Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A NOIVA ERRADA
Spin-off da Série Homens Árabes
A família de Zara sempre foi muito pobre, mas seu pai acabou se
metendo em dívidas que não podia pagar, e não contava que ele
fosse oferecer sua irmã mais nova para o homem mais perigoso da
região.
Tudo estava se encaminhando para aquele fim, mas no último
minuto Hana foge, deixando seu pai sem outra alternativa a não ser
casar Zara com o noivo. Temendo pela vida do pai, ela se casa com
o desconhecido e roga para que ele não mate os dois quando
descobrir a troca e o segredo que ela precisa esconder dele.
Após um acidente trágico, Hakim ficou com parte do rosto
desfigurado, o que fez com que as pessoas lhe lançassem olhares
tortos durante toda sua vida. Isso faz com que o ódio se aloje em
seu peito e que sinta desprezo por tudo e todos.
Mesmo tendo uma péssima reputação, ele precisa de filhos e vê no
pagamento pendente a oportunidade perfeita para se casar com uma
moça jovem e bonita, oferecida por um pai desesperado.
O que ele tinha a perder?
Enganado, descobre no dia seguinte a núpcias, que trocaram as
irmãs, decide ficar com a noiva errada por um mês, já que ela podia
estar gerando um filho seu, caso contrário, a repudiaria e a jogaria
ao vento, sem remorso, afinal, ele nunca tinha sido feito de tolo até
aquele momento.
Amar os outros é a única salvação individual que conheço:
ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em
troca.
Clarice Lispector
PRÓLOGO
ZARA
Eu tinha oito anos quando a minha mãe morreu e não tive tempo para
chorar, pois precisei me tornar útil e cuidar da minha irmãzinha. Ela me
arrancava sorrisos nos momentos mais tristes, com a inocência que só
crianças muito pequenas têm. Eu tive que me tornar forte por ela.
Minha irmã parecia uma bonequinha e via em mim mais do que uma
irmã mais velha, chegando muitas vezes a pensar que eu fosse sua mãe,
sendo que na realidade eu era uma criança cuidando de outra. Nosso pai
trabalhava e fazia de tudo para manter nós duas, mas eu sabia que no fundo
ele apenas esperava o dia em que nos tornaríamos maduras o suficiente para
que ele pudesse se livrar do fardo que é ter duas filhas mulheres.
— Eu quero brincar Zara, por favor! – Eu olho para ‘Hana com atenção,
e percebo que a voz dela parecia estar falhando. Sacudo a cabeça e volto a
olhar para o almoço que fazia. Nossa casa era pequena, sem nenhum luxo, e
como baba está sempre negociando tapeçarias no mercado ou mostrando a
cidade aos turistas, então eu precisava fazer tudo, inclusive, distrair 'Hana,
que agora com sete anos estava cada dia mais levada.
— Não tenho tempo, talvez mais tarde, vá fazer suas atividades. – Notei
que minha voz também parecia sumir, mas desconsiderei. Ela franziu o
cenho enquanto me olhava com atenção. — ‘Hana!
— Eu queria sair um pouco, ver as estrangeiras de olhos claros. – Era
impressionante como aquelas mulheres conseguiam ter a pele límpida e os
olhos tão absurdamente lindos, que parecem joias.
— Baba chega a qualquer minuto, eu não posso atrasar o almoço. –
Retruco, a deixando mais triste. Nosso pai não queria que saíssemos de
casa, principalmente pelo fato de ter muita gente estranha rondando a
cidade, mas o movimento atraía ‘Hana e eu não sabia mais o que fazer para
a convencer a ficar quieta.
Eu também achava bonito e até assistia alguns programas na televisão
pequena que tínhamos, na maioria das vezes eram os filmes românticos que
me faziam sonhar. Eu esperava que quando minhas regras viessem Ab'
escolhesse um homem que pudesse ser bom para mim, mesmo que as
chances de ser alguém jovem fossem quase nulas, já que as famílias boas
não queriam ter envolvimento com famílias como a nossa, pobres e sem
nome.
Por isso eu me contentaria se fosse alguém bom e justo. Orava para Alá
me abençoar, pedia com fervor que meu marido me deixasse cuidar da
minha irmã, nosso pai não era amável e por vezes parecia esquecer que
éramos suas filhas. Talvez baba pensasse em uma boa forma de conseguir
um dote generoso com os nossos futuros casamentos.
Eu suspiro e o vejo entrar em casa, com suas roupas um pouco sujas de
terra e o cabelo ensebado. Ele mudou desde que nossa mãe morreu, mas não
sei se pela dor que precisou lidar ou por sermos realmente um fardo difícil
demais de carregar.
— Zara! – Me adianto em ir até ele, tirando de seus ombros o peso da
sacola que carregava e a deixando cair no chão. — Me prepare um chai e o
meu narguilé. – Apenas obedeço, enquanto ele tira as sandálias de couro
que calça e as larga ao lado da entrada, se jogando sobre as almofadas da
sala, se acomodando entre elas.
Abro o pequeno pote com a essência e vejo que está vazia. Fecho e
penso, se deveria adiar o anúncio da falta do tabaco enquanto preparo o
chai, mas concluo que estaria apenas adiando o inevitável.
— Acabou a essência. – Ab' se volta para mim e noto em seu semblante
que a culpa, de ter acabado, é minha.
— O que está esperando menina, vá até o mercado e me consiga mais,
sabe que não consigo comer antes de fumar um pouco. – Fico esperando
que me dê o dinheiro, mas ele nem faz menção de vasculhar as roupas. —
Coloque na conta. – Diz por fim. — Rápido.
Visto meu hijab e saio apressada, seguindo a passos largos em direção a
tabacaria. O barulho parecia ter diminuído naquela manhã, geralmente os
sons eram ensurdecedores, essa era a pior parte de morar perto do mercado.
Bom, pelo menos estávamos longe das bancas de peixe.
Atravessei a rua junto com uma confusão de gente e parei do outro lado,
vendo um grupo de estrangeiros olhando um mapa e apontando para os
lugares. Eu fiquei encantada com as moças de cabelos loiros e peles
brancas, me perguntando se tinham olhos verdes ou azuis. Pensei em me
aproximar e conferir, para quando retornasse para casa, eu pudesse contar a
‘Hana sobre o que tinha visto. Eu entendia algumas palavras de inglês, mas
eram bem poucas, e tinha o sonho de conhecer o estrangeiro, já que pela
televisão tudo parecia tão bonito.
Chegando à tabacaria, notei que um dos cavalheiros me olhava com
tamanha atenção que chegava a ser incômodo e olhei para as minhas roupas
largas para ver se tinha algo de muito revelador, já que elas eram de
segunda mão e eu precisei fazer alguns ajustes para que me caíssem bem.
Ajeitei meu hijab, pois talvez meu cabelo estivesse aparecendo e isso seria
um tremendo problema. Apesar de não ter tido minha primeira regra, eu
usava o hijab, me sentia bem com ele.
Pedi a essência e o dono reclamou por um longo tempo da dívida que
meu pai tinha com ele e fiquei com medo de que se ele se recusasse a me
vender, meu pai me castigaria ao chegar em casa.
— Aqui, fica por minha conta. – O senhor, que antes não desviava os
olhos de mim, silenciou o dono ao colocar algumas notas de dirham sobre o
balcão. Eu fiquei temerosa, sem saber o que fazer, nunca havia conversado
com estranhos, principalmente homens.
Minha voz sumiu quando peguei o embrulho e sai sem conseguir sequer
agradecer. Estava tão nervosa, que praticamente corri de lá e somente voltei
a respirar aliviada quando alcancei certa distância, voltando a caminhar
enquanto apreciava os estrangeiros que passeavam pela Medina. Em algum
momento do caminho, senti uma sensação estranha, uma que nunca havia
sentido antes e ao olhar para trás, vi que estava sendo seguida de perto pelo
mesmo homem do mercado.
Ele me alcançou rápido, com apenas dois passos e segurou meu braço.
— Seu pai nunca te ensinou a ser educada? – Nervosa eu deixei o tabaco
cair enquanto ele me puxava em direção a uma parte mais afastada da rua
principal. — Estou pensando seriamente em oferecer um bom dote por
você.
Aterrorizada com a possibilidade que se apresentava, eu me soltei de sua
mão e corri. Corri como se fosse o dia do julgamento final e o meu medo
era tanto que eu nem pensei em olhar ao atravessar a rua principal, e sequer
tive tempo de gritar quando um carro de aluguel buzinou, me atingindo logo
em seguida, e jogando meu corpo para longe.
HAKIM
ZARA
[...]
Conseguia ver o terror nos olhos de 'Hana, e isso dilacerava minha alma.
Eu não entendia o que estava acontecendo naquele momento, só sabia que
os dois discutiam.
Baba não perdeu tempo em a colocar a par de tudo, e desde então, eu
não consegui mais acompanhar o que um dizia para o outro, porque eu
também estava assustada.
Parecia irreal toda aquela situação, eu custava a acreditar que nosso pai
houvesse de fato selado a união da filha mais nova sem sequer me consultar
antes. Apesar de termos apenas oito anos de diferença, 'Hana era quase uma
filha para mim, e todo cuidado que lhe guardei, deviam ser suficientes para
eu ser a pessoa a qual ele conversaria sobre isso.
O silêncio dentro de mim nunca foi tão sufocante como agora, eu queria
gritar, e saber o que se passava entre os dois a minha frente, queria implorar
para que Baba não entregasse o amor da minha vida a um desconhecido.
Era cedo, muito cedo e eu sabia que ela não estava pronta, eu não estava
pronta.
'Hana voltou a subir as escadas correndo, e notei que ela estava
chorando, aquilo me partiu o coração. Eu me sentia impotente quando ela
chorava e sempre a acalentava para que não ficasse triste, mas agora, até
mesmo eu, queria chorar.
— Zara, está decidido. – Baba parou diante de mim e vi a determinação
em seus olhos, sinal de que a culpa o tinha abandonado e que agora ele
estava certo de que era a coisa correta a se fazer. — Após o casamento de
sua irmã, eu encontrarei um bom marido para você.
— Baba... – Eu queria suplicar, mas não conseguia, simplesmente não
conseguia.
— Estou cuidando de vocês, não terão minha proteção para sempre,
estou velho e… – Busco seus olhos para tentar ler o que eles querem dizer.
— Vocês vão ficar bem. – Diz não muito confiante. — Providencie as
roupas de sua irmã e tudo o que ela quiser levar. – Eu estava em uma
espécie de transe.
Eu me apressei em subir para meu quarto e encontrei 'Hana deitada em
sua cama, com seu corpo tremendo pelo choro, e me sentei ao seu lado,
afagando suas costas. Ela se levantou rápido me abraçando e eu a apertei
com força, consolando nós duas. No entanto, 'Hana logo se afastou e
parecia ter algo em mente.
— Eu não vou me casar. – A firmeza em sua sentença me deixou
preocupada.
— Baba está certo 'Hana, você já tem idade para o casamento, e ele sabe
o que é melhor para você. – 'Hana me encara com desgosto, nada feliz em
me ouvir dizer aquilo.
— Não com aquele homem, me caso com qualquer um, menos com ele.
– Sinto um vinco se formar em minha testa, sem entender bem o que ela
queria dizer. — Ele me vendeu para aquele nômade do deserto. – Meu
coração falha uma batida ao ler seus lábios.
Todos na pequena cidade ouviram falar do nômade de rosto desfigurado.
'Hana o tinha visto há algum tempo, quando havia saído com Baba para
comprar tecidos, e ela ficou tão horrorizada que tremia um pouco quando
chegou em casa. — Eu não posso... Como viverei com um homem daquele?
Eu morrerei Zara, morrerei! – Sacudo a cabeça para que não continue a
falar tanta besteira.
— Baba não a entregaria sem a confiança de que vai ser bem tratada
pelo seu noivo. – Seu rosto fica retorcido de raiva.
— Que confiança? Zara, ele deve dinheiro àquele infeliz e eu sou o seu
objeto de barganha. – Apontou a si mesma. — Se ele me obrigar a casar
com aquele homem eu me mato, ouviu bem?
— 'Hana… – Fico aflita diante da menção a suicídio. — Tudo vai ficar
bem, eu prometo. – Tento amenizar, mas ela me afasta, como se eu fosse
alguém que ela não quer ter por perto naquele momento. Eu não sabia o que
dizer, ou mesmo o que fazer e me magoou sentir sua rejeição naquele
instante.
Ela se deitou, virou de costas, não me dando abertura para falar mais
nada. Eu precisava convencer Baba de que não havia como ter um
casamento e que ‘Hana não suportaria viver com alguém de quem sentia
repulsa.
A olhei por mais alguns instantes, ali encolhida e desolada, sem saber o
que fazer ou dizer, por fim, a deixei sozinha. Desço direto para a cozinha, e
quando começo a preparar o jantar, vejo que nem consigo ver direito o corte
das cebolas. Poderia dizer que elas é que estavam me fazendo chorar, mas
não eram. Eu estava a ponto de perder minha irmã, mesmo que soubesse
que o dia logo chegaria, não esperava que fosse agora.
O que eu faria sem ela?
O jantar com certeza não foi um dos melhores que fiz, mas sabia que
'Hana não desceria para comer e eu estava com a boca amarga demais para
mastigar o que quer que fosse.
Percebo que Baba entra em casa, e vai se sentando à mesa, me apresso
em o servir.
— Vou chamar 'Hana. – Digo e o vejo apenas confirmar com a cabeça,
enquanto já começava a comer com as mãos, sem esperar por nós. Bato de
leve na porta e entro, me surpreendendo por não a encontrar ali. Meus olhos
recaem sobre sua cama, onde havia uma página destacada de seu caderno de
desenho, corro até ele, com meu coração nas mãos.
ZARA
Meu corpo inteiro tremia, de puro pânico. Nada fez baba mudar de
ideia, e no dia seguinte após a fuga de 'Hana, ele levou os meus documentos
ao cartório e me casou com o noivo que era para ser da minha irmã. Não
haveria festa, nem nada, o noivo quis apenas a formalização com as
HAKIM
Eu sentia que talvez não fosse ser capaz de parar com aquilo, sentia
que precisava de mais, mesmo que meu corpo agora estivesse cansado e que
meu cacete estivesse mole. Porém levanto e procuro minhas roupas pelo
chão, faltava apenas meia hora para o sol se erguer e eu não tinha tempo
para aproveitar sequer o meu casamento.
Sabia que agora viria a parte difícil, e que talvez eu me odiasse dali por
diante, afinal, eu tinha me casado com uma bela jovem e perfeita aos olhos
de qualquer um. Então, quando ela me visse pela primeira vez, eu não
suportaria o medo ou o nojo que veria em seus olhos e talvez isso me
fizesse nunca mais querer procurar seu corpo.
Nossa primeira noite foi intensa, eu não imaginava que fosse assim,
afinal, que experiência eu tinha? Sabia que tinha que me enfiar dentro dela
e jorrar minha semente bem fundo, então o fiz várias vezes seguida para
que a semente ficasse e um filho viesse de primeira, assim estaria bom para
mim e para ela. Eu sentia meu pênis doer e ele estava esfolado, e por muitas
vezes, durante aquela noite, eu me arrependi por não ter procurado
mulheres antes.
Mas eu não pensava muito em sexo, então nunca foi problema estar com
quase trinta e nunca ter me deitado com nenhuma mulher. Seria fácil
continuar no celibato dali em diante, pois sabia que não seria bom lidar com
a rejeição da minha esposa assim que ela visse minha maldita cara.
Calçando minhas botas, percebo o movimento dela na cama. Talvez para ela
fosse um alívio não precisar se deitar comigo novamente, já que ela chorou
igual as fêmeas de camelos quando cruzam.
— Você tem dez minutos para ficar pronta e se despedir do seu pai. – Me
levantando, noto que ela não me respondeu, e talvez queira fingir que está
dormindo, mas eu sei que não está. — A viagem até minha casa é longa e
eu não quero me atrasar, tenho muitas coisas para resolver ainda hoje.
Nada, simplesmente me ignorou. A claridade ainda levaria um tempo
para entrar no quarto e eu não queria acender a luz e a fazer me encarar
agora, no entanto, quanto tempo poderia adiar? O que estava feito estava
feito. Eu precisava de uma mulher para gerar filhos e consegui da melhor
forma, já que nenhuma família aceitaria a mim como genro e suas filhas de
queixo em pé nunca diriam sim. — Eu sei que não está dormindo.
Minha paciência parecia se esgotar cada vez mais rápido e ao vê-la puxar
os lençóis para se cobrir, foi o estopim para mim, pois ela estava realmente
me ignorando, e pelo jeito ela já sabia quem eu era, ou quem sabe já
houvesse me visto. Eu sei que aceitar aquela proposta de quitar a dívida do
velho com o casamento foi péssima, mas quando a vi, eu não relutei em
aceitar, afinal, era a minha chance de conseguir um casamento com uma
noiva perfeita. Mesmo sabendo que lidaria com a rejeição, que inclusive
estava acontecendo agora, fiquei furioso, e com meu sangue fervendo de
raiva, fui até a parede ao lado da porta e soquei a coisa que acendia a luz.
Se fosse para ver sua cara de espanto, que fosse de uma vez, afinal eu me
casei com ela e a teria para sempre, mas logo que meus olhos se acostumam
a claridade súbita, eu percebo que tem algo de errado. A esposa que
comprei com a quitação de uma dívida, se afasta assustada, e me olha com
seus olhos castanhos cheios de lágrimas, e eu vejo que ela não era quem eu
queria, longe disso, era outra mulher ali, alguém que nunca havia visto em
toda minha vida.
— Quem é você? – O queixo dela era pequeno e tremia, se cobria como
podia, mesmo assim eu via suas pernas e notei que em sua coxa direita
havia uma cicatriz imensa que ia do joelho a seu quadril. Eu a olhei
horrorizado, me sentindo… enganado. Sim, era como eu me sentia, eu
nunca havia sido enganado quando se tratava de negócios, principalmente
quando envolvia muito dinheiro e o velho me devia uma pequena fortuna,
por isso aceitei o casamento, por saber que a noiva valia aquilo e um pouco
mais. Me aproximei a passos largos e a segurei pelo braço, a arrancando da
cama. — Quem é você? – Gritei contra sua cara.
— Por favor… não me machuque… – Implora e eu a solto, me dando
conta da minha agressividade. No mesmo instante ela cai no chão, suas
pernas parecem não sustentar o próprio corpo e noto que sua pele está suja
com sangue. Olho horrorizado para aquilo, e noto que a cama também está
suja, nada comparado ao lençol branco que levei até seu pai, que continha
uma mancha pequena de sangue, não, a mancha era maior, parecia que eu
havia esquartejado alguém ali.
Perceber que eu é que havia feito aquilo, me fez ficar sem saber o que
fazer, e a raiva que sentia parecia ter sumido. Eu finalmente me senti o
monstro em todo sentido da palavra. Desnorteado, tentei puxar o ar para
respirar e ele não vinha, olhar para aquela cama, com os lençóis sujos, me
fazia querer sair dali e não olhar para trás. A mulher que caiu, era a minha
esposa e eu a tinha dilacerado feito animal. Me aproximei e vi seu corpo
enrijecer, e por um momento eu pensei que devia sim, sair, e nunca mais
voltar, mas me inclinei, a peguei em meus braços e a deitei sobre a cama.
Evitando olhar para seu corpo quase nu, a cobri e vi a dor em seus olhos,
enquanto chorava e olhava para mim, sem entender nada. Eu mesmo não
sabia o que pensar e me senti perdido.
Não havia espanto, medo ou repulsa neles, apenas dor. E isso me matou.
Me afastei, e sai do quarto, notando que minhas mãos tremiam e que minha
boca amargava. Nunca a palavra monstro reverberou tanto em minha mente.
Era a minha voz que me condenava dessa vez.
Desci as escadas e ao ver meu sogro, a raiva retornou, então o agarrei
pela túnica e o empurrei contra parede.
— Você me enganou! – Rugi contra sua face.
— Me perdoe Hakim, por favor. – Eu queria o matar agora, por ter me
feito de idiota, por ter me enganado e por tudo mais, no entanto, aquele
olhar que recebi de sua filha, estava estampado na minha cabeça. — Ela é
uma boa moça, pode não ser jovem como a irmã, mas será uma boa esposa
para você, eu prometo.
— Eu devia te matar. Onde está a noiva que me prometeu? Mentiu para
mim dizendo que era sua filha? – O sacudi e quase o ergui do chão.
— La, não... não, ela fugiu. – Ouço sua explicação aos gaguejos.
— Como se atreve!?
— Me perdoe, por favor, não faça nada para machucar minhas filhas. –
O analiso com ódio redobrado. Como podia colocar sobre as filhas o peso
de seus erros?
— Solte o meu pai! – A voz era vacilante, mesmo assim tinha um certo
tom de ameaça nele e quando me virei eu a vi. Ela parecia que iria cair ali
mesmo a qualquer segundo, mas não parecia que voltaria atrás. — Agora! –
Exigiu, com seus olhos ainda cheios de lágrimas. Vestia um vestido branco
que a cobria por inteiro, mas seu cabelo cacheado e longo estava solto e eu
sabia que tinha um cheiro maravilhoso de frutas silvestres. — Não
machuque meu pai… eu faço o que você quiser… faço tudo… só não o
machuque.
Soltei o homem que tremia e talvez me arrependesse disso, mas algo em
seu tom me fez seguir o pedido e o alívio de o ver livre de mim, foi
evidente. — Obrigada.
— Hakim…
— Cale-se velho, antes que eu me arrependa e o mate aqui mesmo. – Ele
se encolheu e se afastou de forma apressada. Sua filha, não aguentando
sustentar o próprio corpo, se sentou, perdendo um pouco da cor do rosto. —
Eu estou voltando atrás com minha palavra, você terá que me pagar metade
do que deve, já que me enganou ao me entregar a noiva errada.
— O quê? Não, eu não tenho…
— Acha que está em condições de negociar? Eu fui enganado, essa
mulher não foi a que me prometeu. – Aponto para sua filha, que
aparentemente é mais velha do que a moça que vi no mercado uma vez, mas
havia semelhança entre elas e isso eu não podia negar, ambas eram bonitas.
— Aceite, caso contrário eu repudiarei sua filha e a honra dela nunca mais
será recuperada.
— Por favor… – O encaro furioso, aquele velho estupido estava
pensando que podia continuar a me fazer de idiota? — Está bem, eu só peço
um novo prazo.
— Você tem um mês, o tempo que sua filha tem para ficar prenha, caso
contrário a devolvo e exigirei meu dinheiro com juros. – O vejo engolir em
seco e sua filha arregalar os olhos. Ela me olha com atenção, não desviando
os olhos um segundo sequer e isso está me deixando desconfortável. Qual é
o maldito problema dessa mulher? — Ou será que já devo deixá-la aqui?
Afinal, quantos anos ela tem? Ainda pode gerar filhos?
— Claro que sim, claro que pode. – Disse não muito confiante. Eu não
podia me arriscar levando alguém defeituoso igual a mim.
— Eu tenho vinte e sete anos, e acredito que meu pai vai honrar com sua
parte. Não é? – Sua voz é muito baixa, mesmo estando fraca, ela parecia
firme e após encarar o pai, voltou a olhar para mim, o que me fez desviar os
olhos dos seus. Ninguém nunca me encarava por tanto tempo, o pai dela
mesmo, desviava os olhos a cada segundo.
— Sim, Alá é minha testemunha, apenas preciso de tempo. – Voltou a
pedir.
— O tempo foi dado da primeira vez e você não cumpriu, sabe muito
bem que não perdoou devedores e já fui benevolente mais que o suficiente
com o senhor, então é isso ou nada. – Ela segurou a mão do pai, em súplica,
o amava de verdade e aquele gesto tirou um pouco da minha estrutura. —
Vamos embora, não tenho tempo para perder com bobagens. – Rugi, pois
talvez eles quisessem isso, me dobrar para me fazer esquecer toda aquela
farsa que ambos tramaram. Eu me sentia o pior dos idiotas.
— Tudo bem. – Sussurrou. O que me fez ficar mais zangado. — Eu só
preciso… de alguns minutos.
— Não tenho minutos para te dar, e você não parece merecedora de nada
agora, então, pega logo suas coisas e vamos embora. – Olhou para mim
com atenção e somente depois de eu ter terminado de falar é que vi o medo
em seus olhos, mas era apenas para o meu tom rude e não para minha cara
feia.
Talvez ela fosse uma ótima atriz.
— Baba, por favor, você pode ir buscar minhas coisas? – Seu pai se
apressou em subir, talvez agradecido por não ficar em minha presença mais
do que o necessário.
— Não pense que vai me fazer de idiota novamente. – Resmunguei
cheio de raiva.
— Não passou por minha cabeça fazer nada parecido com o senhor. –
Encaro ela, buscando por algum indício, mas qual, eu não sabia, só que não
me agradava muito o jeito que ela me olhava, eu me sentia… exposto.
— Aqui. – Sua bolsa não passava de uma sacola pequena a qual ela
colocou no ombro. — Zara, me perdoe.
Zara… o nome repercutiu em minha mente com muita intensidade, eu
estava tão concentrado em toda aquela situação absurda, que sequer havia
pensado em nada. Tudo o que eu queria era sair daquela casa e a deixar ali
mesmo, mas seria bom demais para aquele velho desgraçado.
— Tudo bem Baba, encontre a ‘Hana, e cuide dela. – Segurou a mão do
pai e a beijou rapidamente. Eu segui em direção a porta, pisando duro,
pensando que talvez fosse ouvir a zomba de alguns dos meus empregados,
pois me vangloriei de que traria para casa uma esposa jovem e perfeita.
Aquela que agora me seguia, era linda sim, mas trazia junto de si o peso
da mentira e eu sabia que não poderia confiar em um rosto bonito como o
dela. Mulheres costumam ser traiçoeiras e apostava que de frágil ela não
tinha nada, então teria que manter meus olhos abertos. Abri a porta do meu
carro e subi, tomando o volante e já ligando o motor do 4x4. Ela ficou o
olhando do lado de fora, parecendo não saber o que fazer, e sua cor sumiu
ao ponto de estar quase no mesmo tom do hijab que agora cobria seus
cachos.
— Eu não tenho o dia todo. – Resmunguei impaciente, mas ela pareceu
não me ouvir, então abri a porta e ela se afastou, olhando para dentro e me
encarando novamente. — Anda! Sobe logo! Estou com pressa!
— E-eu… eu…
— Qual o seu problema? – Rugi, talvez a levar não tenha sido um bom
negócio.
— Eu… não vou conseguir… subir. – Eu precisei me esforçar para ouvir
o que ela disse, já que o fluxo de pessoas começava a aumentar pelas ruas.
Se apoiando na porta, olhou para o banco alto e eu até cogitei ignorar aquilo
e a fazer entrar de uma vez por todas, mas abri minha porta e rodeei o
veículo, notando que para ela, o carro era alto, pois sua cabeça mal chegava
aos meus ombros.
Eu me senti desmontado ao lembrar de suas pernas sujas com o sangue, e
que eu era o responsável por ela mal estar se aguentando ali, de pé ao lado
do meu carro.
— Tudo bem. – Resmungo, a tomo nos braços e a sento no banco de
couro. Seu corpo fica rígido e ela mantem seus olhos adiante, mas percebo
que logo estava tremendo muito e que talvez precisasse de um pouco de
repouso.
Monstro! Repetia minha mente, me fazendo acordar. Eu poderia lidar
com os olhares de repulsa, mas não com a voz dentro de mim, e ela é que
havia despertado aquilo em mim, disso eu tinha certeza.
CAPÍTULO 4
ZARA
Eu me mantive firme, mesmo não sendo uma tarefa fácil.
Provavelmente meu corpo não aguentaria por muito tempo, e cerca de uma
hora depois, eu sentia lágrimas enchendo meus olhos. Aperto a minha bolsa
contra meu peito, e aos poucos, até meus braços pareceram perder a força.
Minhas pernas tremiam e minha intimidade latejava, por sorte eu não sentia
sangue fluindo, mas estava muito dolorida.
Dizer que não estava com medo era o mesmo que mentir. O jeito como
aquele homem ameaçou Baba me fez tremer todos os ossos do corpo. Eu
pedi a Alá, durante o percurso que ele fazia, que se eu tivesse que morrer,
que fosse logo, pois não aguentaria passar por tudo aquilo novamente.
Olho de lado para ele, e percebo seu corpo rijo. Eu nunca tinha visto um
homem tão alto como ele, seus músculos se destacavam nos braços cobertos
com uma fina camada de pelos negros, seus dedos longos estão em volta do
volante, o qual guia com segurança e mesmo naquele veículo grande, ele
conseguia se destacar com seu tamanho.
O lado de seu rosto, que eu conseguia vislumbrar, tinha uma longa
cicatriz, que vinha de sua cabeça, passava por sua testa, dividia a
sobrancelha ao meio e alcançava a maçã alta de seu rosto, seguindo para
seu pescoço e sumindo em sua túnica. Seu olho direito, era branco como
nuvens em um dia de sol e eu sabia que ele não podia ver, pois já tinha visto
muitos como aquele. A cicatriz puxava sua pele, a esticando, e não parecia
ser algo recente, mas eu sabia que os médicos não fizeram um bom trabalho
ali. A cicatriz da minha perna era longa, mas não havia tirado o contorno da
minha coxa, podendo até mesmo ser coberta por uma maquiagem, mas a
dele, a pele saltava em alguns pontos, de forma quase imperceptível, porém
se olhasse com atenção estava lá.
Eu desviava os olhos e voltava a olhar, atenta a qualquer possibilidade de
que ele falasse comigo, o analisando com atenção. Seus cabelos eram mais
compridos, talvez em uma tentativa de esconder as cicatrizes, e as madeixas
negras alcançavam seus ombros em ondulações perfeitas, diferente dos
meus, que dificilmente ficariam daquele jeito, mesmo se eu os alinhasse
com uma escova por horas.
— Chegamos. – Vejo ele dizer. Parecia que evitava me olhar e eu não
sabia o que fazer. Devia contar para ele que não ouvia nada? Ou esperar por
mais um dia? Eu temia que ele fosse me arrastar pela Medina e me entregar
feito nada para meu Baba.
Vejo ele descer e me dou conta de que o carro parou em uma área árida,
com uma tenda imensa, à nossa volta eu podia ver cercas e dezenas de
camelos, e mais além, o deserto traiçoeiro. A porta ao meu lado abre e ele
me segura em seus braços, surpresa já que eu não esperava que ele fosse me
ajudar novamente, talvez eu não esperasse por nada, mas fiquei feliz em
não descer daquela coisa sem ajuda.
— São tantos… – Digo ao notar que eram muitos camelos, e eles se
mesclavam com as dunas mais além.
— Venha. – Fechando a porta, seguiu a passos largos em direção a tenda.
A lona se sacudia e eu podia ver a areia junto com o vento. Parando bem na
abertura, que continha uma parte erguida, como se fosse um telhado de uma
varanda, ele ficou me olhando com um pouco de impaciência. Então, com
passos vacilantes, andei, mordendo meus lábios toda vez que meu pé tocava
a areia quente.
Eu sabia que dali em diante não seria fácil, que aquele homem era um
bruto que poderia me matar apenas com uma mão, mas eu precisava ser
forte, e seria, pois, só de pensar que havia livrado minha irmã de estar no
meu lugar, vivendo isso, deixava minha alma acalentada. Erguendo meu
queixo o encarei, e olhando bem no fundo de seu único olho bom, segui até
ele mesmo dolorida, mesmo querendo morrer. Quando consegui o alcançar,
cai aos seus pés e fui engolida pela escuridão da minha inconsciência.
[...]
Sinto algo frio contra minha testa e abro meus olhos. Uma senhora sorri
e afasta uma toalha branca de mim.
— Salam Aleikum. – Tento me sentar, mesmo com dificuldade, e a
senhora ainda me olha preocupada.
— Aleikum Al Salam. – Olhando em torno, vejo que a tenda tem móveis
e cortinas que pareciam servir de paredes.
— Eu preparei um banho para você, está bem quentinho e coloquei
camomila. – Sorrio contente com a ideia de me limpar, havia saído de casa
sem ter oportunidade de fazer nada.
— Gostaria muito. – Eu quase poderia chorar, mas sentia um pouco de
vergonha. — Eu sou Zara.
— Que nome lindo, assim como você. – Diz se levantando, me ajudou a
fazer o mesmo. Ela vestia roupas em um tom amarelo apagado, estava com
a cabeça coberta por um turbante em volta dos cabelos, e o corpo cheio com
seios fartos não pareciam diminuir sua agilidade. — Me chamo Rahina, e
estou aqui para te ajudar.
— Obrigada, Rahina, mas não precisava. – Seu sorriso gentil me encheu
o coração. Afastando a cortina pesada, vi uma banheira de estanho grande
no meio do local, que tinha um piso liso e cinza com alguns suportes para
toalhas e sabonetes. Podia ver o aroma de camomila subindo da água, que
estava morna quando a toquei, e agradeci por aquele gesto.
— Precisa de ajuda? – Eu queria dizer que sim, mas sacudi a cabeça de
um lado a outro, negando, e sorrindo ela me deixou sozinha. Tirei meu
vestido e a roupa de baixo, e conforme entrei, fiz uma careta e gemi de dor,
até que consegui sentar, o que foi um alívio instantâneo, e poderia ficar a
vida inteira com meu corpo mergulhado ali dentro. Enrolando meu cabelo
para que não ficasse completamente molhado, me recostei sentido o metal
contra minhas costas.
Eu nunca tinha entrado em uma banheira antes, e me sentia um pouco
estranha sabendo que aquela ficava em meio ao deserto e que uma lona
imensa me protegia do que estava do lado de fora. Pegando a esponja sobre
uma banqueta de ferro, esfreguei nela o sabonete que estava ali, inspirando
seu cheiro. No mesmo instante percebi que era o cheiro dele e isso me fez
ficar tensa novamente. Os momentos daquela noite pareciam estar gravados
a ferro na minha lembrança. Como os homens podiam fazer aquilo? Como
minha mãe tinha suportado aquela tortura?
Esfreguei minha pele várias vezes, até que ficou vermelha. Me levantei
da água apenas quando essa estava fria e me senti bem, mesmo com a dor
entre minhas pernas ainda estando presente. Eu não queria pensar que ele
poderia me procurar naquela noite e realizar toda aquela tortura mais uma
vez, pois talvez eu não aguentasse, talvez eu preferisse a morte.
Usando uma das toalhas brancas que estavam ali, sequei meu corpo com
cuidado. Eu não tinha coragem nem de me tocar ali, tinha medo do que ia
sentir, estava aterrorizada e afastava as lembranças a cada segundo que elas
invadiam minha mente. Afastando a cortina, seguro minhas roupas que não
estavam limpas para serem usadas uma segunda vez, sem saber se poderia ir
até onde estava com Rahina.
Não havia indícios de pessoas por ali, parecia um pequeno corredor, com
um tapete cobrindo o chão e cortinas de um lado a outro. Eu não podia
esperar que aquela boa senhora viesse atrás de mim, e não podia ficar
coberta apenas com a toalha. Talvez o lugar estivesse cheio de estranhos e
eu não conseguisse ouvir sequer um ruído. Atenta a tudo, segurei o nó da
toalha e sai, tentando apressar o passo, mas gemendo com isso. Estava a
ponto de alcançar a cortina que me levaria até o que parecia ser o quarto,
quando ela se afastou e ele apareceu. Arregalo meus olhos, assustada, com
sua aparição súbita, vejo-o endurecer as feições.
Seu olhar desce por meu corpo coberto apenas pela toalha e eu engulo
em seco, sabendo que ele devia estar furioso por me encontrar assim.
— Nunca mais passeie por essa tenda usando somente uma toalha,
entendeu? – O jeito como ele sibilou aquela frase me fez estremecer, talvez
fosse bom não ouvir o tom que ele usou para proferir a ordem. —
Entendeu?
— Desculpe. – Pedi e ele franziu a testa, destacando a cicatriz em sua
testa.
— O que está olhando? – Tremi novamente, apertando a toalha. — Tem
alguma coisa errada? – Eu não sabia bem o que dizer, a verdade é que ele
estava entre mim e a entrada, e eu não conseguia pensar em como dizer
isso. Vê-lo assim de perto, na luz do dia, deixava evidente o quanto ele era
imenso e forte. — Você está tentando me fazer de idiota? – Segurando em
meu braço, ele me sacudiu.
— La, me desculpe… – Talvez eu tivesse feito algo de errado. Talvez
fosse o fato de estar perambulando de toalha em um lugar ainda
desconhecido. Conforme ele me solta, me apresso em entrar no quarto,
soltando o ar que estava preso em meu peito e me mantenho de costas. Com
medo de que ele estivesse dizendo algo, me volto em sua direção, mas ele
não estava mais lá, apenas a cortina balançava lentamente.
Me apresso em tirar da bolsa um dos poucos pares de roupas que eu
tenho, eram as melhores peças e não fazia sentido eu trazer as roupas
desgastadas que usava na casa de Baba. Antes de arrumar minhas coisas,
procurei pelo dinheiro que juntei, mas não havia sinal dele e só agora me
dei conta de que na verdade não tinha sumido e sim que 'Hana deve ter pego
para fugir. Pensar nela me deixa desnorteada e com medo.
Como eu faria para saber se ela estava bem? Como saberia se Baba a
encontrou?
Vesti meu hijab, sem saber se era necessário ali dentro, mesmo assim o
fiz. Arrumei a cama, que é de ferro e tem um colchão surpreendentemente
macio. Havia uma camada fina de poeira nos móveis, que limpei
rapidamente. Talvez até conseguisse tirar a poeira que estava nos tapetes
dispostos no chão, só não sabia se a limpeza duraria, já que o vento soprava
incansavelmente do lado de fora.
Esfregando minhas mãos, pensei se ficava ali, esperando algo ou
alguém, ou se saia e explorava tudo de uma vez. Não deve ter se passado
muitas horas desde que chegamos e eu não queria ser uma inútil dentro
daquela tenda, precisava saber o que enfrentaria e eu não podia fazer isso
aqui, além disso meu estômago já estava me pedindo alimento. Então, saí,
mesmo correndo o risco de o encontrar, e sabia que não havia escapatória,
pois, nossas vidas estavam entrelaçadas perante as leis dos homens e do
profeta.
Afastei a cortina daquele corredor estreito e me vi em uma parte onde
havia um sofá com pernas de madeira e mais adiante, a entrada da tenda,
que estava parcialmente aberta, balançando com o vento. Olhando em volta,
vi livros sobre uma mesinha que também tinha um narguilé de vidro. Os
tapetes seguiam cobrindo o chão batido de terra e me adiantando, fui até
uma outra cortina pesada e a afastei, chegando a uma cozinha com espaço
considerável, onde Rahina parecia preparar algo delicioso.
— Zara, me desculpe estar invadindo aqui, Hakim me disse que vocês
não comeram nada, então estou preparando um cordeiro com cuscuz. –
Falou como se ela estivesse fazendo algo de errado. — Aquele garoto é
duro na queda, mas hoje me surpreendeu ao me chamar para vir até aqui.
— Hakim… – Repeti o nome do homem que agora era meu marido. —
Você não vive aqui? – Ela voltou seu rosto redondo para mim e sorriu,
como se eu estivesse contando uma piada.
— Claro que não, eu fico na casa grande e espero que Hakim a leve para
lá em breve. – Não consigo entender algumas coisas, quando ela se vira
novamente para mexer nas panelas. O chão da cozinha é de terra batida e o
fogão a lenha, e bem no centro do lugar havia dois balcões.
Surpreendentemente havia também uma geladeira.
— Tem energia? – Pergunto, a fazendo me dar atenção novamente.
— Sim, tem um gerador, mas é só para a geladeira, a noite Hakim usa
lamparinas. – Aponta para os objetos sobre o balcão de madeira. – Você
pode as abastecer lá fora.
— E a água? – Questiono, curiosa, afinal, parecia que seríamos só nós
dois, então eu teria que me mostrar útil.
— Tem uma bomba logo ali atrás. – Sacode a mão para que eu a siga.
Afastando a pesada lona, saímos para o deserto, onde ali haviam mais
cercas e camelos. — É bem cansativo usá-la. – Me mostra uma manivela,
com vários baldes de ferro em volta. – Hakim adora banhos quentes, mas
aposto que ele não usa isso para se banhar. – Explica. — Lá, veja. –
Apontando além da cerca, cubro meus olhos com a mão, para poder ver
melhor o que parecem ser palmeiras enormes surgindo da areia, não parecia
ser real.
— O que é? – Me viro para ela e a vejo franzir a testa.
— Eu disse: é um oásis. – Sorrio sem jeito. A mulher era um pouco mais
baixa que eu, e parecia gostar de falar, então, eu não podia desviar os olhos
dela.
— Parece uma miragem. – Comento para que ela pare de me olhar com
certa curiosidade.
— É, você pode ir até lá quando quiser, mas tome cuidado. – Aconselha,
e se volta para entrar na tenda. A sigo, tomando o cuidado de permanecer
ao seu lado e ler tudo o que diz de forma apressada. — A extensão das
terras de Hakim vão além do oásis, mas sempre tem estrangeiros rondando,
ou até mesmo saqueadores.
— Saqueadores? – Ela parecia dizer aquilo como se não fosse nada.
— Sim, a carne dos camelos é uma das melhores do Marrocos, Hakim
comercializa para Casablanca e Marrakesh, por isso sempre tem estranhos
por aqui, mas eles não entram na tenda, então, quando perceber
movimentação, fique aqui dentro. – Pegando uma tigela de cerâmica, serviu
cuscuz com cordeiro assado, fazendo minha boca salivar e o estendeu para
mim.
— Chukran. – Uso minha mão para comer e suspiro ao sentir o quanto
estava bom.
— Você é uma alegria para os olhos Zara, espero que seja uma luz para o
caminho do meu garoto. – Eu não soube o que dizer, mas fiquei sem jeito.
Rahina talvez não soubesse como Hakim era, eu mesma não sabia, mas
estava certa de que não era tão bom como ela imaginava.
CAPÍTULO 5
ZARA
Na noite anterior eu não havia conseguido dormir quase nada, estava
apreensiva, o desconhecido me assustava, o temor de o ver puxar a cortina
me deixava a beira de um ataque, então, fiquei fuzilando a cortina que
servia de porta até que a luz do candelabro se apagou e fiz uma prece para
Alá, pedindo por proteção, e para que eu pudesse suportar aquele
infortúnio.
Eu não sabia se estava sozinha dentro daquela tenda, ou se ele estava em
outro cômodo do outro lado, o qual eu vi ser menor do que eu estava agora.
Rahina me contou que aquele era um quarto reservado a um amigo dele,
que ficava ali quando vinha a negócios, talvez um sócio, mas como eu não
consegui ler muita coisa, pois ela não parava para respirar entre as palavras,
então eu sabia em partes coisas sobre Hakim.
Sabia que ele possuía uma boa porção de terra, conquistada com muito
esforço, e que os camelos lhe rendiam ótimos negócios. Rahina também me
falou que a casa grande era de seus pais, mas que ele preferia o deserto. Por
isso, o chamavam de nômade, já que ele passara boa parte de sua vida ali,
dentro daquela tenda.
Eu estava contente de a ter aqui, mas quando ela foi embora, antes de o
sol se pôr, eu fiquei sem saber o que fazer ou se deveria fazer algo, já que
ela insistiu em deixar o jantar pronto. Então, carreguei água até a cozinha e
fervi boa parte, levando os baldes pesados com um esforço tremendo até a
banheira de estanho, talvez eu devesse preparar o banho dele ao final do
dia.
Por fim, eu comi sozinha, deixando as panelas na parte do fogo baixo
para que não queimassem, e tomando o cuidado de encher as lamparinas
que iluminariam a tenda durante a noite. As coloquei na saleta e cozinha e
levei uma comigo para o quarto. Por vários minutos me questionei se
deveria ficar ali, ou se seria melhor buscar outro lugar para dormir. Minha
cabeça girava sem saber o que fazer e tudo o que eu não queria era que ele
viesse atrás de mim, e que tentasse… que tentasse fazer tudo aquilo de
novo.
Usando a escova que trouxe para pentear meu cabelo, o trancei e vesti
minha roupa de dormir. Pela manhã eu precisaria lavar roupas. Será que eu
teria que lavar as minhas e as dele também? Aqui eu me sentia uma intrusa
e por boa parte do tempo tinha me esquecido de Baba e ‘Hana.
Fitando os móveis dentro do quarto, percebi que havia uma mesinha com
alguns livros. Ao folhear um deles, vi que era de administração e criação de
camelos, então não entenderia uma vírgula nem se quisesse, já o outro
estava em outro idioma, então por fim, os fechei com um suspiro. A cadeira
de madeira era bem desgastada, assim como a mesa, onde havia desenhos
entalhados na tábua, nada específico, mas talvez fossem algumas frases, e
como alguns estavam apagados, não consegui identificar. Indo até o armário
grande com duas portas, eu o abri, e vi que dentro dele estavam as roupas
dele, então o fechei no mesmo minuto, pois não queria invadir nada que
pertencesse a ele e depois receber algum desaforo.
Deitei na cama me sentindo exausta, mas pela segunda noite
consecutiva, eu não consegui dormir. Logo que percebi o céu clarear dentro
da tenda me levantei. Me sentia um pouco melhor, então aproveitei para me
limpar e lavar as peças de roupa. Afastando a cortina, olhei em torno, e não
parecia que ele surgiria do nada. Então, saí, tentando não fazer barulho, e
mesmo se o fizesse eu não saberia também. 'Hana sempre me dizia que eu
parecia um fantasma dentro da casa e que nunca sabia quando eu estava
chegando de repente. Lembrar disso me trouxe tristeza. Toda aquela vida
que eu tinha parecia distante e sentia que ela havia sido arrancada de mim.
Eu sempre pensei que 'Hana casaria e que eu é que ficaria sozinha,
acreditava que talvez ela me levasse para sua casa, para cuidar de seus
filhos. Outras vezes, imaginava que talvez eu ficasse para cuidar de Baba,
mas a minha realidade era essa. Estava acostumada a pensar que nunca seria
boa o suficiente para ser uma esposa e agora, como seria? Eu não podia
ouvir, não podia socializar e havia fincado isso dentro da minha mente,
aceitando meu destino. Que outra alternativa eu tinha?
Ao entrar na cozinha vi que havia coisas que não tinham na noite
anterior, entre eles, leite fresco dentro de uma jarra de vidro, ovos, algumas
frutas e grãos. Então, me apressei em buscar água fresca e a colocar sobre o
fogo já atiçado, sinal de que ele esteve ali antes de mim e que fez o favor de
colocar mais lenha para que o fogo ficasse vivo e pronto. Logo que a água
ficou morna, dissolvi o fermento e me adiantei para preparar o baghrir, e
enquanto o fazia, torcia para que ficasse bom, pois já tinha visto duas
geleias de frutas vermelhas e tomate. Precisava ficar maravilhoso, como
'Hana costumava dizer, para que eu tivesse coragem o suficiente para fazer
um pedido.
Precisava saber de 'Hana, precisava encontrá-la, ela é tudo para mim e eu
me sentia incompleta sem minha irmã. Nós duas éramos inseparáveis e eu
sabia que ela precisava de mim também.
Uma pilha discreta de baghrir repousava sobre uma tábua de madeira, e
o cheiro de canela e gengibre me fazia sorrir, um chai pela manhã poderia
fazer toda diferença.
Quando eu coloquei uma uva na boca ele abriu a cortina pesada da lona,
entrando com toda aquela determinação, e o que quer que eu fosse pedir a
ele foi direto para os meus pés. Ver seu rosto endurecer ao me encontrar ali,
me deixou desconcertada e quis sair de lá para lhe dar espaço. Eu sabia que
era a noiva trocada e que ele continuava furioso, mas não sabia o que fazer.
— Sabah al Khair. – Inclino minha cabeça rapidamente e ergo meu olhar
para ele. Parece confuso, talvez não esperasse que eu fosse dizer algo.
— Sabah al nūr. – Percebo seus dentes trincados e desvia o olhar de
mim. Vai até o desjejum que preparei e se serve, com certa agressividade
em cada gesto, a cada erguer de um copo ou talher.
— Eu tomei a liberdade de fazer o desjejum. – Iniciei vacilante, atenta a
uma brecha que me facilitasse no diálogo. Ainda existia a possibilidade de
ser devolvida e sofrer com a vergonha para sempre, mas por hora eu não
tinha escolha, a não ser tentar fazer com que nossa convivência fosse ao
menos pacífica.
Acho que ele percebe, finalmente, que continuo o encarando, pois espero
sua resposta ao meu comentário. Então, soca a bancada com força, o que
me faz recuar um passo vacilante, assustada com o rompante inesperado.
— Não gosto que fiquem me olhando. Seu pai nunca te ensinou que não
se deve encarar? – Engulo em seco, sentindo meus olhos ardendo por
estarem tão arregalados. O que eu devia responder? O que devia fazer? E a
pergunta que não queria calar: O que eu fiz de errado?
— Asif… eu… eu… – Eu devia dizer, devia contar, mas temia pelo pior e
temia por Baba, pois ser enganado duas vezes com certeza o faria esmagar
o meu pescoço. Pelo jeito ele não estava aceitando nada bem toda aquela
situação que Baba nos colocou, mas eu também tinha culpa, pelo menos em
parte. Qualquer um faria o mesmo, por medo, por temer que o pior pudesse
acontecer. — Me perdoe… devo… sair?
Seu cabelo revolto balançava ao redor de seu rosto, e notei que estavam
úmidos, o que deixava claro que ele estava tomando banho no oásis logo
atrás da tenda. Sua túnica em um tom azul escuro estava parcialmente
aberta, revelando parte do seu peito coberto com uma fina camada de pelos
escuros, a camisa o abraçava e se esticava quando ele se movimentava. —
Por favor… – A súplica me escapou. O vi fechar os punhos com força,
fazendo com que as veias de seus braços fortes ficassem em evidência. —
Não me… machuque… – Senti uma lágrima solitária rolar pelo meu rosto e
talvez isso o tenha enfurecido mais, talvez minha presença não o agradasse,
pois vejo seu rosto se retorcendo de uma forma que me assusta, então me
viro e corro, temendo pelo pior.
HAKIM
ZARA
HAKIM
ZARA
[...]
ZARA
apenas usar compressas frias em sua fronte para que ele ficasse melhor.
Antes de o sol nascer a febre cedeu e eu fui direto para cozinha. Tinha
encontrado um relógio de pulso entre as coisas de Hakim e o usava para me
orientar.
Era certo que ele levantava antes dos primeiros raios de luz, então eu
precisava preparar o desjejum, sabia que a manhã dele era cheia de tarefas e
que por isso necessitava se alimentar bem. Estava terminando de preparar o
pão de massa fina e caseira, quando a mulher entrou na cozinha, minhas
roupas a engoliam e sua pele vermelha se destacava no vestido amarelo
desbotado. Ficamos trocando olhares, ela não parecia ciente de nada e trazia
junto de si o soro vazio.
Começou a falar em uma língua que eu não compreendia, o que me fez
ficar um pouco nervosa. Estava claro que ela era estrangeira, mas constatar
que não era americana complicou as coisas.
— Não entendo. – Digo em inglês quando ela segue falando enquanto
observa a cozinha e principalmente a comida farta que preparei.
— Eu posso comer isso? – Apontando para os pães, eu confirmo que
sim. Ela avança no alimento com tamanho desespero que me assusta e a
observo enquanto come, engolindo ao mesmo tempo que chora, não de
tristeza, mas de pura satisfação. — Isso está muito bom. – Elogia com a
boca completamente cheia. Empurro a geleia de tomate que fiz no dia
anterior e que Hakim tinha devorado metade. Ela nem se faz de rogada,
sequer usa a espátula e vai enfiando um grande pedaço de pão dentro do
recipiente, engole de uma vez. — Meu Deus! – Arregala os olhos comendo
mais e mais. – É maravilhoso.
Sorrio um pouco envergonhada com o elogio e os olhos brilhantes, pois
ela parecia prestes a desmaiar de tanta satisfação, então coloco baghrir,
frutas e queijo diante dela. O café que sirvo é arrancado de minhas mãos no
mesmo instante. — Desculpe, eu nem sempre sou tão mal educada assim, é
que… nem sei há quantos dias eu não como nada. – Seu cabelo rosa estava
bagunçado e ela não se importava com isso, mesmo assim eram lisos, a
ponto de mesmo daquele jeito ficar bonito e combinar com seu rosto.
— O que aconteceu? – A pergunta sai sem que eu consiga evitar, e logo
que ela ergue seus olhos castanhos para mim eu fico totalmente sem jeito.
— Bem… – Pensa, ainda comendo, mas agora com mais calma. — É
uma longa história. – Toma longos goles do café e me estende a xícara sem
alça. — Posso ter mais disso?
— Claro. – Rapidamente a sirvo e ela suspira com satisfação. — Fico
feliz que esteja bem.
— Nem me fala. – Pegou um baghrir e devorou. — O que é isso? –
Aponta em volta.
— Uma tenda.
— Fala sério! – Suas mudanças de expressão me fazem sorrir sem que
perceba ou poça me conter. — Isso é muito legal! Nunca tinha visto nada
assim. – Servindo para mim um pouco de café, cálculo quanto mais terei
que fazer para que não falte comida para todos. — Onde estamos?
— Esse é o deserto de M'hamid. – Sua boca fica completamente aberta
por longos segundos, parecendo assimilar tudo aquilo ao redor, enquanto
engolia o que estava comendo. Seus olhos se movem de um lado a outro,
talvez um pouco nervosos, mas é difícil dizer.
— Hum… como disse que se chama? – Senti um vinco se formar em
minha testa e bebo um breve gole do meu café, sentido os resquícios da
borra nele.
— Me chamo Zara. – Disse e ela me dá um sorriso imenso.
— Zara, você é meu anjo da guarda. – Se levanta e me agarra, dando um
abraço forte e fazendo com que eu me incline um pouco por conta de sua
baixa estatura. Eu não sabia bem o que fazer, mas o abraço dela é bom e ela
apenas se afasta quando nota que mais alguém chegava ao recinto. Sua cara
volta a ficar surpresa e sua boca abre, formando um imenso O, e me viro,
notando que Hakim está parado, olhando para nós duas com certa
curiosidade. – U.A.U! – Eu consigo ler bem suas palavras, pois ela diz cada
letra pausadamente enquanto encara Hakim.
— Esse é Hakim, meu… meu…
— Puta merda garota, você tem sorte, hein? – Diz balançando a
sobrancelha rosa e ri como se fosse um segredo. — Eu sou Mariana, Mari
para os amigos e como você salvou a minha vida eu já a considero íntima.
Me afasto dela, um pouco nervosa por Hakim estar ali e curiosa para
saber como ele está encarando tudo aquilo, já que eu mesma não sei muito
bem como lidar com aquela mulher de cabelo rosa.
— Nossa tenda é sua tenda, terá abrigo aqui até que se sinta bem para
partir. – Vejo-o dizer, com sua costumeira expressão endurecida e com o
inglês bastante carregado.
— Agradeço a hospitalidade. – Ela não parecia muito incomodada com a
cara zangada de Hakim e lhe lançava olhares curiosos um tanto avaliativos,
enquanto mastigava o baghrir. — Iremos assim que o Aziz acordar, aposto,
já que ele não gosta muito de aventuras.
Fico curiosa com suas palavras e noto que Hakim também, mas ele não
demora em nos deixar sozinhas mais uma vez. — Hot! – Diz abanando a si
mesma com uma mão.
— Não entendo. – Ela sorri, talvez o som de seu sorriso deva ser
contagiante e eu me pergunto que timbre teria sua voz.
— Deixa para lá. – Fico tentada a pedir que explique, e quando me olha
deve ter notado a minha pergunta silenciosa. — Me desculpe, é que eu
tenho queda por machões com cara de bravo e ele tem, então… – Se põe a
rir novamente, me deixando mais confusa do que antes. — Ah, cara, é que
esqueço que aqui é tudo diferente. – Prossegue. — A quanto tempo está
casada?
— Cinco dias. – Arregala os olhos diante da minha resposta encabulada.
— Que droga! não me diga que atrapalhamos suas noites de núpcias. –
Meu rosto queima como se eu estivesse no sol novamente.
— Por Alá! – Exclamo, a fazendo rir.
— Desculpe é que eu não tenho filtro. – Eu estava ficando tonta com
aquela conversa, e nervosa, então comecei a preparar mais pão. Não estava
disposta a falar das minhas intimidades com uma desconhecida, por mais
simpática que fosse.
— O homem, ele é seu marido? – Noto que seu semblante assume uma
expressão travessa, como se fosse fazer algo que não deveria naquele
momento. Olha para trás e depois para mim.
— Sim, é meu marido, mas ele ainda não sabe disso. – Cobre o rosto
com a mão para conter o sorriso.
— O quê? – Paro com a sêmola no ar. Aquela moça era mais estranha do
que aparentava.
— Nada, eu só estou brincando, se bem que acho melhor seguir por essa
linha, mas pode ser que ele fique furioso ao ponto de querer me esganar, o
que vai ser bom... – Solto a farinha um pouco frustrada, pois quando acho
que estou começando a entendê-la, ela se complica em suas palavras e eu
me vejo perdida mais uma vez.
— Você é estranha. – Mordo minha língua por dizer isso, mas ela apenas
me dá um sorriso fácil.
— É o que todos dizem, mas sou legal, não é? – Confirmo, sem saber se
fiz bem. — É mais fácil assim, Zara, não vê? Eu tive uma segunda chance
de viver e vou aproveitar cada segundo. – Pisca um olho para mim e eu fico
tão nervosa que derrubo um ovo no chão.
— Eu… eu… eu não devia ter dito isso, não quis te ofender. – Me
apresso em limpar a sujeira.
— Calma Zara, relaxa, é muito difícil alguém conseguir me ofender, vai
por mim. – Sorri de um jeito tão sincero que me aquece a alma. — Agora
me explica, como é que pode você e aquele bonitão não estarem em lua de
mel? – Sinto meu sangue sumir do rosto.
— Por Alá… – Fica rindo e eu me atrapalho mais ainda preparando a
massa.
— Eu vou ver o… meu marido. – Diz com um humor impressionante. —
Obrigada pela comida, estava deliciosa.
— Eu farei mais, caso queira. – Sorri, me deixando sozinha novamente.
Eu acho que nunca havia errado uma massa de pão caseiro antes, mas dessa
vez preciso refazer uma toda do zero.
[...]
ZARA
Estava claro que o casal era bem mais do que aparentava e que
escondia algo. Mariana acabou me contando naquela noite, que é brasileira
e eu fiquei bastante curiosa com tudo o que me disse, inclusive sobre uma
amiga que vivia em Casablanca e que tinha se casado a pouco tempo. A
história pareceu um pouco confusa, pois ela mesma disse que também não
sabia muitos detalhes.
Me falou de seus pais e vi o brilho de saudade em seus olhos, enquanto
estávamos sentadas em duas cadeiras do lado de fora, cobertas com uma
manta grossa. Mariana parecia apreciar tudo e sorria com tamanha
facilidade que eu me peguei invejando-a.
— O que aconteceu com ele? – Ela toca em meu braço e franze a testa.
— Desculpe, eu estava distraída. – Havia erguido meu rosto para o céu,
após ela o elogiar com tanta emoção e notei que nunca havia contemplado o
céu com tanta atenção como agora.
— Percebi. – Disse um tanto desconfiada. — O que aconteceu com seu
marido? Com o rosto dele. – Aperto mais o cobertor contra mim.
— Eu não sei…
— Como assim? – Dou de ombros.
— Nosso casamento foi arranjado. – Engulo em seco, um pouco
envergonhada. — Meu pai devia dinheiro para ele, então…
— Entendo. – Me dá um sorriso fraco. — Então, são dois estranhos. –
Confirmo que sim. — Como é o sexo então? Não é estranho? – Reteso meu
corpo e fico à beira de um colapso nervoso. — Me desculpe, é que é
estranho esse lance de se casar com uma pessoa que você nem conhece
direito e ainda ter que transar com ela.
Eu fico completamente perdida com boa parte do que diz, e talvez ela
tenha notado isso e passa o minuto seguinte explicando o que queria dizer, e
eu só pensava em sair correndo dali. Ninguém nunca havia falado comigo
tão abertamente sobre o que acontece entre um homem e uma mulher.
— Pelo profeta… – Estranhamente eu sinto que o meu estado nervoso se
tornava curioso para ela.
— Isso é muito injusto, não acha? Você deveria saber essas coisas, ser
preparada para o matrimônio e o que se sucederia depois da união. – Desvio
meu olhar um segundo, me dando conta que ela estava certa, talvez eu
tivesse sido preparada se minha mãe estivesse viva. — Ele foi bom pelo
menos?
— Não sei do que está falando. – Parece chocada com minha resposta.
— Quando vocês tiveram a sua primeira noite, foi bom para você. – Eu
neguei e ela me olhou incrédula.
— Ele… – Engulo em seco, não acreditando que em poucos minutos ela
conseguiu fazer com que eu me abrisse. — Eu não conseguia me mexer…
não conseguia me por em pé sem um apoio. – Conto um pouco nervosa.
— Que bizarro. – Fica me olhando e noto pena em seus olhos. — Não
precisa ser assim Zara, você pode fazer com que seja bom pra você, do
mesmo jeito que é bom pra ele. – Eu me negava a acreditar que pudesse
haver algo de bom naquilo tudo. — Uma boa conversa pode ser o
suficiente, uma conversa aberta e franca.
— La, não, você não o conhece, ele me odeia. – Me viro para trás,
temendo ser ouvida, já que poderíamos ser surpreendidas ali a qualquer
momento.
— Odeia? – Faço que sim. — Talvez seja novo para ele, ser casado, mas
tenho certeza que não é uma pessoa ruim, se fosse, não teria salvado a mim
e o Aziz e nos acolhido em sua tenda. – Eu não saberia dizer se ele era ruim
a esse ponto, sabia apenas que ele não me suportava. — Se você não se
sente bem por que não separa?
— Eu entraria em desgraça e meu pai… meu pai ainda tem dívidas com
ele… seria uma vergonha.
— Certo, certo, eu entendo. – Respira fundo. — Então não há jeito,
vocês precisam aprender a se entenderem, do que ele gosta?
— Não sei. – Parece se frustrar com minha resposta.
— Do que você gosta? – Fico parada, sem saber o que responder, e
constato que não sei a resposta daquela pergunta e mesmo sendo algo tão
simples, me assusta não saber do que eu gosto. — E o que não gosta nele?
— Nunca pensei nisso. – Coloca seu cabelo rosa atrás da orelha, e noto
que tem vários furinhos nela. — Eu não gosto… não gosto…
— Você consegue. – Incentivou.
— Eu só quero que a gente tenha harmonia. – Estala o dedo diante de
mim.
— Está vendo, não foi difícil. – Diz exultante. — Minha mãe sempre me
fala que a gente tem que dar o melhor de si, então, dê o seu melhor para ele
Zara, se o seu marido não perceber a mulher maravilhosa que tem debaixo
dessa tenda, então ele não te merece e eu te aconselho a pegar suas coisas e
ir embora.
— Mas…
— Mas nada. – Me corta antes que eu argumente. — Só você sabe o que
é melhor para si, aprenda isso, e será feliz. – Ergue sua sobrancelha rosa,
que agora percebo estar desbotando para um tom castanho claro ou talvez
loiro. — Agora, vamos ao sexo.
— Pelo profeta! – Não contive um sorriso.
— Ouça com atenção as palavras de alguém que não tem experiência
prática nenhuma, mas que na teoria é expert no assunto. – Eu deveria temer
pelo que viria, pois não entendia muito do que ela dizia. — Esqueça sua
primeira vez, faça com que a próxima seja.
— Eu não sei…
— Hum… vejo que o caso é mais grave do que pensava. – Dou de
ombros mais uma vez. — Faz o seguinte, que tal você se tocar? Não hoje,
pode ser qualquer outro dia.
— Por Alá, por que eu faria isso? – Pergunto horrorizada.
— Vai por mim, você vai gostar, toque em seu corpo como se estivesse
explorando-o, como se estivesse massageando uma massa, igualzinho como
fazia mais cedo, lembra? – Meu coração se acelera de um jeito feroz. —
Você vai começar a sentir sensações, novas, porém boas, então prossiga,
talvez pense que vai explodir. Quando chegar a esse ponto, faça o que
estiver fazendo, só que com mais rapidez e espere a explosão tomar conta
do seu corpo inteiro.
— Isso não parece certo. – Sacode os ombros não dando importância.
— Quem disse? – Não encontro resposta. — Quando você souber a
resposta para o que você gosta, mostre para ele e tenho certeza que haverá
muiiiiita harmonia na sua tenda. – Choca seu ombro contra o meu com seu
costumeiro sorriso travesso.
— Ele vai me matar. – Digo rindo, sem jeito, mas notando que mesmo
ali fora, e sabendo que a noite estava fria, eu sentia um pouco de calor,
chegando até mesmo a me descobrir um pouco.
— Ah, vai... e você vai gostar, posso apostar que sim. – Pisca
zombeteira, e eu sabia que daria tudo para ser como ela, mas que jamais
seria, mesmo assim, estava contente por ter corrido até o deserto e a
salvado.
HAKIM
ZARA
É certo que o deserto tem algo que atrai, que instiga as pessoas a
querer explorá-lo, por isso, eu via ao menos uma vez por semana, uma
caravana nova chegar, alugando camelos para seguirem pelas areias
quentes, mas claro, eles apenas iam até o oásis e se deliciavam com sua
HAKIM
ZARA
HAKIM
[...]
ZARA
Olho para Hakim e ele assente, se afastando, então olho para seu
sócio, um homem alto como meu marido, mas magro e com incríveis olhos
azuis, sorrindo e me estendendo uma caixa aberta, com um corte belíssimo
de seda.
— Não gostou? – Questiona quando não me mexo.
— Na’am, sim, é… lindo. – Olho mais uma vez para Hakim, mas ele
havia se sentado, se servindo com um pouco de chai. — Não sei se devo
aceitar.
— Claro que deve, é um presente atrasado de casamento. – Estende a
caixa, e eu sinto um misto de emoções naquele momento. Eu nunca tinha
ganhado nada tão lindo.
— Chukran. – Seu sorriso se intensifica e eu não sei muito bem como
reagir a aquele homem tão educado e elegante. — Por favor, sente-se, eu fiz
carne de carneiro e geleia de pimenta. – Esfrego as mãos fitando a mesa
posta. — Volto em um minuto.
Levo a caixa para dentro, a coloco sobre a cama, sentindo com meus
dedos o quanto a seda é macia ao toque, retiro o corte dourado, que poderia
me render ao menos quatro bons vestidos, tão lindos que todas as mulheres
olhariam para mim com certa inveja. Eu poderia ver os cortes surgindo na
minha cabeça. Anos reparando roupas e passando, me fez tomar gosto por
isso, mas baba nunca tinha dinheiro para comprar tecidos para mim e
‘Hana, então, eu sempre fazia vestidos apenas para ela.
Claro, eu fazia tudo por minha irmã, eu a amava incondicionalmente e
me doía o peito não saber seu paradeiro, não saber se estava bem, ou se
corria perigo. Aquilo me perturbava a noite mais do que queria admitir,
claro que o meu estado influenciava muito em meu humor, mas aquele
desespero crescente do tempo que acabava parecia me esmagar. A
perguntava gritava dentro da minha cabeça.
O que eu faria?
Não estava grávida, e não entendia porque Hakim me questionou se
estava. Para piorar ele veio agora com aquela ideia absurda de procurar um
médico, aquilo seria meu fim, a médica com certeza saberia, e se exigisse
algum tipo de exame eu seria humilhada em toda M’hamid... e baba
poderia… ele poderia fazer algo contra baba.
Sem perceber eu já chorava agarrada a seda, molhando a peça dourada,
não me dando conta de o quanto aquilo tudo me colocaria em desgraça, sem
poder andar de cabeça erguida, sozinha e sem ninguém. Eu sufocava, só de
pensar no que seria de mim.
Deixo a seda repousar sobre a caixa, pensando que eu nunca seria como
ela, linda e perfeita, sem um único defeito e limpando minhas lágrimas, me
sinto devastada, com dor, sem luz para me guiar em uma direção.
— Posso fazer mais alguma coisa? – Os dois olham para mim, e noto a
expressão zangada de Hakim se tornar curiosa, então ensaio um sorriso, que
parece deixar ele mais atento.
— Nada, está tudo perfeito. – O elogio de Kaysar me faz desviar os
olhos dos seus. — Por favor, coma com a gente. – Olho para Hakim, mas
ele parece propenso a não se meter naquilo.
— Obrigada, não estou com fome. – Na verdade, eu não havia comido
nada durante o dia inteiro, e tudo o que queria era ficar na cama, a dor em
minhas costas parecia querer me virar do avesso.
— Senta. – Hakim apontou o local ao seu lado. — E come. – Exigiu, me
fazendo engolir em seco. Fiquei parada, sem saber o que dizer ou se deveria
me mexer, então ele voltou a me olhar e eu me apressei em obedecer.
Precisava ficar atenta caso ele fosse falar algo, naquela posição é quase
impossível o ler sem ter que me virar quase que por completo em sua
direção.
— Sua comida é muito boa, Zara, fico feliz que Hakim tenha encontrado
uma esposa tão preciosa. – Eu não sabia dizer se ele falava aquilo apenas
por ser muito educado ou por ser o que pensava, mas seu sorriso me fazia
sentir envergonhada.
— Chukran. – Eu sentia uma tensão, e ela era tanta que meu corpo
estava arrepiado somente do lado direito. Hakim estava distante a um braço
de mim, mesmo assim eu sentia aquela eletricidade que ele causava. Então
como alguns grãos de arroz e um pouco da carne, mastigando de forma
demorada e engolindo rápido.
Os observo falar de negócios, importação de carne, vendas e compras,
Hakim está monossilábico, mas Kaysar fala sem esperar que o amigo se
aprofunde demais, vez ou outra, eu me atento ao modo como ele menciona
uma mulher e como seus olhos caem sobre mim, rapidamente sendo
desviados, eu engasgo em vários momentos e Hakim empurra um copo de
vidro com água para que eu bebesse.
— Estava tudo ótimo, mal posso esperar pela próxima refeição. – Diz
com um sorriso fácil. Hakim levanta e eu começo a recolher a louça, não
conseguindo ver o que dizem, mas vejo que saem da tenda e talvez eu tenha
me antecipado ao não focar a atenção. Precisariam de mais alguma coisa?
Não saberia dizer.
Lavo toda louça e deixo o chai pronto. O quarto já tinha sido limpo e
estava pronto. Retiro de lá todas as roupas de Hakim e as lavo junto com as
minhas, já que ele não as levava até o cesto. Enquanto me dirijo ao quarto
me dou conta, de que talvez ele fique sem um lugar para dormir e queira…
vir… até aqui. Olho em volta, começando a ficar nervosa, tudo parecia
igual, como se eu nunca tivesse entrado ali, minha bolsa ficava a um canto e
eu não me atrevia a usar os móveis, não sabia se podia, ou se devia.
E se ele… tentar? O que eu faria?
Alá, por favor… tudo estaria arruinado, saberia que menti, saberia que o
enganei ao dizer que talvez estivesse grávida, sabendo que não estava.
Esperei por uma eternidade, temendo, nervosa e… ansiosa. Desde o dia
anterior, quando me toquei pela primeira vez eu me sentia estranha, curiosa
e quente. Quando vi que provavelmente ele não viria, eu puxei os
cobertores e deitei. A noite no deserto costumava atingir baixas
temperaturas e fiquei fitando a cortina de lona, esperando.
Eu sou a mulher dele perante os homens e Alá, tudo o que aconteceu
entre nós não foi nada do que eu esperava, mas aconteceu, e agora eu me
via pensando o que esperar do futuro. Será que eu poderia fazer algo para
que Baba pudesse começar sua vida com dignidade? Quem sabe até
conseguisse fazer com que ‘Hana voltasse. Me dei conta de que talvez um
filho fosse o que o fizesse me aceitar, e assim, ele conseguiria me enxergar
como esposa e não como uma noiva falsa. Era isso, não havia dúvidas, eu
precisava me deitar com ele novamente, mas dessa vez seria diferente,
agora eu sabia o que fazer… para sentir, e mostraria para ele.
Só esperava que Mariana estivesse certa, caso contrário, seria o meu fim.
[...]
ZARA
Hakim sumiu depois que o amigo partiu e isso me fez pensar que meu
segredo continuava seguro. Então me empenho em fazer um almoço farto,
com chá de hortelã e gengibre para acompanhar. E fico… ansiosa, ajeito o
meu cabelo, e desejo ter um vestido mais bonito, pensando na seda e no que
fazer com ela, até temia fazer algum, ainda pesava o fato de que Kaysar
sabe sobre o meu segredo e que podia me entregar quando bem entendesse.
Me levanto quando Hakim entra tossindo, seu semblante não está bom e
eu fico um pouco zangada com sua teimosia. Ele para e olha para mim e
para a mesa, e eu sinto orgulho de ter conseguido fazer tudo o que eu sei
que ele gostava.
— Você… ainda tem muito o que fazer, depois do almoço? – Ele
caminha para seu lugar costumeiro se sentando, e me apresso em o servir.
— Fiz um chá, por favor, beba. – Estendo o copo e ele aceita, seus dedos
tocando rapidamente nos meus, me fazendo ficar um pouco nervosa.
— Iremos ao médico, como te disse ontem. – Paraliso e derrubo um
pouco de comida. — Depois podemos comprar para você algumas roupas.
— Não precisa, realmente não acho que seja necessário. – Me olha de
lado, notando meu nervosismo.
— Eu insisto. – Limpa os dedos e bebe o chá, fazendo careta.
— Sua garganta está doendo? – Confirma brevemente e come um pouco
de carne de cordeiro. — Precisa que eu te ajude com os camelos? – Eu
precisava de uma desculpa para não ir ao médico, não podia permitir que
descobrisse a minha mentira.
— Posso cuidar disso quando retornarmos. – Diz, mostrando que não
estava disposta a voltar atrás.
Alá, me ajude.
Rogo. Eu estava perdida, seria descoberta e ele me repudiaria. Eu estava
tão nervosa que engolia pedaços grandes de carne, sem os mastigar direito.
Um silêncio pesado cai sobre a saleta e minha cabeça não encontrava
nenhuma solução. Restava apenas tentar convencer o médico de que eu
precisava de tempo para ficar grávida.
— Eu posso ver o meu Baba? – Ele franze a testa, não esperando por
isso. Pensa antes de responder, não parecendo querer falar sobre o assunto.
— Aparentemente seu pai deixou M'hamid. – Arregalo os olhos e se não
estivesse sentada cairia, pois, meu corpo inteiro treme.
— Não pode ser verdade. – Eu não quero dizer que ele está mentindo,
mas me custa acreditar que ele houvesse fugido. — Minha irmã…
— Você sabe onde ela está? – Encaro ele, sem entender porque faz
aquela pergunta. Por que quer saber a localização de 'Hana? Será que tem
intenção de tomá-la como segunda esposa? Ou pretende se casar com ela
após me repudiar?
Se fosse isso, o que eu poderia fazer? Baba fugiu, não pagaria o que
deve para Hakim. Se eu não estiver grávida, ao final daquele mês, estarei
perdida de um jeito ou de outro.
Hakim termina de comer e noto que quase não havia tocado em nada, e
que repetidas vezes tossia. Mesmo assim parece irredutível.
— Em quanto tempo fica pronta? – Eu não estava sabendo bem como
lidar com tudo aquilo.
— Alguns… minutos.
— Então vá. – Volta a se sentar melhor e bebe mais do chá. — Isso está
aliviando a minha garganta. Chukran. — Fico um pouco surpresa com
suas palavras e contente por poder ajudar com alguma coisa.
Eu me levanto com as pernas trêmulas e vou vestir algo apresentável.
Pelo jeito não poderei voltar atrás e não o farei mudar de ideia, só me resta
rogar a Alá, pedindo que me livre daquele fim que se aproximava. Demoro
mais do que o habitual. E saio com meu hijab em mãos.
— Eu não te dei nada de precioso. – Paro sem entender porque ele dizia
aquilo. — Nem ouro, ou uma joia. – Abro a boca e ele ergue a palma da
mão. — Você é minha esposa, então seria o correto, mas vou reverter isso
hoje.
Perco minha fala, talvez não houvesse argumento para aquilo e eu fico
emocionada, mas me contenho. — Podemos ir?
— Sim. – Visto o hijab e saio da tenda.
— Espere um pouco. – Vejo adiante uma caravana de turistas. — Espere
até que se afastem. – Ele segura meu braço, para me impedir de sair. —
Pronto.
Saímos e ele abre a porta para que eu entre, me ajudando a subir no
veículo alto. Eu não me dei conta de como era bom ver tudo, as casas, as
pessoas, até adentrarmos na cidade e eu me ver animada. A Medina cheia
de visitantes, os comerciantes eufóricos. Era tudo tão bonito.
Hakim para diante de uma loja de roupas e eu noto como as pessoas na
rua ficam olhando para nós, e dentro do estabelecimento, o mesmo se
repetiu. Não me sinto bem, e escolho vestidos de forma aleatória, torcendo
para sair imediatamente dali. Hakim também não parece confortável, mas
para os homens nunca era bom ir às compras.
Eu pensei em me demorar naquilo, mas não havia como, pois, em todo
lugar que entravamos, ficavam nos encarando, ou olhando disfarçadamente.
Mesmo desconfortável, Hakim seguia para a próxima loja, até que eu
percebi que não dava mais conta de todas as peças, notando que já havia
comprado mais de vinte vestidos e ao menos dez hijabs, aquilo era mais do
que eu tive a vida inteira.
Entramos em um prédio e por fim me dei conta que era uma clínica
particular. Fiquei nervosa de imediato e enquanto aguardávamos eu só
pensava em fugir dali. Talvez eu pudesse inventar um mal-estar e ir
embora.
Uma mulher de pele muito clara, sai e nos chama. A sala na qual
sentamos é pequena com uma mesa de vidro e cadeiras rosas. Aponta para
as cadeiras, e agora Hakim parece mais inquieto.
— Em que posso ajudá-los? – Ela pergunta para mim, após as
apresentações, me lançando um breve sorriso.
— Quero saber se minha esposa está grávida. – Vejo Hakim dizer, o que
me faz ficar com muita vergonha. Eu realmente não esperava que ele fosse
direto ao ponto.
— Tudo bem, estão tentando a quanto tempo? – Eu queria afundar na
cadeira. — É uma pergunta de praxe, caso precise realizar exames mais
complexos.
— Nosso casamento é recente. – Vejo-o dizer, e percebo que assim como
eu, ele também não está nada confortável.
A médica tem uma pele pálida e olhos claros. Muitos estrangeiros vêm
para nosso país e trabalham nele, e ela parecia ser bem profissional,
fingindo não notar nosso desconforto.
— Entendo, nesse caso, será necessário esperar, já que o casamento
aconteceu a tão pouco tempo. – Eu quase ajoelho diante da médica e
agradeço, mas contenho até mesmo os suspiros de alívio. — Posso
prescrever exames e receitar vitaminas, afinal, queremos um bebê saudável,
não é? – Confirmo que sim. — O senhor pode esperar lá fora, enquanto
examino sua esposa?
Olho para Hakim, meio aterrorizada. Como assim me examinar? Fico
tensa e ele apenas levanta e sai, me deixando sozinha com a médica. —
Você pode ir até ali, atrás daquele biombo, e vestir a camisola descartável?
— Por quê? – Sorri, tentando me transmitir segurança.
— Pensei em fazer um preventivo. – Quanto mais ela fala mais nervosa
eu fico. — Quando teve seu último fluxo?
Baixo meu olhar e vejo o quanto minhas mãos tremem, olho para a porta
e em seguida para médica, que me encara com um ar curioso.
— Fique tranquila, está segura pelo sigilo médico e paciente, você pode
me contar tudo, ficará apenas entre nós duas. – Eu não sabia o que pensar,
meu coração parecia prestes a sair pela boca.
— Meu fluxo veio ontem. – Fungo. — Meu marido não pode saber que
não estou grávida, não pode, posso ser devolvida.
— Calma. – Pede e se levanta. Indo até uma mesinha de canto, serve um
pouco de água, o coloca em minha mão e eu bebo alguns goles. — Tudo
bem, agora ele já sabe que um bebê não é uma coisa que aconteça do dia
para noite. – Respiro com dificuldade, ainda muito nervosa. — O que acha
de a gente cuidar de você para que esse bebê possa vir logo?
— Por favor… – É tudo o que eu posso dizer.
— De toda forma, acho que você precisa conversar com ele, sobre a
possibilidade de infertilidade, não que vocês sejam, mas pode acontecer. –
Eu não quero pensar nessa opção, não tenho como ser tão ruim ao ponto de
Alá sequer me dar um filho, não é? E eu preciso de um. — Faremos exames
e você retorna aqui quando sair os resultados, dessa vez, para que possamos
fazer o preventivo, tudo bem?
Concordo, e ela volta a se sentar, escrevendo em um bloco de papel e me
estendendo a folha com um sorriso cúmplice.
— Chukran. – Levanto ainda temerosa e saio de lá me sentindo um
pouco aliviada. — Ela receitou exames. – Estendo a prescrição para Hakim,
que está de pé na recepção, destoando do ambiente por ser tão grande e
forte. Olha para a receita e segue para o balcão.
Somos orientados a irmos ao laboratório no andar de cima e a enfermeira
tira uma grande quantidade de sangue para os exames. Ao sair de lá eu
estou tonta e quero evitar mais daqueles olhares sobre nós. — Podemos ir?
Não estou me sentindo bem. – A tensão de Hakim é palpável e eu estou em
um nível de nervosismo como nunca.
— Tudo bem. – Carrego junto comigo apenas as vitaminas, e as compras
vão no banco de trás. Eu havia suado um pouco pelo nervosismo e calor.
Noto após alguns minutos que seguíamos um caminho diferente,
entrando em uma rua com casas bonitas, construções antigas, que tiravam o
fôlego, eu nunca havia estado na parte rica de M’Hamid, e estava
impressionada em como era gritante a diferença disso tudo para onde eu
vivi com Baba e ‘Hana. O carro parou diante de uma construção alta, com
palmeiras na frente, uma pintura em tons de areia, e varandas pequenas, de
onde se podia vislumbrar toda a rua.
— Onde estamos? — Me viro para ele, que franze a testa e endurece as
feições no mesmo instante, só então me dou conta que ele deve ter dito algo
enquanto eu vislumbrava tudo.
— Como eu disse, aqui é a casa dos meus pais.
CAPÍTULO 15
ZARA
[...]
Enquanto eu tomo chai na sala da casa dos pais de Hakim, ele entra, e eu
me levanto de imediato, imaginando que fosse o momento de partir. Não
parece nada contente e seu semblante me deixa um pouco tensa.
— Vou precisar me ausentar por dois dias. Talvez volte antes.
— Oh... eu...
— Você fica aqui, com Rahina. Precisa que algo seja trazido da tenda?
– Ele cobre a boca e tosse um pouco.
— Sim, algumas coisas. – Concorda e avisa que alguém fará isso para
mim. Me olha por alguns instantes e eu me sento novamente, sentindo
minhas pernas enfraquecidas.
— Até a volta. – Se vira e sai, me deixando sem entender porque me
deixou a par de sua viagem, se sequer havia me dito que me traria até a casa
onde nasceu. Eu não sabia se devia me sentir aliviada com isso, mas pesava
sobre minha cabeça o fato de que precisava ter um bebê dentro de mim o
quanto antes e isso exigia contato, algo que não sabia se teria coragem de
fazer.
[...]
[...]
— Eu quero ver o meu pai! – Exijo pela milésima vez. Não consigo
apoiar meu pé no chão e os pontos doem muito, me levando as lágrimas.
É dor e angústia ao mesmo tempo, eu não lembrava mais qual a sensação
de perder alguém que amo, ainda era uma criança quando minha mãe
morreu e tinha 'Hana para cuidar. Eu penso que devia ter feito algo para
evitar, eu devia ter pedido que ficasse, e exigido que Hakim o perdoasse.
Exaltada e chorosa o vejo entrar no quarto e percebo a culpa, de um
modo tão claro, que está praticamente estampado em sua cara. Ele sabe que
notei.
— Deixe-nos. – Exige, e vejo Rahina sair do quarto, com seu semblante
preocupado.
— Eu quero… ver… meu Baba. – Ele fecha a porta e se volta para mim.
— Trouxe o corpo dele. – Eu olho para ele sem acreditar, eu me nego a
acreditar que meu pai tenha morrido.
— O que você fez? O que fez com ele!? – Grito, sentindo minha
garganta arder. Levanto, disposta a o enfrentar, e fazer com que me conte
tudo, mas caio, não conseguindo ficar de pé.
Hakim segura meus braços para tentar me ajudar e eu o ataco, com tapas
e socos inúteis, chorando, tremendo, gritando, e o empurrando para longe
de mim, enfurecida e desesperada. Me abraça com força, me impedindo de
me movimentar, de continuar com meu intento, e a única coisa que consigo
fazer é chorar até perder o fôlego.
— ME SOLTA! EU TE ODEIO! – Grito. Doí tanto, me sinto destruída, e
impotente. — Você é um monstro! – Ele me solta como se, finalmente, eu o
tivesse atingido com força suficiente, seu semblante em um misto de
emoções. Não faz nada enquanto, eu ainda estava no chão, o bato, soco e o
empurro. — SAI! SAI! Eu te... ODEIO!
Levanta e segue para porta, com a culpa pesando sobre seus ombros, ele
não vai sequer negar, sequer se defender. — Que Alá, diminua os seus dias!
Que você arda no mármore do inferno! – Meu corpo inteiro treme e eu sinto
que o sangue me foge, sem lembrar de como se respira.
Limpo as lagrimas, tentando pensar em algo lógico, mas a dor da perda é
imensa.
Eu fungo, sentindo meu nariz entupido. Quando ele deixa o quarto volto
a chorar feito criança, como se nunca mais fosse conseguir parar.
CAPÍTULO 16
HAKIM
ZARA
Começo a tirar a atadura, sentindo o quanto doí o meu pé, e mordo meus
lábios para conter os gemidos, já as lágrimas é impossível de controlar. A
gaze está coberta de sangue e fico assustada com isso. O médico havia dado
quatro pontos, mas um deles tinha rompido e a carne cedia. Sabia que era
impossível andar naquelas condições, mas jamais pediria nada a Hakim.
Ele disse que não tirou a vida do meu pai, mas se diz culpado, e eu estou
horrorizada com isso. Podia ter ajudado baba, podia ter feito algo e não fez.
O dinheiro para ele vale mais que uma vida, pelo visto.
Olho em volta, me dando conta que as coisas para o curativo e os meus
pertences tinham ficado dentro do carro. Soco o colchão, calculando se eu
conseguiria ir até ele buscar o que preciso para limpar o estrago feito.
Manco até o guarda-roupa e pego duas toalhas limpas, usando uma para
estancar o sangue.
Eu preciso tomar o remédio para dor e sei que estou totalmente
dependente de uma ajuda, mas é tudo o que não quero. Não consigo olhar
na cara de Hakim. Sinto uma sensação crescente de raiva, que quer me
consumir e faz meu coração acelerar.
A toalha consegue conter o sangue, então me ajeito na cama e tento não
pensar na dor que sinto na alma e no pé. Tiro o hijab e penso em dormir, já
que não tenho conseguido fazê-lo por duas noites consecutivas, mas
começo a chorar, enquanto meu pé lateja a beira do desespero. O meu
pranto deve ter sido ouvido por Hakim, ele entra no quarto e vê a confusão
de tolhas sujas com o meu sangue.
Se inclina, puxando meu pé, o que faz com que eu contraia o corpo,
trazendo-o para mais próximo de mim.
— Eu só quero ver.
— Não toque em mim! – Ele se ergue ajeitando a coluna.
— Pode ter minha ajuda ou perder o pé por não usar a cabeça. – Uma
batalha parecia ter se iniciado entre nós.
Ele parece desistir e sai. Me jogo de cabeça contra os travesseiros,
sabendo que ele estava certo. Fecho meus olhos com força e logo os abro,
quando sinto uma mão grande agarrando meu pé, o segurando com força e
me impossibilitando de me soltar. — Fique quieta! – Exige, me fuzilando
com seu olho bom. O que me faz parar de tentar me soltar.
Observo suas mãos limpando o ferimento, e aplicando o medicamento
prescrito, em seguida o cobre com gases e usa novas ataduras para cobrir o
ferimento. Eu prendo meus lábios com força, para não chorar de dor, mas
ela chegava a entorpecer minha mente. — Quanto você deve tomar do
remédio? – Eu suo frio quando Hakim me questiona.
— Tudo, eu quero tomar tudo. Dói. – Choramingo feito criança, disposta
a tomar o que fosse necessário para apagar e não sentir mais nada. Hakim
vasculha entre as coisas que Rahina enviou e encontra a receita médica, a lê
com atenção e abre o remédio, me entregando apenas dois. Mesmo eu o
olhando com raiva, ele apenas me estende um copo com água e eu bebo os
comprimidos com fúria.
[...]
Eu tento colocar minha perna para fora da cama várias vezes e fazer isso,
me causa uma dor excruciante. Preciso ir ao banheiro, estou quase fazendo
minhas necessidades em minhas roupas e isso seria humilhante.
O remédio fez seu efeito milagroso por toda parte da manhã, e noto que
havia perdido a hora do almoço, mas sobre a mesa de estudos têm uma
bandeja com arroz temperado e frango. Minha boca saliva e meu estômago
ronca alto, no entanto, qualquer tentativa de levar meu pé ao chão me faz
querer gritar.
Eu sei que havia sido um pedaço imenso de vidro, mas não imaginei que
fosse doer tanto. Nunca fiquei dependente de ninguém, em casa, sempre era
eu, que passava noites em claro para cuidar de ‘Hana ou de nosso pai. E
agora, eu me sentia sozinha no mundo, como se nada tivesse me sobrado.
Respiro fundo para conter as lágrimas, eu não posso perturbar o espírito
do meu baba, o que está feito, está feito, resta somente orar por sua alma.
Tento mais uma vez levantar sozinha e sinto que estrelas rodam diante de
mim. Já estava transpirando pelas tentativas. Olho para a lona alta e ranjo os
meus dentes com força. Por fim, sento com minha coluna ereta e o chamo.
— Hakim? – Encaro a cortina pesada, esperando-o aparecer por ela. —
Hakim? – Tento novamente, sem saber se estava sendo alta o suficiente. Se
ele estivesse do lado de fora eu não aguentaria mais segurar a minha bexiga.
— Pelo profeta! – Estou a ponto de entrar em desespero, quando ele afasta a
cortina e me olha com seu rosto erguido. — Eu preciso... usar o banheiro. –
Falo, me sentido um cão raivoso.
— Não consegue ir sozinha? – Pisco meus olhos diversas vezes,
tentando assimilar a pergunta.
— Acredite, te chamar é a última coisa que eu queria fazer. – Ergue a
sobrancelha com a cicatriz, de um jeito um tanto soberbo, e entra de vez no
quarto. Enfia o braço por baixo dos meus joelhos e segura minhas costas,
como se eu não pesasse nada para ele, me erguendo com muita facilidade.
A tenda tem uma privada turca, uma louça no chão, com dois apoios
para os pés, eu sempre o deixo limpo e organizado. Os ladrilhos na parte
cimentada são de um azul claro. Chegando lá eu me dou conta de que não
vou conseguir usá-lo, já que preciso apoiar os pés e agachar, isso seria
impossível, principalmente estando com um corte no pé direito que tomava
conta de boa parte da planta dele.
Prendo meus lábios e por fim solto um suspiro de pura indignação. Noto
que o maxilar de Hakim se movimenta, então volto meu rosto para ele. Está
próximo demais, eu sinto o cheiro do sabonete de maracujá que Rahina faz,
emanando de sua pele.
— Acho que aguento mais um pouco. – Digo e ele retesa sua fronte.
— Por mim tudo bem. – Sinto vontade de usar meus punhos novamente,
mas me contenho. Chegar até ali fez minha necessidade gritar e eu estava
quase chorando com a ideia de ter que fazer aquilo ali.
— Não! – Para e eu tremo o queixo, por tudo. Vergonha e humilhação é
o que predomina. — Não vou aguentar. – Apenas balança a cabeça em
entendimento, entra e me coloca no chão. Eu preciso de um segundo para
voltar a respirar, apertando os braços de Hakim com toda minha força. —
Alá... – Me sinto extremamente humilhada naquele momento. — Não vou
conseguir... – Fungo, eu preciso agachar, mas não vou conseguir me apoiar
nos pés sem ajuda. Então choro e soluço, me afastando dele, para finalizar o
vexame que se sucederia. – Não consigo... sozinha... – Seu rosto está perto,
muito perto, seu olho é castanho e tem traços claros na íris, como riscos, e
só os consigo ver por estar assim, perto dele.
— Isso é visível. – Resmunga, mas não me importo, estou desesperada.
Meu pé lateja tanto que agora, até mesmo a minha cabeça começa a doer e
eu só imaginava que cairia a qualquer minuto.
— Preciso que tire... minha peça íntima. – Minha garganta doí por dizer
isso. Hakim parece que ouviu de mim, algo profano. — Por favor... – Ele
pisca repetidas vezes, enquanto eu me seguro em seus braços para me
apoiar.
— Certo. – Diz, mas fica parado, olhando para qualquer lugar da latrina,
menos para mim e isso me deixa nervosa e mais receosa. Nunca havia
vivido um momento tão íntimo como aquele, e é duro saber que seria com
ele, justamente com o único que não queria nem olhar na cara. — Certo. –
Repete.
Por fim, se inclina, enfia a mão dentro da minha saia e eu reteso meu
corpo ao sentir sua mão quente e áspera. Alcançando a calcinha, a desliza
por minhas pernas. Engulo em seco e sinto que começava a ficar tonta.
— Vire-se. Por favor. – Reluta, mas o faz, seguro a saia do meu vestido e
me inclino, gemendo, o buraco no chão parecendo estar muito longe.
Mesmo com pernas trêmulas eu agacho e consigo me aliviar. Em lágrimas
mais contidas, eu me ergo e ele precisa subir minha calcinha novamente.
Seu semblante está endurecido, quando me ergue em seus braços para me
levar de volta ao quarto, praticamente me joga na cama e sai correndo
quando o chamo. — A comida. – Fica parado de costas, segurando a
cortina, olhando para a mesa de estudos e posso vê-lo pensando, mas não
sei em que exatamente. Pega a bandeja e a deixa aos pés da cama, distante
de onde eu estou e sai feito tempestade de areia.
Olho o curativo e noto, que mais uma vez está sujo com sangue, o que
indica que aquilo vai durar mais do que eu gostaria e não sei se aguento
mais um momento humilhante como aquele. Definitivamente não, mas
aparentemente eu estou refém da ajuda da única pessoa que agora odeio
com todas as minhas forças.
Como o arroz pensando em meu infortúnio. Não há mais para onde
voltar, ficar aqui é minha única opção. Eu não posso nem mesmo tentar
procurar um emprego. Quem me aceitaria? Viver sozinha na casa onde
cresci é um perigo, que eu não quero correr. Estou presa e agora não pela
necessidade de salvar alguém, mas sim por aqui ser minha única casa.
Eu sufoquei e nem consegui mais comer, o alimento desceu rasgando
minha garganta. Eu o odeio, e estou condenada a viver sobre o mesmo teto
com ele. Disse que não matou meu pai, mas tem a culpa estampada em seu
semblante, ele mesmo admitiu isso. Nunca o perdoaria. Nunca.
CAPÍTULO 17
HAKIM
incendiado minhas veias. Talvez fosse melhor pedir para Rahina vir e ajudá-
la, afinal, são mulheres e seria mais fácil. Eu noto o olhar de desprezo que
Zara me lança toda vez que me vê, o que é agoniante e me faz sentir
estranho. Fazia tempo que eu havia deixado de me importar com isso, mas
acho que eu só estava me enganando.
Carrego água para dentro, e encho a banheira de estanho, me dando
conta de que faz dias que não fazia aquilo. Ela faz e sempre deixa o banho
pronto para mim, com toalhas limpas e roupas bem dobradas. Olho para a
cortina cerrada e me pego pensando naquele segundo, em que toquei sua
pele. É tão macia, o vinco de sua cicatriz é perceptível ao toque e eu me
pego pensando no que aconteceu, no que o causou. Tinha sido algo grave,
afinal, ela é longa, mas não deformada com a do meu rosto e se mantém
escondida em um lugar que só seu marido (sorrio com isso, agora parece
uma piada de mal gosto) pode ver ao despi-la.
Me afasto dali, após carregar o que acho ser suficiente. O dia tinha sido
quente, e eu não tenho dormindo nada há dois dias. Entro na banheira que
me acomoda facilmente, esfregando os resquícios de areia do deserto,
minha garganta ainda doí um pouco e vez ou outra eu tusso, mas o resfriado
parece ter ido embora, e mesmo que a cabeça ainda lateje, está melhor.
Estou com minha cabeça apoiada na borda da banheira quando ouço um
baque de algo caindo, levanto apressado e apenas me cubro com uma
toalha.
Zara está no chão chorando, pelo visto tinha tentando ir sozinha a latrina,
sem sucesso. Ela ergue seus olhos avelãs para mim e os arregala.
— No que estava pensando!? – Seguro seu braço para a pôr de pé, mas o
puxa, para se livrar do meu toque, sem cerimônia. Fecho meus punhos e
contenho aquele sentimento que assola meu peito. Claro que ela me veria
como abominação, ainda mais agora, depois de tudo.
— Por Alá, tenha a decência de se cobrir! – Seu nariz está vermelho pelo
choro e os olhos inchados, o que não combina muito com seu tom de voz
bravo.
— Não se faça de santa. – Seguro o braço dela, novamente, e não
permito que se solte. Ela se desequilibra, apoiando as mãos em meu peito,
me inclino a colocando no ombro, pois é o único jeito de carregá-la e
segurar a toalha com a mão, para não ficar ainda mais “indecente” diante da
minha noiva trocada.
— Me coloca no chão! – Seu punho pequeno acerta os músculos das
minhas costas, não passando de um sopro, como se a força dela tivesse se
esvaído. A sento sobre a cama e aponto, para que fique ali, a fazendo se
empertigar. — Preciso usar o banheiro. – Sufoco a vontade de dizer para
que fizesse o que precisava ali mesmo, já que eu não sabia se poderia lidar
com ela novamente. — Só preciso que me leve até a banheira, eu consigo
tomar banho sozinha. – Abro a boca e fecho, me dando conta que assim
como eu, ela também precisava se refrescar.
— Tudo bem.
— Mas vista algo primeiro. – Exige, e vejo seu rosto adotar um tom de
vermelho. Estaria com vergonha? Acredito que sim, já que é a primeira vez
que me vê semidespido. Arranco as roupas das gavetas do roupeiro e sigo
para fora, me vestindo de forma apressada, notando o quanto meu pênis está
duro e dolorido, eu não conseguia fazer com que ele ficasse em repouso por
muito tempo. Desde a noite de núpcia, eu sentia aquele necessidade
crescente de ter mais.
E agora, mesmo diante de todo ódio que emana dela e da evidente forma
como me abomina, meu pau não parece se importar com a repugnância
dirigida a mim.
Esvazio a banheira e a deixo pronta, levando mais tempo que o
necessário, afim de que aquela parte de mim volte a se acalmar, mas parece
que até isso está contra mim.
Respiro fundo e afasto a cortina, Zara ergue seu rosto em minha direção
e nele está claro que me ver é tudo o que ela não quer, além de sentir dor, é
claro, aquele corte em seu pé tinha sido feio e era de se esperar que fosse
sofrer com ele por alguns dias.
— Talvez eu consiga andar apoiada em algo. – Disse incerta.
— Por mim tudo bem. – Eu não quero tocar nela, mas sinto uma
ansiedade crescendo dentro de mim, que exige por isso.
— Ótimo. – Ergue o queixo, o que me faz quase rir, afinal, sabe o
estrago feito na planta do pé e que ouvi o seu choro de lamento e dor.
— Muito bem, mas não me chame quando cair por aí, pois não virei. –
Abre a boca um tanto surpresa, me viro para sair, quando ela chama meu
nome, tão baixo, tão melodioso, que os pelos da minha nuca ficam
arrepiados.
— Hakim. – Repete, mas permaneço ali, de costas para ela. — Por favor.
– Reteso meu corpo, alertando a mim mesmo, do peso da raiva que aquele
pedido contém.
Eu sinto uma grande necessidade de sair dali, de não precisar olhar em
seu rosto e ver o julgamento em seu olhar, de olhar em seus olhos avelã e
notar que sente repulsa. Olhar em seus olhos passou a me fazer desviar o
meu.
E eu custo a acreditar que esse sentimento voltou a mim, como se eu
nunca tivesse deixado de o sentir. Me aproximo da cama, sem notar, e a
vejo rastejar sobre o colchão, para fugir, o pânico em seus olhos é como se
estivesse vendo uma abominação diante de si, e era eu a abominação, seria
para sempre. Quem me veria diferente? Eu sempre veria nos olhos das
pessoas o que vejo agora nos dela, medo, repulsa e choque, nunca seria
diferente. Eu burlei tudo, eu troquei uma dívida por uma noiva, já sabendo
que nunca uma mulher como ela ou a irmã, me aceitaria.
Tonteio para fora, me sentindo fora de mim, sentindo raiva por
vislumbrar com tanta clareza o que seus olhos transmitiam e eu não
suportava, simplesmente não suportava saber, que a minha esposa me
abominava.
ZARA
Meu coração ainda saltava, mesmo após horas. E eu não sabia o que
fazer ou o que sentir. O rosto de Hakim se contorcia como se ele estivesse
travando uma luta interna, tão intensa, que nada o despertaria, e eu temi,
temi que ele tentasse algo contra mim, senti a raiva predominar na energia
que emanava dele.
A lona da tenda se sacudiu e eu estou assustada, já era noite. E está tudo
às escuras, eu choro de medo e dor, e sei que ele não virá, ele não se
importa, eu sou um estorvo ali, e provavelmente pensa em me devolver,
mas para quem? Eu não tenho ninguém.
Eu vejo o balançar da lona por já estar adaptada ao escuro, mesmo assim
as sombras me perturbam. Desde a morte da minha mãe eu não consigo
dormir no escuro, eu sempre deixo uma lâmpada acesa para não acordar
assustada. Estou a ponto de gritar por Hakim, para que venha e me tire
daqui. Eu não sei o que está acontecendo e odeio essa sensação, e não quero
sentir esse turbilhão dentro de mim, mas odeio mais ele, e o quero longe de
mim. Estou em um impasse e me torturo com ele.
Meu pé parece que está sendo cortado e cortado sem parar, doí a ponto
de eu segurar um travesseiro e o morder com lágrimas escorrendo pelos
meus olhos. Eu não sei dizer o que é pior, aquelas sombras que perturbam a
minha mente ou a dor intensa no meu pé. Em lágrimas e em meio ao puro
desespero eu o chamo, e grito, como se ele fosse a única salvação possível,
e era, mesmo eu não querendo, já que estávamos ali, sozinhos com somente
Alá olhando por nós. E ele não veio, eu não sei se por me odiar demais ou
por ter me deixando a própria sorte.
Minha garganta arde pela sede, com choro e gritos, não aguentaria mais.
Levanto e grito de dor, ela parece subir por todo meu corpo e dominar meu
cérebro, eu perco o fôlego e quase caio ali mesmo. Me segurando com
firmeza na cama, me apoio nos móveis e cada passo é mais torturante que o
outro, mas eu não tinha escolha. Hakim não viria. Ele me odeia, ele
arrancou tudo de mim, tomou minha paz, minha família, minha alma, e
agora pisa em tudo, como se não fosse nada. Quando alcanço a saleta eu já
estou a ponto de desmaiar, a lona está aberta e por ela entra fortes ventos
carregados com muita areia. Eu tusso e cubro meu rosto sentindo a areia
grudar na minha pele molhada pelas lágrimas e suor.
E tenho o vislumbre de uma sombra, a um canto da tenda, que faz meu
coração acelerar de medo, está ali parado, me olhando, e eu não sei se é
minha imaginação, o Hakim ou um invasor, minha voz some, e começo a
tremer, sabendo que não vou conseguir correr, que era impossível, mas não
consigo desviar meus olhos daquela sombra.
— Hakim! – Grito com tanto desespero que sinto a vibração dentro do
meu ouvido, e repito novamente, desviando os olhos para a entrada da tenda
a tempo de o ver entrar, com uma lamparina em mãos e o vento carregado
de areia sacudindo suas vestes. Volto a olhar para aquele canto e não há
nada. Minhas pernas fraquejam e por pouco não caio mais uma vez. Os
braços de Hakim me amparam e eu me agarro a ele com desespero. Eu não
tenho nada, não tenho ninguém e estou presa a esse homem.
— Hakim... – Sussurro, sentindo que minhas forças haviam se esgotado.
[...]
ZARA
Eu não sei explicar, mas senti a verdade em suas palavras, senti que
não podia ser diferente do que me contou em sua raiva e eu me sinto
envergonhada. Sei que minha mente está entorpecida pelo ódio que sinto e
estava tão claro que havia sido ele, eu tinha tanta convicção, que nada
parecia me fazer mudar de ideia e ele colaborou com isso, ele o ameaçou,
nos ameaçou.
Como eu poderia não acreditar que fosse ele o culpado pela morte do
meu pai?
Observo ele fazendo o curativo em meu pé e sua mão quente parece
queimar minha pele, sinto um formigamento incômodo e um peso no meu
estômago. Faz isso com bastante concentração, e com certa habilidade,
como se já tivesse feito antes. E me questiono se foi com ele mesmo ou
outra pessoa.
— Quero que me conte o que aconteceu. – Ergo o rosto do meu pé, e
parece que já esperava pela pergunta que acabei de fazer, me olhando
apenas um segundo, não demonstra ter intenção de me responder o que quer
que fosse. — Com o meu pai.
— Não há nada para contar, ele foi assassinado, ponto. – Seu tom frio
me faz tremer, ele afasta a mão que segura meu pé, e depois volta a limpar o
estrago.
— Quem fez? Quem o matou? – Exijo uma resposta.
— Por que acha que eu sei? – Pergunta com seu semblante endurecido, e
percebo que está começando a perder a paciência. E ele teria alguma? Pelo
visto não.
— Ai! – Puxo o pé na tentativa de evitar o contato da gaze na ferida.
— Está cheio de areia. – Segura meu calcanhar com firmeza. — Fique
quieta. – Mordo os lábios, sem aguentar toda aquela tortura.
— Pelo profeta! Não vou suportar. – Sinto as lágrimas descendo pelo
meu rosto.
— Você não sabia que seu pai tinha dívidas? – O vejo perguntar, após
terminar de limpar e me fazer chorar com isso.
— Não, claro que não. – Ergue a sobrancelha sem entender meu jeito
rude, mas não diz nada. — Nunca tivemos dinheiro, quer dizer, sempre
vivemos com pouco.
— Ele buscava camelo aqui. – Uso a toalha para secar o suor do meu
pescoço. — Até que pediu um empréstimo a juros. – Recolhe as coisas que
usou e eu perco o que segue dizendo. — Ele sabia dos riscos, emprestei
mais uma vez, até que chegou o dia de pagamento e ele não tinha como me
pagar.
— Então você viu a… ‘Hana. – Hakim olha para o nada, talvez
pensando na noiva que perdeu, na noiva que fugiu.
— Que Alá tenha piedade da alma dele. – Diz apenas, me deixando
confusa.
— Você sabia que ele podia… ser assassinado? Quando ele te procurou?
– Nega
— La, não. Eu não conhecia seu pai, ele era apenas mais um dentre
tantos outros. – Engulo em seco.
— Ele era a sua família. – Hakim me lança um olhar nada satisfeito. —
Unimos nossas famílias. – Limpo meus lábios.
— Não era nada para mim, me enganou, me fez de tolo perante toda
M’hamid. – Meu coração acelera a cada palavra que leio em seus lábios.
— E me entregou no lugar da noiva que você queria. – Engoli em seco.
Ele olha para os itens em suas mãos e parece vestir aquela máscara de
indiferença novamente.
— Descanse. – Não parece um conselho e sim uma ordem. Será que
pretende me largar ao vento? Com certeza o fará quando souber que não
existe um bebê dentro de mim, nada mais nos prende, sequer uma dívida.
Afundo nos travesseiros e cubro meu rosto.
Eu não sei o que fazer, temia o desconhecido, e agora me sinto culpada
pelas palavras duras que proferi e da forma como o amaldiçoei, ele poderia
me deixar na sarjeta e não o fez.
No que ele está pensando? O que pretende? Eu não sei, é uma incógnita,
mas sei que preciso pedir desculpas a ele, no entanto, parece que toda
minha coragem foi arrastada com a tempestade de areia da noite anterior.
Rolo na cama e gemo com a fisgada em meu pé. Eu preciso ficar boa
logo, não posso ficar nessa cama por uma eternidade, sendo um estorvo. É
um fato que agora eu preciso de Hakim, eu já aceitei meu destino como sua
esposa, mas agora parece que seria muito mais fácil ele se livrar de mim,
como se eu não fosse nada, e realmente não era, já que eu o enganei.
Eu tenho que pensar em um modo de trazer harmonia para dentro dessa
tenda, mas me nego a seguir os conselhos de Mariana. Por que tem que ser
tão difícil? ‘Hana fugiu com tanta facilidade, não pensou, apenas agiu.
Nunca imaginei que ela seria capaz de abandonar a mim, logo a mim, que a
amava tanto, me largando ao vento, do mesmo jeito que Hakim fará,
quando se der conta de tudo sobre mim.
Sem perceber, meus ombros já se sacodem pelo choro de aflição e
angústia. Por que estou destinada a sofrer desse jeito? Eu não mereço nada
de bom? Por que ela foi embora sem olhar para trás?
Eu não tenho respostas para nada, mas sinto uma dor profunda em minha
alma.
HAKIM
ZARA
ZARA
Ajeito meu cabelo e arrumo a roupa, por fim suspiro. O que está
acontecendo comigo? Esfrego minhas mãos contra a saia do vestido, me
sentindo ansiosa a ponto de estar com o coração saltitando muito rápido.
Eu não consegui dormir na noite anterior, não por meu pé estar doendo
como o inferno, não, é que minha cabeça parece estar perdendo o juízo que
resta. Olho para cortina ansiando pelo momento que ela será afastada e
Hakim entrará. Ele sempre vem bem cedo, trazendo algo para comer ou
para me levar ao banheiro.
Pressiono meus olhos, um tanto nervosa, há uma necessidade crescente
dentro de mim, que me causa calor e sensações desconfortantes. Toco meu
rosto com minhas mãos um pouco úmidas, em seguida meu pescoço e por
fim prendo meu cabelo em uma trança.
Ergo meus olhos quando noto o movimento da cortina e o semblante de
Hakim é o de alguém que não dorme bem a dias, cansado, abatido e
parecendo doente.
— Você está bem? – Uso meus braços para me sentar melhor na cama,
enquanto avalia-o melhor.
— É apenas um resfriado. – Coloca sobre a mesa de estudos o meu
desjejum, que consiste somente em um pão caseiro e queijo, nada mais.
Franzo minha testa sem entender. — Você quer usar o banheiro? – Sacudo a
cabeça rápido e ele ergue a sobrancelha e espirra, cobrindo o rosto com a
mão. Assim que ele me ergue eu rodeio seu pescoço com meu braço, ele
parece ter tomado aquela decisão sozinho, pois em momento algum eu
cogito aquela ideia absurda. Hakim para comigo, suspensa, e retesa seu
corpo forte. Eu consigo sentir cada parte de seu tórax e quero pular dali,
mesmo sabendo que a queda não vai ser nada agradável, ao mesmo tempo
quero que continue me segurando. Talvez tenha enlouquecido.
Ele me dá espaço para fazer minhas necessidades fisiológicas e depois
me leva de volta para o quarto e, sem dizer nada, sai. Eu meio que murcho,
odeio o fato de ficar dentro daquele quarto, deitada e sem ninguém para
conversar, eu sempre tive alguém para conversar e cuidar, agora estou o
tempo todo sozinha.
O resfriado dele parece ter piorado. Penso em o chamar para ensinar
alguns chás bons para gripe, no entanto, não sei se ele aceitaria uma ajuda
vinda de mim, não depois de tudo que eu disse. Suspiro, concluindo que eu
realmente preciso pedir desculpas, já que o peso da culpa está pesando
sobre os meus ombros e eu me sinto péssima com aquilo.
Como o pão e noto que ele é do dia anterior. A comida do Hakim é
muito boa, ele é o primeiro homem que eu conheci que cozinha, Baba e
‘Hana dependiam totalmente de mim e sabiam que podiam até passar fome
se eu não estivesse lá por eles, já aqui, Hakim parece fazer tudo funcionar
tranquilamente. Ele pode não se atentar muito aos detalhes, mas não
aparenta precisar de ninguém para o que quer que fosse. No entanto, ele
demonstrava estar mais doente do que queria admitir e não parece propenso
a pedir qualquer tipo de ajuda.
ZARA
HAKIM
ZARA
HAKIM
HAKIM
ZARA
Eu olho para Hakim delirando e estremeço toda vez que ele grita,
chamando seu Baba, e é tão real seu sofrimento, que eu sinto a dor penetrar
minha alma, me fazendo chorar junto com ele. Não consigo entender muito,
mas percebo após algumas horas, que ele viu seus pais morrendo diante de
seus olhos.
Insegura, sem saber se devo acordá-lo ou não, eu faço o que meu
coração manda e seguro sua mão, lhe dizendo palavras de conforto. Como
se tivesse falando com uma criança, aperto minha testa contra a sua têmpora
e colo minha boca em seu ouvido, tentando penetrar seu delírio e o trazer de
volta. — Estou aqui… – Digo. — Estou aqui… – Em lágrimas eu cuido
dele, conseguindo fazer com que tome um remédio para febre, que triturei e
misturei na água, até que a febre cede e as alucinações cessam. Suspirando
aliviada, o vejo dormir, por fim o sol nasce, iluminando toda a tenda.
Deixo o quarto apenas para trazer mais toalhas frias. Enxugo seu corpo e
observo com atenção a cicatriz de queimadura que fica em sua costela, em
seguida seu rosto e afasto o cabelo para ver, finalmente, que ali também
tinha uma cicatriz escondida. Algo grave deve ter acontecido com ele, e eu
quero muito saber de tudo, mas ele está longe demais de mim.
Faço uma oração ali mesmo e deixo o quarto, tomando o cuidado de
colocar próximo dele, água e algumas frutas. Já havia passado mais do meio
dia e o sol estava a pino. Me dirijo até a pequena construção de madeira,
quando noto que há homens lá, aguardando.
— Salam Alekum. Meu marido está indisposto no momento, se não for
nada de extrema urgência peço que retornem amanhã. – Alguns partem no
mesmo minuto e outros começam a falar, todos ao mesmo tempo. —
Desculpem-me. Um de cada vez, por favor. – Peço, buscando segurança em
minha voz.
Despachar os animais vendidos, receber dinheiro de uma dívida, e
entregar lista de compras não foi difícil, mas eu demoro mais do que acho
que Hakim demoraria. Um carro com mercadorias chega assim que o
último cliente foi embora. O homem é insistente e exige a presença de
Hakim, mas logo quis comprar alguns camelos a uma ninharia. Eu não sei
dos preços, mas havia recebido um pagamento, então sei que o que ele
estava oferecendo não condizia com os preços que Hakim exige na venda
de seus animais.
— Salam. – Um senhor usando turbante desce do veículo, e de trás do
mesmo um jovem começa a descer caixotes com frutas, verduras e legumes
— Atrasamos hoje, o carro… bem… ele é velho. – Diz sorrindo. — Você é
Zara?
— Sim, por favor, levem isso para dentro. – Prendo a cortina de lona da
parte traseira da tenda. Feliz com a fartura de todo aquele alimento. Eu
tinha notado que Hakim abastece a cozinha com tudo o que eu jamais
pensei em comer e coisas as quais eu nem sabia o que fazer com elas, mas
era uma alegria fazer novos pratos.
No cair da tarde meu pé lateja muito e eu quero me sentar, mas ainda há
muito a fazer e eu preciso ajudar.
— Eu sou Jihad, esposo da Rahina e aquele garoto é o meu filho mais
novo, Amin. – O rapazote inclina a cabeça e pega a última caixa, com ovos
e leite fresco. – Voltarei em dois dias, gostaria de algo especial? Ou algo
que não tenha na lista? – Me estende a lista e a leio rapidamente.
— Eu gostaria. – Peço e escrevo no papel as cores das linhas e tamanho
de agulhas, não penso muito, talvez não fosse fazer tanta diferença. — E a
sua filha? Como estão indo com o bebê? – Ele sorri um pouco.
— O bebê e a mãe ainda estão no hospital, foi um parto difícil. – Levo a
mão aos lábios, um tanto preocupada, afinal tinha visto a moça quando
estive na casa dos pais de Hakim.
— Que Alá os abençoe para que retornem para casa o quanto antes. –
Ele ergue as mãos ao céu e estendo a lista.
— Hamdulillah. Trarei tudo quando vier. Salam Aleikum. – Chama o
filho com a mão, quando o vê se distrair com os animais presos.
— Aleikon Al salam. – Aceno, e vou fazer as tarefas que Hakim
enumerou para si mesmo. A palha seca foi fácil, já os cactos não, os
espinhos me furam diversas vezes e só após muito esforço eu vejo que tinha
uma luva, que servia perfeitamente para o corte da coisa. Os camelos se
amontoam para comer, quando me veem chegando, e como eles já estão
acostumados com a alimentação e provavelmente já havia dois dias que o
Hakim não os alimentava devido a sua saúde, eles ficam eufóricos. Carregar
o carrinho pesado foi um verdadeiro sacrifício e paro em meu percurso
várias vezes. Um dos cochos tinha uma lona, a tiro e despejo a comida
desejada, levando alguns empurrões dos imensos animais ruidosos.
Meu pé dói cada vez mais, mas não paro, indo até o poço de água e
bombeando o suficiente para o meu banho e o de Hakim, caso ele acorde.
Lavo toda a louça e preparo comida. Guardo os mantimentos e vou até o
quarto, notando que agora a pele dele está pegajosa ao toque, mas a febre
está bem fraca. Uso as toalhas limpas para o deixar confortável e por fim o
cubro bem.
Suspiro aliviada em poder ajudar de alguma forma e me sinto útil por ter
feito tudo aquilo que ele faz diariamente. Me dou conta de quão árdua é sua
vida naquele deserto e no quanto trabalha, sem ter muitos luxos e regalias.
A verdade, é que dentro daquela tenda não há nada de valioso, e a única
coisa que parece que ele tem, de valor considerável, é seu carro imenso.
Talvez eu não conhecesse nada de sua vida antes, ou até mesmo agora, mas
estou começando a querer conhecê-lo mais. Eu quero saber quem ele é, pois
sei que não pode ser apenas ruim.
Agarro sua mão e sinto o quanto é áspera, vendo também que há
pequenas cicatrizes em seus dedos e sorrio ao notar que eram por causa dos
cactos que ele corta para alimentar os camelos de sua cáfila.
Eu queria poder me transformar naquela à qual ele escolheu, ser graciosa
e perfeita como ‘Hana, para que ele me visse. Mas sou tola demais, isso
jamais vai acontecer. E quando ele descobrir todos os meus segredos, me
odiará mais ainda e eu não sei o que sobrará de mim.
CAPÍTULO 22
ZARA
[...]
O médico não parece confortável de ter ido até ali. A tenda parece conter
algo profano dentro dela, e, a mesma, devia ser evitada por todos. Será que
as pessoas não viam que se ele fosse culpado a essa altura estaria preso?
Mesmo o médico sendo americano fica claro que está ali apenas pelo
dinheiro, fará o que foi pago para fazer e sumirá da tenda correndo, se for
preciso.
— Aleikon Al salam. – Me curvo para o médico assim que ele sai, mas
ele sequer me dirige um olhar. Do lado de fora Kaysar o paga.
— Ele está com pneumonia. – Cruzo minhas mãos e sinto meu coração
falhar. — Eu vou buscar os remédios, ele vai ficar bom.
— Hamdulillah! – Kaysar se dirige até a saída, mas se volta.
— Sinto muito, Zara.
— Pelo quê? – Pergunto sem entender.
— É muito para lidar, deve estar sendo difícil, ainda mais com tudo o
que aconteceu entre vocês. – Seguro a saia do meu vestido, apoiando
somente meu pé bom no chão, deixando apenas meus dedos do pé
machucado, tocando no tapete.
Eu não sei o que dizer, eu apenas não me sinto estranha por aquela
exposição, Talvez Kaysar tenha notado meu desconforto e sorri de forma
gentil. — Eu volto logo. – Apenas balanço a cabeça e o vejo ir.
Vou mancando até a cozinha, aproveito e faço o jantar. Não sei se Kaysar
ficaria, ele não havia me dito nada e chegou subitamente, mas eu o
receberia da melhor forma possível. Pego uma panela de barro e começo o
preparo do Mqualli, usando os mantimentos trazido por Jihad mais cedo. A
conserva de limão siciliano deve ter sido enviada por Rahina e os cortes de
frango estão frescos para o prato e prontos para fazer o que eu pretendo, em
poucos minutos a panela ferve com o cozido. Volto até o quarto para
verificar Hakim, e doía minha alma o ver delirando. — Alá, que ele fique
bom. – Peço, segurando a mão de Hakim entre as minhas, sentindo o quanto
estavam quentes.
Kaysar retorna com os remédios e com a ajuda dele conseguimos
medicar Hakim, olhando para ele até que parece que a febre cede um pouco
e ele dorme sem se sacudir na cama.
— Eu trouxe uma coisa para você. – O vejo dizer, após tocar em meu
ombro para ter a minha atenção, me chamando para fora do quarto. Olho
para Hakim, meio relutante em o deixar sozinho. — Ele vai ficar bem. –
Toca em meu ombro novamente e por fim o sigo. Vejo na saleta uma caixa
retangular, não muito grande, embrulhada em papel rosa e com um laço
amarelo. — O vendedor insistiu no papel de presente. – Explica, esticando a
coisa para mim.
— Não posso aceitar. – Digo sem nem mesmo saber do que se tratava.
— Não é um presente. – Balança para que eu pegue. — Hoje em dia
todo mundo precisa de um, e vocês estando aqui, isolados, precisam mais
que qualquer outro. – Explica, me deixando um pouco curiosa, mas ainda
relutante. — Por favor, aceite.
— Chukran. – Pego a caixa meio acanhada, desfazendo o embrulho
elaborado. Dentro havia uma outra caixa, contendo um aparelho celular, eu
abro a boca surpresa.
— Eu tomei a liberdade de o configurar é só usar. – Diz quando eu ergo
meus olhos, ainda surpresa.
— Pelo profeta! Eu realmente não posso aceitar. – Tento devolver.
— Como eu disse: não é um presente. – Ele leva as mãos para trás das
costas, com um sorriso travesso e um brilho divertido nos olhos.
— Não sei o que dizer, eu nem sei mexer nisso. – Tiro o aparelho da
caixa e ele acendes. Um eletrônico daqueles era objeto de desejo de ‘Hana
há anos, mas eu e Baba não podíamos comprar nada tão caro, nem se
morrêssemos de tanto trabalhar.
— Nem precisa agradecer. Olha. – Se aproxima mais e se inclina,
tocando na tela. — Salvei os números aqui, para te ajudar. – Desliza e me
mostra os números de Hakim, dele mesmo e Rahina. — Nunca se sabe
quando pode precisar falar com alguém. – Torna a se afastar. — Ah, e tem
acesso à internet.
— Parece muito complicado. – Digo envergonhada pela minha falta de
conhecimento.
— Eu te ensino. – Eu fico emocionada, devo confessar e sorrio. Sirvo o
jantar e enquanto ele come me mostra como eu faço para manipular o
aparelho. Me mostra como fazer para entrar em uma rede social em que via
‘Hana conversar por horas com pessoas que eu nem sabia de onde eram e
me sinto burra, por não entender muito do que ele me explica.
— Você está bem? Sua voz está fraca. – Pigarreio rapidamente.
— Eu não controlo o tom da minha voz, mas me habituei a falar baixo. –
Ele parece bem interessado. — Talvez ela fique assim por isso, pela falta do
sentido.
— Você já foi ao médico? Um especialista? – Nego, ajeitando meu hijab.
— A tecnologia avançou bastante, podemos ver se há algo que possa ser
feito.
— Não sei… eu não tenho dinheiro. – Aquele celular era a única coisa
de valor que eu tenho.
— Não pense nisso. – Abanou a mão. Eu imagino que dinheiro era algo
com o qual ele não se preocupava. Kaysar era muito educado e cordial,
sempre com um sorriso gentil. — Eu vou ver o que posso fazer sobre isso.
Eu não quero muito pensar naquela possibilidade, eu tenho passado boa
parte da minha vida sem ouvir e estou acostumada a isso e não nutro
esperanças de ouvir novamente, e sempre fui pobre, então, sei que não
posso ambicionar nada. — Eu preciso que me ensine. – Mostro o telefone.
— Eu sei que minha irmã usa uma dessas coisas, talvez consiga encontrá-la.
Eu tento entregar o telefone para que ele mesmo faça, mas insiste que eu
devo aprender praticando e realmente consigo, e não acredito em meus
olhos quando vejo o perfil de ‘Hana, mostrando uma foto em que ela está
em um café, acompanhada de duas outras moças, e nenhuma delas usava
hijab. Olho para àquela imagem horrorizada.
— Minha irmã… está perdida. – Baba tinha razão.
— Não, não pense assim. Veja, em outros países é muito comum não
usar nada na cabeça, como algumas turistas fazem aqui. – Fico encarando
Kaysar enquanto diz isso, sentindo que as portas do inferno estão se abrindo
diante de mim.
— Elas. ‘Hana não podia abrir mão do hijab, eu ensinei os costumes
para ela, eu ensinei tudo para ela. – Kaysar dá de ombros.
— Acho que você não entenderia. – Fico irritada com aquilo. Eu devia
ter dado lições mais severas para ‘Hana, mas fui boa demais.
— Eu entendo perfeitamente, não imponho minha religião para ninguém,
mas ‘Hana, foi encaminhada desde criança e veja agora. – Mostro as demais
fotos. Eu estava horrorizada com tudo aquilo, sentia ânsia de vômito e
queria ir até ela e a trazer de volta pelos cabelos, se fosse necessário.
— Tudo bem. Vamos deixar isso para quando ela estiver aqui. – Abro
minha boca diante da ideia.
— Aqui?
— Você é a única família que ela tem, então, acho que o melhor lugar
para ela ficar é com você. – Eu não cogitei essa ideia em momento algum.
Sempre pensei que ela pudesse ficar na nossa casa, com baba, encontrar um
marido e seguir sua vida. Mas vir para cá. Alá… — Se você apertar aqui,
pode enviar mensagens para ela.
— Certo… eu farei isso… em outro momento. Chukran. – Fica evidente
que ele não entende minha súbita mudança.
Eu estou com medo, temo que Hakim venha a pensar nela de outra
forma, ou a queira como segunda esposa, afinal, era com ela que ele queria
casar, foi ela que escolheu, era com ela que devia casar, não comigo.
— Tudo bem, se você quiser algo, não hesite em me chamar. – Agradeço
e fico olhando as fotos de ‘Hana, me sentido zangada e dividida.
Kaysar tem razão, eu sou tudo que ‘Hana tem, eu tenho que cuidar dela,
mas serei capaz disso agora?
Invento uma desculpa qualquer e deixo Kaysar na sala. Como já havia
deixado o quarto em que Hakim dormia, pronto para ele, sabia que ele
podia se sentir à vontade. Nem me preocupo com a louça, ela pode esperar,
sou tomada por uma ansiedade crescente, me sento na cama com cuidado,
olho um pouco para Hakim, pego o celular e procuro por ‘Hana. Escrevo
uma mensagem e ela me responde de imediato, o que me faz chorar, já que
sinto muito a falta dela.
“Eu estou bem, de verdade. Estou com uma amiga, você não a conhece,
mas ela e sua mãe me receberam em sua casa, e Zara, eu não me arrependo
de ter fugido.”
Leio a mensagem ao menos três vezes. Ela não parece fazer ideia do que
tem acontecido.
“Você tem que voltar. Não pode abandonar nossos costumes. O que você
pretende fazer com sua vida?”
“Não volto, sinto muito. Eu te amo, mas você não é a minha mãe.”
Solto o telefone horrorizada por ler aquelas palavras, sentindo que meu
coração foi arrancado do meu peito e pisoteado. Foi a pior coisa que ela
poderia ter escrito e eu me sinto vazia, como nunca antes.
CAPÍTULO 23
HAKIM
ZARA
Meu coração salta e eu cubro minha boca para que nenhum som escape.
Eu ainda estou impactada com a visão de Hakim se tocando, o jeito como
ele faz aquilo, me fez ficar ali, olhando, sem conseguir sair, sem conseguir
desviar os olhos, mesmo sabendo que é algo íntimo.
Bato em minha testa por ser estúpida.
Saio da tenda, mancando, para buscar ar, sinto que dentro daquela tenda
não tem nenhum. Meu peito sobe e desce de forma frenética e não me
importo de estar ali fora sem o hijab, é cedo, não haverá intrusos passeando
nas terras de Hakim, é apenas eu ali fora. Apoio minhas mãos na cerca, me
perguntando como irei olhar na cara dele de novo. O que estará pensando de
mim? Alá… não, não posso pensar nele agora, muito menos no profeta.
Toda vez que fecho os olhos o vejo, seu traseiro firme e tencionando a
cada movimento, e eu não quero e nem devo, mas fiquei tentada a dar a
volta e vê-lo de frente, ver claramente o que fazia consigo mesmo, no final
seu corpo inteiro tremeu e acho que não deve ter sido bom, mas me fez ficar
quente, do mesmo jeito que fiquei quando toquei no meio das minhas
pernas e explodi em sensações delirantes.
Toco minha testa e sinto que suo um pouco, estou nervosa e tremo, a
minha roupa parece se colar em mim e tudo que quero é tirá-la, não quero
nada me cobrindo agora, então ultrapasso a cerca, e sigo a passos largos
para o oásis. Ele parece ser um lugar sensato para estar, e sua água fria
nunca foi tão atraente como agora.
A grama vai surgindo em montes até ser apenas ela e não mais só areia,
as palmeiras se erguem imponentes, seculares, e me pergunto quantas
pessoas devem ter passado por ali e visto aquele lugar do mesmo jeito que é
agora? Quantas se viram fascinadas com o inacreditável fato de ter água em
meio a um deserto tão árido?
Arranco as roupas que me sufocam e entro do jeito que vim ao mundo.
Me apresso em alcançar a parte mais funda para esconder minha nudez.
Mergulho e fico submersa até não conseguir mais, emergindo e
encontrando-o ali, de pé, vestindo apenas sua calça de algodão folgada, com
seu peito nu em evidência me fazendo perder o compasso das batidas.
— Você é curiosa. – Diz com seu rosto levemente erguido, um traço de
soberba em evidência e talvez diversão, vê minhas roupas no chão e olha
delas para mim. — Está nua? – Olha em torno, buscando por algo ou
alguém, conforme eu afundo até que fique somente meu nariz para cima,
fora da água.
— Eu… eu precisava. – Subo e respondo, não sabendo se é necessário.
— Me perdoe, por ter o espionando.
— O que você viu? – Jogo meu cabelo para frente, o jeito como ele
encara a água deixava claro que pode me ver por inteiro ou em partes.
— Eu não vi nada.
— Mentira! – Ruge, e eu estremeço quando ele cerra os dentes e passa
os dedos entre os cabelos.
— Por quê…? – Começo e paro, mas tomo coragem, sabendo que eu
tenho que pôr em prática um plano que nem sei como elaborar. — Por que
fez aquilo?
Me olha com incredulidade e seu rosto adota um tom de vermelho,
enquanto seu olho bom parece não saber se olha para mim ou para qualquer
outro lugar. — Doeu? — A curiosidade grita dentro de mim, exigindo
respostas.
— Acho que isso não é nada que você deva saber. – Ele não parece
disposto a contar e suas feições ficam endurecidas de fúria. — Mas não, não
existe dor, apenas… frustração. – Me ergo mais, notando seu olhar sobre
mim, o que faz com que eu me sinta especial, desejável, e até mesmo
bonita.
— Por quê?
— Você não entenderia. – Eu estou ficando frustrada, isso era certo.
A tensão de seu rosto o abandona e ele me olha de um jeito diferente. —
Por que não era o que eu realmente queria. – Sinto minha testa se franzir,
ele parece se complicar mais, não chegando a lugar algum. — Vire-se
— Por quê?
— Faz perguntas demais, não acha? – Ergue sua sobrancelha com o
corte. — Quero tirar a roupa e entrar.
— Aqui? – Pergunto, começando a ficar nervosa. — Não posso olhar? –
Pergunto quando ele adota sua costumeira cara de quem vai matar alguém.
Se eu me virasse não saberia o que ele vai dizer enquanto isso e
provavelmente me denunciaria.
— Hum… – Pensa e leva a mão ao cadarço da calça, se desfazendo dele
devagar, o que faz minha boca abrir em expectativa gritante. Eu podia
alertá-lo da presença de Kaysar na tenda, mas sei que ele ficaria novamente
furioso, pois eu estou ali dentro do oásis, nua para a vista de quem quer que
fosse, então me calei.
A roupa que o cobre cai e eu não sei o que pensar, sei que ele tem algo
aterrorizante no meio de suas pernas, que me machucou e me dilacerou ao
ponto de sangrar e chorar, e era assustador ver que foi aquele negócio longo
e grosso.
Como conseguiu entrar em mim?
Hakim se adianta em entrar no oásis. Mergulhando e emergindo, sacode
a cabeça e me molha com a água fria, mas eu ainda estou em estado de
choque. Nunca havia visto nenhum homem despido, sequer crianças e era
surpreendente as diferenças, percebendo agora o quanto estou
envergonhada por ter visto. Devia ter me virado, como ele sugeriu.
— Está assustada? – Não consigo responder. — Não vou te obrigar a
nada. – Engulo em seco, um pouco nervosa, por estar assim, tão perto.
— Não sei o que pensar, parece ser… algo que não tem como… e custo
a acreditar que consegue… talvez não seja certo. – Não consigo colocar em
palavras o que penso e sinto. Eu só sei que bebês não podem mais ser
colocados na minha barriga, não quando tem que ser com aquilo dentro de
mim. — Não sei o que dizer…
— Não precisa dizer nada, eu entendi tudo. – Percebo o quanto ele está
zangado, talvez eu tenha dito mais que o necessário.
— Você quer… quer colocar dentro de mim? É por isso que fez aquilo,
que fez… o que o deixa frustrado? – Devo ter o surpreendido ou talvez
continuei sem conseguir me fazer entender, pois ele está estranho, mas
quando foca a atenção em mim parece determinado.
— Na’am, eu queria… eu quero. – Engulo em seco e me aproximo,
mesmo temendo.
— Então… faça…
CAPÍTULO 24
ZARA
subitamente eu quero, quero mesmo sabendo o quão ruim foi aquela noite e
que poderia ser assim novamente, mas quero.
Seu olho bom tem um tom castanho claro que se dilata tanto agora, que
escurece, seu rosto parece travar uma batalha entre fúria e… não sei, mas é
algo que eu gosto de ver. Hakim se ergue na água e eu me dou conta mais
uma vez do quanto ele é grande. Olha em volta e estende a mão para mim.
Coloco a mão sobre a sua e noto que a água fria não tem efeito em sua pele
quente.
— Acho que está com febre. – Com um único movimento, ele me faz vir
mais para a beirada e eu fico inteiramente as vistas do deserto e dele, nua e
arrepiada.
— Não estou. – Tento cobrir minha nudez e ele segura meu braço e o
solta, parecendo notar algo em mim.
— Desculpe… é que… é que ninguém nunca… eu nunca fiquei assim…
na frente de outra pessoa. – Meu rosto queima com seu olhar sobre mim.
— Vamos para a tenda. – Ele parece afoito e apressado, e isso não está
certo. Talvez a pressa fosse fazer com que tudo desse errado.
— Não! – Estanco, e ele não entende, afinal, Kaysar está lá. — Aqui está
bom… só não fique olhando.
— É impossível não olhar. – Eu mantenho os meus olhos para cima,
penso que se os baixasse iria desistir no mesmo minuto. — Eu quero olhar.
– Afasta meu braço. — Pode ser que seja melhor você não olhar. – Franzo
minha testa.
— Não olhar fará doer menos? – Algo surge ali, não sei, mas ele me olha
de uma forma que faz minhas pernas tremerem mais.
— Você está com medo da dor? Por que exatamente? Eu não sinto dor
alguma. – Eu quero muito me esconder naquele momento, mas não tenho
para onde ir e minhas roupas não estão ao meu alcance.
— Quando você… entrar, vai doer como a primeira vez? Vai machucar?
– Ele se afasta a ponto de voltar a ficar coberto pela água e eu faço o
mesmo.
— Eu te machuquei? – Confirmo e ele se afasta mais, não olhando
diretamente para mim. — Muito?
— Eu não consegui andar. – Lembro e ele fica pálido e eu tento me
aproximar, sem saber porque o faço, e ele olha para mim também surpreso.
— Eu pensei… na verdade, eu não pensei. Eu fiz o que achei que devia e
gostei. – Confessa, sem muito entusiasmo, como se falar aquilo fosse difícil
ou vergonhoso. — Eu nunca havia me deitado com uma mulher. – Diz
esperando a minha reação, que não veio porque eu não sabia o que pensar
sobre aquilo. — Eu nunca toquei em nenhuma, ou beijei, nunca, e a
experiência que eu tenho é apenas de ver isso em locais não… em locais
que homens frequentam, ou vendo os animais, mas para os animais é algo
fisiológico. – Fico atenta a sua explicação, sem me movimentar para que ele
não pare de falar. — Tem um único propósito, então penso que era igual,
que eu poderia me enfiar em você, do jeito que vi outros fazendo e depois
não precisaria mais.
Eu estou tremendo ao perceber que eu não sei de nada, tão pouco ele e é
tão difícil de assimilar, que a minha voz some. – Mas não foi bem assim, eu
olho para você, e quero repetir tudo aquilo.
— Alá… – Digo temerosa e cobrindo meus seios.
— Mas não parece certo, principalmente agora, principalmente quando
sei que para você não é bom quanto é para mim. – Eu penso nas palavras de
Mariana e me amaldiçoou por isso.
— E se puder ser bom para mim também? – Hakim me encara como se
eu fosse algo irreal e eu quase afundo ali no oásis para que toda a minha
vergonha passe.
— Do que você está falando?
— Eu não sei muito…, mas talvez a gente possa tentar fazer com que
seja bom, para nós dois. – Digo relutante, nada segura, afinal, eu me tocar
sozinha, parecia ser uma coisa, mas deixar ele me tocar é outra. Mesmo
assim eu lembro de todos os momentos que acariciei seu cabelo e toquei seu
peito, e todas as sensações que foram surgindo e que me fizeram arder.
— Então me mostre. – Ficamos parados, dentro da água fria olhando um
para o outro e eu sei que se eu não fizer nada, ele também não fará, agora
ele sabe o quanto me machucou e talvez não queira mais aquilo.
— Me beije. – Eu peço, me aproximando dele. — Eu quero que me
beije. – Reforço. E sua mão alcança meu rosto, mergulhando em meus
cabelos e logo seus lábios caem sobre os meus, devagar, apenas um toque
leve e macio, e eu solto algum som, que me faz abrir a boca e ele faz o
mesmo, e eu penso naquilo como quando chupava uma fruta carnuda. Era
tão bom que eu poderia beijar o tempo inteiro, mas ele se afasta sem fôlego
e eu percebo que também tinha perdido o ar.
— Pelo profeta... – Leva a mão a boca e a toca, logo, volta para minha
boca com tamanho desespero que eu tenho que me segurar em seus braços.
Meus seios ficam pressionados contra seu peito e a sensação da fricção me
faz suspirar, enquanto sua boca descobre a minha com sofreguidão. O braço
que está em volta da minha cintura me faz ficar muito próxima, o que faz
com que eu sinta a sua intimidade de encontro a minha e o movimento
rápido faz com que eu sinta algo novo e sufocante, quase uma necessidade.
Hakim vai nos trazendo mais para o raso até que estamos deitados entre
grama e água, e tudo o que ele faz é me beijar, até que eu seguro sua mão e
a coloco sobre meu seio, o fazendo parar e olhar. Colocando minha mão em
seu peito esquerdo, o massageio, notando que meu corpo reage ao estímulo,
e o levo a me imitar rapidamente. Por um tempo permanecemos assim, até
que ele para e sua boca cai sobre meu peito, fazendo com que eu grite
surpresa, me deixando a beira de um colapso, pois sua boca gelada foi de
encontro a minha pele quente.
Eu instintivamente toco o centro das minhas pernas e a sensação que me
assola se intensifica. Hakim afasta a boca do meu peito rígido e vê o que eu
faço com meus dedos, então os seus ficam sobre os meus e é surreal.... o
toque dele faz com que a sensação seja boa em um nível diferente. Hakim
apenas sente os movimentos e depois os repete do mesmo jeito. O que faz
com que eu gema mais e trema a ponto de sentir que desgrudo minhas
costas da grama. Por um momento eu simplesmente explodo, rápido e forte
de um jeito que não se comparou a primeira vez que aquilo aconteceu, e
noto que foi no segundo em que ele colocou a sua boca ali. Talvez não fosse
certo, eu não sabia, mas é bom, muito bom.
HAKIM
HAKIM
zangado, devo admitir, Zara sabia que meu sócio estava na tenda, e não me
disse nada, fazendo tudo aquilo no oásis, correndo o risco de sermos vistos.
No entanto, eu me sinto estranho, após Kaysar me colocar a par do
ocorrido e de como ela agiu enquanto eu não conseguia acordar. Eu
precisava ver o estado do seu pé, já notei que mancava, quando pensava que
ninguém estava olhando.
Eu queria muito expulsar Kaysar e ficar sozinho com ela mais um pouco,
mas me sentia debilitado, e admitir aquilo é mais difícil do que eu pensava.
As luvas grossas impediam os espinhos de furar nossas mãos, mas não
nos dava a agilidade necessária. Eu olhei para Kaysar como nunca havia
feito antes. Ele vivia dizendo que éramos irmãos e eu apenas ignorava, mas
sua permanência aqui, me fez enxergar ele diferente e eu me senti um pouco
acuado.
— Sinto muito que Zara tenha se machucado, pensei que você tinha
ligado para ela, para contar, já que não me recebeu quando cheguei na casa
dos seus pais. – Um pequeno monte de cactos aguardava para o corte e um
pouco de palha seca também seria acrescentado ao banquete que seria
servido para os novos animais.
Eu havia feito um cercado para eles, para que não ficassem juntos dos
mais fortes e pudessem comer mais. Levaria alguns meses até que eles
estivessem bons para o abate, mas a compra tinha sido boa, no entanto, eu
ainda nem havia calculado o prejuízo pelos dois roubos.
— Ela não tem celular. – Kaysar para o que está fazendo e me olha
descrente. — Para quem ligaria? Sou tudo que ela tem.
— Não disse nada antes. – Eu não era tudo o que ela tinha, ainda restava
a irmã que havia criado. ‘Hana tinha ido embora para outro país. — Mas
tomei a liberdade de comprar um para ela. – Aperto a faca de corte. —
Poderia ter acontecido uma tragédia se eu não precisasse vir aqui. – Eu
sabia que ele estava certo. Eu podia ter pensado nisso, mas estava centrado
em outras coisas e o telefone é algo que eu apenas uso em último caso. —
Agora ela pode até mesmo se comunicar com a irmã, inclusive até a
encontrou ontem. – Penso na informação e no que tenho que fazer.
— Eu vou precisar de dinheiro, das aplicações. – Eu não queria pagar a
dívida do velho, mas sabia que seria a única coisa sensata a se fazer. Já que
não queria Mustafá no meu encalço.
— O que houve? – Eu poderia aproveitar a oportunidade de Zara ter
encontrado a irmã para a entregar para Mustafá, mas se a moça não quis
casar comigo, iria muito menos querer casar-se com aquele patife.
— O velho infeliz devia dinheiro e usava as filhas como garantia. –
Corto os cactos com um pouco mais de brutalidade. Zara podia estar agora
nas mãos de Mustafá e a ideia não me agrada. — Um desses exige que eu
pague o que o velho o devia.
— Parece que você se meteu em uma tremenda enrascada. – Os camelos
se esticavam para tentar alcançar os cactos ou palhas. — A quantos ele
ofereceu as filhas?
— Não faço ideia.
— Não acho justo que use seu dinheiro para pagar uma dívida que não é
sua. Você devia saber que estava caindo em uma teia de aranha. – O encarei
com fúria.
— Como eu ia saber que aquele infeliz devia a todos os agiotas da
região? – Kaysar deu de ombros, indo mais devagar no processo do que eu
esperava, mas ele não era o tipo de homem de serviços pesados.
— Você não precisa mais trabalhar com empréstimos, os investimentos
com importação estão indo bem e a carne dos camelos também. – Ignoro,
emprestava apenas para os compradores com os quais eu negociava a
tempos, e eles nunca falharam, era um bom negócio e graças a ele, eu tinha
conseguido iniciar tudo isso. Era escuso? Sim. Adorava a sensação de poder
sobre àqueles indivíduos? Óbvio. Está claro que sair daquele negócio estava
longe de acontecer — Isso pode atrair pessoas indesejadas. – Alerta e não
levo em consideração. As pessoas tinham medo demais de mim. — Hoje
pela manhã tivemos poucos compradores. – Solto um suspiro longo e limpo
o suor da minha testa. Ambos com turbantes cobrindo a cabeça para
proteger do sol forte.
— São os boatos, logo eles voltam. – Eu não estava muito feliz com a
conversa, costumava fazer as tarefas sozinho e Alá sabia que estava
começando a ter apreço por meu sócio, mas ele às vezes falava demais. —
Pensam que eu matei o velho.
— Isso pode ser um problema, a polícia pode investigar o caso. – Largo
a faca de corte e retiro as luvas.
— Meu advogado já está dando conta do caso, eu sou inocente. – Kaysar
ergue as mãos cobertas em sinal de rendimento.
— Eu não disse que você é culpado, mas uma atitude como essa pode ser
vista sim, como uma prova contra você. – Me afasto a passos largos,
contornando a tenda. — Hakim? – Kaysar se apressava em me acompanhar.
— Isso pode ser péssimo para os negócios, para todos nós.
— O que sugere que eu faça? – Me viro para ele, furioso.
— Sugiro que resolva isso pessoalmente, não é um caso de assassinato
que cai sobre você, são dois e isso pode destruir tudo que estamos
construindo. – Uso a bomba com força demais, e paro, antes que destrua a
coisa. — Hakim, resolva esse problema.
— Não posso, preciso ficar aqui, Zara…
— Eu estou aqui, posso te ajudar com isso e Rahina vem para cuidar da
tenda, não vem? – Tinha pedido para que Rahina viesse a fim de que Zara
não fizesse tanto esforço.
Eu precisava ir encontrar o dono do hotel onde fiquei àquela noite, para
que ele comprovasse que eu estava lá e descobrir quem matou o pai de
Zara. — É o certo a se fazer. – Bate em meu ombro rapidamente. — Eu
cuido daquela pilha de cactos. – Sorri e volta por onde viemos. No mesmo
minuto vejo Rahina vindo junto com o Jihad, no carro que eles insistiam em
manter.
Jihad trazia as compras para abastecer a tenda, então segui até o carro
para ajudar a descarregar, já que somente ele e Rahina vieram.
— Rahina, vou precisar me ausentar, você pode vir e ficar na parte da
manhã?
— Claro, será um prazer, não seria melhor Zara ficar conosco? –
Sugeriu, enquanto entrávamos na tenda.
— Será apenas um dia. – Assim eu queria acreditar.
— Eu trouxe o almoço, vou precisar voltar agora, mas retorno em quatro
horas, talvez antes. – Agradeço e vou até o quarto, e encontro Zara
costurando. Ela ergueu seu rosto surpresa, e com um sorriso envergonhado.
— Quero ver o seu pé. –Exijo e ela ergueu a sobrancelha sem entender.
— Por quê?
— Você pergunta demais. – Ela puxou os pés para junto de si, quando
me aproximei.
— Hakim, eu sinto não ter dito, sobre o seu sócio, não me passou pela
cabeça naquele momento. – Virei o rosto ao notar a mentira. — Quer
dizer… eu pensei em dizer… é que… – Seu rosto foi ficando cada vez mais
vermelho, o que fez meu cacete ficar duro a um nível alarmante. Eu estava
incendiando apenas por vislumbrar seus lábios trêmulos e suas bochechas
rosadas. — Eu fiquei… – Apoiei meu joelho sobre a cama, vendo seu peito
subir e descer com sua respiração acelerada. Enfiei a minha mão pela saia
longa que cobria seus membros inferiores e alcancei suas pernas, ela
tremeu, mas eu via em seu rosto o quanto estava mexida com aquilo e o
jeito que ela mordia os lábios me deixava a ponto de cometer loucuras.
— Não estou aqui por isso. – Puxei sua perna com força a deitando sobre
a cama, ela soltou um gritinho surpreso. Descubro o seu cabelo, tirando o
hijab e o largando sobre a cama. Desço meu rosto até a curva de seu
pescoço e a cheiro, sentindo a essência natural de seu corpo, que me
inebria. Afasto suas pernas, as abrindo para mim, enquanto meus lábios
sobem e encontram sua boca. Sentir seus dedos se emaranhado em meu
cabelo me fez suspirar contra os seus lábios.
Novamente envio minha mão para dentro de sua saia e alcanço a
combinação que a cobre, sentindo a textura macia de sua pele, e notando os
arrepios que se sucedem com o meu toque. Apertando sua carne, puxo a
roupa íntima, enquanto Zara tenta me despir com suas mãos frias e
trêmulas, e as seguro no alto de sua cabeça, a impedindo de fazer o que
pretendia, apenas com uma mão, exponho meu pênis duro e latejante e o
guio para o meio de suas pernas. Eu não sabia que seria tão bom.
Seu rosto deixa claro o quanto estava ansiando por aquilo, o quanto
queria. Fui enfiando devagar, vendo o seu corpo se inclinar para mim, meu
cacete se espremia, era uma tortura deliciosa, a sentir se expandir para me
receber por inteiro dentro de si, e eu realmente sentia que ir mais devagar
era bom, ver sua boca entreaberta e com gemidos baixos me fazia querer ir
com tudo, mas era tão saboroso notar o quanto meu pênis ia a invadindo e
tomando espaço, que eu queria aproveitar cada segundo, mesmo que algo
dentro de mim, exigisse que eu enfiasse todo meu cacete com muita força.
Os gemidos que saíam da boca de Zara eram melodias viciantes, eu
puxei a parte da frente de sua blusa e os botões se romperam, revelando
para mim seios pequenos e achatado pelo fato de estar deitada, os mamilos
estavam duros e convidativos, eu me inclinei e o abocanhei, e ela delirou
contra meus lábios, gemendo um pouco mais alto, então, eu me enfiei de
vez, sentindo todo o calor dela abraçando meu cacete. Enquanto sugava seu
peito duro eu movimentei meu quadril para trás e para frente e soltei seu
peito apenas para encontrar sua boca, pois os gemidos dela ficavam mais
altos e eu não queria que ninguém, além de mim, os ouvisse.
Eu ia me enfiando com força e aumentando, sem querer parar, sentindo
que podia me perder em seus braços e me encontrar neles no mesmo
instante. Sufoquei os seus gemidos até que ela mordeu meus lábios e eu me
afastei, notando seu corpo estremecendo abaixo de mim, enquanto ela
gozava contra meu pau, o apertando com sua carne molhada e quente.
Não me contive. E como poderia? seu corpo é maravilhoso, sua boceta
me ensandecia, sua boca me levava ao limite da razão e tudo que eu queria
era jorrar o meu sêmen fundo e forte até esquecer quem sou. Mergulhei
fundo e senti meu corpo sendo dominado por um orgasmo intenso, que me
tirou um pouco das forças e eu acabei caindo sobre o seu corpo, mole e
satisfeito, me afasto a contra gosto, por saber que ela não aguentaria muito
tempo.
Estava languido demais, mesmo assim eu a puxei para junto de mim e
beijei sua boca, saboreando o gosto dela e mordendo os seus lábios na ânsia
de os sentir mais. Notei as marcas dos meus dedos em seus pulsos e os
beijei. Zara se cobria envergonhada, o que me fez sorrir um pouco. Me
sentei sobre a cama e recompus minhas roupas. Eu poderia descansar um
pouco e a possuir novamente e sentia que ela se entregaria e isso me fazia ir
para uma parte de mim, que não imaginei existir.
Aproveitei seu estado, ainda torpe, e puxei seu pé machucado.
— Hakim, não. – Ignorei o seu pedido e tirei o curativo, vendo que seu
pé estava com aspecto ruim e secretivo, sinal de que estava infeccionado,
olhei para ela, que se encolheu. — Não está doendo. – Mentiu.
— Vai ficar na cama, e chamarei um médico para ver isso. – Abriu a
boca para protestar, mas apertei a região ao redor e ela gemeu de dor,
chorando um pouco.
— Não posso ficar na cama para sempre, há coisas para serem feitas. –
Apertei seu pé novamente e ela tentou soltá-lo de minhas mãos.
— Eu a amarro nessa cama, ouviu bem? – Cruzou os braços sobre os
seios, agora cobertos e só então noto que eles tinham diminuído, é estranho,
eu tinha certeza que a poucos dias eles estavam pesados e um pouco
maiores.
— Isso não é justo. – Disse choramingando.
— Não me obrigue. Vai ficar na cama até que seu pé fique bom. –
Parecia um pouco furiosa agora e talvez pensasse em não me obedecer
somente para testar minha paciência. — Vou precisar viajar. Rahina passará
o dia inteiro com você, e Kaysar estará aqui também. Então, será necessário
te prender?
— Eu posso usar meus dentes e me soltar. – Ergueu a sobrancelha
castanha, em desafio, limpando as lágrimas de dor. — Não sou criança.
— Sei que não é, mas eu sou seu marido, então me deve obediência. –
Apertou os lábios, talvez tentada a argumentar.
— Obediência não é algo que se deva dizer a sua esposa, seria mais
agradável dizer que está preocupado com a minha saúde. – Touché.
— Digamos que seja o mesmo. – Retruquei, mas ela não considerou. —
Certo, volto com a minha palavra, sou seu marido e por isso deve fazer o
que eu digo.
— Caso contrário?
— Não responderei por mim. A colocarei sobre meu joelho. – Bato no
local, e ela olha para o local. — E te darei palmadas, como faria em uma
criança mal criada. – Suas costas caem sobre os travesseiros que colocou
para apoiar as costas e seus olhos castanhos parecia avaliar o aviso sério.
Passa a língua sobre os lábios e pigarreia.
— Acho que vou ficar aqui, repousando.
— Melhor assim, mas caso mereça o castigo, saiba que farei com gosto.
– Seu rosto fica vermelho e seus lábios entreabrem.
— Você não seria capaz de tamanha brutalidade! – Exclama nervosa.
— Acho que brutalidade não se encaixa, pense nisso. – Me inclino até
sua orelha e a beijo de leve, notando seu corpo estremecendo. — Seu
traseiro redondo sobre meu joelho, inclinado, seria prazeroso, não acha? –
Beijo seu pescoço com um sorriso malicioso, ela me olha muito nervosa. —
Não acha?
— Sim, acho que sim. – Estreito o olhar, notando sua insegurança, talvez
ela estivesse muito nervosa ou eu tenha ido longe demais, não saberia dizer.
De todo jeito, eu me senti estranho. Desviei meu olhar e levantei. —
Hakim… eu…
— Volto amanhã, talvez na hora do almoço. – Ela fechou os lábios e
concordou, então saí, sem saber bem como me sentir naquele momento, era
certo que estava confuso e isso era algo que eu não sabia muito bem como
lidar.
CAPÍTULO 26
ZARA
O que ele disse? O que ele havia dito contra meu ouvido?
Eu ainda tremia após longos minutos de sua saída. Ele parecia
decepcionado por não ouvir minha resposta sincera. Eu apenas respondi o
que achei que devia, já que ele se escondeu em meu pescoço para dizer algo
como se fosse um segredo que não podia ser ouvido por outros.
Soquei o colchão, furiosa com aquela situação. Meu pé latejava e eu
quase chorava por isso e por tudo.
O médico não demorou para vir, era outro, mais velho e não parecia estar
desconfortável na tenda, no entanto, eu achava que o infeliz estava ali a
mando de Hakim para me fazer sofrer. Espremeu meu pé enquanto eu
berrava de dor, a ponto de quase desmaiar, se antes, com a ameaça de
Hakim, eu tinha prometido ficar na cama, agora eu ficaria de boa vontade,
nada me preparou para aquela dor.
— Pronto menina. – Eu nem tinha notado que Rahina tinha chegado e
estava lá. Fiquei feliz quando chegou trazendo uma xícara de café e a
colocou na mesa de estudos, vindo até a cabeceira para me consolar,
enquanto o médico terminava sua tortura sádica. — Veja só, eu insisti para
que ficasse comigo e olha como ficou o seu pé. – Olhou brava para mim,
como se fosse uma mãe preocupada e senti um aperto no peito.
Eu lembrava pouco da minha mãe, não havia fotos, e as lembranças se
apagaram rápido, mas eu conseguia lembrar da sensação do seu abraço e do
quanto ela era carinhosa comigo, mas às vezes eu pensava que era
imaginação minha, que tudo o que eu pensava ser lembrança era meu
inconsciente tentando me consolar pela falta que ela me fazia.
— Nesse ponto não podemos fazer nova sutura, vamos deixar que a
cicatrização aconteça naturalmente, as bordas ficaram muito afastadas. –
Vejo o médico resmungar, enquanto torna a enfaixar meu pé. Eu tinha me
feito de forte pelo bem do Hakim, que alternativa eu tinha? Ele precisou de
mim. — Evite mobilidade desnecessária, e tome os remédios nas horas
certas.
— T-tudo… bem… – Ainda chorava, claro, continuava doendo. — Por
favor… coloque aqui… seu número. – Peguei o celular e o estendi para o
médico. Eu não podia ficar sem uma opção, caso houvesse necessidade
novamente. Sabia que nem sempre teríamos Kaysar ou Rahina por ali.
Relutante ele digitou os números, e se retirou sendo acompanhado por
Rahina, que logo retornou me lançando um olhar de: eu avisei.
— Espero que agora crie juízo. – Disse, me entregando a xícara de café e
alguns medicamentos para ingerir. Aos poucos eu fui parando de soluçar,
enquanto ela organizava o quarto.
— Para onde ele foi? – Perguntei muito curiosa, afinal, Hakim tinha me
dito apenas que voltaria no dia seguinte.
— Ele não me disse. – Senti que ela não queria me contar e me dei conta
que podia ser sobre os boatos, não sabia porque aquilo me veio à mente,
mas depois que aquele médico relutou a vir, e saiu daqui correndo eu
recordei do quanto alguns compradores pareciam rudes e outros assustados.
— Tem algo a ver com a morte do meu pai. – Ela parou de dobrar um
lençol, e depois continuou.
— Não sei menina. – Rahina aparentava ser uma boa pessoa, e eu sabia
que ela realmente gostava do Hakim, devia ser como uma mãe para ele.
— Ele não devia ter ido a lugar algum. – Fiz careta ao movimentar meu
pé. — Está igual ou pior que eu, até ontem queimava de febre nessa cama.
— Parece que vocês têm algo em comum, não é? – Eu senti meu rosto
arder de vergonha. — As pessoas falam demais, não pensam nas
consequências, mas estou feliz que ele queira remediar isso dessa vez. –
Fico confusa, ela se senta, afundando seu traseiro grande no colchão. — Ele
não matou o seu pai.
— Eu sei. – Me olhou surpresa e piscou algumas vezes, parecendo não
esperar por minhas palavras.
— Oh… – Ela ensaiou um sorriso vacilante e cheguei a achar que se
emocionou, mas ela logo abriu um sorriso largo. — Ele é um homem bom,
de verdade.
Eu encarei minhas mãos. Eu estava muito mexida com Hakim, devo
admitir, seu toque, seu jeito de… é tudo muito novo, mas eu realmente
queria vivenciar mais momentos como aqueles, no entanto, pairava sobre
minha cabeça muitos medos, medos que cresciam à medida que eu ia
ficando mais, me calando mais, gostando mais. — As pessoas costumam
ser maldosas. – Concordei. — Eu fico feliz que você esteja aqui, Zara, meu
coração se alegra. – Sorrio, um tanto sem jeito. — Agora vou preparar algo
para comer. Descanse, para que fique boa logo.
— Chukran, Rahina. – Ela se voltou para mim sem entender. Fazia tanto
tempo desde que cuidaram de mim, que eu talvez não soubesse mais como
era a sensação, que não sabia mais como me comportar. Eu precisei crescer,
precisei guardar meus temores de criança, para cuidar de ‘Hana.
— Você quer que eu te traga alguma coisa antes do jantar? – Neguei e
ela me olhou com seus olhos gentis. — Ora, deixa eu ver a sua xícara.
— Ver? – Ela virou a xícara sem alça sobre o pirex.
— Sim, eu costumava fazer muito disso antes, mas vieram os filhos e
agora os netos. – Explicou. — Talvez esteja enferrujada, mas vou tentar ver
o que o destino te reserva.
Um arrepio intenso me fez estremecer e um frio repousou sobre meu
estômago, engoli em seco, sentindo um pouco de medo.
— Não precisa, eu… eu não gosto muito dessas coisas. – Minhas mãos
suavam e eu até larguei o telefone de lado.
— São só suposições. – Ela virou a xícara e olhou dentro dela. – Alá… –
Disse como se estivesse diante de algo muito ruim.
— O que você está vendo? O que tem aí? — Estava a ponto de levantar e
ver por mim mesma. Rahina olhou para mim um segundo, e depois para
xícara, vi quando ela forçou a garganta. Logo, sentou, ao meu lado, na beira
da cama e virou a xícara.
— Parece que a sua sorte, não quer ser desvendada. – Eu olhei e parecia
apenas borras e nada mais, apenas restos do café, ela continuou girando,
como se buscasse algo, sua testa franzida em concentração. — Eu vejo um
homem, do seu passado. – Olhou para mim com intensidade, um
questionamento silencioso para o que acabara de ver na minha suposta
sorte. — Ele parece exigir algo que é dele. — Os pelos dos meus braços
ficam eriçados. — Vejo fogo, lágrimas. – Rahina fecha os olhos e os aperta,
abrindo-os novamente e girando a xícara. — Vejo uma grande tragédia. –
Fiquei tonta e meu coração batia forte dentro do meu peito.
— Eu… eu… – Rahina quebrou a xícara no chão e fez uma oração, eu
estava tão assustada, que tremia muito. — Explique Rahina, explique, pelo
profeta!
— Não há nada a ser dito. – Ela se levantou e começou a juntar os cacos
quebrados. — Nada disso é certo. Como eu disse: faz tempo que não leio a
sorte.
— Pelo profeta!
— Não machuque o Hakim, Zara, ele já sofreu o bastante. – Disse
olhando no fundo dos meus olhos.
— Jamais, eu jamais faria. – Ela me avaliou com atenção. — Nunca.
— Conte a ele. Conte tudo a ele. – Apertei meus dedos e tentei acalmar
as batidas do meu coração.
— Não posso… – Rahina respirou fundo e pareceu decepcionada, do
mesmo jeito que Hakim tinha ficado. — Não posso. – Repeti, sem
conseguir me explicar para ela.
Saiu sem dizer mais nada, me deixando desnorteada. O que eu diria a
ele? Que além de ter o enganado na noite de núpcias eu também escondia
que tinha um defeito? Eu havia acabado de vislumbrar algo perfeito para
mim, e sim, eu queria ser egoísta, sim, eu queria que ele olhasse para mim e
visse que eu podia ser tão boa quanto a noiva que ele escolheu.
HAKIM
ZARA
HAKIM
ZARA
HAKIM
ZARA
“Você gosta dele? Ama ele?” Eu fiquei paralisada. “É por isso que quer
ficar?” Desviei os olhos de seus gestos com a mão e me virei para Hakim e
vi que ele tentava entender o que acontecia entre nós. Enquanto ‘Hana
tentava me chamar a atenção novamente. Fiquei desesperada naquele
segundo.
“Ele não sabe!” Alertei rapidamente e ‘Hana olhou para Hakim e depois
para mim.
HAKIM
Ela foi embora, simplesmente partiu. Eu sabia que era o melhor, mas por
Alá, ver aquele táxi sumir fez meus joelhos cederem sobre as areias do
deserto e eu quis gritar.
Como podia exigir ou até mesmo implorar para que ficasse aqui?
Quando no fundo sabia que não suportaria a ver sentindo vergonha nas ruas
enquanto apontavam para mim, enquanto olhavam torto e até mesmo com
medo. Eu queria ver tudo em seu rosto menos isso, mas sabia que não seria
diferente, nem com ela, nem com ninguém.
Levantei da areia me sentindo um fracassado. A tenda parecia oca, sem
vida. Qual era meu problema? Eu gostava de viver aqui por isso, por ser
sempre somente eu, mas agora parecia que o vazio me sufocava. E percebi
que era porque ela não está aqui, antes eu sentia a sua presença constante,
mesmo quando não estava no mesmo ambiente que eu, sabia que ela estava
ali e agora sentia que faltava tudo.
Tinha que aceitar, caso contrário enlouqueceria. Mas como faria isso?
ZARA
Londres era fria demais para alguém acostumada com o calor. Sentia que
estava congelando a maior parte do tempo e era um tanto agoniante. Eu
sentia falta de tudo e doía muito sentir saudades.
Claro, era tudo muito novo, muito bonito e Dena, mãe das amigas de
‘Hana era uma ótima pessoa, e eu fiquei feliz em saber que minha irmã
tinha encontrado pessoas boas para a acolher e ela estava feliz, de verdade,
como eu nunca vi antes, aqui ela era livre para ser o que quisesse, fazer o
que achasse melhor, e por alguns momentos até me senti uma fracassada,
por não ter conseguido fazer ela seguir os costumes como devia, como eu
achava que devia.
Só que eu não estava feliz, e sentia que nunca ficaria, e chorava muito,
mesmo sem querer, mesmo sabendo que não devia. Tudo que eu pensava
era em voltar, mesmo que ‘Hana insistisse que era questão de tempo até eu
me habituar, que quinze dias não podia definir nada, eu sentia que aquilo
jamais aconteceria.
Para ela era o encontro de vida perfeito, para mim era tudo, menos o
começo de algo novo e bom. Por isso, após me convencer e as convencer
que aquilo não era para mim, eu voltei para M’hamid, para casa onde nasci
e cresci. A casa tinha sido saqueada, tinham levado a televisão e o
computador de ‘Hana, além de alguns utensílios domésticos, mas era o meu
lar, mesmo vazio e solitário, era a minha casa.
Levou dois dias até que eu conseguisse organizar a bagunça e com a
ajuda de alguns vizinhos consertei a porta e pude me sentir mais segura. Me
oferecia para fazer qualquer serviço doméstico, até que consegui uma vaga
em um restaurante, eu não sabia como me sentir, pensava que nunca me
aceitariam por não ouvir, mas o casal me acolheu e enfim eu senti que as
coisas começaram a fluir para mim.
— Era a melhor carne de camelo da região, isso não se pode negar. –
Tamara falou para o marido enquanto eu começava a preparar o almoço que
seria servido, mas eu fiquei curiosa com o que ela disse.
— Do que estão falando? – Eu já me sentia inserida no núcleo familiar
deles, após um mês Tamara já me tratava como se eu fosse sua filha e não
como se eu fosse a empregada de seu restaurante.
— O melhor comerciante de carne de camelo da região vendeu os
camelos e acabou com o negócio. – Eu soltei a faca antes que me
machucasse com ela. — Acho justo, depois de tudo que ele fez. –
Prosseguiu. — Ninguém iria querer negociar com um criminoso.
— São só boatos. – Abdullah repreendeu a esposa, e eu sentia que
precisava me sentar, sabia que eles só podiam estar falando de uma pessoa,
e mesmo que Hakim me tivesse jogado ao vento, eu fiquei nervosa e
preocupada. O que teria acontecido?
— Não é nisso que todos em M’hamid acreditam, ele devia ser preso. –
Meu coração saltava e minha garganta se fechou. — Podemos perder nossos
clientes por recebê-lo aqui.
Nesse instante meu coração parou e eu olhei para a porta da cozinha que
levava ao salão onde ficava o restaurante. Ele estava ali? Foi isso que ela
disse?
Engoli seco, sem saber como lidar com aquilo, M’hamid não era uma
cidade imensa como as outras tantas, mas eu sabia que podia viver ali sem
que soubessem da minha existência, no entanto, parecia que agora, isso era
impossível. — Zara, você está bem? – Tamara segurou meu ombro para me
olhar bem e que eu pudesse ler o que dizia.
— Não… eu posso… posso ir para casa? Não estou me sentindo bem. –
O casal me olhou preocupado. — Eu não dormi bem, acho que vou ficar
resfriada. – Eles se entreolharam e Tamara aceitou o meu pedido. Eu nunca
tinha faltado um dia sequer e agora tudo que queria era estar longe dali.
Peguei minha bolsa e forcei minhas pernas a caminhar o mais rápido
possível. Eu podia vê-lo, sim, mas não sei se agora seria capaz. Com mãos
trêmulas eu tentei abri a porta de casa, mas as chaves caíram aos meus pés e
antes que eu as apanhasse vi uma mão grande a pegar, ergui meus olhos e
encarei o rosto de Hakim.
— Estava fugindo de mim?
CAPÍTULO 30
ZARA
A casa era pequena, sim, mas com Hakim ali, ela parecia ter se
tornado uma lata de atum ou pior. Ele teve que abrir a porta e eu
praticamente me joguei para dentro. Em algum momento devo tê-lo
irritado, pois sua cara não estava nada satisfeita. Meu coração estava
ZARA
[...]
Eu começava a acreditar que não podia ter filhos, quando meu fluxo veio
no mês seguinte e não queria ficar triste, mas era mais forte do que eu, por
que eu queria, queria muito, não pelo casamento, não pelo Hakim, mas
porque eu sentia que ser mãe era o que eu mais desejei a vida toda e que por
muito tempo pensei que não teria como, por saber que nunca me casaria.
Suspiro contra o peito de Hakim fazendo o contorno de sua cicatriz com
meus dedos, sentindo seu peito subir e descer enquanto ele afagava meu
cabelo, tentando fazer com que eu dormisse, as vezes eu sentia uma
ansiedade crescente, e Hakim parecia entender perfeitamente o que eu
precisava.
Segura meu queixo e me faz olhar para ele. — O que a aflige habibti? –
Eu sorri um pouco, tentando não o preocupar, mas ele conseguia ver dentro
de mim. — Não me esconda nada.
— Talvez eu não seja aquela que vai te dar um filho que abra as portas
do paraíso para você. – Hakim se remexeu e sentou na nossa cama, me
fazendo fazer o mesmo.
— Eu não preciso disso. – Enfatizou.
— Precisa, você precisa. – Meu ventre doía, e eu sentia vontade de
vomitar, o primeiro dia era sempre o pior para mim. — Talvez eu tenha…
talvez eu… não sou jovem.
— Pelo profeta! – Eu tinha pensado sobre aquilo por muitos momentos e
ele sabia disso. — Já passou pela sua cabeça que talvez eu não tenha um
espaço no paraíso? Nem mesmo que haja um filho homem? – Eu não
aceitava aquilo e ele sabia bem, eu o conhecia, sabia que ele não era o
monstro que ele mesmo dizia ser.
— Alá sabe o que tem dentro do seu coração, não duvide. – Ele suspirou
e deixou a cabeça cair sobre o travesseiro.
— Durma, habibti. – Encerrou, mas eu sabia, assim como ele, que tinha
que haver um filho, mesmo que não fosse meu.
[...]
HAKIM
ZARA
[...]
Dois dias após o incidente, eu tive alta e quis chorar para não sair do
hospital, ciente que em casa os remédios prescritos não fariam o mesmo
efeito que os que as enfermeiras me davam para não sentir nada.
— Logo você se recupera. – Hakim tentou amenizar, ciente de que
minhas lamúrias eram pela dor que sentia pelos ossos quebrados e pelas
costas cortadas. — Você se sente bem para ir a uma consulta comigo?
— Consulta? – Ele fez questão de me sentar em uma cadeira de rodas,
meu braço estava junto do peito e preso em uma tipoia, o médico disse que
o osso voltaria ao lugar por si mesmo, e que era muita sorte não haver
fragmentos, caso contrário seria necessário uma cirurgia.
— Sim, acredito que não vamos demorar. – Eu fiquei apreensiva, com
seu jeito misterioso naquele momento, mas assenti e ele empurrou a cadeira
em direção a ala de consultórios. Não demorou muito e fomos guiados até
uma sala, onde uma médica nos atendeu. — Zara, essa médica descobriu
porque não conseguimos ter filhos, a culpa nunca foi sua, o defeito estava
em mim. – Abri a boca impactada e desviei os olhos de Hakim para encarar
a médica, que sorriu brevemente para mim.
— O esperma do seu marido está tendo uma redução, isso incapacita na
qualidade dele, digamos assim. – Senti meu rosto arder um pouco. — Ou
seja, eles não conseguem chegar até o óvulo. – Olhei para Hakim e para ela
novamente.
— Isso significa? – Eu fiquei apreensiva por questionar, e me senti um
pouco desconfortável por Hakim não ter me dito o motivo da consulta.
— Que a probabilidade de uma fecundação pelos meios normais é mais
difícil. – Meu coração falhou uma batida e eu agarrei a mão de Hakim, eu
preferia quando o defeito estava em mim, era mais fácil lidar, mas
inusitadamente ele parecia tranquilo.
— Então ele nunca vai poder ter filhos? – A pergunta saiu rasgando o
meu peito.
— Bem, podemos tentar um tratamento com medicação, para tentar
tratar o problema, mas eu acho mais viável uma inseminação. – Pisco várias
vezes, tentando assimilar todas aquelas informações.
A médica explicou todo processo e eu custei a entender, mas parecia
uma luz no fim do túnel e eu quis me agarrar a ela.
— Então temos chance? – Perguntei esperançosa, notando o sorriso sútil
de Hakim enquanto ele apertava a minha mão.
— Claro, as chances são boas. – Sorri sentindo que não podia ouvir nada
melhor que aquilo. Um filho, era o que mais desejava. Sai dali flutuando e
até mesmo esquecendo da dor que me afligia.
— Fez isso, por mim? – Eu continuava emocionada ao sentar no carro
para ir para casa dos pais de Hakim, enquanto a tenda não estivesse pronta
para nós.
— Eu te disse, lembra? Vamos construir um futuro novo, eu e você. – Eu
não sabia bem se chorava ou sorria, as duas sensações transbordavam
dentro do meu peito e era impossível dominá-las. — E sim, fiz por você,
porque para mim não havia problema se não houvesse filhos, você é o meu
tudo, eu não podia exigir mais nada para Alá. – E o sorriso de Hakim me
fazia crer em qualquer coisa, e entendi quando ele disse que o meu sorriso o
fazia ver um pedaço do paraíso, porque era exatamente isso o que eu sentia
agora.
EPÍLOGO
Não foi fácil como imaginei e por muitos momentos eu quis desistir,
principalmente quando eu via a tristeza da perda nos olhos de Zara.
Foram cinco negativos e um aborto espontâneo, eu sentia que podia
morrer naquele momento, mesmo que o bebê não tivesse nascido, nós dois
sentimos a perda dele e foi difícil tentar mais uma vez. Eu senti que já
estava chegando ao meu limite, e passamos um ano sem mencionar a
palavra filhos dentro da nossa tenda, até que aquela mulher de cabelo rosa
apareceu uma noite, carregando um bebê e eu vi que seria impossível para
Zara viver sua vida ou a nossa sem que tivéssemos um também. A mulher
não tinha mais cabelo rosa, seu cabelo agora estava em um tom de castanho
claro e ela parecia fugir, mas nós a acolhemos em nossa tenda até o dia que
ela decidiu ir embora com seu bebê.
Aquela criança acendeu em Zara a esperança, o que não foi bom, pois
logo ela tentou mais uma vez inserir uma segunda esposa em nossa vida e
parecia irredutível.
Eu sabia que ela me amava, sabia que faria tudo para que eu tivesse as
portas do paraíso abertas, mas era demais para mim e mesmo sabendo que
não aceitar outra a magoava, eu não voltei atrás, por fim, ela entendeu que
eu tinha limites e não tentou ultrapassá-los novamente.
Até que ela simplesmente aceitou, que podíamos ser sim uma família de
dois, que nada me faria ser menos ou mais feliz do que já estava, pois eu
transbordava de tantas sensações boas, mas Alá era o detentor do nosso
destino e fomos abençoados não com um, mas com três bebês.
Agora eu os observo tropeçar na areia com passos vacilantes devido a
suas pernas curtas e gordas, eles olham para mim e me trazem sentimentos
à tona, que nunca pensei existir e finalmente entendi os motivos de Zara,
nada se comparava ao amor que aqueles bebês me devotavam. Eles abriam
seus olhos pela manhã e sorriam para mim como se eu fosse a única pessoa
no mundo para elas. Mas claro que eu era a segunda, já que eles logo
recorriam aos braços de Zara exigindo o leite de seu peito.
Eu ainda lembro do susto que tomamos quando a médica apontou no
monitor da máquina, que teríamos três bebês, duas meninas e um menino.
Eu nunca chorei como naquele dia e Zara ficou aflita por dias, temendo
pelos bebês que cresciam dentro de seu ventre. E eu rogava de joelhos e
rosto colado no chão, para que eles pudessem ser nossos, para que eles
nascessem saudáveis e que pudéssemos segurá-los em nossos braços.
— Hakim! Sarah está comendo areia! – Zara exclama me tirando dos
meus devaneios e corre para pegar a pequena levada do chão, enquanto me
adianto a captura de Khaled e Nura, que já estavam a ponto de alcançar os
camelos, que olhavam curiosos para os pequenos bebês com menos de um
metro cada um. — Pelo profeta! – Os três tinham as bocas sujas com areia
do deserto e Zara passa de furiosa para um sorriso contagiante ao tentar
segurar a pequena em seus braços.
— As pessoas vão pensar que não alimentamos essas crianças. – Ela
olha para mim e os bebês que tentavam escapar dos meus braços também.
— A frase: comer tudo que vê pela frente realmente se adequa a eles. –
Sorri enquanto segura as bochechas de Sarah com uma mão, apertando e
beijando-a até ouvir um grito de irritação da menina, que agora tenta tirar a
roupa da mãe para alcançar o peito. — Veja só. Quer mesmo engolir a areia
com um pouco de leite? – Pergunta recebendo um sorriso com os dentes
contados. Eu nunca imaginei que bebês com menos de dois anos pudessem
agitar tanto a vida de nós dois.
— Pode ser nutritivo. – Zara gargalha quando sinalizo para que
entrássemos. O sol já estava se pondo e os bebês ficavam ao lado de fora da
tenda apenas em dois momentos do dia.
Eu havia construído a nova tenda em um ponto diferente da anterior, não
queria que Zara recordasse daquele dia. Até tentamos morar na casa dos
meus pais por algum tempo, mas ficou claro que para mim e para ela, não
havia lugar melhor que o deserto, ele era completamente nosso, nosso
paraíso particular e isolado do resto do mundo.
Eu embalo as duas meninas até que elas fiquem com o corpo mole em
meus braços, enquanto o pequeno Khaled prossegue no peito da mãe,
esperando a sua vez de ser ninado. Talvez minhas costas não suportem o
peso deles à medida que forem crescendo, mas eu sei que não há momento
mais oportuno para aproveitar o aconchego de seus corpos pequenos contra
o meu.
— Venha. – Seguro a mão de Zara e a puxo para fora do quarto onde os
três dormem juntos em um berço adaptado para gêmeos travessos.
— Oh… para onde? – Questiona curiosa, largando o celular em um
canto, no qual conversava com ‘Hana, que agora está estudando em uma
das melhores faculdades de Londres, planejando vim ver os sobrinhos no
mês em que o inverno por lá é mais rigoroso.
— Apenas venha. – A arranco do chão e ela contém o grito surpreso que
quer escapar de seus lábios.
A coloco no chão quando alcançamos a grama do oásis, o nosso pedaço
de paraíso naquele deserto.
A prisão de Mustafá há três anos tirou dos meus ombros um assassinato,
fazendo com que os negócios em M’hamid voltassem a fluir e a expansão
da melhor carne de camelo ir além das três cidades, atingindo boa parte de
toda Marrocos. Claro, as pessoas ainda olham torto para mim, mas eu ando
de cabeça erguida, a opinião deles não me importa e seus julgamentos
nunca mais seriam suficientes para me fazer desistir dos meus sonhos.
Tiro a túnica que vestia e a solto no chão, em seguida afasto o cabelo de
Zara de seus ombros, notando o quanto ela está tonta de desejo. A ver assim
me leva à beira da loucura, a tortura me faz querer agir feito animal. Olho
em seus olhos cor de avelã, e deslizo a alça fina de seu vestido, a despindo e
não ficando surpreso ao constatar que por baixo dele ela está inteiramente
nua para mim, apenas a lua cheia será nossa testemunha, pois o seu brilho
apaga o brilho das estrelas e a luz dela contra a pele da Zara é algo surreal.
Circundo sua cintura com um braço e a atraio para junto de mim,
pressionando meu pau contra sua virilha, para que ela veja o quanto eu
estou desesperado pelo contato de nossos corpos, pelo toque de suas mãos e
os beijos de sua boca macia. Agarro seu peito e o aperto, saboreando o
gemido que escapa de seus lábios, eles estão sempre cheios e pesados, com
veias destacadas na pele morena. Eu adoro vê-los e acariciá-los e sei o
quanto ela adquiriu uma sensibilidade gritante após os trigêmeos, isso me
enlouquece e quase me faz gozar em minhas calças.
A beijo até sugar todo seu ar e a sinto languida em meus braços e
sedenta pela penetração, mas ao invés de a deitar sobre a grama, afasto suas
pernas e me enfio bem fundo dentro dela, tiro a calça que veste e a puxo
para dentro do oásis, sentindo o frio da água arrepiar minha pele quente.
Coloco seus braços ao redor do meu pescoço e beijo seu rosto, lambendo a
pequena covinha de sua bochecha e em seguida mordendo seu pescoço. Eu
sinto seu corpo magro, mas com muito vigor, pois mesmo sabendo que
amamentar três bebês com quase dois anos, deve ser exaustivo, mesmo
assim, ela sempre está pronta para mim.
— Hakim… – Geme quando eu simulo uma penetração com meus
dedos, me contendo para não gozar quando sua mão agarra meu cacete
quente como se uma febre me assolasse. — Por favor… – Implora com sua
voz rouca de desejo, enquanto eu massageio seu clitóris e acaricio seu corpo
molhado dentro da água. Zara fecha os olhos e geme alto, e ver seu corpo
estremecer me deixa maluco, eu a quero como na primeira vez em que a
fodi nesse mesmo lugar.
A seguro com firmeza e a carrego até a margem, a acomodando sobre a
grama e despertando seu corpo novamente. Minha língua lambe as gotas de
água em seu corpo até alcançar sua boceta e sugar seu gozo, a fazendo
gozar novamente agora em minha boca, enquanto grita pelo meu nome.
Aperto seu mamilo com a ponta dos meus dedos e sinto o leite saindo deles,
quente e fluido.
Afasto minha boca e abro mais as suas pernas, segurando meu pau bem
na base, ele está muito duro e inchado, tremo e exijo o aconchego de suas
dobras lambuzadas pelo seu gozo e minha saliva. A belisco de leve no
clitóris, ela me fita, ciente de que eu quero sua atenção, e seus olhos descem
até chegar no meu pau, pronto para a investida. Eu o guio até a sua entrada
e observo sua boceta ir cedendo e me engolindo, vendo quando a glande a
preenche, reteso meu maxilar e fito seus olhos cor de avelã. Eles estão tão
brilhantes de desejo e cheios de promessas que me enfio em uma só
investida, sentindo seu corpo vibrar e sua boceta esmagar meu cacete. Isso é
a minha perdição, o meu encontro e eu morreria por ela e viveria por ela.
— Olhe para mim, habibti, olhe para mim. – Estoco com força e vigor,
até sentir meu corpo se partido em um clímax intenso.
Eu sei que tínhamos poucas ou quase nenhuma hora para nós, mas todos
os segundos que eu passo com ela em meus braços é único e especial.
Eu nem sei se ela está ciente da nossa saída dali, mas a carrego de volta
para tenda, apertando seu corpo contra o meu, sabendo que carregava meu
mundo inteiro nos meus braços.
Fim
CONHEÇA TAMBÉM
Casablanca: Homens Árabes 1
Link:
https://www.amazon.com.br/gp/product/B08XZP9BZR/ref=dbs_a_def_aw
m_bibl_vppi_i1
Sinopse
Mali acreditava ter como família somente sua mãe, ambas viviam tranquilamente no Brasil até que a
mãe da moça caiu doente sem muitas perspectivas de melhora, no entanto, Mariah guardava um
segredo da filha, ela tinha pai e irmãos, segredo esse que revela apenas nos últimos instantes de vida,
deixando a menina sem saber se era verdade ou delírio.
Só que o destino acaba mostrando para Malika que, tudo aquilo que sua mãe contou no leito de
morte, era real, sendo logo em seguida sequestrada e arrastada para Casablanca uma das maiores
cidades do Marrocos, seu sequestrador é um "suposto" irmão mais velho, o qual quer obrigá-la a
casar com um homem desconhecido.
SIGA A AUTORA
Instagram: https://instagram.com/simoneschnneider?
utm_medium=copy_link