parecia estar muito cansado, abatido e pálido, me assusto ao vê-lo daquele
jeito, parece um estranho.
— Estou bem, não se preocupe comigo. – Um sinal de alerta pareceu se
acender dentro de mim. — Onde está seu marido?
— Eu não sei Baba, não sei… – Ele dirigiu um breve olhar para a tenda
e depois os focou em mim e o brilho de suas lágrimas me partiu a alma.
— Você é uma alegria para os olhos, eu nunca havia percebido isso, até
que você deixou nossa casa. – O abraço novamente, soluçando e tentando
conter as lágrimas.
— Zara, preste bastante atenção. Eu não vou ter como pagá-lo. – Eu o
soltei, o olhando aterrorizada. — Eu sinto muito, sinto que tenha destruído
sua vida, mas Alá sabe que nunca foi minha intenção.
— Baba… – Eu sentia o medo me abraçando agora. — Ele vai… – Eu
não conseguia prosseguir.
— Não vai, poderia, mas trouxe você junto com ele, e tenho certeza de
que você consegue fazer com que Hakim a aceite. – Nego com veemência,
pois sei que Hakim me odeia e deixa isso claro toda vez que me olha.
— Me leve com você, por favor Baba, eu não vou suportar ser
humilhada, não vou. – Seguro seu ombro com força. — Podemos…
podemos fugir. – Olho em torno, vendo que agora havia pouquíssima luz
natural e que em breve apenas as estrelas nos iluminariam. Noto que o
carro, que sempre está parado ao lado da tenda, não estava ali.
— La, não, não quero condená-la a uma vida de fuga. – Arregalo meus
olhos.
— Mas pode me condenar a viver com um homem que me odeia? – Me
lança um olhar surpreso, talvez não esperasse que eu fosse dizer tal coisa.
— Você é a minha única chance, a única, sem isso estarei perdido e você
e sua irmã largadas ao vento. – Um tremor percorre todo meu corpo ao ler
isso em seus lábios.
— Onde está ‘Hana? – Fico temendo a resposta, meu estômago se
revirando em agonia.
— Sua irmã entrou em desgraça em toda M’hamid. – Minhas pernas
fraquejam e eu podia cair a qualquer minuto. — Ela fugiu para outro país,
todos sabem, ele sabe.
Alá, Hakim deve estar furioso.
— Como…? O que sabem? – Meu transtorno não permite que eu pense
com clareza, sentia que tudo estava ruindo.
— Sabem que ela fugiu do compromisso com Hakim. – Engulo em seco,
aterrorizada com tudo aquilo. — Tudo que preciso é de tempo, só isso.
— Baba. – Uma luz forte recai sobre nós, e me viro para ela, percebendo
que se tratar dos faróis do veículo de Hakim, ele para o carro ao nosso lado
e encara a nós dois com fúria no olhar, baba foca seus olhos em qualquer
lugar, menos em Hakim.
— Veio pagar o que me deve, velho? – sinto Baba estremecer ao meu
lado.
— Eu ainda tenho tempo. Vim fazer uma visita a minha filha. – Baba
parecia reduzido a nada.
— Visita? – Eu tive que me empenhar a olhar de um a o outro para ficar
a par de tudo.
— Sim, não vejo nada demais em a visitar, para saber se está tudo bem.
– Hakim parecia bastante desconfiado.
— Como pode ver, ela nunca esteve tão bem, então, pode sair das
minhas terras! – Seguro a mão de Baba, como um pedido silencioso.
— Ele já está indo. – Digo de forma apressada.
— Não se esqueça do seu prazo velho, e lembre-se que estou sendo
muito paciente. – Arrastou o carro levantando poeira, o que nos fez tossir e
fechar os olhos.
— Baba…
— Você é a única chance que tenho, a única... – Noto o desespero em seu
semblante.
— O que vai fazer, me diz? Se ele souber que o senhor não vai o pagar…
se souber…
— Consiga tempo para mim, é só o que te peço. – Ele olha para trás de
mim, um tanto assustado, mas eu sequer me atrevo a virar. Beija minha
testa rapidamente. — Eu te amo, filha, me perdoe.
Ele se vira e ignora meus chamados e fico ali me sentindo perdida. Eu
sabia que o que ele me pedia era mais do que eu podia suportar, mas ver seu
rosto cansado, carregado de medo, me deixou devastada. Eu não tinha como
condenar o meu pai, mas não sabia como conseguiria mais tempo.
Seguindo com passos vacilantes para a tenda, sabendo que Hakim
deveria estar furioso por descobrir que as pessoas falavam sobre ele ter sido
enganado, por um momento penso em sumir pelo deserto, para não ter que
o enfrentar e ler suas palavras duras.
Entro, afastando a cortina pesada que ficava serrada durante a noite,
encontrando meu marido estendido no sofá de madeira, com almofadas
coloridas para deixá-lo confortável, enquanto sugava o narguilé. Olhou para
mim, desde os meus pés descalços e sujos de areia, até pousar seus olhos
bem em meu rosto, com sua feição zangada me causando arrepios e um frio
na barriga.
— Não quero o seu pai aqui. – Disse soltando uma densa fumaça, com
cheiro de menta, no ar.
— Ele é o meu pai. – Empurrou a mesa, derrubando todo o jantar que
preparei e vejo ele me encarando de forma ameaçadora, instintivamente dou
um passo para trás.
— Eu não serei feito de tolo outra vez! – Estava tão enraivecido que a
veia de sua testa saltava.
— Não fiz nada… eu só queria…
— O quê!? Ganhar tempo para ele? – Arregalo meus olhos notando que
ele sabia dos planos de Baba.
— N-Não… – Quis negar, mas vi que ele notou o nervosismo.
— Não minta! – Eu não sabia o que dizer para que ele não ficasse tão
nervoso, só sentia vontade de sair correndo, mas minhas pernas estavam
moles. — Seu pai irá me pagar cada centavo do que me deve.
— E se ele não pagar? – Pergunto com medo do que ele responderá.
— Reze a Alá para que ele o faça. – Suas palavras pareciam carregadas
de uma força que eu mesma desconhecia.
— Por favor… eu faço o que você quiser… o que quiser. – Jogo meus
joelhos contra o chão, isso o faz parar onde está, surpreso, talvez um pouco
balançado, não tinha como dizer.
— Vocês têm um mês, caso contrário será largada ao vento. – Sai da
tenda passando direto por mim. As lágrimas me dominam. Ele não voltará
atrás e eu estarei perdida. Me arrasto até o quarto, pedindo a Alá por um
milagre, pois eu não podia permitir que ele fizesse algo contra Baba, afinal
ele é o meu pai acima de qualquer coisa e se eu não fizesse nada, carregaria
aquela culpa para sempre.
Foi por isso, que naquela noite eu implorei a Alá para que dentro de mim
estivesse crescendo um filho e as palavras de Mariana retornaram para o
meu pensamento. Como eu poderia dar o meu melhor? O que eu tinha de
melhor? Eu me sentia inútil, imperfeita, desagradável e muito
provavelmente fosse ser assim para sempre. Quando Hakim me devolvesse
o que restaria de mim?
— Alá, me ensine a ser forte. – Rogo, fechando meus olhos com força. –
Por favor… – Abro eles e o quarto ainda estava às escuras, quando tomei a
decisão. Eu lutaria para provar a Hakim que eu era uma boa esposa e se
mesmo assim ele não visse, só me restaria aceitar a desgraça e partir.
CAPÍTULO 11

HAKIM

Zara passava horas conversando com os camelos e eu apenas a


observava de longe. Eu andava dormindo a céu aberto e não me reconhecia.
Não bastava ser motivo de falatório por causa da minha aparência, agora
todos riam do quanto fui idiota, por ter sido enganado.
Na noite anterior eu a ouvi chorar e implorar pela ajuda de Alá e sai da
tenda me sentindo a pior pessoa do mundo.
Ela parecia tão inocente ao olhar, chorando com tanta facilidade, que eu
me sentia dividido entre a verdade e toda a mentira que ela junto ao pai
tramou para me enganar, mantendo-me preso nessa situação.
Desço meu olhar pelo corpo dela e não tem nada aparente, seus vestidos
são folgados e deixam apenas seus braços amostra, mesmo assim, sabia que
não seria possível ver uma gestação, afinal, tinham sido poucos dias desde
que nos casamos e tivemos a nossa noite de núpcias.
Chuto um monte de areia, zangado por trazer isso à tona. Achei que não
pensaria em sexo novamente, já que antes eu dificilmente sentia desejo, mas
agora eu vivia a flor da pele e as lembranças me castigavam, talvez eu não
fosse suportar tê-la ali e não a jogar contra minha cama e me enfiar entre
suas pernas.
Eu cheguei a cogitar a ideia de perdoar a dívida de seu pai, se ela se
entregasse a mim por vontade própria, mas afastei aquele absurdo no
mesmo instante, por mais tentador que fosse, pois sabia que me
arrependeria depois.
Tirando meu celular do bolso, cubro a tela com a mão para poder ver o
número de quem estava me ligando mesmo desconfiando de quem fosse,
pois havia combinado com Kaysar de que nos falaríamos antes do almoço.
Meu estômago reclama no mesmo instante, talvez eu pudesse me permitir
comer o banquete que Zara preparava todos os dias, mesmo sabendo que no
momento eu estava me recusando a comer da sua comida.
— Salam Aleikum. – Digo, ouvindo o sorriso debochado do meu sócio.
Kaysar era encarregado de negociar os animais fora de M’hamid, pois eu
sabia que não seria bem aceito por clientes pomposos.
— Salam, meu amigo, estou ligando para avisar que estarei aí amanhã
bem cedo, acabei de passar pelo nosso escritório e há uma tremenda
papelada burocrática para você assinar. – Estalo a língua enquanto ele
apenas ri.
— Achou que ficaria aí aproveitando o melhor do deserto?
— Se você chama isso de aproveitar eu não saberia dizer o que não é. –
Retruco, sem muito humor, enquanto ele segue tentando me arrancar algum
sorriso.
— Georgiana me disse que precisa de férias, mas o que faremos sem
nossa querida contadora? – Me apoio na cerca notando que Zara havia
sumido de onde estava.
— Diga a sua irmã que precisamos trabalhar mais um pouco para
desfrutar no futuro. – Ouço seu bufar de descontentamento e uma porta de
veículo ser fechada com certa força.
— Talvez você esteja precisando mais do que nós dois. – Alfineta com
sutileza.
— Eu me casei, então isso já é motivo suficiente para não pensar em
pausa no momento. – Aguardo o minuto que se passa enquanto ele assimila
a minha notícia.
— Você está falando sério? – Confirmo mesmo sabendo que ele não
podia me ver. — Quer dizer, que bom, eu fico muito feliz e surpreso na
realidade, estive aí a menos de duas semanas e não havia nenhuma
pretendente.
— Nós somos sócios, mas não significa que eu tenha que te pôr a par de
tudo que faço. – Digo em tom rude.
— Tudo bem, tudo bem, então me diz como ela é e do que gosta, que
levarei um presente de casamento. – Afasto meu cabelo do rosto, me
virando para ficar contra a ventania que vez ou outra passava por mim.
— Qualquer coisa, eu não sei, foi um casamento arranjado. – Omito a
parte em que o arranjo foi feito para uma quitação de dívidas que acabou
não dando muito certo.
— Ora essa, mas quando exatamente aconteceu isso? – Sinto a sua
curiosidade gritando do lado de lá.
— Menos de uma semana. – E realmente não sabia do que minha esposa
mentirosa gostava, ela podia gostar de uma coisa e mentir o contrário, como
saberia? E agora pouco me importava, ela já tinha deixado claro seu
desprezo, quando se negou a abrir as pernas para mim e me chutou a fuça,
além de todas as vezes que ela não ouvia o que eu dizia, me ignorando por
completo.
— Que coisa, eu nunca vou entender esse mecanismo de casamento
arranjado que vocês tanto prezam. – Kaysar era um americano de pai árabe
e mãe americana, nascido e criado boa parte de sua vida nos Estados
Unidos, então, nada nele era como nós, ele não seguia os costumes ou a
religião. Mas era um ótimo negociante, isso não podia negar, em um único
encontro fechamos negócio e iniciamos a sociedade, a qual durava cinco
anos agora.
Já Giorgiana era uma moça inteligente e muito atual, e graças a ela eu
fazia bons investimentos, o que me rendia ótimos lucros. Nosso ramo de
carne de camelo de qualidade ainda era muito novo e precisaria de tempo
para se tornar o que eu queria. Uma marca reconhecida. Tínhamos
conquistado Casablanca e Marrakech, mas o Marrocos é imenso e eu
almejo tudo. — Enfim, pela manhã estarei aí, e levarei um presente, não
posso chegar de mãos vazias.
— Salam. – Desligo, observando a pilha de palha seca que teria que
distribuir para alimentar os animais. Camelos tem boa resistência, e é um
mamífero ótimo para a vida no deserto. O único problema é a procriação,
leva um ano para a fêmea parir e é apenas um rebento, portanto, eu vinha
estudando formas de fazer com que o tamanho da cáfila que tinha,
aumentasse, e que o valor sobre eles também.
Uso a bomba para saciar a sede dos animais, que bebem facilmente
duzentos litros e podem ficar dias ou até meses sem uma gota, mas eu
cuidava para que eles fossem bem alimentados e hidratados, assim a carne
tinha uma boa qualidade.
Adentro na tenda e noto o almoço posto com muito requinte, o local
antes revirado pelo meu ataque de fúria, agora estava impecável, como se
nada tivesse acontecido.
— Eu preparei um chai, de hortelã e limão, gostaria de um pouco, antes
da refeição? – Vejo-a trazer arroz temperado com carne de camelo, o prato
ainda fumegando, e o cheiro é muito tentador. — Quer que eu prepare um
banho?
— Você não precisa fazer nada para mim. – Tiro as botas e as largo por
ali mesmo.
— Eu gosto. – Me surpreendo com sua resposta, mas o jeito com que
finca seus olhos, cor de avelã, na minha cara, me faz perder um pouco da
paciência. — Não me custa, eu não tenho muito o que fazer aqui.
Resmungo algo e me sento diante do almoço, usando a tigela que deixou
ao lado para lavar minhas mãos, rapidamente me estende uma toalha
pequena. Começo a comer e noto que ela apenas me observa, o que me faz
deixar minhas costas ereta e lhe lançar um olhar zangado. Afinal, por que
tem que ficar me encarando?
— Perdeu alguma coisa?
— Não, eu só estou esperando.
— O que exatamente?
— Não sei, talvez queira pedir algo. – Solto um suspiro pesado e torno a
comer.
— Afinal, vai comer ou ficar aí parada? – Ergue a sobrancelha escura e
abre um pouco os lábios. Seu rosto inocente me faz ter pensamentos
pecaminosos, que envolvem eu e ela inteiramente nus, sobre minha cama,
possuindo seu corpo magro e sentindo a textura de sua pele. Soco o braço
de madeira do sofá e percebo que ela se assustou com isso e se adiantou em
sentar diante de mim, sobre uma almofada.
Comemos com as mãos em silêncio, e é estranho, geralmente eu comia
algo que preparava às pressas e sozinho, por vezes Rahina vinha e fazia
ótimas refeições, mas ela respeitava o meu espaço e se mantinha distante.
Nunca senti falta de companhia, afinal, quem ficaria comigo por livre e
espontânea vontade? Até mesmo ela estava ali por culpa de seu insolente
pai, que valia menos que um camelo magro e rabugento.
— Eu gostaria… – Fiquei atento a suas palavras, parecia até que eu já
desconfiava de que fosse me pedir algo. — Gostaria de saber se Mariana
me ligou. – Recolho minha mão, quando nossos dedos se tocam, sentindo
uma descarga elétrica percorrer todo meu braço.
— Não, ninguém ligou. – Seu semblante triste me faz desviar os olhos.
Eu não entendia porque sempre estava em conflito e do motivo dela
despertar em mim tantas emoções à flor da pele. Sentia que estava
enlouquecendo. E não me agradava isso. — Esperou realmente que ela
fosse ligar?
— Ela disse que faria. – Sua voz às vezes parecia falhar de tão baixa que
era, e agora estava um tanto rouca.
— O que houve com sua voz? – Arregalou os olhos e levou a mão a
garganta.
— Nada… – Não parecia muito certa.
— Acho bom evitar o lado de fora da tenda durante a noite, não quero
que fique resfriada. – Bebeu um pouco de água e pigarreou algumas vezes.
— Eu estou bem, não se preocupe. – Talvez fosse a poeira, mas no fundo
eu sabia que foram as lágrimas da noite anterior e isso me faz ficar mudo,
sem ter o que dizer.
— Preciso sair. – Lavo meus dedos de forma apressada, sentindo uma
necessidade gritante de sair daquela tenda. — Não saia daqui, fique aqui
dentro. – Exigi. — Prepare o quarto pequeno e troque os lençóis, amanhã
teremos visita.
— Visita? Eu devo fazer algo especial? – Paro enquanto calço as botas
novamente, tendo meu coração saltando com tamanha força que parecia
prestes a arrebentar a carne.
— Er… é o meu sócio, uma vez ao mês ele vem para M’hamid tratar de
negócios, então faça o que achar melhor. – Saio quase fugindo, sentindo um
peso em meu peito e uma sensação de que não podia lidar com aquilo, com
a forma que estávamos indo. Era certo, eu só podia estar louco e nenhuma
água fria colocaria o meu juízo de volta ao lugar.

ZARA

Sem poder sair da tenda, eu fiz todas as tarefas domésticas e me vi


entediada. Os livros que Hakim mantinha em seu pequeno escritório não me
atraiam. Então enchi a banheira de estanho para lavar os meus cabelos, que
estavam cheios de areia, a qual Hakim levantou com seu carro.
Inspirei o cheiro suave do xampu e coloquei um pouco na palma da
minha mão, contente por ter esse pequeno luxo. Eu já tinha visto bons
produtos de higiene, mas com o pouco dinheiro que tínhamos nunca
sobrava para algo tão simples como um xampu.
A água fria é um bálsamo. A pele do meu braço já estava muito melhor
agora, apesar de estar um pouco áspera ainda. Mergulhei para tirar o
excesso do produto e isso fez com que um pouco de água respingasse no
piso cimentado. Pegando a esponja, a usei para esfregar minha pele notando
o quanto era gostosa a sensação. Olhei para cortina cerrada e me perguntei
se estaria realmente sozinha, a água conservava um pouco da espuma dos
meus cabelos e mesmo se Hakim entrasse ali, não conseguiria ver minha
nudez.
Temerosa e um pouco acanhada comigo mesma, comecei a passar a
esponja de banho sobre meus seios e notei que isso me fazia arquejar e
fechar os olhos de forma involuntária. Mordia meus lábios, temia soltar
algum som, por um momento pensei em parar, mas minha pele parecia se
aquecer ao meu toque e eu sentia um leve formigamento entre minhas
pernas.
Mariana podia ser louca, mas estava certa. Descendo meus dedos de
encontro a minha intimidade, a massageio, sentindo algo inesperado,
notando o quanto aquilo é bom e tentadoramente instigante. Quanto mais eu
esfregava mais sentia que algo estava se aproximando, o que me fez agarrar
a borda da banheira com força e fechar meus olhos para sentir, apenas sentir
o que estava para acontecer. Foi uma explosão tão forte e intensa, que fez
meu corpo inteiro tremer, deixou a minha pele molhada quente ao toque e o
sangue dentro das minhas veias bombearem com força, fazendo meu
coração saltar desenfreado.
Como que me tocar podia ser tão bom e eu nunca ter descoberto isso?
Trêmula, busco a toalha no suporte de ferro e deixo a água, indo direto
para cama. Ainda molhada, me deito ali, e experimento o toque em todo
meu corpo. Minhas mãos passeiam pela minha pele com um toque macio e
a intensidade do calor parece ir aumentando até o ponto máximo, com meu
cérebro se apagando a cada explosão. Era embriagante e viciante as
sensações, mas eu sentia que faltava algo, alguma coisa, e essa frustração
me consumia, e já não fazia questão de conter o que saia da minha boca ou
não, queria mais, queria encontrar aquilo que faltava para aplacar o fogo
que me percorria por dentro.
Languida e mole eu senti que algo saia de mim, e me forcei a levantar,
sentindo meu rosto queimando e um sorriso nos lábios que não pareciam
querer sair dali, mas que com apenas um vislumbre se apagou.
— Não… não… – Olhava aterrorizada para a mancha de sangue que
sujava o lençol. Em poucos segundos toda a sensação boa sumiu e só restou
o desespero.
Não havia um filho crescendo dentro de mim.
CAPÍTULO 12

HAKIM

— Salam Aleikum, irmão. – Kaysar segura meu ombro, beija meu


rosto ao menos quatro vezes e logo me abraça.
— Aleikum Al Salam. – Bato em suas costas, satisfeito por encontrá-lo
novamente. — Fez boa viagem?
— Melhor impossível, talvez você possa ir ao escritório qualquer dia. –
Faz careta e sorri.
— Então teremos que esperar a chuva no deserto. – Ri com muito
entusiasmo.
— Onde está sua esposa? Estou ansioso para conhecê-la. – Bate em meu
ombro e eu aponto a entrada da tenda.
— Ela está lá dentro. – Na verdade, eu não a havia visto ainda, já que
adentrava na tenda pela primeira vez naquele dia apenas por Kaysar estar
ali.
— Que alegria, meu irmão. – Uma mesa incrível estava esperando por
nós, mas nenhum sinal dela. — Vejo que além de preciosa é muito
caprichosa. – Indico para ele o melhor lugar para se sentar e comer o
desjejum. Como ele havia dito, chegou bem cedo, provavelmente dirigiu
por horas, sem pausa, mesmo assim estava bastante animado. — Ainda bem
que trouxe um corte de seda magnífico. Espero que ela goste. –
Confidencia, enquanto eu sirvo o café para nós dois, olhando para a cortina
cerrada da cozinha, com curiosidade.
Fizemos o desjejum sem que ela viesse receber o hóspede e isso estava
me deixando irritado, eu não gostava de pessoas, as poucas que eu tinha
certo apreço, recebia em minha tenda como reis. Além disso, Alá sabia que
quem quer que fosse, se precisasse de abrigo, eu daria, assim como fiz com
aqueles dois estranhos que se perderam no deserto e quase encontraram a
morte. E acredito que ela tinha bastante consciência disso, afinal, não é
cega.
— Espere aqui um minuto. – Peço, disposto a descobrir qual o motivo de
minha esposa não ter vindo recepcionar o meu sócio como se devia.
— Não se preocupe Hakim, está tudo bem. – Diz em tom apaziguador e
apenas o ignorando, sigo até a cozinha, vendo que lá, ela não estava. Aperto
meus punhos e retorno, sentindo o olhar de Kaysar pesar sobre mim, entro
no pequeno corredor pisando duro, e com uma raiva sobre humana, puxo a
cortina, quase a arrancando. Parando no lugar, fico ali na entrada, olhando
para ela encolhida feito uma bola de lã e engulo seco.
— O que aconteceu? – Minha pergunta não passa de um sussurro, eu me
sinto… envergonhado, por pensar que ela estivesse fazendo aquilo para me
irritar. — Zara… – Seu nome em minha boca parece se arrastar. Eu sabia
que desde o instante em que ela exigiu que eu não machucasse seu pai, algo
havia acontecido dentro de mim, e desde então eu estava lutando, deixando
a fera obscura que eu tinha, presa, e não solta para destruir tudo. — Você
está bem? – Ela sequer se mexeu, e penso por um segundo... será que estava
morta?
Me aproximando a passos largos da cama de madeira entalhada, a
sacudo, a ouvindo gemer. Ela tenta me afastar, seus olhos estão marejados e
sua pele muito pálida, aparentando estar muito doente, se não estivesse
morta, estaria morrendo naquele minuto. — Você não me ouviu? – Pergunto
nervoso, e a solto, sem saber o que fazer. — Está doente?
— La, é só um mal-estar. – Se senta sem muita firmeza. — Eu fiz o
desjejum, quer algo? Precisa que eu faça alguma coisa?
— Como assim? Você devia estar naquela sala, recebendo a visita. –
Aponto para fora, me controlando, pois, seu jeito de desentendida me faz
questionar até sua cara pálida.
— Eu não sabia, você… sayidi não disse que era para receber seu sócio.
– Estreito meus olhos e a encaro. — Pensei que quisesse… pensei… apenas
o desjejum. – Puxo o ar forçadamente. — E eu… não estou me sentindo
bem, estou com dor de estômago, mas eu fico pronta em um minuto.
— Esqueça, já ouvi o suficiente. – Deixo o lugar, que agora estava
impregnado com o cheiro dela e paro no pequeno corredor, tentando me
recompor. Afinal, qual é o propósito dela? Me irritar para ser devolvida?
Não, claro que não. Acho que devo deixar claro que odeio quando ela me
ignora, como fez. Aparentava estar doente, mas a chamei, a questionei e ela
me ignorou, como se eu não fosse nada, como se não fosse seu marido.
Aperto meus punhos a ponto de sentir os ossos estalarem, uma tensão
gritante parece prestes a explodir dentro de mim, e eu não sei o quanto isso
iria ser ruim. Talvez arrumar uma esposa não tenha sido uma boa ideia, já
estava claro que nunca daria certo.
Me viro ao ouvir seus passos e a vejo estancar, enquanto segura a
cortina, seu hijab cobria os cabelos longos, a roupa mesmo surrada, caia
bem em seu corpo, e noto o quão cheio estão seus seios, o que me lembra
que as fêmeas ficam assim, quando carregam crianças, as tetas ficam
imensas e pesadas, e eu sabia que os dela eram pequenos, não que
houvessem crescido absurdamente da noite para o dia, não, mas estavam
maiores do que o dia anterior. Com surpresa a olho e vejo seu rosto pálido
adotar um tom rosado.
— Você está… – Limpo a garganta e adoto um tom baixo o suficiente
para que Kaysar não nos ouça da saleta. — Grávida? – Os olhos cor de
avelã se arregalam. — Responda!
— Não! Quer dizer… eu não sei… – Esfrega as mãos e logo aperta a
saia do vestido. — Ainda é cedo.
— Cedo?
— Sim. Acredito que uma semana não seja o suficiente para saber…
acho que talvez… precise esperar…
— Esperar quanto tempo? – Questiono curioso e desconfiado. O que
estaria tramando? — Não me esconda nada.
— Nunca fiquei grávida. – Pontua e eu sabia, senti sua barreira ser
rompida e a recordação faz com que meu pau se anime dentro da calça, me
deixando um tanto desconfortável com isso. — Mas sei que é recente.
— Tudo bem, veremos um médico então. – Arregala os olhos
novamente. — Uma médica, é claro. — Deixo isso explicado, assim que
noto seu olhar de apreensão.
— Não vejo necessidade para isso. – Observo seus seios, mesmo
cobertos, eles estavam se destacando.
— Faremos isso quando meu sócio partir. Agora vá, mude de roupa. –
Olha para si mesma e voltou o olhar para mim.
— Minhas roupas estão molhadas, lavei bem cedo. – Resmungo
insatisfeito, sabia que o que ela tinha de roupa podia ser contado nos dedos
e agora tinha sido defasado ainda mais, já que havia emprestado uma delas
para aquela mulher de cabelo rosa.
— Compraremos roupas então, fique aí, até que suas roupas estejam
secas. – A incredulidade e surpresa eram gritantes em sua face.
— Preciso fazer o almoço e receber o seu sócio.
— La, não, fique, é uma ordem. – Exijo quase rugindo as palavras, ela
me olha de lado, como se fosse me desafiar. — Não se atreva a sair desse
quarto.
— Ou?
— Não responderei por mim! – Ergue uma sobrancelha desafiadora. Não
estava doente a um minuto?
— E quando respondeu? – Seu queixo chega a se erguer um pouco. —
Não se preocupe, ficarei aqui, como sayidi ordenou. – Vira-se e me deixa
sem palavras.
Ridiculamente isso não me irrita, já que pelo menos, ela me obedeceu.

[...]

Eu inventei uma desculpa qualquer a Kaysar e saímos por um dia inteiro.


Da minha cabeça não saia a ideia de que minha esposa pudesse estar
grávida e parecia que quanto mais eu tentava não pensar na ideia, mais me
vinha à tona, ou por ver uma mulher carregando um bebê ou por passar por
uma grávida com seu ventre distendido.
— Parece que nada mudou por aqui. – Saímos de um chai da tarde, após
uma visita à Mesquita para oração. Kaysar não seguia a religião, mas por
vezes ele fazia preces, parecendo mais um estrangeiro do que um árabe, o
que era bem possível.
— Não faz muito tempo que veio. – Digo apenas, entrando no carro e
evitando ficar muito tempo nas ruas. Os dedos apontados e olhares
espantados me faziam querer… não sei... apenas odiava.
— O que o incomoda? Ficou arredio durante todo dia, não que isso seja
incomum, mas quando ligou e contou sobre o casamento, pensei que
estaria… feliz? – Olho para ele por rabo de olho e resmungo que não é nada
que valha a pena mencionar.
— Não é nada mesmo – Digo sem muita convicção no tom, e Kaysar
estala a língua. Apoio meu cotovelo na porta do carro enquanto guio o carro
de volta para o deserto, vendo que o sol já ia sumindo.
Eu sei que Kaysar é uma pessoa de confiança, afinal, ele lidava com meu
dinheiro, e apesar de suas tentativas de uma aproximação, sempre houve um
distanciamento entre nós. Mas o jeito como ele falava, parecia ser capaz de
me fazer soltar a língua.
— O pai dela me devia uma boa quantia em dirham, eu dei um prazo e
ele não cumpriu. – Minha mão suava um pouco. — Certo dia, ele estava no
mercado, junto da sua filha mais nova, e a ofereceu em um casamento, na
troca pelo perdão da dívida.
— Isso é… entendo. – Eu noto que queria me dizer algo, mas ficou em
silêncio.
— Eu aceitei, quando a vi, afinal, que mulher como ela me aceitaria por
livre e espontânea vontade? – A pergunta não exige uma resposta, mas noto
que ele se mexe em seu assento. — Eu tenho quase trinta anos, nenhum
irmão, nenhum parente vivo, preciso de filhos. – Tudo isso, parecia não ter
muito peso agora. — Só que o velho me enganou.
— Enganou? – Aperto com força o volante, sentindo que aquela raiva
não era mais tão grande assim.
— Trocou a noiva no último instante.
— Espera, acho que perdi uma parte dessa história, estou confuso. –
Olho de lado para ele, notando sua curiosidade.
— A noiva com quem casei não foi a noiva que ele me prometeu, no dia
seguinte, após… nossas núpcias, descobri que tinha casado com a irmã mais
velha.
— Velha quanto? – Noto que dirigia abaixo da velocidade de sempre, e
que minhas mãos suavam.
— O caso é que ele me enganou, me fez de idiota perante toda M’hamid.
– Ouvir os rumores da fuga da prometida, de que a noiva fugiu com medo
da minha cara, me deixou ensandecido e quase me fez pensar em cometer
uma loucura. — Os dois mentiram, os dois tramaram tudo.
— Mesmo assim, prosseguiu com a união? Por que não a devolveu? –
Eu me questionava sobre isso, talvez tenha deixado a raiva falar por mim
em muitos momentos, talvez eu só fosse um monstro sem conserto.
— Tínhamos manchando os lençóis, então pensei em esperar, caso haja
um filho. – Balança a cabeça em compreensão.
— E o pai dela? O que aconteceu? – Paro próximo a tenda, notando que
já havia iluminação no entorno.
— Acredito que não vá me pagar o que deve, nem que a noiva certa seja
entregue, mas dei a ele um mês. – Descemos em silêncio, sabendo que ele
ainda tinha perguntas.
— Pretende devolver sua esposa? – Questiona antes de entrar, e paro,
observando pela abertura parcial da lona, que um banquete já estava posto
na saleta, com muito capricho.
— Eu não sei. – Digo e minha voz some ao vê-la afastar a cortina e nos
receber com um sorriso tímido, que faz meu coração tremer. No mesmo
instante quis exigir que Kaysar fosse embora, para que ele não a visse, para
que não a olhasse, eu sentia que somente eu, podia olhá-la — Kaysar, essa é
Zara, minha esposa. – Zara mergulhou seus olhos dentro dos meus, e eles
pareciam ler minha alma, a testa se franziu por um segundo e logo o sorriso
suave retornou a seu rosto, ainda pálido.
— Salam Aleikum, ficamos felizes em o receber em nossa tenda. – Diz
em seu costumeiro tom baixo.
— Aleikom Al Salam. Chukran. – Ele diz levando a mão ao peito, com
punho cerrado e inclinando a cabeça levemente.
— Por favor, entrem, o jantar está servido. – Afasta a lona pesada, como
forma de convite.
— Acho que não foi ruim a troca de noivas. – Kaysar confidência e pisca
um olho para mim, se afastando e iniciando uma conversa com Zara.
— Não foi...
CAPÍTULO 13

ZARA

Olho para Hakim e ele assente, se afastando, então olho para seu
sócio, um homem alto como meu marido, mas magro e com incríveis olhos
azuis, sorrindo e me estendendo uma caixa aberta, com um corte belíssimo
de seda.
— Não gostou? – Questiona quando não me mexo.
— Na’am, sim, é… lindo. – Olho mais uma vez para Hakim, mas ele
havia se sentado, se servindo com um pouco de chai. — Não sei se devo
aceitar.
— Claro que deve, é um presente atrasado de casamento. – Estende a
caixa, e eu sinto um misto de emoções naquele momento. Eu nunca tinha
ganhado nada tão lindo.
— Chukran. – Seu sorriso se intensifica e eu não sei muito bem como
reagir a aquele homem tão educado e elegante. — Por favor, sente-se, eu fiz
carne de carneiro e geleia de pimenta. – Esfrego as mãos fitando a mesa
posta. — Volto em um minuto.
Levo a caixa para dentro, a coloco sobre a cama, sentindo com meus
dedos o quanto a seda é macia ao toque, retiro o corte dourado, que poderia
me render ao menos quatro bons vestidos, tão lindos que todas as mulheres
olhariam para mim com certa inveja. Eu poderia ver os cortes surgindo na
minha cabeça. Anos reparando roupas e passando, me fez tomar gosto por
isso, mas baba nunca tinha dinheiro para comprar tecidos para mim e
‘Hana, então, eu sempre fazia vestidos apenas para ela.
Claro, eu fazia tudo por minha irmã, eu a amava incondicionalmente e
me doía o peito não saber seu paradeiro, não saber se estava bem, ou se
corria perigo. Aquilo me perturbava a noite mais do que queria admitir,
claro que o meu estado influenciava muito em meu humor, mas aquele
desespero crescente do tempo que acabava parecia me esmagar. A
perguntava gritava dentro da minha cabeça.
O que eu faria?
Não estava grávida, e não entendia porque Hakim me questionou se
estava. Para piorar ele veio agora com aquela ideia absurda de procurar um
médico, aquilo seria meu fim, a médica com certeza saberia, e se exigisse
algum tipo de exame eu seria humilhada em toda M’hamid... e baba
poderia… ele poderia fazer algo contra baba.
Sem perceber eu já chorava agarrada a seda, molhando a peça dourada,
não me dando conta de o quanto aquilo tudo me colocaria em desgraça, sem
poder andar de cabeça erguida, sozinha e sem ninguém. Eu sufocava, só de
pensar no que seria de mim.
Deixo a seda repousar sobre a caixa, pensando que eu nunca seria como
ela, linda e perfeita, sem um único defeito e limpando minhas lágrimas, me
sinto devastada, com dor, sem luz para me guiar em uma direção.
— Posso fazer mais alguma coisa? – Os dois olham para mim, e noto a
expressão zangada de Hakim se tornar curiosa, então ensaio um sorriso, que
parece deixar ele mais atento.
— Nada, está tudo perfeito. – O elogio de Kaysar me faz desviar os
olhos dos seus. — Por favor, coma com a gente. – Olho para Hakim, mas
ele parece propenso a não se meter naquilo.
— Obrigada, não estou com fome. – Na verdade, eu não havia comido
nada durante o dia inteiro, e tudo o que queria era ficar na cama, a dor em
minhas costas parecia querer me virar do avesso.
— Senta. – Hakim apontou o local ao seu lado. — E come. – Exigiu, me
fazendo engolir em seco. Fiquei parada, sem saber o que dizer ou se deveria
me mexer, então ele voltou a me olhar e eu me apressei em obedecer.
Precisava ficar atenta caso ele fosse falar algo, naquela posição é quase
impossível o ler sem ter que me virar quase que por completo em sua
direção.
— Sua comida é muito boa, Zara, fico feliz que Hakim tenha encontrado
uma esposa tão preciosa. – Eu não sabia dizer se ele falava aquilo apenas
por ser muito educado ou por ser o que pensava, mas seu sorriso me fazia
sentir envergonhada.
— Chukran. – Eu sentia uma tensão, e ela era tanta que meu corpo
estava arrepiado somente do lado direito. Hakim estava distante a um braço
de mim, mesmo assim eu sentia aquela eletricidade que ele causava. Então
como alguns grãos de arroz e um pouco da carne, mastigando de forma
demorada e engolindo rápido.
Os observo falar de negócios, importação de carne, vendas e compras,
Hakim está monossilábico, mas Kaysar fala sem esperar que o amigo se
aprofunde demais, vez ou outra, eu me atento ao modo como ele menciona
uma mulher e como seus olhos caem sobre mim, rapidamente sendo
desviados, eu engasgo em vários momentos e Hakim empurra um copo de
vidro com água para que eu bebesse.
— Estava tudo ótimo, mal posso esperar pela próxima refeição. – Diz
com um sorriso fácil. Hakim levanta e eu começo a recolher a louça, não
conseguindo ver o que dizem, mas vejo que saem da tenda e talvez eu tenha
me antecipado ao não focar a atenção. Precisariam de mais alguma coisa?
Não saberia dizer.
Lavo toda louça e deixo o chai pronto. O quarto já tinha sido limpo e
estava pronto. Retiro de lá todas as roupas de Hakim e as lavo junto com as
minhas, já que ele não as levava até o cesto. Enquanto me dirijo ao quarto
me dou conta, de que talvez ele fique sem um lugar para dormir e queira…
vir… até aqui. Olho em volta, começando a ficar nervosa, tudo parecia
igual, como se eu nunca tivesse entrado ali, minha bolsa ficava a um canto e
eu não me atrevia a usar os móveis, não sabia se podia, ou se devia.
E se ele… tentar? O que eu faria?
Alá, por favor… tudo estaria arruinado, saberia que menti, saberia que o
enganei ao dizer que talvez estivesse grávida, sabendo que não estava.
Esperei por uma eternidade, temendo, nervosa e… ansiosa. Desde o dia
anterior, quando me toquei pela primeira vez eu me sentia estranha, curiosa
e quente. Quando vi que provavelmente ele não viria, eu puxei os
cobertores e deitei. A noite no deserto costumava atingir baixas
temperaturas e fiquei fitando a cortina de lona, esperando.
Eu sou a mulher dele perante os homens e Alá, tudo o que aconteceu
entre nós não foi nada do que eu esperava, mas aconteceu, e agora eu me
via pensando o que esperar do futuro. Será que eu poderia fazer algo para
que Baba pudesse começar sua vida com dignidade? Quem sabe até
conseguisse fazer com que ‘Hana voltasse. Me dei conta de que talvez um
filho fosse o que o fizesse me aceitar, e assim, ele conseguiria me enxergar
como esposa e não como uma noiva falsa. Era isso, não havia dúvidas, eu
precisava me deitar com ele novamente, mas dessa vez seria diferente,
agora eu sabia o que fazer… para sentir, e mostraria para ele.
Só esperava que Mariana estivesse certa, caso contrário, seria o meu fim.

[...]

— Chukran. – Kaysar agradeceu, quando o servi uma xícara de café. Eu


me senti desconfortável, Hakim ainda não tinha aparecido, e sabia que não
estava na tenda, então estava sozinha com seu sócio e isso não era certo. —
Se quiser, eu posso esperar por ele lá fora.
— La, não, pelo profeta, nem pense nisso. – O encarei com surpresa e
vergonha, afinal, eu havia deixado transparecer demais e não queria gerar
desconforto para o convidado de Hakim, eles pareciam ser… não saberia
dizer, o homem é gentil, mas Hakim continuava o mesmo, até mesmo com
o amigo. — Você quer que eu prepare algo que goste? O… o…
— Não, por favor, não se preocupe, geralmente como pouco pela manhã.
– Diz e noto que talvez tenha exagerado em ter preparado tanta comida. —
Isso é o suficiente, Hakim come muito. – Confirmo que sim. — Você parece
melhor hoje – Olho para ele sem entender e me dou conta que devia estar
péssima no dia anterior, por sorte meu fluxo durava apenas três dias e no
segundo eu geralmente estava bem, apesar de quase morrer no primeiro.
— Ainda não me adaptei a mudança súbita de tempo. – Minto e ele
ergue uma sobrancelha, como se fosse uma resposta silenciosa de que não
acredita em minhas palavras.
— Você é bastante atenciosa.
— Como? – Minha mão treme ao servir uma porção de geleia de
morangos.
— Sim, eu posso não ser um nativo, mas sei como são as mulheres e elas
nunca olham tanto. – Sinto meu rosto queimar. — Espero que entenda isso
como elogio. – Se apressa em dizer. — Gostou do presente?
— Sim, gostei muito. – Eu tentava não ficar olhando, mas como saberia
o que ele estava falando?
— Se me der liberdade, trarei mais, eu viajo muito e sempre encontro
boas peças. – Tento controlar o tremor das minhas mãos. — Fico feliz que
Hakim tenha encontrado alguém tão preciosa como você. – Me levanto,
sentido que não devia ficar ali, afinal, não é certo, mesmo eu sendo uma
mulher casada, não é certo.
— Desculpe, eu vou preparar mais café. – Sigo apressada para a cozinha
a tempo de encontrar Hakim entrando. Ele parece péssimo, seu rosto,
geralmente com o belo bronzeado de sol, agora está um tanto pálido, em um
tom nada saudável, e seu nariz está muito vermelho. — Pelo profeta…
Entra tropego, seu cabelo está muito molhado, com gotículas caindo e
molhando sua camisa. — Você está bem? – Pergunto, mesmo sabendo que
obviamente não está. Me dirige um breve olhar e não há nada nele,
nenhuma emoção de raiva, só fragilidade.
— Estou bem, é apenas um resfriado. – Coloca a mão na boca e seus
ombros se sacodem, como se fosse tossir, me apresso em servir um copo
com água e entrego para ele, que apenas olha para mim, surpreso.
— Beba. – Me aproximo mais um pouco, e ele por fim pega o copo e
toma um gole de rasgar a garganta. — Farei um chá, ‘Hana sempre tinha
resfriados e ajudava muito. – Me adianto em separar gengibre e canela de
pau. — Acho melhor você ir para cama.
— Kaysar…
— Não se preocupe com ele, está bem. – Sacode a cabeça e coloca o
copo sobre o balcão, seguindo para a saleta. Estalo a língua nada satisfeita.
Está claro que ele dormiu no relento na noite anterior e ela havia sido fria o
bastante para que eu usasse um cobertor de peles de camelo.
Fiz o chá e levei até a saleta, onde eles conversavam.
— Tem certeza de que posso ir? – Vejo Kaysar perguntar. — Eu posso
adiar meus compromissos.
— É só uma gripe. – Hakim abana com a mão. — Não se detenha por
mim. – Entrego o chá e ele aceita sem reclamar. — Preciso que me traga as
coisas da lista, quando pode retornar?
— Talvez em quinze dias. – Hakim bebe alguns goles do chá e eu o sirvo
alguns pedaços de pão com queijo, mas ignora, os afastando para longe.
Suspiro frustrada, a falta de apetite pode ser causada por febre, e eu sei o
quanto ele come em cada refeição, então, o ver não comer nada me
preocupa.
Deixo os dois sozinhos e preparo uma sopa leve com frango e legumes,
para que ele consiga comer algo que faça com que se sinta bem. Fico
preocupada de que ele fique mais doente e que piore, resfriados podiam ser
leves ou graves.
Sinto uma mão em meu ombro e me viro, me deparando com Kaysar,
olhando para mim com seus olhos sagazes.
— Desculpe, eu estava distraída. – Me apresso em explicar.
— Eu estava parado atrás de você por cerca de dois minutos. E recitei
um trecho longo do alcorão. – Arregalo os olhos. — E você não ouviu uma
palavra.
— Eu estava muito concentrada…
— Mesmo? – Cobre os lábios e vejo que continua falando, mas sem ver
o movimento nada compreendi. Estava perdida. — O que eu disse?
— É que… eu…
— Eu disse que descobri o seu segredo, resta saber, Hakim sabe disso? –
Cruzo minhas mãos em prece, prestes a me ajoelhar se fosse preciso.
— Por favor… por favor…
— O que você tem? Qual a sua deficiência? – Solto minhas mãos
lentamente.
— Eu não consigo ouvir. – Aperto a saia do meu vestido, deixando as
lágrimas fluírem.
— Entendo… – A apreensão toma conta de mim. — Não se preocupe,
seu segredo está guardado. – Fico sem entender, talvez tenha lido as
palavras errado. – Salam Aleikum, voltaremos a nos ver em breve.
Se vira e sai, me deixando sem entender nada. Por que ele guardaria
aquele segredo? De uma coisa eu sabia, precisava ter um filho, é a única
coisa que poderia me salvar.
CAPÍTULO 14

ZARA

Hakim sumiu depois que o amigo partiu e isso me fez pensar que meu
segredo continuava seguro. Então me empenho em fazer um almoço farto,
com chá de hortelã e gengibre para acompanhar. E fico… ansiosa, ajeito o
meu cabelo, e desejo ter um vestido mais bonito, pensando na seda e no que

fazer com ela, até temia fazer algum, ainda pesava o fato de que Kaysar
sabe sobre o meu segredo e que podia me entregar quando bem entendesse.
Me levanto quando Hakim entra tossindo, seu semblante não está bom e
eu fico um pouco zangada com sua teimosia. Ele para e olha para mim e
para a mesa, e eu sinto orgulho de ter conseguido fazer tudo o que eu sei
que ele gostava.
— Você… ainda tem muito o que fazer, depois do almoço? – Ele
caminha para seu lugar costumeiro se sentando, e me apresso em o servir.
— Fiz um chá, por favor, beba. – Estendo o copo e ele aceita, seus dedos
tocando rapidamente nos meus, me fazendo ficar um pouco nervosa.
— Iremos ao médico, como te disse ontem. – Paraliso e derrubo um
pouco de comida. — Depois podemos comprar para você algumas roupas.
— Não precisa, realmente não acho que seja necessário. – Me olha de
lado, notando meu nervosismo.
— Eu insisto. – Limpa os dedos e bebe o chá, fazendo careta.
— Sua garganta está doendo? – Confirma brevemente e come um pouco
de carne de cordeiro. — Precisa que eu te ajude com os camelos? – Eu
precisava de uma desculpa para não ir ao médico, não podia permitir que
descobrisse a minha mentira.
— Posso cuidar disso quando retornarmos. – Diz, mostrando que não
estava disposta a voltar atrás.
Alá, me ajude.
Rogo. Eu estava perdida, seria descoberta e ele me repudiaria. Eu estava
tão nervosa que engolia pedaços grandes de carne, sem os mastigar direito.
Um silêncio pesado cai sobre a saleta e minha cabeça não encontrava
nenhuma solução. Restava apenas tentar convencer o médico de que eu
precisava de tempo para ficar grávida.
— Eu posso ver o meu Baba? – Ele franze a testa, não esperando por
isso. Pensa antes de responder, não parecendo querer falar sobre o assunto.
— Aparentemente seu pai deixou M'hamid. – Arregalo os olhos e se não
estivesse sentada cairia, pois, meu corpo inteiro treme.
— Não pode ser verdade. – Eu não quero dizer que ele está mentindo,
mas me custa acreditar que ele houvesse fugido. — Minha irmã…
— Você sabe onde ela está? – Encaro ele, sem entender porque faz
aquela pergunta. Por que quer saber a localização de 'Hana? Será que tem
intenção de tomá-la como segunda esposa? Ou pretende se casar com ela
após me repudiar?
Se fosse isso, o que eu poderia fazer? Baba fugiu, não pagaria o que
deve para Hakim. Se eu não estiver grávida, ao final daquele mês, estarei
perdida de um jeito ou de outro.
Hakim termina de comer e noto que quase não havia tocado em nada, e
que repetidas vezes tossia. Mesmo assim parece irredutível.
— Em quanto tempo fica pronta? – Eu não estava sabendo bem como
lidar com tudo aquilo.
— Alguns… minutos.
— Então vá. – Volta a se sentar melhor e bebe mais do chá. — Isso está
aliviando a minha garganta. Chukran. — Fico um pouco surpresa com
suas palavras e contente por poder ajudar com alguma coisa.
Eu me levanto com as pernas trêmulas e vou vestir algo apresentável.
Pelo jeito não poderei voltar atrás e não o farei mudar de ideia, só me resta
rogar a Alá, pedindo que me livre daquele fim que se aproximava. Demoro
mais do que o habitual. E saio com meu hijab em mãos.
— Eu não te dei nada de precioso. – Paro sem entender porque ele dizia
aquilo. — Nem ouro, ou uma joia. – Abro a boca e ele ergue a palma da
mão. — Você é minha esposa, então seria o correto, mas vou reverter isso
hoje.
Perco minha fala, talvez não houvesse argumento para aquilo e eu fico
emocionada, mas me contenho. — Podemos ir?
— Sim. – Visto o hijab e saio da tenda.
— Espere um pouco. – Vejo adiante uma caravana de turistas. — Espere
até que se afastem. – Ele segura meu braço, para me impedir de sair. —
Pronto.
Saímos e ele abre a porta para que eu entre, me ajudando a subir no
veículo alto. Eu não me dei conta de como era bom ver tudo, as casas, as
pessoas, até adentrarmos na cidade e eu me ver animada. A Medina cheia
de visitantes, os comerciantes eufóricos. Era tudo tão bonito.
Hakim para diante de uma loja de roupas e eu noto como as pessoas na
rua ficam olhando para nós, e dentro do estabelecimento, o mesmo se
repetiu. Não me sinto bem, e escolho vestidos de forma aleatória, torcendo
para sair imediatamente dali. Hakim também não parece confortável, mas
para os homens nunca era bom ir às compras.
Eu pensei em me demorar naquilo, mas não havia como, pois, em todo
lugar que entravamos, ficavam nos encarando, ou olhando disfarçadamente.
Mesmo desconfortável, Hakim seguia para a próxima loja, até que eu
percebi que não dava mais conta de todas as peças, notando que já havia
comprado mais de vinte vestidos e ao menos dez hijabs, aquilo era mais do
que eu tive a vida inteira.
Entramos em um prédio e por fim me dei conta que era uma clínica
particular. Fiquei nervosa de imediato e enquanto aguardávamos eu só
pensava em fugir dali. Talvez eu pudesse inventar um mal-estar e ir
embora.
Uma mulher de pele muito clara, sai e nos chama. A sala na qual
sentamos é pequena com uma mesa de vidro e cadeiras rosas. Aponta para
as cadeiras, e agora Hakim parece mais inquieto.
— Em que posso ajudá-los? – Ela pergunta para mim, após as
apresentações, me lançando um breve sorriso.
— Quero saber se minha esposa está grávida. – Vejo Hakim dizer, o que
me faz ficar com muita vergonha. Eu realmente não esperava que ele fosse
direto ao ponto.
— Tudo bem, estão tentando a quanto tempo? – Eu queria afundar na
cadeira. — É uma pergunta de praxe, caso precise realizar exames mais
complexos.
— Nosso casamento é recente. – Vejo-o dizer, e percebo que assim como
eu, ele também não está nada confortável.
A médica tem uma pele pálida e olhos claros. Muitos estrangeiros vêm
para nosso país e trabalham nele, e ela parecia ser bem profissional,
fingindo não notar nosso desconforto.
— Entendo, nesse caso, será necessário esperar, já que o casamento
aconteceu a tão pouco tempo. – Eu quase ajoelho diante da médica e
agradeço, mas contenho até mesmo os suspiros de alívio. — Posso
prescrever exames e receitar vitaminas, afinal, queremos um bebê saudável,
não é? – Confirmo que sim. — O senhor pode esperar lá fora, enquanto
examino sua esposa?
Olho para Hakim, meio aterrorizada. Como assim me examinar? Fico
tensa e ele apenas levanta e sai, me deixando sozinha com a médica. —
Você pode ir até ali, atrás daquele biombo, e vestir a camisola descartável?
— Por quê? – Sorri, tentando me transmitir segurança.
— Pensei em fazer um preventivo. – Quanto mais ela fala mais nervosa
eu fico. — Quando teve seu último fluxo?
Baixo meu olhar e vejo o quanto minhas mãos tremem, olho para a porta
e em seguida para médica, que me encara com um ar curioso.
— Fique tranquila, está segura pelo sigilo médico e paciente, você pode
me contar tudo, ficará apenas entre nós duas. – Eu não sabia o que pensar,
meu coração parecia prestes a sair pela boca.
— Meu fluxo veio ontem. – Fungo. — Meu marido não pode saber que
não estou grávida, não pode, posso ser devolvida.
— Calma. – Pede e se levanta. Indo até uma mesinha de canto, serve um
pouco de água, o coloca em minha mão e eu bebo alguns goles. — Tudo
bem, agora ele já sabe que um bebê não é uma coisa que aconteça do dia
para noite. – Respiro com dificuldade, ainda muito nervosa. — O que acha
de a gente cuidar de você para que esse bebê possa vir logo?
— Por favor… – É tudo o que eu posso dizer.
— De toda forma, acho que você precisa conversar com ele, sobre a
possibilidade de infertilidade, não que vocês sejam, mas pode acontecer. –
Eu não quero pensar nessa opção, não tenho como ser tão ruim ao ponto de
Alá sequer me dar um filho, não é? E eu preciso de um. — Faremos exames
e você retorna aqui quando sair os resultados, dessa vez, para que possamos
fazer o preventivo, tudo bem?
Concordo, e ela volta a se sentar, escrevendo em um bloco de papel e me
estendendo a folha com um sorriso cúmplice.
— Chukran. – Levanto ainda temerosa e saio de lá me sentindo um
pouco aliviada. — Ela receitou exames. – Estendo a prescrição para Hakim,
que está de pé na recepção, destoando do ambiente por ser tão grande e
forte. Olha para a receita e segue para o balcão.
Somos orientados a irmos ao laboratório no andar de cima e a enfermeira
tira uma grande quantidade de sangue para os exames. Ao sair de lá eu
estou tonta e quero evitar mais daqueles olhares sobre nós. — Podemos ir?
Não estou me sentindo bem. – A tensão de Hakim é palpável e eu estou em
um nível de nervosismo como nunca.
— Tudo bem. – Carrego junto comigo apenas as vitaminas, e as compras
vão no banco de trás. Eu havia suado um pouco pelo nervosismo e calor.
Noto após alguns minutos que seguíamos um caminho diferente,
entrando em uma rua com casas bonitas, construções antigas, que tiravam o
fôlego, eu nunca havia estado na parte rica de M’Hamid, e estava
impressionada em como era gritante a diferença disso tudo para onde eu
vivi com Baba e ‘Hana. O carro parou diante de uma construção alta, com
palmeiras na frente, uma pintura em tons de areia, e varandas pequenas, de
onde se podia vislumbrar toda a rua.
— Onde estamos? — Me viro para ele, que franze a testa e endurece as
feições no mesmo instante, só então me dou conta que ele deve ter dito algo
enquanto eu vislumbrava tudo.
— Como eu disse, aqui é a casa dos meus pais.
CAPÍTULO 15

ZARA

A casa dos pais de Hakim em M'hamid é imensa e eu nunca adentrei


em um lugar tão fantástico. É um espaço aberto de dois andares. Rahina
cuida do lugar com muito afinco e ficou feliz quando Hakim me levou até
lá.
— Aqui é o quarto principal. – Abre as duas portas de madeira pesada,
enquanto eu olho para baixo, da varanda do andar superior, vendo todo o
pátio com seu piso em mosaico e uma fonte baixa. É tudo tão bonito que eu
não parava de me impressionar. Havia colunas que sustentavam a
construção, aparentando ter séculos desde que foram construídas, mesmo
assim estavam muito preservadas. A madeira da grade de proteção da longa
varanda do andar superior, parecia ter sido pintada a pouco tempo, o piso ali
era o mesmo do pátio. Com tons de areia e azul.
Entro no quarto, sem notar que Rahina me olha com atenção, mas não
me importo muito, apenas observo o quarto principal. Um ambiente grande,
bem arejado e com uma varanda que dá para a rua. Ao lado da cama eu vejo
um porta retrato e corro até ele, vendo um casal jovem e uma criança
pequena na frente deles. Eu soube que eram os pais de Hakim no mesmo
instante, ele é cópia fiel de seu pai e tinha o sorriso de sua mãe. Rahina toca
meu ombro para chamar minha atenção, desvia os olhos de mim e olha para
a foto, sorrindo com pesar.
— Eles eram pessoas muito boas, assim como Hakim. – Concordo,
tentada a ficar olhando para a imagem. — Conte para mim Zara, o que você
tem? – coloco o porta retrato onde o encontrei.
— Esse é o quarto do Hakim? – Pergunto sem responder sua pergunta, e
ela apenas me dá um olhar de compreensão, negando.
— Depois do acidente, ele foi morar no deserto com o tio e a casa logo
foi vendida. – Sigo-a para fora e torno a não conseguir acompanhar o que
dizia.
Havia palmeiras por ali e vez ou outra, eu via uma criança correndo, o
que me fazia sorrir com seu entusiasmo. — Entendeu? – Li a pergunta nos
lábios de Rahina e não soube o que responder. Ela era bastante perspicaz e
não desviou a atenção de mim. — Você não ouviu.
— Eu estava distraída. – Sacode a cabeça se negando a acreditar.
— É isso? Você não consegue ouvir? – Sorrio tentando disfarçar meu
desconforto.
— Claro que consigo, é que estava muito distraída com tudo. – Digo
nervosa e olho em volta, me dando conta que não sei onde Hakim está.
— Não se preocupe, eu não direi nada. – Rahina diz com um sorriso
sincero, sem voltar a me questionar e fazendo de tudo para que eu sempre
visse o que ela ia dizer. Eu não precisei contar, ela descobriu facilmente.
Sabia que precisava contar a Hakim, mas temia o confronto e tudo parecia
ir se tornando uma tremenda bola de neve.

[...]

Enquanto eu tomo chai na sala da casa dos pais de Hakim, ele entra, e eu
me levanto de imediato, imaginando que fosse o momento de partir. Não
parece nada contente e seu semblante me deixa um pouco tensa.
— Vou precisar me ausentar por dois dias. Talvez volte antes.
— Oh... eu...
— Você fica aqui, com Rahina. Precisa que algo seja trazido da tenda?
– Ele cobre a boca e tosse um pouco.
— Sim, algumas coisas. – Concorda e avisa que alguém fará isso para
mim. Me olha por alguns instantes e eu me sento novamente, sentindo
minhas pernas enfraquecidas.
— Até a volta. – Se vira e sai, me deixando sem entender porque me
deixou a par de sua viagem, se sequer havia me dito que me traria até a casa
onde nasceu. Eu não sabia se devia me sentir aliviada com isso, mas pesava
sobre minha cabeça o fato de que precisava ter um bebê dentro de mim o
quanto antes e isso exigia contato, algo que não sabia se teria coragem de
fazer.

[...]

A noite é estranha, eu reviro na cama do quarto dos pais de Hakim e


parece que não vou conseguir dormir.
Quando levanto sinto como se não tivesse dormido nada e sigo até a
cozinha para ajudar no que fosse necessário, já que não conheço a rotina de
Rahina. E foi bom, eu não havia notado como é bom estar ao lado de outras
pessoas, não que fosse ruim viver no deserto, apesar de tudo eu gostava,
mas o jeito alegre das filhas de Rahina e seu netos pequenos me trouxe uma
renovação no espírito.
À tarde eu sento na varanda do quarto de Hakim e fico olhando a rua. O
mercado é visível, vejo com clareza as barracas com suas lonas coloridas e
os carros trafegando em meio a animais e pessoas. Antes de entrar, porém,
vejo Kaysar chegar na casa dos pais de Hakim. Ele desce de um carro alto e
preto e imediatamente ergue seu rosto para cima. Eu me afasto um pouco do
parapeito, sentindo meu coração bater de apreensão. Acena para mim e
sorri.
Rahina havia passado o dia inteiro tocando em meu braço para chamar
minha atenção quando dizia algo e eu não ouvia, mesmo assim eu não senti
nenhuma ameaça vindo dela, talvez por ela ser mulher, não saberia dizer.
Kaysar sabia do meu segredo e mesmo que não houvesse dito nada ao
amigo, me sentia apreensiva quando o vi chegar.
Desço na hora do jantar, olhando em volta. Devia ter ido recebê-lo, mas
fiquei nervosa e não me sentia dona da casa. Rahina administrava a
residência, como se fosse dela e aparentemente Hakim não parece se
importar, mesmo assim ela mantém o andar superior pronto para ele, como
se esperasse que ele fosse viver ali a qualquer momento.
— Salam Aleikum. – Saúdo quando alcanço a sala onde os pais de
Hakim faziam as refeições. Era um ambiente com grandes portas, móveis
em madeira e almofadas coloridas. A luz elétrica era uma benção e o lustre
suspenso ao meio dela, é tão bonito que eu passei minutos o admirando
quando o vi a primeira vez.
— Aleikom Al Salam. – Kaysar se levanta e espera que eu me acomode.
— Não sabia que viria, Hakim viajou. – Digo com cautela, enquanto ele
volta a sentar e fumar o narguilé. Está realmente confortável ali, como se
vivesse na casa.
— Sim. Eu mesmo falei sobre a feira, precisei voltar para cuidar de tudo
enquanto ele está fora. – Não sei, mas o jeito como ele diz aquilo me deixa
um pouco nervosa. — Trouxe um presente.
— Oh… não precisava. – Ele havia dito que o faria, mas pensei que
estava sendo educado. Se vira, apanha uma caixa de papel amarelo e me
estende. Abro a fita e vejo dentro dela, um kit de banho, que aparenta ser
muito luxuoso, já que está envasado em vasos lindos de vidro. O rótulo está
em francês, havia sabonete líquido, xampu e creme para a pele.
— Giorgiana que pediu para trazer, e enviou felicitações para você e
Hakim.
— Chukran. – Abro o xampu e noto quão delicioso é o aroma.
— Bem melhor aqui, não acha? Conforto, segurança e pessoas. – Fecho
a caixa com cuidado.
— É muito agradável, Rahina me recebeu muito bem. – Sorri tragando
com classe e repousa os seus olhos claros sobre mim.
— Hakim me contou que você tem uma irmã. – Me empertigo na
poltrona macia.
— Contou?
O que ele teria dito?
— Sim, somos como irmãos, ele me confidencia tudo. – Hakim parecia
ser bem reservado, mas eu ainda sei pouco sobre ele para afirmar sobre o
que quer que fosse. — Foi uma trama um tanto arriscada, não acha?
— O que quer dizer? – Ele solta a fumaça, a jogando para o alto.
— O casamento, a troca que você e seu pai fizeram. – Fico tentada a
inventar uma desculpa e sair, me sentindo exposta, mesmo sabendo que é a
verdade. — Ele me disse que deu um mês ao seu pai para pagar a dívida. –
Meu rosto arde, por saber que ele está a par do enlace entre mim e
Hakim. — O que me surpreendeu dada a reputação que ele gosta de exibir
em toda M’hamid. – Não compreendo muito bem o que ele quer dizer, mas
o vi ameaçar meu pai e Hakim aparenta ser o tipo que blefa.
— Meu pai vai pagá-lo. – Digo vacilante.
— Sei que acredita nisso, mas acho que Hakim sabia que era impossível
seu pai quitar aquela dívida, mas agora acredito que o saldo está pago, e seu
pai pode descansar tranquilo. – Acho que ele nota minha confusão e me
olha com surpresa. — Por Alá, ninguém te contou? – Sacudo a cabeça,
sem entender. — Seu pai, ele foi assassinado. – Levanto rápido e o
presente cai no chão de mosaico colorido, quebrando o vidros. Eu só me
dou conta disso quando sinto um deles se afundar no meu pé, no entanto,
estou assustada demais para pensar naquilo.
— O que aconteceu com meu pai!? – Ele pareceu surpreso, diante da
minha reação. — Fala! – Exijo, notando o quando estou nervosa. Meus
olhos saltavam.
— Me perdoe Zara, pensei que já soubesse. – Olho para o chão, vendo o
sangue do corte sujar o mosaico colorido da sala. — Eu sinto muito.
Assassinado… Baba… tinha sido assassinado.
— Não… – Me nego a acreditar, caindo sentada, tonta por ver todo o
sangue que sai do meu pé.
Kaysar nota o ferimento e o vejo ir até a porta, logo Rahina está ali,
nervosa, enquanto alguém tira o pedaço imenso de vidro que havia
penetrado no meu pé. Eu não consigo sentir nada, mas me dou conta que
Rahina sabia, que ela sabia sobre meu Baba. — Foi ele? Foi Hakim?
Teria usado a desculpa da viagem para colocar em prática sua ameaça?
Eu não queria acreditar, ele havia me dito que perdoou a dívida, mas meu
pai o temia tanto, estava com tanto medo, que eu penso que podia ter
acontecido.
— La… La… Zara, olhe para mim. Vou chamar um médico. – A filha
mais velha de Rahina pressiona meu ferimento enquanto eu sufoco em
minhas lágrimas, com meu peito se partindo, conforme eu tento raciocinar.
Meu pai está morto. 'Hana havia sumido no mundo, e eu estou perdida,
me sentindo saindo dos trilhos. Meu pai podia não ser perfeito, mas era o
meu pai, ele havia cuidado de mim e 'Hana e agora… Alá, não posso
acreditar. Eu entro em desespero, e perco os sentidos.

[...]

— Eu quero ver o meu pai! – Exijo pela milésima vez. Não consigo
apoiar meu pé no chão e os pontos doem muito, me levando as lágrimas.
É dor e angústia ao mesmo tempo, eu não lembrava mais qual a sensação
de perder alguém que amo, ainda era uma criança quando minha mãe
morreu e tinha 'Hana para cuidar. Eu penso que devia ter feito algo para
evitar, eu devia ter pedido que ficasse, e exigido que Hakim o perdoasse.
Exaltada e chorosa o vejo entrar no quarto e percebo a culpa, de um
modo tão claro, que está praticamente estampado em sua cara. Ele sabe que
notei.
— Deixe-nos. – Exige, e vejo Rahina sair do quarto, com seu semblante
preocupado.
— Eu quero… ver… meu Baba. – Ele fecha a porta e se volta para mim.
— Trouxe o corpo dele. – Eu olho para ele sem acreditar, eu me nego a
acreditar que meu pai tenha morrido.
— O que você fez? O que fez com ele!? – Grito, sentindo minha
garganta arder. Levanto, disposta a o enfrentar, e fazer com que me conte
tudo, mas caio, não conseguindo ficar de pé.
Hakim segura meus braços para tentar me ajudar e eu o ataco, com tapas
e socos inúteis, chorando, tremendo, gritando, e o empurrando para longe
de mim, enfurecida e desesperada. Me abraça com força, me impedindo de
me movimentar, de continuar com meu intento, e a única coisa que consigo
fazer é chorar até perder o fôlego.
— ME SOLTA! EU TE ODEIO! – Grito. Doí tanto, me sinto destruída, e
impotente. — Você é um monstro! – Ele me solta como se, finalmente, eu o
tivesse atingido com força suficiente, seu semblante em um misto de
emoções. Não faz nada enquanto, eu ainda estava no chão, o bato, soco e o
empurro. — SAI! SAI! Eu te... ODEIO!
Levanta e segue para porta, com a culpa pesando sobre seus ombros, ele
não vai sequer negar, sequer se defender. — Que Alá, diminua os seus dias!
Que você arda no mármore do inferno! – Meu corpo inteiro treme e eu sinto
que o sangue me foge, sem lembrar de como se respira.
Limpo as lagrimas, tentando pensar em algo lógico, mas a dor da perda é
imensa.
Eu fungo, sentindo meu nariz entupido. Quando ele deixa o quarto volto
a chorar feito criança, como se nunca mais fosse conseguir parar.
CAPÍTULO 16

HAKIM

As palavras reverberaram na minha cabeça, se repetindo e eu não


consegui fazer com que parassem.
Observo o quanto ela está serena no velório, sem chorar, sem o
escândalo do dia anterior. Seguindo nossas tradições de não se exaltar com
a morte de um ente querido, aceitando o propósito de Alá.
O velho havia sido assassinado, e a culpa é minha, mesmo que não tenha
o espancado até a morte, a culpa é minha, eu podia ter dado o dinheiro que
me pediu e não fiz, e agora ele está morto.
Chegando à tenda, eu desço e me apresso em ir ajudá-la, mas o olhar que
me lança deixa claro que ela não me quer por perto, que me odeia com
todas as forças.
Manca para dentro e eu ouço sua respiração ruidosa pelo esforço, o
gemido contido em cada passo que dá em direção a tenda. Eu podia lidar
com isso, não podia?
Eu já tinha ouvido comentários semelhantes e histórias sobre mim, mas
somente Bali jogava na minha cara, de forma direta, que eu era uma
aberração, um monstro.
A alcanço em apenas três passos, a tomo nos braços, e ouço seus
protestos para que a coloque no chão, apenas ignoro suas ofensas. A coloco
na cama e observo sua cara brava.
— Você me odeia? Ótimo, continuo sendo o seu marido. – Seu peito
sobe e desce furiosa. — Eu que estou aqui. Seu pai caminhou para morte
com as próprias pernas.
— Seu...! – Pula da cama para me atacar e quase caí novamente. Seguro
seu braço.
— Fique aí. – A empurro de volta para cama, vendo que fica mais
exaltada a cada minuto.
— Você o matou, por quê? Por dinheiro? Você nos deu um mês! – grita.
— Eu não o matei! – Grito por fim e ela pisca várias vezes, parecendo
confusa. — Mas eu o entreguei para morte. – A cor de seu rosto some. —
Podia ter feito algo e não fiz. – Seu queixo treme, de raiva e desespero, está
prestes a chorar, mas se contém.
— Quer mesmo que eu acredite nisso? Eu vejo em seu rosto a culpa, e
ela é tão clara que eu sinto vontade de vomitar. – Aperta os punhos
pequenos, como se quisesse usá-los contra mim novamente.
— Sim. Eu não quero sentir culpa, mas sinto. Ele me pediu dinheiro,
tentou te usar como uma forma de me ludibriar. – Eu quero explodir de
raiva, mas sinto que fui eu que havia findado com a vida do pai dela e
aquilo pesava.
— Do que você está falando? – Limpa uma lágrima que escapa.
— O que você ouviu... ele não ia me pagar, mas isso você já sabe, não é?
– Desvia os olhos um instante e em seguida ergue o queixo trêmulo. — Seu
pai devia a mim e a outros, e eles não ficaram somente nas ameaças. –
Cobre a boca com as mãos.
— Mas...
— Eu o ameacei, sim, mas eu nunca machuquei ninguém, nunca
precisei. – Respiro fundo. — Não o matei. – Repito.
— Por favor, me deixe sozinha...
Fico olhando para ela, sem saber se acreditou em tudo o que eu disse,
mas parece não querer me ouvir. E eu nada posso fazer, a não ser sair, como
exigiu.

ZARA

Começo a tirar a atadura, sentindo o quanto doí o meu pé, e mordo meus
lábios para conter os gemidos, já as lágrimas é impossível de controlar. A
gaze está coberta de sangue e fico assustada com isso. O médico havia dado
quatro pontos, mas um deles tinha rompido e a carne cedia. Sabia que era
impossível andar naquelas condições, mas jamais pediria nada a Hakim.
Ele disse que não tirou a vida do meu pai, mas se diz culpado, e eu estou
horrorizada com isso. Podia ter ajudado baba, podia ter feito algo e não fez.
O dinheiro para ele vale mais que uma vida, pelo visto.
Olho em volta, me dando conta que as coisas para o curativo e os meus
pertences tinham ficado dentro do carro. Soco o colchão, calculando se eu
conseguiria ir até ele buscar o que preciso para limpar o estrago feito.
Manco até o guarda-roupa e pego duas toalhas limpas, usando uma para
estancar o sangue.
Eu preciso tomar o remédio para dor e sei que estou totalmente
dependente de uma ajuda, mas é tudo o que não quero. Não consigo olhar
na cara de Hakim. Sinto uma sensação crescente de raiva, que quer me
consumir e faz meu coração acelerar.
A toalha consegue conter o sangue, então me ajeito na cama e tento não
pensar na dor que sinto na alma e no pé. Tiro o hijab e penso em dormir, já
que não tenho conseguido fazê-lo por duas noites consecutivas, mas
começo a chorar, enquanto meu pé lateja a beira do desespero. O meu
pranto deve ter sido ouvido por Hakim, ele entra no quarto e vê a confusão
de tolhas sujas com o meu sangue.
Se inclina, puxando meu pé, o que faz com que eu contraia o corpo,
trazendo-o para mais próximo de mim.
— Eu só quero ver.
— Não toque em mim! – Ele se ergue ajeitando a coluna.
— Pode ter minha ajuda ou perder o pé por não usar a cabeça. – Uma
batalha parecia ter se iniciado entre nós.
Ele parece desistir e sai. Me jogo de cabeça contra os travesseiros,
sabendo que ele estava certo. Fecho meus olhos com força e logo os abro,
quando sinto uma mão grande agarrando meu pé, o segurando com força e
me impossibilitando de me soltar. — Fique quieta! – Exige, me fuzilando
com seu olho bom. O que me faz parar de tentar me soltar.
Observo suas mãos limpando o ferimento, e aplicando o medicamento
prescrito, em seguida o cobre com gases e usa novas ataduras para cobrir o
ferimento. Eu prendo meus lábios com força, para não chorar de dor, mas
ela chegava a entorpecer minha mente. — Quanto você deve tomar do
remédio? – Eu suo frio quando Hakim me questiona.
— Tudo, eu quero tomar tudo. Dói. – Choramingo feito criança, disposta
a tomar o que fosse necessário para apagar e não sentir mais nada. Hakim
vasculha entre as coisas que Rahina enviou e encontra a receita médica, a lê
com atenção e abre o remédio, me entregando apenas dois. Mesmo eu o
olhando com raiva, ele apenas me estende um copo com água e eu bebo os
comprimidos com fúria.

[...]

Eu tento colocar minha perna para fora da cama várias vezes e fazer isso,
me causa uma dor excruciante. Preciso ir ao banheiro, estou quase fazendo
minhas necessidades em minhas roupas e isso seria humilhante.
O remédio fez seu efeito milagroso por toda parte da manhã, e noto que
havia perdido a hora do almoço, mas sobre a mesa de estudos têm uma
bandeja com arroz temperado e frango. Minha boca saliva e meu estômago
ronca alto, no entanto, qualquer tentativa de levar meu pé ao chão me faz
querer gritar.
Eu sei que havia sido um pedaço imenso de vidro, mas não imaginei que
fosse doer tanto. Nunca fiquei dependente de ninguém, em casa, sempre era
eu, que passava noites em claro para cuidar de ‘Hana ou de nosso pai. E
agora, eu me sentia sozinha no mundo, como se nada tivesse me sobrado.
Respiro fundo para conter as lágrimas, eu não posso perturbar o espírito
do meu baba, o que está feito, está feito, resta somente orar por sua alma.
Tento mais uma vez levantar sozinha e sinto que estrelas rodam diante de
mim. Já estava transpirando pelas tentativas. Olho para a lona alta e ranjo os
meus dentes com força. Por fim, sento com minha coluna ereta e o chamo.
— Hakim? – Encaro a cortina pesada, esperando-o aparecer por ela. —
Hakim? – Tento novamente, sem saber se estava sendo alta o suficiente. Se
ele estivesse do lado de fora eu não aguentaria mais segurar a minha bexiga.
— Pelo profeta! – Estou a ponto de entrar em desespero, quando ele afasta a
cortina e me olha com seu rosto erguido. — Eu preciso... usar o banheiro. –
Falo, me sentido um cão raivoso.
— Não consegue ir sozinha? – Pisco meus olhos diversas vezes,
tentando assimilar a pergunta.
— Acredite, te chamar é a última coisa que eu queria fazer. – Ergue a
sobrancelha com a cicatriz, de um jeito um tanto soberbo, e entra de vez no
quarto. Enfia o braço por baixo dos meus joelhos e segura minhas costas,
como se eu não pesasse nada para ele, me erguendo com muita facilidade.
A tenda tem uma privada turca, uma louça no chão, com dois apoios
para os pés, eu sempre o deixo limpo e organizado. Os ladrilhos na parte
cimentada são de um azul claro. Chegando lá eu me dou conta de que não
vou conseguir usá-lo, já que preciso apoiar os pés e agachar, isso seria
impossível, principalmente estando com um corte no pé direito que tomava
conta de boa parte da planta dele.
Prendo meus lábios e por fim solto um suspiro de pura indignação. Noto
que o maxilar de Hakim se movimenta, então volto meu rosto para ele. Está
próximo demais, eu sinto o cheiro do sabonete de maracujá que Rahina faz,
emanando de sua pele.
— Acho que aguento mais um pouco. – Digo e ele retesa sua fronte.
— Por mim tudo bem. – Sinto vontade de usar meus punhos novamente,
mas me contenho. Chegar até ali fez minha necessidade gritar e eu estava
quase chorando com a ideia de ter que fazer aquilo ali.
— Não! – Para e eu tremo o queixo, por tudo. Vergonha e humilhação é
o que predomina. — Não vou aguentar. – Apenas balança a cabeça em
entendimento, entra e me coloca no chão. Eu preciso de um segundo para
voltar a respirar, apertando os braços de Hakim com toda minha força. —
Alá... – Me sinto extremamente humilhada naquele momento. — Não vou
conseguir... – Fungo, eu preciso agachar, mas não vou conseguir me apoiar
nos pés sem ajuda. Então choro e soluço, me afastando dele, para finalizar o
vexame que se sucederia. – Não consigo... sozinha... – Seu rosto está perto,
muito perto, seu olho é castanho e tem traços claros na íris, como riscos, e
só os consigo ver por estar assim, perto dele.
— Isso é visível. – Resmunga, mas não me importo, estou desesperada.
Meu pé lateja tanto que agora, até mesmo a minha cabeça começa a doer e
eu só imaginava que cairia a qualquer minuto.
— Preciso que tire... minha peça íntima. – Minha garganta doí por dizer
isso. Hakim parece que ouviu de mim, algo profano. — Por favor... – Ele
pisca repetidas vezes, enquanto eu me seguro em seus braços para me
apoiar.
— Certo. – Diz, mas fica parado, olhando para qualquer lugar da latrina,
menos para mim e isso me deixa nervosa e mais receosa. Nunca havia
vivido um momento tão íntimo como aquele, e é duro saber que seria com
ele, justamente com o único que não queria nem olhar na cara. — Certo. –
Repete.
Por fim, se inclina, enfia a mão dentro da minha saia e eu reteso meu
corpo ao sentir sua mão quente e áspera. Alcançando a calcinha, a desliza
por minhas pernas. Engulo em seco e sinto que começava a ficar tonta.
— Vire-se. Por favor. – Reluta, mas o faz, seguro a saia do meu vestido e
me inclino, gemendo, o buraco no chão parecendo estar muito longe.
Mesmo com pernas trêmulas eu agacho e consigo me aliviar. Em lágrimas
mais contidas, eu me ergo e ele precisa subir minha calcinha novamente.
Seu semblante está endurecido, quando me ergue em seus braços para me
levar de volta ao quarto, praticamente me joga na cama e sai correndo
quando o chamo. — A comida. – Fica parado de costas, segurando a
cortina, olhando para a mesa de estudos e posso vê-lo pensando, mas não
sei em que exatamente. Pega a bandeja e a deixa aos pés da cama, distante
de onde eu estou e sai feito tempestade de areia.
Olho o curativo e noto, que mais uma vez está sujo com sangue, o que
indica que aquilo vai durar mais do que eu gostaria e não sei se aguento
mais um momento humilhante como aquele. Definitivamente não, mas
aparentemente eu estou refém da ajuda da única pessoa que agora odeio
com todas as minhas forças.
Como o arroz pensando em meu infortúnio. Não há mais para onde
voltar, ficar aqui é minha única opção. Eu não posso nem mesmo tentar
procurar um emprego. Quem me aceitaria? Viver sozinha na casa onde
cresci é um perigo, que eu não quero correr. Estou presa e agora não pela
necessidade de salvar alguém, mas sim por aqui ser minha única casa.
Eu sufoquei e nem consegui mais comer, o alimento desceu rasgando
minha garganta. Eu o odeio, e estou condenada a viver sobre o mesmo teto
com ele. Disse que não matou meu pai, mas tem a culpa estampada em seu
semblante, ele mesmo admitiu isso. Nunca o perdoaria. Nunca.
CAPÍTULO 17

HAKIM

Eu precisava de um espaço maior do que um cômodo diferente dentro


da tenda. Aperto minhas mãos em punhos cerrados e logo uso-a em concha
para pegar um pouco de água da bomba ao lado de fora, molhando meu
pescoço para aliviar a tensão e sobretudo o desejo latente que havia

incendiado minhas veias. Talvez fosse melhor pedir para Rahina vir e ajudá-
la, afinal, são mulheres e seria mais fácil. Eu noto o olhar de desprezo que
Zara me lança toda vez que me vê, o que é agoniante e me faz sentir
estranho. Fazia tempo que eu havia deixado de me importar com isso, mas
acho que eu só estava me enganando.
Carrego água para dentro, e encho a banheira de estanho, me dando
conta de que faz dias que não fazia aquilo. Ela faz e sempre deixa o banho
pronto para mim, com toalhas limpas e roupas bem dobradas. Olho para a
cortina cerrada e me pego pensando naquele segundo, em que toquei sua
pele. É tão macia, o vinco de sua cicatriz é perceptível ao toque e eu me
pego pensando no que aconteceu, no que o causou. Tinha sido algo grave,
afinal, ela é longa, mas não deformada com a do meu rosto e se mantém
escondida em um lugar que só seu marido (sorrio com isso, agora parece
uma piada de mal gosto) pode ver ao despi-la.
Me afasto dali, após carregar o que acho ser suficiente. O dia tinha sido
quente, e eu não tenho dormindo nada há dois dias. Entro na banheira que
me acomoda facilmente, esfregando os resquícios de areia do deserto,
minha garganta ainda doí um pouco e vez ou outra eu tusso, mas o resfriado
parece ter ido embora, e mesmo que a cabeça ainda lateje, está melhor.
Estou com minha cabeça apoiada na borda da banheira quando ouço um
baque de algo caindo, levanto apressado e apenas me cubro com uma
toalha.
Zara está no chão chorando, pelo visto tinha tentando ir sozinha a latrina,
sem sucesso. Ela ergue seus olhos avelãs para mim e os arregala.
— No que estava pensando!? – Seguro seu braço para a pôr de pé, mas o
puxa, para se livrar do meu toque, sem cerimônia. Fecho meus punhos e
contenho aquele sentimento que assola meu peito. Claro que ela me veria
como abominação, ainda mais agora, depois de tudo.
— Por Alá, tenha a decência de se cobrir! – Seu nariz está vermelho pelo
choro e os olhos inchados, o que não combina muito com seu tom de voz
bravo.
— Não se faça de santa. – Seguro o braço dela, novamente, e não
permito que se solte. Ela se desequilibra, apoiando as mãos em meu peito,
me inclino a colocando no ombro, pois é o único jeito de carregá-la e
segurar a toalha com a mão, para não ficar ainda mais “indecente” diante da
minha noiva trocada.
— Me coloca no chão! – Seu punho pequeno acerta os músculos das
minhas costas, não passando de um sopro, como se a força dela tivesse se
esvaído. A sento sobre a cama e aponto, para que fique ali, a fazendo se
empertigar. — Preciso usar o banheiro. – Sufoco a vontade de dizer para
que fizesse o que precisava ali mesmo, já que eu não sabia se poderia lidar
com ela novamente. — Só preciso que me leve até a banheira, eu consigo
tomar banho sozinha. – Abro a boca e fecho, me dando conta que assim
como eu, ela também precisava se refrescar.
— Tudo bem.
— Mas vista algo primeiro. – Exige, e vejo seu rosto adotar um tom de
vermelho. Estaria com vergonha? Acredito que sim, já que é a primeira vez
que me vê semidespido. Arranco as roupas das gavetas do roupeiro e sigo
para fora, me vestindo de forma apressada, notando o quanto meu pênis está
duro e dolorido, eu não conseguia fazer com que ele ficasse em repouso por
muito tempo. Desde a noite de núpcia, eu sentia aquele necessidade
crescente de ter mais.
E agora, mesmo diante de todo ódio que emana dela e da evidente forma
como me abomina, meu pau não parece se importar com a repugnância
dirigida a mim.
Esvazio a banheira e a deixo pronta, levando mais tempo que o
necessário, afim de que aquela parte de mim volte a se acalmar, mas parece
que até isso está contra mim.
Respiro fundo e afasto a cortina, Zara ergue seu rosto em minha direção
e nele está claro que me ver é tudo o que ela não quer, além de sentir dor, é
claro, aquele corte em seu pé tinha sido feio e era de se esperar que fosse
sofrer com ele por alguns dias.
— Talvez eu consiga andar apoiada em algo. – Disse incerta.
— Por mim tudo bem. – Eu não quero tocar nela, mas sinto uma
ansiedade crescendo dentro de mim, que exige por isso.
— Ótimo. – Ergue o queixo, o que me faz quase rir, afinal, sabe o
estrago feito na planta do pé e que ouvi o seu choro de lamento e dor.
— Muito bem, mas não me chame quando cair por aí, pois não virei. –
Abre a boca um tanto surpresa, me viro para sair, quando ela chama meu
nome, tão baixo, tão melodioso, que os pelos da minha nuca ficam
arrepiados.
— Hakim. – Repete, mas permaneço ali, de costas para ela. — Por favor.
– Reteso meu corpo, alertando a mim mesmo, do peso da raiva que aquele
pedido contém.
Eu sinto uma grande necessidade de sair dali, de não precisar olhar em
seu rosto e ver o julgamento em seu olhar, de olhar em seus olhos avelã e
notar que sente repulsa. Olhar em seus olhos passou a me fazer desviar o
meu.
E eu custo a acreditar que esse sentimento voltou a mim, como se eu
nunca tivesse deixado de o sentir. Me aproximo da cama, sem notar, e a
vejo rastejar sobre o colchão, para fugir, o pânico em seus olhos é como se
estivesse vendo uma abominação diante de si, e era eu a abominação, seria
para sempre. Quem me veria diferente? Eu sempre veria nos olhos das
pessoas o que vejo agora nos dela, medo, repulsa e choque, nunca seria
diferente. Eu burlei tudo, eu troquei uma dívida por uma noiva, já sabendo
que nunca uma mulher como ela ou a irmã, me aceitaria.
Tonteio para fora, me sentindo fora de mim, sentindo raiva por
vislumbrar com tanta clareza o que seus olhos transmitiam e eu não
suportava, simplesmente não suportava saber, que a minha esposa me
abominava.

ZARA

Meu coração ainda saltava, mesmo após horas. E eu não sabia o que
fazer ou o que sentir. O rosto de Hakim se contorcia como se ele estivesse
travando uma luta interna, tão intensa, que nada o despertaria, e eu temi,
temi que ele tentasse algo contra mim, senti a raiva predominar na energia
que emanava dele.
A lona da tenda se sacudiu e eu estou assustada, já era noite. E está tudo
às escuras, eu choro de medo e dor, e sei que ele não virá, ele não se
importa, eu sou um estorvo ali, e provavelmente pensa em me devolver,
mas para quem? Eu não tenho ninguém.
Eu vejo o balançar da lona por já estar adaptada ao escuro, mesmo assim
as sombras me perturbam. Desde a morte da minha mãe eu não consigo
dormir no escuro, eu sempre deixo uma lâmpada acesa para não acordar
assustada. Estou a ponto de gritar por Hakim, para que venha e me tire
daqui. Eu não sei o que está acontecendo e odeio essa sensação, e não quero
sentir esse turbilhão dentro de mim, mas odeio mais ele, e o quero longe de
mim. Estou em um impasse e me torturo com ele.
Meu pé parece que está sendo cortado e cortado sem parar, doí a ponto
de eu segurar um travesseiro e o morder com lágrimas escorrendo pelos
meus olhos. Eu não sei dizer o que é pior, aquelas sombras que perturbam a
minha mente ou a dor intensa no meu pé. Em lágrimas e em meio ao puro
desespero eu o chamo, e grito, como se ele fosse a única salvação possível,
e era, mesmo eu não querendo, já que estávamos ali, sozinhos com somente
Alá olhando por nós. E ele não veio, eu não sei se por me odiar demais ou
por ter me deixando a própria sorte.
Minha garganta arde pela sede, com choro e gritos, não aguentaria mais.
Levanto e grito de dor, ela parece subir por todo meu corpo e dominar meu
cérebro, eu perco o fôlego e quase caio ali mesmo. Me segurando com
firmeza na cama, me apoio nos móveis e cada passo é mais torturante que o
outro, mas eu não tinha escolha. Hakim não viria. Ele me odeia, ele
arrancou tudo de mim, tomou minha paz, minha família, minha alma, e
agora pisa em tudo, como se não fosse nada. Quando alcanço a saleta eu já
estou a ponto de desmaiar, a lona está aberta e por ela entra fortes ventos
carregados com muita areia. Eu tusso e cubro meu rosto sentindo a areia
grudar na minha pele molhada pelas lágrimas e suor.
E tenho o vislumbre de uma sombra, a um canto da tenda, que faz meu
coração acelerar de medo, está ali parado, me olhando, e eu não sei se é
minha imaginação, o Hakim ou um invasor, minha voz some, e começo a
tremer, sabendo que não vou conseguir correr, que era impossível, mas não
consigo desviar meus olhos daquela sombra.
— Hakim! – Grito com tanto desespero que sinto a vibração dentro do
meu ouvido, e repito novamente, desviando os olhos para a entrada da tenda
a tempo de o ver entrar, com uma lamparina em mãos e o vento carregado
de areia sacudindo suas vestes. Volto a olhar para aquele canto e não há
nada. Minhas pernas fraquejam e por pouco não caio mais uma vez. Os
braços de Hakim me amparam e eu me agarro a ele com desespero. Eu não
tenho nada, não tenho ninguém e estou presa a esse homem.
— Hakim... – Sussurro, sentindo que minhas forças haviam se esgotado.

[...]

Acordo sentindo meus lábios secos e aos poucos recordo da noite


anterior, olho em volta do quarto, a mesinha de estudo está ali, bem
próxima da cama, com meus remédios, algumas frutas e água. Bebo alguns
goles e mastigo uma tâmara fresca, em seguida tomo dois dos comprimidos,
mesmo sabendo que aquilo não está adiantando de muita coisa.
Estou olhando a poeira em meus cabelos quando Hakim entra e para ao
lado da cortina de lona.
— Vou te levar para um banho. – Ele parece vestir uma máscara de
indiferença, fria e dura.
— Eu preciso... preciso fazer minhas necessidades. – Eu nem consigo
dizer a palavra xixi, é tão vergonhoso que meu rosto arde.
— O seu pé está sem nenhum ponto, todos foram rompidos. – Olho para
o curativo novo, sem saber o que dizer ou sentir. Apenas quero acordar
desse pesadelo. — Coloquei uma cadeira no banheiro, talvez ajude. – Pisco
surpresa, a ideia não é ruim, mas não sei se vai funcionar.
— Tudo bem. – Limpo meus lábios e ele parece a cada segundo mais
estranho, eu não sei dizer, talvez indiferente. Se aproxima da cama e meu
coração salta em expectativa. Me ergue e apressa o passo até o banheiro.
— Acho que você consegue apoiar um pé no chão e deixar a perna sobre
a cadeira. – Diz após me sentar nela. Apenas confirmo e ele sai, me dando
privacidade. Eu tiro a calcinha com muita dificuldade e faço um
malabarismo para conseguir fazer xixi, mas não consigo a vesti-la
novamente, é uma tortura e eu já estou a ponto de desmaiar de tanta dor.
Com lágrimas nos olhos, eu o chamo e leva apenas um segundo. Talvez ele
tenha sido trocado na noite anterior, o homem sequer me olha na cara e me
toca como se eu fosse radioativa ou algo assim.
A banheira de estanho está cheia e emana um cheiro bom, há uma
cadeira ali também e ele me senta nela de forma apressada. Busco seu olho
bom, mas não o ergue para mim. Está com peso na consciência? Eu acho
que não, já que ele não parece ser o tipo que têm qualquer sentimento.
Assim que ele sai, sem dizer uma palavra, eu tiro a roupa e entro na
banheira, a água está fria e me faz estremecer, me apresso em limpar a pele
e tirar os resquícios de areia do meu cabelo e quase escorrego na tentativa
de não apoiar meu pé machucado no chão ao sair da banheira. Estou me
esticando para pegar a toalha quando ele entra, nervosa eu derrubo tudo e
me cubro de forma desajeitada.
— Eu não te chamei. Como se atreve!? – Seu semblante adquiri um jeito
sombrio, quase animal, enquanto eu estava vermelha de raiva e vergonha.
— Sai! – Exijo, com pernas trêmulas e me segurando no espaldar da
cadeira.
— Acho que como seu marido tenho direito de ver tudo. – Ergue o rosto
e um olhar soberbo se faz evidente.
— Você não tem direito a nada, você matou o meu pai e ainda acha que
tem direito a mim? – Ele fica rígido e eu sinto sua fúria.
— Escuta aqui.
— Não, eu não quero, eu não vou escutar nada que tenha para dizer! –
Se ele está zangado eu estou furiosa e com razão.
Hakim se aproxima apenas com duas passadas e segura meu braço,
fazendo com que a toalha que mantenho pressionada contra mim caía aos
meus pés.
— Agora vai me ouvir sim! – Ruge contra meu rosto e sinto em seu
hálito da essência que usa, uma mistura de canela, cravo e baunilha. — E
não vou repetir novamente! – Me sacode. — Eu não matei o seu pai, eu
nunca matei ninguém, eu carrego a culpa por não ter o ajudado quando me
pediu no dia em que te levei a casa dos meus pais, sim, eu neguei dinheiro a
ele, e sim, por isso, por não ter como pagar, ele foi assassinado, mas não o
matei, ouviu bem? – Eu podia dizer que não, mas apenas confirmo que sim.
Ele solta meu braço e sai, eu sento antes de cair, pois minhas pernas tremem
e eu não sei o que pensar, mas está claro, ele não matou o meu pai.
CAPÍTULO 18

ZARA

Eu não sei explicar, mas senti a verdade em suas palavras, senti que
não podia ser diferente do que me contou em sua raiva e eu me sinto
envergonhada. Sei que minha mente está entorpecida pelo ódio que sinto e
estava tão claro que havia sido ele, eu tinha tanta convicção, que nada

parecia me fazer mudar de ideia e ele colaborou com isso, ele o ameaçou,
nos ameaçou.
Como eu poderia não acreditar que fosse ele o culpado pela morte do
meu pai?
Observo ele fazendo o curativo em meu pé e sua mão quente parece
queimar minha pele, sinto um formigamento incômodo e um peso no meu
estômago. Faz isso com bastante concentração, e com certa habilidade,
como se já tivesse feito antes. E me questiono se foi com ele mesmo ou
outra pessoa.
— Quero que me conte o que aconteceu. – Ergo o rosto do meu pé, e
parece que já esperava pela pergunta que acabei de fazer, me olhando
apenas um segundo, não demonstra ter intenção de me responder o que quer
que fosse. — Com o meu pai.
— Não há nada para contar, ele foi assassinado, ponto. – Seu tom frio
me faz tremer, ele afasta a mão que segura meu pé, e depois volta a limpar o
estrago.
— Quem fez? Quem o matou? – Exijo uma resposta.
— Por que acha que eu sei? – Pergunta com seu semblante endurecido, e
percebo que está começando a perder a paciência. E ele teria alguma? Pelo
visto não.
— Ai! – Puxo o pé na tentativa de evitar o contato da gaze na ferida.
— Está cheio de areia. – Segura meu calcanhar com firmeza. — Fique
quieta. – Mordo os lábios, sem aguentar toda aquela tortura.
— Pelo profeta! Não vou suportar. – Sinto as lágrimas descendo pelo
meu rosto.
— Você não sabia que seu pai tinha dívidas? – O vejo perguntar, após
terminar de limpar e me fazer chorar com isso.
— Não, claro que não. – Ergue a sobrancelha sem entender meu jeito
rude, mas não diz nada. — Nunca tivemos dinheiro, quer dizer, sempre
vivemos com pouco.
— Ele buscava camelo aqui. – Uso a toalha para secar o suor do meu
pescoço. — Até que pediu um empréstimo a juros. – Recolhe as coisas que
usou e eu perco o que segue dizendo. — Ele sabia dos riscos, emprestei
mais uma vez, até que chegou o dia de pagamento e ele não tinha como me
pagar.
— Então você viu a… ‘Hana. – Hakim olha para o nada, talvez
pensando na noiva que perdeu, na noiva que fugiu.
— Que Alá tenha piedade da alma dele. – Diz apenas, me deixando
confusa.
— Você sabia que ele podia… ser assassinado? Quando ele te procurou?
– Nega
— La, não. Eu não conhecia seu pai, ele era apenas mais um dentre
tantos outros. – Engulo em seco.
— Ele era a sua família. – Hakim me lança um olhar nada satisfeito. —
Unimos nossas famílias. – Limpo meus lábios.
— Não era nada para mim, me enganou, me fez de tolo perante toda
M’hamid. – Meu coração acelera a cada palavra que leio em seus lábios.
— E me entregou no lugar da noiva que você queria. – Engoli em seco.
Ele olha para os itens em suas mãos e parece vestir aquela máscara de
indiferença novamente.
— Descanse. – Não parece um conselho e sim uma ordem. Será que
pretende me largar ao vento? Com certeza o fará quando souber que não
existe um bebê dentro de mim, nada mais nos prende, sequer uma dívida.
Afundo nos travesseiros e cubro meu rosto.
Eu não sei o que fazer, temia o desconhecido, e agora me sinto culpada
pelas palavras duras que proferi e da forma como o amaldiçoei, ele poderia
me deixar na sarjeta e não o fez.
No que ele está pensando? O que pretende? Eu não sei, é uma incógnita,
mas sei que preciso pedir desculpas a ele, no entanto, parece que toda
minha coragem foi arrastada com a tempestade de areia da noite anterior.
Rolo na cama e gemo com a fisgada em meu pé. Eu preciso ficar boa
logo, não posso ficar nessa cama por uma eternidade, sendo um estorvo. É
um fato que agora eu preciso de Hakim, eu já aceitei meu destino como sua
esposa, mas agora parece que seria muito mais fácil ele se livrar de mim,
como se eu não fosse nada, e realmente não era, já que eu o enganei.
Eu tenho que pensar em um modo de trazer harmonia para dentro dessa
tenda, mas me nego a seguir os conselhos de Mariana. Por que tem que ser
tão difícil? ‘Hana fugiu com tanta facilidade, não pensou, apenas agiu.
Nunca imaginei que ela seria capaz de abandonar a mim, logo a mim, que a
amava tanto, me largando ao vento, do mesmo jeito que Hakim fará,
quando se der conta de tudo sobre mim.
Sem perceber, meus ombros já se sacodem pelo choro de aflição e
angústia. Por que estou destinada a sofrer desse jeito? Eu não mereço nada
de bom? Por que ela foi embora sem olhar para trás?
Eu não tenho respostas para nada, mas sinto uma dor profunda em minha
alma.

HAKIM

Fiquei atrás da cortina, ouvindo o lamento de Zara, sem saber o que


fazer. Devo entrar e ver se o ferimento havia piorado? Dor eu sei que ela
sente, mas suas lágrimas parecem ser bem mais que isso. Começo a me
sentir um intruso dentro da minha própria tenda.
Por isso, me afasto dali, e saio. Até o momento, nenhum comerciante
havia vindo comprar camelos, mas eu realmente já esperava por isso. Em
toda M’hamid corria o boato de que eu havia matado mais um homem e
isso vai ser péssimo para os negócios nos próximos dias.
O deserto aparenta o que costuma ser; inóspito e traiçoeiro. A estrada de
asfalto, a cerca de um quilômetro, está cobertas pela areia da tempestade
que passou por ali durante a madrugada. Avisto ao longe que dois carros
estão vindo, e sinto um comichão na espinha quando os vejo se aproximar e
parar ao lado do meu. Dos dois descem Mustafá e seus homens. Ele é um
dos maiores agiotas de M’hamid, usa cordões pesados de ouro, anéis em
todos dedos e túnica branca que varre o chão por onde passa.
— Hakim! – Diz em tom jovial, sorrindo e expondo seus dentes de ouro
cravejados com diamantes. Segura meus ombros e me dá vários beijos no
rosto. — Al-salam Aleikon. – Saúda com os olhos brilhando de um
contentamento que eu não sei identificar.
— Aleikon Al salam. – Seu sorriso diminui por um instante ao ouvir
minha retórica sem nenhum humor ou felicidade, mas logo volta a se abrir
por completo.
— Meu garoto, como cresceu. – Acerta tapas firmes em meu rosto, como
costumava fazer quando eu ainda era um garoto. — Soube que casou, é
verdade? – Não é um pergunta retórica, então nem me dou ao trabalho de
dar atenção.
— O que você quer, Mustafá? – Ergue sua sobrancelha pintada de negro.
Eu não sei a idade dele, mas sei que é velho. Poderia dizer que devo a
minha vida a ele, mas estaria mentindo, ele se aproveitou de um jovem
órfão como achou mais proveitoso.
— Como sempre muito direto. – Seu turbante o protege do sol, olha para
dentro da tenda e eu ranjo meus dentes. — Ótimo, ótimo. – Esfrega as
mãos, fazendo chacoalhar suas pulseiras. — Vamos aos negócios.
— Não tenho negócio algum com você. – Falo, o fazendo erguer as
mãos, em sinal de paz.
— Acho que temos sim, veja bem, o pai da sua esposa, me devia um
bom dinheiro, assim como devia para você, e eu até aceitei a filhinha dele
como parte do pagamento, mas negócios são negócios. – Permaneço
impassível, mesmo diante de sua menção a Zara, ou seria a irmã? — Como
não me deu nenhuma coisa e nem outra, e pelo visto nem vai, eu vim
conversar com você, afinal, ele era seu sogro. – Dá de ombros em um ato
dramático, olhando em volta. — Exijo o pagamento da dívida. – Seu rosto
assume uma expressão séria.
— Não pagarei nada. – Sentencio. — Eu não fiz acordo com você ou
com o pai da minha esposa, por tanto, se tem contas a prestar, que vá atrás
dele onde está enterrado. – Mustafá me olha de lado com um sorriso
malicioso.
— Hakim, você me conhece, eu nem preciso ameaçar ninguém, você me
trouxe a melhor reputação que eu poderia desejar e veja onde chegamos. –
Afasto sua mão do meu ombro. — Tem uma semana. – Avisa apontando-me
seu indicador, sorri e caminha como um rei para o seu veículo. — Ah, quase
esqueci. – Se volta. — Eu posso aceitar a filha dele, você pode encontrá-la
para mim, não é? – Reteso meu punho e ele apenas sorriu. — É uma troca
justa, sua cunhada ou meu dinheiro, você escolhe. – Chama os homens com
um gesto de mão e levanta poeira.
Era só o que me faltava.

ZARA

— Hakim! – Grito quando acordo às escuras, nervosa, tremendo e


chorando
Eu vasculho a mesa de estudos em busca de uma lamparina, ela sempre
fica ali, mas porque eu a trago quando o sol vai embora.
Derrubo as louças do almoço e uma xícara, no processo, tentando fazer
com que meus olhos se adaptem à escuridão. Eu sinto um frio na nuca ao
lembrar daquela sombra na saleta e temo que ela surja ali também. Sei que é
coisa da minha cabeça, o medo me domina, mesmo assim parece muito real
e tenebroso.
Respiro aliviada quando vislumbro as chamas da lamparina.
— Por Alá, não me deixe no escuro. – Ele me olha como se eu tivesse
dito uma tremenda bobagem.
— Você estava dormindo. – Tentava fazer meu coração parar de bater tão
desesperado e respirar com mais facilidade.
— Por favor, é que eu… eu… eu tenho medo. – Limpo as lágrimas e
respiro fundo. Hakim parece surpreso com aquilo. — Eu fico com tanto
medo que imagino coisas… – Começo a explicar nervosa. — Ontem
mesmo vi a sombra de alguém na tenda.
— Onde? – Olha em volta, procurando pelo quarto e vejo que está um
tanto preocupado, ou seria outra coisa? — Aqui? Dentro da tenda? –
Questiona exaltado e puxa a cortina que serve de porta.
— Na sala, mas não era nada, era só… o medo. – Ele parece não
acreditar, talvez esteja achando que eu estou mentindo, e eu nem sei porque
estou contando isso para ele. Suspiro um pouco frustrada. Não esperava que
ele fosse compreender. — Você pode… me ajudar a ir ao banheiro? – Ele já
havia feito isso mais vezes do que podia contar. Eu demoro para pedir, mas
como a minha bexiga não suporta muito líquido, mesmo bebendo pouca
água e nada de chai ou café, eu logo sinto uma vontade gritante de ir me
aliviar.
Ainda me surpreendo como ele consegue me segurar tão facilmente.
Sinto o aroma de sabonete em sua pele e como está quente e próximo, eu
noto que perco o compasso das batidas do meu coração, ao sentir a tensão
de seu corpo. E fico nervosa com isso. É a mesma sensação de quando me
toquei, tão surreal que deve ser coisa da minha cabeça.
Me senta sobre a cadeira e me deixa sozinha. Eu tremo, e não é pelo meu
pé, ou pelo medo que sinto constantemente e sim por me sentir daquele
jeito, por sentir que quero tocá-lo.
CAPÍTULO 19

ZARA

Ajeito meu cabelo e arrumo a roupa, por fim suspiro. O que está
acontecendo comigo? Esfrego minhas mãos contra a saia do vestido, me
sentindo ansiosa a ponto de estar com o coração saltitando muito rápido.
Eu não consegui dormir na noite anterior, não por meu pé estar doendo
como o inferno, não, é que minha cabeça parece estar perdendo o juízo que
resta. Olho para cortina ansiando pelo momento que ela será afastada e
Hakim entrará. Ele sempre vem bem cedo, trazendo algo para comer ou
para me levar ao banheiro.
Pressiono meus olhos, um tanto nervosa, há uma necessidade crescente
dentro de mim, que me causa calor e sensações desconfortantes. Toco meu
rosto com minhas mãos um pouco úmidas, em seguida meu pescoço e por
fim prendo meu cabelo em uma trança.
Ergo meus olhos quando noto o movimento da cortina e o semblante de
Hakim é o de alguém que não dorme bem a dias, cansado, abatido e
parecendo doente.
— Você está bem? – Uso meus braços para me sentar melhor na cama,
enquanto avalia-o melhor.
— É apenas um resfriado. – Coloca sobre a mesa de estudos o meu
desjejum, que consiste somente em um pão caseiro e queijo, nada mais.
Franzo minha testa sem entender. — Você quer usar o banheiro? – Sacudo a
cabeça rápido e ele ergue a sobrancelha e espirra, cobrindo o rosto com a
mão. Assim que ele me ergue eu rodeio seu pescoço com meu braço, ele
parece ter tomado aquela decisão sozinho, pois em momento algum eu
cogito aquela ideia absurda. Hakim para comigo, suspensa, e retesa seu
corpo forte. Eu consigo sentir cada parte de seu tórax e quero pular dali,
mesmo sabendo que a queda não vai ser nada agradável, ao mesmo tempo
quero que continue me segurando. Talvez tenha enlouquecido.
Ele me dá espaço para fazer minhas necessidades fisiológicas e depois
me leva de volta para o quarto e, sem dizer nada, sai. Eu meio que murcho,
odeio o fato de ficar dentro daquele quarto, deitada e sem ninguém para
conversar, eu sempre tive alguém para conversar e cuidar, agora estou o
tempo todo sozinha.
O resfriado dele parece ter piorado. Penso em o chamar para ensinar
alguns chás bons para gripe, no entanto, não sei se ele aceitaria uma ajuda
vinda de mim, não depois de tudo que eu disse. Suspiro, concluindo que eu
realmente preciso pedir desculpas, já que o peso da culpa está pesando
sobre os meus ombros e eu me sinto péssima com aquilo.
Como o pão e noto que ele é do dia anterior. A comida do Hakim é
muito boa, ele é o primeiro homem que eu conheci que cozinha, Baba e
‘Hana dependiam totalmente de mim e sabiam que podiam até passar fome
se eu não estivesse lá por eles, já aqui, Hakim parece fazer tudo funcionar
tranquilamente. Ele pode não se atentar muito aos detalhes, mas não
aparenta precisar de ninguém para o que quer que fosse. No entanto, ele
demonstrava estar mais doente do que queria admitir e não parece propenso
a pedir qualquer tipo de ajuda.

ZARA

Passo a manhã inteira costurando a seda que Kaysar me deu, e olhando o


relógio de pulso a cada cinco minutos. Tomei pequenos goles da água que
Hakim tinha deixado, para não atrapalhar a rotina dele com os compradores
e animais.
No entanto, já passou e muito da hora do almoço e meu estômago ronca
alto de fome. Largo a costura e me inclino um pouco, mas não consigo ver
nada, a cortina da tenda é pesada dando a privacidade necessária para quem
estivesse alojado ali. Eu ensaio uma tentativa de levantar da cama e tenho
que morder meus lábios com força para não gritar. A dor se intensifica
sempre que eu levo meu pé ao chão.
Eu nunca fui muito resistente a dor, e depois do meu acidente isso
pareceu piorar, mas eu nem lembrava da dor que senti quando o carro me
atropelou, fiquei desacordada por dias no hospital e quando acordei, o corte
que sofri no impacto da queda já estava quase bom e eu não sentia dor.
Imagino que teria sido muito pior se eu tivesse consciente, pois a cicatriz
tinha sido imensa na lateral, vindo do meu joelho até quase alcançar o meu
quadril.
Respiro fundo várias vezes e por fim desisto. Eu preciso muito de um
banho e comida, aquele mísero pão não tinha me ajudado a forrar o
estômago para aguentar tantas horas sem alimento.
— Hakim? – Chamo contendo um gemido enquanto volto a me sentar
melhor entre as almofadas. Chamei várias vezes, mas acredito que ele não
estava dentro dela. E é agoniante ficar ali, esperando. Estava prestes a
levantar mais uma vez quando Hakim entra, parecendo bem melhor, mas
está sujo com poeira e aparenta estar zangado. — Por Alá, te chamei até
cansar! – Resmungo, mesmo estando um pouco assustada com sua postura.
— Rahina não consegue vir, a nora dela acabou de ter o primeiro filho. –
Não espera que eu diga nada, simplesmente me ergue em seus braços e eu
solto um suspiro involuntário. Alá! Seu corpo quente contra o meu me deixa
na mesma temperatura de imediato, como se estivesse febril, e com apenas
um toque o meu íntimo lateja a ponto de eu precisar prender meus lábios
para conter qualquer reação constrangedora. — Vou trazer algo para comer.
– Noto que ele diz mais coisas, as quais eu não pude ler.
— Estou faminta. – Ele franze a testa, olha um pouco para mim e depois
se dá conta que eu preciso de privacidade. Eu consigo fazer malabarismo
para usar a privada turca e é agoniante, mas eu acho melhor isso a ter
Hakim me ajudando. — Eu não aguento mais ficar dentro do quarto, me
deixa ficar um pouco na saleta.
— Tudo bem. – Me ergue da cadeira novamente e olho disfarçadamente
para seu rosto, notando como seus lábios parecem ser firmes, e que a
camada de barba é bem aparada. Mesmo que ele nunca me deixe ao lado de
sua cicatriz, noto que ela ergue um pouco seu lábio superior, no entanto, é
algo que acho atraente ao olhar, mas desvio os olhos por estar o avaliando
daquela forma.
— Eu posso ajudar, na cozinha. – Ele reluta e eu me agarro ao seu
pescoço. — Posso sentar em uma cadeira e fazer.
Ele trava o maxilar, mas não solto seu pescoço, e ele parece mais tenso
com a proximidade. — Quero ajudar. – Insisto, por fim ele cede e me leva
para cozinha.
— Vou buscar água. – Concordo e pulo com um pé até a geladeira,
notando que ela está cheia, mas que Hakim não teve tempo para fazer nada
elaborado, ou talvez não saiba. Eu tremo um pouco após separar o que
quero para a sopa harira, mas me apresso a sentar antes que Hakim volte e
me veja fazendo o que não deve.
Tomo fôlego e corto a carne. Quando Hakim entra carregando água, para
e fica me encarando. — Vai voltar para o quarto, agora. – Solta a água com
certa violência.
— De jeito nenhum. – Rebato de forma firme.
— Você não decide. – Abro minha boca, surpresa e a fecho. Eu sei que
ele é o meu marido e que lhe devo obediência, mas nos encontramos em
uma situação complicada de casamento e eu me questiono qual rumo
tomaremos.
— Quem decide? Você? – Ergue a sobrancelha falhada pela cicatriz,
nada satisfeito. — Olha, eu sei que estou dando trabalho, mas não é o que
quero. Eu odeio ser um estorvo e não fazer nada útil, me sinto péssima. –
Hakim cruza os braços, o que evidencia seus músculos e me faz perder o
raciocínio. — Eu só quero ajudar.
— Como eu disse: você não decide. – Em poucos segundos ele me
arranca da cadeira, e me joga contra seu ombro.
— Me solta! – Acerto suas costas com meu punho cerrado com o
máximo de força que consigo.
— Vai ficar aí, até esse pé ficar bom. – Afasto meu cabelo do rosto
bastante furiosa.
— Você é um grosseiro! – Grito exaltada.
— Não tenho tempo para perder com sua infantilidade. – Profere e deixa
o quarto, o que me faz ficar com mais raiva.
— Seu…! Seu…! – Argh! Eu nunca fui de usar palavras de baixo calão
na minha vida e mesmo agora, com raiva, eu não consigo.
Ainda estou zangada, quando começo a sentir o cheiro da sopa que
pretendia fazer quando Hakim me forçou a voltar para o quarto e meu
estômago reclama de fome. Assim que ele entra me lança um olhar que não
deixa claro o que está pensando.
— Coma, depois levo você para tomar banho e trocar o curativo. –
Parece apressado em se livrar de mim.
Deixando sobre a mesa de estudo a sopa harira, que está fumegando, eu
a puxo, tomando um pouco e notando o quanto estava saborosa. — Está
muito bom. – Hakim parece não saber como lidar com meu elogio. — Acho
que não consigo fazer assim. – E realmente está maravilhosa. A carne no
ponto certo com o grão de bico, desmanchavam na minha boca. Ele abre a
boca para dizer algo, mas não encontra as palavras, parecendo um pouco
desestabilizado. Eu engulo a sopa e o encaro. — Hakim, eu… eu quero te
pedir desculpas, por tudo que lhe disse.
Ele adota uma postura ereta, enquanto me olha sem entender onde eu
quero chegar. — Eu o culpei pela morte do meu pai, disse coisas terríveis e
o amaldiçoei. – Olho um segundo para minhas mãos e ergo meus olhos para
ele novamente. — Me desculpe, por ter dito tudo aquilo. – Me olha
surpreso, pisca rápido algumas vezes e olha para cortina.
— Não é a primeira vez e nem será a última que me jogam agouros. –
Engulo em seco, um pouco envergonhada.
— Sinto muito. – Eu havia rogado para Alá reduzir os dias dele, mas no
fundo, eu sabia que jamais desejaria isso para ninguém. — Estou sendo
sincera e quero que a gente… eu quero que tenhamos harmonia.
— Você já disse isso, mas me desobedece na primeira oportunidade que
tem. – Tomo fôlego.
— Não estou acostumada a ter pessoas me dando ordens. – Ergue um
pouco o rosto, evidenciando sua mandíbula proeminente. — Obrigada por
cuidar de mim.
— É minha esposa, no final das contas, e pode estar carregando um filho
meu. – Eu pisco várias vezes, tentando não transparecer meu nervosismo. O
que ele quer dizer com isso? Que pretende me devolver caso não esteja
esperando um filho? — Coma. – Ordena deixando o quarto. Eu não consigo
mais comer, não depois de ler aquelas palavras em seus lábios.
Eu não estou carregando um filho e logo ele descobrirá isso, o que me
deixa a beira de um ataque de nervos. O que eu devo fazer? Estou com
medo, claro. Que fim eu terei se ele ver que eu não sirvo para nada?
Cubro meu rosto e tento acalmar meu coração. Eu sou a esposa dele,
como bem disse, então eu terei… terei que me deitar com ele, logo, para
que esse filho venha, caso contrário eu não sei o que será de mim.
CAPÍTULO 20

HAKIM

O caminhão com os camelos da feira havia chegado defasado, o que


me deixou furioso, mesmo já esperando pela retaliação. O número de
compradores reduziu em menos da metade e após a tempestade de areia,
noto que alguns camelos foram roubados na madrugada.
A única coisa que parece funcionar sem nenhum trabalho da minha parte
são os pagamentos dos que haviam me pedido dinheiro emprestado, todos
estavam mais temerosos do que antes.
Eu nem podia sair das minhas terras, não queria correr o risco de deixar
Zara sozinha, e após quatro dias sendo boazinha, sem dar trabalho mais do
que o necessário, o seu pé parecia mostrar sinais de melhora. Ainda é um
tremendo sacrifício a levar para os outros cômodos, a sentir perto de mim, é
um verdadeiro martírio e eu estou quase a atacando feito animal, não
suportaria muito.
Espirro algumas vezes e sinto dor no peito, o resfriado não quer me
abandonar, e agora eu preciso fazer rondas durante a noite para prevenir
possíveis tentativas de furto. Pela manhã acordo achando que morrerei com
a dor de cabeça que me acomete. Dormir pouco sempre foi algo que eu fiz,
mas agora eu apenas cochilo, principalmente depois de Zara ter dito que
havia alguém dentro da tenda.
Eu vivo naquela terra há um bom tempo, e nunca havia tido nenhum tipo
de problema, mas agora parece que minha reputação está deixando alguns
com mais coragem, ou talvez seja apenas Mustafá. Eu não duvido, ele
nunca aceitou bem eu ter saído da sua corja. Só não esperava que fosse usar
de golpes baixos para me atingir, afinal, nunca foi do feitio dele, mas eu
ficaria em alerta.
Tiro as luvas grossas que uso para cortar os cactos e entro na tenda. Zara
se faz de forte, mas eu sei que ela não aguenta muito tempo sem ir ao
banheiro e que come feito uma leoa, por isso a todo momento eu entro.
Resmungo, sei que minha real intenção é ver o pequeno sorriso que ela dá
quando eu puxo a cortina, parece surpresa e aliviada, como se me ver fosse
bom, o que não era, e eu sabia disso, mas depois de seu pedido de
desculpas, ela está diferente.
Eu não sei bem o que pensar, apenas sinto aquela necessidade de entrar
ali. Por vezes à noite eu venho conferir se a lamparina está acesa, já que ela
teme o escuro, e a observo dormir. Seu sono é tão sereno, e tranquilo, que
eu me pego olhando para ela por minutos.
— Dói menos agora, acho que consigo ir sozinha. – Diz assim que me vê
entrar e eu me sinto um pouco... rejeitado? Ranjo meus dentes, nada
satisfeito, me recuso a me sentir desse jeito, rejeição faz parte da minha
vida e eu aprendi a lidar com aquele sentimento, por isso, não aceito que
seja diferente agora. — Talvez até possa… fazer um jantar? – Parece
apreensiva e seu rosto adota um tom de vermelho quando ela fala, a olho
ali, deitada, frágil e fácil de quebrar.
— Você fica aqui. – Dá de ombros. Eu vejo muito bem a cara que ela faz
quando a coloco no chão do banheiro, não é a expressão de alguém que está
boa o suficiente para fazer tudo o que quer. Muito menos andar. Outro dia
eu me deixei levar pela sua insistência em ajudar com a comida e ela perdeu
toda a cor pelo esforço. É muito teimosa.
A ergo e imediatamente seu braço repousa atrás do meu pescoço, ainda
que não seja necessário, eu já estou habituado a carregá-la de um lado a
outro, mesmo que meu pau fique a ponto de explodir de tanto desejo. O
cheiro de seu cabelo me embriaga e eu quero enfiar o meu rosto ali e o
cheirar.
A solto na cadeira antes que cometa uma loucura insana. Desde que a vi
nua, por inteiro, eu havia perdido a razão. Seu corpo é perfeito e eu quero
tocá-lo e senti-lo em minhas mãos novamente.
— Veja. – Vejo-a saindo do banheiro, com as próprias pernas, mesmo
mancando um pouco, posso ver que há uma grande melhora.
— Ótimo. Então acredito que possa dar conta de si mesma. – Resmungo
um tanto furioso, o que faz o sorriso dela sumir de seu rosto corado.
— Sim. Eu consigo. – Diz relutante e com os olhos vacilantes, mas logo
adota uma postura de quem pode até mesmo correr se for necessário.
— Ótimo. – Repito, ficando nervoso.
— Chukran. – Deixo o local me sentindo a ponto de entrar em erupção.
Qual é o meu maldito problema?
Saio dali feito animal, precisando de espaço, mesmo tendo um deserto
inteiro ao meu redor. Esfrego meu peito e tusso um pouco, talvez tenha
engolido areia durante a tempestade. Se ela não quer minha ajuda, tudo
bem, eu não a darei. Mas com o inferno, eu adoraria segurá-la mais um
pouco.

ZARA

Eu me ajoelho no quarto, depois do almoço e faço uma oração, havia


deixado de fazer desde que não tinha como apoiar meus pés no chão,
mesmo após cinco dias de todo aquele infortúnio, eu ainda sinto dor, porém
consigo levantar, andar e fazer algumas atividades dentro da tenda. Desde o
dia anterior, Hakim passou a ser um fantasma, não o vejo desde que me
coloquei de pé e uma sensação cresce dentro de mim. Eu havia me
habituado a ter ele por perto, tinha me acostumado a estar em seus braços e
o sentir contra mim.
Abro meus olhos ao notar para onde está indo os meus pensamentos e
me sinto uma profana. Fecho meus olhos com força e peço perdão várias
vezes, mesmo com meu coração acelerado em meu peito e minha pele
ardendo em chamas. Eu não consigo me concentrar, eu penso no cheiro da
pele dele, do seu cabelo... que textura teria? Seria macio? Me ergo rápido e
gemo de dor, eu não podia orar agora, parecia inapropriado. Meus
pensamentos estão dominados por um turbilhão de sensações.
Mancando para fora do quarto, busco água fria da banheira de estanho
para molhar o meu pescoço, e até meu próprio toque acendia chamas em
mim, que pareciam querer me engolir e consumir.
É como uma necessidade crescente, não diminui com água fria, não
passa até que eu faça aquilo novamente. Suspiro por lembrar que até pouco
tempo eu não sabia de nada e que foi Mariana que plantou a semente na
minha cabeça, a culpa é inteiramente dela. Eu poderia continuar normal,
sendo eu mesma, sem tudo isso, se ela não tivesse me dito todas aquelas
coisas.
Me nego a ceder, e só penso no quanto aquilo é errado. Saio dali e vou
para a saleta, encontrando lá, tudo do jeito que tinha deixado, sendo
dominada de imediato pela tristeza da rejeição. Ele não havia comido na
noite anterior, nem no café da manhã e nem mesmo agora no almoço. Eu
sinto que o relógio está contra mim, e que a qualquer momento ele saberá
que não há filho nenhum dentro de mim e me jogará ao vento.
Caminho até a entrada da tenda mancando, e olho em volta, não há uma
única alma viva naquele sol escaldante, mas o carro de Hakim está parado
mais adiante. Acho que ele não sairia sem me avisar, mesmo assim eu sinto
o peso do abandono. Em uma semana eu havia me habituado a vê-lo várias
vezes ao dia, e agora ele parece fugir da minha presença. Por vezes me
pergunto. Será que com ‘Hana seria diferente? Se estivesse com ela sua
raiva seria menor, ou sequer existiria?
Eu tento afastar tudo aquilo, mas é quase impossível não me comparar
com minha irmã. Ela é o que o Hakim sempre quis, tanto que quando a viu,
se encantou por sua beleza e juventude. E pensando agora, se tivessem se
casado... eu estaria sozinha, sem ninguém, e sem saber o que fazer com
minha vida, já que Baba teria partido para sempre.
A noite cai e eu acendo todas as lamparinas da tenda, como um pouco e
me recolho. O tempo está frio há três dias seguidos, e toda a tensão que eu
sinto não me deixa dormir, então pego um cobertor e me sento em uma das
cadeiras que passei alguns momento com Mariana. Me pergunto como ela
está e sorrio ao lembrar das coisas insanas que ela disse.
Eu não tenho coragem para ir embora como ‘Hana fez ou como a moça
do cabelo rosa sugeriu, eu tenho enraizado em mim todos os ensinamentos,
e acredito fielmente neles. Acredito que meu dever é no casamento,
cuidando da casa, dos filhos, os ensinando a palavra.
Limpo as lágrimas e encaro o céu estrelado, sem saber o que fazer.
O frio fica intenso demais, tanto que meus ossos tremem, então, entro na
tenda e fico curiosa em saber por onde anda Hakim. Sinto que os dias que
passaram foram como na primeira semana que cheguei, ele se mantendo
distante, e eu o vendo apenas dentro da tenda ou fora dela. Retorno para
fora, indo até a pilha de palha seca, e vejo os camelos tentando alcançá-la,
como se não tivessem sido alimentados hoje. Entro novamente e vou
mancando até o quarto pequeno, fico encarando a cortina pesada, sem saber
se devo perturbá-lo, porém preocupada demais a essa altura.
— Hakim? – Chamo e me dou conta que se ele estivesse dormindo eu
não saberia, ou se me mandasse sair dali eu não ouviria. — Eu vou entrar. –
Aviso temerosa e afasto a cortina, o encontrando deitado em uma cama
pequena que mal o cabia, podendo ver apenas sua sombra. Corro para
buscar uma lamparina e o chamo da porta. — Hakim? – Ele não parece
acordar, mas se revira na cama pequena. Me aproximo mais. — Você está
bem? – Meus passos são vacilantes, mas algo me puxa para mais perto.
Vejo sua fronte e seus cabelos molhados. Ergo minha mão e a recolho por
um segundo, por fim, o toco e está fervendo. — Pelo profeta! – Sua pele
arde, como se estivesse cozinhando. Os lençóis, que antes o cobria do frio,
estão largados no chão, e sua túnica está encharcada pelo suor. O chamo
várias vezes e em algumas ele até abre os olhos, mas está tão mal, que não
consegue assimilar nada a sua volta.
Coloco a lamparina sobre a mesa pequena que há ali e busco por toalhas,
a febre dele está muito alta, e eu começo a me culpar por não ter o
procurado antes. — Você precisa tomar um banho frio. – Eu digo e vejo
seus lábios se mexendo, mas não parece ser palavras com sentido. — Por
favor, eu te ajudo. – O sacudo e ele olha para mim com seu olho bom meio
embriagado. — Levanta, eu vou cuidar de você.
Puxo até fazer com que se sente, seu corpo está mole e se ele cair me
esmagará. Preciso levá-lo até a banheira para tentar esfriar seu corpo
quente. Minhas mãos tremem e meu pé lateja, mas após longos minutos
consigo fazer com que ele se erga e se apoie em mim. Aquilo parece uma
ideia absurda quando o sinto pender para o meu lado e tenho que o segurar
com uma força que eu encontro não sei onde.
Chegar até o corredor me exaure e eu sei que se ele entrar dentro daquela
banheira não vou conseguir tirá-lo depois. Por isso, o empurro para dentro
do quarto.
— Eu vou cuidar de você. – Repito e ele cai sobre a cama, que por sorte
é muito resistente. — Alá, me ajude.
Meu pé doí, mas eu não posso pensar nele agora, darei o meu melhor
para que Hakim fique bom, afinal, ele tem somente a mim e eu terei que ser
suficiente.
CAPÍTULO 21

HAKIM

Minha cabeça gira e estou com o estômago embrulhado, tremendo de


frio, e sinto meus ossos chacoalhando.
— Tire a camisa. – Olho para Zara, sem entender e noto que estamos no
quarto em que ela dorme. Como cheguei aqui? Ela está séria, e seu tom
ordena, não pede. Eu levo a mão à túnica e percebo que não vou conseguir
fazer o que ela quer.
Eu já dormi muitas noites no deserto, sob as estrelas, mas a noite anterior
tinha sido fria o bastante para congelar meus pés. Eu estava tão cansado,
que me larguei dentro do cocho, jogando sobre o mesmo, somente uma
lona, meu plano era vigiar o perímetro, como vinha fazendo durante aqueles
dias, mas acabei dormindo. Quando acordei senti no mesmo instante que
não estava nada bem, que o meu resfriado havia piorado. Não sentia nem as
extremidades e demorei mais que o habitual para levantar.
Tomar banho no oásis deve ter sido meu erro. A água estava tão fria que
congelou meus ossos. — Eu te ajudo. – Volto a minha atenção para a
mulher diante de mim. — Hakim. – Ergo meu rosto para ela novamente. —
Eu posso?
— O quê? – Observo como seus lábios são cheios, após elas o soltar da
pressão que fazia um no outro.
— Tirar sua túnica. – Aponta para mim e vejo que estava vestido e que
ela quer tirar minha roupa. — Você está queimando de febre.
— Estou bem. – Digo, notando que as coisas à volta dela balançam,
como se eu estivesse bêbado.
— Por favor… – O jeito como ela diz aquelas palavras me faz encarar
seus olhos cor de avelã. — Só quero te ajudar. – Com o quê? Minha cabeça
está confusa. Preciso alimentar os animais, colocar água, fazer novos
pedidos de mercadorias. — Eu faço, eu faço tudo. – Olho para Zara,
franzindo minha testa. — Eu te ajudo, não se preocupe. Você precisa
descansar um pouco. – Se aproxima de mim e talvez eu veja que não há
medo em seu olhar e sim preocupação. Seria real?
— Zara… – Seu nome, ele é perfeito, assim como seu rosto e seu corpo
naquele vestido. Ela é linda, e nunca iria olhar para mim sem sentir repulsa.
Desvio minha cara feia dos seus olhos suplicantes. Ela não para de olhar
para mim. Parece estar com seus olhos grudados no meu rosto. O que
pensa? Sente pena? Está curiosa?
Sinto suas mãos frias de encontro a minha pele e percebo que está muito
perto. Olha no fundo no meu olho bom, e sinto segurança eu seu olhar
terno. Ergo meus braços e a túnica desliza até sair do meu corpo. Ela afasta
o cabelo do meu rosto e toca nele por longos segundos.
— Farei compressas frias. – Diz e estende sua mão pequena, tão
minúscula que eu poderia agarrar e a quebrar. Penso que eu já a quebrei e a
machuquei, ela era frágil e inocente e eu a tomei com violência, feito
animal. — Está tudo bem. — Diz, por algum motivo. Minha mão já havia
agarrado a dela. Eu não entendo porque estou pensando naquilo, mas a
realidade daquele fato martela na minha cabeça, fazendo a dor se
intensificar.
— Eu te machuquei… – Confesso em um tom tão baixo que eu não ouço
o som da minha voz.
— Não machucou, veja. – Mostra nossas mãos juntas e parecia certo,
mas ela não sabe realmente do que eu estou falando. E olhar nossas mãos
daquele jeito me faz pensar em mim, quando criança. Talvez estivesse mais
doente do que imaginava, nada faz sentido. Me puxa até a cama e me faz
deitar nela. — Amanhã você vai estar bem, verá. – Promete com tanta
sinceridade, que acredito que pode me contar verdades ao invés de somente
mentiras.
Aqueles olhos avelã são uma porta para o desconhecido, porta que me
faz ir da calmaria a tempestade em fração de segundos.
Resmungo e fecho meus olhos. Sinto um pano frio sobre minha testa e
logo depois, um tanto vacilante, por meu peito. Sua mão firme em alguns
momentos alternava com caricias tão leves quanto uma pena quando me
tocava com a toalha úmida. Eu ouço o som baixo de sua voz, cantando uma
música, e sua mão acaricia meu cabelo me fazendo estremecer o corpo
inteiro. Eu ouço meu próprio resmungo de lamento quando sua mão se
afasta dali, e sua voz para com a melodia, que eu jurava já ter ouvido.

HAKIM

Acordei tossindo com o carro em chamas, e o fogo em minha túnica.


Gritei de dor, era agoniante e eu sufocava com o cheiro da minha pele
queimando. Chamava por papai ou mamãe, enquanto batia em mim mesmo
para apagar as chamas que não pareciam diminuir. O calor atingiu meu
rosto e eu me estiquei para que a chama não alcançasse ali também.
Como tudo aconteceu? Era o que me perguntava, já que não recordava
o que nos levara até aquele momento de puro desespero e agonia.
— Filho, eu estou aqui. – Vejo Baba se arrastar para dentro do carro, e
noto que não conseguia abrir um olho, ele parecia inchado e também doía.
Ele colocou uma manta sobre meu corpo e apertou, até que o fogo apagou,
mas ainda tinha fumaça e fogo em outras partes do carro. Então vi mamãe,
ela também estava pendurada, a cabeça sangrava muito. — Vou te tirar
daqui tudo bem? Você é forte, você é muito forte. – Notei que chorava, eu
ainda estava muito desesperado, e com meu corpo doendo e ardendo.
Soltou o cinto que me prendia, e eu caí em seus braços. Havia vidro por
toda parte, Baba cobriu os estilhaços com a manta cinza. — Se arraste
para fora, vou ajudar sua mãe.
— Não… não… não! – Gritei desesperado, com medo, o agarrando.
Senti um beijo em meu cabelo.
— Calma meu pequeno. Eu irei com você, mas rápido, seja rápido. – Ele
saiu primeiro, quando notou minha resistência, e estendeu sua mão para
mim, eu olhei para minha mãe, ali, desacordada, com seus cabelos longos
balançando, agarrei a mão de baba, com força e saí. Fui colocado sobre
uma pedra. — Fique aqui, eu volto em um minuto. – Beijou minha testa e
correu para o carro em chamas, que logo explodiu, me fazendo voar longe
e perder a consciência. Ele não voltaria em um minuto, nem no seguinte,
nem no seguinte… nem nunca…

ZARA
Eu olho para Hakim delirando e estremeço toda vez que ele grita,
chamando seu Baba, e é tão real seu sofrimento, que eu sinto a dor penetrar
minha alma, me fazendo chorar junto com ele. Não consigo entender muito,
mas percebo após algumas horas, que ele viu seus pais morrendo diante de
seus olhos.
Insegura, sem saber se devo acordá-lo ou não, eu faço o que meu
coração manda e seguro sua mão, lhe dizendo palavras de conforto. Como
se tivesse falando com uma criança, aperto minha testa contra a sua têmpora
e colo minha boca em seu ouvido, tentando penetrar seu delírio e o trazer de
volta. — Estou aqui… – Digo. — Estou aqui… – Em lágrimas eu cuido
dele, conseguindo fazer com que tome um remédio para febre, que triturei e
misturei na água, até que a febre cede e as alucinações cessam. Suspirando
aliviada, o vejo dormir, por fim o sol nasce, iluminando toda a tenda.
Deixo o quarto apenas para trazer mais toalhas frias. Enxugo seu corpo e
observo com atenção a cicatriz de queimadura que fica em sua costela, em
seguida seu rosto e afasto o cabelo para ver, finalmente, que ali também
tinha uma cicatriz escondida. Algo grave deve ter acontecido com ele, e eu
quero muito saber de tudo, mas ele está longe demais de mim.
Faço uma oração ali mesmo e deixo o quarto, tomando o cuidado de
colocar próximo dele, água e algumas frutas. Já havia passado mais do meio
dia e o sol estava a pino. Me dirijo até a pequena construção de madeira,
quando noto que há homens lá, aguardando.
— Salam Alekum. Meu marido está indisposto no momento, se não for
nada de extrema urgência peço que retornem amanhã. – Alguns partem no
mesmo minuto e outros começam a falar, todos ao mesmo tempo. —
Desculpem-me. Um de cada vez, por favor. – Peço, buscando segurança em
minha voz.
Despachar os animais vendidos, receber dinheiro de uma dívida, e
entregar lista de compras não foi difícil, mas eu demoro mais do que acho
que Hakim demoraria. Um carro com mercadorias chega assim que o
último cliente foi embora. O homem é insistente e exige a presença de
Hakim, mas logo quis comprar alguns camelos a uma ninharia. Eu não sei
dos preços, mas havia recebido um pagamento, então sei que o que ele
estava oferecendo não condizia com os preços que Hakim exige na venda
de seus animais.
— Salam. – Um senhor usando turbante desce do veículo, e de trás do
mesmo um jovem começa a descer caixotes com frutas, verduras e legumes
— Atrasamos hoje, o carro… bem… ele é velho. – Diz sorrindo. — Você é
Zara?
— Sim, por favor, levem isso para dentro. – Prendo a cortina de lona da
parte traseira da tenda. Feliz com a fartura de todo aquele alimento. Eu
tinha notado que Hakim abastece a cozinha com tudo o que eu jamais
pensei em comer e coisas as quais eu nem sabia o que fazer com elas, mas
era uma alegria fazer novos pratos.
No cair da tarde meu pé lateja muito e eu quero me sentar, mas ainda há
muito a fazer e eu preciso ajudar.
— Eu sou Jihad, esposo da Rahina e aquele garoto é o meu filho mais
novo, Amin. – O rapazote inclina a cabeça e pega a última caixa, com ovos
e leite fresco. – Voltarei em dois dias, gostaria de algo especial? Ou algo
que não tenha na lista? – Me estende a lista e a leio rapidamente.
— Eu gostaria. – Peço e escrevo no papel as cores das linhas e tamanho
de agulhas, não penso muito, talvez não fosse fazer tanta diferença. — E a
sua filha? Como estão indo com o bebê? – Ele sorri um pouco.
— O bebê e a mãe ainda estão no hospital, foi um parto difícil. – Levo a
mão aos lábios, um tanto preocupada, afinal tinha visto a moça quando
estive na casa dos pais de Hakim.
— Que Alá os abençoe para que retornem para casa o quanto antes. –
Ele ergue as mãos ao céu e estendo a lista.
— Hamdulillah. Trarei tudo quando vier. Salam Aleikum. – Chama o
filho com a mão, quando o vê se distrair com os animais presos.
— Aleikon Al salam. – Aceno, e vou fazer as tarefas que Hakim
enumerou para si mesmo. A palha seca foi fácil, já os cactos não, os
espinhos me furam diversas vezes e só após muito esforço eu vejo que tinha
uma luva, que servia perfeitamente para o corte da coisa. Os camelos se
amontoam para comer, quando me veem chegando, e como eles já estão
acostumados com a alimentação e provavelmente já havia dois dias que o
Hakim não os alimentava devido a sua saúde, eles ficam eufóricos. Carregar
o carrinho pesado foi um verdadeiro sacrifício e paro em meu percurso
várias vezes. Um dos cochos tinha uma lona, a tiro e despejo a comida
desejada, levando alguns empurrões dos imensos animais ruidosos.
Meu pé dói cada vez mais, mas não paro, indo até o poço de água e
bombeando o suficiente para o meu banho e o de Hakim, caso ele acorde.
Lavo toda a louça e preparo comida. Guardo os mantimentos e vou até o
quarto, notando que agora a pele dele está pegajosa ao toque, mas a febre
está bem fraca. Uso as toalhas limpas para o deixar confortável e por fim o
cubro bem.
Suspiro aliviada em poder ajudar de alguma forma e me sinto útil por ter
feito tudo aquilo que ele faz diariamente. Me dou conta de quão árdua é sua
vida naquele deserto e no quanto trabalha, sem ter muitos luxos e regalias.
A verdade, é que dentro daquela tenda não há nada de valioso, e a única
coisa que parece que ele tem, de valor considerável, é seu carro imenso.
Talvez eu não conhecesse nada de sua vida antes, ou até mesmo agora, mas
estou começando a querer conhecê-lo mais. Eu quero saber quem ele é, pois
sei que não pode ser apenas ruim.
Agarro sua mão e sinto o quanto é áspera, vendo também que há
pequenas cicatrizes em seus dedos e sorrio ao notar que eram por causa dos
cactos que ele corta para alimentar os camelos de sua cáfila.
Eu queria poder me transformar naquela à qual ele escolheu, ser graciosa
e perfeita como ‘Hana, para que ele me visse. Mas sou tola demais, isso
jamais vai acontecer. E quando ele descobrir todos os meus segredos, me
odiará mais ainda e eu não sei o que sobrará de mim.
CAPÍTULO 22

ZARA

Estou trocando o curativo e quase caio quando Kaysar entra na tenda,


meu coração salta pelo susto e quase choro quando apoio o pé com força no
chão.
— Pelo profeta! – Levo a mão ao peito e sento novamente, com as
pernas parecendo gelatina. — Que susto!
— Me perdoe, não tinha outro modo de chegar aqui, sem te assustar. –
Concordo, afinal, ele sabe bem sobre o meu problema e era certo que uma
bomba poderia cair ali perto e eu seria a última a saber.
— Por favor, entre. – Ensaio um sorriso amarelo.
— Chukran. Onde está Hakim? – Kaysar se aproxima e avalia o meu pé.
— Isso não parece muito bom.
— Hakim está doente. – Cubro meu ferimento, não disposta a entrar no
assunto sobre meu estado atual, afinal, com Hakim doente, só me resta
aguentar tudo e o ajudar da melhor forma. — Fico feliz que esteja aqui.
— O que ele tem? Aconteceu alguma coisa? – Calço o meu pé, tentando
não soltar nenhuma imprecação.
— Ele teve febre durante toda noite e eu fiz de tudo para ela ceder. –
Aponto para ele a direção do quarto. — Eu não sabia o que fazer, ele
piorou. – Afasto a cortina e Kaysar entra.
Estava a ponto de sair e ir a pé até o centro de M’hamid ou alguma casa
mais próxima do deserto para pedir ajuda, mesmo sem aguentar eu iria. O
celular de Hakim tinha senha e eu não fazia ideia de qual era, mas não sabia
mais o que fazer. Estava desesperada, não era só um resfriado, ele teria
melhorado, mas parecia que estava ficando pior a cada segundo.
— Pelo profeta. – Hakim treme na cama e acho que delira, pois vejo seus
lábios se mexendo, no entanto, não compreendo nada. — Está muito alta. –
Kaysar diz se voltando para mim.
— Eu ia em busca de ajuda, Alá ouviu minhas preces. – Esfrego minhas
mãos uma na outra, nervosa demais para pensar.
— Eu vou ligar para o médico. – Sorrio, agradecida demais e me
colocando ao lado de Hakim, para colocar compressas sobre sua fronte. A
culpa é minha, eu devia ter notado, eu devia ter procurado por ele. Há dias
ele está estranho, com feições de alguém doente, mas eu fui infantil e
péssima enquanto ele apenas cuidava de mim.
Kaysar volta e não parece ter boas notícias.
— O que foi? – Bateu o celular na mão.
— O médico não quer vim. – Abro a boca, surpreendida com aquilo.
— Por quê? – Ele parece relutante, desvia os olhos de mim e fita Hakim.
Minha mão acariciava, inconscientemente, os cabelos negros de Hakim e eu
a afasto, sabendo que podia não ser apropriado fazê-lo diante de outra
pessoa.
— Hakim tem abusado da sorte. – Franzo minha testa e vejo os ombros
de Kaysar caírem. — Não queria ser eu a te contar isso. – Aperto meus
lábios, temerosa. — Bali, o tio dele, foi assassinado, e toda M’hamid acha
que Hakim o matou. – Meu queixo cai e eu olho para Hakim por um
segundo.
— Por Alá...
— Agora seu pai... bem, estão o culpando por isso também. – Pisco
várias vezes.
— Não foi ele. – Digo sem relutar e Kaysar parece surpreso. — Ele não
matou meu pai. – Pontuo, ficando ao lado do homem que agora é meu
marido, e apoio minha mão em seu ombro nu.
— Infelizmente não é o que as pessoas pensam. – Kaysar diz erguendo a
sobrancelha loira.
— Pois bem, encontre alguém, alguém vai vir, eu tenho dinheiro, pague
o que for necessário. – Noto que Kaysar vacila, talvez ele não acredite que
Hakim seja inocente, mas eu acredito, e para mim basta.
— Tudo bem. – Ele se afasta. Eu não tinha um único dirham, mas o
dinheiro que recebi pela manhã era uma soma alta, eram tantas notas que eu
fiquei apreensiva em recebê-las. Hakim teria que entender que fiz aquilo
pelo bem de sua saúde.
— Você vai ficar bom. – Enxugo sua testa molhada. — Eu prometo. –
Afago seu cabelo úmido e macio e volto meus olhos para a entrada quando
vejo que Kaysar retornou. — Conseguiu? – Pergunto esperançosa.
— Sim, o médico está a caminho. – Sinto lágrimas de alívio e sorrio.

[...]

O médico não parece confortável de ter ido até ali. A tenda parece conter
algo profano dentro dela, e, a mesma, devia ser evitada por todos. Será que
as pessoas não viam que se ele fosse culpado a essa altura estaria preso?
Mesmo o médico sendo americano fica claro que está ali apenas pelo
dinheiro, fará o que foi pago para fazer e sumirá da tenda correndo, se for
preciso.
— Aleikon Al salam. – Me curvo para o médico assim que ele sai, mas
ele sequer me dirige um olhar. Do lado de fora Kaysar o paga.
— Ele está com pneumonia. – Cruzo minhas mãos e sinto meu coração
falhar. — Eu vou buscar os remédios, ele vai ficar bom.
— Hamdulillah! – Kaysar se dirige até a saída, mas se volta.
— Sinto muito, Zara.
— Pelo quê? – Pergunto sem entender.
— É muito para lidar, deve estar sendo difícil, ainda mais com tudo o
que aconteceu entre vocês. – Seguro a saia do meu vestido, apoiando
somente meu pé bom no chão, deixando apenas meus dedos do pé
machucado, tocando no tapete.
Eu não sei o que dizer, eu apenas não me sinto estranha por aquela
exposição, Talvez Kaysar tenha notado meu desconforto e sorri de forma
gentil. — Eu volto logo. – Apenas balanço a cabeça e o vejo ir.
Vou mancando até a cozinha, aproveito e faço o jantar. Não sei se Kaysar
ficaria, ele não havia me dito nada e chegou subitamente, mas eu o
receberia da melhor forma possível. Pego uma panela de barro e começo o
preparo do Mqualli, usando os mantimentos trazido por Jihad mais cedo. A
conserva de limão siciliano deve ter sido enviada por Rahina e os cortes de
frango estão frescos para o prato e prontos para fazer o que eu pretendo, em
poucos minutos a panela ferve com o cozido. Volto até o quarto para
verificar Hakim, e doía minha alma o ver delirando. — Alá, que ele fique
bom. – Peço, segurando a mão de Hakim entre as minhas, sentindo o quanto
estavam quentes.
Kaysar retorna com os remédios e com a ajuda dele conseguimos
medicar Hakim, olhando para ele até que parece que a febre cede um pouco
e ele dorme sem se sacudir na cama.
— Eu trouxe uma coisa para você. – O vejo dizer, após tocar em meu
ombro para ter a minha atenção, me chamando para fora do quarto. Olho
para Hakim, meio relutante em o deixar sozinho. — Ele vai ficar bem. –
Toca em meu ombro novamente e por fim o sigo. Vejo na saleta uma caixa
retangular, não muito grande, embrulhada em papel rosa e com um laço
amarelo. — O vendedor insistiu no papel de presente. – Explica, esticando a
coisa para mim.
— Não posso aceitar. – Digo sem nem mesmo saber do que se tratava.
— Não é um presente. – Balança para que eu pegue. — Hoje em dia
todo mundo precisa de um, e vocês estando aqui, isolados, precisam mais
que qualquer outro. – Explica, me deixando um pouco curiosa, mas ainda
relutante. — Por favor, aceite.
— Chukran. – Pego a caixa meio acanhada, desfazendo o embrulho
elaborado. Dentro havia uma outra caixa, contendo um aparelho celular, eu
abro a boca surpresa.
— Eu tomei a liberdade de o configurar é só usar. – Diz quando eu ergo
meus olhos, ainda surpresa.
— Pelo profeta! Eu realmente não posso aceitar. – Tento devolver.
— Como eu disse: não é um presente. – Ele leva as mãos para trás das
costas, com um sorriso travesso e um brilho divertido nos olhos.
— Não sei o que dizer, eu nem sei mexer nisso. – Tiro o aparelho da
caixa e ele acendes. Um eletrônico daqueles era objeto de desejo de ‘Hana
há anos, mas eu e Baba não podíamos comprar nada tão caro, nem se
morrêssemos de tanto trabalhar.
— Nem precisa agradecer. Olha. – Se aproxima mais e se inclina,
tocando na tela. — Salvei os números aqui, para te ajudar. – Desliza e me
mostra os números de Hakim, dele mesmo e Rahina. — Nunca se sabe
quando pode precisar falar com alguém. – Torna a se afastar. — Ah, e tem
acesso à internet.
— Parece muito complicado. – Digo envergonhada pela minha falta de
conhecimento.
— Eu te ensino. – Eu fico emocionada, devo confessar e sorrio. Sirvo o
jantar e enquanto ele come me mostra como eu faço para manipular o
aparelho. Me mostra como fazer para entrar em uma rede social em que via
‘Hana conversar por horas com pessoas que eu nem sabia de onde eram e
me sinto burra, por não entender muito do que ele me explica.
— Você está bem? Sua voz está fraca. – Pigarreio rapidamente.
— Eu não controlo o tom da minha voz, mas me habituei a falar baixo. –
Ele parece bem interessado. — Talvez ela fique assim por isso, pela falta do
sentido.
— Você já foi ao médico? Um especialista? – Nego, ajeitando meu hijab.
— A tecnologia avançou bastante, podemos ver se há algo que possa ser
feito.
— Não sei… eu não tenho dinheiro. – Aquele celular era a única coisa
de valor que eu tenho.
— Não pense nisso. – Abanou a mão. Eu imagino que dinheiro era algo
com o qual ele não se preocupava. Kaysar era muito educado e cordial,
sempre com um sorriso gentil. — Eu vou ver o que posso fazer sobre isso.
Eu não quero muito pensar naquela possibilidade, eu tenho passado boa
parte da minha vida sem ouvir e estou acostumada a isso e não nutro
esperanças de ouvir novamente, e sempre fui pobre, então, sei que não
posso ambicionar nada. — Eu preciso que me ensine. – Mostro o telefone.
— Eu sei que minha irmã usa uma dessas coisas, talvez consiga encontrá-la.
Eu tento entregar o telefone para que ele mesmo faça, mas insiste que eu
devo aprender praticando e realmente consigo, e não acredito em meus
olhos quando vejo o perfil de ‘Hana, mostrando uma foto em que ela está
em um café, acompanhada de duas outras moças, e nenhuma delas usava
hijab. Olho para àquela imagem horrorizada.
— Minha irmã… está perdida. – Baba tinha razão.
— Não, não pense assim. Veja, em outros países é muito comum não
usar nada na cabeça, como algumas turistas fazem aqui. – Fico encarando
Kaysar enquanto diz isso, sentindo que as portas do inferno estão se abrindo
diante de mim.
— Elas. ‘Hana não podia abrir mão do hijab, eu ensinei os costumes
para ela, eu ensinei tudo para ela. – Kaysar dá de ombros.
— Acho que você não entenderia. – Fico irritada com aquilo. Eu devia
ter dado lições mais severas para ‘Hana, mas fui boa demais.
— Eu entendo perfeitamente, não imponho minha religião para ninguém,
mas ‘Hana, foi encaminhada desde criança e veja agora. – Mostro as demais
fotos. Eu estava horrorizada com tudo aquilo, sentia ânsia de vômito e
queria ir até ela e a trazer de volta pelos cabelos, se fosse necessário.
— Tudo bem. Vamos deixar isso para quando ela estiver aqui. – Abro
minha boca diante da ideia.
— Aqui?
— Você é a única família que ela tem, então, acho que o melhor lugar
para ela ficar é com você. – Eu não cogitei essa ideia em momento algum.
Sempre pensei que ela pudesse ficar na nossa casa, com baba, encontrar um
marido e seguir sua vida. Mas vir para cá. Alá… — Se você apertar aqui,
pode enviar mensagens para ela.
— Certo… eu farei isso… em outro momento. Chukran. – Fica evidente
que ele não entende minha súbita mudança.
Eu estou com medo, temo que Hakim venha a pensar nela de outra
forma, ou a queira como segunda esposa, afinal, era com ela que ele queria
casar, foi ela que escolheu, era com ela que devia casar, não comigo.
— Tudo bem, se você quiser algo, não hesite em me chamar. – Agradeço
e fico olhando as fotos de ‘Hana, me sentido zangada e dividida.
Kaysar tem razão, eu sou tudo que ‘Hana tem, eu tenho que cuidar dela,
mas serei capaz disso agora?
Invento uma desculpa qualquer e deixo Kaysar na sala. Como já havia
deixado o quarto em que Hakim dormia, pronto para ele, sabia que ele
podia se sentir à vontade. Nem me preocupo com a louça, ela pode esperar,
sou tomada por uma ansiedade crescente, me sento na cama com cuidado,
olho um pouco para Hakim, pego o celular e procuro por ‘Hana. Escrevo
uma mensagem e ela me responde de imediato, o que me faz chorar, já que
sinto muito a falta dela.

“Eu estou bem, de verdade. Estou com uma amiga, você não a conhece,
mas ela e sua mãe me receberam em sua casa, e Zara, eu não me arrependo
de ter fugido.”
Leio a mensagem ao menos três vezes. Ela não parece fazer ideia do que
tem acontecido.

“Muitas coisas aconteceram, e nenhuma delas posso te contar por


mensagens. Mas, eu me casei... casei com o homem que era seu noivo, não
restava outra alternativa na época.”

“Você se casou com aquele homem horrível?”

Olho da mensagem para Hakim e não consigo associar a palavra horrível


a ele, Hakim podia ser muitas coisas, mas horrível? Tenho certeza que não.

“Você tem que voltar. Não pode abandonar nossos costumes. O que você
pretende fazer com sua vida?”

“Não volto, sinto muito. Eu te amo, mas você não é a minha mãe.”

Solto o telefone horrorizada por ler aquelas palavras, sentindo que meu
coração foi arrancado do meu peito e pisoteado. Foi a pior coisa que ela
poderia ter escrito e eu me sinto vazia, como nunca antes.
CAPÍTULO 23

HAKIM

Acordo em algum momento da madrugada e o quarto está iluminado,


o gosto amargo na minha boca é incômodo, e minha garganta queima. Sinto
um peso sobre meu braço direito e viro minha cabeça naquela direção, me
dando conta que Zara dormia sobre ele, seu pescoço repousando ali, como

se fosse o lugar certo para estar.


Os cabelos escuros jogados sobre meu braço cheiram bem e eu me pego
o acariciando, mas paro no mesmo segundo, quando ela se mexe em seu
sono, se virando de frente para mim e apoiando seu braço sobre meu peito.
Um suspiro breve escapa de seus lábios carnudos e fico tenso, inclusive
meu pau, que parece não se importar que minha cabeça esteja a ponto de
explodir e que minha garganta doa tanto que nem consigo engolir minha
saliva.
Por um momento eu paro de respirar, enquanto a sinto ali, tão perto, com
seu corpo tão próximo que eu até posso sentir seus seios na lateral do meu
corpo e as batidas ritmadas de seu coração. Noto seus dedos sobre meu
peito nu e vejo o quanto estão machucados, reconhecendo muito bem
aquelas lesões. Teria ido alimentar os animais? Isso era… algo que eu não
esperava.
Dificilmente adoeço, mantinha a saúde de ferro, mas às vezes tenho um
ou outro resfriado, e preciso dar conta de mim mesmo e tudo que depende
de mim, afinal, eu vivo ali sozinho, somente com Alá por mim. E eu
lembrava bem de sua melodia enquanto tentava aplacar minha febre.
Um resmungo baixo me faz parar de respirar. Eu não quero que ela
acorde, eu quero que ela fique ali, com seus braços em volta de mim. E ela
prossegue dormindo, seu rosto um pouco vermelho pelo sol escaldante, mas
é incrivelmente belo. Seguro sua pequena mão e avalio o quanto são
resistentes e calejadas, mãos de alguém que lida com trabalho braçal, como
quando carregar baldes para dentro e limpa tudo na tenda. Levo-a até meu
nariz e respiro o cheiro de mel e laranja do sabonete que Jihad trouxe a
alguns dias. Rahina faz ótimas fragrâncias, mas aquele aroma em sua pele
parece ter um toque especial.
Repouso sua mão de volta no meu peito e afasto o cabelo de seu rosto,
para a ver melhor. O desenho de seu lábio superior é um tanto erguido, noto
que ela tem uma covinha na bochecha esquerda, e ver aquele pequeno
detalhe em seu rosto me faz ficar enfurecido, é tão lindo, que eu não quero
que ninguém mais o veja. O queixo pequeno tem uma curva, o deixando
redondo. Deslizo a ponta do meu indicador pela curva do seu maxilar e
surge um sorriso tão natural e espontâneo, que rouba meu fôlego e faz meu
coração bater com força, parecendo que algo ruge dentro de mim, tão feroz
e selvagem que eu sinto vontade de sentir sua textura. Me afasto,
levantando da cama, e me sentindo afoito e nervoso.
Busco roupas enquanto sinto minhas pernas fraquejando, eu nunca fiquei
assim antes, e um aperto no peito, um desejo sufocante, estranho, me faz
sentir perdido
— O quê…? Você está bem? – A escuridão toma conta da tenda e noto
que derrubo o candelabro. — Eu estou aqui… está tudo bem. – Sua mão
desliza pelo meu braço e eu estremeço, paralisado, sem saber se devo deixar
claro que eu estou bem acordado e não delirando, como ela supunha. —
Volte para cama. – Meus pés caminham devagar, para que ela continue a me
segurar, para que continue a tocar em mim, sem temer o monstro que eu
sou. — Isso. – Afaga meu cabelo como se eu fosse uma criança. — A febre
cedeu. – Diz para si mesma e a vejo se movimentar no quarto, acendendo a
lamparina e fecho os olhos. — Assim é melhor. – Sussurra, com sua voz
rouca de sono e boceja um pouco. — Vou preparar um desjejum. – Abro
meu olho parcialmente e vejo que ela troca a roupa, está… nua… volto a
fechar os olhos, me dando conta de que eu tenho tentado fugir de seu corpo
de encontro ao meu e agora ele está ali, ao alcance, inteiramente nu.
O quarto silencia e sua presença some, mas levo ao menos alguns
minutos para me levantar e sentar. Eu estou ficando louco, não havia uma
explicação melhor para tudo isso que aflorava dentro de mim feito brasa,
fazendo meu sangue arder e meu peito saltar. Eu penso que entendia o
desejo, mas o que pensei ser, não se compara ao que eu sinto agora, nesse
momento, e preciso de um autocontrole que não mais existe, para que meu
pênis volte ao normal. Por fim, levanto, e vou direto para o cômodo onde
havia instalado uma banheira de estanho grande o suficiente para me caber.
Pego os baldes de água que estão ali, e os uso direto na cabeça.
Eu posso não morrer com um resfriado, mas acho que morreria com o
desejo que me consome. E eu abominava a ideia de me tocar para que
aquela sensação amenizasse, mas naquele momento, era tudo o que mais
precisava. E mesmo após todos aqueles baldes de água fria, a tensão não
diminui em nada e sim piora.
Agarro o meu pau, e o aperto, trincando os dentes e fechando meus
olhos, conforme solto um rugido baixo e ruidoso. Deixo a calça cair, e não
olho para mim, apenas fecho meus olhos e vislumbro aquele pequeno
instante, em que a vi nua, foi um segundo, mas ficou gravado, e eu repito a
imagem na mente. Levo minha mão da base até a glande inchada,
estremecendo com o choque do contato frio dos dedos e um silvo de tesão
sai pela minha boca. Eu recordo do contorno de seus seios e de quando os
coloquei na boca na primeira vez e seguro o membro, que enche minha
mão. Ele está duro, quente e pronto, sinto as veias saltando e a glande ir
inchando e liberando o líquido que espalho por toda minha extensão firme,
que salta, com vida e que me domina agora.
O esfrego apertando, e só depois de tudo, é que começo a fazer
movimentos rápidos, sem me importar com o som que ruge de dentro de
mim. Eu preciso daquilo, realmente preciso, e só a simples lembrança do
contorno de seus lábios e de como seu sorriso traz aquela covinha para suas
bochechas, eu gemo. Mantenho minha mão esmagando-o e socando com
punho cerrado até que não haja nada além de um baita jorro, inexplicável e
doentio. Eu o soco até perder o fôlego e minhas pernas não aguentarem
mais ficar ali, de pé, e deixo o líquido sair e cair no chão, até a última gota.
Me inclino de lado para buscar toalhas limpas e a vejo parada atrás de
mim, olhando e deixando claro que assistiu tudo. Arregala os olhos e sai
correndo, e ao invés de me sentir bem e satisfeito, eu me sinto devastado,
ela agora tem certeza de que eu sou um monstro em todo sentido da palavra.

ZARA

Meu coração salta e eu cubro minha boca para que nenhum som escape.
Eu ainda estou impactada com a visão de Hakim se tocando, o jeito como
ele faz aquilo, me fez ficar ali, olhando, sem conseguir sair, sem conseguir
desviar os olhos, mesmo sabendo que é algo íntimo.
Bato em minha testa por ser estúpida.
Saio da tenda, mancando, para buscar ar, sinto que dentro daquela tenda
não tem nenhum. Meu peito sobe e desce de forma frenética e não me
importo de estar ali fora sem o hijab, é cedo, não haverá intrusos passeando
nas terras de Hakim, é apenas eu ali fora. Apoio minhas mãos na cerca, me
perguntando como irei olhar na cara dele de novo. O que estará pensando de
mim? Alá… não, não posso pensar nele agora, muito menos no profeta.
Toda vez que fecho os olhos o vejo, seu traseiro firme e tencionando a
cada movimento, e eu não quero e nem devo, mas fiquei tentada a dar a
volta e vê-lo de frente, ver claramente o que fazia consigo mesmo, no final
seu corpo inteiro tremeu e acho que não deve ter sido bom, mas me fez ficar
quente, do mesmo jeito que fiquei quando toquei no meio das minhas
pernas e explodi em sensações delirantes.
Toco minha testa e sinto que suo um pouco, estou nervosa e tremo, a
minha roupa parece se colar em mim e tudo que quero é tirá-la, não quero
nada me cobrindo agora, então ultrapasso a cerca, e sigo a passos largos
para o oásis. Ele parece ser um lugar sensato para estar, e sua água fria
nunca foi tão atraente como agora.
A grama vai surgindo em montes até ser apenas ela e não mais só areia,
as palmeiras se erguem imponentes, seculares, e me pergunto quantas
pessoas devem ter passado por ali e visto aquele lugar do mesmo jeito que é
agora? Quantas se viram fascinadas com o inacreditável fato de ter água em
meio a um deserto tão árido?
Arranco as roupas que me sufocam e entro do jeito que vim ao mundo.
Me apresso em alcançar a parte mais funda para esconder minha nudez.
Mergulho e fico submersa até não conseguir mais, emergindo e
encontrando-o ali, de pé, vestindo apenas sua calça de algodão folgada, com
seu peito nu em evidência me fazendo perder o compasso das batidas.
— Você é curiosa. – Diz com seu rosto levemente erguido, um traço de
soberba em evidência e talvez diversão, vê minhas roupas no chão e olha
delas para mim. — Está nua? – Olha em torno, buscando por algo ou
alguém, conforme eu afundo até que fique somente meu nariz para cima,
fora da água.
— Eu… eu precisava. – Subo e respondo, não sabendo se é necessário.
— Me perdoe, por ter o espionando.
— O que você viu? – Jogo meu cabelo para frente, o jeito como ele
encara a água deixava claro que pode me ver por inteiro ou em partes.
— Eu não vi nada.
— Mentira! – Ruge, e eu estremeço quando ele cerra os dentes e passa
os dedos entre os cabelos.
— Por quê…? – Começo e paro, mas tomo coragem, sabendo que eu
tenho que pôr em prática um plano que nem sei como elaborar. — Por que
fez aquilo?
Me olha com incredulidade e seu rosto adota um tom de vermelho,
enquanto seu olho bom parece não saber se olha para mim ou para qualquer
outro lugar. — Doeu? — A curiosidade grita dentro de mim, exigindo
respostas.
— Acho que isso não é nada que você deva saber. – Ele não parece
disposto a contar e suas feições ficam endurecidas de fúria. — Mas não, não
existe dor, apenas… frustração. – Me ergo mais, notando seu olhar sobre
mim, o que faz com que eu me sinta especial, desejável, e até mesmo
bonita.
— Por quê?
— Você não entenderia. – Eu estou ficando frustrada, isso era certo.
A tensão de seu rosto o abandona e ele me olha de um jeito diferente. —
Por que não era o que eu realmente queria. – Sinto minha testa se franzir,
ele parece se complicar mais, não chegando a lugar algum. — Vire-se
— Por quê?
— Faz perguntas demais, não acha? – Ergue sua sobrancelha com o
corte. — Quero tirar a roupa e entrar.
— Aqui? – Pergunto, começando a ficar nervosa. — Não posso olhar? –
Pergunto quando ele adota sua costumeira cara de quem vai matar alguém.
Se eu me virasse não saberia o que ele vai dizer enquanto isso e
provavelmente me denunciaria.
— Hum… – Pensa e leva a mão ao cadarço da calça, se desfazendo dele
devagar, o que faz minha boca abrir em expectativa gritante. Eu podia
alertá-lo da presença de Kaysar na tenda, mas sei que ele ficaria novamente
furioso, pois eu estou ali dentro do oásis, nua para a vista de quem quer que
fosse, então me calei.
A roupa que o cobre cai e eu não sei o que pensar, sei que ele tem algo
aterrorizante no meio de suas pernas, que me machucou e me dilacerou ao
ponto de sangrar e chorar, e era assustador ver que foi aquele negócio longo
e grosso.
Como conseguiu entrar em mim?
Hakim se adianta em entrar no oásis. Mergulhando e emergindo, sacode
a cabeça e me molha com a água fria, mas eu ainda estou em estado de
choque. Nunca havia visto nenhum homem despido, sequer crianças e era
surpreendente as diferenças, percebendo agora o quanto estou
envergonhada por ter visto. Devia ter me virado, como ele sugeriu.
— Está assustada? – Não consigo responder. — Não vou te obrigar a
nada. – Engulo em seco, um pouco nervosa, por estar assim, tão perto.
— Não sei o que pensar, parece ser… algo que não tem como… e custo
a acreditar que consegue… talvez não seja certo. – Não consigo colocar em
palavras o que penso e sinto. Eu só sei que bebês não podem mais ser
colocados na minha barriga, não quando tem que ser com aquilo dentro de
mim. — Não sei o que dizer…
— Não precisa dizer nada, eu entendi tudo. – Percebo o quanto ele está
zangado, talvez eu tenha dito mais que o necessário.
— Você quer… quer colocar dentro de mim? É por isso que fez aquilo,
que fez… o que o deixa frustrado? – Devo ter o surpreendido ou talvez
continuei sem conseguir me fazer entender, pois ele está estranho, mas
quando foca a atenção em mim parece determinado.
— Na’am, eu queria… eu quero. – Engulo em seco e me aproximo,
mesmo temendo.
— Então… faça…
CAPÍTULO 24

ZARA

O frio na barriga não é o que eu costumo sentir, é algo como


ansiedade gritante para o que ele fará em seguida. Eu sei o quanto eu fui
longe, sei que não devia ter dito nada daquilo, mas disse, e me aproximo a
ponto de quase tocar nele, sabendo que esse é o passo decisivo. E

subitamente eu quero, quero mesmo sabendo o quão ruim foi aquela noite e
que poderia ser assim novamente, mas quero.
Seu olho bom tem um tom castanho claro que se dilata tanto agora, que
escurece, seu rosto parece travar uma batalha entre fúria e… não sei, mas é
algo que eu gosto de ver. Hakim se ergue na água e eu me dou conta mais
uma vez do quanto ele é grande. Olha em volta e estende a mão para mim.
Coloco a mão sobre a sua e noto que a água fria não tem efeito em sua pele
quente.
— Acho que está com febre. – Com um único movimento, ele me faz vir
mais para a beirada e eu fico inteiramente as vistas do deserto e dele, nua e
arrepiada.
— Não estou. – Tento cobrir minha nudez e ele segura meu braço e o
solta, parecendo notar algo em mim.
— Desculpe… é que… é que ninguém nunca… eu nunca fiquei assim…
na frente de outra pessoa. – Meu rosto queima com seu olhar sobre mim.
— Vamos para a tenda. – Ele parece afoito e apressado, e isso não está
certo. Talvez a pressa fosse fazer com que tudo desse errado.
— Não! – Estanco, e ele não entende, afinal, Kaysar está lá. — Aqui está
bom… só não fique olhando.
— É impossível não olhar. – Eu mantenho os meus olhos para cima,
penso que se os baixasse iria desistir no mesmo minuto. — Eu quero olhar.
– Afasta meu braço. — Pode ser que seja melhor você não olhar. – Franzo
minha testa.
— Não olhar fará doer menos? – Algo surge ali, não sei, mas ele me olha
de uma forma que faz minhas pernas tremerem mais.
— Você está com medo da dor? Por que exatamente? Eu não sinto dor
alguma. – Eu quero muito me esconder naquele momento, mas não tenho
para onde ir e minhas roupas não estão ao meu alcance.
— Quando você… entrar, vai doer como a primeira vez? Vai machucar?
– Ele se afasta a ponto de voltar a ficar coberto pela água e eu faço o
mesmo.
— Eu te machuquei? – Confirmo e ele se afasta mais, não olhando
diretamente para mim. — Muito?
— Eu não consegui andar. – Lembro e ele fica pálido e eu tento me
aproximar, sem saber porque o faço, e ele olha para mim também surpreso.
— Eu pensei… na verdade, eu não pensei. Eu fiz o que achei que devia e
gostei. – Confessa, sem muito entusiasmo, como se falar aquilo fosse difícil
ou vergonhoso. — Eu nunca havia me deitado com uma mulher. – Diz
esperando a minha reação, que não veio porque eu não sabia o que pensar
sobre aquilo. — Eu nunca toquei em nenhuma, ou beijei, nunca, e a
experiência que eu tenho é apenas de ver isso em locais não… em locais
que homens frequentam, ou vendo os animais, mas para os animais é algo
fisiológico. – Fico atenta a sua explicação, sem me movimentar para que ele
não pare de falar. — Tem um único propósito, então penso que era igual,
que eu poderia me enfiar em você, do jeito que vi outros fazendo e depois
não precisaria mais.
Eu estou tremendo ao perceber que eu não sei de nada, tão pouco ele e é
tão difícil de assimilar, que a minha voz some. – Mas não foi bem assim, eu
olho para você, e quero repetir tudo aquilo.
— Alá… – Digo temerosa e cobrindo meus seios.
— Mas não parece certo, principalmente agora, principalmente quando
sei que para você não é bom quanto é para mim. – Eu penso nas palavras de
Mariana e me amaldiçoou por isso.
— E se puder ser bom para mim também? – Hakim me encara como se
eu fosse algo irreal e eu quase afundo ali no oásis para que toda a minha
vergonha passe.
— Do que você está falando?
— Eu não sei muito…, mas talvez a gente possa tentar fazer com que
seja bom, para nós dois. – Digo relutante, nada segura, afinal, eu me tocar
sozinha, parecia ser uma coisa, mas deixar ele me tocar é outra. Mesmo
assim eu lembro de todos os momentos que acariciei seu cabelo e toquei seu
peito, e todas as sensações que foram surgindo e que me fizeram arder.
— Então me mostre. – Ficamos parados, dentro da água fria olhando um
para o outro e eu sei que se eu não fizer nada, ele também não fará, agora
ele sabe o quanto me machucou e talvez não queira mais aquilo.
— Me beije. – Eu peço, me aproximando dele. — Eu quero que me
beije. – Reforço. E sua mão alcança meu rosto, mergulhando em meus
cabelos e logo seus lábios caem sobre os meus, devagar, apenas um toque
leve e macio, e eu solto algum som, que me faz abrir a boca e ele faz o
mesmo, e eu penso naquilo como quando chupava uma fruta carnuda. Era
tão bom que eu poderia beijar o tempo inteiro, mas ele se afasta sem fôlego
e eu percebo que também tinha perdido o ar.
— Pelo profeta... – Leva a mão a boca e a toca, logo, volta para minha
boca com tamanho desespero que eu tenho que me segurar em seus braços.
Meus seios ficam pressionados contra seu peito e a sensação da fricção me
faz suspirar, enquanto sua boca descobre a minha com sofreguidão. O braço
que está em volta da minha cintura me faz ficar muito próxima, o que faz
com que eu sinta a sua intimidade de encontro a minha e o movimento
rápido faz com que eu sinta algo novo e sufocante, quase uma necessidade.
Hakim vai nos trazendo mais para o raso até que estamos deitados entre
grama e água, e tudo o que ele faz é me beijar, até que eu seguro sua mão e
a coloco sobre meu seio, o fazendo parar e olhar. Colocando minha mão em
seu peito esquerdo, o massageio, notando que meu corpo reage ao estímulo,
e o levo a me imitar rapidamente. Por um tempo permanecemos assim, até
que ele para e sua boca cai sobre meu peito, fazendo com que eu grite
surpresa, me deixando a beira de um colapso, pois sua boca gelada foi de
encontro a minha pele quente.
Eu instintivamente toco o centro das minhas pernas e a sensação que me
assola se intensifica. Hakim afasta a boca do meu peito rígido e vê o que eu
faço com meus dedos, então os seus ficam sobre os meus e é surreal.... o
toque dele faz com que a sensação seja boa em um nível diferente. Hakim
apenas sente os movimentos e depois os repete do mesmo jeito. O que faz
com que eu gema mais e trema a ponto de sentir que desgrudo minhas
costas da grama. Por um momento eu simplesmente explodo, rápido e forte
de um jeito que não se comparou a primeira vez que aquilo aconteceu, e
noto que foi no segundo em que ele colocou a sua boca ali. Talvez não fosse
certo, eu não sabia, mas é bom, muito bom.

HAKIM

Ouvir os gemidos dela me tirou minha sanidade, e eu me controlo


segurando o animal dentro de mim, com uma determinação que está quase
me abandonando. Zara estremece e seu corpo se ergue um pouco, mantendo
olhos fechados, lábios entreabertos e gemidos delirantes de tão saborosos.
Me afasto de sua boceta, molhada, e me dou conta, de que assim como
eu na tenda, ela havia gozado, atingindo o clímax no segundo em que a
beijei ali, meus lábios ainda sentem a textura áspera de seus pelos aparados
e o gosto de sua intimidade é algo que eu não esperava.
Ela abre os olhos, e eles estão embriagados, o rosto está rosado e a boca
inchada, não posso mais aguentar, eu preciso entrar nela, ou morreria.
— Não consigo mais aguentar. – Confesso em um sussurro e recebo um
sim com uma breve sacudida de sua cabeça.
Me posiciono entre suas pernas e seguro meu pau, o guiando até sua
abertura. Ela é tão pequena e apertada, que não há possibilidade de eu o
enfiar e ela não sentir dor. Eu me mantenho ajoelhado dentro da água, tendo
seu quadril ali, erguido para mim, e vejo quando meu cacete exige
passagem, fazendo com que as dobras dela se abram, e vou me
acomodando, entrando lentamente, e à medida que ela me engole, esmaga a
glande, me causando uma sensação inquietante de querer enfiar tudo de
uma vez.
Zara fecha os olhos com força e morde os lábios, à medida que eu
empurro e forço para dentro de sua boceta quente. É tão saboroso que quero
rugir de contentamento.
— Estou te machucando? – Ela não abre os olhos ou responde. Então
paro, talvez fosse muito ruim, talvez ela estivesse fazendo aquilo por achar
que devia, talvez...
— O que aconteceu? É alguém? – Se cobre parcialmente e olha em
volta, com seu rosto ainda vermelho.
— Não, acho que não. – Ela me olha confusa.
— Então… por que você… parou? – Olho em seus olhos avelã sem
saber o que pensar.
— Pensei que estava te machucando, você estava quieta e…
— É… eu não sei o que sentir, mas… eu quero que continue. – Diz com
firmeza a última parte de sua sentença.
Eu perdi a fala enquanto afundava em seus olhos, eles eram tão
expressivos e parecia ser tão sincero em tudo que dizia, que me posiciono
entre suas pernas novamente e me deito sobre seu corpo.
— Feche os olhos. – Eu digo, caso ela se sinta assustada. Mas eu quero
vê-la, apreciar seu rosto, enquanto por fim entro até o fundo.
Ela se inclina e beija a minha boca, no início de forma muito recatada,
mas logo em seguida, arranca de mim gemidos baixos, sua mão penetra em
meus cabelos e eu me sinto prestes a ter um orgasmo só com seu toque.
Afastando meu quadril, empurro, entrando por inteiro e parando de respirar
por alguns segundos, seu grito baixo é sufocado pelo fato de nossas bocas
ainda estarem juntas.
Eu precisei de muita frieza para não empurrar e empurrar, até chegar ao
ápice. Começo com movimentos leves, me concentrando em sua boca
macia, e vou aumentando lentamente. Desço minha mão e agarro sua perna,
para que me dê mais abertura, aperto sua carne e gemo contra sua boca
enquanto movimento meu quadril de forma ritmada. Me afasto para vê-la, e
seus olhos brilham, e eu não resisto, enfio fundo e me perco, me entrego, e
vou ao paraíso por questão de segundos. Eu não posso mais aguentar, eu
tenho que a ter no minuto seguinte, na hora seguinte, e a todo momento.
Eu jorro dentro dela com uma intensidade que me faz gritar, sabendo que
somente o deserto é testemunha daquele momento, daquele instante
precioso, e aprecio cada segundo, me sentindo repleto, em todos os
sentidos. Abro meus olhos e ela sorri, com seus olhos fechados e os abre,
naquele segundo meu coração salta e eu acompanho o seu sorriso doce.
Me afasto de seu corpo, sabendo que eu tenho o dobro do seu tamanho e
o triplo do seu peso e a seguro em meus braços, como se ela fosse tudo,
adentrando naquelas água com ela junto a mim, e acaricio a sua pele,
explorando o seu corpo, ansioso para conhecer cada curva. Afasto o seu
cabelo e vejo o seu pescoço fino, com uma marca de nascença amarronzada
e a beijo ali. Zara estremece e se apoia em mim, observo sua orelha e noto o
quanto é pequena e delicada.
— O que está fazendo? – Pergunta buscando minha atenção e me
fazendo mergulhar em seus olhos mais uma vez.
— Conhecendo seu corpo. – Seu rosto adota um tom de vermelho que
me faz alcançá-lo com a ponta dos meus dedos e acariciar a pele. — Eu
quero conhecer cada parte dele.
Meus dedos encontram seu lábio superior e contorno o desenho dele e
sinto como é macio até mesmo ao toque e aquela parte superior erguida era
perfeita e dava um realce a sua boca. A beijo experimentando o sabor mais
uma vez e ela me retribui, seguro sua mão sobre meu peito e aperto seus
dedos, afastando nossas bocas e percebendo o quanto ela está vacilante,
quando a solto, sua mão continua ali, sobre mim. Encara meu rosto e
desliza a mão de um lado a outro.
— Me diga.
— O quê? – Não tira os olhos de mim um só instante, atenta a minha
boca e ao movimento que ela faz, só agora eu me dou conta.
— Eu te machuquei? – Nega com a cabeça e baixa o olhar, seguro seu
queixo e a faço o erguer. — Fale a verdade. – Exijo.
— Não, é que… foi tão… foi… eu não sei explicar, apenas sinto meu
corpo sendo dominado por uma força… mais intenso do que quando…
quando você… quando me tocou com sua boca. – Ergo minha sobrancelha,
não entendendo muito bem sua explicação. — Foi melhor, muito melhor, e
eu espero que a gente continue tentando. – Diz com um sorriso vacilante
que faz meu peito se encher.
— É o que mais quero.
CAPÍTULO 25

HAKIM

Eu e Kaysar cortávamos cactos para os novos camelos. Eles estavam


magros e eu não tinha conseguido cuidar deles como deveria logo que
chegaram, o meu peito ainda doía e eu custava a acreditar que estivesse
doente a ponto de afundar dentro da minha consciência. Estava um pouco

zangado, devo admitir, Zara sabia que meu sócio estava na tenda, e não me
disse nada, fazendo tudo aquilo no oásis, correndo o risco de sermos vistos.
No entanto, eu me sinto estranho, após Kaysar me colocar a par do
ocorrido e de como ela agiu enquanto eu não conseguia acordar. Eu
precisava ver o estado do seu pé, já notei que mancava, quando pensava que
ninguém estava olhando.
Eu queria muito expulsar Kaysar e ficar sozinho com ela mais um pouco,
mas me sentia debilitado, e admitir aquilo é mais difícil do que eu pensava.
As luvas grossas impediam os espinhos de furar nossas mãos, mas não
nos dava a agilidade necessária. Eu olhei para Kaysar como nunca havia
feito antes. Ele vivia dizendo que éramos irmãos e eu apenas ignorava, mas
sua permanência aqui, me fez enxergar ele diferente e eu me senti um pouco
acuado.
— Sinto muito que Zara tenha se machucado, pensei que você tinha
ligado para ela, para contar, já que não me recebeu quando cheguei na casa
dos seus pais. – Um pequeno monte de cactos aguardava para o corte e um
pouco de palha seca também seria acrescentado ao banquete que seria
servido para os novos animais.
Eu havia feito um cercado para eles, para que não ficassem juntos dos
mais fortes e pudessem comer mais. Levaria alguns meses até que eles
estivessem bons para o abate, mas a compra tinha sido boa, no entanto, eu
ainda nem havia calculado o prejuízo pelos dois roubos.
— Ela não tem celular. – Kaysar para o que está fazendo e me olha
descrente. — Para quem ligaria? Sou tudo que ela tem.
— Não disse nada antes. – Eu não era tudo o que ela tinha, ainda restava
a irmã que havia criado. ‘Hana tinha ido embora para outro país. — Mas
tomei a liberdade de comprar um para ela. – Aperto a faca de corte. —
Poderia ter acontecido uma tragédia se eu não precisasse vir aqui. – Eu
sabia que ele estava certo. Eu podia ter pensado nisso, mas estava centrado
em outras coisas e o telefone é algo que eu apenas uso em último caso. —
Agora ela pode até mesmo se comunicar com a irmã, inclusive até a
encontrou ontem. – Penso na informação e no que tenho que fazer.
— Eu vou precisar de dinheiro, das aplicações. – Eu não queria pagar a
dívida do velho, mas sabia que seria a única coisa sensata a se fazer. Já que
não queria Mustafá no meu encalço.
— O que houve? – Eu poderia aproveitar a oportunidade de Zara ter
encontrado a irmã para a entregar para Mustafá, mas se a moça não quis
casar comigo, iria muito menos querer casar-se com aquele patife.
— O velho infeliz devia dinheiro e usava as filhas como garantia. –
Corto os cactos com um pouco mais de brutalidade. Zara podia estar agora
nas mãos de Mustafá e a ideia não me agrada. — Um desses exige que eu
pague o que o velho o devia.
— Parece que você se meteu em uma tremenda enrascada. – Os camelos
se esticavam para tentar alcançar os cactos ou palhas. — A quantos ele
ofereceu as filhas?
— Não faço ideia.
— Não acho justo que use seu dinheiro para pagar uma dívida que não é
sua. Você devia saber que estava caindo em uma teia de aranha. – O encarei
com fúria.
— Como eu ia saber que aquele infeliz devia a todos os agiotas da
região? – Kaysar deu de ombros, indo mais devagar no processo do que eu
esperava, mas ele não era o tipo de homem de serviços pesados.
— Você não precisa mais trabalhar com empréstimos, os investimentos
com importação estão indo bem e a carne dos camelos também. – Ignoro,
emprestava apenas para os compradores com os quais eu negociava a
tempos, e eles nunca falharam, era um bom negócio e graças a ele, eu tinha
conseguido iniciar tudo isso. Era escuso? Sim. Adorava a sensação de poder
sobre àqueles indivíduos? Óbvio. Está claro que sair daquele negócio estava
longe de acontecer — Isso pode atrair pessoas indesejadas. – Alerta e não
levo em consideração. As pessoas tinham medo demais de mim. — Hoje
pela manhã tivemos poucos compradores. – Solto um suspiro longo e limpo
o suor da minha testa. Ambos com turbantes cobrindo a cabeça para
proteger do sol forte.
— São os boatos, logo eles voltam. – Eu não estava muito feliz com a
conversa, costumava fazer as tarefas sozinho e Alá sabia que estava
começando a ter apreço por meu sócio, mas ele às vezes falava demais. —
Pensam que eu matei o velho.
— Isso pode ser um problema, a polícia pode investigar o caso. – Largo
a faca de corte e retiro as luvas.
— Meu advogado já está dando conta do caso, eu sou inocente. – Kaysar
ergue as mãos cobertas em sinal de rendimento.
— Eu não disse que você é culpado, mas uma atitude como essa pode ser
vista sim, como uma prova contra você. – Me afasto a passos largos,
contornando a tenda. — Hakim? – Kaysar se apressava em me acompanhar.
— Isso pode ser péssimo para os negócios, para todos nós.
— O que sugere que eu faça? – Me viro para ele, furioso.
— Sugiro que resolva isso pessoalmente, não é um caso de assassinato
que cai sobre você, são dois e isso pode destruir tudo que estamos
construindo. – Uso a bomba com força demais, e paro, antes que destrua a
coisa. — Hakim, resolva esse problema.
— Não posso, preciso ficar aqui, Zara…
— Eu estou aqui, posso te ajudar com isso e Rahina vem para cuidar da
tenda, não vem? – Tinha pedido para que Rahina viesse a fim de que Zara
não fizesse tanto esforço.
Eu precisava ir encontrar o dono do hotel onde fiquei àquela noite, para
que ele comprovasse que eu estava lá e descobrir quem matou o pai de
Zara. — É o certo a se fazer. – Bate em meu ombro rapidamente. — Eu
cuido daquela pilha de cactos. – Sorri e volta por onde viemos. No mesmo
minuto vejo Rahina vindo junto com o Jihad, no carro que eles insistiam em
manter.
Jihad trazia as compras para abastecer a tenda, então segui até o carro
para ajudar a descarregar, já que somente ele e Rahina vieram.
— Rahina, vou precisar me ausentar, você pode vir e ficar na parte da
manhã?
— Claro, será um prazer, não seria melhor Zara ficar conosco? –
Sugeriu, enquanto entrávamos na tenda.
— Será apenas um dia. – Assim eu queria acreditar.
— Eu trouxe o almoço, vou precisar voltar agora, mas retorno em quatro
horas, talvez antes. – Agradeço e vou até o quarto, e encontro Zara
costurando. Ela ergueu seu rosto surpresa, e com um sorriso envergonhado.
— Quero ver o seu pé. –Exijo e ela ergueu a sobrancelha sem entender.
— Por quê?
— Você pergunta demais. – Ela puxou os pés para junto de si, quando
me aproximei.
— Hakim, eu sinto não ter dito, sobre o seu sócio, não me passou pela
cabeça naquele momento. – Virei o rosto ao notar a mentira. — Quer
dizer… eu pensei em dizer… é que… – Seu rosto foi ficando cada vez mais
vermelho, o que fez meu cacete ficar duro a um nível alarmante. Eu estava
incendiando apenas por vislumbrar seus lábios trêmulos e suas bochechas
rosadas. — Eu fiquei… – Apoiei meu joelho sobre a cama, vendo seu peito
subir e descer com sua respiração acelerada. Enfiei a minha mão pela saia
longa que cobria seus membros inferiores e alcancei suas pernas, ela
tremeu, mas eu via em seu rosto o quanto estava mexida com aquilo e o
jeito que ela mordia os lábios me deixava a ponto de cometer loucuras.
— Não estou aqui por isso. – Puxei sua perna com força a deitando sobre
a cama, ela soltou um gritinho surpreso. Descubro o seu cabelo, tirando o
hijab e o largando sobre a cama. Desço meu rosto até a curva de seu
pescoço e a cheiro, sentindo a essência natural de seu corpo, que me
inebria. Afasto suas pernas, as abrindo para mim, enquanto meus lábios
sobem e encontram sua boca. Sentir seus dedos se emaranhado em meu
cabelo me fez suspirar contra os seus lábios.
Novamente envio minha mão para dentro de sua saia e alcanço a
combinação que a cobre, sentindo a textura macia de sua pele, e notando os
arrepios que se sucedem com o meu toque. Apertando sua carne, puxo a
roupa íntima, enquanto Zara tenta me despir com suas mãos frias e
trêmulas, e as seguro no alto de sua cabeça, a impedindo de fazer o que
pretendia, apenas com uma mão, exponho meu pênis duro e latejante e o
guio para o meio de suas pernas. Eu não sabia que seria tão bom.
Seu rosto deixa claro o quanto estava ansiando por aquilo, o quanto
queria. Fui enfiando devagar, vendo o seu corpo se inclinar para mim, meu
cacete se espremia, era uma tortura deliciosa, a sentir se expandir para me
receber por inteiro dentro de si, e eu realmente sentia que ir mais devagar
era bom, ver sua boca entreaberta e com gemidos baixos me fazia querer ir
com tudo, mas era tão saboroso notar o quanto meu pênis ia a invadindo e
tomando espaço, que eu queria aproveitar cada segundo, mesmo que algo
dentro de mim, exigisse que eu enfiasse todo meu cacete com muita força.
Os gemidos que saíam da boca de Zara eram melodias viciantes, eu
puxei a parte da frente de sua blusa e os botões se romperam, revelando
para mim seios pequenos e achatado pelo fato de estar deitada, os mamilos
estavam duros e convidativos, eu me inclinei e o abocanhei, e ela delirou
contra meus lábios, gemendo um pouco mais alto, então, eu me enfiei de
vez, sentindo todo o calor dela abraçando meu cacete. Enquanto sugava seu
peito duro eu movimentei meu quadril para trás e para frente e soltei seu
peito apenas para encontrar sua boca, pois os gemidos dela ficavam mais
altos e eu não queria que ninguém, além de mim, os ouvisse.
Eu ia me enfiando com força e aumentando, sem querer parar, sentindo
que podia me perder em seus braços e me encontrar neles no mesmo
instante. Sufoquei os seus gemidos até que ela mordeu meus lábios e eu me
afastei, notando seu corpo estremecendo abaixo de mim, enquanto ela
gozava contra meu pau, o apertando com sua carne molhada e quente.
Não me contive. E como poderia? seu corpo é maravilhoso, sua boceta
me ensandecia, sua boca me levava ao limite da razão e tudo que eu queria
era jorrar o meu sêmen fundo e forte até esquecer quem sou. Mergulhei
fundo e senti meu corpo sendo dominado por um orgasmo intenso, que me
tirou um pouco das forças e eu acabei caindo sobre o seu corpo, mole e
satisfeito, me afasto a contra gosto, por saber que ela não aguentaria muito
tempo.
Estava languido demais, mesmo assim eu a puxei para junto de mim e
beijei sua boca, saboreando o gosto dela e mordendo os seus lábios na ânsia
de os sentir mais. Notei as marcas dos meus dedos em seus pulsos e os
beijei. Zara se cobria envergonhada, o que me fez sorrir um pouco. Me
sentei sobre a cama e recompus minhas roupas. Eu poderia descansar um
pouco e a possuir novamente e sentia que ela se entregaria e isso me fazia ir
para uma parte de mim, que não imaginei existir.
Aproveitei seu estado, ainda torpe, e puxei seu pé machucado.
— Hakim, não. – Ignorei o seu pedido e tirei o curativo, vendo que seu
pé estava com aspecto ruim e secretivo, sinal de que estava infeccionado,
olhei para ela, que se encolheu. — Não está doendo. – Mentiu.
— Vai ficar na cama, e chamarei um médico para ver isso. – Abriu a
boca para protestar, mas apertei a região ao redor e ela gemeu de dor,
chorando um pouco.
— Não posso ficar na cama para sempre, há coisas para serem feitas. –
Apertei seu pé novamente e ela tentou soltá-lo de minhas mãos.
— Eu a amarro nessa cama, ouviu bem? – Cruzou os braços sobre os
seios, agora cobertos e só então noto que eles tinham diminuído, é estranho,
eu tinha certeza que a poucos dias eles estavam pesados e um pouco
maiores.
— Isso não é justo. – Disse choramingando.
— Não me obrigue. Vai ficar na cama até que seu pé fique bom. –
Parecia um pouco furiosa agora e talvez pensasse em não me obedecer
somente para testar minha paciência. — Vou precisar viajar. Rahina passará
o dia inteiro com você, e Kaysar estará aqui também. Então, será necessário
te prender?
— Eu posso usar meus dentes e me soltar. – Ergueu a sobrancelha
castanha, em desafio, limpando as lágrimas de dor. — Não sou criança.
— Sei que não é, mas eu sou seu marido, então me deve obediência. –
Apertou os lábios, talvez tentada a argumentar.
— Obediência não é algo que se deva dizer a sua esposa, seria mais
agradável dizer que está preocupado com a minha saúde. – Touché.
— Digamos que seja o mesmo. – Retruquei, mas ela não considerou. —
Certo, volto com a minha palavra, sou seu marido e por isso deve fazer o
que eu digo.
— Caso contrário?
— Não responderei por mim. A colocarei sobre meu joelho. – Bato no
local, e ela olha para o local. — E te darei palmadas, como faria em uma
criança mal criada. – Suas costas caem sobre os travesseiros que colocou
para apoiar as costas e seus olhos castanhos parecia avaliar o aviso sério.
Passa a língua sobre os lábios e pigarreia.
— Acho que vou ficar aqui, repousando.
— Melhor assim, mas caso mereça o castigo, saiba que farei com gosto.
– Seu rosto fica vermelho e seus lábios entreabrem.
— Você não seria capaz de tamanha brutalidade! – Exclama nervosa.
— Acho que brutalidade não se encaixa, pense nisso. – Me inclino até
sua orelha e a beijo de leve, notando seu corpo estremecendo. — Seu
traseiro redondo sobre meu joelho, inclinado, seria prazeroso, não acha? –
Beijo seu pescoço com um sorriso malicioso, ela me olha muito nervosa. —
Não acha?
— Sim, acho que sim. – Estreito o olhar, notando sua insegurança, talvez
ela estivesse muito nervosa ou eu tenha ido longe demais, não saberia dizer.
De todo jeito, eu me senti estranho. Desviei meu olhar e levantei. —
Hakim… eu…
— Volto amanhã, talvez na hora do almoço. – Ela fechou os lábios e
concordou, então saí, sem saber bem como me sentir naquele momento, era
certo que estava confuso e isso era algo que eu não sabia muito bem como
lidar.
CAPÍTULO 26

ZARA

O que ele disse? O que ele havia dito contra meu ouvido?
Eu ainda tremia após longos minutos de sua saída. Ele parecia
decepcionado por não ouvir minha resposta sincera. Eu apenas respondi o
que achei que devia, já que ele se escondeu em meu pescoço para dizer algo
como se fosse um segredo que não podia ser ouvido por outros.
Soquei o colchão, furiosa com aquela situação. Meu pé latejava e eu
quase chorava por isso e por tudo.
O médico não demorou para vir, era outro, mais velho e não parecia estar
desconfortável na tenda, no entanto, eu achava que o infeliz estava ali a
mando de Hakim para me fazer sofrer. Espremeu meu pé enquanto eu
berrava de dor, a ponto de quase desmaiar, se antes, com a ameaça de
Hakim, eu tinha prometido ficar na cama, agora eu ficaria de boa vontade,
nada me preparou para aquela dor.
— Pronto menina. – Eu nem tinha notado que Rahina tinha chegado e
estava lá. Fiquei feliz quando chegou trazendo uma xícara de café e a
colocou na mesa de estudos, vindo até a cabeceira para me consolar,
enquanto o médico terminava sua tortura sádica. — Veja só, eu insisti para
que ficasse comigo e olha como ficou o seu pé. – Olhou brava para mim,
como se fosse uma mãe preocupada e senti um aperto no peito.
Eu lembrava pouco da minha mãe, não havia fotos, e as lembranças se
apagaram rápido, mas eu conseguia lembrar da sensação do seu abraço e do
quanto ela era carinhosa comigo, mas às vezes eu pensava que era
imaginação minha, que tudo o que eu pensava ser lembrança era meu
inconsciente tentando me consolar pela falta que ela me fazia.
— Nesse ponto não podemos fazer nova sutura, vamos deixar que a
cicatrização aconteça naturalmente, as bordas ficaram muito afastadas. –
Vejo o médico resmungar, enquanto torna a enfaixar meu pé. Eu tinha me
feito de forte pelo bem do Hakim, que alternativa eu tinha? Ele precisou de
mim. — Evite mobilidade desnecessária, e tome os remédios nas horas
certas.
— T-tudo… bem… – Ainda chorava, claro, continuava doendo. — Por
favor… coloque aqui… seu número. – Peguei o celular e o estendi para o
médico. Eu não podia ficar sem uma opção, caso houvesse necessidade
novamente. Sabia que nem sempre teríamos Kaysar ou Rahina por ali.
Relutante ele digitou os números, e se retirou sendo acompanhado por
Rahina, que logo retornou me lançando um olhar de: eu avisei.
— Espero que agora crie juízo. – Disse, me entregando a xícara de café e
alguns medicamentos para ingerir. Aos poucos eu fui parando de soluçar,
enquanto ela organizava o quarto.
— Para onde ele foi? – Perguntei muito curiosa, afinal, Hakim tinha me
dito apenas que voltaria no dia seguinte.
— Ele não me disse. – Senti que ela não queria me contar e me dei conta
que podia ser sobre os boatos, não sabia porque aquilo me veio à mente,
mas depois que aquele médico relutou a vir, e saiu daqui correndo eu
recordei do quanto alguns compradores pareciam rudes e outros assustados.
— Tem algo a ver com a morte do meu pai. – Ela parou de dobrar um
lençol, e depois continuou.
— Não sei menina. – Rahina aparentava ser uma boa pessoa, e eu sabia
que ela realmente gostava do Hakim, devia ser como uma mãe para ele.
— Ele não devia ter ido a lugar algum. – Fiz careta ao movimentar meu
pé. — Está igual ou pior que eu, até ontem queimava de febre nessa cama.
— Parece que vocês têm algo em comum, não é? – Eu senti meu rosto
arder de vergonha. — As pessoas falam demais, não pensam nas
consequências, mas estou feliz que ele queira remediar isso dessa vez. –
Fico confusa, ela se senta, afundando seu traseiro grande no colchão. — Ele
não matou o seu pai.
— Eu sei. – Me olhou surpresa e piscou algumas vezes, parecendo não
esperar por minhas palavras.
— Oh… – Ela ensaiou um sorriso vacilante e cheguei a achar que se
emocionou, mas ela logo abriu um sorriso largo. — Ele é um homem bom,
de verdade.
Eu encarei minhas mãos. Eu estava muito mexida com Hakim, devo
admitir, seu toque, seu jeito de… é tudo muito novo, mas eu realmente
queria vivenciar mais momentos como aqueles, no entanto, pairava sobre
minha cabeça muitos medos, medos que cresciam à medida que eu ia
ficando mais, me calando mais, gostando mais. — As pessoas costumam
ser maldosas. – Concordei. — Eu fico feliz que você esteja aqui, Zara, meu
coração se alegra. – Sorrio, um tanto sem jeito. — Agora vou preparar algo
para comer. Descanse, para que fique boa logo.
— Chukran, Rahina. – Ela se voltou para mim sem entender. Fazia tanto
tempo desde que cuidaram de mim, que eu talvez não soubesse mais como
era a sensação, que não sabia mais como me comportar. Eu precisei crescer,
precisei guardar meus temores de criança, para cuidar de ‘Hana.
— Você quer que eu te traga alguma coisa antes do jantar? – Neguei e
ela me olhou com seus olhos gentis. — Ora, deixa eu ver a sua xícara.
— Ver? – Ela virou a xícara sem alça sobre o pirex.
— Sim, eu costumava fazer muito disso antes, mas vieram os filhos e
agora os netos. – Explicou. — Talvez esteja enferrujada, mas vou tentar ver
o que o destino te reserva.
Um arrepio intenso me fez estremecer e um frio repousou sobre meu
estômago, engoli em seco, sentindo um pouco de medo.
— Não precisa, eu… eu não gosto muito dessas coisas. – Minhas mãos
suavam e eu até larguei o telefone de lado.
— São só suposições. – Ela virou a xícara e olhou dentro dela. – Alá… –
Disse como se estivesse diante de algo muito ruim.
— O que você está vendo? O que tem aí? — Estava a ponto de levantar e
ver por mim mesma. Rahina olhou para mim um segundo, e depois para
xícara, vi quando ela forçou a garganta. Logo, sentou, ao meu lado, na beira
da cama e virou a xícara.
— Parece que a sua sorte, não quer ser desvendada. – Eu olhei e parecia
apenas borras e nada mais, apenas restos do café, ela continuou girando,
como se buscasse algo, sua testa franzida em concentração. — Eu vejo um
homem, do seu passado. – Olhou para mim com intensidade, um
questionamento silencioso para o que acabara de ver na minha suposta
sorte. — Ele parece exigir algo que é dele. — Os pelos dos meus braços
ficam eriçados. — Vejo fogo, lágrimas. – Rahina fecha os olhos e os aperta,
abrindo-os novamente e girando a xícara. — Vejo uma grande tragédia. –
Fiquei tonta e meu coração batia forte dentro do meu peito.
— Eu… eu… – Rahina quebrou a xícara no chão e fez uma oração, eu
estava tão assustada, que tremia muito. — Explique Rahina, explique, pelo
profeta!
— Não há nada a ser dito. – Ela se levantou e começou a juntar os cacos
quebrados. — Nada disso é certo. Como eu disse: faz tempo que não leio a
sorte.
— Pelo profeta!
— Não machuque o Hakim, Zara, ele já sofreu o bastante. – Disse
olhando no fundo dos meus olhos.
— Jamais, eu jamais faria. – Ela me avaliou com atenção. — Nunca.
— Conte a ele. Conte tudo a ele. – Apertei meus dedos e tentei acalmar
as batidas do meu coração.
— Não posso… – Rahina respirou fundo e pareceu decepcionada, do
mesmo jeito que Hakim tinha ficado. — Não posso. – Repeti, sem
conseguir me explicar para ela.
Saiu sem dizer mais nada, me deixando desnorteada. O que eu diria a
ele? Que além de ter o enganado na noite de núpcias eu também escondia
que tinha um defeito? Eu havia acabado de vislumbrar algo perfeito para
mim, e sim, eu queria ser egoísta, sim, eu queria que ele olhasse para mim e
visse que eu podia ser tão boa quanto a noiva que ele escolheu.

HAKIM

O Vilarejo às margens da fronteira de M’hamid contava com grandes


comerciantes, e era um dos melhores pontos para compra de camelos,
tapeçaria, joias e outras infinidades de mercadorias. Estava claro que
queriam me culpar pela morte do meu sogro quando ele me seguiu até ali,
mesmo após eu ter dito com veemência que não lhe daria dinheiro algum.
Ainda não entendia porque ele tinha ido ao meu encontro, e pelo visto
não teria nenhuma prova a favor da minha inocência, exigi que o dono do
hotel me mostrasse o chek-in feito por mim naquela noite, e ele, apesar de
relutar, o fez. Aparentemente a polícia não me via como um potencial
suspeito e as línguas pareciam não se importar com isso, então cheguei à
conclusão que tanto fazia, eu teria que lidar com um período sem vendas
dentro de M’hamid.
Dentro do meu carro eu olhei para as duas maiores lojas do comércio. Eu
ainda não sabia o que pensar ou o que sentir, com relação a Zara, mas ela
ainda parecia uma incógnita para mim, sua entrega estava mexendo comigo,
eu confesso, e eu não queria admitir aquela euforia. Era o sexo, claro, eu
passei anos me abstendo dele, por vários motivos, e quando tive uma
pequena amostra do corpo de Zara eu me perdi, não esperava, mas queria
mais e sabia que ela me daria.
Por isso, segui até às lojas de joias preciosas e notei que os atendentes
pareciam apreensivos, a minha reputação também não ajudava muito e eu
pouco me importava, afinal, sempre recebia olhares tortos. Olhei as joias
dispostas ali, não achando nada que fosse digno para Zara e quando estava
prestes a desistir e ir a outra loja mais receptiva, um senhor de idade veio
até mim.
— Posso ajudar? – Trazia na ponta do nariz um óculos pequeno. Sua
sobrancelha era branca e um tanto arrepiada, mas parecia bem interessado
em me vender a loja inteira, se conseguisse.
— Gostaria de algo delicado, para presentear. – Ele levou a mão ao
queixo e ergueu um dedo, me chamando com a mão para o seguir. Aos
fundos da loja, ele me indicou uma cadeira para sentar enquanto ia buscar o
que quer que fosse me mostrar. Trouxe apenas um estojo pequeno e o
colocou diante de mim, abriu com muito cuidado revelando três colares
com tamanhos diferentes. O menor tinha uma pequena flor com pedras, era
minúsculo, o segundo tinha as pedrinhas mais próximas uma da outra e o
último era o maior, tinha apenas três pedras pequenas e vermelhas.
— Uma preciosidade. – O velho disse empolgado. Eu realmente
conseguia vê-los no pescoço de Zara, apenas ele e mais nada em seu corpo.
Passamos ao menos vinte minutos discutindo o valor, nada no comércio
era fechado sem negociar e nós fazíamos isso o tempo inteiro. Satisfeito
com o preço bom que consegui saí de lá sem me importar que turistas e
funcionários me encaravam.
Dirigi por horas, mesmo cansado, eu não parei, tudo que queria era
chegar na minha tenda e encontrar Zara, saber se ela tinha seguido à risca a
minha ordem. Eu nunca encostei a mão em uma mulher, mas pensar em
esquentar o traseiro dela com palmadas estava fazendo meu sangue virar
brasas dentro das minhas veias.
Busquei meu celular e liguei para Kaysar, eu precisava ter aquela noite
somente para nós dois. Agradeci a ele por ter ficado, mas pedi para que me
esperasse na casa dos meus pais. Ele não questionou e eu não estava
disposto a dar explicações.
O sol havia descido e eu ainda via o brilho alaranjado dele, enquanto
partia, a areia parecia ser banhada por aquela luz, era surreal e apesar de
viver há anos no deserto eu ainda me surpreendia. Eu bati a porta e saltei do
veículo alto, com tração nas quatro rodas, segui para dentro da tenda com
dois pacotes para Zara, e nesse momento fiquei apreensivo e ansioso, sem
saber se ela gostaria do que eu trouxe, afinal, eu nunca tinha presenteado
ninguém. Com passos determinados eu fui até o quarto e esquadrinhei o
cômodo. Pelo visto ela era mais desobediente do que eu supunha. Deixei os
presentes sobre a mesa de escritório, na qual eu costumava trabalhar e que
agora tinha apenas coisas dela, e fui a sua procura.
A primeira coisa que a denunciou foi o sussurro baixo de uma melodia, o
segundo era o cheiro incandescente de comida. Entrei na cozinha e a vi
sentada, próximo ao fogão de lenha, ao me ver, saltou e quase caiu, levou a
mão ao peito, bastante assustada.
— Eu precisava comer. – Disse em sua defesa, de forma nervosa e
apressada.
— Hum... Eu te disse o que faria, não disse?
CAPÍTULO 27

ZARA

Engoli a comida que mastigava enquanto olhava para Hakim,


tentando decifrar o que ele estava pensando naquele instante. Estava
apreensiva, claro, afinal, ele tinha feito o aviso com muita seriedade e eu
sabia que meu pé não estava bom e queria acreditar que estava preocupado

comigo, mas aquele frio na barriga, estava me matando.


— Faz horas que espero. – Engasguei, tentando me explicar. — Eu vim
andando bem devagar, juro.
— O que o médico disse? – Engoli em seco, e peguei a água, mas desisti
de beber quando notei o quanto minhas mãos tremiam.
— Ele disse… – Limpei minhas mãos suadas na saia que vestia. E o
Hakim ergueu um pouco o rosto, eu via o desafio em seu olhar, ele parecia
querer ler cada nuance minha. Sabia que ele ainda tinha desconfianças
contra mim, isso era evidente e podia ver ela em seu semblante agora
mesmo. — Ele não fez nova sutura. – Iniciei. — Estava muito feio, eu devia
ter te ouvido e eu prometo que não farei nada enquanto não ficar boa.
— Mesmo assim, está aqui. – Confirmei.
— Eu não consigo ficar muito tempo sem comer. – Contei,
envergonhada. — Então, por favor, não me castigue.
Hakim ficou me olhando fixamente e caminhou até onde eu estava com
passos lentos, o que fez meu coração acelerar desenfreado. Prendi a
respiração quando ele se inclinou e sua mão foi até o hijab e o tirou. Soltei
o ar, sentindo o calor de seu corpo vindo até mim. Seus dedos deslizaram
em minha trança, a desfazendo e liberando meus cabelos. A essa altura
estava completamente arrepiada.
— Adoro sentir o cheiro do seu cabelo. – Ergui meus olhos para fitar seu
rosto, surpresa com suas palavras.
— Você… não está com raiva? – Seu polegar, acaricia meu lábio
inferior.
— Estou sentindo muitas coisas agora, raiva não é uma delas. – Se
inclina mais e me ergueu em seus braços. Seu cheiro penetra meus sentidos,
a pele quente contra mim me deixou desnorteada.
Me colocou em nossa cama com cuidado e tirou a blusa de mangas que
eu vestia, me fez deitar e ergui meus quadris quando pacientemente tirou
toda minha roupa de baixo, subiu sobre meu corpo, ainda vestido e eu senti
a tensão do seu membro contra mim, estava firme e latejava, me arrancando
arquejos descompassado minha respiração.
Seus lábios se encontraram com os meus com muita calma, parecia
saborear cada parte da minha boca, afastou a minha mão quando toquei seu
rosto, apertando meus dedos enquanto sua boca ia ficando mais exigente.
Sua mão livre acariciava meu corpo e me fazia arqueá-lo para que ele
continuasse a me tocar, alcançou meu peito e beliscou meu mamilo duro,
enquanto eu segurava sua túnica com força e apertava sua mão que prendia
a minha na mesma intensidade.
Se afastou por alguns segundos, e eu até tentava recuperar o fôlego, mas
o jeito como ele me olhava me deixava tonta. Se ergueu um pouco e olhou
para mim, ali, inteiramente nua e entregue, meu corpo estremecia de
ansiedade e eu sentia minha carne latejando no meio das pernas. Hakim
tirou a túnica expondo seu tórax definido. Eu ainda fico impressionada em
ver o quando ele é grande e forte, seu corpo perfeitamente esculpido e
rígido.
Despiu a calça e eu não me contive, observei cada parte sua. Seu pênis
longo e grosso estava molhado e tremia, a ponta parecia estar inchada. Até
outro dia eu temia, até outro dia eu não queria que ele me procurasse, mas
agora eu sentia uma urgência tão imensa por cada toque, por sua pele, por
seu corpo, que não sei se saberia mensurar tudo aquilo ou assimilar o
suficiente. Eu queria, desejava, e é agoniante e ao mesmo tempo um deleite
maravilhoso.
— Eu trouxe um presente. – Abro minha boca surpresa ao ler suas
palavras. Só então vejo sobre a cama um embrulho e uma caixa quadrada de
veludo. Hakim a pega e abre, eu me sento na cama e sinto meu coração
falhar em meu peito. Três gargantilhas em tamanhos diferentes repousavam
dentro da caixa, era de tirar o fôlego, muito delicada e preciosa, estava
evidente que tinha sido algo caro, e eu estava sem palavras diante disso.
Ergo minha mão e toco as pequenas pedras, são tão bonitas e brilham
mesmo com a pouca luz do ambiente.
— É tão bonito. – Eu não esperava que Hakim fosse me dar nada
precioso, ainda mais com tudo que tinha acontecido entre nós.
— Eu coloco em você. – Retirou as peças e elas pareciam não combinar
com suas mãos ásperas e grandes, mas o toque das peças em meu pescoço
me fez ficar arrepiada. A joia caiu sobre meu torso e a sentir ali era um
pouco estranho. — Eu imaginei você usando apenas isso. – Senti meu rosto
corar. — E meu pensamento não fez jus ao que vejo agora.
— Oh… – Toquei as pedras frias. — Shukran, eu… gostei que pensou
em mim. — Sim, nada me surpreendeu mais que sua atitude, e saber que
imaginou aquele momento, eu me senti realmente especial.
— Eu quero te foder, enquanto usa isso. – Engoli em seco, notando o
quanto seu membro estava próximo, bastava erguer minhas mãos para o
segurar.
— Oh… – Disse quando meus dedos agiram sozinhos e rodearam sua
extensão. Hakim ficou tenso e eu, de imediato, o soltei. — Me desculpe…
eu… eu… é que… – Seu rosto estava tensionado e parecia vestir uma
máscara que não soube identificar o que ele estava pensando. — É que você
me toca… então achei que… eu achei que poderia…
— Você realmente quer isso? – Fiquei em silêncio por apenas um
segundo e em seguida confirmei, estava quente e molhado, e eu queria o
segurar novamente. Hakim estendeu a mão e eu a segurei, ele mesmo
colocou a minha palma aberta em seu pênis, envolvendo nossas mãos ao
seu redor e apertou. Seu pênis latejou e eu me surpreendi. Era muito
vigoroso. — É torturante ter sua mão sobre mim, eu perco o controle.
Seus lábios estavam inchados por ter os mordido e notei que usou aquilo
como forma de se conter, perceber isso me acendia. Meu toque o fazia ficar
daquele jeito. Senti meu peito se encher de euforia. Hakim se inclinou e
mergulhou na minha boca, tomando meu ar, me fazendo gemer com suas
carícias, afastou minha mão de seu pênis duro e abriu minhas pernas, o
enfiando para dentro de mim com força, eu arquejei e fechei meus olhos
sentindo que tinha ultrapassado muitos limites naquele momento e todos
eles me entorpeciam a mente.
Eu podia não ser quem ele quis, eu podia não ser aquela que ele viu e
desejou, podia não ser nada do que planejou, mas eu estava ali, em seus
braços e sou eu que o fazia sentir tudo aquilo, é em meus braços que ele
delira e eu não podia perder isso. Eu estou completamente entregue ao
homem que seria marido da minha irmã, e ele era completamente meu.
Agora sabia que meu coração estava completamente entregue. Ele era meu
marido, meu, e eu era sua, e estava tão feliz, que afastei tudo que me
assombrava, me entregando ao deleite que era estar em seu braços.

HAKIM

— É um corte de xantungue, o vendedor disse que era a peça mais


preciosa da loja. – A peça tinha um tom rosa muito suave e eu não fazia
ideia se tinha sido uma boa compra, sei que discuti com o vendedor até
fechar em um preço que achei justo. Mas nunca tinha comprado cortes de
seda ou qualquer outro tipo.
— Eu sei. Uma vez baba trouxe um corte, nada como isso, era pequeno
e eu consegui fazer um vestido para 'Hana quando ela tinha sete anos. – Ela
toca o tecido e vejo a sombra da tristeza roubar um pouco do brilho
costumeiro de seus olhos cor de avelã. Suspirou profundamente e sorriu,
tentando afastar o que sentia em sua alma. — Shukran.
Se inclinou e capturou meus lábios, sua mão sobre o meu peito, subindo
até alcançar meu rosto, eu perdia o fôlego e segurei seus dedos quando
chegou a minha cicatriz, ela afastou os lábios e olhou para mim, parecia
buscar algo, e percebi que até mesmo queria dizer alguma coisa, mas ela se
aproximou novamente da minha boca e me beijou com sofreguidão.
A puxei para cima de mim, notando o estremecimento de seu corpo
magro e pequeno, a ter sobre mim me fazia perder a noção da realidade,
afastei suas pernas, sentindo seu pelos pubianos roçar contra minha barriga.
Estava molhada e pronta, a empurrei mais para trás afastando nossa boca e
ela ficou um pouco surpresa, mas eu simplesmente segui o meu impulso
animal, e a fiz sentar sobre meu pau duro e a ponto de explodir. Eu a tinha
fodido com loucura, sim, e queria mais, queria cada vez mais.
Meu pênis exigia entrada e ela precisou se mexer para o acomodar
dentro de sua boceta quente, meu cérebro parecia se apagar e eu me
continha para não gozar no segundo em que ela se mexeu sobre mim. Sua
boca estava entreaberta e seus peitos empinados, ela fechou os olhos um
segundo quando consegui a preencher, minha mão apertava sua coxa com
força. Me surpreendi ao ver suas mãos pequenas se fechando em seus seios
enquanto continha os lábios com os dentes, a joia em seu pescoço fazia um
belo contraste. Vê-la se tocar me fez perder a compostura, inclinei meu
quadril para cima para estocar contra sua boceta e ela precisou apoiar as
mãos em meu peito.
Agarrei seu traseiro com dedos de aço e a puxei para cima e para baixo.
Seus olhos cor de avelã estavam entorpecidos e ela se movimentou por
conta própria, nesse instante, enquanto Zara gemia e se movimentava eu
não aguentei, eu gozei com tanta intensidade que sentia minhas pernas
tremendo e meu coração desenfreado. Ela não parou, ela se remexeu sobre
mim até que seu corpo pequeno convulsionou e por fim caiu sobre mim.
Eu levei minutos para me recuperar, meu cacete ainda dentro dela,
satisfeito e mole, mas eu não podia encontrar lugar para estar. O peso de seu
corpo não fazia diferença alguma, mas ela ergueu a cabeça e sorriu, saindo
de cima do meu corpo e se deitando próximo de mim.
Uma aura de sexualidade pairava dentro daquele quarto, onde o tempo
parecia ter parado. Eu fitei seu rosto corado e sua boca inchada, e afastei os
fios castanhos de seu cabelo para trás. Ela é perfeita em todos os sentidos da
palavra, eu estava viciado em seu corpo.
— Eu estou… com fome. – Ergui minha sobrancelha, notando o quanto
ela estava cansada, seus olhos pesados, mesmo assim parecia que não
esperaria até o dia seguinte para comer. — Rahina fez carne de camelo
assado. – Meu estômago reclamou, eu não recordava da minha última
refeição. — Está muito bom.
— Eu vou buscar. – Levantei notando seu olhar curioso, apanhei uma
túnica grande escondendo as cicatrizes. Zara sentou, e se cobriu com o
lençol. — Não se atreva a levantar. – Ordenei, um pouco incomodado com
a forma que me olhava. — O que está olhando? – Pareceu alarmada e seu
rosto ficou vermelho.
— É que… – Gaguejou piscando várias vezes. — É que eu não
imaginava. – Relutou e me deixou curioso. — Eu não acreditei quando
Mariana me disse que podia ser bom para nós dois. – Ergueu seus olhos e
me fitou. — Parecia impossível para mim.
— Ela fez o quê!? – Perguntei imaginando o que teria feito aquela moça
de cabelo rosa. Eu sabia que ela parecia uma péssima influencia.
— Nada, ela só me disse isso. Que podia ser bom para mim também. –
Eu fiquei um pouco extasiado.
— O quanto é bom para você? – Perguntei curioso.
— Acho que não existe palavras para descrever. – Algo dentro de mim
parecia acontecer, era uma sensação boa de satisfação e regozijo. — Mas
parece ser algo que eu quero ter a todo momento. – Eu me aproximei, meu
corpo parecia ser puxado para junto dela. — Quando você chega perto de
mim, eu… eu quero… quero que toque em mim. – Ergo minha mão e o
faço.
Eu não queria admitir, mas meu peito gritava por ela, e eu nunca me
senti tão entregue como naquele momento. E podia jurar que ter ficado com
a noiva falsa foi a melhor coisa que me aconteceu.
— Acho que a comida pode esperar.
CAPÍTULO 28

ZARA

Eu estava em êxtase, sabia disso, e tudo parecia perfeito entre nós.


Meu pé estava melhor após alguns dias e eu podia andar, não que Hakim
gostasse de me ver de pé, mas a ferida já estava fechada e ele não tinha
argumentos para me manter na cama.
Aquela manhã eu estava realmente apreensiva, meus exames tinham
ficado prontos e teria que ir a médica mais uma vez, e não sabia o que
aconteceria. Hakim não dizia nada e me guiou até lá em silêncio. Agora
poderia ter uma criança crescendo dentro de mim, mas e se não tivesse?
Não queria pensar demais naquilo, pois não sabia como lidar com o que
viesse.
— Está tudo bem? – Perguntou quando abriu a porta para mim. Engoli
em seco e forcei um sorriso, o que o deixou desconfiado.
— Estou nervosa. – Confesso, e ele parece me compreender, segura
minha mão e me ajuda a descer do veículo.
— Acredito que está tudo bem, não é? – Vejo-o questionar, sem me dar
conta de o que exatamente.
— O quê? – Busco seus lábios enquanto andamos, para poder ler o que
me diria.
— Você, acho que está bem, não parece doente. – Abro a boca surpresa.
— Mas está corada, com brilho nos olhos. – Eu me perco entre minhas
pernas e quase caio, ele me ampara e eu me afasto antes que possa atrair
atenção indesejada.
— Rahina me disse isso outro dia. – Eu gostava de tomar um pouco de
sol pela manhã e tinha ganhado um pouco de peso, tendo tantos alimentos
saborosos disponível.
— Ela acha que você possa estar grávida. – Engasgo e pisco várias
vezes. — Seria isso?
— Eu… eu… eu não sei… não sei…
— Talvez a médica tenha boas notícias para nós hoje. – Eu queria fincar
meus pés no chão e não entrar na clínica. — Yalla! – Chamou.
Eu não estava grávida, sabia que não, afinal, meu fluxo tinha vindo, a
pouco menos de vinte dias, por tanto sabia que não haveria notícias boas.
Entrei no prédio com passos vacilantes e não consegui me sentar, temia que
se o fizesse não fosse capaz de levantar, de tanto que minhas pernas
tremiam.
Hakim tinha adotado uma postura sombria, eu quase podia sentir. Seu
semblante endurecido. Parecia exatamente como era antes, quando nos
casamos. A atendente chamou meu nome e eu quase tive um infarto, olhei
desesperada para Hakim e quando ele quis seguir para sala da médica eu
segurei seu braço e ele me olhou surpreso.
— Me deixe ir sozinha, eu… eu acho que fico mais confortável… eu… –
Eu não tinha uma boa desculpa. O que diria? Que precisava exigir que a
médica continuasse mentindo? Alá, eu estava perdida.
— La, eu irei junto. – Afastei a mão, como se seu braço estivesse em
brasas e ele me olhou como se não me reconhecesse, olhou em volta e
percebi que as pessoas olhavam para nós. — Não precisa me tocar quando
estivermos na rua. – Meu estômago revirou e não entendi, mas me senti
estranha e talvez tenha visto que ele estava furioso com isso. — Yalla. –
Chamou e eu senti a frieza em seu entorno. Estremeci e o segui, sentindo
que estava indo direto para uma sentença de morte.
— Al Salam Alekum. – A médica nos recebeu com um sorriso. —
Sentem-se. – Eu nem fui capaz de dizer nada, mesmo sabendo o quanto
aquilo era rude e nem tomei o cuidado de olhar para Hakim e ver se ele
tinha dito algo para a médica. — Tenho aqui os seus exames e os resultados
foram bons.
Olho apreensiva para a médica e volto minha atenção para Hakim, que
mesmo estando tenso e nada contente questionou a médica o que eu temia.
— Minha esposa está grávida? – Meus olhos queimavam e vi a médica
me dar um olhar de compreensão, mas parecia ter chegado ao ponto em que
ela não podia mentir.
— Ainda não, mas ela é saudável, jovem, poderá gerar um filho em
breve. – Eu senti que a médica tinha jogado uma bomba sobre mim, não
conseguia sequer olhar para Hakim e meus ombros caíram, ele se levantou
de forma brusca e saiu, eu não sabia o que pensar, olhei para a cena um
tanto horrorizada e envergonhada. Eu tinha sido inútil, não tinha conseguido
dar a notícia que ele esperava e agora ele devia estar pensando em tudo o
que eu não queria.
— Me desculpe. – Li as palavras nos lábios rosados da médica. — Não
veja a notícia como algo ruim, como eu disse, você pode ter filhos, não há
impedimento e é muito cedo para se sentir pressionada.
— Chukran. – Eu me levantei, nervosa demais para conversar com um
estranho, devastada demais para ficar à deriva. Saí da sala, sem olhar para
trás e fiquei assustada quando não encontrei Hakim na recepção, por alguns
minutos eu fiquei ali, sem saber se devia esperar, sem saber o que fazer.
Tantas coisas passavam na minha cabeça naquele momento e nenhuma
delas me tranquilizava.
Então segui para fora. A casa que morei com baba e ‘Hana ficava longe
dali, era em um bairro pobre e esquecido, mas era o que tínhamos, talvez
ainda tivesse restado algo para mim. Saí da clínica e voltei meu rosto para o
local onde paramos e Hakim estava lá, encostado no carro. Apertei minha
bolsa, temerosa. Nós tínhamos vivido momentos bons, momentos
maravilhosos e Alá era minha testemunha de que eu queria viver naquele
paraíso para sempre. Eu o queria, mesmo sabendo que eu tinha sido a opção
que ele teve que engolir.
Andei com passos vacilantes até ele e percebi os olhares curiosos e
horrorizados, isso me deixou envergonhada e com um pouco de medo,
voltei meu rosto para Hakim e ele parecia estar a ponto de cometer uma
loucura.
— Hakim…
— Vamos embora, agora. – Abriu a porta para que eu entrasse e eu
apenas obedeci, engolindo as lágrimas que queriam me dominar. Estremeci
quando senti a vibração da porta sendo batida com violência e me apressei a
colocar o cinto, quando o vi sair dali tão rápido que poderia atropelar
alguém.
Eu queria me esconder, eu queria não ter saído da tenda e o que eu mais
queria era poder ter dado a notícia boa que ele queria ouvir. Voltei meu
rosto para ele e vi o quanto estava zangado.
— Rahina virá com você em uma próxima consulta. – Li em seus lábios
e parecia ter levado chibatadas. O que viria agora? Ele esperaria mais um
mês? — Você sabe onde está a sua irmã? – Congelei e arregalei meus olhos,
surpreendida com sua pergunta repentina. O que eu esperava? Esperava
realmente que ele tivesse esquecido a noiva prometida?
— Ela… – Minha garganta queria se fechar e o desespero tomou conta
de mim. — Ela não quis me dizer. – Minha mente girava. Ele se casaria
com ela, sim, faria se soubesse como a trazer de volta para M’hamid e
seríamos esposa do mesmo homem ou ele me repudiaria? Eu não queria
pensar nessa possibilidade, mas ela gritava naquele momento.
— Inferno! – Parou de forma brusca e só então me dei conta que
havíamos chegado, diante da tenda eu vi três carros brancos e notei um
homem saindo de dentro do nosso lar. Hakim voltou a fazer o carro
prosseguir e parou novamente. Desceu e seguiu até o homem, que olhava
para dentro do carro, desci sozinha, me segurando para não cair e segui até
eles não muito confiante.
O estranho olhava para mim com muita intensidade, e logo voltou a
atenção para Hakim, contraindo a testa e me olhando novamente, dessa vez
ele parecia não ter gostado do que Hakim disse. Hakim virou o rosto na
minha direção e fez sinal para que eu fosse até eles.
— Essa é a minha esposa, Zara. – Olhei para ele sem compreender, não
estava enganado, eu era sua esposa, mas até quando? — Esse é Mustafá.
— Seu criado. – O Homem sorriu expondo seus dentes em ouro maciço.
Ele parecia em choque. — Essa preciosidade é sua esposa? – Eu senti um
calafrio intenso, naquele segundo. — Eu pensei… bem… não esperava.
— Salam Alekum, sayidi. – Inclinei um pouco a cabeça, voltando a ter
juízo após perder meu prumo. — Gostaria de um chai?
— Não! – Vejo Hakim me dirigir um olhar feroz. — Ele já está indo
embora.
Sabia que era errado a forma como ele estava lidando com a visita, mas
eu também desejei que o homem fosse embora, ele parecia ter algo que me
dava medo, mesmo tentando ser gentil eu sabia que era falso e isso me
deixou apreensiva. — Amanhã te darei o que veio buscar, mas eu te
procuro. Não volte a pisar nas minhas terras. – O ar quente estava muito
carregado naquele segundo, senti uma tensão em Hakim que nunca tinha
notado antes e tive medo. Muito medo. Era voraz e primitivo, quase
selvagem.
O homem explodiu em uma gargalhada que não parecia ser boa de ouvir,
era um jeito zombeteiro e deixando claro sua pouca importância. Olhou
para mim por um segundo e depois adotou um semblante sério para Hakim.
— Estarei esperando. – Balançou o indicador para Hakim, e seguiu para
seu carro. Minhas pernas quase cederam e eu não entendia a razão para
tanto medo, mas o jeito como ele proferiu aquelas palavras não soava bem.
Eu sabia que era uma ameaça clara.
Hakim entrou na tenda parecendo um touro raivoso. E tudo que eu
queria era voltar no tempo, voltar aos momentos em que ele parecia estar
feliz comigo, mas não era real, eu sabia que não podia ser real, mas
acreditei mesmo assim.

HAKIM

Eu estava furioso e me senti enjaulado, por isso marchei para fora da


tenda e caminhei deserto a dentro, até sentir minhas pernas doerem. Eu
sabia que não era fácil andar pela Medina com alguém como eu, mas eu não
esperava que Zara fosse se sentir incomodada com a minha presença, nem
que tão pouco fosse ficar envergonhada de ser vista em minha companhia.
Mas foi o que aconteceu, e agora eu não sabia como lidar com aquilo.
Não sabia sequer o que pensar, mas estava desnorteado ao constatar que
podia ser tudo fingimento entre nós, afinal, ela se casou comigo para pagar
a dívida do pai. Não esperava que ela fosse ficar aliviada por não estar
grávida, o jeito como ela ficou ao ouvir a notícia deixava claro que era
melhor não ter um bebê.
O sol rachava a minha cabeça, olhei em volta, me dando conta de que
tinha me afastando tanto que não conseguia sequer ver o topo da minha
tenda. Eu odiava me sentir daquele jeito, e sabia que era muito pior agora,
depois de ter entrado naquela relação de corpo e alma. Me negava a aceitar,
me negava admitir que gostava dela, afinal, ela nunca olharia para mim com
os mesmos olhos, por mais que parecesse receptiva em meus braços, eu
sentia que ela sempre estava distante e que por vezes me ignorava e eu
apenas fingia não ver.
Odiava me sentir como antes, solitário e humilhado, mas era como me
sentia agora. Talvez um filho nos aproximasse, mas isso parecia ser uma
ideia tola demais. E agora eu me amaldiçoava. Por que aceitei um
casamento como aquele? Por quê? Eu sabia que não era alguém com quem
uma moça como ela ia querer casar, estava ciente disso e sentia que a culpa
era inteiramente minha e que não devia ter aceitado a proposta de seu pai.
Ela não estava grávida, estávamos casados e ela se sentia incomodada
em estar comigo diante de outros, certo, então o melhor seria levá-la para a
casa dos meus pais, deixar que vivesse lá, longe do monstro com quem
casou. E eu teria que aprender a lidar com o desprezo novamente, já que
pelo visto havia esquecido.
Pisei duro de volta para a tenda, determinado a resolver aquele impasse e
retomar o controle da minha vida. Mustafá tinha insinuado que eu queria
esconder sua noiva, mas eu pouco me importava com isso, afinal, eu não
tinha nenhuma responsabilidade com seu acordo feito com o pai de Zara.
Pagaria aquele dinheiro e me livraria dele em definitivo, duvidava muito
que Zara fosse dizer onde sua irmã tinha se enfiado.
Alcanço a cáfila e noto um táxi parado mais adiante, olho para lá, mas
vejo apenas o motorista, intrigado e decidido em aproveitar isso para que
Zara fosse de vez para a casa dos meus pais, eu entro na tenda e me
surpreendo ao ver a noiva que escolhi, ali, debaixo da minha tenda
CAPÍTULO 29

ZARA

Estava paralisada, em choque, parecia que algo sugava minha energia


ao ponto de me tirar completamente as forças. Hakim tinha chegado um
segundo após ‘Hana me abraçar sorrindo e eu, pela primeira vez na vida,
quis que ‘Hana sumisse.
Hakim olhou surpreso, assim como eu, e ‘Hana parecia não se importar,
eu não queria aquele encontro e agora não sabia o que fazer e temi que ele
exigisse que ‘Hana cumprisse com a palavra de nosso pai.
— ‘Hana, esse é o Hakim. – Disse sentindo o ar saindo a força do meu
peito. Hakim empertigou os ombros e adotou aquela postura fria e
indiferente.
— Sim. Salam Alekum. – Ela inclinou a cabeça para ele. Continuava
segurando a minha mão com as suas, tão macias e pequenas, perfeitas,
assim como tudo nela.
— Aleikon Al salam. – Estremeci quando Hakim desviou os olhos dela e
focou em mim. — Podemos conversar? – Estremeci.
— Na’am, pode ser… depois? – Eu não queria saber agora, não nesse
minutos. Eu podia esperar mais um pouco até que ele sentenciasse sua
decisão de tomar ‘Hana como esposa. Ele não pareceu satisfeito, mas
concordou.
— Sinta-se em casa. – Disse para ‘Hana e saiu, por fim eu soltei o ar
preso.
Hana olhou para mim um tanto apreensiva, e notei o quanto ela estava
mudada, tinha um ar de felicidade em seu semblante e uma determinação
em seu olhar.
— É estranho, não é? – Não compreendi. — Você, casada com ele.
— O que é estranho? – Ela balançou os ombros.
— Nada. – Sorriu apenas. — Eu precisava vim te ver, eu me senti…
estranha.
Olho para nossas mãos unidas, a pouco tempo ‘Hana era tudo para mim
e agora eu sentia que ela era uma ameaça na minha vida e sentir isso não
me trazia sensações boas, era ruim e eu me sentia péssima, de todo jeito
sentia com muita intensidade o quanto sua presença mexia com a minha
cabeça.
— Eu não devia ter escrito aquilo. Quero que saiba que não é o que
sinto. – Após atingir a adolescência, ‘Hana desabrochou, tinha se tornado
uma mulher linda, cheia de curvas e pele perfeita, uma princesa digna de
um príncipe e por vezes eu idealizei isso para ela.
— ‘Hana, baba está morto. – Levou as mãos aos lábios, aterrorizada
com a notícia, eu coloquei a notícia entre nós para que ela não seguisse por
aquele caminho, eu tinha ficado magoada e ainda sentia o peso de suas
palavras, mas tudo tinha amainado enquanto eu vivia aqueles momento
preciosos com Hakim.
— O quê…? Como…?
Apontei para ela uma cadeira e me sentei, sem conseguir mais ficar de pé
com minhas pernas trêmulas.
— Foi assassinado. – Seus olhos encheram de lágrimas e por um
momento parecia aquela garotinha que eu adorava.
Alá, por que eu tinha que me sentir assim? Por que eu tinha me apegado
à aquela sensação de desconforto com alguém que amava mais que a mim?
Ela se jogou contra meus braços e chorou, eu fiquei rígida. E me sentia
péssima por questionar internamente qual o seu propósito aqui. Queria
ficar? Aceitaria ser segunda esposa? Eu não queria antecipar nada, afinal,
Hakim não tinha dito que faria isso, mas ele perguntou por ela, após a
médica nos dizer que não havia um filho, e agora ela está aqui e eu sabia
que era com ela que ele quis casar.
Eu a amava, Alá é minha testemunha de que isso é verdade, mas agora
havia o Hakim, e ele havia conseguido ultrapassar aquela posição de ‘Hana,
de um jeito que eu não sabia explicar e naquele segundo de percepção eu
descobri, que o amava, que o amava mais que tudo.
Saber disso, entender o que sentia por ele, me fez entrar em uma espécie
de transe, então apenas observei Hana chorando e falando, sem conseguir
assimilar nada.
Alá, eu morreria, sim, morreria se ele decidir que é ela, que é com ela
que ele precisa ficar.
— Eu preciso ir. – Li o aviso em seus lábios e fiquei em alerta. — Estou
em um hotel no centro. – Olhei em volta. Será que Hakim estaria ouvindo?
Será que iria procurá-la e exigir o casamento? — Zara, preste atenção, você
não precisa ficar aqui, pode vir comigo, começar uma nova vida.
— Do que está falando? – Afastei minha mão da dela e ela retesou o
punho.
— Estou falando que isso que baba fez você fazer, não é certo, não
precisa ser assim. – Franzi a testa sem entender. — Você não precisa viver
com aquele… com esse homem.
— ‘Hana… ele é meu marido. – Me olha com pena e eu realmente não
entendo porquê.
— Baba te forçou a casa com esse homem, por favor Zara, venha
comigo, a gente pode resolver o seu problema, a família com quem estou
morando pode… – Me levanto rápido. — Você pode ser curada, não quer
isso?
— Eu… – Eu queria poder ouvir, mas eu queria ouvir ele. Queria ouvir a
voz dele.
— Eles te aceitam também, se você quiser. – Eu podia dizer sim, se ela
tivesse me feito a proposta antes, mas agora, eu não podia, tudo que eu
quero é ficar aqui, com Hakim, ser sua esposa. — Vou embora amanhã,
você tem até lá para decidir, não deixe que os costumes te impeçam de ter a
vida que merece.
Eu odiava admitir, mas eu fiquei feliz em saber que ela ia embora, que
voltaria para o lugar em que agora vivia, e me senti a pior das pessoas, ela é
a minha irmã, ela era o bebê que eu amei como se fosse meu e eu queria
morrer por sentir tudo aquilo e estava devastada por saber que ela partiria
novamente. Alá, como eu a amava, como ela tinha amadurecido em pouco
tempo.
— Eu sempre soube que você se tornaria essa mulher forte e
determinada. – Senti as lágrimas inundando meus olhos. — Eu sempre
soube.
— Oh, minha irmã. – Ela me abraça e eu retribuo dessa vez, me sentindo
a pior pessoa do mundo, por ter pensado coisas insanas. — Eu sou tudo que
sou por que você me ensinou, você me fez ser assim. – Disse segurando
meu rosto e chorando junto comigo. — Eu te amo.
— Eu também, mais que tudo. – Sorriu e beijou meu rosto.
Segurei a sua mão e a segui até o lado de fora da tenda, Hakim saiu da
construção onde costumava negociar e pareceu em alerta, olhando para nós
duas até por fim vir até nós. Eu suspirei, sentindo meu coração acelerado, o
amava, amava o meu marido.
‘Hana cutucou meu braço e fez sinal com as mãos.

“Você gosta dele? Ama ele?” Eu fiquei paralisada. “É por isso que quer
ficar?” Desviei os olhos de seus gestos com a mão e me virei para Hakim e
vi que ele tentava entender o que acontecia entre nós. Enquanto ‘Hana
tentava me chamar a atenção novamente. Fiquei desesperada naquele
segundo.

“Ele não sabe!” Alertei rapidamente e ‘Hana olhou para Hakim e depois
para mim.

— Algum problema? – Hakim ergueu sua sobrancelha falhada e ‘Hana


segurou minha mão, por fim eu notei que ela estava com medo, mesmo
tentando não transparecer, estava claro, e Hakim ficou irritado com aquilo.
— Eu quero levar a minha irmã comigo. – A vi dizer, assumindo uma
postura de confiança que tinha sumido no instante em que Hakim se
aproximou de nós.
— Eu não vou a lugar algum. – Disse nervosa, e ‘Hana apertou minha
mão em repreensão. Hakim abriu a boca para dizer algo, e a fechou no
mesmo segundo. Olhou para mim e eu tremi, ele parecia decidido.
— Ótimo, vá com sua irmã. – Eu acho que palavras nunca me feriram
tanto.
— O quê…? – Eu não podia acreditar que era isso que ele queria, não
podia. — Você não entendeu. – Eu tentei explicar o que ‘Hana quis dizer.
— Entendi perfeitamente. – Cortou. — Farei uma conta em seu nome,
referente a seu dote.
Eu estava a ponto de me desesperar. Pedir que ele não fizesse aquilo.
Que não me jogasse ao vento. Mas estava claro desde o primeiro dia, eu não
tinha conseguido ser o que ele queria, eu não tinha conseguido ter sequer
um filho e agora ele me queria o mais longe possível dali. De que adiantaria
implorar para que me amasse, para que amasse a noiva falsa, a noiva que
não escolheu? Nada o faria mudar de ideia.
Engoli as lágrimas e segurei a mão que minha irmã ofereceu, sequei
minhas lágrimas e encarei Hakim.
— Eu não quero nada. – Ele pareceu atingido pela surpresa. Eu queria
arrancar meu coração e o entregar para ele, mas sabia que seria esmagado e
jogado no chão, então, me deixei ser amparada por ‘Hana, até o táxi que
ainda aguardava. Sem olhar para trás, ciente que estava morta por dentro.

HAKIM

Ela foi embora, simplesmente partiu. Eu sabia que era o melhor, mas por
Alá, ver aquele táxi sumir fez meus joelhos cederem sobre as areias do
deserto e eu quis gritar.
Como podia exigir ou até mesmo implorar para que ficasse aqui?
Quando no fundo sabia que não suportaria a ver sentindo vergonha nas ruas
enquanto apontavam para mim, enquanto olhavam torto e até mesmo com
medo. Eu queria ver tudo em seu rosto menos isso, mas sabia que não seria
diferente, nem com ela, nem com ninguém.
Levantei da areia me sentindo um fracassado. A tenda parecia oca, sem
vida. Qual era meu problema? Eu gostava de viver aqui por isso, por ser
sempre somente eu, mas agora parecia que o vazio me sufocava. E percebi
que era porque ela não está aqui, antes eu sentia a sua presença constante,
mesmo quando não estava no mesmo ambiente que eu, sabia que ela estava
ali e agora sentia que faltava tudo.
Tinha que aceitar, caso contrário enlouqueceria. Mas como faria isso?

ZARA

Londres era fria demais para alguém acostumada com o calor. Sentia que
estava congelando a maior parte do tempo e era um tanto agoniante. Eu
sentia falta de tudo e doía muito sentir saudades.
Claro, era tudo muito novo, muito bonito e Dena, mãe das amigas de
‘Hana era uma ótima pessoa, e eu fiquei feliz em saber que minha irmã
tinha encontrado pessoas boas para a acolher e ela estava feliz, de verdade,
como eu nunca vi antes, aqui ela era livre para ser o que quisesse, fazer o
que achasse melhor, e por alguns momentos até me senti uma fracassada,
por não ter conseguido fazer ela seguir os costumes como devia, como eu
achava que devia.
Só que eu não estava feliz, e sentia que nunca ficaria, e chorava muito,
mesmo sem querer, mesmo sabendo que não devia. Tudo que eu pensava
era em voltar, mesmo que ‘Hana insistisse que era questão de tempo até eu
me habituar, que quinze dias não podia definir nada, eu sentia que aquilo
jamais aconteceria.
Para ela era o encontro de vida perfeito, para mim era tudo, menos o
começo de algo novo e bom. Por isso, após me convencer e as convencer
que aquilo não era para mim, eu voltei para M’hamid, para casa onde nasci
e cresci. A casa tinha sido saqueada, tinham levado a televisão e o
computador de ‘Hana, além de alguns utensílios domésticos, mas era o meu
lar, mesmo vazio e solitário, era a minha casa.
Levou dois dias até que eu conseguisse organizar a bagunça e com a
ajuda de alguns vizinhos consertei a porta e pude me sentir mais segura. Me
oferecia para fazer qualquer serviço doméstico, até que consegui uma vaga
em um restaurante, eu não sabia como me sentir, pensava que nunca me
aceitariam por não ouvir, mas o casal me acolheu e enfim eu senti que as
coisas começaram a fluir para mim.
— Era a melhor carne de camelo da região, isso não se pode negar. –
Tamara falou para o marido enquanto eu começava a preparar o almoço que
seria servido, mas eu fiquei curiosa com o que ela disse.
— Do que estão falando? – Eu já me sentia inserida no núcleo familiar
deles, após um mês Tamara já me tratava como se eu fosse sua filha e não
como se eu fosse a empregada de seu restaurante.
— O melhor comerciante de carne de camelo da região vendeu os
camelos e acabou com o negócio. – Eu soltei a faca antes que me
machucasse com ela. — Acho justo, depois de tudo que ele fez. –
Prosseguiu. — Ninguém iria querer negociar com um criminoso.
— São só boatos. – Abdullah repreendeu a esposa, e eu sentia que
precisava me sentar, sabia que eles só podiam estar falando de uma pessoa,
e mesmo que Hakim me tivesse jogado ao vento, eu fiquei nervosa e
preocupada. O que teria acontecido?
— Não é nisso que todos em M’hamid acreditam, ele devia ser preso. –
Meu coração saltava e minha garganta se fechou. — Podemos perder nossos
clientes por recebê-lo aqui.
Nesse instante meu coração parou e eu olhei para a porta da cozinha que
levava ao salão onde ficava o restaurante. Ele estava ali? Foi isso que ela
disse?
Engoli seco, sem saber como lidar com aquilo, M’hamid não era uma
cidade imensa como as outras tantas, mas eu sabia que podia viver ali sem
que soubessem da minha existência, no entanto, parecia que agora, isso era
impossível. — Zara, você está bem? – Tamara segurou meu ombro para me
olhar bem e que eu pudesse ler o que dizia.
— Não… eu posso… posso ir para casa? Não estou me sentindo bem. –
O casal me olhou preocupado. — Eu não dormi bem, acho que vou ficar
resfriada. – Eles se entreolharam e Tamara aceitou o meu pedido. Eu nunca
tinha faltado um dia sequer e agora tudo que queria era estar longe dali.
Peguei minha bolsa e forcei minhas pernas a caminhar o mais rápido
possível. Eu podia vê-lo, sim, mas não sei se agora seria capaz. Com mãos
trêmulas eu tentei abri a porta de casa, mas as chaves caíram aos meus pés e
antes que eu as apanhasse vi uma mão grande a pegar, ergui meus olhos e
encarei o rosto de Hakim.
— Estava fugindo de mim?
CAPÍTULO 30

ZARA

A casa era pequena, sim, mas com Hakim ali, ela parecia ter se
tornado uma lata de atum ou pior. Ele teve que abrir a porta e eu
praticamente me joguei para dentro. Em algum momento devo tê-lo
irritado, pois sua cara não estava nada satisfeita. Meu coração estava

acelerado demais e minhas pernas tremiam.


— Eu não estava fugindo. – Me apressei em dizer, por fim tomei fôlego.
Aquela era a minha casa, aquela era a minha vida, ele tinha me jogado ao
vento, e não havia motivos para que eu precisasse me explicar. E não estava
fugindo, eu só me senti sufocada demais dentro do restaurante, com a ideia
dele ali, tão próximo. — Por que estava me seguindo? – A segurança na
minha voz o fez adotar uma outra postura, surpresa e curiosidade ficaram
evidentes. Hakim desviou os olhos da casa, estava observando-a. Em pouco
tempo eu tinha conseguido comprar coisas novas, até mesmo uma televisão
pequena, e me sentia feliz com cada vitória. Eu não ganhava muito, mas
Tamara e seu marido me ajudavam da melhor forma que conseguiam.
— Te segui, porque, como sempre, você me ignorou. – Franzi a testa,
não fazia sentido. — Se não queria ser vista comigo na Medina era só ter
avisado, eu teria entendido. – Pisquei várias vezes, me dando conta que
nunca poderia ter ouvido, mas ele não sabia, ele não fazia ideia de nada.
— Me desculpe, eu não tive a intenção de ignorá-lo. – Iniciei um pouco
vacilante, sem saber o que diria, o que faria, mas ele tinha me jogado ao
vento, então agora parecia não fazer diferença nenhuma continuar
escondendo.
— Acho que fica difícil de acreditar. – Desviei os olhos um instante e
por fim ergui meu queixo e o fitei.
— Você nunca notou, não é? Bastou poucos dias com Rahina e ela
descobriu. – Ele não me via, como poderia perceber o meu defeito? Ele
nunca me viu, nunca me enxergou e a percepção daquilo me fez querer
chorar. — Até mesmo o seu amigo notou, um desconhecido.
— Do que você está falando? – Prendi meus lábios com os dentes, mas
mesmo assim uma lágrima escapou.
“Eu não escuto” sinalizei e ele franziu o cenho, destacando sua cicatriz.
“Não escuto nada” Eu era muito enfática nos sinais, mesmo com minhas
mãos tremendo.
Eu tinha que continuar falando, mesmo sem me ouvir, e dificilmente
usava os sinais para me fazer entender, mas naquele momento eu o fiz,
mesmo sabendo que ele não sabia, que ele não conseguiria ler as palavras
ditas com minhas mãos.
— O que isso significa? – Senti o soluço escapar da minha garganta e
limpei o rosto.
— Significa que eu não consigo te ouvir. – Hakim deu um passo para
trás, e talvez fosse me repudiar novamente, mesmo estando em choque e eu
não esperava que fosse menos doloroso que a primeira vez.
— Não diga besteiras. – Eu sorri, sem nenhum humor, enquanto ele me
encarava incrédulo.
— Eu estava perdendo aos poucos, mas talvez fosse levar anos até
perder completamente a audição. – Expliquei, percebendo que ele não
estava assimilando nada do que eu dizia.
— Mas você… fala. – Uma distância segura de quatro passos nos
separava e naquele momento parecia que havia um penhasco o deixando
distante demais, e senti que é como sempre estivemos, mesmo em seu
braços eu me sentia longe dele, mesmo vivendo debaixo da mesma tenda eu
nunca o senti por completo.
— Claro que falo. Eu sou surda, não muda. – Resmunguei, fungando e
tentando controlar aquele sentimento desnorteante que enchia meu peito.
— Como pôde? Como pôde esconder isso de mim? – Ele pisou duro no
chão, dando um passo adiante, e eu me antecipei dando dois para trás, então
Hakim parou, e eu não esperava que ele fosse se conter, mas ele parou. —
Eu devia saber que você era uma trapaceira nata, você e seu pai armaram
tudo para me enganar. – Mais uma vez eu sorri sem nenhum humor.
— Pelo profeta! Meu pai está morto, não o condene, ele não precisa de
mais isso, agora somente Alá pode julgá-lo, eu e ele erramos sim, eu
pagarei por isso, e sei que fiz isso para protegê-lo do desconhecido, eu faria
tudo, mesmo o que não queria. – Ele pareceu conter a língua. — Afinal, que
escolha que tinha? Eu tive medo, ele estava desesperado. – Vi a órbita de
seu olho bom balançar de um lado a outro. — Eu temia pela vida do meu
pai, se você soubesse, teria me devolvido, teria… eu não sei, mas eu tive
medo de que fizesse mal a ele. – Hakim passou a mão no rosto e não ergueu
os olhos para mim.
— Como pude ser tão cego? Como pude não notar? – Esfrego meus
braços sem saber o que dizer. Ele parecia desnorteado e meu peito estava
sufocando por isso. — O que mais escondeu de mim? O que mais escondeu
por ter medo de mim? – Engoli o nó que havia se formado na minha
garganta.
— Eu não tinha medo de você, tinha medo do que pudesse fazer se
descobrisse. – Noto que seu rosto estava um pouco pálido e que seus braços
antes muito grandes, pareciam ter perdido um pouco da musculatura
vigorosa que conservava. — Como soube que eu tinha voltado? – Ele
passou os dedos entre as madeixas negras, a afastando do rosto, por um
momento pensei que não responderia minha pergunta.
— Recebi uma ligação sobre ter alguém aqui, vivendo nessa casa. – Abri
a boca, um tanto surpresa. — Logo que roubaram algumas coisas, os
vizinhos me procuraram no deserto, eles temiam que pessoas ruins
invadissem e tomasse posse da casa, não queriam estranhos aqui.
— Ah… – Hakim olhava para mim de um jeito muito intenso, o que
estava me deixando nervosa.
— Por que voltou? – Passei a língua sobre meus lábios, pensando no que
diria, meus motivos eram tantos.
— Eu… eu sentia falta de casa, do sol… dos costumes… – E dele, mas
de que adiantaria dizer que ele era o principal motivo?
— Entendo. – Não foi o que pareceu, mas eu não questionei nada sobre
isso.
Subitamente eu me sentia aliviada por ter dito tudo, mesmo que tenha
sido agora, após tanto tempo. — Eu não devia ter vindo. – Por um momento
eu penso ter visto uma tristeza em seu semblante, e logo reparo que estava
preocupado. — Você não devia ter voltado. – Suas palavras me atingiram
em cheio, como se eu tivesse sido alvejada, meu peito doeu e eu me senti
fraca, mas me recompus, afinal, no fundo eu já esperava por isso.
— Creio que isso não é você quem decide. – Acho que ele não esperava
por minha resposta ácida.
— Você ainda é minha esposa. – Eu quase podia sentir o tom rude com
que ele proferiu aquela sentença.
— Não somos nada um para o outro, você me jogou no vento! – Eu
queria gritar, mas me contive, meu ar saia e entrava forçado. Hakim parecia
prestes a explodir e com passos rápidos ele me alcançou e segurou meu
braço, me sacudindo um pouco, seus dedos apertavam meu braço e eu
sentia a fúria, misturada com infinitas sensações em seu rosto endurecido.
— E você foi, você simplesmente foi. – Sua mão ardia contra a minha
pele, mesmo que minha blusa o impedisse de tocar diretamente a minha
carne ela queimava com seu toque. — Eu te procurei e cheguei a falar com
sua irmã, mas ela se negou a me dizer onde você estava. – Um raio parecia
ter caído sobre minha cabeça.
— Pelo profeta… – Ele me soltou devagar e caiu de joelhos diante de
mim, me pegando totalmente desprevenida, e quando ergueu seu rosto para
mim, ele estava banhado em lágrimas, que me assustaram mais que sua
agressividade anterior.
— Eu sei que não sou digno, nunca serei. – Eu nem conseguia mais
respirar. — Sei que começamos errado e Alá é minha testemunha de que eu
me arrependi do acordo que fiz com o seu pai, no mesmo segundo, mas eu
pensei que poderia dar certo, mesmo sendo… assim… – Hakim parecia
perdido, sem rumo, e quebrado. Estava despindo diante de mim tudo o que
parecia engasgar sua garganta. — Ver você partir me fez enxergar que eu
precisava de você…. Me fez ver que você despertou em mim coisas boas…
e eu lutei contra isso… por que eu sei que nunca, jamais, seria amado. – Eu
custava a acreditar que ele fosse menos merecedor que qualquer outro, mas
logo notei que eu também me sentia daquele jeito, exatamente da mesma
forma. — Mas pelo profeta, eu te amei… eu te amo…
— Hakim… – Sentia que minhas lágrimas me dominavam e minha
mente girava, sua declaração reverberava dentro da minha mente, me
deixando desnorteada e emocionada demais para dizer algo coerente.
— Por um momento… eu pensei que você tinha voltado para mim. – Eu
não sabia o que sentir, tendo ele ajoelhando aos meus pés, parecia pequeno,
frágil e entregue. — E eu luto para tentar aceitar que não sou alguém com
quem você queira estar, mas é difícil… dói te ver seguindo sem mim, dói
não ser o que você quer.
— Pelo profeta, como você sabe o que eu quero? – Meu coração estava
acelerado demais, e eu tentava ao máximo assimilar tudo que ele dizia com
lábios trêmulos e olhos marejados.
— Está claro para mim, desde o início. – Me inclino e seguro seu rosto,
o pegando de surpresa.
— Você é tudo o que eu quero, eu não estou seguindo sem você, eu estou
tentando sobreviver, eu morri quando você me jogou no vento sem
pestanejar. – Hakim segurou os meus pulsos e os apertou brevemente. —
Tudo que eu queria era ficar, tudo que eu desejava era ser a esposa ideal, a
que você queria ter do seu lado. – Apertei seu rosto e encosto minhas testa
na sua. — Eu te amo tanto que não consigo respirar direito. – Hakim me
puxou para dentro de seus braços e eu podia sentir seus soluços se
confundindo com os meus. E naquele momento era como se eu tivesse
encaixado minha alma na sua, e como se tivesse alcançado a sombra após
horas andando no sol escaldante do deserto, era um alívio que transbordava.
Ele me fez erguer o rosto e me beijou profundamente, tirando o hijab
que escondia meus cabelos enquanto eu tentava tirar as suas roupas,
apressada, sedenta. Eu sentia falta de tudo, eu sentia falta de cada detalhe.
Afastei nossas bocas e o fiz tirar a túnica que vestia, e logo senti o tapete
contra minhas costas. Hakim, assim como eu, não queria esperar. Ergueu
minha saia e puxou minha calcinha, se acomodando entre minhas pernas e
me penetrando com fúria, mergulhando a língua dentro da minha boca e
sufocando meu grito de contentamento.
Senti-lo me invadir com força e de forma abrupta, me fez chegar ao
ápice em segundos. As mãos dele buscavam pelo meu corpo, seus lábios me
beijavam em cada parte do rosto e eu logo me via chegando ao limite e
caindo no abismo, meu corpo convulsionava enquanto Hakim me apertava
com suas mãos fortes e um tanto rudes.
— Você é minha… minha… – Fez questão de se afastar e proferir,
olhando dentro dos meus olhos e beijando minha boca, enquanto empurrava
seu quadril contra minha pélvis, exigindo mais.
— Eu sou sua… só sua… – Sussurrei sem fôlego enquanto fincava
minhas unhas em seus ombros nus, enfiando meus dedos entre seus cabelos
e o puxando para mim.
— Fique comigo… seja minha para sempre. – Ele me penetrou fundo e
jorrou dentro de mim, trincando os dentes e me fazendo perder a noção da
realidade, por longos minutos.
— Ficar era tudo o que eu queria.
CAPÍTULO 31

ZARA

Hakim me olhava apreensivo, sem os camelos o deserto parecia vazio


demais, árido demais, infinito demais.
— Por que fez isso? – Ele se apoiou na cerca e olhou para além, depois
deve ter recordado que eu precisaria ver seu rosto para saber o que me diria
em resposta.
— Nada parecia fazer sentido depois… depois que você foi embora. –
Meu coração deu um salto e eu fiquei o encarando sem saber o que dizer, eu
sentia exatamente o mesmo. — Os compradores deixaram de vir, os boatos
se espalharam e eu não vi mais motivos para tentar.
— Você é inocente. – Disse e me aproximei dele, notando que por baixo
de toda aquela sua postura endurecida existia alguém com inseguranças
como qualquer outra. — Você não podia se desfazer de tudo…
— Eu não queria nada, eu só queria que você estivesse aqui. – Segurou
minha mão e beijou a minha palma. — Quando sua irmã se negou a me
dizer onde encontrá-la eu entendi que era o que você queria.
— Eu… eu não sabia, ela não me disse nada. – Ele suspirou e me deu
um sorriso vacilante, apertei a mão que segurava a minha. — Você não
podia ter desfeito seu negócio, pessoas precisam disso.
— Não faz mais sentido nadar contra a maré, Zara, não vê? As pessoas
me temem, me desprezam. – Senti meu coração se partir por aquilo, por
saber o quanto doía nele ter que lidar com tudo aquilo. O abracei com força,
tentando tirar de dentro dele aquela sensação que estava enraizada em seu
coração e suspirei com o calor de seu corpo, eu nunca teria o suficiente.
— Tudo bem, você tem direito de se sentir assim. – Comecei segurando
sua cintura e esfregando meu rosto em seu peito forte. — Mas só por um
segundo, tudo bem? – Ele rodeou o braços em volta de mim. — Por que
você vai voltar a fazer isso, vai voltar a encher tudo isso com camelos, e
negociar. – Apertei mais sua cintura quando ele quis me afastar. — Não é
uma negociação, faremos assim, eu e você. – Ele relaxou o braço. — As
pessoas podem não entender, podem te julgar, mas por Alá, não as deixe
pensar que não é digno, não permita que façam com que desista.
Por fim, ergui meu rosto para ele, segurando sua túnica e ver seu rosto
em dúvida, é muito melhor do que ver sua derrota, eu não a aceitava. —
Nunca mais permita que a opinião de outros interfira na sua vida, por favor.
— Zara…
— Eu sei o quanto podem ser cruéis, mas não é nada comparado o
quanto podemos ser cruéis com nós mesmos, eu sei, eu me diminuía, eu me
sentia indigna de qualquer coisa, de amor, de família. – Subi minhas mãos
até o colarinho de sua túnica e a puxei um pouco. — Mas eu tenho você, e
eu quero que a gente consiga fazer dar certo, mesmo que todos estejam
contra nós.
— Você é uma alegria para os olhos. – Sorri envergonhada, mas não
desviei meus olhos dos seus.

— Então, por onde começamos?

[...]

Eu começava a acreditar que não podia ter filhos, quando meu fluxo veio
no mês seguinte e não queria ficar triste, mas era mais forte do que eu, por
que eu queria, queria muito, não pelo casamento, não pelo Hakim, mas
porque eu sentia que ser mãe era o que eu mais desejei a vida toda e que por
muito tempo pensei que não teria como, por saber que nunca me casaria.
Suspiro contra o peito de Hakim fazendo o contorno de sua cicatriz com
meus dedos, sentindo seu peito subir e descer enquanto ele afagava meu
cabelo, tentando fazer com que eu dormisse, as vezes eu sentia uma
ansiedade crescente, e Hakim parecia entender perfeitamente o que eu
precisava.
Segura meu queixo e me faz olhar para ele. — O que a aflige habibti? –
Eu sorri um pouco, tentando não o preocupar, mas ele conseguia ver dentro
de mim. — Não me esconda nada.
— Talvez eu não seja aquela que vai te dar um filho que abra as portas
do paraíso para você. – Hakim se remexeu e sentou na nossa cama, me
fazendo fazer o mesmo.
— Eu não preciso disso. – Enfatizou.
— Precisa, você precisa. – Meu ventre doía, e eu sentia vontade de
vomitar, o primeiro dia era sempre o pior para mim. — Talvez eu tenha…
talvez eu… não sou jovem.
— Pelo profeta! – Eu tinha pensado sobre aquilo por muitos momentos e
ele sabia disso. — Já passou pela sua cabeça que talvez eu não tenha um
espaço no paraíso? Nem mesmo que haja um filho homem? – Eu não
aceitava aquilo e ele sabia bem, eu o conhecia, sabia que ele não era o
monstro que ele mesmo dizia ser.
— Alá sabe o que tem dentro do seu coração, não duvide. – Ele suspirou
e deixou a cabeça cair sobre o travesseiro.
— Durma, habibti. – Encerrou, mas eu sabia, assim como ele, que tinha
que haver um filho, mesmo que não fosse meu.

[...]

Hakim tinha feito boas compras de camelos, e por sorte Kaysar


conseguiu de volta os compradores antigos. Os mercadores de M’hamid
relutaram no início, mas Tamara e seu marido faziam uma boa propaganda
em seu pequeno restaurante e as coisas pareciam caminhar bem. Eu estava
feliz, Hakim estava feliz, só falta um filho e eu começava a acreditar que
não seria eu a mãe deles.
— Eu pensei em uma coisa. – Coloquei a xícara de volta à mesa baixa e
Hakim se encostou em sua cadeira limpando os dedos e olhando para mim
com muita desconfiança. — Quero que você encontre uma segunda esposa.
— Nunca! – Bateu o punho na madeira da cadeira e estremeci, sabendo
que seria difícil, mas necessário.
— Uma moça jovem, que…
— Eu disse não! – Rugiu dessa vez, fazendo a veia de sua testa saltar. —
Já passou pela sua cabeça que eu não quero outra esposa? – Olhei para ele
resignada, e analisando a xícara disposta a não desistir do meu intento. Eu
não podia viver a minha vida sabendo que ele não ia ter ninguém para
passar seu nome adiante ou um filho para abrir o caminho do paraíso para
ele, porque eu sabia que ele merecia, e eu faria de tudo, até mesmo aceitar o
fato de que seria outra a lhe dar isso.
— Já ficou claro que eu não posso, não vê? Isso está me martirizando. –
Eu senti as lágrimas ardendo em meus olhos e vi seu rosto adotar sua
costumeira expressão de incômodo.
— Se eu não tiver filhos com você, não terei com ninguém. – Pontuou,
ignorando tudo. — Além do mais, está ciente que nenhuma família de bem
aceitaria casar sua filha com alguém como eu, um pária, um homem com
reputação duvidosa.
— Qualquer família se sentiria honrada, posso garantir. – Ele se levantou
de forma abrupta, derrubando alguns pratos, foi até a entrada da tenda e
olhou para fora, a noite está fria, e eu usava um casaco de lã pesado,
enquanto Hakim vestia apenas sua túnica branca e uma calça de algodão,
ele era cabeça dura em tudo, parecia um camelo empacado no meio do
deserto, mas eu não podia permitir que ele não tivesse filhos por eu não
poder dar eles para o homem que amava. Eu sabia que um filho podia trazer
alegria e o amar incondicionalmente, como eu sei que ele foi amado por
seus pais.
— Hakim… – Levantei e ele se virou, ainda furioso.
— Eu não quero outra esposa, tudo que eu quero está aqui, eu posso
nunca conhecer o paraíso, mas não me importaria porque você me mostra
um pedaço dele toda vez que vejo seu sorriso. – Seus olhos estavam à beira
de transbordar, mesmo assim ele estava furioso, mesmo me dizendo
palavras tão bonitas. — Acha que serei feliz vendo outra trazer filhos que
eu queria ter com você?
— Sim, claro que sim, seria seus filhos e eu os amaria como se fossem
meus, eu… – Dei um passo até ele, mas Hakim deixou claro que não me
queria próximo dele naquele segundo.
— Essa discussão acaba aqui. – Apontou para o chão, fazendo um peso
surgir dentro do meu estômago. — Fui claro?
— Por favor… – Ele me olhou com fúria e saiu, ignorando os meus
chamados. Alá sabia que tudo que eu queria era que ele fosse feliz por
completo, que família seriamos sem filhos?
Abracei meu corpo, sentindo que o frio era mais intenso diante da minha
agonia. Segui para a cozinha e atravessei a lona que se abria para a parte
traseira da tenda. As sombras altas dos camelos não me permitiam ver nada
além, a noite tinha uma lua imensa e ela é a coisa mais linda naquele ponto
de vista. Vi uma sombra vindo atrás de mim e suspirei, afinal, ele nunca
ficava zangado por muito tempo, me virei com um sorriso apaziguador e ele
morreu ao notar um homem estranho parado.
— Quem é você? – Me afastei assim que ele se aproximou e minhas
costas se chocaram contra a cerca.
— Eu fico triste, minha querida, em saber que não te marquei, como
você me marcou. – Ler seus lábios era um pouco difícil, já que ele prendia
um cigarro na boca. Olhei em volta, pensando em gritar ou correr, mas
minhas pernas tinham virado gelatina.
— Hakim? Ele não vem, mandei meus homens cuidar dele
pessoalmente. – Como que em um passe de mágica eu vi o fogo se alastrar
pela tenda, tão rápido, ele subia alto, atingindo a lona em toda parte, era tão
assustador quanto aquele homem diante de mim. Quando ele sorriu eu vi
seus dentes em ouro e o reconheci.
— O que fez com o meu marido?
— Seu marido devia ser eu, eu! – Ele gritou, sua boca soltando a fumaça
do cigarro. — Seu pai a prometeu para mim, você seria minha.
— Do que está falando? – A fumaça se misturava com o vento forte
carregado de areia.
— Você era tão frágil, tão inocente quando a vi a primeira vez. – Eu
tentei correr quando ele se aproximou mais, no entanto, suas mãos pareciam
garras e me prenderam facilmente. — Não corre pequena, sabemos que
quando você corre de mim coisas terríveis te acontecem. – Eu olhei no
fundo de seus olhos e minha mente me transportou para o meu acidente, eu
corria ao fugir de um homem e era ele, o tempo tinha mudando-o, mas seus
olhos continuavam iguais. — Sim, vejo que não fui tão indiferente a você
como supus. – Me sacudi quando sua mão áspera segurou meu rosto. —
Seu pai tentou de tudo para que eu não a tivesse e eu o matei por isso, mas
eu não imaginava que você estava aqui, com o meu filho adotivo.
Eu sentia vontade de vomitar e ele sorria, satisfeito, enquanto seus olhos
desciam por mim e sua mão soltava meu rosto e acariciava o meu cabelo.
— E agora terei que matar ele também.
Algo cai sobre nós e eu sinto o arame farpado da cerca rasgar boa parte
das minhas costas, grito enquanto sufoco com a nuvem de fumaça, a nossa
queda súbita fez a cerca cair e eu tive que me esquivar de camelos
assustados, eu não sabia se gritava de dor ou fugia das patas da cáfila
desenfreada, a cada vez que levantava para escapar o corpo pesado me
levava ao chão, até que não consegui levantar e fui pisoteada, tantas vezes
que nada me restou além da escuridão.
CAPÍTULO 32

HAKIM

As horas seguintes após o incêndio parecem um borrão, eu estou em


choque e furioso, mas me nego a ser atendido até que me digam que Zara
está bem e que não corre nenhum risco de morte.
Eu ainda não entendo o que aconteceu, o ataque súbito da corja de
Mustafá havia sido planejado e eles não vieram para assustar e sim para
acabar com minha vida, mesmo após eu ter pago uma boa soma em dirham
pela dívida.
— É uma queimadura de segundo grau. – Olho para o meu braço, que
está com bolhas. O médico parece apreensivo com a minha presença e isso
pouco me importa, eu não espero que ninguém me veja e se sinta
confortável, e não posso permitir que isso me afete, afinal, é como eu sou,
nada pode mudar o que está feito. — Farei suturas, não houve dano no
músculo. – Eu havia recebido um golpe de faca no ombro, que por pouco
não penetrou fundo na minha carne.
— Quero ver a minha esposa. – Exijo, sem me importar com a dor que
sinto. O médico apenas assente e se apressa em suturar meu ombro e rosto.
O médico pede que eu fique em repouso, devido a fumaça inalada, mas
me nego, eu estou bem, e nada me impedirá de ficar ao lado de Zara. Ela
tem que acordar e me ver, ficará assustada, afinal, havia sido algo
traumatizante e eu me sinto culpado. Graças a mim, Mustafá atentou contra
nossas vidas, e se eu não tivesse me envolvido com ele isso nunca teria
acontecido.
Zara está pálida e segundo o médico ela inalou muita fumaça, eu
demorei para encontrá-la no escuro e em meio aos camelos, estava entrando
em desespero, e acabei me queimando ao tentar entrar na tenda em chamas.
Tudo tinha sido destruído, eu quase tinha matado três homens naquela noite
e com certeza o teria feito se algo tivesse acontecido com Zara. Ela tinha
fraturado o braço em dois lugares, e suas costas tinham lacerações
profundas, mas eles afirmavam que ela estava bem e eu me agarrava a
aquilo, mesmo querendo chorar por vê-la naquela cama, inconsciente.
— Habibti eu estou aqui, estou aqui. – Disse, mesmo sabendo que ela
não me ouviria. Eu estava aterrorizado com a ideia de a perder também, e
seria de forma trágica, como foi com meus pais, sabia que eu não podia
lidar com a perda da única pessoa que amei de verdade, a única que me
amou, mesmo quando eu sentia que não merecia.
Suspiro e me sento, segurando sua mão com força, sabendo que depois
que ela tivesse alta seria um martírio vê-la sofrendo com as dores de seus
machucados, ela era forte, sim, mas eu sabia que ela não suportava nem
mesmo uma farpa no dedo, chorava com isso o que me fez sorrir por vezes.
Eu a amava demais, mesmo que às vezes quisesse partir sua cabeça ao
meio.
Filhos, ela queria tê-los, mas já havia se passado três meses desde que
ela voltou para mim e era uma tortura ver seu rosto adotar uma tristeza que
nada que eu fizesse ou dissesse arrancava, ela estava convicta de que não
teria, e agora insistia em segunda esposa. Como eu podia tocar em outra
quando só queria tocar nela? Como poderia beijar outra quando era nos
lábios dela que eu me sentia finalmente em paz?
Me levanto, tomado por uma necessidade gritante de colocar um ponto
final naquilo, pelo menos aquilo. A polícia viria para tomar depoimento de
Zara, e eu sabia que não haveria outro destino para Mustafá e seu bando que
não fosse a cadeia. Olho para o painel indicando a área das clínicas dentro
do hospital, ignorando os olhares dos pacientes e médicos. Eu não sabia
bem o que fazer ou como obter resposta, então fui para o consultório de
uma ginecologista e exigi ser atendido.
— Preciso saber se posso ter filhos. – A médica estava chocada e seu
assombro piorou um pouco com minha pergunta.
— Bem… – Ela apontou a cadeira e eu me sentei, para não parecer tão
ameaçador quanto aparentava. Expliquei toda situação enquanto ela ouvia.
— Ainda é muito recente, geralmente a infertilidade é afirmada após dois
anos de tentativa. – A médica não estava confortável, não sei se por eu ser
homem ou pela minha aparência, no entanto eu precisava de respostas. —
Podemos fazer uma contagem dos seus espermatozoides, já que sua esposa
já fez todos os exames e não há problema.
— Eu faço, farei o que for preciso. – Ela pegou seu prontuário e fez mais
perguntas. Eu aceitaria bem uma possível infertilidade, e sabia que Zara
também, pois ela pensou na segunda esposa apenas pela mera possibilidade
de não conseguir ter os filhos que ela achava que eu devia ter.
O teste não foi algo que me agradou fazer, afinal, eu estava dentro de um
hospital, e com machucados suficientes para não ser capaz de levantar meu
pau por bons dias, mas foquei minha atenção no objetivo e por fim consegui
colocar meu sêmen dentro do pote pequeno, após fazer tudo o que
prescreveu eu voltei para o quarto e encontrei Rahina sentada lá, ela
levantou com seus olhos marejados e me avaliou de alto a baixo, por fim
me puxou para um abraço que me fez ficar tenso, mas eu me permiti
recebê-lo.
— Eu não acredito, o que aconteceu? – A fiz sentar, e lhe estendi alguns
lenços de papel.
— Mustafá tentou me matar ontem à noite, incendiou minha tenda e
quase conseguiu o que pretendia. – Rahina levou a mão à boca, seus olhos
arregalados de terror.
— Eu vi isso. – Ela olhou para Zara, com seu olhar vago e um tanto
aéreo, parecia não estar ali. — Eu vi o fogo, vi que uma tragédia
aconteceria com ela.
— Ela só estava no lugar errado. – Fiz careta ao sentir a queimadura
arder com mais intensidade, acho que voltaria atrás como relação ao
analgésico oferecido.
— Acho que não. – Ela não explicou, e eu não insisti, eu só queria que
aquele dia terminasse.

ZARA

Eu olhava para os policiais, assustada demais, fazia apenas duas horas


que eu consegui acordar e sentia um pouco de dor, mas os remédios
amenizavam, me deixando grogue e sonolenta, eu agradeci por isso, mesmo
não querendo mais dormir.
Eu contei tudo o que recordava e vi o rosto surpreso de Rahina e Hakim,
enquanto eu tecia aquela loucura toda. Ainda não fazia muito sentido, mas
eu sabia que a obsessão daquele homem o fez matar meu pai, e tentar contra
a vida de Hakim, pensar nisso me fez estremecer e eu senti a mão de Hakim
agarrar a minha.
Os policiais pareciam satisfeitos e foram embora, Hakim beijou minha
testa e eu olhei para ele mais uma vez atenta aos seus machucados. Eu
estava aliviada, mas ainda um pouco assustada, foi aterrorizante, estar em
meio aos camelos enquanto eles fugiam do fogo.
— Então, ele causou o acidente que a fez perder a audição? – Estava
claro que ele tentava conter a fúria. Eu apenas confirmei que sim.
— Ele disse que meu pai tentou impedi-lo. – Eu não queria pensar em
todo terror que meu pai viveu com as ameaças que deve ter sofrido,
tentando afastar aquele homem da minha vida. Era horripilante saber que
alguém tenha ficado obcecado por mim por tantos anos.
— Deve ser por isso que ele tinha tantas dividas e pedia cada vez mais
dinheiro. – Engoli em seco, imaginando o que teria acontecido se meu baba
tivesse cedido. — Acho que ele pretendia usar sua irmã como uma garantia
de ter dinheiro para pagar o que quer que tivesse devendo a Mustafá. – Eu
acreditava naquilo, Hakim tinha me dito que tinha um bom dinheiro
investido, e uma conta considerável no banco, na qual ele me entregou um
cartão para que eu usasse da forma que achasse melhor.
— Agora tudo isso passou, aquele infeliz está preso e vai queimar no
mármore do inferno. – Rahina proferiu e eu estremeci, ciente de que ela
tinha acertado em tudo ao ler a borra do meu café eu só esperava que ela
pudesse ler que eu seria feliz para sempre.
— A tenda… – Rahina olhou triste para nós.
— Totalmente destruída, não sobrou nada. – Hakim disse e eu senti a
devastação assolar meu peito. — Não se preocupe com isso, nós podemos
construir uma, dez, mil se necessário. – Vi Rahina sorrindo e emocionada
pelo que assistia, eu sabia que ela estava feliz por nós. — Construiremos
um novo futuro, te prometo.

[...]
Dois dias após o incidente, eu tive alta e quis chorar para não sair do
hospital, ciente que em casa os remédios prescritos não fariam o mesmo
efeito que os que as enfermeiras me davam para não sentir nada.
— Logo você se recupera. – Hakim tentou amenizar, ciente de que
minhas lamúrias eram pela dor que sentia pelos ossos quebrados e pelas
costas cortadas. — Você se sente bem para ir a uma consulta comigo?
— Consulta? – Ele fez questão de me sentar em uma cadeira de rodas,
meu braço estava junto do peito e preso em uma tipoia, o médico disse que
o osso voltaria ao lugar por si mesmo, e que era muita sorte não haver
fragmentos, caso contrário seria necessário uma cirurgia.
— Sim, acredito que não vamos demorar. – Eu fiquei apreensiva, com
seu jeito misterioso naquele momento, mas assenti e ele empurrou a cadeira
em direção a ala de consultórios. Não demorou muito e fomos guiados até
uma sala, onde uma médica nos atendeu. — Zara, essa médica descobriu
porque não conseguimos ter filhos, a culpa nunca foi sua, o defeito estava
em mim. – Abri a boca impactada e desviei os olhos de Hakim para encarar
a médica, que sorriu brevemente para mim.
— O esperma do seu marido está tendo uma redução, isso incapacita na
qualidade dele, digamos assim. – Senti meu rosto arder um pouco. — Ou
seja, eles não conseguem chegar até o óvulo. – Olhei para Hakim e para ela
novamente.
— Isso significa? – Eu fiquei apreensiva por questionar, e me senti um
pouco desconfortável por Hakim não ter me dito o motivo da consulta.
— Que a probabilidade de uma fecundação pelos meios normais é mais
difícil. – Meu coração falhou uma batida e eu agarrei a mão de Hakim, eu
preferia quando o defeito estava em mim, era mais fácil lidar, mas
inusitadamente ele parecia tranquilo.
— Então ele nunca vai poder ter filhos? – A pergunta saiu rasgando o
meu peito.
— Bem, podemos tentar um tratamento com medicação, para tentar
tratar o problema, mas eu acho mais viável uma inseminação. – Pisco várias
vezes, tentando assimilar todas aquelas informações.
A médica explicou todo processo e eu custei a entender, mas parecia
uma luz no fim do túnel e eu quis me agarrar a ela.
— Então temos chance? – Perguntei esperançosa, notando o sorriso sútil
de Hakim enquanto ele apertava a minha mão.
— Claro, as chances são boas. – Sorri sentindo que não podia ouvir nada
melhor que aquilo. Um filho, era o que mais desejava. Sai dali flutuando e
até mesmo esquecendo da dor que me afligia.
— Fez isso, por mim? – Eu continuava emocionada ao sentar no carro
para ir para casa dos pais de Hakim, enquanto a tenda não estivesse pronta
para nós.
— Eu te disse, lembra? Vamos construir um futuro novo, eu e você. – Eu
não sabia bem se chorava ou sorria, as duas sensações transbordavam
dentro do meu peito e era impossível dominá-las. — E sim, fiz por você,
porque para mim não havia problema se não houvesse filhos, você é o meu
tudo, eu não podia exigir mais nada para Alá. – E o sorriso de Hakim me
fazia crer em qualquer coisa, e entendi quando ele disse que o meu sorriso o
fazia ver um pedaço do paraíso, porque era exatamente isso o que eu sentia
agora.
EPÍLOGO

HAKIM - TRÊS ANOS DEPOIS

Não foi fácil como imaginei e por muitos momentos eu quis desistir,
principalmente quando eu via a tristeza da perda nos olhos de Zara.
Foram cinco negativos e um aborto espontâneo, eu sentia que podia
morrer naquele momento, mesmo que o bebê não tivesse nascido, nós dois
sentimos a perda dele e foi difícil tentar mais uma vez. Eu senti que já
estava chegando ao meu limite, e passamos um ano sem mencionar a
palavra filhos dentro da nossa tenda, até que aquela mulher de cabelo rosa
apareceu uma noite, carregando um bebê e eu vi que seria impossível para
Zara viver sua vida ou a nossa sem que tivéssemos um também. A mulher
não tinha mais cabelo rosa, seu cabelo agora estava em um tom de castanho
claro e ela parecia fugir, mas nós a acolhemos em nossa tenda até o dia que
ela decidiu ir embora com seu bebê.
Aquela criança acendeu em Zara a esperança, o que não foi bom, pois
logo ela tentou mais uma vez inserir uma segunda esposa em nossa vida e
parecia irredutível.
Eu sabia que ela me amava, sabia que faria tudo para que eu tivesse as
portas do paraíso abertas, mas era demais para mim e mesmo sabendo que
não aceitar outra a magoava, eu não voltei atrás, por fim, ela entendeu que
eu tinha limites e não tentou ultrapassá-los novamente.
Até que ela simplesmente aceitou, que podíamos ser sim uma família de
dois, que nada me faria ser menos ou mais feliz do que já estava, pois eu
transbordava de tantas sensações boas, mas Alá era o detentor do nosso
destino e fomos abençoados não com um, mas com três bebês.
Agora eu os observo tropeçar na areia com passos vacilantes devido a
suas pernas curtas e gordas, eles olham para mim e me trazem sentimentos
à tona, que nunca pensei existir e finalmente entendi os motivos de Zara,
nada se comparava ao amor que aqueles bebês me devotavam. Eles abriam
seus olhos pela manhã e sorriam para mim como se eu fosse a única pessoa
no mundo para elas. Mas claro que eu era a segunda, já que eles logo
recorriam aos braços de Zara exigindo o leite de seu peito.
Eu ainda lembro do susto que tomamos quando a médica apontou no
monitor da máquina, que teríamos três bebês, duas meninas e um menino.
Eu nunca chorei como naquele dia e Zara ficou aflita por dias, temendo
pelos bebês que cresciam dentro de seu ventre. E eu rogava de joelhos e
rosto colado no chão, para que eles pudessem ser nossos, para que eles
nascessem saudáveis e que pudéssemos segurá-los em nossos braços.
— Hakim! Sarah está comendo areia! – Zara exclama me tirando dos
meus devaneios e corre para pegar a pequena levada do chão, enquanto me
adianto a captura de Khaled e Nura, que já estavam a ponto de alcançar os
camelos, que olhavam curiosos para os pequenos bebês com menos de um
metro cada um. — Pelo profeta! – Os três tinham as bocas sujas com areia
do deserto e Zara passa de furiosa para um sorriso contagiante ao tentar
segurar a pequena em seus braços.
— As pessoas vão pensar que não alimentamos essas crianças. – Ela
olha para mim e os bebês que tentavam escapar dos meus braços também.
— A frase: comer tudo que vê pela frente realmente se adequa a eles. –
Sorri enquanto segura as bochechas de Sarah com uma mão, apertando e
beijando-a até ouvir um grito de irritação da menina, que agora tenta tirar a
roupa da mãe para alcançar o peito. — Veja só. Quer mesmo engolir a areia
com um pouco de leite? – Pergunta recebendo um sorriso com os dentes
contados. Eu nunca imaginei que bebês com menos de dois anos pudessem
agitar tanto a vida de nós dois.
— Pode ser nutritivo. – Zara gargalha quando sinalizo para que
entrássemos. O sol já estava se pondo e os bebês ficavam ao lado de fora da
tenda apenas em dois momentos do dia.
Eu havia construído a nova tenda em um ponto diferente da anterior, não
queria que Zara recordasse daquele dia. Até tentamos morar na casa dos
meus pais por algum tempo, mas ficou claro que para mim e para ela, não
havia lugar melhor que o deserto, ele era completamente nosso, nosso
paraíso particular e isolado do resto do mundo.
Eu embalo as duas meninas até que elas fiquem com o corpo mole em
meus braços, enquanto o pequeno Khaled prossegue no peito da mãe,
esperando a sua vez de ser ninado. Talvez minhas costas não suportem o
peso deles à medida que forem crescendo, mas eu sei que não há momento
mais oportuno para aproveitar o aconchego de seus corpos pequenos contra
o meu.
— Venha. – Seguro a mão de Zara e a puxo para fora do quarto onde os
três dormem juntos em um berço adaptado para gêmeos travessos.
— Oh… para onde? – Questiona curiosa, largando o celular em um
canto, no qual conversava com ‘Hana, que agora está estudando em uma
das melhores faculdades de Londres, planejando vim ver os sobrinhos no
mês em que o inverno por lá é mais rigoroso.
— Apenas venha. – A arranco do chão e ela contém o grito surpreso que
quer escapar de seus lábios.
A coloco no chão quando alcançamos a grama do oásis, o nosso pedaço
de paraíso naquele deserto.
A prisão de Mustafá há três anos tirou dos meus ombros um assassinato,
fazendo com que os negócios em M’hamid voltassem a fluir e a expansão
da melhor carne de camelo ir além das três cidades, atingindo boa parte de
toda Marrocos. Claro, as pessoas ainda olham torto para mim, mas eu ando
de cabeça erguida, a opinião deles não me importa e seus julgamentos
nunca mais seriam suficientes para me fazer desistir dos meus sonhos.
Tiro a túnica que vestia e a solto no chão, em seguida afasto o cabelo de
Zara de seus ombros, notando o quanto ela está tonta de desejo. A ver assim
me leva à beira da loucura, a tortura me faz querer agir feito animal. Olho
em seus olhos cor de avelã, e deslizo a alça fina de seu vestido, a despindo e
não ficando surpreso ao constatar que por baixo dele ela está inteiramente
nua para mim, apenas a lua cheia será nossa testemunha, pois o seu brilho
apaga o brilho das estrelas e a luz dela contra a pele da Zara é algo surreal.
Circundo sua cintura com um braço e a atraio para junto de mim,
pressionando meu pau contra sua virilha, para que ela veja o quanto eu
estou desesperado pelo contato de nossos corpos, pelo toque de suas mãos e
os beijos de sua boca macia. Agarro seu peito e o aperto, saboreando o
gemido que escapa de seus lábios, eles estão sempre cheios e pesados, com
veias destacadas na pele morena. Eu adoro vê-los e acariciá-los e sei o
quanto ela adquiriu uma sensibilidade gritante após os trigêmeos, isso me
enlouquece e quase me faz gozar em minhas calças.
A beijo até sugar todo seu ar e a sinto languida em meus braços e
sedenta pela penetração, mas ao invés de a deitar sobre a grama, afasto suas
pernas e me enfio bem fundo dentro dela, tiro a calça que veste e a puxo
para dentro do oásis, sentindo o frio da água arrepiar minha pele quente.
Coloco seus braços ao redor do meu pescoço e beijo seu rosto, lambendo a
pequena covinha de sua bochecha e em seguida mordendo seu pescoço. Eu
sinto seu corpo magro, mas com muito vigor, pois mesmo sabendo que
amamentar três bebês com quase dois anos, deve ser exaustivo, mesmo
assim, ela sempre está pronta para mim.
— Hakim… – Geme quando eu simulo uma penetração com meus
dedos, me contendo para não gozar quando sua mão agarra meu cacete
quente como se uma febre me assolasse. — Por favor… – Implora com sua
voz rouca de desejo, enquanto eu massageio seu clitóris e acaricio seu corpo
molhado dentro da água. Zara fecha os olhos e geme alto, e ver seu corpo
estremecer me deixa maluco, eu a quero como na primeira vez em que a
fodi nesse mesmo lugar.
A seguro com firmeza e a carrego até a margem, a acomodando sobre a
grama e despertando seu corpo novamente. Minha língua lambe as gotas de
água em seu corpo até alcançar sua boceta e sugar seu gozo, a fazendo
gozar novamente agora em minha boca, enquanto grita pelo meu nome.
Aperto seu mamilo com a ponta dos meus dedos e sinto o leite saindo deles,
quente e fluido.
Afasto minha boca e abro mais as suas pernas, segurando meu pau bem
na base, ele está muito duro e inchado, tremo e exijo o aconchego de suas
dobras lambuzadas pelo seu gozo e minha saliva. A belisco de leve no
clitóris, ela me fita, ciente de que eu quero sua atenção, e seus olhos descem
até chegar no meu pau, pronto para a investida. Eu o guio até a sua entrada
e observo sua boceta ir cedendo e me engolindo, vendo quando a glande a
preenche, reteso meu maxilar e fito seus olhos cor de avelã. Eles estão tão
brilhantes de desejo e cheios de promessas que me enfio em uma só
investida, sentindo seu corpo vibrar e sua boceta esmagar meu cacete. Isso é
a minha perdição, o meu encontro e eu morreria por ela e viveria por ela.
— Olhe para mim, habibti, olhe para mim. – Estoco com força e vigor,
até sentir meu corpo se partido em um clímax intenso.
Eu sei que tínhamos poucas ou quase nenhuma hora para nós, mas todos
os segundos que eu passo com ela em meus braços é único e especial.
Eu nem sei se ela está ciente da nossa saída dali, mas a carrego de volta
para tenda, apertando seu corpo contra o meu, sabendo que carregava meu
mundo inteiro nos meus braços.

ZARA – 2 ANOS DEPOIS

Eu sinto os olhares das pessoas quando passamos pelas ruas de Londres,


é o final do inverno e ficou decidido que viríamos com os trigêmeos para a
formatura de ‘Hana, ela agora é alguma coisa que eu não consigo assimilar,
mas parece ser importante, então eu achei que vir era muito importante, já
que dentro do meu coração ‘Hana sempre será como uma filha para mim e
eu tenho orgulho da mulher que ela se tornou, mesmo que tenha
abandonado de vez os costumes e até mesmo nossa religião.
— Para onde estamos indo? – É estranho andar com agasalhos pesados e
segurando a mão de Hakim, mas é bom demais e eu imagino que nada
podia ser bobo e bom ao mesmo tempo.
“Verá, quando chegarmos lá”. – Ele usa os sinais para que eu pudesse
compreender, já que andávamos apressados afim de sair o quanto antes do
frio das ruas. Adentramos em um prédio e me surpreendo ao encontrar
Kaysar ali, ele se afasta de um grupo e vem até nós.
— Salam Alekum. – Beija o rosto de Hakim e sorri para mim. Olho em
volta, o lugar é muito bonito, com poltronas brancas e luz ambiente, a
parede atrás de nós é inteiramente de vidro e eu notei que era um prédio alto
o suficiente para ter que erguer muito meu queixo e ver seu final. — Por
aqui, já estão esperando. – Eu fico apreensiva, mas Hakim aperta meus
dedos enluvados e sorri, me dando confiança.
Entramos em uma sala grande, com uma mesa longa de vidro, dois
homens vestindo jaleco branco como neve vem até nós e eu não consigo
assimilar nada do que dizem, apenas aperto a mão oferecida. Fomos
acomodados em duas cadeiras e os senhores na faixa de cinquenta e
quarenta anos sorriem, por fim eu vejo alguns dispositivos sobre a mesa e
um crânio de mentira, nele também há o dispositivo grudado.
— Zara, esses doutores são cirurgiões otorrinolaringologistas, eles são
especialistas em implantes. – Kaysar inicia, falando devagar, como se eu
fosse uma criança.
— O quê…?
— Faremos uma avaliação na sua audição, tudo bem? – Vejo o médico
mais jovem questionar, olhando para Hakim, ele apenas sorri, e por fim
concordo. Leva algumas horas e nenhum deles me explica direito o que está
acontecendo. Ao final de todos os testes, voltamos a sentar naquela sala
austera e o médico parece confiante.
— Isso é um implante coclear. – Mostra o objeto. – Faremos uma incisão
pequena atrás da sua orelha, é muito simples, uma parte fica interna, e outra
externa. – Mostra a coisa e eu apenas tento entender. — Assim você
conseguirá ouvir, enquanto o usar. – Abro a boca, surpreendida.
— Eu… eu… – Olho do médico para Hakim e ele está emocionado. —
Tem certeza?
— Sim. – Eu não queria acreditar naquela possibilidade, mas ela estava
me deixando desnorteada. — Está pronta?
— Agora? Faremos agora? – Ele confirma. — As crianças? – Me virei
para Hakim.
— Elas vão ficar bem, ‘Hana se ofereceu para ficar com elas pelo tempo
que fosse necessário. – Eu não quero ficar apreensiva e nem esperançosa,
afinal, estou habituada à minha situação e não pensei em revertê-la.
— É uma cirurgia rápida, em duas horas você já estará no apartamento. –
Explica o médico. — E amanhã já pode ir para casa. – Olho para todos com
olhos marejados e aceito, mesmo temendo, eu queria.
Eu fui preparada e o médico explicou que seria administrada uma
anestesia geral, que me faria dormir durante o rápido procedimento. Eu
apaguei e sonhei com Hakim.
Ao acordar horas depois ele foi o primeiro que vi, sentia uma leve dor de
cabeça e um desconforto, havia um curativo em minha orelha e eu fiquei
nervosa por alguns segundos.
— Estou aqui, estou bem aqui. – Eu ainda não ouvia nada, o que havia
acontecido? Acabei apagando novamente, e pela manhã após o desjejum os
médicos entraram no quarto muito entusiasmados e eu li apenas que tinha
sido um sucesso, mas para mim não havia diferença alguma e começava a
questionar se eles realmente eram profissionais ou pessoas aplicando golpes
nas esperanças alheias.
O curativo foi retirado com cuidado e algo foi posto, quando o médico se
afastou ele olhava para mim em expectativa e olhou para Hakim, apontando
para mim. Hakim se aproximou, com olhos marejados, sentou ao meu lado
no leito, o que me deixou perdida, mas do que já estava.
— Oi, habibti, você consegue me ouvir? – Eu não consegui responder,
eu não conseguia sequer respirar, dentro da minha cabeça era claro, o tom
rouco e acentuado de sua voz, e logo os meus soluços, eu não sabia o que
sentir eu apenas chorei e agarrei seus braços, assimilando que sim, eu tinha
conseguido ouvir sua voz. — Acho que isso é um sim.
— Ótimo. Como disse, a cirurgia foi um sucesso. – Eu olhei para todos
ali, notando como era estranho ouvir depois de tantos anos em completo
silêncio. — Quando se sentir bem, pode ir para casa, já passamos todos os
cuidados para o seu marido. Boa sorte.
— Chukran, que Alá os abençoe. – Sorrio e cubro meus lábios, me
dando conta do tom baixo de minha voz e do quanto achei estranho o som
dela. Logo que os dois saíram Hakim me abraçou.
— Você não sabe o quanto esperei por isso. – Me afasta e olha para mim,
com tanto carinho que eu não consigo lidar com tudo aquilo. — Eu te amo,
habibti, te amo. – Beijo sua boca feliz demais para mensurar.
— Alá! Você não sabe quantas vezes eu quis ouvir a sua voz. – Eu digo,
segurando seu rosto entre minhas mãos.
— Feliz?
— Você não faz ideia.

Fim
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Casablanca: Homens Árabes 1

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Sinopse
Mali acreditava ter como família somente sua mãe, ambas viviam tranquilamente no Brasil até que a
mãe da moça caiu doente sem muitas perspectivas de melhora, no entanto, Mariah guardava um
segredo da filha, ela tinha pai e irmãos, segredo esse que revela apenas nos últimos instantes de vida,
deixando a menina sem saber se era verdade ou delírio.

Só que o destino acaba mostrando para Malika que, tudo aquilo que sua mãe contou no leito de
morte, era real, sendo logo em seguida sequestrada e arrastada para Casablanca uma das maiores
cidades do Marrocos, seu sequestrador é um "suposto" irmão mais velho, o qual quer obrigá-la a
casar com um homem desconhecido.
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