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Este livro é uma obra de ficção.

Todas as referências a eventos históricos, pessoas ou locais reais são


usadas de maneira fictícia. Os demais nomes, personagens, lugares e acontecimentos são um produto
da imaginação da autora. Qualquer semelhança com eventos, locais ou pessoas reais, vivas ou
mortas, é meramente coincidência.

Feitiços da meia-noite, As Bruxas de Hollow Cove, Livro Dois


Direitos autorais © 2023 por Kim Richardson
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução
no todo ou em qualquer forma.

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Contents

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30

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Sobre A Autora
Capítulo 1

E uMinhas
estava diante da porta do porão, com o coração aos pulos de excitação.
tias haviam saído cedo pela manhã, deixando-me sozinha na
Casa Davenport. A casa de fazenda de 445 metros quadrados, tinha quartos
suficientes para ser considerada uma pousada, tinha passagens secretas,
lugares escondidos e portas fechadas misteriosas suficientes para me manter
ocupada por meses. O que eu deveria estar fazendo agora era lavar a louça,
ou mesmo capinar o jardim de ervas que mais parecia um pedaço de grama
pronto para as vacas. Mas minha curiosidade tinha vontade própria e, antes
que eu percebesse, estava em frente à porta do porão, com os dedos dos pés
balançando em antecipação.
Minhas tias continuavam evitando minhas perguntas sobre esse porão
de lobotomização masculina. O fato é que eu não tinha a menor ideia do
que havia acontecido com aqueles três homens lá embaixo. Eles tinham
entrado e saído alguns dias depois - vivos, mas com alguns parafusos
faltando em suas cabeças. Trapaceiros, exposição indecente a menores... Eu
achava que a Casa Davenport tinha feito algo com eles. Havia tirado parte
de sua força vital, seu próprio mojo, a energia interior que todos os mortais
possuem. Eu não teria certeza de nada até que fosse até lá e verificasse por
mim mesma.
Claramente, minhas tias não queriam que eu soubesse o que acontecia
no porão, o que só consolidava o fato de que era ruim ou perigoso. Como
bruxa, perigoso e ruim estavam em meu DNA, qualidades das quais eu me
orgulhava, muito obrigada.
Um sorriso malicioso se espalhou pelo meu rosto. Vou passar por
aquela porta e descobrirei o segredo da Casa. E se eu perdesse um dedo?
Valeria a pena.
Eu não tinha ideia de quando minhas tias voltariam, mas não podia
pensar nisso agora. Eu só precisava de alguns minutos, tempo suficiente
para bisbilhotar o porão e finalmente descobrir o que diabos havia lá
embaixo.
Já decidida, estendi a mão, agarrei a maçaneta e me virei.
— Está trancada — anunciei ao universo, puxando a maçaneta com
força, mas a porta não se moveu.
— Você só pode estar brincando.
Aparentemente, minhas tias não queriam que eu vagasse pelo porão. Ou
isso, ou elas não confiavam em mim para conhecer seus segredos. O quão
ruim poderia ser? Que diabos havia lá embaixo, afinal?
É isso aí. Agora eu realmente precisava saber.
— Somos só você e eu, porta. E você vai cair — eu disse.
Encostando meu exemplar do Manual da Bruxa no quadril, folheei as
páginas até encontrar o que precisava.
"Como abrir uma fechadura", eu li.
— Isso é muito fácil.
Depois de ler as instruções - que, mais uma vez, eram muito fáceis -
peguei um pedaço de giz na minha bolsa e desenhei um símbolo em forma
de chave na porta. Concentrando-me, aproveitei o poder dos elementos ao
meu redor e disse o encantamento:
— Reserare secreta.
Um influxo de energia me invadiu, e o símbolo em forma de chave na
porta brilhou em um dourado intenso, parecendo irreal como uma joia
brilhante. Contive o surto de energia que queria escapar do meu controle,
permitindo que apenas uma pequena quantidade se espalhasse. O símbolo
brilhou uma última vez e depois voltou ao seu estado monótono,
semelhante a giz.
Sorrindo, estendi a mão e puxei a maçaneta da porta. Mas era como
tentar abrir um bloco de cimento.
— Mas que diabos?
Girei a maçaneta novamente e até mesmo a puxei com força para
garantir. Mas, ainda assim, a porta do porão não se abria.
Que porcaria. Eu tinha certeza de que funcionaria. Olhei de relance para
o encantamento, imaginando se eu havia dito as palavras incorretamente,
embora tivesse sentido a magia se espalhar por mim. O símbolo em forma
de chave tinha brilhado e reagido à magia. Não. Eu tinha feito tudo certo. O
que só poderia significar que... outra força estava agindo aqui e não estava
permitindo que eu destrancasse a porta.
— Casa? — Eu gritei, sabendo que essa era a única explicação.
— Você está fazendo isso? É melhor que não esteja.
Coloquei uma mão no quadril e olhei em volta da cozinha, do corredor,
sem saber o que esperar.
Os canos na parede emitiram um gemido e um estalo repentinos que
pareciam muito com risadas.
Essa foi minha resposta.
Franzindo a testa, fechei o livro, com a decepção e a raiva se agitando
dentro de mim.
— Por quê? Por que você não me deixa passar? O que há lá embaixo,
afinal? Eu sou uma bruxa de Davenport, droga. Você deveria me deixar
entrar.
Esperei que a Casa respondesse, o que por si só já era um pouco tolo. A
Casa não pronunciava palavras. Era mais como um mordomo invisível e
mudo. Mas, ei, você nunca sabia. Coisas mais estranhas já aconteceram
nesta cidade.
Depois de mais um minuto de silêncio, vi meu símbolo de chave
desenhado a giz desaparecer em três toques, como se alguém tivesse
passado um pano nele e o limpado da porta.
— Legal. Muito legal.
— O que se passa, querida?
Uma figura esguia entrou pela porta dos fundos da cozinha. A pequena
bruxa usava uma calça de linho bege com uma blusa de linho branca, que
acentuava sua pele bronzeada e seu cabelo loiro na altura dos ombros. Seus
saltos altos faziam barulho no chão enquanto ela jogava quatro grandes
sacolas de compras na ilha da cozinha.
— Você está pálida, Tessa — disse minha tia Beverly, com os olhos
verdes apertados.
— Tenho um bronzeador novo que vai resolver esse problema. E você
poderia usar um pouco de brilho labial.
— Mmm-hmm.
Fiquei ali parada, com o coração batendo no peito e sentindo como se
tivesse sido pego mexendo no armário da minha tia. Talvez a Casa tenha
apagado todas as evidências da minha tentativa de invasão para me poupar
de mais humilhações.
Mas eu ainda não estava desistindo. Um dia, vou passar por aquela
maldita porta. Você só precisa me observar.
— O que é tudo isso? — perguntei, indo até a ilha da cozinha. Coloquei
meu livro no balcão e olhei dentro de uma das sacolas.
— Definitivamente, não são mantimentos.
Vi uma caixa azul clara com um brilho metálico.
— Você foi às compras? Parece chique.
Eu sorri, sabendo que minha tia Beverly era a única de nós, bruxas de
Davenport, que se preocupava em seguir as últimas tendências da moda. Eu
só usava o que parecia limpo e sem cheiro.
— Foi exatamente o que eu disse a ele — disse minha tia Dolores ao
entrar pela porta dos fundos da cozinha com uma sacola de compras
semelhante às que Beverly trazia pendurada na mão.
— Você não pode misturar Avena Sativa e Damiana e polvilhar no seu
pênis na esperança de que ele cresça. As ervas são para manter a ereção.
Somente um tolo faria algo tão imprudente.
Com 1,70 m de altura, Dolores era a mais alta das bruxas de Davenport.
Magra, com uma sagacidade de ponta de faca, seus longos cabelos grisalhos
estavam bem penteados para trás em uma trança. Seus olhos castanhos-
escuros eram brilhantes e inteligentes enquanto ela se posicionava como
uma professora, incitando um aluno a tropeçar.
— Eu gostaria de estar lá para ver a cara da esposa dele quando ela o vir
nu.
Ruth deu uma risadinha ao se aproximar da irmã. Quase uma cabeça
mais baixa, toda sorridente e saltitante em seus pés minúsculos, seu cabelo
branco estava preso em um coque e preso no lugar com dois lápis.
— A menos que ela goste de pênis verdes... então, ela pode gostar —
acrescentou, enquanto se dirigia para a cozinha.
Agora, isso foi interessante. — De que pênis infeliz estamos falando?
— De Jim Forrester.
Dolores pendurou a bolsa no suporte de madeira na parede ao lado da
porta dos fundos.
— O idiota queria alongar o pênis. Mas essas ervas são para manter a
excitação sexual. Uma versão mais natural do Viagra, se você preferir.
Homens.
— Então, agora ele está preso a um verde rígido, não é?
Dolores bufou.
— Sim, ele está um pouco em pânico. Mas não há nada que possamos
fazer. Ele vai ficar bem. Ele só precisa... esperar.
Eu ri.
— Até que o pequeno Jim verde fique mole novamente.
Ruth começou a rir, seu rosto sorridente se iluminou ao me ver. Ela
colocou sua sacola de compras ao lado da de Beverly na ilha.
— Você está com fome, Tessa? Posso preparar algo para você. Você
quer panquecas? Ou você prefere uma omelete?
— Estou bem, obrigada - disse eu, um pouco envergonhada por, aos 29
anos, ainda ser um desastre na cozinha e o cereal ser minha comida
preferida. Não era o cereal o alimento de conforto de todo mundo?
Meu olhar se voltou para as três irmãs, com um sorriso estampado no
rosto.
— Vocês todas vão ter encontros animados hoje à noite?
Beverly tinha um encontro com um homem diferente quase toda
semana, então isso não era surpresa. Mas eu nem sabia que Ruth e Dolores
estavam namorando. As três irmãs eram todas viúvas, pelo menos uma boa
década após a morte de seus maridos. Elas deveriam estar namorando.
Ninguém deveria viver sua vida sozinho. Estranho pensamento, vindo de
alguém que havia jurado não namorar depois que meu ex, John, o idiota, me
deixou há quatro semanas, depois de cinco anos. Afastei o pensamento dele
de minha mente. Não era hora de me lamentar.
Um par de olhos cinzentos hipnotizantes, emoldurados por cílios
grossos e pretos e acompanhados por um agradável aroma almiscarado,
braços fortes e musculosos e um peito largo apareceram em minha mente.
Marcus. O chefe aqui em Hollow Cove.
O calor passou do meu pescoço para o meu rosto. Malditos hormônios.
Não tivemos um bom começo - totalmente por culpa dele -, pois ele
chamou minha mãe de "desperdício de espaço" na frente de toda a cidade.
Mas depois do que Martha confessou sobre a terrível tomada de decisão de
minha mãe ao deixar seu posto, que resultou na morte do melhor amigo de
Marcus, eu pude entender sua hostilidade e seu ódio aberto por mim.
Mesmo assim, ele me ajudou a derrotar Samara e seus seguidores. Ele
até me protegeu e me levou para casa depois da batalha na floresta com a
feiticeira. Eu não tinha certeza de como estávamos agora. Amigos? Não,
não éramos amigos. Então, o que isso fazia de nós?
— Você não sabe? — perguntou Ruth, inclinando-se para a frente na
ilha, com os olhos arregalados de incredulidade.
Olhei para ela, minhas sobrancelhas se encontraram no meio.
— Você sabe o quê?
Dolores colocou a mão no quadril.
— Sua mãe não contou a você nada sobre nossa cidade e suas
festividades?
— Sim. Ela disse que vocês eram todos loucos.
— Parece com ela - murmurou Beverly enquanto colocava uma mecha
de cabelo loiro atrás da orelha.
Dei de ombros.
— Eu desisto. Que festividades?
— Aqui.
Beverly me entregou uma de suas bolsas, com um traço de sorriso na
boca.
— Isso é para você.
Minha boca ficou aberta por um momento.
— Você me trouxe alguma coisa?
Peguei a bolsa dela e dei uma olhada dentro. Era aquela com uma caixa
azul metálica.
— Abra-o — incentivou Beverly, com os olhos brilhando.
— Ah, e esta também — ela acrescentou e me entregou uma sacola
menor com uma caixa branca decorada com estrelas roxas.
Fazendo o que me foi pedido, tirei a caixa azul da sacola e a coloquei no
balcão da ilha. O rótulo Boutique Marie France estava elegantemente
estampado na parte superior em letras pretas. Com os dedos tremendo de
empolgação, levantei a parte superior da caixa e movi o papel de seda
branco para o lado. Um material preto brilhante apareceu para mim, liso e
elegante, com alças finas, implorando para que eu o pegasse. Então, é claro,
eu aceitei.
Levantei a peça de roupa e dei um pequeno suspiro quando ela caiu,
batendo em meus tornozelos.
— Você comprou um vestido para mim?
Fiquei olhando para o vestido mais bonito que já havia segurado em
minha vida. Eu nem sequer tinha algo tão caro ou elegante. O único vestido
que eu tinha era um de algodão que comprei na Gap há alguns anos. Eu
nunca havia sentido o material desse vestido antes, suave e sedoso sob meus
dedos como metal líquido. Deve ter custado uma fortuna. Percebi que a
etiqueta de preço estava convenientemente faltando.
— Você gosta? — perguntou Ruth, com um toque de preocupação na
voz, como se eu fosse louca o suficiente para não gostar.
— É claro que ela gosta — disse Beverly.
— Basta você olhar para ela. Sempre percebo quando uma mulher sabe
que esse é o vestido certo. Ele é perfeito. Chique e elegante.
Dolores bufou.
— Como o biscoito.
Beverly estava certa.
— É lindo — respondi, com dificuldade para desviar o olhar do vestido
sedoso e supersexy.
— E parece muito caro. Será que podemos pagar por isso?
A culpa ameaçou parar meu coração. Eu estava nadando em dívidas.
Nunca poderia comprar algo tão requintado e caro. Minhas tias não
deveriam estar gastando o pouco dinheiro que tinham comigo ou com esse
vestido. Não parecia certo.
— Temos que estar em nossa melhor aparência esta noite, senhoritas —
anunciou Dolores, como se isso fosse resposta suficiente. Ela sorriu com o
que viu em meu rosto.
— Por que isso? E por que eu preciso de um vestido?
Apertei o lindo vestido preto contra meu peito. Não pude evitar. Ele era
espetacular.
— Porque, minha querida sobrinha — disse Beverly, com a mão no
quadril curvilíneo, parecendo uma clássica estrela de cinema dos anos
cinquenta, — Hoje começa o Festival da Noite.
Capítulo 2

D euma
acordo com minhas tias, o Festival da Noite era uma reunião anual,
extravagância de festival paranormal que apresentava uma
infinidade de rostos famosos, influentes e poderosos nos círculos
paranormais, com alguns humanos misturados.
Eu nunca tinha ouvido falar de tal coisa. Os únicos festivais que eu
conhecia eram os festivais comuns do solstício de inverno e de verão, os
equinócios da primavera e do outono e o Samhain, meu favorito. Portanto,
isso era novidade para mim. O festival era um evento de cinco noites, e
parecia estranho e misterioso. Vindo de uma bruxa que havia perdido a
maior parte de todas as coisas paranormais quando era criança, eu estava
tão entusiasmada quanto uma criança que havia caído em uma caixa cheia
de filhotes. É claro que eu tinha que dar uma olhada.
Era uma chance para eu ver como o resto de nós, paranormais, vivia. Eu
poderia ter um vislumbre do nosso mundo sem ter que pegar um avião ou
um ônibus, que eu não podia pagar no momento. Não vamos nos esquecer
de que eu estava mergulhada em dívidas. Cada centavo que eu ganhava era
destinado ao pagamento de minha enorme dívida. Eu havia conseguido
reduzi-la para quarenta e nove mil quatrocentos e cinquenta. Mas, no ritmo
em que eu estava indo, teria oitenta e dois anos quando ela fosse totalmente
paga.
A ideia de minha enorme dívida me deixou em profunda depressão.
Rapidamente me livrei desses pensamentos mórbidos, optando por algo que
melhorasse meu humor. E eu sabia exatamente o que fazer.
Com os pés leves, entrei na Shifter Lane e segui para o centro de
Hollow Cove, que era basicamente a rua principal e a praça da cidade.
Tentei andar o mais normalmente possível sem parecer que estava correndo.
Quem eu estava enganando? Era exatamente isso que eu estava fazendo.
Quando cheguei à praça da cidade, eu estava ofegante e minhas axilas e
costas estavam molhadas. Provavelmente eu também cheirava mal, mas
valeu a pena.
Eu me esforcei para não ficar boquiaberta com o aglomerado de
paranormais. Eu nunca tinha visto tantos reunidos em um só lugar antes,
fora das reuniões da cidade e, definitivamente, não se você excluísse todos
os habitantes da cidade de Hollow Cove.
Vozes de mestiços e até mesmo de alguns humanos se aglomeravam ao
meu redor na praça da cidade em um borrão de cores e movimentos,
conversas e fantasias, como se fosse um tipo de circo paranormal. Os
humanos eram facilmente identificados com seus dentes de vampiro de
plástico e orelhas pontudas de borracha coladas. Eles pareciam estar se
preparando para uma convenção de Trekkies.
E foi fantástico.
Eu me movia ao longo da multidão de mestiços, tentando ver tudo ao
mesmo tempo e, ao mesmo tempo, tentando não parecer uma turista - o que,
de certa forma, eu era. A mulher mais alta que eu já tinha visto, medindo
pelo menos 2,70 altura, passou por mim. Sua pele era áspera como couro e
tinha a cor das folhas na primavera.
— Isso não é seu. Isso é meu — dizia uma mulher baixa e idosa para
outra mulher mais velha, enquanto puxava uma bolsa. Isso seria totalmente
normal aqui em Hollow Cove, exceto pelo fato de que as duas senhoras
idosas estavam cobertas de pelos cinzentos e um tufo de cauda aparecia por
baixo de cada saia longa.
Um grupo de mestiços em vestes prateadas adornadas com runas e
sigilos roxos se aglomerou em uma tenda, movendo as mãos em gestos,
enquanto cortinas verdes flutuavam e se prendiam magicamente ao longo
do teto da tenda. Bruxas.
No parque ao redor da praça da cidade, nas ruas, havia uma fila de
estandes e barracas de vendedores como você veria em uma feira local. Eles
ofereciam garrafas, caixas de poções, amuletos, varinhas e amuletos,
cerâmica, roupas e mais joias do que eu jamais havia visto.
Uma jovem bruxa de cabelos cor-de-rosa brilhantes estava ao lado de
um carrinho que dizia: TENHA SEU PRÓPRIO BONECO VOODOO
PERSONALIZADO! Uma boneca de cerca de 30 centímetros de altura
estava em um tripé ao lado da bruxa, com seus olhos azuis sem brilho
brilhando no rosto sombrio e impassível. Era uma réplica exata da bruxa,
exceto pelo fato de sua cabeça ser anormalmente grande. Tinha até mechas
de cabelo rosa brilhante combinando com ela e usava as mesmas roupas. Os
olhos da boneca se fixaram em mim e não desviaram o olhar. Assustador.
Mais paranormais em várias formas de vestimenta passaram por mim -
alguns com roupas modernas como eu e outros vestidos com roupas mortais
vintage com camadas de saias e rendas.
Avistei seis pavilhões portáteis e um enorme tanque de água do tamanho
de uma minivan. Quando me aproximei para dar uma olhada melhor, um
homem nadou até o vidro e me mostrou seus dentes pontudos, parecidos
com os de um peixe.
Eu dei um pulo para trás. Certo, não era um homem - um tritão. E um
bem gostoso.
Os longos cabelos azul-marinho se erguiam ao seu redor. Sua pele era
de um azul metálico, quase pintada sobre o peito e os braços grandes e
musculosos, com olhos pretos de tubarão e uma cauda. A parte superior de
seu corpo era toda de homem, mas a metade inferior era toda de peixe.
Muito estranho. Eu adorei.
— Bem, olá — eu disse sem ter certeza se ele podia me ouvir, ou
mesmo se falava inglês. Minha música de baleia estava um pouco
enferrujada.
Seus lábios se moveram enquanto ele dizia algo, seu belo rosto sorrindo.
Ele acenou. Eu acenei de volta.
Seguindo em frente, seguindo em frente...
Ecos de vozes ricas e o som distante de uma risada zombeteira
chegaram até mim. Um grupo de belos mestiços estava ao lado de uma
cabine. Todos eram altos, magros, perfeitos e pareciam um grupo de
modelos se preparando para a passarela. Vampiros? Mas vi algumas orelhas
pontudas e bocas sorridentes cheias de dentes pontudos - fadas.
Além de serem tão belas e místicas quanto os vampiros, as fadas eram
equipadas com sua magia. E com essa magia, elas podiam fazer com que
você acreditasse em praticamente qualquer coisa, apenas para que
pudessem beber lentamente sua alma, tornando-o escravo delas pelo tempo
que quisessem.
É. As fadas me assustavam.
Todos pararam e me encararam enquanto eu passava, com seus rostos
frios e bonitos enrugados em desdém. De seu grupo vieram vários assobios
distintos.
Caminhando, caminhando...
Um grupo de vampiros passou por mim, estoico, belo e impiedoso. O
forte cheiro de sangue velho e os arrepios que subiram pela minha espinha
quando eles passaram por mim consolidaram meu pensamento de que eram
vampiros de verdade, e não a variedade meio humana como o Ronin.
Por falar no meio-vampiro, vi o cara alto à minha frente com uma bela
jovem pendurada em seu braço enquanto ele se exibia como um pavão
orgulhoso.
— Vampiros — murmurei com uma meia risada enquanto me
aprofundava na multidão de paranormais.
— Não, não, não! — gritou Gilbert, segurando uma prancheta na mão
enquanto batia o pé. — Eu já lhe disse antes e vou dizer de novo, porque
aparentemente você é um tolo, Adrian.
Ele olhou para um jovem que parecia pronto para dar um soco na cara
de Gilbert se ele não estivesse em uma escada de quatro metros segurando
uma placa que dizia 86 ° FESTIVAL ANUAL DA NOITE. Eu o reconheci.
Adrian era um bruxo de vinte e poucos anos que ajudava minhas tias em
algumas tarefas de paisagismo na Casa Davenport. Ele também era um cara
muito legal.
— Ela precisa ser mais alta. — M-a-i-s a-l-t-a! — ordenou Gilbert.
— Todo mundo sabe que as placas devem estar três metros acima de
nossas cabeças. Não na altura dos olhos.
— Então, precisarei de uma escada mais alta — rosnou Adrian, com os
olhos apertados.
O rosto de Gilbert ficou vermelho.
— É a mesma escada que usamos todos os anos. Se Marty conseguiu
fazer isso no ano passado, você também deve conseguir.
O resto da resposta de Adrian se perdeu enquanto eu me afastava, rindo.
Sete limusines pretas estavam estacionadas no meio-fio, junto com uma
dúzia de motorhomes de dois andares pintados com estrelas, luas e sóis.
Senti olhos em mim. Um homem ao lado de um grupo de pessoas de
aparência importante estava me observando. O sol refletia em sua pele
bronzeada e seu corpo alto estava vestido com uma camiseta preta simples e
calça jeans, o que mostrava seu físico fantástico e em forma. Seus cabelos
loiros e curtos eram longos o suficiente para que eu quisesse passar os
dedos neles - não que eu quisesse. Na luz, sua beleza era surpreendente,
como um príncipe élfico sem idade, elegante, perigoso e impiedoso. Suas
orelhas eram arredondadas, portanto não era um elfo ou uma fada. Com
uma aparência bonita como essa, ele poderia ser um vampiro. Mas ele ainda
poderia ser um fae com um forte glamour.
Seu belo rosto se transformou em um sorriso quando ele me viu olhando
de volta para ele.
O medidor de rubor instantâneo disparou para o meu rosto como lava
derretida.
Eu me virei para evitar que ele visse o rubor em minhas bochechas e me
choquei contra um corpo duro.
— Ops, desculpe, a culpa foi minha — eu disse quando dei um passo
para trás e olhei para cima. — Eu não estava prestando atenção… Marcus?
Droga. De todas as pessoas com quem eu iria me chocar hoje, tinha que
ser o Marcus.
O supersexy chefe de Hollow Cove olhou para mim com aqueles olhos
cinzentos estúpidos e hipnotizantes.
— Você deveria olhar para onde está indo.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios cheios.
— Você pode torcer o tornozelo no meio-fio se não tomar cuidado.
Eu ainda não havia me preparado mentalmente para saber como deveria
me comportar com ele agora. Amigos? Conhecidos? Eu poderia ser uma
conhecida. Seu tom era cordial, nada parecido com o tom áspero que ele
havia usado comigo antes. Isso nos tornava amigos?
Eu não tinha certeza de como me comportar, agora que sabia o motivo
da hostilidade dele para comigo. Ainda assim, teríamos de nos acostumar
um com o outro, já que eu havia fixado residência permanente em Hollow
Cove.
Meus olhos se desviaram para o peito dele, que estava coberto por uma
camisa branca com decote em V, fazendo com que o calor em meu rosto
aumentasse. Que diabos havia de errado comigo? Eu estava agindo como
uma colegial apaixonada, não como uma mulher adulta que está prestes a
completar trinta anos.
Controle-se, bruxa!
Afastei meus olhos do peito de Marcus e encontrei o belo estranho
olhando para mim, o sorriso em seu rosto ainda lá, aberto e convidativo.
Agora meu rosto parecia ter sido colocado em um forno. Eu estava no
inferno.
Marcus olhou para o que eu estava olhando antes e seu queixo se
apertou quando viu o loiro sexy ainda me observando. Interessante.
— Este será o seu primeiro Festival da Noite? — perguntou o chefe,
com os olhos ainda fixos no estranho.
Ele estava tentando puxar conversa comigo?
— Meu quê? Ah, claro. Sim. O Festival da Noite. Mal posso esperar.
Parece emocionante.
Marcus voltou seus olhos para mim e sorriu. Isso transformou seu rosto
de chefe sexy e sombrio para o de "é hora de ir às compras". Acho que ele
nunca havia sorrido para mim antes. Diabos, eu nem sabia que seu rosto
podia fazer isso. Uau.
Embora meu corpo e meus hormônios estivessem reagindo a esse
homem estupidamente bonito, meu cérebro não estava. Eu tinha acabado de
sair de um relacionamento ruim, então agora não era hora de me envolver
com ninguém. Da última vez que dei ouvidos aos meus estúpidos
hormônios, acabei desperdiçando cinco anos da minha vida. Eu precisava
cuidar de mim primeiro.
Mesmo assim, isso não significava que eu não pudesse olhar. E havia
tanto para ver...
— Você está bonita — disse Marcus. Algo em seu tom suave me fez
querer ronronar e me aconchegar em seu pescoço.
Eu estava perdendo o controle.
— Obrigado. Eu também. — Eu também? Que tipo de idiota tagarela eu
era?
Engoli e me endireitei, relutante em deixá-lo ver o quanto suas palavras
ou sua voz me afetavam.
— Gilbert sempre faz algumas birras nesta época do ano, continuou o
chefe. — Ele leva o festival um pouco a sério demais. Deixa todo mundo
louco.
— Uh... mmm… — Aparentemente, eu estava sofrendo de outro peido
mental. Eu me movia de um pé para o outro. Às vezes, eu fazia isso quando
estava nervosa ou quando tentava fazer meu cérebro voltar a funcionar.
— Você pode usar o banheiro do Brooms & Brew — acrescentou
Marcus com um meio sorriso de conhecimento.
Oh. Meu. Deus. Ele acha que eu preciso fazer xixi.
— O quê? Não? Eu só... tomei muita cafeína hoje de manhã. Você sabe
o que quero dizer? — Eu estava mortificada. Mas até que foi engraçado.
— Você vai ao festival hoje à noite?
É claro que ele iria, mas foi a única coisa que saiu da minha boca. Era
estranho e empolgante que estivéssemos conversando, e eu me vi sem
querer que aquilo acabasse.
— Sim — respondeu Marcus casualmente, seus olhos cinzentos
percorrendo meu rosto. Não tinha mais a aparência de durão, substituída por
uma aparência gentil e amável. Eu gostei disso.
— Preciso garantir que tudo corra bem para todos esta noite. Mas,
principalmente, preciso ficar de olho no Gilbert antes que alguém o mate.
Eu ri, vendo Gilbert acenando com uma fita métrica para Adrian.
— Parece que o Adrian pode estar tendo pensamentos assassinos neste
momento. Coitado.
Marcus riu. Foi uma risada muito agradável e profunda que me fez
querer fazer piadas idiotas só para ouvi-la novamente.
— Acho que você tem razão. Vejo você hoje à noite — disse o chefe
quando se virou e foi resgatar o pobre Adrian de Gilbert.
Eu o observei se afastar.
— Sim — sussurrei.
— Vejo você hoje à noite.
Capítulo 3

O sono não vinha. De acordo com as instruções de Dolores, eu deveria


tirar um cochilo antes do Festival da Noite, já que ele começaria à
meia-noite de hoje. Mas eu estava tão empolgada que fiquei deitado em
cima da cama, de camiseta e calcinha, ouvindo os batimentos cardíacos e
esperando o alarme do celular tocar meia hora antes da meia-noite.
Bip. Bip. Bip.
Levantei-me da cama, desliguei o despertador e entrei no chuveiro.
Trinta minutos era muito mais tempo do que eu precisava para me arrumar.
Eu só precisava de quinze, mas precisava estar no meu melhor - de acordo
com minhas tias. Eu tinha a sensação de que elas estavam prestes a me
apresentar para algumas pessoas importantes esta noite.
Depois de um banho recorde de cinco minutos - fiz uma anotação
mental para pedir à Martha um feitiço de remoção de pelos, porque eu não
queria depilar minhas pernas, axilas e virilha pelo resto da minha vida -, eu
me enxuguei com uma toalha e passei o secador no meu cabelo molhado.
Fiquei nua diante do espelho da penteadeira, pensando na quantidade de
maquiagem que iria usar. Não queria ficar muito maquiada. Sempre achei
que parecia falso. Com isso em mente, apliquei um pouco de corretivo sob
os olhos para esconder as olheiras, um pouco de sombra cinza claro nas
pálpebras superior e inferior para destacar meus olhos castanhos, um toque
de rímel e um pouco de brilho labial.
Pisquei os olhos para o espelho.
— Você se limpa bem, Tessa — disse a mim mesma e depois soltei um
suspiro.
— E agora, o que vamos fazer com seu cabelo? Para cima ou para
baixo?
Decidi fazer um coque baixo bagunçado. Ele pareceria mais sofisticado,
mas também levaria menos tempo. Eu queria ser prática.
Em seguida, coloquei um fio dental preto - acredite, você não quer que
as linhas da calcinha apareçam em um vestido como esse - e enrolei um
sutiã preto (cortesia da minha tia Beverly), o que foi surpreendentemente
confortável.
Minha pulsação estava acelerada quando tirei meu novo vestido preto
do cabide no armário e o vesti. Passei os dedos sobre o material macio e
amplo da minha cintura e quadris. Praticamente gemi de tão macio que era.
Senti um leve formigamento em minha pele enquanto admirava o material
preto brilhante. E, é claro, o vestido parecia ter sido feito para mim, justo
em todos os lugares certos, mas deixando material nos lugares que
precisavam de mais, como minha bunda e coxas. Como Beverly sabia o
meu tamanho? Quando senti outro formigamento, eu soube.
Mágico. O vestido era mágico ou escrito para se ajustar exatamente ao
usuário, como se tivesse sido moldado para mim.
Sorrindo como uma idiota, calcei um par de sapatos pretos, me sentindo
como a Cinderela antes do baile, e me levantei. Graças a Deus, Beverly me
comprou sapatos de salto baixo. Caso contrário, eu teria ficado gigante.
Embora fossem confortáveis, não gostava de saltos, e a última coisa que eu
precisava era cair de cara no chão na frente do Marcus. Não sabia ao certo
por que eu me importava. Talvez fosse porque eu não conseguia parar de
relembrar nossa conversa anterior.
Não. Esta noite era para as minhas tias. Elas não tiveram todo esse
trabalho para me preparar para algo que consideravam sem importância. Eu
era uma Merlin. Precisava agir como tal.
— Tessa! Venha para cá. Estamos indo! — disse a voz de Dolores no
andar de baixo. Peguei meu telefone e o coloquei em uma bolsa de couro
preta (obrigada, Beverly), tirei meus sapatos, prendi em dois dedos e desci
correndo as escadas.
— Onde estão seus sapatos?
O lindo rosto de Beverly ficou mortificado ao ver meus dedos dos pés,
que eu havia esquecido completamente de pintar. Opa. Mas os sapatos
esconderiam o fato de que eu tinha os dedos dos pés de um ogro, a julgar
pela expressão da minha tia.
Cheguei ao último degrau e levantei meus sapatos.
— Aqui. Você não precisa se preocupar. Prometo que não vou ficar
descalça.
Embora a ideia fosse tentadora. Seria muito mais fácil.
— Agradeça ao caldeirão — comentou Beverly em seu requintado
vestido prateado que transpirava sensualidade.
— Você não consegue um homem com dedos de Goblin, querida.
— Eu não estava planejando conseguir — disse a ela.
Ruth bufou.
— Ela é engraçada.
Seu corpo esguio estava envolto em um vestido vermelho justo que
realçava sua pele pálida e seus cabelos brancos.
— Vamos lá. Não quero me atrasar — ordenou Dolores. Seu longo
vestido preto balançava em seus calcanhares enquanto ela corria para a
porta, e seus sapatos baixos combinando com o vestido rasgavam o chão.
Todos nós a seguimos até a caminhonete Volvo.
— Vamos dirigir até lá? — perguntei, surpresa. Achei que iríamos a pé.
— Você achou que eu ia estragar meu cabelo andando até o festival?
Beverly não esperou minha resposta, abriu a porta do passageiro da
frente e sentou-se enquanto Dolores se posicionava ao volante.
Segui Ruth até os fundos e então partimos. Foram dois minutos de carro
até a praça da cidade, mas foram necessários mais cinco minutos para
encontrar um estacionamento que não fosse nem muito perto nem muito
longe.
Assim que o carro foi estacionado, nós quatro nos dirigimos ao festival.
Qualquer idiota poderia encontrá-lo apenas seguindo os sons das pessoas e
da música.
Quando chegamos à praça da cidade, fiquei sem fôlego.
Eu nunca tinha visto a cidade tão bonita à noite antes, nem cheia de
tantos vestidos requintados, ternos e formas flexíveis que tinham formas e
cores tão estranhas que eram uma maravilha de se ver.
Globos brancos brilhantes pairavam aqui e ali como pequenas luas,
dando ao local uma mística de luz lunar e me lembrando do encanto das
luzes brancas de Natal. Todos os estandes, estrados, pavilhões e tendas
estavam decorados com as mesmas luzes brancas. Até mesmo o tanque de
água gigante com o tritão quente estava deslumbrante com minúsculos
globos flutuantes, e eu resisti à vontade de ir vê-lo novamente.
— Parece que este ano houve uma boa participação — comentou Ruth,
seu sorriso combinando com o meu enquanto observava todas as pessoas
que circulavam pelo festival.
— Gilbert fez um bom trabalho.
— Sim — concordou Dolores.
— Mas não vamos contar a ele. Ah - Tessa. Lá vêm eles. Prepare-se.
Apenas... seja você mesma e tudo ficará bem. E... eu sinto muito.
Meu olhar se voltou para Dolores.
— Quem está vindo? E por que você sente muito? Você lamenta o quê?
Meu estômago se contraiu com a tensão na voz de minha tia. E quando
segui seu olhar, entendi o porquê.
Um grupo de três pessoas, um homem e duas mulheres, veio em nossa
direção. O homem estava vestido com um terno escuro de aparência cara, e
as mulheres combinavam com a qualidade dos vestidos elegantes. O ar
vibrava com magia no que eu sabia ser uma demonstração de força e poder.
Eles tinham muito poder e queriam que todos soubessem disso. Bruxas.
A magia deles se estendeu ao nosso redor, envolvendo-me e ecoando
diferentes variedades da arte. Cada uma delas parecia totalmente diferente
da outra.
A mulher da extrema esquerda poderia facilmente ter se passado pela
irmã mais velha de minhas tias. Seu aniversário de 90 anos já havia passado
há muito tempo, mas ela era alta, orgulhosa e forte. Seus cabelos brancos
foram cortados tão curtos que ela estava quase careca, mas seus olhos
escuros me fitavam com inteligência aguçada. Ela usava um vestido de seda
branca, que fazia com que sua pele pálida parecesse da cor de neve nova.
A mulher ao lado dela era um pouco mais velha do que eu, com uma
cabeça cheia de mechas douradas que se espalhavam pela frente e pelo
vestido cor de vinho. Ela me observava com um meio sorriso conhecedor.
Estranho.
O homem parecia mais velho do que as duas bruxas juntas - simples,
esquecível, magro e com manchas de idade no couro cabeludo.
E depois havia o bode.
Sim. Um bode de verdade, com pelagem preta e branca e chifres
minúsculos, caminhava ao lado das bruxas. O som de seus cascos batendo
na calçada chamou minha atenção para ela. Suas pupilas horizontais, em
forma de fenda, me observavam com uma intensidade estranha.
Se essas bruxas pensavam que poderiam me intimidar com a presença
de sua magia, seu plano falhou com o bode.
— Então, esta é a substituta da Amelia? — O bruxo mais velho enrugou
o nariz em sinal de desagrado, seus olhos pálidos percorrendo cada
centímetro de mim como se estivesse procurando algo fora do lugar para
criticar. Eu o odiei instantaneamente. Você também odiaria.
— Sua mãe não era uma grande bruxa — disse a bruxa de longos
cabelos dourados. — A linhagem de sangue de vocês Davenport diminui.
— Provavelmente não há uma única gota de magia nela — disse a velha
bruxa, com seus olhos escuros voltados para mim. Senti como se ela
estivesse tentando ver através da minha pele até o próprio sangue dentro de
mim para discernir se havia alguma magia escondida em algum lugar.
Dolores se virou para mim.
— Tessa. Gostaria de apresentar a você o Grupo Merlin, de Nova York.
Ah-ha. Agora eu entendi. O vestido caro e a boa aparência faziam todo
o sentido. Para esses palhaços. Parte de mim queria ir embora. Diabos, era
um milagre que eu ainda não tivesse ido, mas eu sabia que ir embora só
faria com que minhas tias ficassem mal na frente desse clã. É algo que
minha mãe teria feito. Então, fiquei quieta. Eu também poderia jogar esse
jogo. Estava em andamento.
— Honestamente, Dolores — disse a bruxa mais velha, com manchas
de sol aparecendo através do cabelo fino em seu couro cabeludo. —
Poderíamos ter fornecido a você o que há de melhor. Temos muitas bruxas
treinadas por nós que são excelentes em todos os tipos de feitiços e magia.
Tudo o que você tinha de fazer era pedir.
Dolores se endireitou, ficando mais alta que a bruxa mais velha, e eu
sabia que ela tinha feito isso de propósito.
— Tessa é uma bruxa fantástica. Ela foi a única escolha para nós. Ela é
uma bruxa Davenport, afinal de contas. Ela é da família.
A bruxa mais velha balançou a cabeça.
— Você não pode escolher a família em vez do grupo. Você sabe como
essas coisas funcionam.
Beverly levantou o quadril.
— Mas nós escolhemos. O que você vai fazer a respeito, Greta?
Touché. Precisei de muito esforço para não sorrir ou repreender esses
idiotas. Meus olhos se voltaram para o bode. Ele estava estranhamente
silencioso para um bode. Nem mesmo um béé ou um balido. Nada.
Estranho. Talvez ele fosse mudo.
O bruxo mais velho esfregou o queixo.
— Os Grupos Merlin têm um código a ser seguido. Você não pode
simplesmente aceitar membros de sua família. Eles precisam ter sangue de
bruxo. Ela precisa ter magia.
— Ela tem, Travis — argumentou Ruth, com as bochechas coradas. —
A Tessa sempre teve magia. Ela é uma bruxa muito talentosa.
Ela acenou com a cabeça.
Agora, isso estava ficando ridículo.
— Estou aqui, sabe — eu disse, embora nenhuma das bruxas se
importasse em olhar na minha direção, nem mesmo minhas tias. — Você
pode me perguntar qualquer coisa.
Tive a sensação de que essa era uma batalha antiga entre as bruxas de
Hollow Cove e as de Nova York, e eu estava bem no meio dela.
A bruxa mais jovem, de cabelos dourados, ficava me olhando com um
sorriso largo e assustador, como se soubesse de algo que eu não sabia. Isso
estava começando a me assustar um pouco.
— Se ela é do sangue de Amelia — rebateu a velha bruxa Greta — ela é
praticamente humana.
Dolores ficou bem na cara dela e a encarou.
— Ela não é humana. Ela é uma bruxa!
— E ela está bem aqui — murmurei enquanto cruzava os braços sobre o
peito. Eu ia dar a eles mais trinta segundos e depois iria embora.
— Ela precisa fazer as provas antes de se tornar uma Merlin —
pressionou Greta. — Você sabe disso, Dolores.
Engoli, deixando cair os braços ao lado do corpo.
— Provas? Que provações?
Dolores ficou quieta por um momento.
— Ela não precisava. Vimos do que ela era capaz. Não vimos a
necessidade de fazê-la passar pelas provas, não quando ela já é excelente
em magia.
— Alô? — Acenei com a mão no ar. — Do que você está falando?
Greta deu um sorriso frio para Dolores.
— Você não faz as regras, Dolores. Ela terá de fazer os testes, quer você
goste ou não.
Dolores olhou fixamente para a bruxa mais velha, com o maxilar
cerrado. Eu estava esperando que ela dissesse algo à velha bruxa, mas ela
não o fez. Mas que diabos?
— Ei, Tess, como você está indo? Uau, você está ótima.
Ronin saiu de trás de Beverly para ficar ao meu lado. Ele usava jeans e
uma camiseta preta, casual e confortável. Embora eu adorasse esse vestido,
eu me sentia muito bem vestida e à mostra. Depois de conhecer essas
bruxas, eu só queria ir para casa e tirar o vestido. De alguma forma, parecia
falso. O momento havia passado.
— Falo com você em um segundo — eu disse a ele, notando como
Greta e Travis estavam olhando para Ronin como se tivessem acabado de
pisar em uma pilha de merda de cavalo. A bruxa mais jovem estava olhando
para Ronin como se ele fosse um pedaço tentador de cheesecake.
O meio-vampiro sorriu.
— Pela expressão de todos, eu diria que cheguei bem a tempo de ver a
luta das bruxas.
Dolores se afastou.
— Não há briga de bruxas, apenas um desacordo.
Greta deu um passo à frente.
— Se você quiser que ela se junte ao seu grupo — ela apontou um dedo
retorcido na minha direção, —ela precisa fazer as provas.
— O que está acontecendo com o bode? — eu disse, com a tensão me
invadindo. Eu já estava farta de ser ignorada, e o bode parecia ser um bom
tópico de discussão.
Silêncio. Pelo menos agora eu tinha a atenção deles. As três bruxas de
Nova York ficaram olhando para mim, assim como minhas tias. Os olhos de
Greta estavam arregalados e ela deu um passo para trás, com o rosto cheio
de rugas.
Ronin bufou.
— Bode? Essa foi boa.
Ruth deu uma risadinha.
— Não tem bode nenhum, boba — Ela se inclinou. — Acho que
funcionou. Fiz com que eles parassem de falar bobagens — acrescentou
com uma piscadela.
Eu franzi a testa para ela.
— Não, estou falando sério. Está bem ali. Você não consegue ver? — eu
disse, apontando para o bode fofo enquanto ela enrolava as orelhas e
piscava os olhos estranhos, com fendas horizontais.
— O que quer que você esteja fumando, Tess — disse Ronin. — Eu
quero um quilo.
As três bruxas de Nova York se entreolharam. Então Greta voltou seus
olhos escuros para mim.
— Você consegue ver um bode? Aqui? Ao nosso lado?
— Sim — respondi, não gostando do tom de zombaria dela. — Por que
vocês estão olhando para mim como se eu tivesse perdido a cabeça? Foram
vocês que trouxeram um bode para o festival. Não fui eu.
Embora tenha sido muito engraçado. O que eles deveriam ter feito era
levar o pobre bode para o parque para que ela pudesse pastar na grama.
Um pensamento horrível me ocorreu.
— Se você está pensando em usar esse bode em algum tipo de ritual de
sacrifício maluco — olhei para os três estranhos —vamos ter um problema.
Ok, não foi inteligente ameaçá-los. Mas eu me limitei à crueldade com
os animais.
Beverly limpou a garganta.
— Porque, querida, não há bode. Você pode parar de fingir. Acho que
todos nós precisamos relaxar e aproveitar o festival. Sei exatamente o que
você precisa — acrescentou ela, e notei que sua atenção estava voltada para
um homem alto e bonito, com cerca de 50 anos.
Fantástico. Meu temperamento se exaltou.
— Não sei se isso faz parte dos testes de que você está falando, e
realmente não me importo. Mas não me diga que estou fingindo ver um
bode. Não estou delirando.
— Como é o bode? — perguntou Travis, com os olhos úmidos e pálidos
que me lembravam uma lesma.
Meus lábios se separaram.
— Como um bode? Não sei? É branca e preta com chifres bonitos. A
propósito, parece estar com fome. Você deveria pensar seriamente em
alimentar o pobre animal.
Os olhos de Travis estavam arregalados e ele recuou como se eu tivesse
lhe dado um tapa. Eu não dei. Embora eu quisesse muito, muito mesmo.
— Já chega, Tessa.— Dolores me encarou com dureza. — Chega de
jogos.
Meu sorriso se intensificou.
— Oh, meu Deus. Que diabos é isso? — Apontei para o bode. — Está
bem ali. O que há de errado com vocês?
— Acho que você deveria parar, Tessa — disse Ruth, parecendo
chateada como se eu estivesse inventando tudo.
Abri minha boca.
— Veja. Não sei o que você está tentando provar...
— Está na hora de você ir. — Ronin agarrou meu braço e me puxou
para longe. O que foi muito perspicaz da parte dele, já que eu estava prestes
a perder a cabeça com todo mundo e provavelmente envergonhar minhas
tias no processo. Eu realmente não queria, mas todas elas estavam agindo
como loucas.
Ronin me conduziu até o festival. Passamos por estandes e mesas de
comida alinhados ao longo da extremidade da praça da cidade. Tropecei
algumas vezes. Saltos estúpidos. Eu não conseguia nem andar com os saltos
baixos de gatinho. Eu não tinha jeito e estava muito brava.
Violinos, tambores e outros instrumentos tocavam músicas alegres que
normalmente me fariam sorrir, mas meu rosto estava franzido. O Festival da
Noite era um mundo de cores e sons, mas eu mal notei. Tudo era apenas um
borrão gigante.
— Que diabos há de errado com eles? — sussurrei assim que saímos do
alcance dos ouvidos. — Você viu o que eles fizeram? Eles querem que eu
pense que sou louca. Por que eles estavam todos fingindo que não havia
nenhum bode?
Será que estou perdendo alguma coisa?
— Eu nunca vi um bode, Tess — disse a voz firme de Ronin. — Você
realmente viu uma ou estava apenas brincando com elas? Não me importo
que você brinque com eles. Foi muito divertido.
Parei de andar quando um formigamento frio subiu da parte inferior das
minhas costas e se instalou na base do meu pescoço.
— Você não viu o bode?
Ele balançou a cabeça.
— Não.
Apontei meu dedo em seu rosto.
— Se você estiver brincando comigo, vou cortar suas bolas e fervê-las
no caldeirão da Ruth.
Ver coisas que os outros não viam era um sinal muito ruim no mundo
paranormal, especialmente quando somos os anormais que deveriam ver o
bizarro e o estranho.
Se eu fosse a única pessoa que pudesse ver o bode... tentei não pensar
nisso.
Ronin cobriu suas bolas com a mão esquerda e levantou a mão direita.
— Pela minha honra de vampiro. Eu não vi nenhum bode.
Droga. Meu coração bateu forte na garganta quando me virei e olhei
para trás. Com certeza, o bode Billy estava me observando com seus olhos
horizontalmente fechados - e sim, eu tinha que lhe dar um nome também.
Um bode Billy era um bode macho, então parecia adequado.
Eu joguei minha cabeça para trás.
— Isso é ruim, Ronin. Muito ruim.
Ele deu de ombros.
— Por quê? Se você está vendo coisas... pelo menos é apenas um bode
e não um demônio.
— É isso mesmo. Pode ser um demônio. Ou pior.
— O que é pior do que um demônio disfarçado de bode? Um demônio
disfarçado de vaca?
Eu sabia que o Ronin estava apenas tentando me fazer rir, mas não
estava funcionando. A verdade é que aquele bode poderia ser várias coisas,
e nenhuma delas era boa. Pior, aparentemente, eu era a única que podia ver
isso. Eu também tinha envergonhado minhas tias. Elas me vestiram para me
exibir e eu as decepcionei.
Muito bem, Tessa.
Uma onda gelada de medo e pavor me atingiu. Meu estômago se
contraiu, enviando ácido para cobrir minha garganta. O que significava o
bode? Por que eu era a única que podia vê-lo? Eu não descansaria até
descobrir.
— E quanto a essas provações de que ouvi as bruxas falarem? —
perguntou Ronin.
— Você tem alguma ideia do que são?
Você está bem. Agora eu tinha mais com o que me preocupar.
— Não faço ideia. Mas parecia um teste que eu deveria passar para me
tornar uma Merlin.
— Suas tias nunca obrigaram você a fazer nenhum teste, né?
— Não.
Sorrindo, Ronin se endireitou.
— Bem, não vamos nos preocupar com isso agora. Esta é a sua primeira
noite no Festival da Noite, e você deve se divertir. É para isso que estou
aqui. Vamos ver…
Ronin esfregou as mãos e seu sorriso ficou travesso.
— O que você quer experimentar primeiro? Os quíntuplos das fadas vão
fazer uma dança do ventre mais tarde. Ouvi dizer que o chantilly é usado
em um de seus atos - ah, e há correntes também. O que você acha?
Meu olhar recaiu sobre uma tenda listrada de roxo e branco que
pareceria estar em casa no circo. Acima da porta de tecido estava a placa:

PROGNÓSTICOS MÍSTICOS, VIDENTE.


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*Não há reembolso

Perfeito. Com o pulso acelerado, fui direto para lá.


— Onde você está indo? —Ronin me chamou.
— Estou com vontade de ler a minha sorte — gritei por cima do ombro.
Eu precisava ter certeza de que não estava louca. Porque se alguém
pudesse me dizer se ver um bode era um mau presságio, seria uma
cartomante.
Ou assim eu esperava.
Capítulo 4

E mpurrei a aba de tecido para trás e entrei. Três coisas me chamaram a


atenção de uma só vez: cheirava a fumaça de cigarro, tudo era roxo e
não havia ninguém aqui.
— Está vazio — disse Ronin ao entrar atrás de mim.
— Eu notei.
A tenda tinha cerca de 2,5 metros por 2,5 metros e era decorada com
almofadas roxas de pelúcia no chão, sobre tapetes roxos e mantas roxas.
Uma pequena mesa redonda roxa estava no meio do espaço com almofadas
colocadas ao redor para servir de cadeiras. Uma bola de cristal, uma pilha
de cartas, xícaras de chá vazias e velas estavam sobre a mesa.
Os adivinhos, médiuns, clarividentes ou psíquicos eram todos bruxos
especializados em magia metafísica, adivinhação e projeção astral. Esse
tipo de magia era a base para você acessar todo o potencial de sua mente,
corpo e espírito. Era a percepção e a manipulação da energia, seu chi, e
trabalhava as energias sutis do mundo. Era um tipo de magia branca, e a
maioria das bruxas era capaz de fazer isso. Eu simplesmente nunca vi a
utilidade.
Suspirei. O fôlego que escapou de mim estava apertado de tensão.
— Bem, não há ninguém aqui. Vamos lá...
Um estalo de ar deslocado foi seguido por uma nuvem de névoa roxa
que apareceu no meio da tenda. Quando a névoa desapareceu, uma mulher
apareceu em seu lugar.
—Eu sou a Maravilhosa Myrtle! — gritou uma mulher vestida com um
- espere por isso - manto roxo gravado com estrelas lilás e um lenço roxo
enrolado na cabeça. Era impossível adivinhar a idade dela com a sombra
roxa e as sobrancelhas desenhadas, mas se eu tivesse que adivinhar, diria
que ela tinha quarenta e poucos anos.
Ela deu um salto no ar e aterrissou na mesa.
— A mais antiga em experiência — ela elevou a voz dramaticamente e
chutou uma vela para fora do caminho com seu pé descalço enfeitado com
joias. — Mais rica em conhecimento e habilidade.
— Legal — riu Ronin. — Eu lhe darei vinte dólares se você começar a
dançar.
— Coroada com anos de sucesso inigualável como vidente —
continuou a Maravilhosa Myrtle enquanto agitava os dedos cobertos de
pedras preciosas no ar como se estivesse tentando pegar borboletas
invisíveis. — Milhares de clientes felizes em todo o mundo, implorando por
um vislumbre da Mente Mestra da Maravilhosa Myrtle — seus olhos verdes
nos encontraram, e ela congelou como se tivesse sido atingida por um
feitiço imobilizador.
— Vocês estão interessados?
Ronin bufou.
— Se fosse um peep show, talvez. Você vai tirar a roupa? Acrescente
mais duas de vocês, Myrtles, e então teremos um negócio.
— Estou interessada — eu segui em frente, sorrindo. Essa bruxa era
fantástica. Se eu não conseguisse me tornar uma Merlin, o show dela
parecia divertido. Talvez pudéssemos fazer um show em dupla.
Maravilhosa Myrtle sorriu, com os dentes manchados de batom roxo.
— Excelente — Ela pulou da mesa, chutou uma almofada para fora do
caminho e congelou. — São vinte dólares. Não há reembolso.
Tirei uma nota de vinte da minha bolsa.
— Eu sei. — Eu me movi para lhe entregar o dinheiro, mas a mulher o
pegou e enfiou a nota no sutiã.
— Agora está ficando interessante — disse Ronin. — Estou sentindo
algumas vibrações sérias.
Apertei os lábios.
— Não confunda com as vibrações normais.
Maravilhosa Myrtle estalou os dedos para Ronin.
— Fora, vampiro. Fora! Fora! Você não paga. Você não paga. Você não
vai ficar.
— Tudo bem.
Ronin olhou para mim e riu.
— Eu estarei lá fora. Você vai se divertir com a Madame Maravilhosa.
— Para você, é Maravilhosa Myrtle, vampiro — respondeu a bruxa.
Observei o Ronin sair e depois me voltei para a bruxa.
— Nunca estive com uma vidente antes — eu disse a ela, sentindo-me
um pouco nervosa.
— Sente-se! — ordenou a Maravilhosa Myrtle. Ela se sentou em uma
almofada de frente para a mesa redonda. Ela estalou os dedos para mim.
— Qual é o seu nome?
— Tessa.
— Tessa. Sente-se! — ela ordenou, como se eu fosse um golden
retriever teimoso.
Abafando uma risada nervosa, fiz o que me foi pedido e me sentei na
almofada de frente para ela. Maravilhosa Myrtle colocou a vela que havia
jogado de volta na mesa ao lado de duas outras. Com um rápido aceno de
cabeça, cada pavio se acendeu com uma chama.
Eu estreitei meus olhos.
— Acho que já vi esse filme.
— Shhh! — Maravilhosa Myrtle estendeu as mãos sobre a mesa,
tentando me alcançar. — Dê-me suas mãos.
Estendi minhas mãos para ela e ela as agarrou, sua pele fria me
surpreendeu. Seu olhar era intenso e ela me encarou por alguns segundos
sem piscar. Essa era uma bruxa muito assustadora.
— Você tem problemas com homens — comentou a Maravilhosa
Myrtle, com a voz mais grave do que eu poderia imaginar e parecendo
ensaiada. Fiz uma careta quando seu hálito azedo e infestado de cigarro me
atingiu no rosto.
Arqueei as sobrancelhas para ela.
— Não é por isso que estou aqui...
— Shhh! — A bruxa segurou minhas mãos com força, e eu estava
começando a sentir dormência nelas. Suas sobrancelhas pintadas se
ergueram. — Interessante. Sim... muito interessante.
— O que é interessante?
A bruxa olhou para mim.
— Você tem problemas com homens... mas não é por isso que está aqui.
Balancei a cabeça em descrença.
— Eu disse isso a você.
— Shhh.
Eu a encarei com um olhar de reprovação. A ideia de que eu poderia ter
desperdiçado vinte dólares me fez estremecer, especialmente por ter uma
dívida gigantesca. Ótimo, eu tinha sido enganado por uma bruxa falsa.
Talvez essa não fosse uma boa ideia.
A Vidente piscou os olhos lentamente.
— É uma boa ideia, e normalmente cobro quarenta, então você está
economizando metade — disse Maravilhosa Myrtle como se tivesse
acabado de ler minha mente. — Sim. É o que eu faço. Sim, é isso mesmo.
— Desculpe-me... o quê?
Eu não tinha certeza se deveria estar impressionada ou um pouco
assustada.
Os olhos verdes da bruxa se fixaram nos meus, seu olhar penetrante, e
descobri que não conseguia desviar o olhar.
— Você não leu a placa sobre a porta?
— Sim.
— Não dizia prognósticos místicos?
— Isso...
— Shhh.
A bruxa apertou minhas mãos com força, e meu cenho franzido chegou
à ponte do nariz quando ouvi a risada do Ronin do lado de fora da tenda.
A Maravilhosa Myrtle soltou uma das minhas mãos enquanto estalava
os dedos, e meus ouvidos estalaram. Quando elas estalaram novamente,
percebi que não conseguia ouvir nada além da respiração ruidosa da bruxa e
meu coração batendo. Ela tinha feito algum tipo de feitiço de barreira
sonora.
A bruxa agarrou minha mão novamente.
— Silêncio, por favor.
Ela se mexeu em sua almofada.
— Esvazie sua mente... e concentre-se apenas no motivo pelo qual você
veio ver a Maravilhosa Myrtle.
Sentindo-me um pouco tola, fiz o melhor que pude, concentrando-me
no bode e tentando não pensar nas mãos úmidas e frias da bruxa. Parte de
mim desejava estar do lado de fora com Ronin e fora dessa tenda abafada e
com cheiro de cigarro.
— Você não está se concentrando — disse a bruxa.
— Eu estou — respondi. — Não é tão simples assim.
— É quando você consegue dominar sua mente. Você não é nem um
pouco disciplinada. Você não tem o controle de uma bruxa Davenport —
argumentou ela, e eu me perguntei se o deslize do meu sobrenome tinha
sido de propósito. Provavelmente. Eu não havia lhe contado. Mas ela
poderia facilmente ter pesquisado todos aqui dias antes da chegada do
Festival da Noite.
As sobrancelhas pintadas de Maravilhosa Myrtle subiram até a borda de
seu lenço.
— Sim. Oh, sim, sim. Estou vendo agora. Uma presença sombria está
seguindo você.
Aqui vamos nós.
A bruxa franziu a testa, seus olhos em meu rosto.
— Há uma presença sombria seguindo você. Ela está... em torno de
você... em torno de sua aura.
Meu pulso latejava. Nervosamente, forcei minha fisionomia a ficar
confiante.
— Você quer dizer o bode. Sim, eu vi.
Maravilhosa Myrtle me olhou com raiva.
— Bode? Não existe bode.
— É claro que há um bode.
Lutei contra a vontade de afastar minhas mãos e bater nela.
— É a única razão pela qual eu vim aqui. A única razão pela qual
paguei a você. Quero saber sobre o bode -- ai! — gritei, pois a bruxa havia
apertado minhas mãos com força de propósito. A mulher tinha mãos de
homem.
A bruxa balançou a cabeça, soltando um pouco de seu controle sobre
mim.
— Não estou vendo um bode. Se você quiser ver um bode, vá para uma
maldita fazenda.
Eu cerrei os dentes.
— Há um bode — eu disse — e se você apertar minhas mãos
novamente... que o caldeirão ajude... não serei responsável pelo que eu
possa fazer com você.
Eu me conectei aos elementos ao meu redor, àquele poço de energia, e
direcionei seu poder à medida que ele subia em espiral através de mim em
um tornado de magia que queria ser liberado.
Eu a segurei e disse:
— Você não tem ideia de com quem está se metendo, Cigana.
Maravilhosa Myrtle me deu um sorriso impressionado.
— Não é ruim. Você tem um controle adequado dos elementos. Mas
você não precisa me ameaçar. Só estou revelando o que vejo. Não invento
coisas só porque é o que você quer ouvir. Eu revelo a verdade. E a verdade
é que não vejo um bode agora nem em um futuro próximo para você. O que
eu vejo é um ex-amante com muitas mulheres diferentes. Incluindo você.
Seu sorriso se alargou.
— Há outro... outro interesse amoroso que vejo... alguém que será
revelado a você mais tarde.
Certo. Eu não estava aqui para discutir minha vida amorosa e, se um dia
eu decidisse fazer isso, certamente não seria com essa bruxa que cheira a
cinzeiro.
Inclinei-me para a frente, minha vez de apertar suas mãos com força,
fazendo com que seus olhos se arregalassem.
— Escute aqui, sua aspirante a biscoito da sorte. — Apertei com mais
força. — Estou dizendo a você que há um maldito bode. Ninguém pode vê-
lo, exceto eu. Está bem? Eu vim aqui porque preciso saber o que isso
significa. Se você não consegue, se não consegue ver, isso me diz que você
é uma fraude.
A boca da Maravilhosa Myrtle se abriu em um suspiro.
— Não sou!
— Prove então. Ou me devolva meus vinte dólares - porque vou dizer a
todos no festival que você é uma piada - ou me diga por que continuo vendo
um bode!
Ok, ameaçar outra bruxa nunca foi uma boa ideia, mas no momento eu
estava desesperada.
Algumas pequenas rachaduras apareceram em sua testa franzida, e
então ela balançou a cabeça bruscamente.
— Tudo bem. O dinheiro é seu.
— Certo. Não há reembolso. E você também não deve tentar inventar
coisas — eu disse. — Eu saberei se você estiver mentindo. Nós, Merlins,
temos um feitiço detector de mentiras. Eu não tinha, mas ela não sabia
disso.
A bruxa me lançou um olhar amargo, fechou os olhos e respirou fundo
antes de soltar o ar.
Senti uma pontada no braço, a onda de energias mágicas subindo ao
meu redor. O ar na tenda ficou mais escuro e depois se transformou em uma
nuvem de sombras. Eu sabia que ela estava usando um bom poder de
adivinhação. Em um piscar de olhos, a nuvem se aprofundou e depois se
solidificou em um emaranhado de formas que se contorciam ao redor da
bruxa vidente. De repente, o ar se encheu de sibilos e rosnados.
Ok, ela não era uma fraude, mas era um pouco assustadora.
Durou cerca de vinte segundos e então seus olhos se abriram, fazendo
com que a nuvem de formas desaparecesse.
Seus olhos se arregalaram de medo, seu olhar se distanciou enquanto ela
olhava para mim sem realmente me ver. Parecia que ela estava concentrada
em alguém ou em alguma outra coisa sentada à sua frente. Sua boca se
retorceu em uma careta repentina, vingativa e louca que fez minhas
entranhas se contraírem.
Sim, eu já estava farta disso. Se ela não podia me dizer nada sobre o
bode, eu descobriria de outra forma.
Puxei minhas mãos, mas a bruxa as segurava com mão de ferro e não as
soltava.
— Solte-me! — gritei, tentando soltar minhas mãos. — Estou falando
sério. Solte-as. Você já terminou.
E então ela soltou um grito de terror nu. Foi um grito do tipo que enche
você de terror e faz você pular da pele. Se ela não estivesse ainda segurando
minhas mãos com sua superforça, eu teria saído correndo da barraca em
dois segundos.
A bruxa finalmente soltou minhas mãos, recuando como se eu a tivesse
atingido com um feitiço cinético. Ela caiu para trás, afastando-se em uma
corrida violenta. Ela continuou a arranhar os olhos com os dedos e a coçar o
pescoço como se estivesse sendo picada por vespas. Ela se debateu em um
frenesi selvagem, balançando aleatoriamente em qualquer coisa que tocasse
ou esbarrasse, rasgando travesseiros e jogando velas pela tenda.
Em seguida, seu grito se transformou em um gemido choroso e
gorgolejante, e ela caiu em uma pilha de tapetes e travesseiros, com o corpo
encolhido em uma posição fetal trêmula.
Eu estava dividida entre ir até ela para ter certeza de que estava bem e
dar-lhe um tapa na cara. Além de ter sido uma grande perda de tempo e
dinheiro, a bruxa conseguiu fazer com que eu me sentisse pior. Muito pior.
Não havia dúvida de que ela tinha visto algo relacionado a mim. E, a
julgar pelo seu ataque de pavor e loucura, era algo ruim. Pior do que ver um
bode fofo que ninguém mais podia ver, era ruim.
Levantei-me, esfregando as mãos para tentar fazer com que o sangue
voltasse a circular em meus dedos, e dei um passo hesitante para perto da
bruxa.
— O que você viu?
Detestei o fato de minha voz soar aterrorizada, revelando minha
compostura desintegrada, mas eu ainda queria saber.
— Saia — murmurou Maravilhosa Myrtle, ainda em posição fetal, com
metade do rosto escondido sob um travesseiro roxo.
Olhei para trás, meio que esperando ver o Ronin entrando correndo
depois de toda aquela gritaria. Mas eu ainda não conseguia ouvir nada do
mundo exterior, o que significava que ele não estava ouvindo nada vindo de
dentro da tenda.
Meu coração batia forte enquanto eu tentava controlar minha respiração.
—Eu não vou a lugar nenhum. Não até que você me diga o que viu. Eu
sei que você viu alguma coisa. Algo relacionado a mim. O que você viu?
Diga-me! — ordenei quando ela não respondeu, minha pressão arterial
disparou.
Ajoelhada, coloquei minha mão em seu braço trêmulo, pensando que a
gentileza seria uma abordagem melhor.
— Por favor, por favor, diga-me o que você viu? Porque, neste
momento, minha mente está me dando todos os tipos de imagens e
nenhuma delas é sobre homens sexy e gostosos me perseguindo em uma
praia.
A Maravilhosa Myrtle arrancou seu braço do meu toque e me encarou.
— Fora! — gritou ela. — Aqui. Você pode pegar. Eu não quero isso.
Não quero ver você nunca mais. Saia!
Ela jogou meus vinte dólares de volta para mim, seguido por uma série
de travesseiros e até mesmo um castiçal que não atingiu minha cabeça por
um centímetro.
— Puta louca — rosnei para ela enquanto me afastava em direção à
porta. Não peguei meu dinheiro. Achei que ela precisaria dele para pagar as
sessões de psicólogo de que precisaria.
— Saia! Saia! — gritou ela quando me viu ainda parado na porta. — F-
o-o-o-o-r-a!
Eu poderia ter ficado e exigido respostas se não estivesse tão apavorada.
A Maravilhosa Myrtle podia ser um pouco sombria, extravagante e rude,
mas eu não tinha dúvidas de que a bruxa tinha visto algo que a deixou
apavorada.
E esse algo tinha tudo a ver comigo.
Capítulo 5

— E ntão, o que ela disse? — perguntou Ronin enquanto eu saía da


tenda. — A julgar por essa carranca, acho que ela não disse o que
você queria ouvir. Você não teve sorte no amor ou na fortuna? São todas
iguais, essas cartomantes, você sabe. Mais como caçadores de fortunas. Eu
poderia ter dito a você que ela era uma golpista.
Levantei os olhos e vi uma mulher baixa, com um chapéu de feltro
cinza, vestindo um terno masculino que estaria na moda no início dos anos
19/30, sentada em um banco em frente à barraca da Myrtle, me olhando
com desprezo. A faixa acima de sua barraca proclamava: MISTICISTA DE
FAMA MUNDIAL. "OS MORTOS PODEM FALAR COM OS VIVOS?"
UMA EXPOSIÇÃO SENSACIONAL COM DEMONSTRAÇÕES
DESCONCERTANTES!
Desviei o olhar e olhei para Ronin, pensando se deveria ou não contar a
ele o que havia acontecido, mas decidi guardar para mim por enquanto. Ele
já me achava estranha e um pouco exagerada com a história do bode. Não
queria que ele pensasse que eu estava perdendo a cabeça. Além disso, ele
era o único amigo de verdade que eu tinha aqui, além das minhas tias, e eu
não queria perder isso.
Esculpi meu rosto no melhor sorriso falso que consegui reunir sob
pressão.
— Você está certo. Você tem razão. Foi um completo desperdício de
dinheiro, mas ela me disse que eu encontraria um novo homem em minha
vida, ou algo do gênero. — O que era verdade, embora na época eu não
pudesse ter me importado menos.
Ronin apontou para si mesmo.
— Ela estava falando de mim, querida — acrescentou ele com uma
piscadela.
Eu ri.
— Preciso de uma bebida e de comida. Retiro o que disse. Preciso de
muita bebida e comida.
— Como eu disse — continuou Ronin — esta noite, eu sou o cara que
você quiser. Vamos lá. Com um vestido como esse, as pessoas precisam ver
você... porque... caso contrário, qual é o objetivo. Certo? Por aqui. — Ele
sorriu e me ofereceu o braço.
Rindo, enganchei meu braço no dele e caminhei com o vampiro esguio
em meio ao grupo de paranormais que conversavam alegremente. Passamos
por estandes e quiosques enquanto nos dirigíamos a um pavilhão próximo,
coberto com lanternas de seda e fitas brilhantes, repleto de comida.
Peguei a torta de morango do tamanho de uma mordida. Depois de
comer duas, experimentei um pedaço de torta de maçã, seguido de uma
fatia de torta de framboesa, e bebi tudo com uma taça alta de vinho tinto
que Ronin havia servido para mim. Provei, deixando o vinho passar em
minha boca. Era amargo, como um vinho jovem que havia sido engarrafado
antes de estar pronto, mas, no momento, eu não era uma conhecedora de
vinhos. Tomei outro gole, esperando que ele camuflasse parte do amargor.
Não camuflou. Não me importei.
Depois de alguns minutos, as batidas do meu coração finalmente
diminuíram, embora o medo ainda estivesse no limite da minha mente, até
se tornar um baque surdo. Olhei em volta procurando o bode, mas não o vi.
Tampouco vi minhas tias ou o grupo Merlin de Nova York. Talvez eu
tivesse imaginado tudo aquilo. Talvez eu estivesse apenas mentindo para
mim mesma.
Eu não conseguia parar de comer. Eu comia quando estava nervosa.
Nem mesmo estava com fome. Mas era mais uma tentativa de afastar a
escuridão da tenda a cada mordida. A comida ajudava. O vinho também.
— Mais vinho? — Ronin inclinou a garrafa em meu copo. Somente os
melhores amigos sabiam quando era hora de encher sua taça de vinho antes
de você.
— Sim, obrigada. — O vinho com certeza ajudaria. Tomei mais um
gole e suspirei quando a bebida frutada, quente e deliciosa desceu pela
minha garganta e envolveu meu peito, ajudando-me a liberar um pouco da
tensão à medida que seus efeitos começaram a me acalmar.
— Hoje à noite, vamos nos divertir, querida — disse Ronin enquanto
tomava um gole de sua cerveja. — Hoje à noite, vamos deixar você bêbada.
— Você fala como um verdadeiro amigo. — Sorri, tomando outro
grande gole de vinho e já me sentindo um pouco tonta.
Ronin abriu os braços.
— No Festival Anual da Noite, você encontrará cantos, danças e
bebidas em excesso. — Ele girou como um pião. — Eu mencionei o
excesso de bebida?
Eu bufei.
— Este vinho não é tão ruim assim. — Nesse ritmo, eu ia precisar de
ajuda para entrar no carro.
Ele colocou a garrafa de cerveja vazia sobre a mesa, pegou outra, girou
a tampa e tomou um gole.
— Tome mais um pouco. Você vai ficar melhor — acrescentou com um
sorriso malicioso.
Eu ria muito. Rir era uma sensação boa e, quanto mais eu ria, mais me
sentia novamente como eu era antes.
Sentindo-me mais do que ligeiramente zonza depois do meu terceiro
copo, avistei a mesma jovem bonita com quem eu tinha visto o Ronin no
início da manhã, em um vestido branco com meia manga que mostrava seu
bronzeado e ombros esculpidos. Ela continuava sorrindo para ele e jogando
o cabelo para trás. Já estive nesse lugar. Já fiz isso. Agora, quando eu via
isso, parecia muito estúpido.
— Acho que ela quer falar com você. — Peguei a garrafa de vinho tinto
com o rótulo que não reconheci e me servi de outra taça. — Você deveria ir
até lá antes que ela comece a se despir.
— Mas eu quero que ela se dispa sozinha.
Cuspi um pouco do vinho de minha boca.
— Eu sei.
O meio-vampiro riu, mas seus olhos ficaram sérios quando ele olhou
para mim.
— Você tem certeza? Eu não quero deixar você. Não depois do que
aconteceu na tenda. Porque eu sei que algo aconteceu. Você não pode
mentir para um vampiro.
Eu me enrijeci. Será que ele tinha ouvido tudo?
— Não aconteceu nada — menti novamente. Eu estava indo direto para
o inferno.
— Certo — ironizou ele, ainda não convencido. — Você não parecia
bem depois que saiu. Eu sei que algo aconteceu. E você sabe que eu vou
acabar descobrindo.
Eu não merecia um amigo como ele.
— Vá. Sério. Parece que você pode ter sorte hoje à noite. — Eu dei uma
piscadela para ele.
Ronin se inclinou em minha direção, com os olhos brilhando.
— Não, a menos que você esteja bem.
Levantei meu copo.
— Estou na melhor companhia. Esse aqui nunca me deixou na mão.
Ah... lá vem a Martha — eu disse, depois de ver a bruxa grande se
aproximando de mim. — A menos que você queira ficar para uma conversa
sobre permanentes e depilações brasileiras.
— Até mais .
Ronin, com os pés leves, estava ao lado da bela morena em uma
explosão de sua velocidade de vampiro.
— Tessa! Aí está você — disse Martha ao me alcançar, um pouco sem
fôlego. Seu longo vestido preto e roxo me lembrou um pouco o da
Maravilhosa Myrtle , e eu estremeci com a lembrança. Não queria pensar
nisso agora.
Martha colocou a mão em meu braço.
— Gilbert está em uma situação complicada.
Ela riu, levantando com o dedo seus óculos de cristal.
— Ele está lá discutindo com David Gallant, um metamorfo famoso em
nosso meio. Loucamente rico. Pena que ele não é bonito. Você o conhece?
— Não. — Tomei outro grande gole do meu vinho. Eu não gostava de
fofocas, mas isso era muito melhor do que ficar remoendo o que havia
acontecido com a Vidente. Além disso, quanto mais eu bebia, melhor me
sentia.
A bruxa se inclinou para trás e notei que seu cabelo escuro estava
empilhado no alto da cabeça, como uma colmeia que as mulheres usavam
nos anos 1960. Isso a deixava mais alta, e eu tinha certeza de que esse era o
motivo pelo qual ela o havia penteado dessa forma.
— O que você acha do Festival da Noite, querida? — perguntou ela
depois de um momento. Seus olhos brilhavam de entusiasmo.
Engoli meu vinho.
— É...
— É ótimo, não é? — disse Martha e bateu palmas. — Ooh! Tanta coisa
para ver... tanta coisa para fazer! Sinto-me como se tivesse vinte anos
novamente. Estou fora de mim.
— Dá para perceber.
Ela se inclinou e baixou a voz.
— Você foi ver o Ben?
— Ben?
— O tritão. — Martha se abanou com a mão. — Os músculos daquele
cara. Aquele peito. Aqueles braços grandes e lindos. Dá vontade de investir
em uma piscina subterrânea. Você sabe o que quero dizer? — Ela riu,
tocando meu braço novamente.
— Eu quero. — Ben, o tritão, era excepcionalmente bonito. — Então,
ele tem um par de pernas quando está fora da água? Como a Ariel?
Martha me lançou um olhar intrigado.
— É claro que não, querida. Ele é um tritão. Não é como a Pequena
Sereia.
E havia alguma diferença?
— Certo. É claro.
Tomei outro gole do meu vinho, desejando que Ronin ainda estivesse
aqui.
— Então, como ele.... você sabe... faz o ato? — Eu não podia acreditar
que estava falando com a Martha sobre o pênis de tritão do Ben. É isso que
o vinho faz com você. Primeiro, ele deixava você louco e depois fazia com
que você quisesse falar sobre pênis de peixes gigantes.
A bruxa se inclinou para frente e sussurrou:
— Querida, você não faz ideia.
Essa conversa estava ficando mais estranha a cada segundo. Olhei por
cima da colmeia de Martha e meu olhar recaiu sobre um homem bonito, de
trinta e poucos anos, com olhos cinzentos e cabelos pretos, brilhantes e
despenteados.
Marcus usava sua jaqueta de couro preta característica, jeans e uma
camisa preta casual. Eu estava atento a cada centímetro dele, lembrando-me
do toque de seus músculos duros sob a camisa. Ele não estava vestido para
o festival como os outros, mas lembro-me de que ele me disse que estava
trabalhando, ou melhor, certificando-se de que ninguém mataria Gilbert.
E, sem mais nem menos, meu bom humor foi por água abaixo. O que
me fez quase rosnar como um animal foi a morena deslumbrante enrolada
em seu braço. Eu achava que meu vestido era lindo, mas o dela era
espetacular. Era cinza escuro, metálico e curto, com a bainha bem no meio
da coxa. Sim, ela tinha coxas espetaculares para combinar com seu vestido
espetacular. E os seios para preenchê-las. Já a fada dos seios havia pulado a
minha casa. Eu nunca poderia usar um vestido como aquele, não sem
parecer ridícula.
Meus intestinos se contorceram como se estivessem tentando fazer uma
trança francesa.
Ele trouxe uma acompanhante.
Mas ele me disse que estava trabalhando. Eu não sabia ao certo por que
estava chateada por vê-lo com outra mulher. Não é como se Marcus e eu
estivéssemos namorando. Diabos, nós mal estávamos na zona de amizade.
Além disso, eu não estava pronta para um relacionamento. O chefe era
gostoso. Ele deveria estar namorando, e eu deveria parar de espionar.
Desviei o olhar e esvaziei minha taça de vinho em um grande gole.
Martha ainda estava falando, mas eu estava apenas vagamente ciente do que
ela estava dizendo, além do "ficaria fantástico em um corpo como o seu" e
o outro "seu cabelo precisa de outro feitiço de elevação".
— Tessa?
Meus olhos se voltaram para Martha.
— O quê?
— Eu disse — repetiu a bruxa, —parece que você tem um admirador.
Ela moveu as sobrancelhas de forma sugestiva.
Cuspi um pouco do vinho de minha boca.
— Você quer dizer Marcus? Não, somos apenas amigos. — Eu acho. O
calor subiu ao meu rosto e limpei a boca com as costas da mão.
— Marcus? Oh, não, querida — disse Martha, seu tom zombeteiro
insinuando que Marcus nunca poderia gostar de alguém como eu. A ideia
de mandar algumas bolas de fogo em seu cabelo me fez sentir muito
melhor. — Marcus é bonito. Não há dúvida quanto a isso. Mas ele é mais
problemático do que vale a pena. Estou falando de Adan Williams .
— Quem? — Curiosa, segui seu olhar.
O loiro misterioso que eu tinha visto no início da manhã estava no
pavilhão ao lado me observando. Sua camisa branca e elegante acentuava
seu bronzeado, e sua calça preta exibia um par de pernas musculosas.
Enquanto Marcus era moreno, sexy e um pouco perigoso, esse cara era
claro, gostoso como um modelo e hipnotizante. Ele me viu olhando e
levantou sua taça de vinho.
Sorri para ele e levantei a minha.
— Olhe para essas mãos fortes — disse a bruxa. — Eu não me
importaria que elas me apalpassem.
Está bem. Chega disso.
— Você o conhece?
Martha pressionou sua mão sobre mim novamente.
— Todo mundo sabe quem é Adan, querida. — Seu aperto de mão ficou
mais forte quando ela me puxou para mais perto. — O solteiro mais popular
em nossos círculos paranormais. Ele estava noivo de uma bruxa há um ano,
mas eles se separaram. Aparentemente, ela o traiu com um de seus amigos e
se mudou para o outro lado do país com ele. Você consegue imaginar? Ele
está cheio de dinheiro. Não só de dinheiro. Não, querida. Com poder
também. Sua família é uma das famílias de bruxos mais proeminentes do
mundo.
Acenei com a cabeça enquanto ela falava. Eu não me importava com
tudo isso. Dinheiro nunca foi um objetivo meu. Se eu tivesse o suficiente
para viver uma vida confortável, já era o bastante para mim. Um teto sobre
minha cabeça, boas refeições e companhia agradável eram a minha ideia de
ser rico. O resto não tinha sentido.
Martha estendeu a mão, agarrou um punhado do meu vestido e o puxou
para baixo, expondo muito mais do meu decote do que eu me sentia
confortável.
Dei um solavanco para trás, derramando vinho em minha mão e no
vestido.
— Oh, meu Deus. O que você está fazendo? — Eu ia mesmo matar
aquela bruxa. Graças ao caldeirão, o vestido era preto e as manchas de
vinho não eram visíveis.
Martha fez uma careta e balançou a cabeça.
— Não tem muita coisa aí. Mas você precisa exibi-los. Não se
preocupe, querida, alguns homens gostam de seios pequenos. É incomum,
mas acontece.
Cerrei os dentes e puxei meu vestido para cima.
— Não vou falar sobre meus seios com você.
Onde estava o Ronin quando eu precisava dele?
A bruxa colocou as mãos nos quadris, ainda me olhando como se eu
fosse um novo projeto para ela.
— Sabe... se você tivesse vindo me ver antes... eu poderia ter
consertado isso — disse ela, ainda olhando para os meus seios.
— Tenho um feitiço de aumento que aumentará o tamanho dos seus
seios em uns 400ml - dura cinco horas. É um dos meus best-sellers.
Bati na testa, calculei mal por causa do vinho e bati com força em
metade da testa e metade do rosto.
— Ai.
— O que você está fazendo - pare com isso! Você vai estragar tudo —
sibilou Martha e depois baixou a voz.
— As orações de vocês foram atendidas! Ele está vindo para cá.
Ótimo. Que orações? Eu estava prestes a lhe dizer que não estava pronta
para um relacionamento, mas me contive. Talvez esse Adan fosse
exatamente o que eu estava procurando. Eu não acreditava mais no Sr.
Certo ou em almas gêmeas. Mas eu acreditava no Sr. Certo Agora. Quem
sabe, talvez ele fosse o cara mais legal e rico do mundo?
— Oh, meu caldeirão — sussurrou Martha, — ele deve ser muito bonito
de se ver nu.
Surpreendendo até a mim mesma, abri um sorriso no rosto e me virei.
Um grito dividiu o ar da noite.
Eu fiquei paralisada. Adan ficou paralisado. Martha pulou e gritou.
— Que diabos foi isso?
Girei em direção ao local de onde vinha o som. Uma multidão estava se
movendo. Depois, outro grito.
Joguei minha taça de vinho fora, peguei um punhado de tecido do meu
vestido, levantei-o e fui atrás deles, deixando Adan e Martha para trás. Eu
era um Merlin. Quando havia gritos, eu os seguia.
Seguido, bem, era difícil correr quando você estava bêbado e usando um
vestido longo com saltos. Eu mancava, tentando correr direito e esperando
não parecer bêbada. Quem eu estava enganando? Eu estava bêbada. Ops.
A multidão correu para a frente e eu a segui como um idiota bêbado. A
corrida parou quando a massa de paranormais se aglomerou em torno de
uma das tendas.
— O que está acontecendo?
O Ronin apareceu ao meu lado.
—Quem gritou?
— Não faço ideia.
Sentindo-me ousada por causa do vinho, abri caminho para dar uma
olhada melhor e vi de relance o Marcus à minha frente fazendo a mesma
coisa.
E quando finalmente cheguei à frente, meu estômago se apertou e todo
aquele vinho ameaçou sair.
Eu estava diante de uma tenda roxa familiar, e a porta de tecido estava
aberta, puxada para o lado com um laço de barbante. O cheiro de fumaça de
cigarro ainda pairava no ar como um horrível purificador de ar.
E no meio da tenda, deitada de costas sobre uma pilha de travesseiros
roxos e lilases e encharcada de sangue, estava a Maravilhosa Myrtle.
Um corte profundo e furioso atravessou sua garganta, e o sangue jorrou
de seu pescoço e desceu pelo peito. Dois cacos de vidro que pareciam ter
pertencido à sua bola de cristal perfuraram seus dois olhos, deixando uma
bagunça sangrenta e polpuda ao redor deles.
Maravilhosa Myrtle estava morta.
Capítulo 6

— D á—umcomentou
significado totalmente novo à frase mente assassina, não é?
Ronin, o que me fez pular. — Parece que você não é
a única que achava que ela era uma fraude.
— Não tenho tanta certeza — acrescentei, vendo aqueles pedaços de
vidro de bola de cristal saindo de seus olhos. Pontadas atravessaram pelo
meu corpo como se estivessem prestes a saltar e fugir com minha pele.
O sutil aroma de enxofre chegou até mim. Então, senti uma tensão lenta
e azeda de magia pulsando e girando dentro da tenda com finos traços de
energia por trás dela. Mas assim que a senti, ela desapareceu como se eu a
tivesse imaginado. Mas eu sabia que não tinha imaginado. Ou eram os
restos da magia defensiva de Myrtle ou a pessoa que fez isso com ela havia
usado magia. Mas por que cortar sua garganta e arrancar seus olhos quando
um feitiço de morte era muito mais rápido e menos bagunçado?
Era estranho olhar para o corpo de uma pessoa morta que estava muito
viva e cheia de vida, com quem eu havia conversado apenas meia hora
antes. As perguntas eram: quem havia feito isso e por quê? Será que a
Maravilhosa Myrtle tinha visto algo que não deveria?
— Volte. O show acabou. Todos para trás — ordenou uma voz
masculina.
Eu não precisava me virar para saber a quem pertencia aquela voz, mas
me virei mesmo assim.
Marcus passou por mim e entrou na tenda, com uma expressão rígida e
profissional, enquanto percorria cuidadosamente o caminho entre as
almofadas. Seus olhos cinzentos não saíram da vidente morta. Ele se
ajoelhou ao lado dela, com os ombros rígidos de tensão enquanto observava
o estado dela. Sua atenção estava voltada para os cacos de vidro que saíam
das órbitas oculares.
Olhei por cima do ombro para ver se sua acompanhante o havia
seguido, mas a bela morena não estava lá. A multidão se apertou mais em
torno da abertura da tenda, tentando ver a vidente morta ou apenas dar uma
olhada na ação.
Martha tirou uma mulher menor do caminho com um movimento do
quadril e seus dedos enfeitados com joias puxaram a abertura enquanto ela
olhava para dentro.
— O Caldeirão nos ajude — disse ela.
— Myrtle está morta!
Ela se virou, batendo em mim com parte de seus grandes seios.
Tentei pular para trás para evitar um ataque total, mas meu calcanhar
pegou a bainha do meu vestido e tropecei, apenas para sentir mãos fortes
envolvendo meus braços e me levantando um segundo depois.
— Obrigado — disse eu, sentindo um rubor no rosto enquanto me
soltava das garras de Adan.
Os olhos de Adan encontraram os meus e ele sorriu.
— Não tem problema. — Sua voz era profunda e soava lindamente.
Que droga. Ele era gostoso e tinha uma voz linda.
Uma onda de calor percorreu meu corpo e desviei o olhar antes que meu
rosto me traísse.
Martha esperou para chamar a atenção de todos e depois gritou:
— Alguém matou a Maravilhosa Myrtle ! Gilbert, venha ver! Você
precisa ver isso. A Myrtle está morta! Sua garganta foi cortada!
Com isso, um murmúrio começou a percorrer a multidão, assim como
mais paranormais empolgados vieram dar uma olhada mais de perto.
Alguns eu reconheci como moradores de Hollow Cove, que eu já tinha visto
pela cidade ou na reunião do conselho municipal, mas a maioria era de
estranhos.
Franzi a testa com o entusiasmo de Martha ao ver a vidente morta. Isso
trouxe um gosto amargo à minha boca. A Myrtle era excêntrica, mas não
merecia morrer assim, nem merecia ser encarada como uma aberração em
um circo. Mas foi exatamente isso que aconteceu.
A forma pequena e rechonchuda de Gilbert se espremeu entre mim e
Ronin. Seus olhos castanhos se arregalaram quando ele viu o interior da
tenda.
— São demônios? As proteções falharam novamente! Eu sabia! Eu
sabia! — ele gritou, com o rosto pálido em um pânico repentino.
— Calma — murmurei, querendo nada mais do que dar um tapa na cara
dele, como Dolores havia feito uma vez. — As proteções estão bem. — O
que, tecnicamente, era uma mentira, já que eu não fazia ideia se isso era
verdade. Mas tínhamos nos livrado de Samara e de seus seguidores. Além
disso, eu não estava sentindo nenhuma vibração demoníaca, agora que sabia
como reconhecê-las.
E essa não era a marca de um demônio ou de uma feiticeira matando.
Era outra coisa. Era pessoal. Eu tinha certeza disso. Você não esfaqueia os
globos oculares de uma pessoa porque o piscar dela o incomoda. Não. Você
fez isso por causa de algo que ela disse ou por causa de algo que ela viu.
As sobrancelhas de Gilbert subiram até a linha do cabelo.
— Não gosto do seu tom, minha jovem. Agora que você encontrou
convenientemente uma residência permanente — acrescentou ele, com o
rosto amargo, — não lhe dá o direito de falar comigo dessa maneira.
Fiquei olhando para ele.
— O que diabos você quer dizer com isso? Também não gostei de seu
tom, como se ele achasse que eu tinha enganado minhas tias para que me
deixassem ficar com elas.
Ele apontou um dedo curto em meu rosto.
— Você deveria mostrar algum respeito pelos mais velhos.
— Você quer dizer pequenos metamorfos que gostam de espalhar o
pânico? — Eu respondi, vendo seu rosto ficar vermelho, fazendo Ronin
bufar.
Gilbert franziu a testa e fez um gesto para dentro da tenda.
— Há uma vidente morta lá dentro.
— Sim, nós notamos — disse Ronin.
— É perfeitamente aceitável entrar em pânico com um assassino à solta!
— Gilbert gritou alto o suficiente para que toda a multidão ouvisse.
— Gilbert tem razão, querida. Os olhos de Martha estavam arregalados.
— As pessoas têm o direito de saber. Elas precisam estar preparadas.
Ninguém quer enfrentar um assassino despreparado porque… — Ela passou
um dedo no pescoço e colocou a língua para fora.
— O assassino está à solta! À solta! — Gilbert gritou, sua voz atingindo
um nível que eu não imaginava que um homem pequeno pudesse atingir.
Balancei a cabeça e olhei para Ronin.
— Temos nosso próprio show bem aqui.
— Pena que não tenho mais cerveja — disse Ronin. — Pipoca teria sido
ótimo. E azeitonas. Adoro azeitonas kalamata.
A atenção de Marcus se voltou para nós e vi um celular em sua mão.
Nossos olhares se cruzaram e ele desviou o olhar, com o celular sobre o
rosto de Myrtle, enquanto começava a tirar fotos.
O Ronin se inclinou e sussurrou em meu ouvido:
— Você não deveria estar lá dentro com ele? Você é uma Merlin,
lembra?
— Certo — murmurei, sentindo-me um pouco tola. O trabalho ainda era
muito novo, e eu não sabia ao certo o que ele implicava. Mas um
assassinato em Hollow Cove parecia estar no beco do Grupo Merlin.
Meu olhar recaiu sobre Marcus, que havia se movido até os dedos da
Myrtle, tirando fotos.
— Volto já. — Reunindo-me, comecei a avançar.
— O que está acontecendo aqui? — disse a voz de Dolores atrás de
mim, e eu parei e me virei para ela.
A multidão se separou em um dos lados para deixar Dolores, Beverly e
Ruth passarem. E, para minha total decepção, atrás delas estavam os
membros do Grupo Merlin de Nova York.
E sim. O bode ainda estava lá. Que bom para mim.
Desviei o olhar do bode quando Greta deu uma cotovelada na bruxa
mais jovem, de cabelos dourados, em direção ao local para onde eu estava
olhando. Eu lidaria com a questão do bode mais tarde.
— Uma vidente foi morta — falei a Dolores, vendo a expressão de
surpresa se materializar no rosto de cada uma de minhas tias. Tive o
cuidado de não fazer contato visual com os nova-iorquinos.
— O Caldeirão nos proteja — exclamou Ruth, colocando a mão sobre a
boca.
— Droga — disse Beverly, parecendo um pouco decepcionada. — Eu
estava prestes a ir vê-la.
— É isso que você usa no Festival da Noite? — Gilbert estava olhando
para o vestido sexy de Beverly como se ela fosse uma prostituta de cinco
dólares.
Beverly apontou um dedo de prata para ele.
— Não comece, seu homem de bolso.
Gilbert encolheu o rosto em uma expressão amarga.
— Você parece uma prostituta.
Beverly sorriu, jogou o cabelo para o lado e disse:
— Eu estava mais para acompanhante de alta classe.
— Chega. — Dolores passou por eles e veio para perto de mim. —
Como? Como ela foi morta?
— Sua garganta foi cortada — eu disse a ela, com a imagem da garganta
da vidente morta ainda gravada vividamente em minha mente.
— E seus olhos foram arrancados com vidro — acrescentou Ronin.
Dolores franziu a testa.
— Nunca houve um assassinato no Festival da Noite antes.
— Agora sim — eu disse.
— Preciso dar uma olhada — disse Dolores, e quando ela passou a
cabeça pela porta, Marcus saiu.
— Ninguém entra lá — disse o chefe, fazendo Dolores dar um passo
para trás. Diante da carranca dela, ele acrescentou:
— Desculpe, Dolores. Mas não posso permitir que você contamine a
cena do crime. Não até que eu saiba mais. Preciso pegar meu kit de
impressões digitais para procurar impressões. Até lá, ele está fechado. Vou
compartilhar tudo o que puder com o Grupo Merlin antes disso.
Por um momento, pensei que Dolores fosse transformá-lo em um sapo.
Eu ainda estava me adaptando às diferentes cadeias de comando entre a
Agência de Segurança de Hollow Cove e o Grupo Merlin. E eu ainda não
tinha certeza de quem dava as ordens.
— Isso seria bom — disse Dolores, embora sua carranca não tenha
saído de seu rosto enquanto ela se juntava às irmãs.
Marcus olhou para cima e assobiou com os dedos.
De repente, a multidão se separou novamente, abrindo caminho para
dois homens grandes e corpulentos, que reconheci como representantes de
Marcus. Fui para perto de minhas tias, com Ronin ao meu lado.
— Não deveríamos estar fazendo nossa própria investigação? —
perguntei às minhas tias.
Os olhos escuros de Dolores encontraram os meus.
— Vamos fazer isso. Você não precisa se preocupar. Mas Marcus tem
razão. Se todos nós entrássemos lá ao mesmo tempo, espalharíamos nosso
DNA também e faríamos uma bagunça. Você sabe como o cabelo da Ruth
se desprende.
— Ei! — rosnou Ruth, embora estivesse sorrindo.
Dolores balançou a cabeça.
— Não. Temos que esperar.
Ruth apertou meu braço.
— Não se preocupe. Quando Marcus e sua equipe tiverem reunido todas
as provas, será a nossa vez.
Um movimento chamou minha atenção e vi Billy, o bode, pulando para
cima e para baixo, embora ninguém tenha se virado ao ouvir o som de
cascos batendo no chão. Aquele maldito bode. Era um fantasma ou algo
assim. Ele claramente queria que eu olhasse para ele. Olhei para o animal,
mas isso só piorou as coisas, pois ele começou a se movimentar
alegremente ao redor de Travis, Greta e da bruxa mais jovem.
Essa noite estava ficando cada vez mais estranha.
— Jeff. Preciso que você monte um perímetro ao redor da tenda —
ordenou Marcus. — Ninguém entra sem minha permissão. Quero que você
a feche.
— Estou cuidando disso — disse o moreno, enquanto tirava uma fita
policial amarela da jaqueta e começava a fechar um perímetro ao redor da
barraca da Myrtle.
— Cameron — disse Marcus. — Preciso que você volte ao escritório e
pegue meu kit de impressões digitais.
Cameron fez um aceno com a cabeça e desapareceu no meio da
multidão e nas sombras.
Marcus se levantou, silencioso e forte. Apesar de sua compostura fria,
eu podia ver a tensão em sua mandíbula, a maneira como seus olhos se
moviam para todos os lados ao mesmo tempo, como se ele estivesse
tentando descobrir quem era o responsável. Isto é, se os responsáveis
fossem estúpidos o suficiente para ficarem por aqui. Eu não achava isso.
Embora alguns assassinos voltassem à cena do crime para reviver a
sensação de matar.
Ronin cutucou meu braço.
— Você vai tirar selfies com a vidente morta depois.
— Você é um vampiro muito idiota — eu disse a ele.
Ronin sorriu.
— Isso faz parte do meu charme.
— Alguém viu ou ouviu alguma coisa? — perguntou Marcus, e eu
chamei minha atenção para ele enquanto seus olhos vasculhavam a
multidão. — Mesmo que você não ache que seja importante. As menores
pistas podem levar a grandes descobertas.
Meu olhar percorreu o grupo de paranormais, procurando um rosto
culpado ou apenas algo fora do lugar. Pelo canto do olho, pude ver Billy, o
bode, pulando no ar e tentando chamar minha atenção. Meus olhos se
fixaram em Adan. Ele estava olhando para Marcus com os braços cruzados
sobre o peito e uma expressão séria no rosto.
— Essa aqui — disse a voz fina de uma mulher. Meus olhos
encontraram a mulher de terno escuro e chapéu que eu reconheci de antes e
que eu imaginava ser uma vidente ou um dos artistas do festival.
E ela estava apontando para mim.
— Tess? Por que ela está apontando para você? — veio a voz do Ronin.
A tensão ali não ajudou a fazer meu coração bater no peito. Ela o piorou.
Seu rosto simples se transformou em uma expressão amarga.
— Fiquei aqui a noite toda. Ela foi a última a ir ver Myrtle. Eu a vi sair.
Ninguém esteve lá depois dela.
Oh. Droga. Isso não estava acontecendo.
A multidão explodiu em um rugido repentino de vozes. Ouvi alguns
gritos em tom ofegante, mas não consegui entender nada. No entanto, o som
foi direto para o meio do meu corpo e me fez torcer.
Os olhos cinzentos de Marcus estavam voltados para mim.
— Isso é verdade, Tessa? Você visitou essa tenda? Você visitou Myrtle?
Minha cabeça estava girando e eu me esqueci de respirar. Não, isso não
pode estar acontecendo.
Minha garganta estava seca e engoli com dificuldade.
— Eu, uh... sim, eu fui lá. Mas não a matei, se é isso que você pensa —
acrescentei rapidamente. — Você precisa acreditar em mim. Você precisa
acreditar em mim. Eu não fiz isso. — Olhei para o rosto de Marcus, mas ele
estava sem expressão, e eu não consegui saber o que ele estava pensando.
— Agora, espere só um minuto — disse Dolores, com uma das mãos na
cintura e a outra apontando como uma varinha para o rosto de Marcus. —
Você não pode estar falando sério? Você não está falando sério? Tessa não é
uma assassina. Aquela bruxa — ela apontou o dedo longo para a bruxa de
terno, — é uma mentirosa.
A bruxa de terno abaixou a cabeça.
— Não sou mentirosa — ela cuspiu.
— Certo. Uma cartomante que não é mentirosa — riu Dolores. — E eu
sou a rainha da Inglaterra.
— Acho que ela está confusa — interveio Beverly e depois franziu os
lábios ao ver a estranha bruxa de terno. Ela deu um passo cuidadoso para
frente e a cheirou. — Sinto cheiro de rum. E barato ainda. Você andou
bebendo?
— Não — respondeu a bruxa, parecendo que estava prestes a cuspir no
rosto de Beverly.
Beverly riu, com uma expressão de choque em seu belo rosto.
— Sério? E você está usando isso sóbria? Não pode ser.
Ela riu quando Ruth a puxou para trás.
— Tessa. — A voz de Marcus me atravessou, e eu olhei para ele. —
Sobre o que você e Myrtle conversaram?
Tudo ficou mais lento. Que merda. Eu não ia revelar ao mundo que
estava vendo bodes que não estavam lá, nem a estranha nuvem escura que
havia se materializado na tenda.
Minha pressão sanguínea subiu e eu mudei meu peso, tentando formular
um plano em minha cabeça.
— Você sabe... carreira... amor... relacionamentos. Você sabe...
carreira... amor... relacionamentos... Há um homem em meu futuro, esse
tipo de coisa.
Eu ri nervosamente.
Um calafrio me percorreu e depois desapareceu. Fiquei olhando para o
chefe. Ele não poderia pensar que eu conseguiria fazer isso. Você poderia?
Marcus me observou. Ele parecia reconhecer a mentira como se pudesse
vê-la em meus olhos. Sua mandíbula se cerrou, com a tensão se
manifestando em seus lábios.
— Bem, Dolores. — Gilbert ficou de pé com as mãos nos quadris. —
Nunca pensei que veria o dia em que um Merlin fosse acusado de um ato
tão horrível.
— Cale a boca, Gilbert — esbravejou Dolores. — Ela não fez isso, e
você sabe disso.
O homenzinho levantou o queixo.
— Não sei de nada. Ela foi a última pessoa a visitar a pobre
Maravilhosa Myrtle . E há testemunhas, você sabe — acrescentou com um
sorriso conhecedor.
Dolores olhou para o metamorfo baixinho como se estivesse tentando
açoitar mentalmente o cérebro dele.
— As testemunhas podem estar erradas. Isso acontece o tempo todo.
Cerrei os dentes ao ver sua satisfação amarga com o fato de que meu
mundo seria reorganizado, e ele iria gostar disso.
— Ela a matou! — gritou a bruxa de terno escuro. — Ela matou a
Myrtle. — Ela franziu a testa para mim. — Olho por olho.
Fechei as mãos em punhos.
— O quê? Você está brincando comigo? Não estamos na Idade Média,
senhora.
Um grupo de paranormais do festival havia se reunido ao redor dela.
Alguns tinham os dentes arreganhados, outros tinham magia roxa e verde
saindo de suas mãos e outros apenas olhavam com ódio e vingança nos
olhos.
Que droga. Todos eles queriam me matar.
Eu não deixaria isso acontecer de jeito nenhum. Eu me conectei aos
elementos próximos a mim, até mesmo um deslize das linhas ley preencheu
meu chi. Se eles se movessem, eu me defenderia.
Os três Merlins de Nova York chamaram minha atenção. Todos eles
estavam me observando, até mesmo o bode, com o rosto sombrio.
— Preciso que você venha comigo, Tessa — disse Marcus, e minha
atenção se voltou para ele.
Eu me acalmei, liberando a energia.
— Ir com você aonde, exatamente?
Marcus parecia intensamente desconfortável. Ele fez uma pausa por um
segundo.
— Para o meu escritório.
A raiva correu em minhas veias.
— Você vai me prender? É isso? Você está me prendendo?
Agora eu estava irritada. Eu não tinha feito nada e estava sendo culpada
por isso.
— Preciso fazer algumas perguntas a você — respondeu o chefe. —
Isso é tudo.
Ronin se colocou na minha frente.
— Espere um pouco. Você não pode estar falando sério. A Tess não fez
isso. Ela não é uma assassina, cara.
— Marcus, não — disse a voz de Ruth, em pânico. — Você não pode
fazer isso. Você sabe que a Tessa não conseguiria fazer uma coisa dessas.
Olhei para o chefe e percebi que ele não compartilhava dos mesmos
sentimentos. A verdade é que ele mal me conhecia.
Dolores colocou a mão em sua irmã.
— Nós vamos dar um jeito nisso.
Ela me fixou com seu olhar, dizendo-me com seus olhos que tudo
ficaria bem.
Claro. Não era ela que estava sendo humilhada na frente de toda a
cidade.
Beverly soltou uma baforada de ar frustrada.
— Não posso acreditar nisso.
Marcus olhou para minhas tias.
— Veja. Preciso fazer algumas perguntas a ela. Você sabe como é isso.
Ela foi a última pessoa a ver Myrtle viva. Não tenho escolha.
O chefe se moveu e agarrou meu braço, afastando-me de minha família
e amigos como uma criminosa.
— Venha, Tessa. Vamos.
E, sem mais nem menos, eu era a principal suspeita do assassinato da
Maravilhosa Myrtle.
Capítulo 7

E udequeria passar mais tempo com Marcus, mas ficar sentada em uma sala
interrogatório sem janelas durante a última hora não era como eu
queria fazer isso. Eu estava pensando em um café, talvez até em um jantar.
O chefe me colocou aqui e saiu. Ele me disse que voltaria logo, mas
pelo relógio do meu celular, isso foi há uma hora.
Pelo menos ele não me algemou e me deixou ficar com minha bolsa. Eu
me senti uma idiota, toda arrumada, desperdiçando um vestido requintado
em um quarto que estava começando a parecer mais um hospício. Eu havia
tirado os sapatos, e o azulejo frio estava agradável em meus pés suados.
Agora eles estavam grudados no azulejo.
Meus pés não eram as únicas coisas que estavam suando. Não se você
contar minhas axilas e a parte inferior das costas. Suor nervoso. O
verdadeiro fedor. A essa altura, eu provavelmente cheirava como o vestiário
masculino. Tudo bem.
Minha cabeça começou a latejar, o que era a maneira do meu corpo me
dizer que eu tinha bebido muito vinho e muito rapidamente. Eu precisava de
um pouco de água.
Pior ainda, eu precisava fazer xixi. Precisava mesmo fazer xixi. E
ninguém tinha se dado ao trabalho de entrar e perguntar se eu precisava usar
o banheiro ou mesmo verificar se eu ainda estava respirando. Não que eu
tivesse visto mais alguém aqui além de Marcus e eu. O escritório estava
deserto.
Ronin ligou cinco vezes e mandou vinte mensagens. Eu disse a ele que
não se estressasse e que, por favor, dissesse às minhas tias que eu estava
bem. Assim que eu soubesse o que diabos estava acontecendo, eu ligaria
para elas. Elas não tinham telefones celulares (alguma coisa sobre as ondas
de radiofrequência atrapalharem a magia delas, embora eu nunca tenha
visto nenhuma diferença), então eu estava contando com Ronin para ser
meu mensageiro.
Sentei-me em uma sala de dois por três, com paredes brancas, em uma
cadeira de metal. Meus cotovelos estavam apoiados em uma mesa de metal
cinza, que era a única peça de mobília além das duas cadeiras. A superfície
da mesa tinha arranhões profundos, como se algum lobisomem tivesse
passado suas garras sobre ela. Talvez ele estivesse expressando seu lado
artístico. Vi algumas manchas marrons nas pernas da mesa e alguns pontos
na parede que a equipe de limpeza não tinha visto. Eu tinha certeza de que
alguns personagens bem obscuros tinham visto o interior desse cômodo.
Agora eu fazia parte dessa gangue. Que bom.
Ficar sentado sozinha em uma sala estranha por mais de uma hora pode
fazer com que você comece a jogar jogos dentro da sua cabeça. Fiquei
repetindo a noite várias vezes: o Grupo Merlin de Nova York, o bode
misterioso, a escuridão que rastejava ao redor da Myrtle como uma entidade
maligna. Fiquei remexendo na minha cabeça, tentando me lembrar se vi
alguém entrar depois que saí da tenda da Maravilhosa Myrtle, mas não vi.
Eu estava tão assustada com a experiência que só me lembro de ter
tropeçado com Ronin até o pavilhão mais próximo e enfiado comida e
bebida em minha boca.
Não vamos nos esquecer dessas provas que Greta insinuou que eu
deveria fazer, ou pelo menos que eu deveria ter passado para me tornar uma
Merlin completa. O que foi isso? Eu teria que perguntar às minhas tias
sobre isso mais tarde.
E depois houve a maneira como a maioria das pessoas da cidade olhou
para mim. Como se eu fosse culpado.
Minha pulsação disparou, alimentada pela raiva. Mexi as bandas do
meu bumbum. Minha bunda ia ficar dolorida depois de ficar sentada por
tanto tempo em uma cadeira tão dura. Eu me sentia como se estivesse
sentada em uma pedra. Mas com uma pedra, eu estaria do lado de fora, de
preferência na praia abaixo da Casa Davenport, curtindo a brisa e o som das
ondas batendo na praia.
Sim. Não está acontecendo.
A porta da sala de interrogatório se abriu e eu estremeci. Marcus entrou
e meu fôlego ficou preso, não só porque ele me surpreendeu, mas porque eu
ainda estava atordoada ao ver sua beleza. Aquela boa aparência sensual,
aquele corpo rijo, aquele jeito suave com que ele se movia, parte predador,
parte amante. Homens como ele só existiam nos filmes.
— Desculpe por fazer você esperar — disse ele. — Tive que voltar à
cena do crime para acompanhar algumas coisas. — Uma pasta cheia de
papéis estava pendurada em sua mão direita.
Olhei para ele com desconfiança.
— Esse é o meu arquivo? — Eu me ajeitei em minha cadeira. Puxa
vida. Eu tinha um arquivo! Nunca pensei que diria essas palavras em minha
vida.
Os lábios de Marcus se contraíram em um sorriso apertado.
— Algo parecido com isso.
Deixei minhas mãos caírem no colo para que ele não visse meus punhos
trêmulos.
— Você me prendeu por um assassinato que não cometi. Você sabe
disso. Você sabe disso, certo? — A raiva entrou em minha voz. — Você não
precisa de provas? Sem mencionar um motivo? Por que diabos eu faria isso
com uma estranha? Não sou psicótica.
Sim, eu havia pensado em estrangular a Maravilhosa Myrtle algumas
vezes, mas os pensamentos não contavam. Caso contrário, já teria um laço
sobre minha cabeça há muito tempo, com todos os pensamentos assassinos
que tive sobre meu ex.
Marcus pegou o assento de frente para mim e se sentou.
— Fiz isso para a sua própria proteção.
Meus lábios se separaram.
— O quê? Como aasim?
Marcus deixou o arquivo cair sobre a mesa.
— O Festival da Noite atrai muitos malucos. Eu verifico os
antecedentes da maioria dos paranormais visitantes, da elite e dos artistas.
Mas alguns simplesmente passam despercebidos.
— O que isso tem a ver comigo?
Os olhos do chefe se fixaram nos meus.
— Eles iam matar você, Tessa. Ou iam tentar. Eu conheço esse olhar.
Tenho experiência suficiente para saber quando uma luta mortal está prestes
a acontecer. E, acredite em mim, foi o que aconteceu.
Meu estômago se contraiu. Ele tinha razão. Aquela bruxa de terno
queria derramar meu sangue. Eu vi isso em seus olhos.
Soltei um suspiro e deixei minha cabeça cair em minhas mãos.
— Como me meti nessa confusão? Eu nunca deveria ter ido vê-la.
— Por que você foi ver a vidente?
Um sorriso esboçou em seus lábios.
— E não diga que foi porque você estava curioso sobre sua vida
amorosa. Sei que isso não é verdade.
— Ah, é mesmo? — Eu correspondi ao seu sorriso, deixando minhas
mãos caírem sobre meu colo novamente. — E como você sabe disso, chefe?
Você é um metamorfo que virou leitor de mentes? Porque eu não vi você
com seu turbante atrás de uma cabine fazendo leituras de palma de cinco
dólares.
O rosto de Marcus mudou para um distanciamento profissional.
— Estou apenas fazendo meu trabalho. E não preciso ser um vidente
para ler as pessoas. Sei dizer quando elas estão mentindo. É um talento
nato.
Inclinei minha cabeça para o lado.
— Bem, meu talento nato é apontar com os dedos dos pés. Você quer
ver?
As sobrancelhas de Marcus se ergueram, e eu não tinha certeza se ele
estava impressionado ou apenas irritado.
— Eu preciso saber tudo sobre as pessoas da minha cidade. Isso faz
parte do território.
— Sua cidade?
— É isso mesmo. Minha cidade.
Recostei-me em minha cadeira.
— Então, você trouxe uma acompanhante para o Festival da Noite. —
Ops. Não pude evitar, as palavras saíram da minha boca por vontade
própria.
Marcus olhou para mim, com as sobrancelhas franzidas.
— Eu não trouxe uma acompanhante.
— Certo. — Por que ele estava mentindo? E por que eu me importava?
O chefe olhou para o arquivo e o abriu.
— Isso é muito papel — falei, meu rosto esquentando de indignação. —
Por que meu arquivo é tão grosso?
Inclinei-me para frente, tentando ver o que estava escrito, mas minhas
habilidades de ler de cabeça para baixo não existiam.
Os olhos cinzentos do chefe encontraram os meus.
— Você já conhecia Myrtle antes desta noite?
Balancei a cabeça.
— Não. Esta noite foi a primeira vez que encontrei uma vidente.
Apertei meus lábios com força.
— Não estou mentindo.
— Eu não disse que você estava.
Ele entrelaçou todos os dedos em um único punho.
— Sobre o que você e Myrtle conversaram?
Lá vem. Minhas habilidades de atuação dignas de um Oscar. Se Marcus
realmente tivesse uma capacidade sobrenatural de detectar mentiras, eu
estava ferrada.
Recostei-me em minha cadeira.
— Nada que fizesse com que eu a matasse — falei, minha voz
cuidadosamente branda para combinar com minhas feições vazias.
— Você vai me dizer o que está no meu arquivo ou terei que adivinhar?
Marcus bufou pelo nariz e uma expressão de desaprovação se formou
em sua testa.
— Seria muito mais fácil se você começasse a dizer a verdade.
Eu engoli.
— Você está me chamando de mentiroso?
Algo se agitou em seus olhos.
— Neste momento... sim. Sei que você está escondendo algo. Posso ver
isso em seus olhos. Você não é uma boa mentirosa, Tessa.
A magia se formou ao meu redor, extraída dos elementos da sala. Ela foi
tecida em meu âmago e extraída de minhas emoções. As emoções são um
impulso adicional quando você está manipulando magia. E, neste momento,
eu era o Santo Graal das emoções. Não conseguia me fixar em uma só.
Ficava alternando entre culpa, medo, raiva, atração (malditos hormônios) e
traição.
E, no entanto, a raiva sempre parecia ser a vencedora.
Marcus franziu a testa, pois havia sentido o acúmulo de magia.
— Sobre o que você conversou com Myrtle?
Pensei em ser sincera e contar-lhe a verdade. Sobre o bode misterioso
que ninguém além de mim podia ver e sobre o pânico da vidente com algo
que ela tinha visto sobre meu futuro. O pensamento de ver a Myrtle
arranhando os olhos e se contorcendo como um animal moribundo ainda me
assombrava. Mas será que eu poderia confiar em Marcus? Se eu lhe
contasse, ele me manteria aqui. Eu tinha certeza disso. Provavelmente ele
também pensaria que eu estava louca.
Talvez eu estivesse sendo idiota, mas não queria que ele visse esse meu
lado. Não até que eu descobrisse o que diabos era o bode.
Respirei fundo e perguntei:
— Quando vou receber minha ligação?
O rosto de Marcus era de pedra.
— Por que você está evitando a pergunta?
— Por que você está negando que trouxe uma acompanhante?
Marcus suspirou e balançou a cabeça.
— O que você está escondendo, Tessa? Não posso ajudá-la se você não
me disser o que é. É meu trabalho proteger esta cidade. Se você sabe de
algo, tem que me contar.
Cruzei os braços sobre o peito.
— Acho que preciso ligar para meu advogado. Não é assim que
funciona?
Marcus teve um estremecimento no rosto, como se o gorila que havia
dentro dele quisesse sair.
— Não estou brincando, Tessa — disse ele, com a voz áspera e tensa,
como se estivesse tentando controlar a fera.
— É o gorila que está falando? Você quer uma banana?
Marcus soltou um suspiro exasperado e esfregou o rosto com as mãos.
Mãos tão bonitas e fortes.
— Por que você está sendo tão difícil? O que há com você?
— Talvez tenha algo a ver com o fato de ter sido acusada injustamente
de um crime que não cometi.
Um músculo se contraiu ao longo da mandíbula do chefe.
— As testemunhas colocam você no local. Sei que você esteve lá por
pelo menos cinco minutos.
— Você está me espionando agora. Isso é maravilhoso.
E, estranhamente, eu até que gostei.
— Vocês duas conversaram — continuou o chefe. — Preciso saber
sobre o quê.
Meus olhos se estreitaram em sinal de irritação. — Não vejo isso como
algo que seja da sua conta. Foi uma conversa particular. A Myrtle colocou
um feitiço de bloqueio de som para que ninguém pudesse ouvir o que estava
acontecendo dentro da tenda dela.
Droga. Eu não deveria ter dito isso.
— Ela fez isso. Por que?
— Porque o Ronin estava tentando escutar — falei rapidamente, o que
era totalmente verdade. Mas eu já podia ver a dúvida fervilhando naqueles
olhos cinzentos e finos dele. Ele estava começando a achar que eu era
culpada.
Isso me atingiu com força, como se eu tivesse soletrado uma de minhas
próprias palavras de poder para mim mesma
— Eu não a matei — falei suavemente. Minha voz tremeu, e eu odiei
isso.
Ele se inclinou para a frente, deixando a luz incidir sobre suas belas
feições.
— Então me conte o que aconteceu lá dentro. Conte-me o que ela disse
a você. — Ele hesitou. — Por que você não me ajuda?
— Ajudar você?
A raiva me invadiu como uma febre.
— É tudo sobre você. Não é? Esqueça como você me envergonhou na
frente das minhas tias e da cidade inteira.
Um músculo se deslocou na mandíbula de Marcus.
— Você fez isso com consigo mesma.
Oh, ele estava cansando.
— Já terminei de falar. Quero meu advogado.
Eu não tinha ideia se a justiça paranormal funcionava da mesma forma
que o sistema humano. Eu nunca tinha tido motivo para saber antes.
Uma veia latejava no pescoço de Marcus.
— Você quer passar o resto da noite aqui? Porque parece que isso pode
acontecer se você não começar a falar.
Meus olhos se voltaram para o arquivo. Movi minha mão para pegá-la,
mas Marcus a agarrou.
Ele apertou o maxilar, claramente irritado.
— Você não vê como isso soa? — perguntou.
— Por favor, diga-me — disse eu com amargura.
— Parece que você é culpada — disse ele, com o rosto rígido.
— A cidade inteira estava lá. Eu não tive escolha a não ser levar você. É
o meu trabalho.
— O trabalho de vocês é prender pessoas inocentes? Então, cara, você é
excelente em seu trabalho. Bom para você.
Eu lhe dei um sinal de positivo.
Marcus balançou a cabeça.
— Você é pior do que suas tias.
— Você sabe que o assassino ou assassinos ainda estão por aí enquanto
você perde seu tempo comigo.
Pude ver minha fantasia de que eu poderia namorar o chefe estourar
como uma bolha de sabão. Meu coração se agitou em meu peito, e eu odiei
isso.
— Você acha que eu fiz isso? — Perguntei, com a garganta apertada. Eu
queria ouvir isso dele, ver a palavra sair voando de sua boca. Quando ele
não respondeu nem olhou nos meus olhos, tive minha resposta. Era muito
pior do que ser acusado por toda a cidade. Qualquer ilusão que eu tivesse
tido sobre ele se dissipou.
A fúria queimou em minha pele e eu reprimi minha raiva. Coloquei
meus braços sobre a mesa.
—Vá em frente, então. Prenda-me.
O rosto de Marcus se contraiu. A raiva o inundou e então, com uma
única e enorme luta de vontade, ele recuperou o controle. O esforço foi
quase físico.
— Você está livre para ir — disse ele finalmente, —mas não saia desta
cidade.
Certo. Como se eu tivesse outro lugar para ir.
Ele disse isso em tom de conversa, de maneira simples e objetiva, mas
em seus olhos eu podia ver uma certeza simples. Se fosse preciso, ele me
prenderia se eu estivesse por trás disso.
Furiosa, levantei-me, peguei minha bolsa e meu telefone, abri a porta e
saí.
Somente quando cheguei à rua é que me lembrei de que havia esquecido
meus sapatos.
Capítulo 8

S entei-me à minha mesa, uma penteadeira de mogno escuro que pertencia


à minha mãe, tentando ignorar minha cabeça latejante enquanto
pesquisava na Internet tudo o que podia encontrar sobre a Maravilhosa
Myrtle . Eu estava fazendo isso desde às sete da manhã. Depois de cinco
horas de pesquisa intensa, descobri algumas coisas. Seu nome verdadeiro
era Myrtle LaVine, ela tinha quarenta e oito anos, nunca se casou, não tinha
filhos e morou em doze cidades diferentes nos últimos dez anos. Seu
emprego estava listado como Detetive Psíquica. Seu nome havia aparecido
nos jornais algumas vezes. Ela trabalhou ao lado de detetives humanos,
ajudando-os a solucionar crimes com suas habilidades psíquicas em casos
arquivados. Seu último endereço foi um apartamento em algum lugar de
Boston.
Não consegui encontrar nada sobre sua vida pessoal. Ela não tinha uma
página pessoal no Facebook, apenas a página da empresa. Ela não tinha
presença na mídia social. Nenhum amigo. Nenhuma família. Nada.
Mas alguém a odiava o suficiente para cortar seu pescoço e arrancar
seus olhos.
— Onde você está? — Falei ao meu notebook. — Eu sei que você está
aí em algum lugar.
Eu estava de mau humor desde que acordei. Não. Eu mal havia
dormido. Quem poderia me culpar? Não depois do meu grande fiasco com
o chefe. Passei do pensamento de que ele poderia ser um potencial material
de namoro para a aversão total a ele no espaço de apenas alguns minutos.
Eu o havia perdoado pelo incidente com minha mãe, que acabou sendo
totalmente legítimo depois do que ela fez. Ela havia abandonado seu
parceiro no trabalho, o que acabou matando-o.
Mas isso? Arrastar minha bunda para uma sala de interrogatório na
frente da cidade e das minhas tias? Sim, não foi legal. Ele poderia ter me
chamado a sós e feito isso de outra forma, longe de todos. Mas não o fez.
Ele preferiu me humilhar.
Bati os dedos no teclado com força, sentindo a tensão nos tendões dos
meus pulsos e dedos. Se eu continuasse assim, precisaria de um novo
notebook. E o caldeirão sabia que eu não tinha dinheiro para isso. Eu era
muito pobre. Se não fosse por minhas tias, eu estaria lutando com um sem-
teto por um banco de praça.
Por falar em dinheiro, depois da minha humilhação, quem iria me
contratar? A bruxa de Merlin acusada de assassinato? Sim, acho que não.
Ou pior, e se o próprio negócio de minhas tias sofresse por causa disso? Eu
não conseguiria viver comigo mesmo se isso acontecesse. Eu teria que ir
embora. Não havia outra maneira de contornar isso.
Eu estava com muita raiva, mas a traição era mais profunda,
revolvendo-se em meu âmago e jorrando em minhas veias até sair pelos
meus poros.
O que aconteceu com o "inocente até que se prove o contrário"? Ou dar
à pessoa acusada o benefício da dúvida? Parecia que em Hollow Cove você
era culpado por afirmar que era inocente.
Tecnicamente, o chefe não havia me prendido nem me acusado de nada,
mas ele poderia muito bem ter feito isso. De qualquer forma, foi o que
pareceu.
O fato era que, se eu quisesse ficar e manter minha posição no Grupo
Merlin, eu precisava limpar meu nome. E para fazer isso, eu precisava
encontrar o verdadeiro assassino de Myrtle, mesmo que Marcus estivesse
no caso. Eu os encontraria.
Minhas tias também estavam me evitando. Eu não as culpava. Eu estava
com um humor diabólico esta manhã - Tessa-Godzilla. Ruth teve a gentileza
de me trazer panquecas de framboesa e café para o café da manhã. Mal
registrei sua presença e quase não ouvi nada do que ela disse enquanto eu
olhava para a tela do computador.
Dolores e Beverly também apareceram, mas não disseram uma palavra.
Ou elas não sabiam o que dizer ou sabiam, mas preferiram que eu não me
assustasse. O que significava que o que quer que elas quisessem dizer - era
ruim.
Fechei o notebook, coloquei dois Tylenol na boca, engoli em seco e fui
em direção à escada. Eu não conseguiria mais nenhuma informação sobre
Myrtle na Internet que já não tivesse descoberto. Além disso, eu estava
sendo grosseira com minhas tias, trancada no meu quarto como uma
adolescente irritada.
Mas eu estava morrendo de vontade de fazer uma pergunta que estava
em minha mente. E agora parecia ser o melhor momento.
Cheguei ao final da escada e fui até a cozinha. Vozes chegavam até mim
- vozes furiosas e acaloradas.
— ...Estou farta desta cidade — disse a voz grave de Dolores.
— ...depois de tudo o que fizemos por eles — ouvi Beverly dizer.
— Vou pegar emprestado o poodle Killer da Janet e fazer com que ele
urine em todo o gramado perfeito da frente do Gilbert — disse Ruth com
ressentimento na voz. — Aposto que ele vai odiar isso.
— Acho que vou convidar Gilbert para uma visita ao porão — disse
Beverly, com a voz áspera e com um toque de metal. — Ele vem me
incomodando há anos para fazer um tour pela casa. Parece que hoje é seu
dia de sorte.
E então ouvi o som de pratos ou algo batendo.
Oh, meu Deus.
Entrei na cozinha e parei.
Dolores, Beverly e Ruth sentaram-se à mesa da cozinha diante do maior
cheesecake de morango que eu já tinha visto.
Cada uma delas pegou uma porção enorme que ultrapassou as bordas de
seus pratos de sobremesa.
— Talvez você devesse comprar pratos maiores.
Não pude evitar meu sorriso.
Ruth lambeu um pedaço de cheesecake do canto da boca.
— Nós comemos cheesecake quando estamos ansiosas. Quando algo
está nos incomodando.
Ela rasgou seu pedaço de cheesecake com o garfo.
Dolores deixou o garfo cair no prato com um ruído.
— Como ter nossa sobrinha acusada injustamente e levada para
interrogatório! É um festival, pelo amor do Caldeirão. Não um julgamento
em praça pública. Você deve explorar os diferentes locais. É para isso que
eles estão lá!
— Venha, sente-se, Tessa — disse Beverly. — Preparamos um prato
para você.
Ela gesticulou ao lado dela em direção ao prato limpo.
— Confie em mim. Você não vai querer perder esse cheesecake.
Fiz o que ela mandou e me sentei, só então percebendo o quanto estava
com fome. Depois que Ruth me cortou uma fatia generosa, embora
consideravelmente menor do que qualquer uma das deles, eu a parti com o
garfo e dei uma mordida.
Um delicioso queijo frutado e açucarado explodiu em minhas papilas
gustativas. Meus olhos se arregalaram.
— Uau. Você não estava brincando.
— É melhor do que sexo — disse Ruth, com um sorriso conhecedor no
rosto.
Beverly enrugou o belo rosto em uma expressão pensativa.
— Não sei que tipo de sexo você tem feito... mas esse cheesecake não é
melhor do que o sexo que eu tenho feito — disse ela com um sorriso
malicioso. — E eu tenho feito muito.
— Estou com a Ruth — disse a elas, dando outra mordida.
— Fiz sexo ruim por cinco anos porque esse cheesecake é
provavelmente a melhor coisa que já provei em toda a minha vida.
Ruth riu e bateu no meu garfo com o dela em sinal de solidariedade.
— Você viu a cara da Greta? — rosnou Dolores, pegando o último
pedaço de cheesecake do prato com o garfo. — Aquela maldita bruxa
gostou de cada minuto. É o que ela sempre quis. Para provar que o Grupo
Merlin dela era melhor do que o nosso.
Dei de ombros.
— Quem se importa com o que ela pensa?.
As três irmãs largaram os garfos.
— Isso é muito importante, Tessa.— Dolores ficou rígida em sua
cadeira. — Sei que alguns de nossos costumes são novos para você. Este
lugar, especialmente. Mas nossa reputação com os outros clãs é de grande
importância. Nós, bruxas de Davenport, sempre fomos as mais invejadas
entre os Merlins. Porque... nós somos os melhores.
De repente, não senti mais fome.
— Então, você está dizendo que eu arruinei tudo. Que arruinei o bom
nome de vocês. Você está dizendo que arruinei o bom nome de vocês. Estou
me sentindo ótima.
— Não foi culpa sua. — Beverly se mexeu em seu assento. — A culpa
foi daquele maldito Marcus Durand. Eu nunca deveria ter dormido com o
pai dele.
Engasguei com meu cheesecake. Eu não queria ir para lá.
— Quais foram essas provações de que você falou? — Perguntei. Eu
estava morrendo de vontade de perguntar sobre elas desde que Greta havia
mencionado o assunto.
Olhei para as minhas tias. Elas ficaram em silêncio comigo novamente
e, por um momento, pensei que não fossem responder.
— As provas de Merlin —informou Dolores. Ela empurrou seu prato
vazio para o lado e colocou as mãos sobre a mesa. — Normalmente, para
obter sua licença de Merlin, você precisa fazer as provas e ser aprovado.
— Mas eu não fiz. — Olhei para Beverly. — Você até me deu meus
próprios cartões.
— Nossa situação era incomum — continuou Dolores, antes que
Beverly tivesse a chance de responder. — Com os ataques de Samara à
cidade, tomamos a decisão de promover você sem os testes.
— Não há regras que digam que não podemos — interveio Ruth.
— Mas Greta parece pensar assim — acrescentei. — Ela não me
reconhece como uma Merlin de verdade. Não tenho certeza de como isso
vai afetar meu futuro aqui.
Beverly espetou seu cheesecake com o garfo.
— Greta pode enfiar a vassoura na bunda.
Eu ri, mas ainda me senti um pouco desconfortável, como se não
merecesse o título ou não tivesse recebido todos os meus distintivos de
escoteira.
— Então, eu ainda sou uma Merlin?
De qualquer forma, eu não precisava do título para continuar
investigando a morte de Myrtle. Eu ainda podia fazer isso sozinha. Mas ter
esse título me encheu de um senso de propósito e orgulho, algo que pensei
ter perdido anos atrás. Eu não queria perdê-lo.
Dolores espalmou os dedos sobre a mesa.
— No caso de uma emergência, tínhamos todo o direito de elevar você a
Merlin - sem passar pelos testes. E você provou a todos que era capaz de
fazer muita magia defensiva. De certa forma... lutar contra Samara... os
demônios... o dragão... também foram verdadeiras provações. E deixe-me
dizer, minha querida, você passou com louvor.
Eu sorri, com a gratidão crescendo em meu peito.
— Isso merece mais um pedaço de cheesecake?
Ruth soltou uma gargalhada, estendeu a mão sobre a mesa e me cortou
outra fatia daquele maravilhoso cheesecake. Ela a despejou no meu prato
com um baque.
Por falar em maravilhoso.
— Você teve a chance de conferir a tenda da Myrtle?
— Sim — respondeu Dolores, com a fisionomia contraída pelo que
parecia ser preocupação. — Nós examinamos a cena do crime enquanto
você estava... presa.
— E? — Eu me animei, esperando que eles tivessem encontrado algo.
Dolores apertou os lábios em uma linha fina.
— Não encontramos nenhum traço incomum de magia ou qualquer
outra coisa que sugira que ela foi morta com magia ou algo paranormal.
Apenas a magia da Myrtle.
Estranho.
— Então o assassino ou assassinos não usaram magia. Por quê? Talvez
para esconder seu verdadeiro eu.
— É possível.
Dolores inclinou a cabeça como se estivesse pensando sobre isso.
— A menos que Marcus encontre algumas impressões digitais ou tenha
mais provas, não podemos saber quem fez isso com ela.
— Ou por que eles fizeram isso em primeiro lugar — acrescentou Ruth,
com seus olhos azuis tristes. — É uma pena.
Eu não ia deixar isso passar.
— Alguma de vocês sabia quem era a Maravilhosa Myrtle ? Descobri
um pouco mais na internet, mas nada que me ajudasse a descobrir quem a
matou.
— Bem, — começou Dolores, —eu me lembro de tê-la visto em todos
os Festivais da Noite nos últimos dez anos. Mas não a conhecia
pessoalmente, infelizmente. Quero dizer, não é como se precisássemos que
nos contassem a sorte.
Ela riu.
— Eu a conheci.
Todos nós olhamos para Beverly.
— O quê? — Ela deu de ombros enquanto um sorriso lento aparecia em
seu rosto. — Eu estava tendo dificuldade para escolher entre Harry e
Stephan. Ambos são sensuais, ambos têm corpos duros, ambos são incríveis
na cama.
Dei uma mordida no meu segundo pedaço de cheesecake.
— Então, quem você escolheu?
— Eu não escolhi. —Beverly deu uma risadinha. — Eu ficava vendo os
dois.
Eu ri muito e dei outra mordida no meu cheesecake.
— Tessa.
Olhei para cima, vendo a tensão e a preocupação na voz de Dolores.
— Sim?
Uma expressão de preocupação se estampou em suas feições.
— Ontem à noite você disse que podia ver um bode. O que você quis
dizer com isso exatamente?
Ela apontou um dedo em riste para mim e acrescentou:
— E nada de mentiras... Eu sei quando você mente.
Assim como o Marcus, não é? Meu estômago se contraiu. Droga. Eu
sabia que isso estava acontecendo. Eu sabia que eles não deixariam isso
passar. Eu não podia. Se eu pudesse confiar em alguém com esse estranho
show de aberrações que era minha vida, seriam minhas tias.
— Eu vi um bode, eu disse finalmente, fazendo Ruth bufar.
— Sei que parece loucura. Especialmente porque eu era a única que
estava vendo. Mas havia um bode.. Eu juro. Um bode preto e branco com
chifres e rabo bonitinhos. Ele estava ao lado de Greta e dos outros.
Ruth soltou um suspiro.
— Eu sempre quis ter um bode. E galinhas, patos e um pônei. Ah, e
uma vaca. Eu sempre quis uma vaca. — Seus olhos se arregalaram. —Uma
vaca mugida.
Beverly apontou o garfo para Ruth.
— Da próxima vez que você rezar para a deusa, reze para ter cérebro.
Respirei fundo e disse.
— Isso significa que estou ficando louca?
— Não. — Os olhos de Dolores me fixaram. — Mas isso significa
alguma coisa.
Ela se inclinou para frente em sua cadeira.
— Tessa. Gostaria que você guardasse isso para si mesma até
descobrirmos o que significa ver um bode. Pode significar coisas diferentes.
E nem todas são ruins.
— E nem todos são bons. — Suspirei pelo nariz. — Posso manter
minha boca fechada sobre o bode.
Espero que o Ronin consiga manter a boca fechada. Mas eu não ia ficar
aqui sentado sem fazer nada enquanto minha reputação e a de minhas tias
eram manchadas. Não que eu sequer tivesse uma reputação, além de ser
uma bruxa Davenport e ter Amelia Davenport como minha mãe, que tinha
dominado a reputação de ser uma "esquisita".
Beverly empurrou sua cadeira para trás e se levantou. Ela estava usando
uma calça preta de corte fino que abraçava suas curvas e não deixava muito
para a imaginação. Ela a combinou com uma blusa pervinca de corte baixo
que acentuava seus olhos verdes.
— Você está fantástica, Beverly — eu disse a ela com sinceridade,
desejando estar tão bem na idade dela.
Beverly sorriu e penteou seus cabelos dourados para trás com os dedos.
— Obrigada, querida — disse ela, mexendo os quadris. — É a minha
roupa da sorte
Levantei uma sobrancelha, pensando que ela não precisava de sorte. Ela
ficava deslumbrante em qualquer coisa que usasse.
— Sério? Por que isso?
Dolores bufou.
— Ela não está usando roupas íntimas.
Fiquei de queixo caído quando Beverly deu de ombros e riu, como se
fosse seu segredinho malvado. Eu adorava minhas tias.
— Obrigada pelo cheesecake.
Levantei-me e fui até a prateleira de madeira na parede para pegar
minha bolsa. Meu coração estava batendo forte e eu não sabia se era por
causa da empolgação do que estava prestes a fazer ou por causa do açúcar
das duas fatias de cheesecake.
— Aonde você está indo? — disse a voz de Dolores atrás de mim.
Eu me virei.
— Para o festival — eu disse enquanto calçava minhas sapatilhas
pretas. — Se alguém souber algo sobre Myrtle, estará lá.
Talvez eu até conseguisse fazer com que a bruxa de terno falasse. Eu
queria saber por que ela havia apontado para mim em primeiro lugar.
Eu esperava que alguém soubesse de alguma coisa. Porque, se não
soubessem, eu não saberia a quem recorrer.
Capítulo 9

C hapada de cheesecake do tamanho de uma pizza grande, corri para a


Stardust Drive, virei à direita na Shifter Lane e fui para o festival.
O Tylenol anestesiou parte da dor em minha cabeça, e meus
pensamentos - embora exaustos e lentos - pareciam estar firmemente
conectados ao meu corpo novamente.
A maioria dos artistas e membros do festival estava dormindo em seus
trailers, tirando um pouco de sono antes da noite, mas vi alguns se
enturmando com os habitantes da cidade. Você entendeu.
Verifiquei minha bolsa para ter certeza de que estava com meu exemplar
do Manual da Bruxa - nunca se sabe quando ele poderá ser útil - e cheguei
a celebração.
Embora as verdadeiras festividades fossem à noite, ainda havia música
tocando e o almoço era exibido embaixo de alguns pavilhões.
— Eu já disse a você uma vez e vou dizer de novo, disse Gilbert a um
homem com um boné de beisebol. — O ponto principal é que as luzes
circundam os postes de luz em um padrão anti-horário. E eu me atrevo a
dizer que você parece estar fazendo o contrário de propósito.
Eu me escondi atrás de um banheiro químico (porque todos aqueles
mestiços precisavam ir a algum lugar) e corri o mais longe que pude de
Gilbert. Aquele corujinha era uma ameaça e, se ele não tomasse cuidado, eu
iria depená-lo como uma galinha.
Eu não tinha um plano real, exceto pelo fato de que precisava encontrar
alguém - qualquer um - disposto a responder a algumas perguntas. Eu
também não pretendia ameaçá-los com minha magia, mas faria o que fosse
preciso para limpar meu nome. Se isso significasse obrigar alguns
paranormais relutantes a falar, que assim fosse. A essa altura, eu não me
importava mais.
Além disso, a maioria deles achava que eu tinha matado a Myrtle, então
eu ia usar isso como uma tática para assustar. Por que desperdiçar
incentivos tão poderosos?
Ainda assim, alguém havia matado Myrtle, e eu não descansaria até
descobrir quem foi.
Meu olhar encontrou minha primeira vítima - um rapaz jovem, talvez
com vinte anos, ostentando uma barba castanha clara e uma barba que
combinava com a sua, que se espalhava pelo peito. Os mais jovens eram
mais fáceis de quebrar. Mas eu realmente não entendia a tendência. Para
mim, as barbas carregavam uma infinidade de bactérias.
— Desculpe-me! Chamei você enquanto corria para lá. Sim, você. Olá
para você. Achei que poderia fazer algumas perguntas a você. Eu… —O
resto do que eu ia dizer desapareceu de minha mente. — Isso são seios?
A primeira coisa paranormal que pensei foi que um cara tinha seios
muito evidentes. Ou isso, ou seus peitorais eram anormalmente grandes.
Obviamente, também não era a coisa certa a se dizer pela carranca no rosto
dela, e sim, eu me refiro a ela. Como não percebi isso? Você não viu?
A senhora barbada pressionou a mão esquerda, coberta de pelos cor de
castanho, no quadril, fazendo-me pensar em Dolores, enquanto a outra
segurava algum tipo de bebida verde.
— O que?— disse a mulher com uma voz muito feminina. — Oh, meu
Deus. Pare de olhar para os meus seios! Que tipo de aberração é você?
Levantei meu olhar para a grande placa atrás dela que proclamava
CONHEÇA BAMBI. MULHER BARBADA MUNDIALMENTE
FAMOSA.
Olhei para a mulher, que estava tomando aquela bebida verde com um
canudo.
— Você é uma metamorfa presa entre os seios dela, quer dizer, uma
fera?
Bambi revirou os olhos, sim, definitivamente uma garota.
— O que você quer? Seja rápida. Tenho que lavar a barba e cortar as
unhas.
Mordi a língua enquanto tirava a caneta e o bloco de anotações da bolsa.
— Você conhecia Myrtle LaVine? Você pode me dizer se ela tinha
algum inimigo?
Bambi parou de beber, com seus olhos claros arregalados.
— Você — foi todo o aviso que recebi antes que ela jogasse aquela
bebida vil em mim.
Mas pelo menos tive o instinto de sair do caminho.
— Ei! — gritei, minha perna direita e meu sapato foram as únicas
coisas que ela pegou. Bati minha perna para tirar um pouco da gosma verde
do meu jeans.
— O que há de errado com você?
As sobrancelhas espessas de Bambi baixaram até a ponte de seu nariz
grande.
— Você a matou. Você matou Myrtle — ela gritou. — Ela era minha
amiga.
Isso estava indo muito bem.
— Eu não a matei. Fui fazer uma leitura. Foi só isso. Gostaria que todos
parassem de me acusar de algo que não fiz.
Bambi me encarou por um momento e depois fez um ruído de desprezo
em sua garganta.
— Não vou contar nada a você.
E com isso, Bambi deu meia volta e desapareceu entre dois trailers.
Suspirei.
— Bom. Você se saiu bem.
Com a bebida verde se infiltrando em minha calça jeans como alga de
lagoa e fazendo-a grudar na minha pele, eu mancava, indo na direção das
vozes. Alguém aqui tinha de estar disposto a me contar algo sobre Myrtle.
Alguém veria que eu estava apenas tentando ajudar e, por sua vez,
responderia a algumas de minhas perguntas. Eu esperava que sim.
Frustrada - e agora com uma gota de gosma verde grudada no meu
jeans, para que eu pudesse esquecer a ideia de causar uma boa primeira
impressão -, continuei andando.
Uma dúzia de pequenos humanoides estava sentada em um banco,
comendo o que pareciam ser sanduíches e saladas em pratos de papel. Seus
cabelos eram de cores diferentes, variando de azul e laranja a rosa brilhante,
e se moviam ao redor de suas cabeças como um dente-de-leão. Elas
estavam vestidas com blusas leves e sedosas, combinadas com meias-calças
como as que você veria em um balé. Asas semelhantes às de uma libélula
pendiam de suas costas como mantos iridescentes.
Sprites.
Os sprites eram outra raça de mestiços ou paranormais, raramente com
mais de sessenta centímetros de altura. Eles eram mais reclusos do que as
outras raças e preferiam viver longe da população humana, mantendo-se
principalmente em florestas e ilhas. O melhor de tudo? Eram pequenos
insetos nojentos.
Ninguém olhou duas vezes em minha direção quando me aproximei.
Era quase como se eu fosse invisível.
Eu me coloquei na frente deles, sorrindo para tentar disfarçar meu
desconforto.
— Olá. Estou gostando da meia-calça, muito Peter Pan. Gostaria de
saber se posso fazer algumas perguntas a vocês sobre Myrtle LaVine?
O maior deles - talvez uns setenta centímetros, jovem e atlético - que eu
considerava o líder, ficou de pé no banco para dar mais altura a ele. Mas ele
ainda era muito mais baixo do que eu. Ele estava vestido com uma meia-
calça azul brilhante que combinava com seu cabelo e asas.
Esperei que ele falasse, mas tudo o que ele fez foi olhar para mim, como
se isso fosse me assustar ou algo assim.
— Então, você a conhecia? — Eu insisti. — Alguém? Olá? Você fala
minha língua, certo? Vocês me entendem, certo? Meu spriteglish precisa ser
trabalhado.
Eu ri.
O líder sibilou para mim, e suas asas bateram atrás dele em sinal de
irritação.
— Boo. — Foi tudo o que ele me disse.
— Boo? — Eu ri de novo, relaxando um pouco. Isso não era tão ruim.
— É esse o seu nome? Boo-Ah! O que você está fazendo? — Gritei quando
ele jogou o sanduíche meio comido na minha cabeça.
— Pare com isso! Pare! — Eu me sacudi quando outro sanduíche
atingiu a lateral da minha cabeça.
Não bastava ter sido sujado por uma bebida verde. Agora eu estava
sendo atacado por sanduíches. Você está de parabéns.
— Eu disse para você parar!
Eu me abaixei, erguendo as mãos para proteger meu rosto, mas tarde
demais. Pude sentir algo frio e viscoso deslizando pela minha bochecha.
Não vamos nem começar com a minha camiseta branca. Nota para mim
mesmo. Nunca use branco quando você for falar com sprites ou com um
Bambi barbudo.
— Buu! Buu! Boo! — eles gritaram para mim, e fui atacado por outra
salva de sanduíches.
Girei, com as mãos na cabeça, e corri na direção oposta. Bati na calçada
com um impulso rápido, mas de alguma forma consegui não cair de cara no
chão. Usando um carro estacionado como escudo, fiquei de pé e gritei:
— Da próxima vez, use pão integral! Seus merdinhas!
O líder me deu o dedo. Pfft. Eu não era uma dama. Então, eu lhe dei o
dedo de volta, com as duas mãos.
Saí de lá me sentindo mais frustrado e sem esperança e parecendo ter
rolado no lixo da cidade desta semana. Retirei as fatias de carne fria do meu
bloco de anotações e o enfiei em minha bolsa.
E assim por diante.
Era o mesmo caso sempre que eu conhecia alguém novo. Eles se
afastavam como se eu fosse portadora de uma praga. Ninguém me contava
nada além dos xingamentos que saíam de suas bocas. Todos achavam que
eu a havia matado.
Obrigado, Marcus.
Justamente quando eu havia decidido que esse meu plano era inútil e
estava indo para casa, um vulto se interpôs em meu caminho.
— Você está procurando sua próxima vítima? — perguntou uma mulher
vestindo um terno de homem que reconheci como sendo a mesma que me
acusou na noite passada.
Ah, isso ia ser divertido.
Eu moldei meu rosto em um sorriso.
— Sim. E se você não tomar cuidado, vai ser você.
Ok, um pouco exagerado e definitivamente não é a melhor coisa a se
dizer quando a cidade pensa que você é uma vadia psicótica assassina. Mas
ela estava pedindo por isso. E estava usando um terno horroroso.
Ela sorriu maliciosamente, com seu cabelo curto e escuro penteado para
trás, sem um único fio fora do lugar.
— Você pode ter enganado alguns de seu povo, mas nós não estamos
enganados. Sabemos que você matou Myrtle.
Levantei uma sobrancelha.
— Esse é o mesmo terno que você usou ontem? Isso é meio nojento.
Fiz uma careta de surpresa.
— Você também está usando a mesma roupa íntima?
Seu rosto não se moveu, nem mesmo um movimento, como se ela fosse
uma figura de cera. Assustador.
— Estamos de olho em você — alertou a engravatada.
— Nós?
Eu ri.
— Você, eu e todos os seus amigos dentro da sua cabeça? Pare de
cheirar esse bálsamo para cabelo. Isso está mexendo com seu cérebro.
Várias pessoas saíram correndo atrás dela.
— Ah, você quer dizer aqueles amigos.
Meu coração disparou enquanto eu olhava para os quatro homens, com
seus olhos duros e rostos inflexíveis como pedra. No que eu havia me
metido?
A engravatada sorriu, o suficiente para mostrar os dentes, mas não havia
calor nele.
— As coisas vão mudar por aqui. A começar pela atitude de vocês —
ela advertiu e olhou para dois dos quatro homens atrás dela.
Em seguida, o ar tremeu de energia. A mulher de terno movimentou os
pulsos e bobinas de magia vermelha se enrolaram em sua mão.
— Você vai pagar pelo que fez com a Myrtle.
Abri a boca para protestar, mas a fechei com força. Outros cinco
paranormais, bruxos pela magia que escorria de suas mãos, ficaram ao lado
dela.
Você está bem. Essa foi a minha deixa para você ir embora.
— Adoraria ficar e conversar — eu disse enquanto os outros se
aproximavam. — Mas é como dizem. Não há descanso para os perversos.
Acenei para eles com o dedo e me afastei. De jeito nenhum eu iria dar
as costas para a senhora de terno e seus asseclas. Você nunca deve dar as
costas ao seu inimigo, certo? Ou algo parecido com isso. Cabeças se
abriram em minha direção, carrancas de desaprovação nos rostos de outros
membros do festival enquanto eu andava para trás. Eles podiam ficar
olhando o quanto quisessem. Eu não estava prestes a duelar com um bando
de bruxos irritados. Tecnicamente, eu ainda era um estagiário.
Eu estava andando para trás surpreendentemente bem. Até que bati em
algo sólido.
— Tess? Você é uma garota estranha.
Eu me virei.
— Esse é o melhor elogio que recebi o dia todo.
O alívio brotou em meu peito, feliz por ver o Ronin. Mas ainda havia
uma raiva subjacente correndo em minhas veias. Esses estranhos me
odiavam, queriam me fazer mal, disso eu tinha certeza. E tudo isso por algo
que eu não fiz.
O rosto de Ronin se contraiu em um sorriso. Ele estendeu a mão sobre
minha cabeça.
— Por que você estava andando de costas? E por que você tem alface
no cabelo?
— Os sprites. Eles me atacaram com seus sanduíches.
Ronin tirou a alface de seus dedos.
— Não tenho certeza de como devo responder a isso.
Olhei por cima do ombro e soltei um suspiro de alívio. A senhora de
terno e seus minions não tinham me seguido. Mas todos eles ainda estavam
me encarando com ódio.
— Ei, você não me ligou de volta — acusou Ronin. — Se eu não fosse
tão narcisista e não estivesse tão feliz e seguro com a minha metade
vampira super quente, meus sentimentos poderiam ter sido feridos.
— Eu sei. — Exalei um pouco da tensão reprimida em meu corpo. —
Sinto muito. Estive ocupada a manhã toda tentando ter uma ideia melhor de
quem era a Maravilhosa Myrtle. Vim aqui para ver se alguém poderia me
ajudar com isso.
Ronin inclinou a cabeça.
— E como foi?
— Tenho alface em meu cabelo. Como você acha que foi?
Balancei a cabeça.
— Ninguém quer me ajudar. Todos acham que fui eu que fiz isso.
— Idiotas.
Ronin perdeu o sorriso.
— Sinto muito que o chefe tenha feito isso com você. Foi uma atitude
idiota. Ele não deveria ter levado você.
Dei de ombros.
— Ele estava apenas fazendo o trabalho dele — respondi, surpresa por
estar realmente defendendo-o. Ele disse que fez isso para me proteger,
embora eu não tivesse certeza se acreditava nele. Mesmo assim, eu não
queria falar sobre Marcus agora. Ele estava invadindo minha cabeça há
horas, e eu precisava de um descanso.
Ronin enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans.
— Como posso ajudar? Me dê um emprego. Qualquer coisa. Sou todo
seu.
Eu sorri calorosamente para ele. Ronin era um grande amigo.
— Bem, para começar. Preciso descobrir se Myrtle tinha algum inimigo.
Tenho que descobrir quem fez isso com ela. É a única maneira de limpar
meu nome.
Ronin cerrou a mandíbula.
— Eu sei. E vamos fazer isso. Eu prometo.
— Como?— Eu disse exasperada enquanto ria amargamente. —
Ninguém quer falar comigo. Eles querem me matar, Ronin. Todos eles
protegem muito a Myrtle, e eu entendo isso. Eu também ficaria se alguém
matasse um de meus amigos. Mas não fui eu que fiz isso.
— Eu sei que você não fez isso. Especialmente quando você está
usando esse vestido.
— Foi uma bagunça. Pessoal. O assassino a conhecia. Tenho certeza
disso.
Olhei para a multidão, observando cada um dos rostos e imaginando se
foram eles que fizeram isso.
O barulho de cascos soou em algum lugar próximo.
Olhei para a multidão, varrendo meu olhar lentamente na direção do
som e estremeci, mordendo a língua.
Esse mesmo bode saiu de trás de um mestiço alto que parecia que seus
ancestrais poderiam ter sido uma árvore em algum momento. O bode me
encarou com aqueles olhos grandes e horizontais, esticando o pescoço na
esperança de que eu o notasse. Não, eu não estava fazendo contato visual.
Eu me virei para trás.
— Parece que isso foi uma grande perda de tempo. Ninguém quer falar
comigo. Se ao menos eu soubesse como fazer alguém falar.
— Tortura? — Ronin se animou. — Você sabe que eu tenho um poder
de vampiro bastante atraente. Ninguém consegue resistir... ao Ronin.
Eu ri, pensando em todas as mulheres que foram para a cama com ele.
— Tenho certeza de que você sabe. Mas muitas delas são bruxas que,
tenho certeza, podem repelir seus encantos de vampiro.
O que eu precisava eram os segredos sujos que Myrtle estava
escondendo e que a mataram.
Os pelos da minha nuca se eriçaram quando senti os olhos em mim.
Olhei para a tenda. Marcus estava ao lado dela, falando com um homem
alto de chapéu. Embora ele estivesse falando com o homem, seus olhos
estavam focados em mim.
Uma ideia foi formulada em minha cabeça, perversamente maligna e
muito ruim. Eu estava praticamente radiante.
Desviei o olhar e virei de costas para Marcus para que ele não pudesse
ler meus lábios. Quem diria? O metamorfo tinha uma grande capacidade
auditiva, então eu estava disposta a apostar que ele também conseguia ler os
lábios.
— Ronin. Tenho uma ideia de como podemos obter mais informações
sobre Myrtle.
O meio-vampiro esfregou as mãos.
— Você está com aquele brilho perverso nos olhos, como se estivesse
prestes a dizer algo maldoso... ou arrancar suas roupas. De qualquer forma,
eu gosto.
Meu pulso acelerou com o que eu estava prestes a dizer.
— Aparentemente, o chefe mantém arquivos sobre todos. Até eu tinha
um arquivo. Aposto que ele tem um sobre a Myrtle.
Ronin se acalmou, com o branco de seus olhos à mostra.
— Você está louca? Ele nunca vai dar isso a você.
Não pude evitar meu sorriso.
— Eu sei disso. E eu também não estava planejando perguntar. Vou
entrar de fininho e pegar.
Sim, eu ia. Foi perfeito. Pegue isso, Marcus.
Ronin me observou, tentando abafar o pânico que vi em seus olhos.
— Como você vai fazer isso? Marcus está sempre em seu escritório. E
não vamos nos esquecer de sua secretária, Grace. Ela não vai deixar você
entrar. Não depois do que aconteceu da última vez.
Só de pensar em mim entrando com minhas sacolas de supermercado,
eu ficava tonta.
— Ele nem sempre está lá dentro.
O meio-vampiro fez uma careta.
— Você vai entrar lá quando ele estiver no banheiro?
— Não.
— Então como?
A preocupação gravou a testa de Ronin.
— Como você tem certeza disso? Você pode prever onde ele vai estar a
qualquer momento? Malévola Tess?
— Porque, vampiro — respondi, minha empolgação crescendo com
esse meu novo plano. — Eu sei onde ele vai estar hoje à noite.
As sobrancelhas de Ronin se ergueram e um sorriso curvou seus lábios.
— Você vai sair com ele? Você é uma bruxa safada?
— Não, seu idiota — provoquei, sorrindo por dentro e odiando o fato de
que essa ideia fez com que borboletas se agitassem em meu interior.
— À meia-noite de hoje, o chefe estará patrulhando o festival. O que
significa que...
— O escritório estará vazio — respondeu Ronin.
Acenei com a cabeça.
— Exatamente. Porque ele estará no festival.
Isso ia dar certo. Eu ia colocar minhas mãos no arquivo da Myrtle e isso
me deu uma explosão de esperança.
— E eu que pensava que você era apenas mais um rostinho bonito —
riu o vampiro.
— Você é uma bruxinha travessa, Tessa Davenport. Marcus não tem
ideia de onde está se metendo.
Ignorei essa última parte e olhei para uma das poucas pessoas nesta
cidade que acreditava em minha inocência.
— Você está comigo? — perguntei, tensa, nervosa e animada, tudo ao
mesmo tempo.
Ronin sorriu.
— Como um hábito ruim.
Eu dei um sorriso.
— Ótimo. Vamos fazer isso hoje à noite.
Capítulo 10

I nvadir o escritório do chefe da cidade estava no topo da minha lista de


coisas mais estúpidas que já fiz na vida.
Mas pelo menos eu não estava fazendo isso sozinha.
Meu fiel amigo, meio-vampiro, arrastou-se pelo corredor escuro da
AGÊNCIA DE SEGURANÇA DE HOLLOW COVE comigo. Embora
você pudesse ouvir meus sapatos batendo no piso de ladrilhos duros, os do
Ronin eram inexistentes como as almofadas macias de um gato. Maldita
seja a furtividade dos vampiros.
— Obrigado por ter vindo comigo — sussurrei, realmente emocionado
por ele estar me ajudando.
— Você pode me agradecer quando sairmos daqui com o arquivo.
O rosto de Ronin estava um pouco pálido, mas ele era parte vampiro,
então não pensei muito nisso.
Até agora, tivemos sorte. A porta da frente não estava trancada,
portanto, você não precisava se preocupar com o alarme. Mas isso também
significava que Marcus estava planejando voltar para seu escritório em
algum momento durante o festival. Tínhamos que fazer isso rapidamente.
Fácil, certo?
Minha pulsação estava acelerada enquanto seguíamos pelo corredor
escuro, passávamos pela recepção, onde Grace havia me dado uma bronca,
e íamos em direção à sala principal pouco iluminada do escritório de
Marcus. Todas as luzes principais estavam apagadas, exceto por algumas
luzes noturnas ao longo das paredes, o que nos dava luz suficiente para ver
para onde estávamos indo, pelo menos para mim. Eu suspeitava que o
Ronin não precisava de luz extra para enxergar no escuro.
Cheguei primeiro ao escritório de Marcus. MARCUS DURAND, com
as palavras OFICIAL CHEFE embaixo, estava estampado na janela em
letras pretas. Eu tinha um feitiço pronto caso a porta estivesse trancada. Eu
o havia preparado horas antes e o havia memorizado. Graças ao Manual da
Bruxa.
Eu sabia que estava violando todos os tipos de leis. Marcus nunca me
perdoaria se me pegasse aqui bisbilhotando as coisas dele. Eu não estava
muito feliz com a sensação que isso me causava, como uma pressão
constante em meu peito. Não é que eu me sentisse culpada por ter entrado
aqui. Era porque eu realmente me importava com a impressão que Marcus
tinha de mim. Mas ele não estava me deixando muitas opções. No que me
dizia respeito, isso era uma vingança por ter me trazido para interrogatório.
Com o coração martelando contra a caixa torácica, estendi a mão e girei
a maçaneta da porta. Ela se abriu facilmente.
— Aqui vamos nós.
Abri a porta e entrei.
O escritório de Marcus era exatamente como eu me lembrava, só que
agora tudo estava na sombra. Uma única mesa, com papéis empilhados ao
lado de um notebook, ficava em frente à única janela do local. À direita da
porta havia uma parede forrada de armários de arquivo. Fileiras de estantes
de livros ocupavam a parede ao lado da escrivaninha.
— Onde você quer verificar primeiro, chefe?
Ronin se aproximou de mim.
Meus olhos se voltaram para os armários de arquivos.
— Ali. Ele deve ter uma cópia impressa do arquivo da Myrtle.
Nós dois corremos para lá. Peguei meu celular e liguei a lanterna.
Segurando-o com a mão esquerda, abri a gaveta de um armário e comecei a
folhear os arquivos com a mão direita.
— Eles estão em ordem alfabética — falei, meus dedos sobre o nome
do arquivo que dizia Alan Hicks.
— Procure em M, de Myrtle, e eu vou procurar em L, de LaVine.
Continuei folheando os arquivos enquanto Ronin abria outra gaveta.
Abri outra gaveta com os sobrenomes que começavam com L.
— Não há nada aqui — falei, depois de um momento, com a decepção
em minha voz.
— Você?
Ronin empurrou a gaveta para trás.
— Nada.
Franzindo a testa, olhei de volta para a escrivaninha, vendo o
aglomerado de papéis.
— Talvez na mesa dele.
Movendo-me rapidamente, cheguei à escrivaninha e iluminei-a com a
lanterna do meu celular. Peguei a primeira pilha de papéis e comecei a
folheá-la. Ronin fez o mesmo, mas sem a lanterna.
— São apenas contas — eu disse ao verificar a última página da minha
pilha de papéis com o nome ENERGIA CENTRAL DE HOLLOW COVE
escrito na parte superior.
— Isso não é. —Ronin me entregou um arquivo. — Este é o seu
arquivo, Tess.
— O quê? — Peguei o livro e olhei para a cópia da minha carteira de
motorista na primeira página.
— Sempre odiei essa foto. Pareço bêbada
O arquivo era grosso e estava preso por clipes.
Esse era o arquivo que Marcus não queria que eu visse. Então, por
razões óbvias, eu o abri.
É uma sensação estranha examinar seu próprio arquivo, realmente ter
um arquivo e vê-lo exposto diante de você em pedaços de papel e
fotocópias.
— O que diz?
Ronin inclinou a cabeça.
Olhei para ele.
— Apenas coisas básicas. Onde eu morei. Meu emprego anterior - ah,
meu Deus. Ele tem até uma cópia dos meus extratos bancários.
Ótimo. Agora ele sabia da enorme dívida que eu tinha.
— Está escrito Bruxa Branca ao lado do meu nome aqui na
identificação da classe mestiça. Mas está riscado com uma caneta e alguém
rabiscou Obscura acima dele.
Ronin bufou.
— Marcus acha que você é uma bruxa das trevas. Você acha que ele não
sabe nada sobre a bruxa das sombras?
— Acho que não.
Eu havia compartilhado com Ronin o que minha tia Dolores havia me
dito sobre a capacidade de tecer magia branca e negra. Segundo ela, eu era
uma bruxa das sombras. Eu ainda podia conjurar magia negra, como
invocar e controlar demônios, embora ainda estivesse mais inclinada à
magia branca - magia dos elementos e até mesmo linhas ley.
Resisti à vontade de pegar uma caneta e riscar a palavra nergra para
colocar bruxa das sombras em seu lugar. Aposto que Marcus não iria gostar
disso. Se eu fizesse isso, ele saberia que alguém estava aqui, e quem mais
escreveria em meu arquivo do que eu? Ele saberia que era eu.
Continuei lendo o arquivo. O sangue saiu do meu rosto quando vi outra
coisa que me fez tremer, apesar do calor.
— Há algo mais aqui — eu disse, minha voz soando fraca em meus
ouvidos.
— O quê?
Ronin se inclinou para mais perto até que eu pudesse sentir o cheiro de
sua loção pós-barba almiscarada.
Levantei o arquivo e apontei com o dedo.
— O nome do meu pai foi riscado... e há um ponto de interrogação ao
lado dele. Mas que diabos? Isso só pode ser um erro.
Eu não tinha certeza se essas últimas palavras tinham sido ditas em voz
alta ou se eu as tinha dito em minha cabeça.
Uma dor surda se formou no fundo do meu estômago enquanto eu
olhava para o ponto de interrogação. Esfreguei meus olhos. Ele ainda estava
lá. Era óbvio o que significava, e uma mistura nauseante de pavor revirou
minhas entranhas.
Não. Isso não pode ser verdade. Simplesmente não pode. Minha mãe
nunca trairia meu pai... ou trairia?
Ronin pegou o arquivo de mim e o aproximou de seu rosto.
— Isso não significa nada — disse ele, devolvendo-me o arquivo com
uma careta no rosto. — Isso é apenas o que Marcus pensa. Esse é o arquivo
dele sobre você. Não significa o que você acha que significa.
— Mas e se significar?
Meu coração acelerou e senti que um ataque de pânico estava a
caminho, o que seria totalmente inadequado quando se está tentando roubar
um arquivo do chefe. Eu precisava estar calma, controlada e concentrada,
mas não era nada disso.
Eu estava surtando.
O meio-vampiro colocou uma mão gentil em meu ombro.
— Tess. Não faça isso com você. Não vale a pena. Não significa nada..
— Não é assim. Esse arquivo não é seu. É meu.
Ronin soltou um suspiro.
— Bem, você pode surtar depois. No momento, ainda precisamos
encontrar o que viemos buscar aqui. E já perdemos muito tempo.
Ele tinha razão, é claro. Eu não podia deixar minhas emoções
interferirem no caso - que era para limpar meu nome. Se eu fosse
considerado culpada por esse crime, não importaria quem era meu pai
verdadeiro. Eu seria trancada em uma prisão paranormal para viver o resto
da minha vida. Eu me preocuparia com o ponto de interrogação mais tarde.
— Está bem. Ok. Você está certo.
Deixei meu arquivo cair sobre a mesa, tentando acalmar meu coração,
mas falhando miseravelmente. Essa coisa maldita não parava.
Concentre-se, Tessa.
Olhei para a sala. Se Marcus tinha um arquivo sobre mim, ele tinha um
sobre Myrtle. Eu só precisava encontrá-la.
Meus olhos pousaram no notebook dele.
— Vamos verificar o notebook dele.
Eu me aproximei e me sentei na cadeira do chefe, reprimindo a vontade
de gemer ao ver como o couro era confortável ao redor da minha bunda.
Meus dedos trêmulos pairaram sobre o notebook, e tive um breve momento
de culpa. Então, levantei a tela do notebook. A tela piscou, revelando
alguns ícones e aplicativos sobre uma imagem de paisagem de um lago
cercado por árvores.
Respirei fundo.
— Para nossa sorte, ele não desligou o computador.
Caso contrário, teríamos que hackear sua senha, o que eu duvido que
conseguíssemos fazer.
À primeira vista, seu sistema operacional era o Windows, meu fiel
amigo ao longo dos anos. Isso seria muito fácil.
Entrelacei meus dedos e os estalei. Porque, por que diabos não? Usando
meu dedo indicador, movi-o pelo touchpad e, em seguida, cliquei duas
vezes em um ícone do explorador de arquivos. Apareceu uma janela com
vários arquivos.
— Aqui vamos nós — falei ao clicar duas vezes no ícone da pasta.
Ronin se inclinou para a frente, sua respiração em minha bochecha
enquanto perguntava: — Como você sabe?
— Porque nela está escrito Myrtle LaVine.
O vampiro sorriu.
— Você é uma bruxa esperta.
O arquivo foi aberto, revelando um documento do Word, um arquivo
PDF e outro arquivo com imagens. Primeiro, examinei as fotos. Ver o
assassinato de Myrtle em imagens digitais foi tão perturbador quanto
quando eu o vi pessoalmente. Ok, pior agora que vi um close em seu
pescoço e depois o que restou de seus olhos depois que o vidro foi
removido. Que horror. Vou fazer um favor a todos vocês e pular a descrição.
— Acho que esse é o relatório da autópsia — informou Ronin,
apontando para o arquivo PDF chamado Autopsy-ML-HC-10009.
— Diz apenas que ela morreu por extrema perda de sangue devido ao
corte em seu pescoço — falei depois de ler o relatório do patologista.
— Diz que ela estava viva quando arrancaram seus olhos e cortaram sua
garganta. Provavelmente para que ela não pudesse gritar.
Myrtle devia ter sentido uma dor excruciante. E ninguém ouviu seus
gritos ou sua luta. Senti um gosto amargo e metálico em minha boca.
Estávamos lidando com um verdadeiro monstro.
Ronin assobiou.
— Bem, podemos perceber que estamos procurando por alguns malucos
seriamente dementes — disse ele, ecoando exatamente meus pensamentos.
Cliquei no último arquivo.
— Você está no escritório do Marcus — eu disse ao ler o cabeçalho
AGÊNCIA DE SEGURANÇA DE HOLLOW COVE. Senti uma pontada
de entusiasmo em mim. Se fôssemos encontrar algo importante, seria aqui.
Ronin se inclinou para a frente até que seu queixo estivesse
praticamente apoiado em meu ombro, e nós dois começamos a ler.
— Não foram encontradas impressões digitais — disse o vampiro. —
Significa que eles usaram luvas.
— Ou eles usaram magia — eu disse. — Eu não senti nenhum resíduo
de magia no local e minhas tias também não. Mas isso não significa que ela
não tenha sido usada. Talvez eles sejam apenas muito bons em apagar seus
rastros. Mágicos e não mágicos.
Meu olhar foi para a área chamada "Lista de suspeitos". Pisquei ao ver o
nome que estava lá. O meu próprio.
— Filho da p...
— Ele provavelmente teve que escrever isso — riu Ronin, levando
minha raiva a outro nível. — Dada a situação em que ele estava. Você não
está olhando para mim com esses olhos julgadores. Não olhe para mim com
esses olhos grandes e julgadores. Eu não escrevi isso.
— Eu vou colocar ele no lugar. — Fiz uma careta, imaginando
estrangular o chefe. Deixei escapar um suspiro. — O que isso importa,
afinal? A cidade inteira acha que eu fiz isso.
Meu olhar foi para a seção de testemunhas. Dois nomes estavam
escritos - o meu e o de alguém chamado Winnie Wilde. Aposto que essa era
a bruxa vidente de terno.
— Ele tem 'inconclusivo' escrito na seção de motivos — informou
Ronin com uma risada. — Significa que o cara não tem a menor ideia.
Minha pulsação acelerou quando meus olhos se moveram para o
parágrafo grande na seção "comentários adicionais".
— Veja aqui — falei quando comecei a ler. — Myrtle vem de uma
longa linhagem de videntes. Ela foi testada em 1985 pelo Conselho de
Videntes e Oráculos Mágicos. Uau. Ela obteve 99 pontos de 100 em
precisão. — Olhei para o Ronin. — Puta merda. Ela era de verdade.
Isso significa que o que quer que ela tenha visto quando olhou para o
meu futuro, que a fez gritar de terror absoluto, era muito real. Fantástico.
Ronin olhou para mim.
— E alguém foi atrás de você e a matou. Porque ela viu algo que eles
não queriam que ela visse.
— E eles a mataram para mantê-la calada.
Eu me inclinei para trás. Fazia sentido. Eu estava certo. Alguém havia
matado Myrtle para que ela ficasse calada. Então, quem? Quem a mataria
daquele jeito?
Vozes vieram do corredor do lado de fora do escritório de Marcus,
seguidas pelo passo inconfundível de duas ou mais pessoas caminhando.
Hora de ir embora.
Minha respiração ficou presa.
— Marcus! — sussurrei, com a pulsação acelerada.
— Rápido, onde está sua capa de invisibilidade! — Ronin olhou para
trás como se eu estivesse escondendo uma capa.
— Eu não tenho uma! Não sou Harry Potter! sussurrei.
— Ah, sim.
Ronin foi até a porta e depois voltou correndo.
— É o Marcus e seus dois capangas. Eles estão vindo por aqui.
Que droga. Podemos esquecer de usar a porta da frente como nossa
saída. Se eles nos encontrassem aqui, isso poderia causar sérios danos à
minha reputação já prejudicada. Então, o que fazer?
Você encontra outra saída ou faz uma.
— Janela.
Corri até a janela, tirei as persianas verticais do caminho e girei a
fechadura com o polegar. Levantei a janela e fiquei olhando para a pequena
abertura. Ela parecia maior um segundo atrás.
— As damas primeiro — disse Ronin, embora eu tivesse a sensação de
que ele não estava sendo galanteador. Ele queria ver se eu realmente
conseguiria passar.
Eu nem sequer olhei para baixo, apenas pulei o parapeito da janela,
puxando-me para fora, enquanto Ronin empurrava meu traseiro. Aterrissei
com um baque e um grunhido de lado em um pedaço de grama macia.
Ronin aterrissou habilmente de pé ao meu lado, sem fazer barulho.
Eu o encarei.
— Odeio você.
Com um sorriso, o meio-vampiro me puxou para cima, e então
estávamos correndo.
Nós nos mantivemos nas sombras. A música e os sons das pessoas se
misturando no festival chegaram até mim, mas não paramos. Quando
passamos por uma casa vitoriana rosa com uma placa piscando que dizia
SALÃO DE BELEZA BELA BRUXARIA, lembrei que tínhamos deixado
a janela aberta.
Droga. Marcus saberia que alguém havia bisbilhotado em seu escritório.
Mas eu não podia me preocupar com isso agora. Eu tinha coisas mais
importantes em minha mente.
Dizia-se que a Maravilhosa Myrtle havia sido morta por causa de seu
talento inato para ler o futuro. Algo no meu futuro a fez gritar, e não vamos
esquecer o ponto de interrogação ao lado do nome do meu pai.
Meu pai era realmente meu pai? E se não, quem era ele?
Capítulo 11

I nvadir o escritório de Marcus não tinha sido um fracasso total, mas não
me dava muito mais para continuar. O assassino ou assassinos usaram
luvas para não deixar impressões digitais ou usaram magia para manipular
os objetos usados para matá-la. Depois, convenientemente, cobriram seus
rastros mágicos.
Mas isso ainda não explicava por que ela foi morta. A única coisa que
sabíamos com certeza era que a Maravilhosa Myrtle tinha sido uma
verdadeira Vidente.
E, no entanto, isso levantou a questão. Se ela fosse legítima, não poderia
ter previsto sua própria morte? Não poderia tê-la previsto? E se sim, por que
ela não fugiu?
Talvez os videntes não conseguissem ver seu próprio futuro. Talvez essa
fosse a desvantagem de ser um.
Esperei a maior parte da manhã para fazer às minhas tias a pergunta que
me manteve acordada a noite toda. Fiquei sentada, com os dedos enrolados
na xícara de café que havia esfriado, tentando pensar na maneira correta de
perguntar se minha mãe havia traído meu pai.
O fato de dormir com alguém não me incomodava (o fato de não me
incomodar me incomodava mais do que o ato em si). O que me preocupava
era não saber se o homem que eu chamava de pai nos últimos 29 anos era
realmente o meu querido pai, afinal de contas.
— Fale logo.
Dolores largou o jornal que estava lendo e colocou os óculos no chão,
com os olhos escuros fixos em mim do outro lado da mesa da cozinha.
Meus lábios se separaram.
— Desculpe-me, o quê?
— A pergunta que está fritando a sua cabeça — disse Ruth, dando
risada, mexendo uma grande panela de aço inoxidável no fogão. O cheiro
de cebola vinha dela. Ela se virou para me olhar, com seu avental rosa com
as palavras "Esta bruxa pode ser subornada com chocolate" impressas em
letras grandes e em negrito.
— Está escrito na sua cara.
— É?
Droga, essas bruxas eram muito perspicazes.
— Então? — pressionou Dolores.
— O que está acontecendo?
Ela apoiou os cotovelos na mesa e apontou um dedo para mim, com as
sobrancelhas franzidas.
— Se isso tem a ver com o fato de Marcus ter colocado você naquela
sala de interrogatório... deixe-me dizer a você... ainda não desistimos disso.
Ele vai levar outra bronca, logo depois que eu terminar meu trabalho.
Balancei a cabeça.
— Tem algo a ver com Marcus, mas não da maneira que você imagina.
É sobre algo que ele escreveu.
— Algo que ele escreveu?
A voz de Dolores tinha um tom de preocupação.
— Ele escreveu uma carta de amor para você! — Ruth bateu palmas,
fazendo com que uma colher cheia de gotas amarelas caísse sobre o armário
mais próximo.
Meu rosto se inflamou.
— Nem de perto.
— O que está acontecendo, Tessa? — perguntou Dolores.
Meu olhar foi de Ruth para Dolores. Eu me preparei e disse:
— Entrei no escritório de Marcus ontem à noite.
Silêncio.
Espere por isso...
— Você está louca? — gritou Dolores, agarrando a cabeça como se
achasse que seu cérebro fosse explodir.
Ruth, no entanto, estava olhando para mim com uma expressão confusa
no rosto.
— Ele estava lá?
— Não, você é uma idiota — gritou Dolores. — É isso que significa
invadir! Você faz isso quando ninguém está lá. Esse é o ponto principal.
— Oh. — Ruth riu. — Você achou divertido? Aposto que sim. Eu
sempre quis tentar arrombar e invadir.
Ela disse isso como se fosse um novo tipo de carro no qual você poderia
dar uma volta.
— Não a incentive — gritou Dolores. Ela voltou seu olhar gelado para
mim. — Por quê?
Eu sabia que não deveria responder se não quisesse ir parar no porão.
— Eu precisava encontrar mais informações sobre Myrtle. Eu sei. Eu
sei — eu disse, levantando minha mão. — Não é inteligente. Mas não é
como se Marcus tivesse me dado uma escolha. Ele me tratou como se eu
fosse uma suspeita.
Achei que deixar de fora a parte em que o Ronin estava comigo era uma
boa ideia. Além disso, para começar, a ideia tinha sido minha. Ele não
deveria ser o culpado se as coisas dessem errado.
Dolores esfregou os olhos.
— Nós nos lembramos.
— Bem, eu encontrei o relatório dele — continuei, — o relatório dele
sobre mim. E veja só: eu sou a suspeita número um dele.
A lembrança de ver meu nome no arquivo fez com que pequenas ondas
de fúria percorressem meu corpo.
— Não pode ser.
Ruth se deixou cair na cadeira ao meu lado, ainda agarrada à colher de
pau como se fosse um grande lápis.
— Ele sabe que você não pode fazer algo assim com uma pessoa. Ele
teve que fazer isso.
Balancei a cabeça.
— É isso mesmo. Ele não me conhece de verdade. Será que conhece?
Eu ainda sou praticamente uma estranha para ele.
As sobrancelhas de Ruth se juntaram no meio.
— Mas ele trouxe você para casa. Teve você em seus braços. Ele
colocou você na cama!
— Eu sei. Eu me lembro. Acho que para ele isso não significava o
mesmo que para mim. Talvez eu tivesse inventado tudo em minha cabeça.
Não seria a primeira vez que eu me enganaria a respeito de um homem.
Dolores esfregou as têmporas.
— Estou sentindo uma enxaqueca gigante a caminho. E não temos mais
Tylenol.
Engoli e acrescentei:
— Tem mais.
Dolores soltou um uivo como se estivesse sendo comida viva por uma
matilha de lobos.
Segurei minha xícara com mais força.
— Estou lhe contando porque... quando estava fugindo... esqueci de
fechar a janela atrás de mim. De qualquer forma, achei que você deveria
saber, caso ele fale sobre isso.
Os olhos de Dolores passaram pelo meu rosto.
— Há algo mais. Algo que está incomodando você... e não diga que
não. Posso ver isso em seu rosto. Você pode falar. Desembuche.
Respirei fundo e soltei o ar.
— Acho que devo esperar por Beverly.
— Não sei quando ela voltará — respondeu Dolores. — Provavelmente
estará rolando nua na cama de algum homem.
— Com óleos, chantilly e cerejas — disse Ruth, balançando a cabeça
como se fosse uma conversa entre irmãs. Eu não queria ir além.
Dolores sorriu para mostrar o mínimo de dentes e se recostou na
cadeira.
— Eu juro. Aquela bruxa tem um colchão amarrado nas costas.
Na hora certa, a porta dos fundos da cozinha se abriu.
Beverly entrou, vestindo uma calça jeans skinny escura, uma blusa
preta, botas vermelhas e um homem no braço.
— Olá, meninas — disse Beverly enquanto conduzia o homem pela
área do café da manhã e em direção à porta do porão.
Mais uma vez, o homem que estava com ela tinha aquele olhar
atordoado, como se estivesse sonâmbulo ou sob efeito de algum sedativo
leve. Seus cabelos escuros estavam salpicados de cinza e branco, e ele
usava um agasalho roxo que teria sido popular no início dos anos noventa.
—Quem é esse? — perguntei, aguardando a narrativa. Eu sabia por
experiência própria que ele era uma de suas vítimas e definitivamente não
era um acompanhante.
— Este aqui é o Harold — disse Beverly ao abrir a porta do porão. — O
Harold jogou todas as economias da esposa no cassino. Você não fez isso,
Harold?
Harold acenou lentamente com a cabeça.
— Sim.
Sua voz era lenta, como se ele estivesse falando enquanto dormia.
Beverly colocou as duas mãos nos quadris.
— Bem, você não deveria ter feito isso.
Ela lhe deu um chute na bunda, e Harold caiu na soleira da porta, assim
que Beverly a fechou atrás dele.
Dessa vez, não houve nenhum grito de surpresa, apenas o som familiar
de alguém batendo na escada até o fim. Em seguida, veio o tremor da
cozinha, como se um pequeno terremoto tivesse nos atingido. Levantei
minha caneca de café da mesa e esperei que os tremores parassem.
Com um estrondo final que irrompeu do porão, a casa se acomodou.
— Bem, então — disse Beverly, sorrindo alegremente como se estivesse
diante de um painel de juízes em um concurso de beleza. Seus olhos verdes
brilhavam. — Meninas! Tenho ótimas notícias para vocês!
— O quê? — disse Dolores, com uma sobrancelha arqueada. — Eles
estão vendendo camisinhas esta semana?
Beverly sorriu e seus olhos se arregalaram.
— Consegui o papel que eu queria na peça Macbeth.
Ela levantou o queixo dramaticamente.
— Oh, meninas. Vou ser fabulosa. Vou ser a atriz mais linda e sexy que
o Festival da Noite já viu. Todo mundo vai estar lá. É amanhã à noite, então
vocês não podem perder.
— Tenho de verificar minha agenda — disse Dolores. — Mas acho que
estou agendada para uma colonoscopia.
Ruth bateu palmas com as mãos.
— Qual papel? Lady Macbeth?
— A irmã sexy e esquisita, boba — riu Beverly e atravessou a cozinha
até o bule de café meio cheio.
Ruth fez uma cara feia.
— As bruxas antigas não eram sensuais. Eram murchas e selvagens. Eu
me lembro de ter lido que elas tinham verrugas. E piolhos.
Beverly acenou com a mão em sinal de desdém. — Ah, isso é só um
boato. Todo mundo sabe que a segunda bruxa era a mais sexy.
Repremi uma bufada. Se alguém podia interpretar uma bruxa velha,
decrépita e murcha como uma bruxa sexy, essa pessoa era Beverly.
— Preciso de um café.
Ela se serviu de uma xícara.
— Então, o que eu perdi? — perguntou ela, virando-se de costas para o
balcão. — Vocês todas parecem confusas, como se estivessem discutindo.
— A Tessa estava prestes a nos contar o que a incomodou a noite toda
— disse Dolores, lançando-me um olhar apertado como se eu estivesse
escondendo algum segredo obscuro que ela estava prestes a arrancar de
mim.
— Ela quase não dormiu — acrescentou Ruth, e eu a olhei de soslaio.
Como diabos ela sabia disso?
Beverly tomou um gole de seu café.
— Bem, vá em frente, querida. Conte-nos.
Ela pegou a cadeira vazia de frente para Dolores e se sentou.
Tamborilei meus dedos em volta da xícara.
Passei a manhã inteira pisando em ovos perto de minhas tias, com medo
de dizer alguma coisa para não piorar as coisas. Cruzei os tornozelos sob
minha cadeira. Pensei em como colocar isso em palavras a noite toda.
Quero dizer... como você pergunta se sua mãe estava traindo o marido para
as irmãs?
Você simplesmente diz isso.
— Minha mãe teve um caso?
Beverly cuspiu seu café bem no rosto de Dolores.
Ooops.
— O que é isso, pelo caldeirão! — gritou Dolores, pegando uma toalha
de papel no centro da mesa e enxugando o rosto.
— Ela perguntou se a mãe dela tinha tido um caso — disse Ruth, com
uma expressão perplexa no rosto, como se nunca tivesse me visto antes.
Dolores olhou para a irmã.
— Eu sei o que ela disse. Eu estava me referindo ao meu repentino
banho de café.
— Desculpe.
Beverly limpou a boca e colocou a caneca de café no chão. Ela olhou
para mim e perguntou:
— O que faz você dizer isso?
O silêncio caiu sobre mim novamente, e senti meu rosto esquentar. Não
porque estivesse envergonhada, mas porque temia o que elas poderiam
dizer.
Contei a Beverly como foi minha invasão.
— Por que ele colocaria um ponto de interrogação ao lado do nome do
meu pai? Porque é questionável. Olhei para cada uma das tias.
— Marcus não é idiota. Não acho que ele tenha sido nomeado chefe por
causa de sua boa aparência. Se ele colocou isso lá... é porque sabe de
alguma coisa ou descobriu algo sobre meu pai.
Recostei-me em minha cadeira.
— Então, minha mãe traiu meu pai?
— Claro que não.
Dolores amassou a toalha de papel manchada de café em sua mão.
— Aquela bruxa adorava o chão que ele pisava. Ela nunca faria isso.
Jamais. Tenho certeza absoluta disso.
— Eu não.
Todos nós olhamos para Beverly.
— O quê? — ela deu de ombros.
— A bruxa não era uma santa. Não podemos ter certeza de que ela não
teve um caso.
De alguma forma, eu não conseguia ver minha mãe tendo um caso com
alguém que não fosse o homem que ela idolatrava.
— Então, existe uma possibilidade?
Ruth bateu com o dedo na mesa.
— Havia rumores...
— Ruth — gritou Dolores.
Fiquei olhando para Ruth.
— Que rumores?
Ela olhou para Dolores como se estivesse esperando aprovação.
— Que boatos, Ruth? — Eu insisti.
Beverly soltou um suspiro.
— Que ela já estava grávida quando se casou com seu pai.
Meu olhar percorreu o rosto de cada tia.
— Isso significa apenas que eles estavam fazendo sexo antes de se
casarem. Da última vez que verifiquei, isso não era crime. — Esperei que a
Ruth ou a Beverly elaborassem, mas elas não o fizeram. — Não estamos no
século XIX. Você não agarra o primeiro homem que lhe dá atenção porque
engravidou do filho de outra pessoa.
— Sabe de uma coisa?
Ruth estendeu a mão e cobriu minha mão com a dela.
— Por que você não liga para a Amelia e pergunta a ela?— disse ela,
com um sorriso gentil e caloroso.
Eu soltei uma baforada de ar.
— Certo. Como se essa fosse uma conversa que eu quisesse ter com ela
— eu disse. — Na verdade, não. Acho que vou passar.
Eu me encolhi por dentro só de pensar nisso. Talvez Marcus tenha
escrito isso porque também ouviu os rumores e também pensou que talvez
meu pai não fosse meu pai biológico?
Um zumbido soou na cozinha, chamando minha atenção para a
torradeira. Houve um estalo repentino e um cartão branco do tamanho de
uma carta de baralho saiu voando. Em um piscar de olhos, a mão de Ruth se
moveu para pegá-la. Com reflexos como esses, ela deveria ter sido uma
jogadora de softball.
Eu me animei. Eu realmente precisava de um trabalho para clarear as
ideias. Eu havia terminado todo o meu trabalho como freelancer com o
último design do site, portanto, não tinha mais nada para fazer por mais
uma semana.
Os olhos azuis de Ruth se arregalaram quando ela leu o cartão. Sua
cabeça se ergueu e ela olhou para mim.
— O quê?
Soltei minha xícara.
— Qual é o trabalho? Ruth? Droga. Eu sabia. Era sobre eu ter invadido
o escritório do chefe. Marcus havia me descoberto.
Dolores se inclinou e pegou o cartão de Ruth. Seus olhos se estreitaram.
Ora, ora, ora. É um trabalho. De Gilbert. Parece que o cofre foi
arrombado ontem à noite. Todas as joias, o dinheiro e o ouro
desapareceram.
— Ouro?
Isso era novidade para mim.
— Eu não fazia ideia de que havia um cofre. Por que tem um,
exatamente?
Dolores olhou para mim.
— O Festival da Noite depende de doações. Ele não existiria sem elas.
Os artistas e convidados especiais não vieram pela bondade de seus
corações. Temos que pagá-los. Realizar o evento é muito caro, mas vale a
pena. Todos nós damos o que podemos pagar. Alguns mais do que outros.
Ruth fez um beicinho.
— O que não foi muito este ano.
— Então, alguém roubou o cofre.
Eu me inclinei para a frente, com a perspectiva de trabalhar em um
novo caso me deixando animada.
— Você acha que isso tem algo a ver com a morte da Myrtle?
Dolores balançou a cabeça.
— Não vejo como as duas coisas podem estar relacionadas.
Empurrei minha cadeira para trás e me levantei.
— Bem, deveríamos ir dar uma olhada.
Coloquei minha xícara de café frio na pia e, quando me virei, minhas
tias estavam evitando meus olhos.
— Certo. O que está acontecendo?
Dolores soltou um suspiro.
— Gilbert pede especificamente que você não esteja lá.
— O quê? Me dê isso.
Com o temperamento exaltado, fui até a mesa, peguei o cartão de sua
mão e li:

Alerta de notificação.
Atenção: Grupo Merlin. Serviços necessários.
Problema: cofre arrombado. Os fundos do Festival da Noite foram
roubados. Todos os objetos de valor foram roubados.
Localização: Mercadorias e Presentes do Gilbert. Hollow Cove, Maine,
EUA.
Alteração: Solicitando que a suspeita de assassinato Tessa Davenport não
esteja envolvida ou nas proximidades.

— SuspeitA de assassinato? Aquele pequeno bastardo — sussurrei.


Uma raiva fervente aqueceu meu rosto. — Vou matar aquele merdinha.
— Modos, por favor — repreendeu Dolores. Mas eu tinha ganhado um
sorriso de Ruth.
Beverly levantou o quadril.
— Ela não está errada. Eu mesma não poderia ter dito melhor. Ele é um
merdinha.
— Então, é isso — rosnei, devolvendo o cartão a Ruth antes de rasgá-lo,
fingindo que era o rosto de Gilbert.
— Estou acabada? Não posso mais trabalhar em nenhum caso?
Senti a fúria do meu sangue subir da ponta dos pés até se instalar no
meu couro cabeludo.
Dolores se levantou e um sorriso lento apareceu em seu rosto.
— É claro que não. Gilbert não controla o Grupo Merlin. Nós é que
controlamos. Se ele está pedindo nossa ajuda, ele a receberá. — Seu sorriso
se alargou. — E isso significa todas nós.
Capítulo 12

J áTodos
era meio-dia e meia quando chegamos à Gilbert's Grocer & Gifts.
nós nos amontoamos na velha perua Volvo porque Beverly deixou
claro que não queria andar com suas novas botas de cano alto. Eu realmente
não me importava de dirigir se isso significasse que chegaríamos mais
rápido. Quanto mais cedo chegássemos, mais cedo eu poderia ver a cara de
frustração de Gilbert ao me ver e mais cedo eu poderia estrangular a
pequena alavanca de câmbio.
Isso me deixou muito feliz e feliz por dentro.
Eu estava me sentindo um pouco melhor com a perspectiva da cara de
raiva de Gilbert quando Dolores parou no meio-fio da Shifter Lane e
desligou o motor. Todos nós saímos.
Quando algo deu errado em Hollow Cove, naturalmente, a cidade
inteira ficou sabendo. E, naturalmente, todos queriam dar uma olhada.
E era exatamente isso que parecia.
Uma multidão de mais de cem paranormais, residentes e participantes
do Festival da Noite se aglomerou em torno da loja de Gilbert, com suas
vozes altas de excitação. Jeff e Cameron estavam na porta da frente com os
braços grandes cruzados sobre o peito largo. Suas posturas dominadoras
faziam com que parecessem seguranças robustos de alguma boate. Se eles
estavam aqui, isso significava que Marcus também estava.
— Vamos lá, meninas.
Dolores fechou a porta do carro com o quadril e se dirigiu para a porta
da frente, empurrando os espectadores para fora do seu caminho com um
rápido empurrão de seus braços. Beverly estava logo atrás dela, seguida por
Ruth, que acenou para algumas pessoas. Eu fiquei na retaguarda.
— ...veja... é ela! É ela! — Ouvi uma mulher dizer, o que me fez
estremecer. Abaixei a cabeça e continuei andando.
— ...aquela que matou a Vidente — veio outra voz, desta vez de um
homem.
— Por que eles a deixaram sair em liberdade? — perguntou a mesma
mulher.
— Ela não deveria estar aqui. Ela deveria estar presa — disse outra voz.
Minha pele formigava com a magia, alimentando-se de minha fúria e
enrolando-se em meus dedos antes que eu pudesse controlá-la. Eu ia
machucar alguém.
Mas então Ruth se virou e me deu um de seus sorrisos, um daqueles
contagiantes que diziam:
— Tudo vai ficar bem.
Senti a raiva diminuir e, com isso, também diminuiu a magia reprimida.
Eu tinha que aprender a controlar meu temperamento. Ou isso ou viver com
as consequências de ferir algumas pessoas ignorantes. Sim, elas eram
ignorantes e estúpidas. Além disso, eu já estava rotulado como suspeito de
assassinato. Não precisava acrescentar um assassinato real à lista.
Cerrando os dentes, mantive a cabeça baixa e segui minhas tias pela
porta de vidro da loja.
A pequena mercearia estava vazia de clientes. Em uma tarde normal,
especialmente em um dia ensolarado como este, ela deveria estar lotada.
Vozes vinham dos fundos. Olhei para os corredores e vi que havia uma
porta aberta nos fundos da loja. Aparentemente, Dolores estava nos levando
até lá.
Quando chegamos à porta, entramos em uma pequena sala semelhante a
um escritório que parecia funcionar como escritório e depósito. Ela
abrigava uma escrivaninha repleta de papéis espremidos entre caixas
empilhadas até o teto.
Meus olhos encontraram Marcus primeiro. Seu rosto estupidamente
bonito sempre parecia atrapalhar os outros - não faço ideia do motivo.
Quando seus olhos encontraram os meus, suas sobrancelhas se ergueram
com conhecimento de causa e um olhar de compreensão aguçado. Ou ele
estava esperando que eu aparecesse ou sabia que eu tinha entrado em seu
escritório na noite passada.
Não poderia me importar menos com o que ele pensava de mim naquele
momento. Eu era uma profissional. Eu era uma Merlin e tinha um trabalho a
fazer.
E, no entanto, aquele ponto de interrogação ao lado do nome do meu pai
fez com que eu voltasse a sentir raiva. A ideia de que Marcus sabia algo
sobre mim que eu não sabia realmente me irritava.
Ao lado dele estava Adan, que se virou ao ouvir nossa aproximação. A
carranca em seu rosto desapareceu ao me ver, criando um sorriso
espetacular em suas feições.
Oh. Meu. Meu Deus.
Eu lhe dei um sorriso apertado antes de desviar o olhar, com o rosto em
chamas.
Controle-se. Você é uma profissional.
Com as mãos nos quadris, vestindo uma calça cáqui, uma camisa polo e
a carranca do século, o outro ocupante não precisava de apresentações.
— O que ela está fazendo aqui? — rosnou Gilbert, cuspindo pela boca e
com o rosto cada vez mais escuro, junto com as rugas.
Olhei para o relógio do meu celular.
— Cinco segundos inteiros antes de você enlouquecer. Deve ser um
novo recorde — eu disse e joguei o celular na bolsa.
Adan riu. O som era profundo e genuíno, e aliviou minha raiva. Gostei
dele imediatamente. O fato de ele ser agradável aos olhos também ajudou.
Era mais como um doce de encher os olhos.
Dolores se virou e me deu um olhar incisivo, e eu dei de ombros. Sim,
eu sei, foi um pouco exagerado, mas a pequena metamorfa me irritou. Eu
não conseguia me conter. Era como pedir ao gato que não brincasse com o
rato. Não vai acontecer.
Gilbert e os outros estavam todos reunidos em torno de alguma coisa,
então me afastei para ter uma visão clara. Um grande cofre de metal, do
tamanho de uma máquina de lavar louça, estava no único canto do espaço
que não estava cheio de caixas. A porta do cofre estava aberta. Pelo que
pude ver, apenas uma pasta e alguns papéis estavam lá dentro. Não havia
sinal do ouro, das joias reluzentes, das pilhas de dinheiro. O cofre estava
vazio.
Com uma expressão amarga no rosto, Gilbert apontou um dedo curto e
sujo para minhas tias.
— Eu pedi que ela não se envolvesse especificamente. Vocês todos
ficaram analfabetos desde esta manhã?
Dolores se elevou sobre o pequeno metamorfo.
— Você pediu pelo Grupo Merlin. Nós quatro somos Merlins. Aqui
estamos.
Ela levantou os braços e fez um gesto para nós quatro.
— Somos o Grupo Merlin - não somos Merlins isoladas. Ou todas...
— Ou nenhuma — concluiu Ruth, dando a Gilbert seu melhor olhar de
reprovação. Amei.
— Marcus! — Gilbert se virou e o encarou. — Faça alguma coisa. Você
tem autoridade sobre eles como chefe e conselheiro. Diga a ela para ir
embora.
Meu coração batia forte na garganta enquanto eu esperava o chefe
responder. Eu não tinha ideia do que ele diria. Será que Marcus tinha
autoridade sobre o Grupo Merlin? A verdade é que eu não tinha certeza de
como as leis funcionavam aqui em Hollow Cove. E, no entanto, em seu
relatório, Marcus me apontou como o suspeito número um, mas não me
prendeu. O que significava que ele não tinha nada contra mim.
Um músculo se contraiu ao longo da mandíbula de Marcus. Seus olhos
encontraram os meus e ele disse:
— Tessa é livre para ir aonde quiser. Ela não é uma prisioneira e não
está presa.
Olha só? Isso foi inesperado.
— Pronto — eu disse a Gilbert. — Você pode fechar o bico agora para
que possamos continuar com o nosso trabalho? —
Seu franguinho miserável.
— Mas você a prendeu! — reclamou Gilbert, indignado. — Todos nós
vimos isso.
— Ela foi trazida para ser interrogada. Ela foi... uma das últimas
pessoas a ver a Myrtle viva, então ela tinha informações importantes.
Marcus ainda estava me observando. Um leve sorriso apareceu no canto
de seus lábios, que eu não tinha certeza se era para mim ou para Gilbert.
— Ela nunca foi acusada.
— Eu nunca fui acusada, repeti como uma idiota. Marcus, no entanto,
ainda estava me observando com uma intensidade que me deixou
desconfortável. Eu não sabia o que ele estava tentando fazer, mas se ele
achava que me defender na frente de Gilbert iria, de alguma forma,
amenizar o fato de ele me levar para interrogatório... Bem, não foi o que
aconteceu.
— Então, o que ela é? — argumentou Gilbert, claramente incapaz de
deixar isso de lado.
— Ela está sob... revisão — disse Marcus.
— Você acabou de inventar isso? Você não pode inventar regras quando
quiser. Quem você pensa que é? O rei de Hollow Cove?
Os olhos de Marcus se estreitaram.
— Não me diga como fazer meu trabalho, Gilbert. Eu sou o chefe.
Posso fazer o que eu quiser.
Bufei, desejando que Ronin estivesse aqui. Ele teria adorado essa
conversa.
Os olhos de Gilbert estavam redondos, parecendo que poderiam sair de
suas órbitas a qualquer momento.
— Eu não vou aceitar isso. Pelo que sabemos — ele apontou para mim,
e eu odiava como ele continuava a falar de mim como se eu não estivesse
na mesma sala, — ela matou Myrtle e roubou todo o conteúdo do cofre para
fugir facilmente.
Ah, não.
— Feche o bico antes que eu asse você no meu caldeirão, coruja —
disparei contra ele, dando alguns passos à frente. — Você não vai me culpar
por isso também. Eu não tive nada a ver com isso e você sabe disso.
A energia girou em minha cabeça e ao meu redor enquanto outro
influxo de magia subia. Eu exalei, forçando-a para baixo.
Eu ia fazer um churrasco com essa ave. Eu sei disso. Você sabe disso.
Todos nós sabemos.
Gilbert fez uma careta.
— Tudo bem. Podemos resolver isso agora mesmo.
— Ótimo. — Rolei os ombros, liberando um pouco da tensão. Ele
queria brigar? Tudo bem, eu ia lhe dar um chute na garganta.
O pequeno metamorfo me lançou um olhar conhecedor, do tipo que
dizia que ele tinha alguma informação sobre mim que eu preferia não
revelar. Ele se endireitou e disse:
— Onde você estava ontem à noite, da meia-noite às duas da manhã?
Você está se sentindo bem? Que merda.
— Por quê?
Mantive meu rosto em branco, não gostando do rumo que a conversa
estava tomando. O fato de a atenção de todos estar voltada para mim
também não ajudou.
Gilbert sorriu com algo que viu em meu rosto.
— Não me lembro de ter visto você no Festival da Noite. Você poderia
falar mais sobre o seu paradeiro?
Como eu disse. Eu ia fritar essa ave. Mas eu também poderia jogar esse
jogo.
Eu fiz um sorriso Colgate em meu rosto.
— Pensei em ficar em casa, já que o Festival só me trouxe infelicidade.
— Há! — gritou o homenzinho, jogando a mão para o alto como se
tivesse me pegado em uma mentira, o que de fato aconteceu.
— Bem, eu sei de fonte segura que você e aquele Ronin miserável
foram vistos correndo pela Shifter Lane.
Meu pulso batia forte e eu me esforçava para não deixar transparecer
minha culpa.
— Correr é um crime agora?
Droga. Isso não estava acontecendo.
— Por que você sempre me culpa por tudo? Você culpa a garota nova na
cidade, é assim que as coisas são aqui? Sinto muito que alguém tenha
arrombado o cofre de vocês. Mas eu não tive nada a ver com isso.
Marcus ainda me observava com uma intensidade séria, como se
estivesse tentando ler minha mente ou detectar um deslize de compostura
que demonstrasse minha culpa.
Sim, eu era culpado de roubar informações, mas não de roubar um
cofre.
Gilbert fez um barulho rude.
— Diga isso a ele.
O metamorfo apontou o polegar para Adan.
— A família dele doou milhares de dólares para o Festival da Noite, e
agora tudo se foi. Como vamos pagar por tudo? A cidade não tem dinheiro.
— A cidade tem reservas de emergência, Gilbert — disparou Dolores,
com os olhos duros. — Você sabe disso.
Gilbert resmungou algo em resposta, mas não consegui captar.
Meus olhos encontraram Adan, mas ele estava olhando para o cofre.
— Sinto muito pelo seu dinheiro — eu disse, assim que Adan voltou
seu olhar para mim, — mas saiba que eu não o peguei.
— Olá, Adan.
Beverly se colocou ao lado do bruxo alto e bonito.
— Nossa, nossa. Parece que toda vez que eu o vejo, você fica ainda
mais bonito com o passar dos anos.
Ela riu.
— Você me faz desejar ser... cinco anos mais jovem.
Dolores limpou a garganta em sinal de alerta. Beverly deu uma
risadinha e disse:
— Você já conheceu minha sobrinha?
Essa é a minha tia. Sempre trabalhando na sala.
Os suaves olhos cor de avelã de Adan passaram pelo meu rosto.
— Eu não tive esse prazer.
Sua voz era profunda, meticulosamente educada e bonita. Que droga.
Eu gostava muito de vozes bonitas.
Adan tentou apertar minha mão, mas Gilbert se intrometeu.
— Isso tudo é muito educado — ele zombou, e eu deixei minha mão
cair. — Mas não resolve nada.
Ele olhou para minhas tias.
— Vocês deveriam estar trabalhando na cena do crime. Tentando
solucionar esse crime, e não fazendo casamentos.
O calor subiu ao meu rosto. É isso aí. Antes do fim do dia, eu ia assar
essa corujinha.
— Então, saia do nosso caminho — ordenou Dolores e empurrou o
metamorfo menor com um golpe de seu braço longo. Gilbert murmurou
alguns palavrões com raiva, mas deu espaço para as irmãs trabalharem.
Juntas, as três tias estavam diante do cofre. Eu entrei ao lado de
Dolores, não querendo ficar de fora, mas estava realmente curioso para
saber que magia elas iriam usar. Embora eu tivesse minha carta de Merlin,
ainda havia muito que eu precisava aprender.
— Ruth — disse Dolores.
De sua grande sacola, Ruth tirou um pequeno recipiente do tamanho de
um pote de geleia, girou a tampa e espalhou um pouco de pó cor-de-rosa
sobre o cofre. O pó caiu como pó de fada, cintilando à medida que se
acomodava ao redor do cofre e cobria o chão como neve rosa e cintilante.
Foi muito bonito.
— Mostre-me o caminho que não consigo encontrar — entoou Ruth,
sua voz clara e melódica. — Deixe a magia revelar o que não pode ser visto
e restaurar o que foi deixado para trás.
O poder surgiu ao meu redor e através de mim, e eu prendi a respiração
ao sentir minhas tias se unirem em suas vontades. O derramamento de
energia de suas auras se uniu, ecoando e ressoando.
Foi fantástico.
Com uma súbita explosão de energia, duas coisas aconteceram.
Primeiro, uma explosão de luz ofuscante passou diante de nossos olhos
enquanto a energia corria pela sala. Segundo, o pó rosa de Ruth ficou
vermelho sangue escuro.
— E? — Gilbert se esgueirou por entre as tias. — Ele mudou de cor. O
que significa tudo isso? Você sabe quem arrombou o cofre?
Boa pergunta. Eu também queria saber. E Adan também, se eu
percebesse a tensão em seus ombros largos. Era quase palpável. Pobre
rapaz. Eu sentia pena dele.
Marcus, no entanto, tirou algumas fotos com seu smartphone. Sua
expressão permaneceu ilegível.
O rosto de Dolores estava sombria.
— Isso significa que quem arrombou o cofre deixou um feitiço de
ocultação que anulou o feitiço de revelação de Ruth. Infelizmente, não
podemos dizer quem fez isso. A menos que - o que realmente me
surpreenderia, considerando a quantidade de esforço que foi colocado nesse
feitiço - Marcus tenha coletado algumas impressões digitais?
O chefe balançou a cabeça.
— Não há impressões digitais. Nada.
— Foi por isso que solicitei a ajuda do Grupo Merlin — rosnou Gilbert.
— Vocês devem ver e sentir coisas além das impressões digitais comuns.
Que porcaria.
— Então, estamos procurando uma bruxa — eu disse, ignorando o olhar
de Gilbert por eu ter ousado falar.
— Sim.
Dolores deu outra olhada no cofre.
— Alguém com habilidade suficiente para realizar um feitiço complexo
como esse. Definitivamente, alguém que conhece bem a magia.
Adan cruzou os braços sobre o peito. A expressão em seu rosto dizia
tudo. Ele estava furioso, furioso porque o dinheiro de sua família havia sido
perdido e furioso porque não conseguíamos descobrir quem havia feito isso.
— Tessa?
Ruth inclinou a cabeça.
— Parece que você quer dizer alguma coisa.
Balancei a cabeça, sentindo os olhos de Marcus em mim.
— Não. Só estou pensando.
Não sei por que, chame isso de minha intuição de bruxa, mas tive a
sensação de que essa invasão e a morte de Myrtle estavam relacionadas.
Mas com a maneira como Gilbert e Marcus estavam me observando, eu não
iria compartilhar nada disso agora.
Beverly soltou um suspiro.
— Muitos bruxos de fora da cidade estão circulando por aí com o
Festival da Noite em andamento. Você tem uma lista de todas as bruxas?
Talvez possamos começar por aí. Ver quem é novo e quem não
conhecemos.
Meu olhar se voltou para Marcus. Eu tinha certeza de que ele tinha
algum tipo de lista. O cara havia dito que tinha checado todos os
participantes do festival deste ano.
Gilbert estendeu o peito com orgulho.
— De fato, eu sei. Tenho uma lista de todos os participantes. Todos
foram solicitados a se registrar online no site da cidade. E tenho um livro de
visitas que todos os participantes do festival devem assinar.
Bem, isso resolveu o mistério de onde Marcus conseguiu sua lista.
— Ótimo. Vamos precisar dessa lista — exigiu Dolores. Ela estendeu a
mão, como se esperasse que Gilbert a tivesse com ele. Talvez ele tivesse.
Uma pequena emoção me invadiu. Que bom. Algo que eu poderia fazer.
— Se dividirmos a lista entre nós quatro, será mais rápido.
Marcus limpou a garganta.
— Acho que você deveria ficar de fora, Tessa.
Não. Ele. Não disse. — O que você disse?
Com as mãos nos quadris, eu me aproximei mais.
— Eu pensei que você tinha dito que eu não estava presa. Que eu estava
livre para ir aonde quisesse?
O chefe suspirou, seu corpo inteiro se movendo enquanto ele expirava.
— Eu disse que você estava sob revisão.
Faíscas voaram - faíscas reais das pontas dos meus dedos - mas eu tinha
controle suficiente para manter minha magia apenas como faíscas. Mordi
minha língua antes que as maldições profanas saíssem de minha boca.
— Não acredito que você faria isso. Depois de tudo…
Deixei tudo às claras daquele jeito. Eu estava furiosa. Ele estreitou os
olhos, a raiva transparecendo em seu rosto, mas minha raiva venceu.
— Marcus tem razão.
Dolores olhou para mim, e uma expressão triste cruzou seu rosto.
— Algumas das bruxas podem se sentir um pouco... desconfortáveis
perto de você. Talvez não queiram falar conosco com você lá.
Levantei meus braços.
— Ótimo. Isso é ótimo. Está bem. Vou fazer minha própria
investigação.
Marcus não disse que eu não poderia, e não é como se eu precisasse de
sua permissão.
Dolores me lançou seu infame olhar de sobrancelha levantada.
Não há necessidade de dramatizar. Esse é o trabalho da Beverly.
— Ei! — disse Beverly, embora ela não parecesse chateada, mas sim
como se a irmã a tivesse elogiado.
— Preciso de um pouco de ar.
Dei meia-volta e saí, voltando pelas fileiras de corredores, lutando
contra a vontade de derrubar alguns itens das prateleiras. Isso teria feito
com que eu me sentisse muito melhor.
Eu não estava brava com minhas tias. Que diabo. Elas tinham razão. As
bruxas daquela lista provavelmente fugiriam para o outro lado se me vissem
chegando. Minhas tias teriam melhores resultados sem mim.
Além disso, eu não me importava de fazer isso sozinha. Eu gostava de
trabalhar sozinha. Todo o meu trabalho criativo era feito apenas por mim e
meu notebook. Isso fez com que minha energia introvertida fluísse.
Grandes perguntas precisavam de respostas. Se eu estivesse certo sobre
a conexão entre os dois crimes, precisaria de provas para me apoiar.
Atravessei a loja até as janelas de vidro da frente. A multidão de
espectadores ainda estava do lado de fora da loja de Gilbert, alguns com os
olhos grudados no vidro, tentando vislumbrar o que estava acontecendo lá
dentro.
Eu me preparei para os insultos enquanto estendia a mão e agarrava a
maçaneta de metal da porta.
— Tessa! — disse uma voz masculina atrás de mim que não era a de
Marcus.
Parei, apenas porque não era Marcus. Larguei minha mão e me virei
para ver Adan vindo em minha direção.
— Eu sei que isso deve parecer loucura e exagero — disse o belo bruxo.
Ele riu, coçando a nuca. — Talvez até totalmente inapropriado... mas... você
jantaria comigo hoje à noite?
Meus lábios se entreabriram e eu esperava não parecer muito chocada.
— Você quer jantar? Comigo?
Sim, eu sei como isso soou, mas eu tinha que ter certeza de que ele
sabia o que estava pedindo. Ele acabou de perder muito dinheiro da família,
e isso pode mexer um pouco com a cabeça de alguém. Ou talvez ele
estivesse apenas procurando uma distração. Isso não me incomodou. Uma
distração poderia ser exatamente o que eu precisava.
Adan sorriu, com seus dentes brancos e perfeitos aparecendo ao redor
de seus lábios cheios.
— Sim, eu sei.
— Está bem — respondi, surpreendendo-me. Tarde demais para voltar
atrás. Além disso, isso pode ser muito bom para mim. Sair e me divertir um
pouco com esse bruxo sexy.
— Pegarei você às sete.
Adan me deu mais um daqueles sorrisos brilhantes antes de se virar e ir
em direção aos outros.
Um movimento chamou minha atenção e olhei para Adan a tempo de
ver Marcus se afastando de um dos corredores e desaparecendo nos fundos
da loja.
Ele ficou ali o tempo todo.
Capítulo 13

— N ão acredito que vou sair em um encontro— disse ao meu reflexo.


— Não saio em um encontro há quanto tempo? Cinco anos?
Mais?
Esfreguei as mãos suadas em meu jeans novamente, pela quarta vez em
menos de vinte minutos. Meu corpo se contorcia de nervosismo e incerteza.
Comecei a duvidar de mim mesma, assim como havia começado a duvidar
de mim mesma no momento em que disse sim a um jantar com Adan.
Uma parte de mim não queria ir. Eu nem mesmo conhecia o cara. E se
ele fosse um verdadeiro chato e falasse apenas de esportes e carros? Eu me
mataria se ele começasse a falar sobre golfe. Não, eu me desculparia e
fugiria pela janela do banheiro. Sim, é isso que eu faria.
É claro que eu estava agindo como uma adolescente de dezesseis anos e
não como uma mulher de trinta anos. O que diabos havia de errado comigo?
Era apenas um encontro. Não é como se eu fosse para a cama com ele mais
tarde. Sexo casual não era meu estilo. Mas eu estava sozinha há muito
tempo, então era melhor manter o vinho longe de mim. Por via das dúvidas.
Combinei meu jeans escuro com uma blusa bordô clara e finalizei o
visual com minhas sapatilhas pretas. De jeito nenhum eu estava usando
salto alto. Se eu quisesse me ridicularizar, usaria saltos. Além disso, se eu
precisasse dar uma escapada rápida, as sapatilhas eram obrigatórias. Ou eu
poderia simplesmente andar descalça, mas duvidava que minhas tias
aprovassem. Meus dedos longos e magros fariam com que Adan corresse na
direção oposta.
Assim que minhas tias chegaram à Davenport House, contei a elas sobre
meu encontro com Adan. As três se transformaram em um bando de
galinhas empolgadas.
— Não se esqueça de usar roupas íntimas limpas — Ruth havia
apontado de forma tão amigável.
— E não fique falando de Jornada nas Estrelas e Arquivo X — Dolores
acrescentou, com a mão no quadril enquanto me orientava com a outra mão.
— Você vai parecer muito nerd. Você não quer assustá-lo. Os homens
querem acreditar que são mais inteligentes do que você. Mas a maioria tem
o cérebro dentro da calça e fica sentado sobre ela o dia todo - então, lá vai
você.
— Não vista nada que grite desespero também — Beverly me disse. —
Você não quer mostrar muito o decote. Não que você tenha muito a mostrar.
Mesmo assim, os homens precisam de um desafio. Se você for muito fácil,
eles vão olhar para o outro lado.
— Se isso é verdade, então como você consegue encontros? — Dolores
respondeu, fazendo Ruth rir.
Fiquei feliz por eles estarem se divertindo tanto. Você pensaria que eles
estavam indo ao encontro com Adan e não comigo. Eu não entendia o
motivo da confusão. Era apenas um encontro. Acho que o fato de você ser
de uma família de bruxos proeminente significava muito para minhas tias.
Para mim, isso significava tanto quanto uma pedra.
Depois de prender meus longos cabelos castanhos em um coque baixo e
bagunçado, apliquei sombra, delineador, rímel e protetor labial. Afastei-me
e me examinei.
— Então, como estou, Casa? — perguntei ao espelho. Depois,
acrescentei rapidamente:
— Espelho Mágico, na parede, quem agora é a mais bela de todas? Eu
ri.
O espelho da cômoda balançou, removendo meu reflexo e substituindo-
o pela imagem de uma batata.
Eu fiz uma careta.
— Legal. Muito obrigada.
Parecia que a Casa tinha senso de humor.
Suspirei e esfreguei o espaço entre minhas sobrancelhas. Minha dor de
cabeça estava de volta. Não só voltou, mas a dor estava piorando. Sem
correr riscos, tomei mais dois Tylenol.
Decidida, desci as escadas, tentando me convencer de que era uma boa
ideia, mas a agitação em minhas entranhas dizia o contrário. Cheguei ao
último degrau no momento em que a campainha da porta da frente tocou.
— Ele é pontual.
Fiel à sua palavra, Adan apareceu exatamente às sete da noite. Eu tinha
que reconhecer isso. E sexy como o diabo. Isso poderia significar
problemas.
— Vejo vocês, bruxas, mais tarde — gritei em direção à cozinha, onde
ouvi minhas tias se reunindo.
— Não vamos esperar — gritou Dolores, seguida por uma série de
risadas das outras duas. Houve um súbito silêncio na conversa, seguido pelo
tilintar característico de copos batendo juntos. Eles estavam brindando a
alguma coisa?
Balancei a cabeça. Você pensaria que elas têm dezesseis anos.
Abri a porta da frente. Adan estava na varanda da frente, com um
sorriso brilhante e iluminador, embora a luz estivesse ficando fraca com o
pôr do sol. Ele usava uma camisa preta com um par de jeans de grife, se eu
quisesse adivinhar. Eu teria que vender dez capas de livros para comprar
uma calça como aquela. Para minha sorte, eu não era uma viciada em
etiquetas como meu ex. Eu me limitava aos clássicos, que eram
principalmente qualquer coisa em preto, e esperava não precisar de outro
guarda-roupa por pelo menos dez anos.
Seus cabelos loiros estavam úmidos, e o cheiro agradável de sabonete e
loção pós-barba emanava dele.
Que o Caldeirão me ajude, mas ele estava ótimo. Parecia um modelo de
capa da GQ. Ele tinha todas as qualidades que uma mulher poderia desejar:
bonito, poderoso, confiante.
E, no entanto, fiquei feliz por ele não estar vestido de maneira muito
formal. Eu não tinha ideia de onde estávamos indo. Nunca havia pensado
em usar um vestido. Calça jeans era minha roupa de conforto.
Os lábios de Adan se contraíram. Ele sabia que eu gostava do que via.
Eu teria que ser cego para não apreciar a beleza quando ela estava bem na
minha frente. Além disso, eu era solteira, o que significava que eu podia
olhar. Que bom para mim.
O som de uma porta de carro batendo chamou minha atenção para trás
de Adan.
Marcus estava subindo o caminho de pedra em direção à varanda, com
seus olhos cinzentos duros e gelados enquanto olhava entre mim e Adan.
Ele parecia... parecia zangado.
Ele não estava usando sua jaqueta de couro característica. Apenas uma
camiseta cinza - uma minúscula camiseta cinza, esticada firmemente sobre
as duras cordas de músculos. Meus pensamentos se voltaram para aquele
peito duro e dourado que eu havia sentido uma vez. Como você se sentiu
seguro, confortável e natural. Que droga.
Meu coração deu uma pequena cambalhota para trás, e eu odiei isso.
O chefe me observou lentamente, avaliando-me e medindo minhas
roupas. Suas sobrancelhas se ergueram como se estivesse aprovando o fato
de eu não ter ficado muito sexy, como algo que Beverly teria feito. Afastei o
rubor que ameaçava pintar minhas bochechas e, em vez disso, optei por
olhar para ele.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei, com a voz firme. —
Você veio me prender? Você vai me dizer que não posso sair com ninguém
agora? É isso?
A expressão do chefe se transformou em uma expressão casual.
— Estou aqui para ver Ruth.
Ele chegou ao primeiro degrau da varanda, com os olhos fixos no
bruxo. Ele fez um aceno com a cabeça.
— Adan.
— Chefe — disse Adan, com um sorriso estranho no rosto barbeado, e
juro que o vi estufar o peito.
Revirei os olhos. Homens.
Meu coração estúpido ainda estava batendo mais forte quando Marcus
deu um passo à frente e chegou à porta. Suas costas largas, cheias de
músculos, mostravam o poder e a força de um homem com quem você não
queria se meter. Percebi então que ele havia deixado a jaqueta de propósito.
Ele estava exibindo sua força para Adan. Eu não duvidava que, em uma luta
física, Marcus daria uma surra no bruxo. Mas Adan era um bruxo, de uma
longa linhagem de bruxos poderosos, o que significava que ele poderia ferir
o chefe com um único feitiço. Embora Marcus fosse um pouco resistente a
algumas magias, ele não podia repelir tudo.
— Ah, sim — eu disse, tentando manter minha pulsação sob controle.
— Aquela coisa azul que ela está preparando para você.
Eu ainda não tinha ideia do que era a substância azul que Ruth
preparava para ele, o que parecia ser algo regular. Vendo-o assim agora,
todo territorialista e arrogante (porque essa era a única maneira de descrevê-
lo), eu estava ainda mais confusa do que nunca sobre como me sentia...
Marcus me observou por um tempo a mais.
— Aonde você está indo?
Novamente, com a voz casual, mas a dureza em seus olhos o traiu.
Eu o xinguei. Como se isso fosse da conta dele.
— Eu não sou um de seus representantes. Não me reporto a você...
— No Fabio’s em Elizabeth Town, disse Adan, com o mesmo sorriso no
rosto, olhando para o chefe como se ele fosse um inseto de aparência
estranha.
O chefe franziu os lábios.
— Hmmm. Então você vai levá-la para fora de Hollow Cove.
Qual era o problema dele? Elizabeth Town era a cidade vizinha logo
após a ponte Hollow Cove. Você podia ir a pé até lá.
— Parece ótimo. Estou morrendo de fome. Vamos lá.
Por que ele estava fazendo isso?
Marcus franziu a testa, sua atenção se voltou de Adan para mim.
— Eu lhe disse que você não poderia sair da cidade. Não quando você
está envolvida em uma investigação de assassinato em andamento.
Agora era minha vez de franzir a testa.
— Você está brincando comigo? Você vai me impedir de ir ao jantar?
Era eu, ou ele parecia feliz em fazer isso?
— Não se preocupe. Eu a trarei de volta — riu Adan com a alegria
presunçosa de uma criança contando sobre seu irmão mais velho. — Mas os
restaurantes de vocês são mais parecidos com lanchonetes, e eu queria
presentear a Tessa com uma noite especial, com ótima comida e ambiente.
Com uma expressão de dúvida, Marcus sacudiu os ombros e se colocou
ao meu lado. Não pude deixar de notar como seu peito estava próximo a
mim.
— Temos muitos ambientes agradáveis e boa comida em Hollow Cove
— disse o chefe, com uma veia latejando na testa e o maxilar cerrado. —
Você só precisa saber onde procurar.
Adan deu de ombros.
— Eu dei uma olhada. Nada que fosse bom o suficiente. Cidade
pequena. Baixas expectativas.
Ops. Essa foi a coisa errada a ser dita ao chefe, que cresceu aqui, mas
ele estava pedindo por isso.
— Baixas expectativas — repetiu Marcus lentamente, mas tive a nítida
sensação de que ele não estava se referindo à cidade.
O sorriso de Adan era lento e preguiçoso.
— Você descobriu alguma pista sobre a doação da minha família?
Marcus lhe deu um sorriso enigmático.
— Não tenho liberdade para dizer.
Oh, você gostou de dizer isso. Eu podia imaginá-lo dando cambalhotas.
Se eu não soubesse, diria que Marcus estava agindo territorialmente,
como um namorado ciumento, e me perguntei se a fera dentro dele estava
agindo. Mas por que ele faria isso? Não havia nada entre nós. Ele havia
deixado isso bem claro - para mim e para toda a cidade - quando me trouxe
para interrogatório. Por que diabos ele se importaria com quem eu
namorava? Seria porque Adan não era daqui?
Os dois homens ficaram olhando um para o outro, como dois machos
alfa esperando que um deles se submetesse. Eu não tinha certeza se deveria
ficar furiosa ou lisonjeada. Não escolhi nenhum dos dois.
Finalmente, depois de um olhar machista, Adan se aproximou de mim e
me deu o braço. — É melhor irmos. Não queremos nos atrasar para nossas
reservas.
Fiquei parada por um segundo, pensando se deveria pegar seu braço.
Decidi que sim e coloquei meu braço na dobra do dele. Por que diabos não,
certo? Estávamos em um encontro.
No momento em que peguei seu braço, senti o pulso da magia junto
com a mistura de cheiros de agulhas de pinheiro, terra úmida, folhas e flores
silvestres - o cheiro das bruxas brancas - vindo em minha direção.
Eu não sabia por que, mas naquele instante olhei para o chefe. Um
pequeno músculo se contraiu em sua bochecha, como se seu rosto quisesse
se contorcer em um rosnado feroz. Parecia que ele estava lutando para
evitar que sua fera saísse.
Ok. Eu estava recebendo sinais muito confusos agora. Eu não o
entendia. Eu precisava me afastar e clarear as ideias.
Com o meu braço envolvido pelo de Adan, ele me puxou com ele e
saímos da varanda para o caminho de lajes. Ele me levou até um sedã
esportivo Mercedes Benz cinza, um modelo que eu nunca tinha visto antes.
O bruxo abriu a porta do passageiro para mim e eu entrei, parte de mim se
perguntando se isso era apenas um show para o bem de Marcus.
Assim que Adan fechou a porta, imediatamente me senti claustrofóbica,
o que não era um bom sinal, já que tínhamos acabado de começar
oficialmente o encontro. Dizendo a mim mesma que isso era apenas
nervosismo, soltei um suspiro pelo nariz, liberando alguns dos nós de
tensão em meu intestino quando Adan abriu a porta.
O bruxo alto se enfiou atrás do volante, ligou a ignição com o apertar de
um botão e tirou o carro do meio-fio.
Eu deveria estar animada com o encontro, mas não conseguia parar de
pensar no Marcus. Que diabos foi aquilo?
E quando me virei no banco para pegar o cinto de segurança, olhei pela
janela.
Marcus estava no patamar da varanda, observando-nos, com o rosto
como uma máscara de pedra.
Capítulo 14

N oumfinal das contas, o Fabio's era um restaurante italiano muito bom, com
interior moderno de assentos e mesas cinza e laranja em uma sala de
conceito aberto com tetos de 3 metros e canos expostos. As janelas altas na
frente deixavam entrar a última luz da noite. Era um lugar confortável e,
assim que meu traseiro bateu no couro macio e cinza da cabine próxima à
janela, senti-me relaxar. Mas eu também tinha bebido minha taça de vinho
tinto recém-derramada em dois goles gigantes.
— É bom, não é? — riu Adan, sentado à minha frente na cabine. Ele
pegou a garrafa de Mazzei Concerto di Fonterutoli 2016 e encheu minha
taça até a metade. Nunca ouvi falar desse vinho, provavelmente porque eu
não tinha dinheiro para comprá-lo e ele não vinha em uma caixa.
Engolir o vinho não ia me dar nenhum ponto na categoria de primeira
impressão, mas como eu sabia que sentiria os efeitos do vinho maravilhoso
em menos de um minuto, não me importei.
Peguei meu cardápio e comecei a examinar a lista de entradas e pratos
principais. Meus olhos ficaram embaçados por um segundo e pisquei até
que minha visão ficasse clara. Minha cabeça começou a latejar novamente,
só que muito pior. Eu precisava de algo mais forte do que Tylenol . Isso
também poderia ser a maneira de meu corpo me dizer que estava ficando
vazio. Eu precisava reabastecê-lo com alguns carboidratos agradáveis. E,
puxa vida, esse cardápio tinha tudo a ver com carboidratos. Era o centro dos
carboidratos. E eu adorei. Carboidratos. Carboidratos. Carboidratos.
Depois de tomar minha decisão, dobrei meu cardápio, peguei uma fatia
de pão caseiro quentinho, empilhei a manteiga como se fosse cream cheese
e dei uma mordida.
Eu gemi.
— Uau — eu disse, mastigando e deixando a manteiga salgada explodir
em minhas papilas gustativas. — Pão bom. Pão muito bom.
Adan riu novamente. Ele era fácil de agradar. Eu gostava de um homem
que me achava engraçada. Talvez essa não fosse uma ideia tão ruim, afinal.
Enquanto eu passava manteiga em outra fatia de pão, uma mulher
bonita, mais ou menos da minha idade, vestida com uma camisa preta e
calça preta combinando, parou na beira da nossa mesa. Um bloco de papel e
uma caneta estavam presos em suas unhas pintadas de vermelho.
— Vocês já fizeram suas escolhas?
Seus olhos escuros estavam voltados para Adan, e a luxúria brilhava
neles. Ela lhe deu um sorriso preguiçoso que era íntimo demais para dar a
um estranho. Quando Adan não respondeu imediatamente, ela se inclinou,
com o quadril tocando o ombro dele.
— A Costoletta di Vitello é muito popular — ela ronronou, batendo os
cílios postiços para ele. Ela estava praticamente despindo-o com os olhos.
Ok, moça, controle-se, eu disse a ela com os olhos, não que ela tenha
notado. Sim, Adan era gostoso, mas isso era simplesmente rude. Eu não era
uma mulher ciumenta, nem insegura em relação à minha aparência, mas a
vagabunda tinha que ir embora.
— Quero a pizza siciliana — disse em voz alta. — Obrigada por ter
perguntado. E mais um pouco de pão seria bom.
A garçonete me lançou um olhar amargo, mas se afastou de Adan,
anotando meu pedido. Sim, ela ia cuspir no meu prato. Eu tinha certeza
disso.
Adan limpou a garganta.
— Vou começar com um pedido de lula frita. E depois quero a
Costoletta di Vitello.
Ele pegou meu cardápio com o dele e o entregou à garçonete, que o
pegou e lhe deu um sorriso deslumbrante antes de se afastar da nossa mesa.
— Adoro uma mulher com apetite — disse Adan enquanto tomava um
gole de seu vinho.
— Bem, você vai me amar porque estou faminta.
Terminei meu pedaço de pão, lembrando que há apenas alguns meses eu
só comia carboidratos aos domingos. Garota estúpida, estúpida.
— Então — começou Adan, enquanto colocava seu vinho no chão. —
Ouvi dizer que você se mudou recentemente de Nova York para Hollow
Cove. O que fez você decidir se mudar para lá?
Puxa vida. Eu não queria falar sobre meu ex, especialmente em um
primeiro encontro.
— Eu morei com alguém em Nova York — comecei, achando difícil
escolher as palavras enquanto minha dor de cabeça se intensificava como se
alguém tivesse colocado um martelo pneumático em meu crânio. — As
coisas não deram certo. — Respirei fundo. — Achei que uma mudança de
cenário seria bom.
Adan apertou as sobrancelhas claras e se inclinou para frente.
— Você está bem?
— Tudo bem.
Peguei meu copo de água.
— É só uma dor de cabeça. Eu não deveria ter bebido aquele vinho tão
rápido — eu disse, rindo, embora cada palavra provocasse uma dor aguda
em minha cabeça. — Tenho certeza de que ficarei bem quando a comida
chegar. Então — eu me mexi no meu assento, tentando evitar que a dor
latejante aparecesse no meu rosto, — fale-me sobre você. Disseram-me que
você é famoso.
Adan riu. O som era tão bonito. Pena que eu mal conseguia ouvi-lo por
causa das batidas na minha cabeça, o mesmo acontecendo com a conversa
dele. Eu mal conseguia entender as palavras, minha cabeça martelava
enquanto minha visão ficava embaçada de dor até que eu pudesse ver dois
Adans. Isso não era bom. Eu já tinha tido enxaqueca antes, por falta de
comida, mas essa era a enxaqueca do século - do universo.
A comida só chegou depois de meia hora. Se isso era normal ou se a
garçonete estava tentando se vingar de mim, eu não tinha ideia. E quando
ela chegou, eu não conseguia comer. Peguei meu garfo e ele continuou
escorregando dos meus dedos.
— Você precisa de ajuda?
A voz de Adan chamou minha atenção para ele, ou melhor, para os dois,
já que ele ainda era dois. Ei, dois Adans são melhores do que um, certo?
— Perdão estúpido — murmurei, com as palavras quase inaudíveis até
para mim. Que diabos eu acabei de dizer? Deixei o garfo cair novamente
quando uma série de calafrios tomou conta de mim. Uma forte mistura de
dor de cabeça e náusea me abalou, e prendi a respiração para não ficar
doente.
Ok, isso definitivamente não era uma enxaqueca normal. Intoxicação
alimentar? Talvez. Mas não do restaurante, e a única coisa que comi no
almoço foi uma banana.
Meus sentidos foram cooptados por uma infinidade de reações: o cheiro
forte da bile, o arranhão de centenas de picadas em minha pele, a sensação
de pressão atrás dos olhos.
A última coisa que eu precisava era vomitar em toda a nossa mesa.
Provavelmente eu também acertaria os dois Adans, por sorte. Não. Não vai
acontecer.
E então aconteceu a pior coisa que poderia acontecer em um encontro:
cólica.
Ah, não, não são as mensais... as outras... as de falência intestinal.
— Cooo licença — disse eu, enquanto saía cambaleando de nossa
cabine.
— Tessa? Você está bem? disse a voz de Adan.
Eu adoraria ter respondido a ele, mas se abrisse a boca, as palavras não
sairiam.
Tropeçando como um bêbado, eu me movia entre as mesas, e os rostos
passavam embaçados por mim enquanto eu me dirigia para os fundos.
Deus, por favor, não me deixe vomitar.
Vi a foto de uma mulher em uma porta e eu passei correndo por ela.
Nem me dei ao trabalho de trancar a porta, pois fui direto, bem, ok, talvez
em ziguezague, como uma bêbada, para o banheiro.
Vomitei, não uma, mas três vezes. A estranha substância preta no fundo
do vaso sanitário não foi o que me deixou um pouco assustado, mas sim o
fato de eu não me sentir melhor.
De fato. Eu me senti pior. Muito pior.
Meu corpo parecia estar sendo puxado em todas as direções, enquanto
minha cabeça não parava de bater. Gotas de suor caíam em meus olhos, e eu
sentia que estava morrendo.
O que há de errado comigo?
Dei uma olhada rápida no espelho e desejei não ter feito isso. Minha
pele estava pálida e pastosa, com olheiras. Eu parecia um zumbi. Não podia
encarar Adan assim. Não queria ver ninguém. Eu só queria ir para casa.
Saí cambaleando do banheiro e fui para a área da cozinha, segurando-
me nas paredes e concentrando-me em colocar um pé na frente do outro.
— Ei, você não pode estar aqui — gritou uma voz masculina.
Eu realmente não me importava. Eu mal conseguia me mexer, quanto
mais abrir a boca e iniciar uma conversa. Ele continuava gritando. Eu
continuava me movendo, meus olhos no que eu achava ser a porta dos
fundos.
Por milagre dos milagres, consegui passar pela porta dos fundos e sair
para o beco atrás do restaurante sem deixar um rastro de vômito preto atrás
de mim.
O ar fresco pareceu me dar um pouco de energia, e as batidas na minha
cabeça diminuíram um pouco, de modo que pude pensar além da sensação
de estar morrendo.
Era uma caminhada de trinta minutos de volta à ponte de Hollow Cove.
Eu poderia ligar para minhas tias para me buscarem, mas aí teria de explicar
o que estava errado. Eu não tinha esse tipo de energia no momento. Eu só
queria caminhar. Caminhar era bom.
— Tudo bem. Você pode fazer isso.
As palavras eram mais fáceis agora que eu tinha esvaziado a maior parte
do que estava em meu estômago.
E se eu vomitasse no caminho, bem, pelo menos estava escuro e eu só
estava dando à terra um pouco de fertilizante.
Com as pernas parecendo blocos de cimento, eu as forcei para frente e
fui em direção à calçada no final do beco. Cheguei à esquina e virei para o
leste. Se eu conseguisse chegar à Ocean Side Road, estaria bem.
Minha cabeça latejava e as lágrimas encheram meus olhos com a dor.
Eu não conseguia mais sentir minhas pernas. Será que eu ainda estava
andando? Talvez eu estivesse flutuando? Meu corpo estava úmido e frio, e
os flashes dos postes de luz e dos carros queimavam meus olhos. Minha
cabeça batia cada vez mais forte. Minha mente se confundiu até que não
havia nada além da sensação de dor e de querer que ela acabasse.
Os carros buzinaram e meus olhos se abriram. Eu nem tinha percebido
que estava no meio deles. Ok, então isso era ruim. Era hora de ligar para
minhas tias.
Peguei minha bolsa, agradecendo ao caldeirão por ela ainda estar presa
ao meu ombro de alguma forma. Respirando com dificuldade, procurei meu
celular na bolsa, mas não o encontrei. O trânsito agitado ao meu redor
tornava a concentração duas vezes mais difícil.
As batidas em minha cabeça se intensificaram. Tive um ataque de
tontura e caí de joelhos, sem energia para parar a queda ou ficar de pé.
Minha mão roçou em algo duro e escorregadio, e peguei meu celular.
Piscando com as lágrimas, passei o dedo na tela. Só que ela estava
completamente preta. Pressionei o botão lateral de energia. Nada.
O medo bateu. Que merda. Eu havia me esquecido de carregá-lo.
Minha cabeça estava nadando. Eu estava muito cansada. Talvez eu me
deite por um momento e depois me levante e comece de novo.
Senti-me cair de lado e, em seguida, minha bochecha bateu na
superfície fria e dura da calçada. Meus músculos doíam. Tudo estava
doendo.
E depois dormência. Não é bom.
Ok. Eu estava morrendo. Estava morrendo na maldita calçada. Não
podia pedir ajuda. Não podia nem ligar para o 911.
Os pensamentos estavam confusos em minha mente, e tudo o que eu
conseguia pensar era por quê? Quem havia feito isso comigo?
A escuridão se instalou nas bordas da minha mente, minha visão
escureceu. Eu sabia o que aconteceria em seguida. Se eu fechasse meus
olhos, talvez nunca mais os abrisse.
Minhas pálpebras pareciam de chumbo, puxando-se para baixo, mas eu
mal conseguia mantê-las abertas.
Ouvi o som de passos na calçada se aproximando.
E quando olhei para cima, um bode me encarava.
Capítulo 15

P isquei para os olhos com fendas horizontais. Em qualquer outro dia, eu


teria pensado que estava tendo alucinações, mas como já tinha visto esse
bode antes, sabia que não estava. Mas por que ela estava aqui? E por que
agora?
Com muito esforço, abri minha boca.
— Você? Por quê? — foi tudo o que consegui dizer.
Os olhos do bode se arregalaram e suas orelhas se achataram na cabeça,
como um cachorro faz quando está triste ou é pego roubando comida da
mesa. Eu não sabia que as cabras podiam fazer isso. Mas, por outro lado,
essa era uma cabra fantasma ou algo assim, então talvez ela fizesse as
coisas de forma diferente.
O bode abriu a boca.
— Baaaa!
Eu o encarei.
— Não. Fale. Bode.
— Baaa! — disse o bode novamente e começou a pular, movendo a
cabeça para o lado.
Ok, então esse bode era louco. Mas eu estava morrendo, então quem se
importava. Você se importa? Se eu tivesse energia para rir, eu riria. Como
não tinha, apenas pisquei os olhos.
— Meeeh! — disse o bode, e começou a arranhar freneticamente a
calçada com a pata dianteira. Em seguida, moveu uma pedra em minha
direção, chutando-a com o casco dianteiro. Certo, não era um fantasma. Ela
realmente podia mover coisas, então definitivamente não era um fantasma.
— Baaa! — ele balbuciou novamente. E então ele fez algo muito
estranho. Ele inclinou a cabeça e colocou a pedrinha na boca.
— Meh! — disse, enquanto a cuspia.
Balancei a cabeça, minha bochecha raspando a calçada fria.
O bode balançou a cabeça, claramente frustrado por eu não entender a
fala do bode. Ela pegou novamente a pedrinha na boca, com os olhos
arregalados e suplicantes.
— Baaa! Baaa! — ela baliu, cuspindo a pedrinha mais uma vez.
Revirei os olhos para a pequena pedra mais próxima do meu joelho.
Olhei para a cabra. — Pedra. Boca? — Se ela achava que eu ia colocar
aquela pedra suja, que só Deus sabe onde esteve, na minha boca, era uma
cabra estúpida. Bonitinha. Mas estúpida.
— Meh! Meh! Heh! — A cabra começou a pular novamente como se
tivesse molas em seus cascos. Ela pegou outro seixo da calçada com a boca
e olhou para mim, com a cauda curta balançando como um cachorro.
Suspirei. Eu estava morrendo de qualquer maneira, então o que
importava se eu tivesse pegado um milhão de doenças? Eu só queria que
isso passasse.
— Tudo bem. — Estiquei o braço em direção ao joelho e peguei a
pedrinha entre os dedos. Aproximei-o do meu rosto e o coloquei na boca.
Sim. Sim, eu fiz.
Assim que a pedra fria tocou minha língua, algo aconteceu.
Não, eu não vomitei. Nem mesmo cuspi.
A primeira coisa que notei foi que a pulsação em minha cabeça
desapareceu, como se um interruptor tivesse sido desligado. Em seguida,
minha visão clareou e me senti melhor, mais leve, como se a doença que
havia tomado conta de mim tivesse desaparecido. Pisquei em choque, as
cãibras, a náusea, a sensação de morte e todas as dores do meu corpo
desapareceram enquanto uma energia renovada voltava a me inundar. Meu
cérebro girou por alguns segundos, tentando mudar de marcha e dar sentido
a tudo aquilo.
Eu me sentei, olhando para a cabra.
— Nem ferrando — eu disse, movendo a pedra com minha língua e
tentando não pensar onde ela estava.
— Como você sabia?
Fiquei olhando para a cabra, realmente olhando para ela dessa vez.
Parecia uma cabra comum, normal, preta e branca, e era uma fêmea - não
um macho. Claramente, não havia nada de normal na cabra. O animal sabia
que uma pedra aliviaria minha doença - se você quiser chamá-la assim. Eu
ainda não sabia o que havia acontecido comigo. Mas eu descobriria.
Primeiro, eu precisava saber mais sobre esse bicho sobrenatural,
fantasma ou não.
A cabra inclinou a cabeça.
— Baaa... baaaaa.
— Certo. Você sabe como funciona essa comunicação. Não é mesmo?
Sentindo minhas pernas novamente, levantei-me e limpei um pouco da
sujeira do meu jeans e do meu rosto.
— Obrigado por salvar minha vida — disse à cabra, vendo seus olhos
inteligentes se arregalarem em compreensão enquanto refletiam a luz da
rua.
Ela abaixou a cabeça.
— Meh.
Entendi isso como um "não tem de quê". Quando percebi pela primeira
vez que ninguém além de mim podia ver a cabra, interpretei isso como um
mau presságio. Claramente, eu estava errada.
— Como você me encontrou?
A cabra franziu os lábios, com a mandíbula roendo como se estivesse
mastigando grama.
Olhei por cima do ombro. A rua estava deserta para uma quinta-feira à
noite. Todos estavam comendo fora ou em casa. Se a cabra não tivesse me
encontrado, eu certamente teria morrido e seria encontrada apodrecendo por
algum pobre pássaro madrugador na manhã seguinte.
Coloquei a pequena pedra em minha bochecha como se fosse uma bala
de menta ou um doce duro. Agora que eu estava melhor, pensei se deveria
voltar e ver Adan. Eu tinha saído há algum tempo, então ele provavelmente
estava preocupado. Mas então eu teria que lhe explicar sobre a cabra e a
pedra. Eu mal o conhecia, então falar sobre uma cabra que ninguém mais
podia ver não me pareceu uma boa ideia.
Eu lhe enviaria uma mensagem mais tarde para explicar. Se ele não
quisesse voltar a falar comigo depois disso, eu não o culparia. Mas essa era
a decisão certa.
Meus olhos encontraram a cabra novamente.
— Você é um familiar de bruxa?
Era a única explicação lógica que eu conseguia pensar. Os gatos eram
geralmente as criaturas preferidas quando se tratava de selecionar
familiares, mas nem sempre. Ouvi dizer que corujas, lagartos, esquilos e até
cobras e besouros podiam ser familiares de bruxas. Dependia da bruxa e do
familiar.
— Baaa — disse a cabra, balançando a cabeça. — Meh. Baaa!
Suspirei.
— O que vou fazer com você?
Ela era tão fofa. Eu não podia deixá-la aqui. Obviamente, ela havia me
seguido por algum motivo. Além disso, de alguma forma ela conseguiu
salvar minha vida. Por quê? Ficar aqui no meio da noite conversando com
uma cabra que ninguém mais podia ver não resolveria nenhum dos meus
problemas.
Eu tive uma ideia.
— Ok, Billie — eu disse à cabra, mudando mentalmente a grafia agora
que eu sabia que ela era uma cabra feminina. — Estou chamando você de
Billie porque não sei mais como chamá-la. Mas você virá para casa comigo.
Você vai voltar para casa comigo, está bem?
Com isso, Billie começou a pular para cima e para baixo com
entusiasmo, balançando a cabeça e chutando as pernas. Meu Deus, como
ela era fofa. Tive de me abster de estender a mão e apertá-la.
Isso foi um começo.
— Tudo bem, então. Vamos lá.
Com a pequena pedra ainda enfiada na bochecha, ajeitei a alça da minha
bolsa no ombro e segui para o sul. Billie caminhou ao meu lado, com minha
cabeça cheia de perguntas.
Ainda havia o assassinato de Myrtle para resolver e o recente
arrombamento do cofre de Gilbert. Mas, primeiro, eu ia descobrir o que
diabos tinha acontecido comigo, porque aquilo não era uma intoxicação
alimentar.
Não, isso era outra coisa.
Capítulo 16

Q uando voltei para a Davenport House, já eram quase dez da noite.


Encontrei as três irmãs reunidas em volta da mesa da cozinha,
saboreando uma garrafa de vinho e alguns petiscos antes de se prepararem
para sair para o Festival da Noite em duas horas. Uma olhada em minha
aparência desgrenhada e todas elas pularam de seus assentos.
— O que aconteceu? Adan fez isso com você? — Ruth foi a primeira a
estar ao meu lado, inspecionando-me em busca de ferimentos mais graves.
Acho que eu devia estar com uma aparência horrível.
— Vou matar aquele bruxo maldito — rosnou Dolores. Manchas
vermelhas marcavam seu rosto, seus longos dedos se fecharam em punhos
trêmulos.
Beverly me trouxe um copo de água.
— Deixe a Casa lidar com ele. É o que eu faria.
Balancei a cabeça e levantei as mãos.
— Não é o Adan — eu disse a elas e, presumindo que agora era seguro,
tirei a pedra da boca e observei a surpresa e o choque espelhados nos rostos
das minhas tias.
— Ele não fez nada de errado.
Ruth deu uma risadinha.
— Eu também costumava chupar pedras. Como as balas de menta da
Terra. Você limpa os dentes, não é?
Eu não sabia o que responder a isso.
— Uh... claro.
Dolores colocou a mão no quadril.
— Comece a falar. O que diabos aconteceu com você?
Tomei um gole de água e depois outro, e contei tudo a eles - desde a
intensa dor de cabeça que começou no Night Festival até os eventos do meu
encontro.
— Você ligou para o Adan para que ele soubesse onde você está? —
perguntou Beverly. — Ele provavelmente está muito preocupado.
— Não consegui. Meu telefone morreu. Ele ligou para você?
Beverly fez um aceno com a cabeça e pegou sua taça de vinho tinto.
— Sim. O belo idiota acha que você o abandonou.
Suspirei.
— Ótimo.
Droga. Eu ia ter que consertar isso.
Peguei meu telefone, fui até o balcão da cozinha, ao lado da geladeira,
onde havia deixado o carregador, e o conectei. Eu não estava ansioso por
aquela conversa. Eu realmente tinha estragado tudo com Adan, mas não
podia pensar nisso agora.
Eu me virei, de costas para o balcão, e vi Dolores me observando, com
seus olhos escuros calculistas. Billie estava mordiscando a saia de Dolores,
mas não com força suficiente para que minha tia percebesse.
Dolores fez um gesto com a mão livre.
— Então, você estava mortalmente doente e por acaso soube que
colocar uma pedra na boca a curaria?
Aí vem você.
— Não exatamente.
Dolores me lançou um olhar alarmado.
— Então como você sabia que a pedra removeria a maldição?
Minha boca se abriu, e o medo voltou a crescer.
— Eu fui amaldiçoada?
Droga, parece que há uma primeira vez para tudo.
— Sim — disseram as três irmãs juntas.
— E uma maldição muito ruim — informou Ruth, com os olhos azuis
redondos e cheios de preocupação.
O medo me invadiu com arrepios, tentei controlar minhas emoções.
— Que tipo de maldição? Perguntei, embora de alguma forma eu já
soubesse.
Dolores suspirou.
— Essa foi a pior tipo de maldição que você pode tecer. — Ela fez uma
pausa e disse: — Foi uma maldição mortal.
Meu pulso estava acelerado.
— Já imaginava isso. Mas por que alguém iria me querer morta? Por
que eu?
Você pensaria que eu estaria assustada, mas não estava. Eu estava
furiosa como o inferno. Por que alguém tentaria me matar? Eu não tinha
feito nada a ninguém, se você excluir o fato de ter abandonado Adan esta
noite. Eu não era uma santo de forma alguma, mas não merecia isso.
— Foram os amigos de Myrtle — disse Beverly. — É a única coisa que
faz sentido. Eles acham que você a matou. Eles têm espalhado todos os
tipos de rumores sobre você no Festival da Noite. Você deveria ouvir como
eles falam de você. Você ficaria com os pelos dos braços em pé.
— Ótimo.
Fechei os olhos e esfreguei as têmporas enquanto sentia outra dor de
cabeça gigante, que não tinha nada a ver com a maldição, invadir as paredes
do meu crânio.
— Você ainda não respondeu à minha pergunta — pressionou Dolores,
e eu abri os olhos para ver sua sobrancelha levantada — Poucas bruxas
sabem sobre os efeitos de alguns elementos naturais na cura de uma
maldição mortal, e isso não estava em nenhum dos livros que dei a você.
Como você sabia?
Meus olhos encontraram Billie, e um sorriso surgiu nos cantos da minha
boca.
— Ela me salvou.
— Quem salvou você? — perguntou Dolores. — Quem mais estava
com você?
Respirei fundo, preparando-me para o que estava prestes a dizer, bem
como para o ataque que viria depois.
— A cabra — eu respirei. — A cabra me salvou. Ela me disse para usar
a pedra... bem, não com tantas palavras. Mas o suficiente para que eu
entendesse que colocar uma pedra em minha boca era a coisa certa a fazer.
Dolores franziu a testa para mim.
— Exatamente a mesma que você viu na sua primeira noite no Festival
da Noite?
Suspirei.
— Exatamente a mesma.
Ruth bufou e olhou em volta com desânimo.
Dolores bateu na testa, soltando um gemido, enquanto Ruth me deu um
sorriso caloroso como se eu tivesse acabado de lhe dizer que muffins eram a
melhor coisa do mundo. Beverly jogou a cabeça para trás e bebeu o último
gole de seu vinho.
— Ela não é fruto de minha imaginação — continuei. — Ela é real. Ela
está bem aqui... nesta cozinha.
Dolores olhou para a cozinha antes de seus olhos escuros se fixarem em
mim.
— Você está nos dizendo que uma cabra está aqui... na minha cozinha.
Suas sobrancelhas se ergueram em descrença.
— Sim, é exatamente o que estou dizendo — disse a elas, e olhei para
Billie, que ainda estava trabalhando na parte de baixo da saia longa de
Dolores, mordiscando a bainha. Cabra fofa.
Dolores me lançou um olhar amargo.
— Sei que você teve uma noite longa, mas chega de cabra. Você está
tentando nos causar um ataque cardíaco? Você está tentando nos dar um
ataque cardíaco? Não há nenhuma cabra - ah!
Dolores deu um pulo para trás e bateu com a bunda na mesa da cozinha.
— Alguma coisa acabou de puxar minha saia! — gritou ela, com os
olhos arregalados.
Eu sorri.
— Isso foi a Billie.
Com isso, Ruth gritou como uma garotinha e correu pela cozinha com
uma espátula na mão, como se estivesse tentando matar algumas moscas.
— Oh, eu adoro cabras. Onde ela está? Está perto de mim? Estou com
calor ou frio? Ooh... isso é muito divertido!
— O caldeirão nos ajude — disse Beverly preguiçosamente e se serviu
de mais vinho.
— Olha, o problema é que — comecei e me coloquei ao lado da cabra,
tentando não rir do horror no rosto de Dolores. — Pensei que talvez ela
fosse um familiar de bruxa, mas isso não explicaria por que ninguém
consegue vê-la. Ainda não sei por que consigo, mas tenho a sensação de
que... se ela é um familiar... acho que isso é um feitiço ou uma maldição.
Acho que alguém fez isso com ela. Tornou-a invisível para todos.
A atenção de Billie se voltou para mim e ela começou a pular pela
cozinha novamente, batendo em uma das mesas, o que fez com que Dolores
tentasse se apoiar na mesa.
— Ela está dizendo que eu tenho razão — eu disse, vendo a reação de
Billie.
— Quem está dizendo? — perguntou Dolores, com os olhos voltados
para todos os lados ao mesmo tempo.
— A maldita cabra — disse Beverly, com a fala um pouco lenta e as
bochechas vermelhas.
— Eu sei como podemos ajudá-la — disse Ruth, enquanto olhava para
mim. — Espere aqui.
Ela saiu correndo da cozinha, passou pelo corredor e desapareceu na
sala à esquerda, que era a sala de poções. Algo caiu no chão e, em seguida,
Ruth estava de volta.
Ela pegou minha mão e colocou um pequeno recipiente nela.
— Este é o mesmo material que usamos no cofre. Você precisa borrifar
um pouco nela. Eu adoraria fazer isso, mas não consigo vê-la.
— Aposto que sim — resmungou Dolores, mas ela conseguiu se afastar
da mesa e dar um passo para perto de nós.
Seguindo as instruções, apertei os dedos em torno do pó rosa e o
espalhei sobre Billie, que permaneceu imóvel como se soubesse exatamente
o que estávamos fazendo. Seus olhos horizontalmente fechados olhavam
para mim com expectativa.
No início, achei que veria o formato da cabra, mas o pó rosa
desapareceu assim que caiu sobre ela, o que me disse que ela ainda era
invisível para todos.
— Ótimo. — Ruth pegou minha mão livre e disse: — Agora, como
você é o único que pode vê-la, isso significa que você está conectado. Só
você pode remover o feitiço.
— Se houver um — disse Dolores.
Ruth ignorou a irmã, seu corpo se mexendo nervosamente.
— Diga o feitiço de revelação, Tessa.
Olhei para minha tia.
— Uh... eu não sei.
Ruth deu uma risadinha.
— Ah, é isso mesmo. Apenas repita depois de mim. Mostre-me o
caminho que eu não consigo encontrar.
— Mostre-me o caminho que não consigo encontrar — repeti.
— Deixe a magia revelar o que não pode ser visto e restaurar o que foi
deixado para trás.
Eu expirei e disse:
— Deixe a magia revelar o que não pode ser visto e restaurar o que foi
deixado para trás.
Assim como na loja do Gilbert, a energia subiu por toda a cozinha e
através de mim em um jorro de energia da minha aura. Com a súbita
torrente de energia, um fluxo de luz ofuscante brilhou diante de nossos
olhos. O ar se deslocou e, em seguida, a magia se estabeleceu.
Em pé no meio da cozinha não estava um bode, mas uma jovem mulher.
E ela estava completamente nua.
Capítulo 17

— É uma menina! — Ruth bateu palmas, pulando sobre as pontas dos


pés, como se uma de nós tivesse acabado de ter um bebê. Sim,
minha tia era um pouco estranha, mas eu a amava do jeito que ela era.
— Uma garota muito nua — comentou Beverly, que ainda estava
sentada à mesa com os dedos em volta de uma taça de vinho. — Você tem
belos peitos, mas os meus são mais bonitos.
Dolores foi até o cabideiro de madeira ao lado da porta dos fundos,
pegou sua capa de chuva preta e a colocou em volta da jovem.
A jovem mulher. Puxa vida.
Agora que sua nudez estava coberta, olhei para seu rosto. O cabelo
preto liso e sedoso caía logo após a linha do maxilar, e seus grandes olhos
castanhos acentuavam seus traços marcantes e seu belo rosto em forma de
coração. Ela parecia alguns anos mais velha do que eu, talvez trinta e dois?
Era difícil imaginar, mas não impossível, que apenas alguns momentos atrás
essa linda mulher de cabelos pretos tivesse sido uma cabra.
— Oi — eu disse. — Eu sou a Tessa. Mas você já sabia disso. Qual é o
seu nome?
Ela era mais baixa do que eu, mais ou menos da altura da Ruth, cinco e
cinco, cinco e seis.
— Por que você era uma cabra? — Ruth bateu com o ombro em meu
braço. — Foi uma bruxa que fez isso com você? Ou você fez isso a si
mesmo por acidente? Ou talvez você estivesse se escondendo de alguém?
Você bebeu algo que não deveria ter bebido?
Coloquei uma mão no ombro de Ruth.
— Acalme-se, soldado — eu disse a ela. — Deixe-a falar. — Eu a
observei atentamente e, por um momento horrível, pensei que ela não
falaria ou talvez não pudesse.
A mulher piscou, seus olhos se moveram de mim para cada uma de
minhas tias e depois de volta para mim. Todos estavam olhando para ela,
agora que podiam vê-la.
— Eu sou a Iris — disse ela. Sua voz era suave e fraca, quase como se
ela não tivesse certeza de que havia pronunciado aquelas duas palavras em
voz alta.
Esperei que ela dissesse mais alguma coisa, mas ela não disse.
— Deixe-me pegar um pouco de água para você.
Provavelmente, ela estava desidratada devido aos efeitos da
transformação de uma cabra em uma forma humana. Mas o que eu sabia? E
me refiro à forma humana porque, claramente, ela era uma mestiça. Eu só
não sabia qual delas era.
E então, sem mais nem menos, os aromas mistos de vinagre e terra
vieram em minha direção junto com um forte pulso de magia demoníaca.
Ela era uma bruxa. Mas não era uma bruxa qualquer. Ela era uma bruxa
das trevas.
Eu sabia que minhas tias também sentiam isso, mas ninguém disse nada.
Todos nós tínhamos uma coisa em mente - ajudar essa pobre bruxa.
Virei-me para a geladeira, mas Dolores chegou antes de mim e deu a
Iris um copo grande de água.
Iris pegou o copo e o segurou por um longo momento, o suficiente para
que eu visse a sujeira acumulada sob suas unhas, e uma olhada em seus
dedos dos pés era como se ela tivesse ficado descalça por anos na fazenda.
Ela tomou um gole de água.
— Obrigada. Wow! Estou bebendo de um copo. Não me lembro da
última vez que segurei um copo.
Ela ficou em silêncio novamente, com os olhos focados na água.
— A pobre garota parece traumatizada.
Beverly apareceu ao meu lado.
— O que ela precisa é de algo mais forte do que água. Como vodca…
— Um sorriso apareceu em seus lábios quando ela acrescentou: — ... ou
Jake Collins.
Eu não estava entendendo.
— Iris. Você pode nos contar o que aconteceu com você? Quem fez isso
com você?
A bruxa das trevas tomou outro gole de sua água e balançou a cabeça.
— Eu... não me lembro.
Mais uma vez, sua expressão ficou vazia.
— Eu tenho uma poção que pode ajudar a recuperar memórias — disse
Ruth, feliz.
— Posso deixá-la pronta em um instante.
Cantarolando para si mesma, Ruth tirou um pequeno caldeirão de um
dos armários inferiores e o colocou no fogão.
— Por que você não se senta aqui? — Beverly conduziu Iris até a mesa
da cozinha, e todos nós a seguimos.
— Você deve estar cansada da sua... viagem de volta ao corpo de uma
mulher.
Eu me sentei ao lado de Iris, com as perguntas girando em minha cabeça
como uma partida de pingue-pongue.
— Obrigada por ter salvado minha vida.
Iris piscou para mim.
— Você já me agradeceu. Eu é que deveria estar agradecendo a você.
Ela puxou a mão e mexeu os dedos, como se estivesse experimentando-
os pela primeira vez.
— Bem, mais uma vez, obrigada.
Eu a observei por um momento.
— Diga-me, Iris, como é que eu era o única que podia ver você em sua
forma de cabra?
Iris colocou o copo de água sobre a mesa.
— Bem, isso é simples. Você fez magia negra.
— O quê?
— Você não fez algum feitiço de magia negra recentemente? —
perguntou Iris. — É a única maneira de você me ver. Somente alguém que
tivesse conjurado magia negra poderia ver através da maldição negra.
Dolores se inclinou para frente em sua cadeira.
— Mas como você saberia disso? Você disse que não se lembra de
quem fez isso com você. Como você sabe com certeza que foi magia negra?
Iris olhou para Dolores.
— Você é uma bruxa branca, certo? Todas vocês, menos a Tessa. Eu
pude perceber. Uma cabra tem um olfato muito forte.
— Concordo — disse Beverly, torcendo o nariz para Iris. — Muito
forte.
— Eu pude sentir a magia branca em todos vocês — continuou Iris. —
Assim como pude sentir que essa maldição era negra e foi criada por
alguém habilidoso em magia negra.— Ela olhou para seu copo de água. —
Eu só... eu só não me lembro de quem fez isso comigo.
Meu coração doeu com a emoção em sua voz.
— Então, é possível que quem amaldiçoou você também tenha colocado
algum tipo de feitiço de memória em você — falei. Eu não era um
especialista, mas, ao ouvir o aceno de Dolores, percebi que ela concordava
comigo.
— Estou trabalhando nisso! — disse a voz de Ruth, vinda do fogão.
Ela colocou algumas folhas secas em seu caldeirão e mexeu.
— Deve ficar pronto em cerca de uma hora. O primeiro lote não será tão
potente. A próxima será melhor.
Ela acenou com a cabeça.
O cheiro que vinha do caldeirão era de ovos podres. Para o bem da Iris,
eu esperava que o gosto não fosse igual ao cheiro.
— Você é uma bruxa das trevas? — Perguntei a Iris, sabendo que não
havia nenhuma bruxa das trevas em Hollow Cove, mas já tinha ouvido falar
de alguns clãs aqui mesmo no Maine. Eu nunca tinha conhecido uma bruxa
das trevas antes, e minha pulsação disparou de excitação com a perspectiva
de conversar com ela sobre demônios. Quantos ela já havia conjurado e
quais eram seus demônios preferidos? Você nunca sabia. Você nunca sabe.
Pode ser útil algum dia.
A bruxa das trevas assentiu, com um pequeno sorriso nos lábios.
— Hmm-hmm.
— Qual é a última coisa de que você se lembra?
Iris olhou para mim e seu sorriso desapareceu.
— Eu... eu me lembro do som do trânsito... depois, só escuridão...
depois, eu como uma cabra.
Suas emoções transpareceram em seu rosto - medo, raiva, confusão - e
senti pena dela.
— Iris? — Dolores observou atentamente a jovem bruxa. — De onde
você é? Você se lembra? Você pode nos contar alguma coisa sobre sua
família? Eles provavelmente estão muito preocupados com você.
Deveríamos ligar para eles.
Iris balançou a cabeça, com uma carranca em seu belo rosto.
— Eu não sei. Não consigo me lembrar.
Ela apertou os lábios em uma linha fina, com as feições concentradas.
— Por alguma razão, só consigo me lembrar do meu nome. Mas me
lembro de estar na cidade de Nova York depois que tudo aconteceu.
Ela olhou para baixo, para si mesma.
— Depois que me transformei em uma cabra. Foi um pouco chocante.
Eu ri.
— Aposto que sim.
Iris sorriu.
— Percebi rapidamente que ninguém podia me ver. E depois de
algumas horas de pânico, encontrei o caminho para o Central Park... e então
desenvolvi um desejo por grama. Você acredita nisso? Eu não conseguia
parar de comer. Tinha um gosto... um gosto bom... como se eu estivesse
comendo chocolate.
— Não há nada de errado em comer grama — comentou Ruth. — Eu
ainda faço isso. Ajuda com minha prisão de ventre.
Os olhos de Iris se arregalaram, mas ela não disse nada sobre o
comentário de Ruth sobre a grama.
Beverly cumprimentou Iris com sua taça de vinho.
— Bem-vinda à nossa loucura.
Eu ri, a Iris riu e vi a tensão visível diminuir em seus ombros.
— Decidi que minha melhor chance era encontrar outra bruxa —
continuou Iris. — Se alguém pudesse me ajudar, seriam as bruxas. Então,
saí à procura delas. Eu não conseguia me lembrar de quem eu era, mas
ainda conseguia sentir magia. Ela suspirou pesadamente. — Segui meus
sentidos e isso me levou diretamente a um grupo de bruxas. Mas elas
também não conseguiam me ver. Não importava o quão alto eu gritasse...
— Berrasse — corrigi, vendo um pequeno sorriso reaparecer em seu
rosto.
— Sim, isso — disse Iris. — Eu era invisível para eles.
Bati no tampo da mesa com meus dedos.
— Mas como você chegou aqui? É uma caminhada muito longa desde
Nova York. E com cascos.
Iris inclinou a cabeça e olhou para os dedos dos pés.
— Ouvi as bruxas falando sobre o Festival da Noite. Então entrei no
ônibus com elas. Imaginei que haveria muitas bruxas diferentes lá. Um
grupo considerável de bruxas realmente poderosas. Tinha de haver pelo
menos uma que pudesse me ajudar. — Seus olhos encontraram os meus e
ela sorriu. — E eu estava certa.
Eu ri.
— Eu não sou poderosa. Se eu fosse, teria percebido que alguém havia
me amaldiçoado. A lembrança da dor que senti com a doença provocou
uma onda de pavor em mim, mas minha raiva a esmagou.
— As maldições são complicadas, Tessa — disse Dolores, tendo lido
meu humor. — Até mesmo a melhor das bruxas às vezes é surpreendida por
maldições. Você não pode se culpar por não ter percebido.
Mas eu me culpei. Eu deveria ter percebido. Se não fosse pela Iris, eu
estaria morta.
— Bem — continuou Iris, — juntei dois mais dois e percebi que as
bruxas que segui até aqui eram bruxas brancas. Assim como a maioria das
bruxas do festival. Mas quando você me viu - quando percebi que você
podia me ver - foi quando fiz a conexão entre a magia negra e a maldição
negra. Ninguém no festival podia me ver, exceto você. Imaginei que você
tivesse se envolvido com as artes das trevas algumas vezes.
— Você estava certa. — Olhei para minhas tias. — Vocês têm alguma
pista nova sobre a Myrtle? Ou sobre o cofre?
Talvez sair com Adan não tivesse sido uma boa ideia. Eu deveria estar
aqui, trabalhando nos casos, porque agora parecia que tínhamos três: O
assassinato de Myrtle, o arrombamento e uma maldição de morte sobre
mim.
Dolores fez um som em sua garganta.
— Nada. Não conseguimos encontrar nenhuma evidência que nos desse
uma indicação clara do motivo ou dos suspeitos.
— O motivo é que eles queriam o dinheiro — disse Beverly.
Dolores lançou um olhar fulminante para a irmã.
— E quanto a Myrtle? Onde ela se encaixa? E agora Tessa?
A voz de Dolores se elevou perigosamente.
— Não estou gostando nem um pouco disso. — Ela bateu na mesa com
a mão, fazendo todos nós pularmos.
— Algo está cheirando mal.
Ruth se virou:
— Ah, desculpe, fui eu. Achei que não chegaria até você aí.
— Acho que vou ligar para Helen Morgan — disse Dolores e depois
acrescentou, diante de minha sobrancelha questionadora, — ela faz parte do
Grupo Merlin, em Boston, de onde Myrtle é. Se Myrtle estava se
envolvendo em algo ruim, ela saberá. Bem, já é um começo.
Acenei com a cabeça.
— Qualquer coisa que possa ajudar.
Porque, neste momento, precisávamos disso.
Beverly se levantou rapidamente.
— Bem, não vai adiantar nada ficarmos discutindo sobre isso.
Precisamos sair daqui. O Festival da Noite está prestes a começar em uma
hora. Que melhor maneira de encontrar pistas do que com bebida e línguas
soltas?
— Ela tem razão.
Eu me levantei, assim que Ruth desapareceu da cozinha novamente.
— Toda essa bagunça começou quando esse show de aberrações chegou
à cidade. Alguém no festival sabe de alguma coisa.
Beverly abaixou sua blusa já decotada. Ela me viu olhando e disse:
— É uma festa, querida, e eu pretendo mostrar o decote.
— Você precisa ser muito cuidadosa, Tessa — disse Dolores, desviando
meus olhos de Beverly. — As pessoas no festival acham que você matou
Myrtle. E agora, alguém tentou matar você também.
A raiva dominou meu cansaço.
— Eu sei. Mas você sabe, quem tentou me matar provavelmente pensa
que estou morto. Você está certo? O que me dá uma vantagem.
— Como assim?
— Se eles ficarem surpresos ao me ver, é porque sabem de alguma
coisa.
Não era um grande plano, mas era tudo o que eu tinha. Até descobrir
minha conexão com Myrtle e o cofre, eu não tinha muito o que fazer. Mas
alguém naquele festival queria me matar. Por quê? Não faço ideia. Mas, se
fosse a moça de terno, Winnie, o olhar de surpresa ao me ver esta noite seria
prova suficiente para mim.
— Casa! — ordenou Beverly. — Por favor, prepare o quarto de
hóspedes para a Iris.
Ela olhou para a jovem bruxa.
— E você, minha querida, precisa de um bom e longo banho.
Iris se levantou lentamente, com os braços finos e pálidos enrolados na
capa de chuva.
— Está tão ruim assim?
Beverly lhe deu um sorriso brilhante.
— Pior.
— Tessa?
A voz de Ruth veio de trás de mim.
Eu me virei.
— Sim?
Suas mãos eram um borrão e, em seguida, fui atingido no rosto por um
spray semelhante a uma névoa que cheirava fortemente a laranja, urina e
algo mais que eu não conseguia adivinhar.
Eu me encolhi.
— Se isso era xixi de gambá... vou matar você, Ruth — gritei,
esfregando os olhos e ouvindo a risada de Iris.
— Por que diabos você fez isso?
Os olhos de Ruth estavam arregalados com uma alegria frenética.
— É meu novo spray contra maldições. Acrescentei algumas cascas de
laranja para dar um pouco de aroma cítrico. Você gosta?
— Na verdade, não.
Tirei meus dedos do rosto. Eles estavam pegajosos como se eu tivesse
acabado de descascar uma laranja.
Ruth me deu uma olhada e depois, aparentemente satisfeita, disse:
— O que quer que você faça... não tome banho por mais oito horas. A
bruxa se virou e voltou para seu caldeirão fervente.
Eu reprimi a vontade de ir até lá e mergulhar sua cabeça nele. Tirando
um fio de cabelo pegajoso dos olhos, observei Beverly levar Iris para fora
da cozinha e subir a escada. A pobre bruxa teve que viver como um animal
por sabe-se lá quanto tempo. Olhando para seus dedos e pés, eu achava que
eram meses.
Quem foi malvado o suficiente para fazer isso com a Iris? E por quê?
Iris havia salvado minha vida. Eu estava em dívida com ela. Eu descobriria
quem fez isso com ela, e você teria que pagar o inferno.
Mas, primeiro, eu precisava encontrar Adan e pedir desculpas. E essa
não era uma conversa pela qual eu estava ansiosa.
Capítulo 18

D epois de me refrescar, o que significava escovar o cabelo e trocar de


roupa, já que eu não podia tomar banho, fui para o centro de Hollow
Cove e para o Festival da Noite com Iris, que, depois de seu banho
fabulosamente longo, também havia sido atingida com o spray anti-
maldição de Ruth. Por que Ruth decidiu aplicar o spray em mim antes do
meu banho? Eu não fazia ideia, e não tinha paciência nem energia para
começar a discutir isso.
Iris também tomou uma xícara grande do "elixir refrescante de
memória" de Ruth, como ela o chamava. E, apesar de ter bebido tudo, Iris
ainda não conseguia se lembrar de quem a havia amaldiçoado ou de
qualquer outra coisa, para desespero de Ruth.
— Hmmm.
Ruth observou atentamente a Bruxa das Trevas.
— Você vai precisar de uma dose tripla.
— Isso foi nojento — disse Iris assim que a porta da frente se fechou
atrás de nós.
— Isso foi só o começo. — Eu ri e dei a ela algumas balas de menta
enquanto nos dirigíamos para a multidão. As tias tinham ficado para trás,
por enquanto, por causa do caldeirão da Ruth que estava pegando fogo. Elas
disseram que nos encontrariam mais tarde.
Iris pegou emprestada minha blusa preta e combinou-a com um par de
jeans de Beverly (Dolores e eu éramos "Sasquatches" em termos de altura e
constituição física, portanto ela estaria flutuando em um par de nossos
jeans) e algumas das sapatilhas pretas de Ruth. Beverly também forneceu
calcinhas e sutiãs novinhos em folha, que, por algum motivo estranho, ela
tinha aos montes.
Beverly riu da expressão em meu rosto.
— Quando você tem que sair com pressa, nem sempre se lembra da
roupa íntima.
Não importava o que ela usasse. Iris estava deslumbrante. Olhando para
ela agora, você não imaginaria que há apenas uma hora ela era um animal
de quatro patas com cascos e coberta de pelos. Mas ela tinha sido uma cabra
bonita.
O Festival se abriu para nós com uma variedade de luzes, música,
comida e o paranormal. Era como entrar no país das fadas ou algo
semelhante. Embora fosse tão animado quanto todas as outras noites, o
Festival da Noite havia perdido seu apelo para mim e eu estava ansiosa para
que terminasse.
— Fique alerta — eu disse à Iris, mantendo minha voz baixa enquanto
nos aproximávamos da multidão de espectadores. Começamos a abrir
caminho entre as cabines e os mestiços.
— Veja se alguém reconhece você. Vamos começar com isso.
O Grupo Merlin de Nova York estava aqui em algum lugar. Talvez eles
reconhecessem a Iris. Se ela estava em Nova York quando a maldição a
atingiu, eu tinha um palpite de que talvez fosse de lá que ela era.
Ainda havia um assassino à solta e, agora, com o atentado contra minha
vida, eram dois assassinos. Ou poderia ser a mesma pessoa? Uma pequena
voz dentro de minha cabeça dizia que sim. Mas eu não teria certeza de nada
até que me aprofundasse um pouco mais.
— Então, quem é esse cara, Adan? — perguntou Iris, acompanhando
meus passos com suas pernas curtas.
— Ele é um namorado em potencial?
Ela deu uma piscadela.
Suspirei.
— Se ele era... eu arruinei minhas chances. Eu meio que o abandonei
para ir vomitar minhas tripas no restaurante caro onde ele me levou. Foi
quando você me encontrou.
— Tenho certeza de que ele entenderá se você contar a ele.
Dei de ombros.
— Talvez.
Olhei para a multidão em busca da bruxa loira, alta e bonita, mas tudo o
que consegui foram olhares e, ocasionalmente, uma expressão de desdém.
Fomos mais fundo. Uma rodada de sussurros nervosos e comentários
silenciosos percorreu a multidão de paranormais. Alguns dos mestiços mais
velhos se viraram e se afastaram, como se um olhar meu pudesse
transformá-los em pedra. A maior parte da multidão ficou apenas olhando,
mas um homem velho e grisalho rosnou:
— Assassina.
Ergui a sobrancelha para Iris.
— A multidão me adora.
Ela riu e continuamos andando em silêncio por um tempo, ambas
perdidas em nossos pensamentos.
Antes que eu percebesse para onde estávamos indo, uma tenda roxa
com fita amarela da polícia apareceu. A barraca da Myrtle. Que merda. Eu
não queria ser visto perto dali.
Um par de olhos brilhava ao lado de uma luz branca na escuridão. Em
seguida, veio a figura que possuía os olhos, acompanhada da carranca do
ano.
— Quem é? — perguntou Iris, depois de seguir meu olhar.
— Essa é a Winnie Wilde.
Olhei para a bruxa, que ainda estava usando um terno de homem,
embora este fosse vermelho e listrado, com o máximo de ódio que meu
rosto conseguia reunir. Eu tinha todos os motivos para acreditar que ela
havia me amaldiçoado. A vadia me queria morta.
O lampejo de surpresa que passou por suas feições, o leve arregalar de
seus olhos e a abertura de seus lábios foram minha resposta.
Winnie Wilde havia me amaldiçoado.
Sorri para ela e acenei com o dedo.
— Tenho que dizer, Winnie... essa foi uma jogada muito estúpida que
você fez. Mas vendo você agora usando esse terno... não tenho certeza do
que é mais estúpido.
Esperei por uma reação, mas Winnie continuou a me encarar, com o
rosto coberto por uma máscara de raiva.
— Vamos lá.
Agarrei o cotovelo de Iris e a levei na direção oposta. Não fomos muito
longe porque uma pessoa conhecida de olhos cinzentos ficou em nosso
caminho.
Iris se inclinou e sussurrou.
— Aquele é o Adan? Ele é gostoso.
Meu rosto se aqueceu ao ver seus ombros largos balançarem enquanto
ele se aproximava. — Não. Esse é o Marcus. Ele é o chefe da cidade.
Ele usava as mesmas roupas que eu tinha visto hoje cedo, embora uma
jaqueta de couro preta curta estivesse sobre seus ombros agora.
— Quem é a sua amiga?
Marcus olhou para Iris com seu olhar frio familiar, seu rosto enrugando,
pois eu tinha certeza de que ele estava sentindo o cheiro dela como uma
bruxa das trevas.
— Esta é minha prima, Iris —foi a primeira coisa que me saiu da boca.
— Ela está aqui para o festival.
Marcus olhou para mim.
— Você está dois dias atrasada.
— Cólicas — disse Iris enquanto colocava a mão abaixo do umbigo. —
As piores cólicas de todos os tempos. Eu não conseguia me mexer por dias.
Você sabe o que quero dizer?
Ela lançou um sorriso para ele.
Mesmo com o brilho fraco das luzes brancas penduradas, vi as orelhas e
o rosto de Marcus ficarem vermelhos. Ele coçou a nuca, parecendo
desconfortável. Homens.
Olhei de relance para Iris e sorri. Bruxa inteligente.
— O que aconteceu com o seu encontro? — perguntou o chefe,
aparentemente recuperado de toda a cãibra. O menor dos sorrisos curvou o
canto de seus lábios.
— Ele não deveria estar aqui para acompanhar você?
Seus olhos ficaram intensos enquanto ele me observava por um
momento.
— O encontro foi tão ruim assim?
Meus lábios se separaram.
— O encontro foi ótimo.
— Sério?
Marcus cruzou os braços sobre o peito.
— Sobre o que vocês conversaram?
Franzi a testa. Onde diabos ele queria chegar com isso? Adan havia lhe
contado que eu o havia abandonado?
— Por que você quer saber? O que é isso para você, afinal?
Marcus me observou, e seu olhar se deteve em meus lábios.
— O Grupo Merlin tem alguma novidade sobre a invasão?
— Que eu saiba, não.
Engoli, meu coração batendo um pouco mais rápido do que deveria.
Seus olhos encontraram os meus, hipnotizantes em seu brilho.
— Nada?
— Foi o que eu disse — respondi a ele.
— Ainda estamos elaborando algumas teorias. Por quê?
O chefe emitiu um som de desaprovação em sua garganta.
— A que horas você voltou do seu encontro?
Coloquei as duas mãos nos quadris e o encarei com um olhar de
reprovação.
— Você está me interrogando?
A atenção errante de Marcus passou brevemente por mim, desde meus
sapatos até meu cabelo, antes de se voltar para meus olhos. Acho que ele
percebeu que algo havia acontecido comigo, mas decidiu não mencionar.
Ou talvez ele estivesse apenas reagindo ao spray contra maldição da Ruth.
— Só não saia de Hollow Cove novamente — disse ele, divertido com
minha reação repentina. Ele se afastou, movendo-se com a graça líquida e
animal que somente um metamorfo poderia ter. Observei seu ritmo
confiante enquanto ele passava pela multidão, seu jeans se encaixando
perfeitamente em sua bunda firme, então, é claro, continuei olhando. Não
pude evitar.
— Uau. Ele é intenso —disse Iris.
— Ele é como uma mistura de pantera, lobo e urso, tudo em um pacote
apertado e sexy.
O rosto de Iris se abriu em um sorriso.
— Eu gosto dele.
— Ele é irritante — rosnei.
— Ele sabe como me irritar. Acho que ele gosta de me irritar. Isso o
excita ou algo assim.
— A tensão sexual entre vocês dois é fora de série.
Eu olhei para ela.
— O quê? Não é.
Ou era.
Iris riu.
— Sim, é verdade. Eu não tinha certeza se deveria deixar vocês dois
sozinhos para que pudessem acabar com isso em uma dessas tendas.
Ela arqueou a sobrancelha e olhou para mim.
— Ele é solteiro?
— Acho que sim.
— Então, por que vocês dois não estão fazendo um sexo muito gostoso?
Boa pergunta.
— É complicado.
Porque, principalmente, ele acha que estou envolvido de alguma forma
no assassinato de Myrtle. Pelo menos era o que eu achava. Agora eu não
tinha mais tanta certeza.
— Tess! Aí está você.
Ronin deu um passo em torno de um mestiço mais velho que o encarou
e depois continuou andando.
— Eu liguei para você a noite toda. Achei que…
Ele olhou para Iris, seus olhos se arregalaram enquanto ele a encarava.
Sua boca estava ligeiramente aberta com o que quer que ele tivesse
planejado dizer, mas aparentemente havia esquecido.
Puxa vida.
— Meu telefone está desligado.
Um sorriso surgiu em meu rosto.
— Ronin. Aqui é a Iris. Você se lembra da cabra de que falei?
— Sim...
— É ela.
A atenção de Ronin se voltou para mim.
— De jeito nenhum.
— Muito bem.
Contei rapidamente os eventos do meu encontro, a maldição assassina, a
cabra e como, com a ajuda de Ruth, consegui remover a maldição de Iris.
O meio-vampiro deu a Iris um de seus infames sorrisos de vampiro.
— Você fica bem como mulher.
Iris fez uma careta para ele, embora seus lábios estivessem sorrindo.
— Eu sempre fui uma mulher. A cabra era como um glamour - um
glamour peludo e fedorento. E estou mais do que feliz por me livrar dele.
— Bem —continuou Ronin, inclinando-se para mais perto.
— Você ainda está gostosa. Ouch!
Afastei meu punho de seu braço.
— Pare com isso, ou eu vou bater em você de novo. Ela ainda é novinha
em folha - por assim dizer -, então dê espaço a ela, seu vampiro tarado.
Percebi alguns olhares direcionados a nós, até mesmo alguns olhares
curiosos vindos de três fadas de meia-idade que estavam perto o suficiente
para escutar nossa conversa.
Os olhos de Ronin estavam fixos em Iris.
— Você tem um cabelo tão bonito...
Puxei o Ronin para frente.
— Venha, Casanova. Vamos procurar um lugar mais reservado para
podermos conversar.
A última coisa de que precisávamos agora era que o Ronin usasse seu
poder de vampiro na Iris. A pobre bruxa já estava traumatizada o suficiente.
Ronin se afastou de meu controle.
— Que cheiro é esse?
Ele se inclinou e cheirou.
— Oh. É você. Droga, garota. Você foi pulverizada por um gambá?
— Não.
Suspirei quando ouvi a Iris bufar.
— É um dos sprays contra maldições da Ruth.
Ótimo. Era isso que Marcus tinha cheirado também?
— Ela ainda está fazendo ajustes. Mas se o cheiro é ruim, significa que
está funcionando.
Mentira total, mas o que mais eu poderia dizer? E por que ele não disse
nada à Iris? Ela também tinha sido pulverizada.
Caminhamos até o final da praça da cidade, passando por alguns dos
motorhomes e trailers estacionados do outro lado da rua. O pequeno parque
próximo a ela, com a fonte que havia intoxicado centenas de duendes com
um feitiço da feiticeira Samara há apenas algumas semanas, era o lugar
perfeito para conversar em particular.
Fui até o banco mais próximo, mas alguém já estava sentado nele.
A pessoa em questão estava curvada, com uma garrafa de líquido cor de
mel, meio bêbada, pendurada na mão. A figura embriagada emitia
murmúrios pouco inteligentes, e então ouvi algumas palavras que, quanto
mais me aproximava, mais conseguia entender.
— Estúpido, estúpido — disse a pessoa. — Como pude ser tão
estúpido?
Reconheci aquela voz. Olhei de relance para Ronin antes de dar a volta
no banco e encarar o bêbado.
— Gilbert? — Perguntei, observando o queixo dele escorrendo e as
lágrimas em seu rosto. — Nossa, você está bêbado.
— Você o conhece? — Iris estava olhando para Gilbert com uma
curiosidade aberta e um pouco de desconfiança, como se fosse ele quem a
tivesse amaldiçoado.
Meu olhar percorreu o metamorfo.
— Infelizmente. Ele é o nosso prefeito.
Ronin soltou um assobio baixo.
— Você parece mais o nosso pequeno Yoda bêbado.
— Eu não estou bêbado! — grunhiu Gilbert, espalhando a bebida sobre
si mesmo. — Sou o metamorfo mais sóbrio desta cidade. Um prefeito
conhece seus limites. Um prefeito não fica bêbado. Um prefeito tem
controle.
Eu ri.
— Sim, bem, eu fico todo arrepiada por dentro quando você assume o
controle dessa forma.
A cabeça de Gilbert se inclinou para o lado até que ele finalmente
conseguiu mantê-la reta, embora seus olhos estivessem revirados para todos
os lados, nunca se fixando em mim por mais de meio segundo.
— O que você quer? — ele cuspiu.
— O Grupo Merlin está aqui para me prender! — gritou ele.
Olhei por cima do ombro. Alguns mestiços olhavam para nós.
— Shhh! Gilbert. Conhecendo você. Duvido que você queira chamar a
atenção no seu estado.
Eu não conhecia bem o metamorfo, mas sabia que ele não gostaria que
os habitantes da cidade o vissem assim. O que só poderia significar que
algo horrível havia acontecido para tirá-lo do sério.
Ele levou a garrafa aos lábios e tomou um gole. Metade entrou e metade
desceu pelo queixo. Ele engoliu e disse.
— Não importa. Para mim, está tudo acabado.
O som de fotos sendo tiradas chamou minha atenção para a esquerda.
Ronin estava com o smartphone na mão e estava clicando em Gilbert.
— Sério?
Eu olhei para o vampiro.
Ronin tirou mais uma foto e colocou o celular no bolso da jaqueta.
— Vantagem. Você nunca sabe quando eles podem ser úteis.
Apertei os lábios.
— Parece mais uma chantagem para mim.
Iris estava olhando para Gilbert com um olhar triste em seu belo rosto.
Então ela me surpreendeu quando se sentou ao lado dele no banco. O
metamorfo, porém, não percebeu.
Fiquei olhando para ele por um segundo.
— Gilbert. O que você quer dizer com "acabou tudo"? O que você quer
dizer com "acabou"?
Gilbert gemeu, com o rosto coberto de suor e lágrimas.
— Eu lhes disse que seria seguro. Eles confiaram em mim. Eu falhei
com eles.
Isso despertou meu interesse, então me aproximei.
— O que seria seguro?
Quando ele não respondeu, eu insisti.
— Eu posso ajudá-lo, Gilbert, mas você precisa me dizer o que o está
incomodando — acalmei, o mais gentilmente que pude, para alguém que eu
detestava. Ele me acusou de assassinato, entre outras coisas. Eu desprezava
o pequeno metamorfo, mas algo havia acontecido e eu precisava saber o
que era.
Gilbert se esforçou para levantar a cabeça e encontrar meus olhos, como
se ela fosse três vezes maior que seu corpo.
— Eu sou um tolo.
— Quando ele está certo, ele está certo — comentou Ronin.
Soltei um suspiro.
— Por quê? O que você fez, Gilbert? Você deve se lembrar. Eu trabalho
para o Grupo Merlin. Se algo aconteceu nesta cidade, eu preciso saber.
Gilbert escolheu um ponto em meu peito, aparentemente tentando se
concentrar, e disse:
— O anel.
Levantei minhas sobrancelhas.
— Certo, tudo bem. O anel. Que anel?
Com isso, o metamorfo começou a soluçar como um bebê. Soluços
enormes e perturbadores foram logo seguidos por um gemido assustador e
agudo. Que droga. Eu não sentia pena dele. Isso só me deixou muito
desconfortável.
— Ele está chorando?
Ronin olhou para Gilbert como se quisesse lhe dar um soco.
— Faça-o parar. O cara está desidratando. Caras não são assim.
— Por que eu tenho que fazê-lo parar?
Eu me encolhi quando os soluços de Gilbert se transformaram em
estertores e espasmos. Se ele não parasse logo, a cidade inteira o ouviria.
Iris se inclinou para mais perto e inspecionou Gilbert.
— Eu conheço alguns feitiços das Trevas que podem fechar a boca de
um homem. Funciona como um encanto — disse ela e deu uma piscadela.
— Você quer que eu experimente?
Com isso, a boca de Ronin se contorceu de forma estranha e ele olhou
para Iris como se ela fosse sexo em duas pernas.
Tudo bem.
— Uh, obrigado, mas acho que ainda preciso que ele fale.
Com as mãos nos quadris, eu me endireitei.
— Agora, você vai me contar sobre esse anel, Gilbert. Você vai me
contar sobre esse anel, Gilbert. Não me faça repetir— eu disse, fazendo
minha melhor imitação de Dolores, com voz e tudo. Até me levantei na
ponta dos pés para ganhar alguns centímetros a mais. Eu sabia que tinha
funcionado quando o metamorfo começou a falar.
— O anel do Ancião — gemeu Gilbert, e tomou mais um gole de sua
garrafa. — Ele estava no cofre da minha loja. Eu disse a eles que estaria
seguro. Que nada poderia abri-lo.
— Alguém fez isso — resmungou Ronin, e eu o olhei e o mandei calar
a boca.
— Agora você não tem mais nada por minha causa — murmurou
Gilbert. Ele inclinou a cabeça para trás e terminou o último gole de sua
bebida.
— Isso é um anel mágico? — Eu adivinhei. — Tinha que ser, já que
estava trancado em um cofre. Certo?
Pelas minhas leituras e pelo que eu sabia sobre anéis mágicos durante a
maior parte da minha vida, todos os anéis mágicos tinham propriedades ou
poderes sobrenaturais de algum tipo. Alguns anéis mágicos podiam dotar o
usuário de uma variedade de habilidades, incluindo invisibilidade e, às
vezes, imortalidade. Outros podiam conceder desejos, mas, na maioria das
vezes, os anéis mágicos eram usados como um canal para feitiços, encantos,
maldições e maldições para ajudar o usuário a direcionar sua magia.
Às vezes, os anéis mágicos eram apenas uma herança de família sem
muitas propriedades mágicas. Mas a maneira como Gilbert estava agindo
me dizia que esse anel era especial. Ou os donos eram ricos e poderosos, ou
o anel era.
Meu coração batia forte.
— Gilbert — comecei, ouvindo o medo em minha voz.
— O que há de tão especial nesse anel?
A inquietação deu um nó em minha barriga, e ele estava se apertando.
Gilbert jogou sua garrafa vazia no chão.
— O anel torna o usuário todo-poderoso, é isso. Se você for um
lobisomem, ele se tornará o lobisomem mais poderoso que já existiu. Se
você for uma bruxa, o anel tornará seus feitiços mil vezes mais eficazes,
mais fortes e mais poderosos. Você se tornará... invencível. Nas mãos
erradas, o anel pode causar devastação no mundo.
Ronin soltou alguns palavrões de cair o queixo.
— Por que diabos alguém traria algo assim para cá?
— Fazia parte da exposição — balbuciou Gilbert. Ele fungou e disse: —
Eu deveria apresentá-lo na última noite do festival como parte do show.
— O Marcus sabe? Você disse a ele que o colocou lá dentro? — Se
minhas tias soubessem, já teriam me contado, ou teriam mencionado isso no
momento em que chegamos à loja de Gilbert.
Gilbert balançou a cabeça.
— Não. Ele não sabe.
Foi o que pensei.
— A quem pertence esse anel, Gilbert?
Gilbert franziu a testa para mim, com uma pequena parte de seu estado
de embriaguez sendo removida.
— Ninguém é dono dela, você é tola. É muito perigoso. Está guardado
no Instituto de Objetos Paranormais e Mágicos com todos os outros
artefatos mágicos. Alguém mencionou de o adicionar à exposição este ano.
Meu coração bateu forte.
— Quem? Quem perguntou?
Gilbert fez uma careta e balançou a cabeça.
— Não consigo me lembrar.
Estendi a mão, agarrei-o pelos ombros e o sacudi.
— Pense. Isso é importante! Quem falou? Diga-me!
— Saia de cima de mim, sua assassina! — ele gritou, e eu o soltei,
dando um passo para trás.
— Eu sou o próximo na sua lista de vítimas! É isso mesmo?
Então ele tombou para o lado do banco, aterrissando com um baque e
um "oof".
Resisti à vontade de chutá-lo. Um homenzinho duvidoso. Mas ele havia
me dado muitas informações úteis. Quem quer que tenha se certificado de
que o anel do Ancião seria transferido para um ambiente menos seguro
provavelmente foi a mesma pessoa que o roubou, e tive a desagradável
sensação de que eles também usaram o anel para lançar aquela maldição
mortal sobre mim.
E então me dei conta. O arrombamento do cofre nunca foi por causa do
dinheiro.
O medo passou por mim. A questão sempre foi o anel.
E agora ele se foi.
Capítulo 19

F iquei em silêncio por um momento, deixando que todas essas novas


informações se acomodassem em meu grande cérebro. Embora algumas
das peças do quebra-cabeça agora se encaixassem, elas não explicavam por
que Myrtle foi morta ou por que alguém tentou me matar.
Roncos altos interromperam meu pensamento e olhei para um Gilbert
adormecido. De joelhos, ele estava com o rosto esparramado na grama e
com o bumbum no ar em uma posição muito comprometedora.
Eu sorri. Você está tão tentado a chutar...
Meus pensamentos se voltaram para um vidente conhecido em um terno
de homem e as peças se encaixaram.
— Acho que sei o que aconteceu — eu disse quando os pensamentos
confusos começaram a fazer sentido. Iris e Ronin olharam para mim.
— Você vai compartilhar? Ou teremos que arrancá-lo de você com uma
mordida? perguntou o vampiro magro.
— Por favor, diga mordida.
Acenei com a cabeça, sabendo que estava certo.
— Isso é tudo Winnie. Tudo mesmo.
Ronin enfiou as mãos nos bolsos.
— E você acha que ela roubou o anel?
Abri a boca para responder, mas fui desviada por Iris, que havia se
ajoelhado ao lado do ronco de Gilbert. Com a mão, ela arrancou alguns fios
de cabelo dele e os colocou no bolso.
Ela me viu olhando e disse:
— Nunca se sabe quando você vai precisar disso para amaldiçoá-lo.
Eu não sabia o que dizer sobre isso, então preferi não falar.
Um sorriso surgiu no rosto de Ronin enquanto ele olhava para Iris.
— Acho que estou apaixonado.
Soltei um longo suspiro.
— Winnie roubou o anel. Acho que ela o queria para se tornar mais
poderosa como vidente. Para ver mais, talvez? Não sei como a magia deles
funciona. Mas também faz sentido que Myrtle - sendo elas próximas - tenha
sabido do plano de Winnie.
— Talvez eles estivessem juntos nisso? — refletiu Ronin,
movimentando os ombros.
— Talvez. E então algo deve ter acontecido — continuei, com as
palavras saindo da minha boca. — Myrtle não concordou em roubar o anel.
Então, Winnie a matou.
— Gosto do que você quer dizer com isso — concordou Ronin.
— Acho que você pode estar no caminho certo.
Meu pulso pulsou quando tudo veio à tona.
— E então ela tentou me incriminar pelo assassinato. E quando isso não
funcionou...
— Ela usou o anel para amaldiçoar você — respondeu Iris enquanto se
endireitava.
— Faz sentido.
— Sim.
A surpresa em seu rosto ao me ver consolidou minha crença. Uma onda
de excitação e nervosismo me invadiu.
— Isso também significa que eu tenho que contar ao Marcus.
— O chefe gostoso — sorriu Iris, levantando as sobrancelhas
sugestivamente.
— Aposto que você sabe.
Ronin perdeu o sorriso.
— Ele tem um bom cabelo. É isso aí. Eu sou o cara sexy. Certo?
Ele apontou para si mesmo.
— Olá, aqui é um vampiro. Você é uma mulher? Olá?
Tirei meu celular da bolsa e, como ainda tinha três barras de energia,
liguei para Marcus.
— Ele não está atendendo — eu disse quando o telefone foi direto para
o correio de voz. — Preciso encontrá-lo.
— Eu o vi indo em direção à caverna dele antes de encontrar vocês —
ofereceu Ronin com um olhar ligeiramente irritado no rosto.
— Seu escritório?
Talvez Marcus tivesse encontrado uma nova pista e tivesse voltado para
arquivar alguma papelada.
Os olhos de Ronin estavam voltados para Iris.
— Não. Na casa dele.
De alguma forma, achei melhor falar com Marcus pessoalmente.
— Onde o chefe mora?
Ronin deu de ombros.
— No andar de cima de seu escritório. Ele é dono do prédio e tem um
apartamento no último andar. Eu me ofereci para comprá-lo dele.
E diante de minha sobrancelha levantada, ele acrescentou:
— Mais metros quadrados do que a minha casa.
Eu não tinha ideia de como Ronin ganhava a vida. Essa era uma
conversa para outro momento.
Olhei por cima do ombro e vi o prédio do chefe.
— Ronin — eu disse, voltando para trás.
— Posso confiar em você para levar Iris de volta à Casa Davenport?
Preciso falar com Marcus. Se minhas tias estiverem lá, faça-me um favor e
conte a elas o que acabei de dizer a você.
O sorriso de Ronin ficou diabólico.
— Posso levá-la para minha casa…
— Não — eu disse, vendo Iris rir.
— Casa Davenport. Estou falando sério, vampiro. Não me teste.
Ronin bateu os calcanhares e me fez uma saudação militar.
— Sim, capitão.
Em seguida, ele se aproximou de Iris e lhe ofereceu o braço, que ela
pegou com alegria.
Observei o casal se movimentar em meio à multidão de paranormais,
abrindo caminho ao redor do Festival da Noite. A cabeça de Ronin estava
erguida e orgulhosa, como se ele estivesse acompanhando a mulher mais
bonita do mundo. Eu não tinha tempo para pensar no que poderia estar
acontecendo ali. Eu tinha assuntos mais urgentes para resolver. Como
impedir que Winnie fizesse algo novamente, porque eu tinha a sensação de
que ela não pararia até que eu estivesse morta.
Quando não consegui mais ver Ronin e Iris, virei-me e atravessei a rua
em direção ao prédio de pedra cinza com letras grandes - AGÊNCIA DE
SEGURANÇA DE HOLLOW COVE.
Eu já havia estado nesse prédio várias vezes e nunca havia notado o
segundo andar. Na última vez em que estive aqui, eu estava muito ocupado
me preocupando se a porta da frente estava trancada ou se alguém estava
vindo em nossa direção quando Ronin e eu invadimos o escritório de
Marcus para sequer perceber que havia outro andar no prédio.
Agora que eu sabia, vi a entrada lateral à esquerda. As sombras se
estendiam longas e escuras em ambos os lados do edifício. A luz da rua me
iluminou o suficiente para ver para onde eu estava indo. Peguei a porta
lateral, abri-a e entrei em uma pequena entrada com uma escada alta que
levava a outra plataforma. Uma luz amarela fraca saía da única luminária do
teto.
Subi correndo as escadas até o patamar e me deparei com a única porta.
Dei uma olhada nos números estampados acima da porta - 295B. Prestei
atenção, mas não consegui ouvir nada. Talvez ele nem estivesse mais aqui.
Meu coração batia forte no peito, provavelmente por ter subido todas
aquelas escadas.
Decidido, levantei o punho e bati três vezes.
Nada.
Bati novamente.
A porta se abriu e eis que você vê um Marcus molhado, com apenas
uma toalha branca enrolada em sua cintura fina.
Ah.
Não.
Ah não.
Todos os meus pensamentos evaporaram de minha cabeça.
Congelamento instantâneo do cérebro. Sim. Ver um Marcus seminu faria
isso com uma pessoa.
— Ahn...— Eu disse, ainda sofrendo com meu congelamento cerebral,
ou melhor, com um evaporamento cerebral. E, no entanto, eu era sempre tão
articulada quando via homens supersexy seminus. Na minha cabeça.
Embora meu cérebro pudesse estar passando por um mau
funcionamento temporário, o calor percorreu o resto do meu corpo como se
eu tivesse acabado de entrar em uma sauna ao reagir a esse belo pedaço de
carne de homem. Ele tinha proporções perfeitas e era musculoso como uma
estátua grega. Seus cabelos escuros caíam ao redor de sua mandíbula
quadrada em mechas molhadas e bagunçadas, o que me fez querer passar as
mãos por eles. Ele tinha um cabelo incrível.
Para aumentar a sensualidade, Marcus se inclinou na soleira da porta.
— Tessa? O que você está fazendo aqui?
Sua voz era suave, um tom profundo e suave, e rolou sobre minha pele
como se ele a estivesse tocando.
Pisquei os olhos e engoli. E pisquei novamente.
— Por que você está usando apenas uma toalha?
Quando você estiver em dúvida, escolha o óbvio.
O chefe arqueou uma sobrancelha, com um sorriso nos lábios.
— Eu estava no chuveiro quando você bateu na porta.
— Oh. Certo.
Oh, certo? O que diabos havia de errado comigo? Meus olhos se
desviaram para seu peito bronzeado, sem gordura, apenas com músculos
magros, e meu pulso latejava na garganta. Eu mencionei que ele não tinha
pelos? Com fileiras de músculos bronzeados e muito bonitos?
Levantei o olhar quando percebi que estava olhando por tempo demais.
Marcus me viu olhando para mim e seu sorriso se alargou para mostrar um
pedaço de dente. Você está ótimo. Simplesmente fantástico.
— Sabe, você não deve cumprimentar as pessoas na porta seminu — eu
disse, desejando ter um dos panfletos do festival para abanar meu rosto
quente.
— E se eu fosse o Gilbert? Ou a Martha?
Martha não era um bom exemplo. A bruxa provavelmente teria se
jogado em cima dele.
Marcus cruzou os braços sobre o peito, com os bíceps salientes.
— Por que? Isso incomoda você?
Ele se apoiou no batente da porta, sem se envergonhar em toda a sua
glória dourada seminua.
Você deu uma risada nervosa.
— Não. Quero dizer, sim. Sim, é verdade.
Quando foi que me tornei uma tola tagarela?
Ele me olhou com aquele sorriso novamente.
— O que aconteceu com sua prima? Era Iris, não?
Pelo seu tom, percebi que ele não acreditava que Iris fosse minha prima.
No momento, isso não importava.
— Olhe — eu exalei.
— Tenho algumas notícias sobre a morte de Myrtle, o arrombamento,
tudo isso.
— Qual arrombamento? O do cofre ou o do meu escritório.
Wow? Que merda.
— O cofre —eu disse, fazendo-me de bobo, mas minha inexistente cara
de pôquer provavelmente me traiu.
— Eu sei quem é a responsável.
Eu deveria ter perguntado sobre o arrombamento de seu escritório. O
fato de não ter perguntado me fez parecer culpada. Tarde demais.
Um músculo se contraiu no rosto de Marcus.
— Quem?
— Winnie Wilde.
Marcus ficou olhando para mim.
— Winnie Wilde? Uma das videntes do festival? Aquela que acusou
você?
— Sim, sim, sim — eu fiz um aceno de mão.
— Eu sei como isso soa. Mas ouça.
Eu lhe contei rapidamente sobre o anel de Gilbert. Tudo. Até me peguei
falando sobre a Iris. Era melhor assim. Como ele era um chefe, teria
conexões e contatos sobre bruxas desaparecidas. Ele poderia ajudar a
descobrir mais sobre a origem de Iris e quem ela era. E parecia... certo que
eu estava contando tudo isso a ele.
— A Winnie tentou me matar — eu disse a ele depois de um momento.
— Ela usou o anel do Ancião e fez uma maldição mortal. Ela vai tentar
novamente. Talvez eu não tenha mais tanta sorte.
Marcus ficou ouvindo atentamente o tempo todo, sem dizer uma
palavra.
— Isso é o que você estava escondendo de mim. Há mais alguma coisa
que eu deva saber?
— Não — balancei a cabeça.
— Isso é tudo.
O olhar de Marcus se fixou em mim.
— Onde está o Gilbert agora?
— Desmaiou ao lado de um banco de praça. Ele não se lembra de quem
pediu o anel.
Um sorriso lento, preguiçoso e predatório tocou seus lábios.
— Tenho minhas maneiras de fazer as pessoas me darem o que eu
quero.
Tive a leve impressão de que ele não estava falando de Gilbert.
— Tenho certeza de que você sabe. Mas... você não deveria estar
procurando a Winnie?
— Por quê?
Meus olhos se arregalaram em exasperação.
— Por quê? Você não ouviu uma palavra do que eu disse? Ou você
perdeu meu tempo vindo aqui? Você precisa prendê-la. É isso que você
precisa fazer.
Marcus levantou uma sobrancelha.
— Prendê-la? Com base em quê? Em um palpite?
Franzi a testa, lembrando-me muito bem da rapidez com que ele havia
me arrastado para interrogatório.
— Bem, se você não quiser, eu vou.
Eu não tinha a menor ideia se o Grupo Merlin prendia pessoas. Embora
eu pudesse empurrar a Winnie pelas escadas do porão. Você pode. Isso me
deu um sorriso no rosto.
— Por que você está sorrindo?
Opa. Lá estava meu rosto novamente, me traindo.
— O quê? Nada.
Suspirei.
— Então, você realmente não vai fazer nada em relação à Winnie?
Seus olhos percorreram meu rosto como se tivesse gostado do que viu.
— Eu não disse isso. Vou dar uma olhada nisso.
— Você vai dar uma olhada nisso?
Por que eu estava repetindo suas palavras como uma idiota?
As sobrancelhas de Marcus se juntaram.
— Eu farei isso. Mas primeiro quero saber mais sobre esse anel e de
onde ele veio. E Gilbert vai me contar.
— Tudo bem.
Achei que isso era suficiente por enquanto.
— Está bem, então. Acho que vou deixar você à vontade. Tenho que ir.
Eu meio que me virei e disse:
— Se você conseguir que Gilbert fale, certifique-se de passar isso para o
Grupo Merlin.
Pisquei os olhos.
— Por favor.
Pensei em acrescentar isso, por via das dúvidas. Fiz um gesto com o
dedo para o corpo dele.
— E certifique-se de que você se cubra da próxima vez. A próxima
mulher pode pensar que você está chegando junto dela, com uma aparência
toda sexy e molhada.
Que diabos havia de errado comigo?
— O que você está fazendo? Por que você está olhando para mim desse
jeito?
Uma luz dançou em seus olhos.
— Faltam mais duas noites para o Festival da Noite.
— Exatamente, por isso precisamos agir rapidamente.
— Você vai sair de novo com o Adan?
Fiquei olhando para ele, chocada.
— Não tenho certeza.
Por que ele estava me perguntando isso?
Ele levantou uma sobrancelha.
— Você não tem certeza. Então, se ele a convidasse para sair
novamente, você não tem certeza se aceitaria?
Onde diabos isso estava indo? Será que ele estava se aproximando?
— Não — eu disse, percebendo que não queria sair com Adan
novamente. Não que ele não fosse legal. Ele era muito legal, mas ele não
tinha “aquilo”. Eu não sentia nenhuma conexão, como se ele fosse meu
primo ou algo assim. Sim, eu sabia que alguns primos se davam bem em
algumas partes do mundo, mas eu não estava indo para lá.
— Não — repeti, balançando a cabeça.
— Não vou sair em mais nenhum encon-
Marcus se inclinou para a frente e, antes que eu pudesse reagir, uma
mão forte agarrou minha cintura e me puxou para perto como se fosse
dançar um tango. Então, ele colocou seus lábios sobre os meus.
Meu cérebro explodiu.
Não vou mentir e dizer que não fantasiei um milhão de vezes sobre
beijar Marcus - especialmente depois que ele me levou nua para casa -
porque eu fantasiei. Mas vou dizer uma coisa: os devaneios não têm nada a
ver com isso, querida.
O calor correu dos meus lábios até os dedos dos pés como um flash
quente gigante. Quando sua língua tocou meus lábios, eu quase gemi. Ok,
talvez tenha sido só um pouco. O calor me percorreu quando sua mão tocou
minha bunda. Abri a boca e nossas línguas se tocaram.
Oh. Meu. Deus. Acho que acabei de entrar em combustão espontânea.
Ele tinha o sabor de um bom vinho, e eu me vi querendo mais. Não
havia nada de gentil em seu beijo. Era feroz, quase com uma necessidade
desesperada, cheio de uma paixão ardente. Caí contra ele, intoxicada por
seu cheiro, seu sabor, tudo. O desejo pulsava em minhas veias ao sentir seu
corpo duro pressionado contra o meu. Uma ponta de emoção me atingiu
quando ele soltou um pequeno rosnado. Que droga. Eu não conseguia me
lembrar da última vez que havia sido beijada daquela maneira. Oh, sim, eu
conseguia - nunca.
Minha cabeça estava nadando. Eu estava beijando Marcus. Estava
beijando o chefe e gostei muito.
Recuei antes que as coisas ficassem complicadas, o que me levou a
arrancar minhas roupas e pular no chefe ali mesmo, na plataforma. Quase vi
estrelas. Foi muito bom.
— Que diabos foi isso? — rosnei, tentando recuperar minha
compostura. Mas eu sabia exatamente o que era aquilo. Foi um beijo de
arrancar a calcinha. O beijo infernal e pulsante me deixou sem fôlego e
querendo mais. Oh, meu Deus.
Marcus estava ali, ainda usando apenas uma toalha e um sorriso
presunçoso.
— O que você acha que foi?
Meu queixo caiu.
— Se você fez isso só para provar algo para o Adan, vou dar um chute
na sua bunda - que é uma bunda muito boa - mas ainda assim vou dar um
chute nela.
Marcus riu.
— Você é uma Merlin. Você vai descobrir.
E com isso, o chefe seminu fechou a porta, deixando-me de pé na frente
dela, toda quente, incomodada e um pouco sem fôlego.
Capítulo 20

M arcusAinda
havia me beijado. E eu o beijei de volta.
bem que voltei sozinho para a Davenport House, tentando
entender o que diabos tinha acabado de acontecer. Com as emoções à flor
da pele, cambaleei como uma bêbada, sem nunca me concentrar para onde
estava indo. Eu estava bêbada por causa de um beijo. Um maldito beijo.
Você pensaria que eu era uma adolescente, reagindo ao seu primeiro
beijo. Mas o beijo de Marcus despertou em mim algo que eu nunca pensei
que sentiria novamente, não depois do que vivenciei com meu ex. Um
turbilhão de emoções passou por mim. As possibilidades, a conexão entre
nós e o calor... Ah, sim, havia isso.
Acho que Iris estava certa. Havia algo entre nós. Ou eu me recusava a
ver isso, ou simplesmente não queria ver porque tinha medo. Eu já tinha
tido minha cota de experiências ruins, então a possibilidade de começar um
relacionamento com Marcus me aterrorizava. Será que eu estava pronta
para isso? Será que eu queria isso?
Não havia como negar a química sexual entre nós. Você poderia
construir uma bomba com ela. Mas havia a atração e depois havia... todo o
resto. A atração sexual só podia ir até certo ponto. Você precisava ser
compatível. Você precisava ser amigo. Os relacionamentos exigiam muito
trabalho. Marcus era um cara de relacionamentos? Ou será que ele queria
fazer sexo gostoso, fora de cogitação, e deixar tudo por isso mesmo?
E o olhar que ele me deu? Ele parecia... presunçoso. Como se soubesse
o efeito que seu beijo teve em mim. Macaco arrogante.
Eu não podia e não queria deixar que minhas emoções tomassem
minhas decisões. Porque esse tipo de decisão acabava sendo estúpido. Eu
tinha de ser inteligente. Beijo ou não, eu não tinha dezesseis anos e, embora
o chefe fosse sexy como o pecado, eu tinha assuntos mais urgentes para
resolver. Como um anel de poder e uma bruxa maluca que queria me matar,
é isso.
A música do Festival da Noite e o som das vozes foram ficando para
trás, até que eu só conseguia ouvir meus sapatos batendo na calçada
enquanto me afastava cada vez mais. Faltavam mais duas noites do Festival
da Noite. Agora que Winnie sabia que eu estava atrás dela, esperava que
Marcus se mexesse rapidamente, pois duvidava que ela fosse ficar por aqui
por muito mais tempo.
Os raios prateados da lua desapareceram quando uma nuvem escura
apagou seu brilho, trazendo o cheiro da chuva. Cheguei à Charms Avenue e
virei à esquerda, acelerando um pouco mais as coxas. Eu não queria ser
pega pela chuva, embora a ideia de uma chuva fresca pudesse ser a coisa
certa para apagar meus flashes quentes e hormonais.
Lá estava eu novamente, pensando em Marcus. Maldito seja ele e seu
corpo gostoso.
Mas não faça isso, Tessa.
Andei mais rápido. Fagulhas de luz chamaram minha atenção para o céu
novamente.
— Relâmpago verde? Isso é estranho.
Mas aqui era Hollow Cove, onde o estranho era uma necessidade, um
modo de vida. Além disso, o relâmpago verde provavelmente era apenas
parte de algum truque do Festival da Noite.
Quando o ar caiu vinte graus um momento depois, eu sabia que algo
estava definitivamente errado.
Parei e fiquei ouvindo. Uma escuridão se arrastava por toda parte, como
uma massa esfumaçada e escorregadia que girava como uma névoa negra
etérea.
— Ok, definitivamente não é normal.
Imediatamente, uma sensação de frio percorreu minha pele como se eu
tivesse acabado de entrar em uma geladeira de tamanho humano. Um
segundo depois, uma onda de calor percorreu a superfície da minha pele,
desde as pontas dos dedos das mãos e dos pés até a cabeça. Um zumbido de
energia encheu o ar enquanto uma pulsação familiar fluía dentro e ao redor
de mim.
Magia. Magia crua e poderosa. O anel do Ancião.
Alguém estava puxando seu poder. Eu tinha certeza disso.
— Winnie? É você?
Eu zombei e dei uma olhada ao redor, mas vi apenas a escuridão densa.
— Saia, saia, onde quer que você esteja.
Esperei, sem ter certeza do que esperar. Usei minha vontade, puxando a
energia dos elementos ao meu redor enquanto me concentrava nas palavras
de poder que havia memorizado. Eu adoraria usar uma delas naquela bruxa.
— Que tal você sair e fazermos isso cara a cara? O que você acha? —
Eu disse, agarrando-me à minha magia e deixando-a vibrar dentro e ao
redor de mim enquanto ela implorava para que eu a liberasse. Ok, talvez
não fosse inteligente, já que ela tinha um anel de poder. Mas eu não
demonstraria medo a ela. Se o fizesse, eu estaria morta. Essa vadia já havia
tentado me matar uma vez. E uma vez era demais.
Com um estalo repentino, a escuridão se deslocou, diminuindo e se
afastando até que eu pudesse ver as sombras da rua novamente. Só que não
era.
A rua havia mudado de um caminho de casas pitorescas para um deserto
escuro, de conto de fadas, com uma floresta densa e árvores brilhantes.
Fiquei muito impressionada e um pouco assustada. Eu sabia que o anel
amplificava o poder de quem o usava, mas isso era um glamour e tanto.
— Belo truque— eu ri, embora tenha soado forçado e um pouco alto.
Percebi que não conseguia ouvir as festividades do Festival da Noite,
nem os grilos, nem nenhuma das criaturas noturnas.
Teci uma palavra de poder em meus lábios, meu coração batendo forte
no peito enquanto olhava ao redor. Isso era magia de verdade, não um
truque rápido e sujo. Era preciso concentração, e eu sabia que Winnie
estava aqui em algum lugar próximo.
— Impressionante — eu disse, achando que deveria estar alimentando
seu ego.
— Assustador, mas ainda assim impressionante. Então, por que você
está se escondendo? É você quem tem o anel? Que tal você sair e me
mostrar o seu lado grande e durão, hein?
Eu não tinha a menor ideia do que faria quando a visse. Pensei em
improvisar e ver o que acontecia. Sim, um bom plano.
Senti uma súbita pressão na nuca, uma forma de meus instintos me
dizerem que alguém ou alguma coisa estava me observando.
Um zumbido repentino me atingiu, seguido por um rangido alto e o
estalo de galhos se quebrando quando uma súbita e poderosa rajada de
vento me atingiu. Dei um passo para trás quando o ar ficou denso de
eletricidade. Eu sabia o que isso significava.
Um relâmpago brilhou acima de mim, iluminado por um fogo verde
repentino e furioso que desapareceu lentamente. Os sons ecoavam pelo ar,
com o crepitar dos relâmpagos e o rugido dos trovões. As nuvens furiosas
se comprimiam ao meu redor, roçando as copas das árvores e baixas demais
para serem naturais. Essa não era uma tempestade comum.
— Oh, merda.
Um raio caiu no chão, a cinco centímetros do meu pé. O calor atingiu
meu rosto como uma queimadura solar instantânea. A vadia estava tentando
me matar como se eu fosse um frango frito.
Por um momento, pensei em ir atrás dela, mas essa floresta era dela. Ela
a havia criado e poderia estar em qualquer lugar. Talvez eu nunca a
encontrasse.
— É hora de ir.
Girei e corri para a floresta, que tecnicamente, eu esperava, era a
Stardust Drive. Corri com dificuldade na direção que eu acreditava ser a
Davenport House, embora tudo o que eu visse fossem mais e mais árvores.
O ar crepitou novamente. O zumbido da eletricidade estava tão próximo
que zumbia em meu couro cabeludo.
Os instintos se acenderam, e eu me esforcei e gritei:
— Protego!
Uma meia-esfera branca e semitransparente surgiu, elevando-se sobre
minha cabeça e voltando para o chão.
Um raio verde atingiu a meia-esfera logo acima da minha cabeça e
ricocheteou.
— Viu? Você não é o único que tem um saco de truques — gritei,
levantando o punho para dar mais efeito.
Vacilei quando senti uma tontura, o pagamento por usar magia. A magia
sempre pegava o que era devido - um pedaço da força vital da bruxa - e o
tornava seu, servindo ao feitiço.
Outro raio atingiu o topo da minha meia-esfera e depois outro. Minha
meia-esfera tremeu, deixando o cheiro acre de cabelo queimado.
Eu sabia que se ficasse aqui, bem embaixo dessa maldita nuvem de
raios, acabaria ficando careca.
O ar acima de mim chiava e estalava. Agachei-me, soltei minha vontade
e, quando minha meia-esfera caiu, corri.
O raio bateu no chão onde meu pé estava há um segundo.
— Ha! Você errou! — Eu gritei. Muito imatura, eu sei, mas o medo em
minhas entranhas estava me deixando louca. Aumentei a velocidade e corri
entre árvores e arbustos que não deveriam estar lá.
A floresta era densa e escura e, se não fosse pelo relâmpago mágico que
iluminava tudo com um brilho verde assustador, eu estaria correndo às
cegas. O ar cheirava a folhas molhadas e agulhas de pinheiro, o que seria
normal, exceto pelo cheiro acre de enxofre que queimava minhas narinas.
Em uma brecha nas árvores, uma luz brilhou. Era fraca, mas eu a vi. A
luz significava o fim desse glamour da floresta, ou assim eu esperava. Tinha
de haver um fim para o alcance mágico de Winnie.
Fui em direção ao semáforo em uma corrida, quando um zumbido alto
surgiu ao meu redor, como se eu tivesse acabado de me deparar com uma
colmeia gigante. Reduzi a velocidade para uma caminhada, não gostando
nem um pouco disso. O coração palpitante invadiu meus ouvidos com uma
batida rápida.
Cliques, chilreios e zumbidos vinham de todos os lugares ao mesmo
tempo.
— Isso vai ser uma droga — murmurei e me ajeitei.
Uma névoa escura surgiu por entre as árvores.
Não.
Não é uma névoa, mas uma nuvem de milhares de insetos.
Capítulo 21

A senquanto
criaturas pairaram por um momento e depois se juntaram, girando
começavam a se juntar em uma única massa. Quase vomitei
quando ela tomou forma e se levantou, uma criatura enorme de formato
vagamente humano feita de milhares de insetos diferentes. A luz verde
brilhava de buracos gêmeos em sua cabeça de inseto. Ele tinha cerca de três
metros de altura e duas vezes a minha espessura. Suas pernas eram tão
largas quanto troncos de árvores, e seus braços eram quase tão grandes
quanto.
— Insetos? Sério?
Quando eu era bruxa, os insetos não me incomodavam. Eles eram uma
parte essencial do nosso ecossistema. Eu era sempre a primeira a salvar as
aranhas domésticas, pegando-as e deixando-as sair. Mas milhares, talvez
milhões, de répteis rastejantes se juntando para formar um réptil humanoide
gigante? Essa era uma história totalmente diferente, de arrepiar a pele.
A criatura-inseto levantou a cabeça e abriu a boca.
— Você é difícil de matar — disse ele.
Sua voz era parecida com a de uma gaita e não se parecia em nada com
a de Winnie. Mas eu sabia que ela estava ali em algum lugar, controlando
essa fera com a magia do anel.
— Mas eu vou matar você.
Fiz um aceno com o dedo.
— Winnie? É você? Ainda bem que você largou o terno. Mas estou
gostando do traje de mulher-inseto. Ou seria senhora-inseto?
— Você deveria ter deixado as coisas como estavam — disse a criatura-
inseto, balançando a cabeça de um lado para o outro. O escorregamento e o
rastejamento de milhares de insetos rastejavam e zumbiam, aumentando o
efeito sinistro geral. Droga, isso fez com que minha pele tivesse vontade de
sair do meu próprio corpo e fugir.
— Efeitos visuais dignos de um Oscar — eu disse a ele.
— Mas não vou deixar você me matar. Eu tenho algum respeito por
mim mesma.
Os insetos se moviam ao longo do rosto da coisa, puxando e espalhando
até parecer que ela estava sorrindo. Que horror.
— Vou fazer muito pior com você... do que fiz com ela.
Eu dei um sorriso.
— Obrigado pelo aviso.
A criatura-inseto levantou os braços, gesticulando e fazendo minha pele
formigar.
— Você não é nada. Você não é nada. É apenas uma aspirante a bruxa
que nasceu na família certa. Você não é uma bruxa de Davenport.
Apertei os lábios em pensamento. "Tomayto... tomahto..."
Os insetos deslizaram sobre suas feições em uma profunda carranca.
— Você deveria ter ficado longe. Você deveria ter ficado em Nova York.
Eu inclinei minha cabeça.
— Qual é o problema, Winnie? Você não foi abraçada o suficiente
quando criança? É isso?
A criatura-inseto levantou um braço e apontou para mim.
— Você está acabada.
— Eu já acabei? Não. Estou apenas me aquecendo.
A criatura inseto agitava os braços e gemia, um som de milhares de
vespas furiosas e vento uivante.
Minha mandíbula cerrou-se enquanto eu reunia minha vontade e me
concentrava, tocando os elementos à medida que a energia fluía através de
mim.
— Vamos lá, joaninha.
Então, ele abriu a boca, ou a parte dos insetos rastejantes que parecia
parte da mandíbula, e eu pude ver a escuridão dentro dele, movendo-se em
uma escuridão escorregadia.
Brotos de vespas e gafanhotos saíram da criatura inseto como uma
mangueira de bombeiro. (Sim, eu sei como isso soa.)
Levantei meus braços e gritei:
— Ventum! — Despejando minha energia enquanto alcançava o vento.
Uma rajada poderosa saiu de minhas mãos estendidas e atingiu o grupo
de insetos como um mata-moscas gigante. A força fez com que metade
deles explodisse na direção oposta, enquanto a outra metade se chocou
contra as árvores ao redor.
Senti uma queda de energia quando a palavra de poder foi paga. Mas eu
estava cheio de adrenalina e tinha muito mais luta em mim.
Quando ouvi o uivo, já era tarde demais.
Um punho feito por um inseto esmagou a lateral da minha cabeça. Caí
no chão de joelhos, piscando as lindas estrelas brancas e pretas da minha
visão enquanto sentia o gosto de sangue.
— Ai — cuspi no chão.
— Nada mal.
A criatura inseto riu, uma gargalhada horrenda, zumbida e úmida que
me deu um choque de medo e quase me fez vomitar.
— Você definitivamente não bate como uma garota. — Cambaleei até
ficar de pé, cansada, mas principalmente irritada.
— Mas eu também não.
Eu havia aprendido uma nova palavra de poder há algumas semanas.
Provavelmente a mais perigosa. Disseram para você nunca usá-la. As
bruxas provavelmente morriam ao usá-la... e eu estava louca o suficiente
para tentar.
A criatura inseto correu para mim.
O poder dos elementos se agitou em mim.
— Evorto! — Eu gritei enquanto o poder e a magia percorriam meus
braços estendidos e atacavam a criatura-inseto.
A criatura cambaleou quando o poder a atingiu, e seus olhos
improvisados brilharam em verde, cheios de ódio. Seu corpo cresceu e
cresceu à medida que uma fumaça esverdeada e nojenta saía de seu corpo.
Ela abriu a boca para gritar, mas explodiu em uma massa de pedaços de
insetos e vísceras, como se tivesse engolido uma granada.
Eu me abaixei, mas, é claro, não rápido o suficiente, e fui atingida por
gosmas escorregadias e pequenas coisas duras nas quais eu não queria nem
pensar. Graças ao caldeirão, fechei minha boca a tempo.
A exaustão tomou conta de mim com o esforço da palavra de poder, e
eu olhei para o sangue e as entranhas dos insetos.
— Você é uma pessoa desagradável. Você sabe disso?
Eu sabia que Winnie ainda não havia terminado comigo e não estava
disposta a ficar sentada esperando seu próximo truque.
Sentindo que estava precisando muito de um banho, comecei a correr
novamente.
Algo duro me acertou no peito e me fez saltar para trás como se tivesse
sido atingido por uma tábua de madeira.
Bati no chão com força, minha respiração escapando dos pulmões.
Rolando, tentei colocar um pouco de ar em meus pulmões, mas cada
respiração causava uma dor aguda em minhas costelas. Bem, droga. Achei
que poderia ter quebrado uma ou duas costelas.
Tecendo uma palavra de poder em minha cabeça, eu me levantei,
deixando minha magia girar ao meu redor.
A madeira estalou, e um carvalho de seis metros se inclinou para a
frente e levou um galho tão grosso quanto minha cintura em direção à
minha cabeça.
Bem, que merda.
Caí no chão e rolei novamente, minha palavra de poder evaporando do
meu cérebro enquanto o medo a substituía. Folhas roçaram o topo da minha
cabeça, dizendo-me que eu tinha acabado de perdê-la.
— Ótimo. Agora as árvores estão me atacando.
Recuando, levantei-me rapidamente, com a adrenalina encobrindo parte
da dor em meu peito, e corri para a frente, sem saber para onde estava indo
e sem me importar. Eu só queria sair dessa floresta.
Naquele momento, eu sabia de duas coisas. Primeiro, eu tinha que pegar
o anel da Winnie e, segundo, se eu não saísse dessa floresta esquecida por
Deus, as árvores iriam me esmagar como um inseto.
O barulho de madeira sendo triturada dividiu o ar atrás de mim.
Algo agarrou meu tornozelo e me puxou para trás. Gritei quando uma
dor lancinante surgiu ao redor do meu tornozelo e algo frio cortou minha
pele.
Eu me virei e vi uma trepadeira verde-escura com espinhos pretos
enrolada em meu tornozelo. Bem, pelo menos eu sabia de onde vinha a dor.
— Eu realmente odeio a floresta de vocês! — gritei.
Chutei a trepadeira com a outra perna, e a maldita coisa se apertou em
volta do meu tornozelo, fazendo-me sibilar. Cerrando os dentes, estendi a
mão com os dedos ardendo de dor, escorregando e deslizando em meu
sangue enquanto tentava desesperadamente arrancar a trepadeira do
tornozelo. Mas quanto mais eu puxava, mais o cipó se apertava.
— Eu odeio mais essas videiras! — Se eu não estivesse sentindo tanta
dor e com medo, poderia ter admirado a magia e o controle dos elementos
dessa forma. Mas, neste momento, parecia que alguém estava colocando
uma lâmina de barbear no meu tornozelo e serrando.
Depois de alguns segundos tentando puxar a trepadeira e falhando,
minhas mãos estavam rasgadas, escorrendo sangue e parecendo aquela vez
em que fui atacada por uma horda de gatos selvagens porque tentei acariciar
um deles - bem, agarrar um deles.
Um estalo chamou minha atenção para a esquerda. E então observei,
horrorizada, como outra videira do inferno se ergueu do chão e se enrolou
em meu outro tornozelo.
O que? Que merda.
Depois, um terceiro. Um quarto. Um quinto e um sexto.
— Por que tenho a sensação de que algo ruim está prestes a acontecer?
Os cipós ao redor dos meus tornozelos se ergueram e, de repente, me vi
erguido no ar, balançando de cabeça para baixo a partir dos tornozelos e
olhando para o chão.
Foi aí que comecei a entrar em pânico.
O sangue subiu à minha cabeça, dificultando a concentração. Minhas
costelas ardiam com o esforço para respirar. Pisquei os olhos para o mundo
de cabeça para baixo e observei as vinhas se juntarem às árvores,
chicoteando o ar aparentemente por vontade própria. Elas se contorceram
juntas no que eu suspeitava ser um taco de beisebol improvisado.
As árvores iam me usar como uma piñata de bruxa.
Oh, diabos, não.
Isso deu início ao meu modo de sobrevivência. Que se dane isso. Eu ia
queimar todos eles.
Os cipós em volta dos meus tornozelos se apertaram, como se tivessem
percebido o que eu estava prestes a fazer. Tremendo com o esforço, eu me
levantei, coloquei minhas mãos em volta dos cipós em meus tornozelos, me
agarrei à minha vontade e gritei:
— Accendo!
O fogo jorrou de minhas palmas quando a magia me arrancou em uma
explosão ofuscante de agonia, como se eu tivesse enfiado a mão em meu
estômago e arrancado um monte de entranhas. O fogo se arrastou e se
espalhou pelas videiras, selvagem e faminto, até subir e alcançar as árvores.
O cheiro de madeira queimada tornou-se evidente, misturando-se ao aroma
forte de enxofre.
E, assim como qualquer incêndio na floresta, ele se espalhou, crescendo
até que o mundo ao meu redor se transformou em uma mistura de lindos
laranjas, amarelos e vermelhos. E então, como se as cortinas da magia de
Winnie tivessem caído, o glamour se dissipou, revelando fileiras de casas
familiares e sebes bem aparadas.
Funcionou. O que também significava que agora eu estava solta.
Bati no chão com força, primeiro nas costas e depois na bunda.
— Ow.
— Tessa? O que diabos você está fazendo no gramado da frente?
Eu conhecia aquela voz. Pertencia a uma bruxa alta, de aparência
pontiaguda, que podia fazer você correr com apenas uma careta. Dolores.
Eu me virei e pisquei os olhos. Dolores estava na varanda, com as mãos
nos quadris.
— Que diabos aconteceu com você? Você está horrível.
— Obrigada.
Dolores soltou um suspiro.
— Bem, você nos pegou bem na hora. Você nos pegou bem na hora.
Estávamos prestes a sair para o Festival da Noite. Se você não quiser ficar
de bobeira, venha para cá. Ela voltou para dentro da casa.
Com dor, virei-me de costas novamente e olhei para o céu negro
salpicado de estrelas brilhantes.
— Por que eu?
Capítulo 22

P eguei uma cadeira e me sentei ao lado de Beverly na mesa da cozinha.


Cansada e exausta de minha provação com Winnie fazendo o papel de
guarda florestal, eu só queria tomar um banho quente e ir para a cama.
Mas eu não conseguia descansar, nem sentir o conforto reconfortante de
um travesseiro de penas. Minha mente estava ocupada demais imaginando a
cabeça de Ronin explodindo.
— Não acredito que ele não voltou para cá — rosnei, com a cabeça
latejando. — Quando eu lhe disse explicitamente para trazê-la aqui. Não
sabemos quem amaldiçoou a Iris. Eles podem estar no festival.
Balancei a cabeça.
— Não acredito que ele fez isso.
Beverly sorriu para mim.
— Ele é um vampiro, querida — disse ela, como se isso fosse resposta
suficiente.
— Bem, eu vou estrangulá-lo quando ele chegar aqui.
Se ele levasse a Iris de volta para a casa dele e usasse o seu feitiço de
vampiro nela, eu o castraria. Iris ainda estava se recuperando de sua
maldição. Eu não tinha ideia se sua magia poderia lidar com o dom de
persuasão de um vampiro.
— Ele está ferrado.
Peguei meu celular. Ele não havia respondido a nenhuma das minhas
mensagens, vinte de "Você traz a Iris de volta agora, ou vou cortar o
Pequeno Ronin!"
Meu humor piorou quando vi as mensagens de Adan e as cinco
chamadas perdidas. "Tessa. Estou preocupado com você. Ligue para mim",
dizia a mensagem.
Ótimo? Eu tinha perdido a chance de pedir desculpas a Adan enquanto
estava ocupada demais levando uma surra de abelhas e árvores para atender
ao telefone. Agora ele deve ter pensado que eu era uma grande idiota. Adan
era um cara legal e de classe. Ele merecia uma explicação.
Anotei mentalmente que ligaria para ele assim que acordasse de um
pequeno cochilo, do qual meu corpo precisava desesperadamente. Era uma
e meia da manhã. Eu não funcionava bem tão cedo e precisava dormir um
pouco.
Logo depois de dar uma surra no Ronin.
— Aqui. Beba isso.
Ruth colocou uma xícara com algo quente em minhas mãos.
— Isso vai curar suas costelas e cuidar dos hematomas e arranhões.
Seus olhos azuis percorreram meu rosto, e ela forçou um sorriso.
— Estou tão bem assim, hein?
— Você já teve dias melhores, querida — disse Beverly, com um leve
sorriso no rosto.
Suspirei, me preparei para a bebida de gosto horrível e tomei um gole.
Sim. Pior do que eu pensava.
— Tem gosto de sapo— disse eu, fazendo com que Ruth caísse na
gargalhada. Não que eu soubesse o gosto de sapo. Mas fez sentido. Com
uma careta, tomei outro gole porque sabia que precisava e seria tola se não
confiasse nas bebidas curativas de Ruth.
— O que eu quero saber — disse Dolores ao ocupar a cadeira à minha
frente e sentar-se com um grande livro nas mãos.
— Se a Winnie matou Myrtle e pegou o anel do Ancião, por que ela
quer matar você?
Eu engasguei quando tomei outro gole.
— Ela sabe que estou atrás dela, é por isso. Ela me disse isso com seu
fantoche de joaninha gigante.
Só de pensar naquele fantoche de inseto assustador, minha pele se
arrepiou.
Eu havia contado tudo às minhas tias assim que me arrastei para a
cozinha: O fato de Gilbert ter mantido o anel de Ancião em segredo, o
envolvimento de Winnie e o fato de ela ter tentado me matar (pulando a
parte em que Marcus me deu aquele beijo de arrancar minhas roupas).
Inclinei a xícara e bebi o resto do líquido curativo com odor fétido.
— Então, qualquer coisa que você saiba sobre esse anel seria muito útil.
Dolores deixou cair o livro pesado sobre a mesa, fazendo com que todos
pulassem.
— Estou muito à frente de vocês.
Seus dedos longos folhearam as páginas e depois apontaram para uma
página específica.
— Diz, e eu cito, 'o anel do Ancião é um poderoso objeto mágico que
remonta ao século V, criado pelo bruxo Samuel Wordsworth com o uso de
um metal celestial'.
Eu me inclinei para frente em meu assento.
— Metal celestial? Você quer dizer... metal do céu?
Dolores olhou para mim por entre os cílios, franzindo a testa.
— É exatamente isso. Agora, não interrompa.
— Desculpe — sorri para ela e para sua carranca fofa.
Dolores limpou a garganta e começou a ler novamente.
— O anel ajuda o praticante de magia a canalizar sua magia. Como
um instrumento mágico, o anel centraliza todas as propriedades mágicas -
elementos, linhas ley e celestiais - e, portanto, atua como um amplificador,
o que proporciona resultados mais complexos e poderosos. Embora o anel
seja mágico, ele é muito difícil de dominar e requer muita concentração e
habilidade incrível para exercer seu poder. Sabe-se que somente bruxos
avançados e habilidosos conseguiram usar sua magia.
Deixei as palavras entrarem em minha mente por um momento, que era
basicamente o que Gilbert havia dito, exceto a parte em que era feito com
metal celestial. Essa parte foi realmente interessante. Ainda assim, algo não
se encaixava.
— Nunca achei que Winnie fosse alguém que tivesse uma habilidade
mágica incrível.
Beverly deu uma gargalhada áspera.
— Com um nome como Winnie, a única habilidade que ela deve ter é
com um bastão de dança.
Soltei uma gargalhada e imediatamente me arrependi, pois minhas
costelas estavam pegando fogo.
— Mas talvez seja exatamente isso que ela quer que os outros pensem
— eu disse.
O pensamento passou pela minha cabeça enquanto as palavras saíam.
— Que ela gira nua em torno de um poste? — perguntou Ruth, de
costas para a pia da cozinha enquanto secava uma panela com a toalha.
— Não.
Balancei a cabeça, tentando não pensar na Winnie girando em torno de
um poste, o que era muito difícil, agora que isso estava na minha cabeça.
— Que ela é comum — eu disse a elas.
— Invisível. Não é capaz de habilidade ou grande magia. Mas quando,
na verdade, ela é uma grande malvada.
Dolores se recostou na cadeira, com as sobrancelhas franzidas no meio.
— Não seria a primeira vez que uma bruxa passaria propositalmente
despercebida no radar mágico. Janet Moony sempre menosprezou suas
habilidades. Embora em segredo, ou com seus amigos íntimos - eu - ela
deixava transparecer sua verdadeira habilidade. Uma sombra cruzou seu
rosto.
— Ela faleceu há alguns anos. Algumas bruxas não gostam da atenção.
— É perfeito. Inteligente — eu disse, sentindo um calor dentro de mim.
A dor constante em minhas costelas diminuiu, tornando mais confortável
respirar novamente, graças à bebida mágica curativa de Ruth.
— Dessa forma, ninguém suspeitaria da pobre e comum Winnie.
Ruth riu.
— Parece uma salsicha.
Eu ri. Meu Deus, eu estava cansada.
— Esta noite, eu vi um vislumbre do que ela é capaz, e não é bom. Se
esse anel é tão poderoso quanto você diz, não podemos deixá-la ficar com
ele. O frio que subiu pela minha espinha me disse que isso era apenas o
começo. Winnie tinha planos para esse anel. Caso contrário, por que roubá-
lo? Ela havia matado por ele. Ela era perigosa. Adivinha? Eu também era
perigosa.
Ela havia tentado me matar, e agora era a vingança.
— Você está absolutamente certa — concordou Dolores, e eu ergui meu
olhar para ela. — Há uma razão pela qual o anel do Ancião é mantido em
um local fechado. Nas mãos erradas, ele poderia ter resultados
devastadores.
Beverly se remexeu na poltrona e cutucou as unhas vermelhas,
perfeitamente cuidadas.
— Se ela ainda estiver em Hollow Cove, nós a encontraremos. Ninguém
tenta matar minha única sobrinha e acha que pode se safar. Não em minha
cidade.
— Como vamos encontrá-la? — perguntei.
— Acho que ela não estará em seu trailer. Ela não é tão estúpida assim.
A expressão de Dolores ficou pensativa, como se estivesse tomando
uma decisão.
— Podemos rastrear o anel do Ancião — disse ela.
— Seu poder é uma fonte única, com sua marca única e energias
mágicas. Tudo o que precisamos fazer é um rápido feitiço de localização e
seguir os traços mágicos residuais. Não deve levar muito tempo.
— Você acha que ela agiu sozinha? — perguntou Beverly depois de um
momento.
— Ela poderia ter amigos com ela — concordou Ruth.
— Não. Ela agiu sozinha — respondi.
— Acho que você não pode compartilhar o poder do anel. Além disso,
ela matou Myrtle. Isso me diz que ela não quer que ninguém saiba. Ela
parece uma vadia gananciosa.
— E feia — acrescentou Beverly.
—Não se esqueça do feia.
— Não temos mais o elemento surpresa — continuei.
— Ela sabe que eu sei. O que significa que ela provavelmente sabe que
eu já contei a você e ao Marcus. Se não a detivermos logo... será tarde
demais.
— Se você contou ao Marcus — disse Dolores.
— Por que ele não fez uma prisão?
Deixei escapar um suspiro.
— Ele precisa de mais para continuar. Provas que eu não tenho no
momento.
Como o anel, de preferência com o dedo de Winnie ainda preso a ele.
— Ele disse que daria uma olhada nisso.
— Oh, ele fez isso. Foi?
O rosto de Dolores ficou com um tom sombrio.
Inquieta, olhei para cada uma de minhas tias.
— O Grupo Merlin pode prendê-la?
As três irmãs ficaram em silêncio por um momento.
— Se você quer dizer... temos uma cadeia ou prisão para colocar
mestiços assassinos e perigosos? — perguntou Dolores. — Então a resposta
para você é não. A prisão de bruxas mais próxima é a Cidadela Grimway,
em Nova York. Nós protegemos a cidade com feitiços, proteções e toda a
magia que temos. Não temos calabouços nem celas com grades. Não somos
carcereiros.
Beverly riu baixinho.
— Eu já fui carcereira — disse ela, com um sorriso malicioso no rosto.
— Algemas estavam envolvidas... um chicote... e um monte de
chantilly.
Você não está indo para lá.
— Eu sei que é ela. Mas não posso provar. Não tenho testemunhas, nem
impressões digitais mágicas, nada. Mas se conseguirmos fazer com que ela
confesse... então o Marcus pode prendê-la.
E deixá-lo lidar com todo o resto, logo após eu chutar o traseiro dela por
me xingar e tentar me matar.
— Não se preocupe, Tessa — disse Dolores, com um olhar estranho
com o qual eu não estava acostumada.
— Nós temos maneiras de fazer as pessoas falarem.
Beverly me deu um sorriso malicioso.
— Sim, e sou muito boa com um chicote.
— Ou podemos simplesmente jogá-la em um dos meus caldeirões na
garagem — acrescentou Ruth.
— Já funcionou antes.
Olhei para Ruth, perguntando-me para onde teria ido minha tia fofa e
inocente.
— Você tem algo que possa me dar um impulso de energia? Como uma
versão bruxa de um Red Bull?
Eu sabia que a ideia de dormir era inútil. Eu estava cansada, mas se não
parássemos a Winnie agora, nós a perderíamos e talvez nunca mais a
encontrássemos.
Eu não podia deixar isso acontecer. Tínhamos que fazer algo... agora.
— Eu sei o que você está pensando, Tessa. — Ruth se aproximou de
mim.
— Mas você não está em condições de ir a lugar algum.
— Estou — eu disse a ela, meus olhos se movendo para cada tia.
— Precisamos fazer isso hoje à noite. Você não pode esperar.
O fato de ninguém ter me interrompido foi suficiente para saber que
elas concordavam, embora não gostassem disso. Olhei para Ruth
novamente.
— Você tem alguma coisa?
Ruth sorriu para mim.
— Sim. Ossos de duende e cocô de gnomo. Deixe-me pegar alguns para
você.
— Parece... delicioso.
Caramba.
— Vou precisar de toda a energia e força que conseguir reunir para
encontrar a Winnie.
— Você está procurando a Winnie? — disse uma voz masculina vinda
do corredor.
Eu me virei para ver o Ronin e a Iris entrando na cozinha. Ambos
estavam bem. Ambos vivos. Por enquanto.
Meu botão de raiva explodiu e eu me levantei, minha cadeira caindo
com um estrondo atrás de mim.
— Ronin! Eu vou matar você!
O meio-vampiro levantou as mãos em sinal de rendição.
— O que quer que eu tenha feito, posso garantir a você que foi com
consentimento.
— Estou tão brava com você agora — rosnei.
— Você está tão brava.
Droga. Eu não conseguia nem falar.
— Eu deveria açoitar você.
— Mal posso esperar — disse o meio-vampiro, sorrindo.
— Desculpe, Tessa — disse Iris, sua voz cheia de culpa que combinava
com seu rosto.
— Nós... perdemos a noção do tempo.
Eu o encarei com um olhar de reprovação.
— Você está ferrado.
— Antes que vocês tragam os chicotes — disse Ronin rapidamente,
com as mãos ainda no ar.
— O único lugar onde você vai encontrar a Winnie é na praia.
Ele hesitou.
— A Winnie está morta.
Capítulo 23

C omo é mesmo essa expressão? Não há descanso para os perversos? Na


verdade, você deveria dizer "não há descanso para as bruxas".
Estávamos correndo.
Minhas coxas se movimentavam enquanto eu corria pela areia. A cada
passo, parecia que meus pés pesavam uns 50 quilos a mais. Os grunhidos e
xingamentos atrás de mim me diziam que Iris não estava muito atrás. Ronin
estava correndo à minha frente. Se não fosse pela bebida energética caseira
da Ruth, que me atingiu como vinte expressos, eu estaria xingando junto
com a Iris. Mas agora... eu simplesmente voei sobre a areia como se fosse
um passeio em um parque. Eu era a Mulher Maravilha. Não, a Bruxa
Maravilha. Olhe para mim!
Corri como uma gazela, as dunas douradas de Sandy Beach se
estendiam diante de mim. O luar brilhava nas águas do Oceano Atlântico,
com as ondas balançando alguns veleiros à distância. O som das ondas
batendo na praia me trouxe muitas lembranças de quando eu brincava na
praia e procurava conchas e pedras bonitas para adicionar às minhas
coleções.
Grandes casas em estilo shingle, espalhadas por várias centenas de
metros entre elas, erguiam-se acima das colinas que desciam até a costa. A
noite estava escura, mas com a luz da lua, era mais fácil de lidar. Consegui
começar a distinguir formas na escuridão. Não foi difícil identificar para
onde eu estava indo. As lanternas balançando a alguns metros de distância
na praia eram um sinal de que você estava indo.
Durante o dia, Sandy Beach estava repleta de mestiços locais, tomando
banho de sol ou passeando com seus filhos. Quase às duas da manhã, a
praia estava deserta, exceto pelos donos das lanternas e por nós.
As lanternas estavam todas agrupadas, supostamente em volta do
cadáver de Winnie. Não é que eu não acreditasse que Ronin disse que
Winnie estava morta. Eu só precisava ver com meus próprios olhos. Quem
diria? Poderia ser um truque. O anel do Ancião era poderoso, talvez até
mesmo poderoso o suficiente para fazer com que um corpo morto se
parecesse com ela. A essa altura, tudo era possível.
Com o coração na garganta, cheguei até o corpo. Marcus olhou para
mim e, por um momento, aqueles lindos olhos cinzentos se fixaram nos
meus. Esqueci-me de onde estava e por que havia corrido pela praia como
se uma demônio maníaca estivesse atrás de minha alma. Minha pulsação
aumentou um pouco. Aquele beijo tinha me deixado muito mal.
Controle-se, Tessa. Não é que eu nunca tenha sido beijada antes, mas
não desse jeito.
Ao lado dele estavam Cameron e Jeff. Suas grandes silhuetas pareciam
mais imponentes no escuro, e o fato de usarem roupas pretas não ajudava.
Seus rostos eram pouco visíveis na sombra.
O ar se moveu ao meu lado. O Ronin prontamente se colocou na minha
frente, obstruindo um pouco a visão.
— Eu disse a você. Você disse. Ela parece uma boneca russa, toda
inchada desse jeito — disse Ronin, esbarrando em meu ombro.
— Não que eu goste de bonecas ou algo assim.
Marcus inclinou a lanterna para me dar uma visão melhor do corpo, e eu
me esforcei para não estremecer.
Olhei para o que me disseram ser o corpo de Winnie, mas ele mal podia
ser reconhecido.
O corpo estava deitado de lado. Um galho grande, tão grosso quanto
meu braço, perfurava seu peito e saía pelas costas. Longos fios de algas
marinhas estavam enrolados em seus braços e pernas. A frente de sua
jaqueta vermelha listrada estava esticada contra os botões, como se fosse
três números menor. Lacerações e escoriações profundas marcavam seu
rosto e suas mãos. Seus olhos estavam saltados para fora das órbitas, e eu
não sabia dizer qual era a cor deles. Seus lábios eram volumosos, como se
ela tivesse feito muitas injeções labiais, e pareciam um bico de pato. Uma
língua grossa escondia qualquer sinal de seus dentes. Faltavam pequenos
pedaços de carne, provavelmente de pequenos peixes enquanto ela estava
na água.
Eu não sabia muito sobre rigor mortis, mas sabia que os corpos
inchavam um ou dois dias depois de mortos. Ou essa não era a Winnie, ou a
água havia acelerado os estágios de decomposição. Ou, talvez, isso fosse
mágico.
Porque eu senti isso. Magia. Logo abaixo da superfície, fraca, mas
estava lá. Um leve pulso de energia zumbia como o bater de asas.
Peguei minha bolsa e tirei um pequeno globo do tamanho de uma maçã
- a luz de bruxa de Dolores. Ela havia me dado o globo antes de eu partir,
juntamente com o feitiço que o acenderia.
Estendendo minha mão, eu disse:
— Da mihi lux.
Dê-me luz.
O globo vibrou contra a palma da minha mão e, em seguida, uma luz
brilhou através dele, como se eu estivesse segurando uma lâmpada. Ela
iluminou minha mão e meu braço com uma luz amarela suave. O globo foi
lançado no ar acima de mim e quase gritei de excitação por ter realmente
funcionado.
O globo passou por mim e pairou no ar logo acima do corpo,
iluminando a cena com um suave brilho amarelo.
Fiquei feliz e horrorizado por ter a cena iluminada adequadamente.
Agora você podia ver cada detalhe macabro.
Um movimento chamou minha atenção, e Iris desatarraxou a tampa do
frasco que Ruth lhe dera antes de sairmos, inclinou a cabeça para trás e o
jogou como se fosse uma injeção. Em seguida, ela se ajoelhou ao lado do
corpo em direção à cabeça e arrancou alguns fios de cabelo do couro
cabeludo.
Uma bruxa estranha, aquela. É por isso que eu gostava dela.
— Ei! Não toque nisso.
Jeff foi até ela.
— Você não pode fazer isso. Você não pode remover provas. Que tipo
de idiota é você?
Iris piscou para ele.
— Por que não? Ela está morta. Não é como se ela fosse sentir falta
deles.
— Você não pode contaminar a cena de um crime — rosnou Jeff.
Embora eu não pudesse ver a expressão em seu rosto, aposto que era
uma carranca profunda.
— Você ainda tem muito a examinar. Evidências para ensacar. Detalhes.
Precisamos deles para determinar a causa da morte.
— Você quer dizer que aquele palito gigante no abdômen dela não é
uma pista? — perguntei a ele e imediatamente me arrependi ao ver a
expressão de pura fúria em seu rosto.
— Bem, tenho quase certeza de que ela não foi morta aqui.
Quem quer que ela tenha sido.
— Eu concordo — disse Marcus, chamando minha atenção para ele.
— Eles provavelmente a jogaram no oceano, esperando que a
correnteza a levasse embora. Mas nós, que vivemos aqui, sabemos que a
correnteza em Hollow Cove sempre tende a nos trazer de volta à costa. Para
mim, é isso que parece.
Olhei para Marcus.
— Então, você acha que o assassino não é de Hollow Cove?
— Não sei — respondeu o chefe. — Eles não teriam feito isso dessa
forma se fossem daqui. Eles teriam enterrado o corpo.
Bem. Eu me endireitei e soltei um longo suspiro.
— Posso dizer a você que a magia estava envolvida na morte dela.
— Eles achavam que colocá-la na água removeria a magia— disse Iris,
arqueando as sobrancelhas com conhecimento de causa.
— Exatamente. Mas não aconteceu. Nós podemos sentir isso — eu
disse, sabendo que a Iris também podia sentir. Fiquei olhando para o rosto e
o peito inchados da bruxa, sabendo a resposta para a pergunta que eu estava
prestes a fazer.
— Há quanto tempo ela está morta?
Marcus olhou fixamente para o corpo.
— Sem uma autópsia adequada, é impossível dizer. A julgar pelo estado
do corpo, parece que foram dois ou três dias. Mas se houve magia
envolvida... talvez algumas horas. Não saberei com certeza até receber os
resultados do patologista.
O medo pesava em minhas entranhas.
— Você tem certeza de que esta é a Winnie? — perguntei, meus olhos
no rosto inchado, sabendo que eu tinha visto Winnie no festival no início da
noite.
— Olhe para ela. É muito difícil dizer. Ela poderia ser qualquer pessoa.
Ela estava usando as mesmas roupas que eu tinha visto na última vez
que a vi, mas, por outro lado, poderia ser outra pessoa usando as roupas
dela.
— Winnie poderia ter feito isso. Ela poderia ter matado outra pessoa e
fingido sua própria morte.
Se alguém poderia fazer isso, ela poderia. E com o poder do anel, tudo
era possível. Eu não descartaria nada.
— Quem mais poderia ser? — disse Marcus. — Depois de
conversarmos, fui procurar Gilbert, que não estava em condições de falar.
Em vez disso, fui procurá-la. Ela não estava em seu trailer. Ninguém a via
há horas.
Então, ele acreditou em mim.
— Você a encontrou? Você encontrou o corpo?
Seus olhos cinzentos se enrugaram nos cantos.
— Não. Um casal que achou que poderia desfrutar de um pouco de
nudez na praia encontrou. Eu os encontrei quando vinha para cá.
Eu virei minha cabeça e olhei para Ronin.
Ele levantou as mãos.
— Não fui eu. Embora eu goste de ficar um pouco pelado na praia.
O fato de Iris não ter olhado para nós e agora estar pegando um botão da
jaqueta da mulher morta e colocando-o no bolso me disse que Ronin estava
dizendo a verdade. Ou talvez ela só gostasse de cadáveres e não tanto do
Ronin.
— Ok — respirei, ainda não convencido de que se tratava da Winnie.
— Podemos sentir o cheiro dela — sugeriu Cameron, que
imediatamente fechou a boca.
— Quero dizer... o que quero dizer é — ele gaguejou, esfregando a
nuca.
— Ela tem cheiro de bruxa. Ela é uma bruxa.
— Ok... então ela é uma bruxa — concordei, esforçando-me para não
sorrir diante de sua falta de jeito. Eu sabia que os metamorfos (embora
ainda não soubesse de que tipo eles eram, pois nunca os tinha visto em sua
forma de fera) tinham um olfato apurado. Eu não duvidaria nem por um
segundo que ela fosse uma bruxa. Mas isso não provava que ela era de fato
a Winnie.
Cameron acenou com a cabeça.
— A maior parte da água levou isso embora e é difícil sentir o cheiro
além do fedor do mar, mas sim. É isso. Ela é definitivamente uma bruxa.
Ah... com licença.
Observei enquanto o metamorfo husky interceptava uma Martha curiosa
e um homem mais velho que eu não reconhecia, para que não se
aproximassem demais da cena. Martha me viu olhando para ela e acenou
com as mãos com entusiasmo, como se fôssemos velhas amigas, esperando
que eu a deixasse ver mais de perto.
— Tessa! Eu quero saber todos os detalhes macabros! — ela gritou.
Cameron a arrastou de volta junto com os demais.
Voltei meu olhar para o corpo e vi Iris cutucando o rosto da bruxa morta
com os dedos, o que provocou uma careta de Jeff. Parecia que ele estava
prestes a estrangulá-la. Ronin, abençoado seja o seu coração de vampiro,
estava se aproximando de Jeff e Iris, com os dedos em forma de garras e um
sorriso estranho no rosto enquanto olhava para Jeff, sem que ninguém
notasse.
— Não saberemos se essa é Winnie Wilde até fazermos um teste de
DNA —disse Marcus, chamando minha atenção de volta para ele.
— Quando compararmos o DNA do trailer dela com este corpo,
teremos certeza.
— Quanto tempo isso vai demorar?
Marcus tirou o celular do bolso do paletó.
— Não demora muito.
Ele mandou uma mensagem de texto.
— Talvez duas ou três horas no máximo — respondeu, sem desviar o
olhar enquanto digitava.
Eu me ajoelhei ao lado da cabeça enquanto Iris tirava fios de algas do
corpo, cheirava, enrolava e colocava no bolso, fazendo uma grande veia
pulsar na testa de Jeff.
Ainda me perguntando se aquela era mesmo a Winnie, inclinei-me sobre
o corpo para ver melhor o rosto, tomando cuidado para não respirar o cheiro
de carne podre.
Mas quando Iris retirou outro grosso tufo de algas do pescoço do corpo,
minha frequência cardíaca passou de sessenta para mil. O medo fez com
que pontadas de gelo corressem por meus membros.
— Oh, não — murmurei. A tensão em minha voz fez com que Iris
largasse as algas que tinha na mão. Seus olhos arregalados pareciam os de
uma bruxa com os dedos no frasco de feitiços.
— O quê? O que foi? — Marcus se ajoelhou ao meu lado, com seus
belos traços de preocupação.
— Você encontrou alguma coisa?
Meus olhos voltaram para o corpo, para as vinhas com espinhos afiados
enroladas em seu pescoço como arame farpado. Reconheci aquelas videiras.
As mesmas videiras tentaram me matar.
Capítulo 24

A razão tentou forçar a entrada em meu cérebro, mas parecia que ele
estava tendo dificuldades para se atualizar e processar o que eu estava
vendo. Quem quer que tenha tentado me matar havia matado essa bruxa
com o mesmo método.
Eu ainda não tinha certeza se essa era realmente a Winnie, mas quem
quer que fosse, ela teve uma morte horrível e muito dolorosa. Estávamos
lidando com um verdadeiro psicopata, alguém que gostava de matar e
torturar.
Um sentimento de inquietação me percorreu. Meu olhar percorreu as
videiras, vendo os cortes profundos em seu pescoço. Engoli com força.
Poderia ter sido eu.
— Quem fez isso é a mesma pessoa que tentou me matar esta noite —
disse eu, levantando-me e sentindo uma pequena dor nas costelas. O efeito
do tônico de Ruth estava passando.
— Espere - o quê? — Marcus se levantou de um salto. Pânico e depois
raiva brilharam em seus olhos.
— Alguém tentou matar você? Quando? Por que você não me ligou?
Acenei com a mão, achando estranho que ele pensasse que era meu
contato de emergência número um por causa de quê? O beijo?
— É uma longa história, mas sim. E eles fizeram isso usando aquelas
vinhas — eu disse, apontando para o corpo. — Antes disso, porém, havia
um criatura-inseto...
— Criatura-inseto? Marcus cruzou os braços sobre o peito, com o
telefone ainda pendurado na mão.
— Você foi atacada por videiras assassinas e uma criatura-inseto. Você
está falando sério?
Dei de ombros.
— Normalmente, não falo muito. Mas agora, sim.
Ronin e Iris riram. Adorava esses eles.
Olhei para Marcus.
— Espero que agora você perceba que não tive nada a ver com isso.
Marcus manteve o olhar fixo em mim.
— Eu nunca disse que você tinha. Eu estava seguindo o protocolo.
— Certo. Protocolo. Tentei encará-lo, mas meu rosto estúpido estava
tentando sorrir e provavelmente me fazendo parecer constipada.
— Você cuidará do corpo. Você cuidará do corpo, certo?
Eu sabia que minhas tias haviam mencionado uma ou duas vezes que
Marcus estava encarregado de "limpar" cenas de crime, e eu estava feliz
com isso.
Marcus me observou, com o olhar fixo no meu.
— É isso mesmo.
— Está bem. Bem, eu já terminei aqui.
Estendi a mão, peguei a luz de bruxa que ainda estava pairando sobre o
corpo e murmurei:
— Averte lumina.
A luz se apagou e eu deixei o globo cair dentro da minha bolsa.
— Envie-me uma mensagem de texto quando você tiver os resultados
do DNA — eu disse a Marcus enquanto ele acenava com a cabeça, ainda
parecendo irritado comigo. Estranho, mas eu até que gostava disso.
Olhei para o Ronin e a Iris.
— Vamos lá, pessoal. Vamos embora.
Juntos, nós três começamos a voltar pelas dunas de areia.
— O que você está fazendo? — perguntou Marcus.
Olhei por cima do ombro para o chefe, que vinha atrás de nós.
— Há um assassino à solta e um anel mágico para você encontrar. Eu
ainda tenho trabalho a fazer.
— Eu vou com você — disse Marcus, com a voz firme.
Balancei a cabeça, mas não parei de andar.
— Por quê? Você acabou de dizer que ia cuidar do corpo. Eu sou um
corpo, mas não o corpo.
De repente, o chefe estava ao meu lado.
— Alguém ou alguma coisa tentou matar você esta noite... duas vezes,
se você contar a maldição anterior.
— Tudo bem, não foi o primeiro e não será o último.
Como uma Merlin, eu sabia que era um alvo agora. Fazia parte do
trabalho. Era algo com que eu teria que conviver de agora em diante.
— Você precisa de proteção — acrescentou o chefe.
Ronin bufou e eu o encarei.
— Eu posso me proteger, muito obrigada. Não sou totalmente indefesa.
Marcus caminhou ao meu lado, com seus ombros esbarrando nos meus
enquanto caminhava.
— Com duas tentativas na sua vida... não tenho tanta certeza... ei!
Iris tirou a mão da cabeça de Marcus. Eu nem tinha visto seu
movimento. A bruxinha era rápida. Ela olhou para mim e deu uma
piscadela.
— Tenho alguns fios de cabelo se você quiser amaldiçoá-lo.
Eu ri.
— Iris... você e eu vamos nos dar muito bem.
Chegamos à colina gramada onde a praia terminava e o calçadão
começava. Uma multidão de mestiços com olhos arregalados e expressões
mais largas passou correndo por nós e desceu em direção à cena na praia. A
rede de fofocas da Martha em sua melhor forma, sem dúvida.
Senti pena de Cameron, mas não tanto de Jeff.
Era uma noite perfeita para um passeio. Ronin e Iris murmuraram para
si mesmos enquanto caminhavam à nossa frente. Com uma brisa quente, os
postes altos que se conectavam ao calçadão davam uma sensação mais
romântica e até mística. No entanto, mesmo com toda essa beleza
imaculada, eu não conseguia me livrar do pavor que estava lentamente se
tornando uma pedra gigante dentro de minhas entranhas.
Se Winnie estava morta, se aquele era realmente seu corpo morto na
praia, quem a matou? E quem havia tentado me matar?
Iris se virou, deu uma olhada em Marcus e depois piscou para mim. É,
não foi tão sutil assim, especialmente quando Marcus mostrou um pouco
mais o peito com um sorriso confiante nos lábios.
Senti-me como se tivesse mergulhado minha cabeça em lava.
Eu poderia ter dito ao chefe para ir embora. Você poderia. Teria dito.
Não disse.
Parecia que eu não conseguiria ficar bravo com o chefe por muito
tempo. Sim. Eu estava com sérios problemas.
Iris parou, ajoelhou-se e começou a raspar o que parecia ser chiclete do
assoalho. Eu esperava que fosse chiclete e não algo mais sinistro e
malcheiroso.
E quando as coisas não poderiam ter ficado mais estranhas, elas
ficaram.
Um bruxo alto e bonito caminhou em nossa direção com a graça
confiante de alguém que sabia que tinha boa aparência. A luz dos postes de
luz atingia seu cabelo de uma forma que quase parecia estar brilhando. Seu
sorriso faria com que as mulheres se atirassem sobre ele - possivelmente
nuas.
Droga. Aquele belo demônio era Adan. A culpa era uma bola dura que
brotava de meu intestino e caía no chão entre meus pés em algum lugar.
Esqueci de ligar para ele. Ops.
— Adan, oi... sinto muito por não ter ligado para você — gaguejei,
quando o bruxo alto se aproximou. Não gostei do fato de ter de fazer isso
agora com uma plateia. Ele usava uma camiseta branca que ajustava seu
peito em forma sob uma jaqueta de couro preta e jeans. Ele estava
fantástico, com o cabelo loiro arrumado da maneira certa e bagunçado. Ele
era um cara fantástico. Só que... não era o cara certo para mim.
— Eu não deveria ter saído daquele jeito sem uma explicação. Sou uma
grande idiota. E eu entendo se você me odiar.
O cara não merecia isso.
— Você foi embora?
Um sorriso apareceu no rosto de Marcus que eu queria tirar.
— Deve ter sido um encontro ruim.
Um novo sorriso pairou sobre ele enquanto olhava para Adan.
— O que você fez para que ela fosse embora?
Ronin esfregou as mãos.
— Eu sabia que esta noite seria emocionante.
Olhei para Marcus, querendo acertá-lo nas costelas.
— Não foi assim — eu disse, quando Iris apareceu em minha linha de
visão à esquerda.
— Adan foi um perfeito cavalheiro. O encontro foi perfeito. Eu sou uma
idiota.
Olhei para Adan.
— Eu realmente sinto muito. Minha vida está uma bagunça agora, com
todos os assassinatos e a culpa por eles. Sei que isso não é desculpa. Eu
só... queria ligar para você e explicar - o que estou fazendo um péssimo
trabalho - quando as coisas se acalmassem um pouco.
Nesse ritmo, isso era um grande nunca.
Adan perdeu um pouco de seu sorriso quando seu olhar se fixou em Iris
por um momento. Eu não o culpava. Ela era uma bruxa muito bonita,
embora um pouco excêntrica às vezes. Talvez ela devesse ter saído com ele.
Seus olhos encontraram os meus e ele deu um sorriso casual.
— Não se preocupe. Eu entendo você. Só estou feliz por ver que você
está bem.
Me sinto ainda mais culpada.
— Continuamos amigos?
Eu sabia que provavelmente não era isso que ele queria ouvir, mas eu
não ia arrastar esse bruxo para minha vida agitada quando eu nem sabia o
que queria. Bem, eu sabia que não queria namorar Adan.
Os olhos de Adan se voltaram para Iris novamente. Talvez eu não
devesse me sentir tão culpada. Então percebi que havia esquecido de
apresentar Iris a ele.
— Adan, esta é minha colega.
— Ouvi dizer que encontraram um corpo.
Um músculo se contraiu no rosto de Adan enquanto ele examinava a
área atrás de mim em direção à praia.
— Sim —respondeu Marcus, com um tom totalmente profissional.
— De quem?
O olhar de Adan ainda estava focado em algum lugar na praia atrás de
mim.
— Ainda não sabemos — respondeu o chefe, com sua voz baixa e
penetrante.
— Mas tenho certeza de que descobriremos em breve.
— Como a pessoa morreu? — perguntou o bruxo alto, com os olhos em
todos os lugares, menos em nós.
— Você sabe? Ou você tem que adivinhar isso também?
Seu tom era educado, mas também tinha uma ponta afiada.
Marcus se endireitou, com traços de aço apertando seu rosto. Ele
observou Adan com interesse, mas não respondeu, pois seu rosto se
contorceu de irritação. Eu estava cansada demais para assistir a essa luta de
testosterona.
— Continuem com o concurso de xixi, rapazes — eu disse rapidamente.
— Mas nós estamos indo embora.
— Meu dinheiro está no King Kong — disse Ronin, enquanto seu rosto
se animava com a perspectiva de uma luta.
Revirei os olhos, meu desconforto anterior lentamente se transformando
em irritação. — Foi ótimo ver você de novo, Adan. Mas precisamos voltar.
Certo, Iris? Iris? I-i-i-ris?
Eu me virei, imaginando por que ela não estava me apoiando. Seu rosto
estava pálido. E com sua pele já pálida, ela parecia um picolé humano.
— Iris. O que você tem? Diga-me que você não colocou esse chiclete na
boca.
Eu me encolhi.
— Iris? Você está bem?
Apertei seu braço com cuidado. A bruxa parecia que estava prestes a
vomitar pedaços.
Iris olhava para frente sem piscar, com os olhos redondos e cheios de
medo.
— É ele.
— Sim, é ele — eu disse, minha voz baixa.
— É o Adan. Eu falei para você sobre ele, lembra?
Um pânico repentino surgiu em seu rosto.
— Não. É ele. Agora eu me lembro. Foi ele quem me amaldiçoou.
Capítulo 25

V ocê conhece a sensação de quando alguém lhe diz algo que você não
consegue entender muito bem, e você fica com aquele olhar de cervo
nos faróis? Você sente a roda do seu cérebro girando enquanto tenta
entender as palavras. Bem, eu estava passando por um desses momentos.
— O quê?
Eu virei a cabeça para trás, meu cérebro finalmente se recuperou. Olhei
para Adan, vendo o bruxo bonito, charmoso e educado, e não entendendo
como ele poderia ter amaldiçoado a Iris. Mas, novamente. Eu realmente não
o conhecia.
Pisquei os olhos e disse:
— Adan?
— Involuta! — gritou Iris, jogando as mãos para frente com uma
expressão cruel e assassina no rosto.
Eu nunca tinha ouvido esse feitiço antes. A magia entre nós, bruxas
brancas e negras, era um pouco diferente. Mas não havia como confundir o
tom de voz e o olhar letal em seu rosto.
Adan ia conseguir.
Com um estalo de ar deslocado, o corpo de Iris estremeceu, sua pele
puxou e esticou, e então sua estrutura encolheu, até que uma cabra preta e
branca ficou em seu lugar um momento depois, com suas roupas amassadas
ao lado de seus cascos.
— Baaaa! — gritou a cabra Iris.
— Baaaa!
— Oh, merda.
Ronin estava ao lado da cabra em um segundo.
— Que diabos é isso?
Ele pulou para frente e para trás ao redor da cabra, com as mãos
espalmadas como se não tivesse certeza se deveria tocá-la ou não.
— Iris? Você está bem aí? Você está bem aí dentro? Ok, vamos todos
nos acalmar. Eu posso trabalhar com isso. Certo, agora você tem pelo - ou é
pele? Não me importo com mulheres que são um pouco nativas. Você me
anima. Você me dá vibrações da selva.
Bem, pelo menos agora ele podia vê-la. Ou a maldição havia evoluído,
ou era outra coisa.
Olhei para Adan e lhe dei meu melhor olhar duro.
— Foi você que fez isso com ela?
Embora eu não tenha detectado nenhum influxo repentino de magia,
nem o tenha ouvido pronunciar um feitiço. Seu comportamento calmo fez
com que todas as minhas bandeiras de alerta se levantassem, gritando para
mim que Iris estava certa.
O bastardo a havia amaldiçoado.
Adan levantou a mão. Um anel de ouro simples que parecia uma aliança
de casamento simples estava em seu dedo indicador. Eu não havia notado
antes, mas agora ele piscava à luz do poste de luz. O anel do Ancião.
Não consegui sentir nenhum pulso mágico vindo dele, nada que
indicasse um anel de poder. Mas, por outro lado, Adan provavelmente sabia
como esconder o poder do anel para não ser descoberto.
Ele me pegou olhando. Uma satisfação presunçosa puxou os cantos de
sua boca para cima em um sorriso malicioso.
— Ela atrapalhou meus planos — disse ele.
Uma raiva sombria surgiu em minha mente.
— Você quer dizer que ela descobriu que você é um mentiroso,
assassino e um saco de bosta gigante? Garota esperta.
— Bruxa fraca — zombou Adan.
Minha mandíbula se cerrou.
— Quanto mais seus lábios se movem, mais eu quero dar um chute na
sua garganta. Agora eu odiava esse cara, realmente o odiava. Ele me
enganou, enganou a todos nós. Não podia acreditar que me sentia culpado
por tê-lo enfrentado. Eu precisava melhorar meu radar de idiotas.
Winnie nunca roubou o anel. Sempre foi o Adan.
Pelo canto do olho, vi Ronin dar um passo à frente em direção ao bruxo
alto. Com os caninos à mostra, o meio-vampiro parecia estar prestes a
arrancar um pedaço da jugular de Adan. Se eu fosse um vampiro, também o
faria.
— Você também me amaldiçoou. Você também me amaldiçoou, não
foi? Quando eu tropecei do lado de fora da tenda da Myrtle. Você colocou
suas mãos em mim— eu disse, percebendo que foi exatamente quando as
dores de cabeça começaram. E eu nem tinha percebido.
— Você matou Myrtle e Winnie, e tudo isso por quê? O anel? Por um
pouco mais de poder?
Adan fez um som em sua garganta como se eu fosse um simplório.
— Você não sabe nada.
— Esclareça-me, idiota.
Adan olhou para mim com uma expressão masculina irritante e
satisfeita no rosto.
— Vocês, bruxas de Merlin, são todas iguais, sabichonas insuportáveis.
Eu sorri.
— Não tem de quê.
— É isso aí.
Marcus tirou um par de algemas de ferro de dentro de sua jaqueta. Eu
sabia exatamente o que elas eram. O ferro era um repelente natural de
magia, portanto, essas algemas impediriam Adan ou qualquer praticante de
magia de fazer magia.
— Você tem algum feitiço para nocautear esse desgraçado? Estou
cansado de ouvir ele. Ele olhou para mim com um sorriso malicioso.
Eu sorri de volta.
—Você pode apostar.
Cerrando os dentes, puxei todos os elementos ao meu redor. O ar, a
terra, a água, todos tremeram com o poder deliberado. Eu o senti ressoando
nos elementos ao meu redor tanto quanto o ouvi, todos ecoando enquanto
respondiam ao meu chamado. Adan poderia ter sido capaz de me
amaldiçoar uma vez, mas ele estava ferrado.
Marcus se deslocou para perto de mim e se agachou, como se estivesse
prestes a bater em Adan como um linebacker. Ou isso, ou ele estava prestes
a se transformar em seu alter ego King Kong.
E Adan... ficou ali parado, com as mãos soltas ao lado do corpo, com
um sorriso autoconfiante naquele rosto lindo que eu queria chutar.
É isso aí. Agora eu estava irritado.
Com uma palavra de poder na ponta da língua, eu me concentrei em
minha vontade, puxei a energia dos elementos e gritei:
— Inflitus!
Só que a força cinética que eu havia invocado não atingiu Adan.
Entendi.
Um estrondo sônico explodiu ao nosso redor. Soltei um uivo quando a
explosão de magia se chocou contra mim e me fez cair de pé. O ar soprou
em meus olhos, em minhas roupas e em meus cabelos, enquanto eu voava
no ar e me afastava uns quinze metros.
Isto é, até eu bater na árvore.
Você já bateu em uma árvore a cinquenta quilomêtros por hora? Eu
também não, até então.
Bati no tronco da árvore, sentindo como se um carro tivesse me atingido
pelas costas, e deslizei para o chão. Se eu não tivesse começado a diminuir
a velocidade quando bati no tronco, a batida teria me matado ou me deixado
paralisada.
Mas eu estava viva Balançando os pés e os dedos, eu não estava
paralisada. Apenas com muita dor ardente. Minha respiração era lenta e
irregular, e tudo doía. A dor reverberava em minha cabeça e em minhas
costas. Foi um milagre minha coluna não ter sido quebrada. Eu ia precisar
de um balde cheio do tônico curativo de Ruth para curar isso.
— Tessa!
Consegui virar a cabeça e piscar os olhos, vendo uma versão borrada de
Marcus. Gemi de dor, sentindo que meus membros eram inúteis, como se
fossem macarrão espaguete cozido demais.
Minha mente estava confusa, e meus pensamentos estavam se movendo
através do estado nebuloso e monótono do qual eu estava saindo
lentamente. Devo ter batido a cabeça com muita força. Um grito interno de
dor ressoou em mim e, com um empurrão, senti minha magia me
abandonar.
— Você está bem? Como você se sente? — perguntou ele.
O pânico se escondeu por trás dos olhos cinzentos do chefe quando ele
se agachou ao lado da árvore.
— Você bateu com força na árvore.
Ele balançou a cabeça.
— Mas você está vivo.
Engoli, minha visão clareou.
— Acho que meu feitiço saiu pela culatra... ele me atingiu em vez dele.
Respirei fundo e ri.
— Droga. Quase me matei com minha própria magia.
Mas tinha sido o Adan. De alguma forma, o anel do Ancião havia
lançado minha magia sobre mim.
— Você consegue ficar de pé?
Antes que eu pudesse responder, Marcus me pegou em seus braços. Eu
estava muito cansada e com muita dor para protestar, embora não quisesse.
Havia algo reconfortante e calmante em estar novamente em seus braços
grandes, fortes e másculos.
Olhei em volta. Senti medo quando me lembrei de onde estava e por
que estava aqui.
— Onde está o Adan?
A primeira coisa que vi foi Ronin acariciando a cabeça da cabra Iris
enquanto ela olhava para ele, e sim, ela podia fazer isso.
Mas não havia sinal de Adan. O bruxo havia desaparecido.
Capítulo 26

— N ão acredito que fui derrotada por um golpe de minha própria


magia — eu disse. — Estou me sentindo uma idiota. Isso deve ser
um recorde no livro dos maiores fracassos da história das bruxas.
Meus braços doíam por ficarem levantados sobre minha cabeça por
mais de dois minutos.
Os braços de Ruth me envolveram enquanto ela colocava um curativo
mágico em minha barriga e costas. Assim que o curativo mágico tocou a
minha pele, a dor nas costas diminuiu e a queimação na pele caiu para um
latejar controlável. Eu tinha que reconhecer que a Ruth sabia o que estava
fazendo.
Enruguei meu nariz.
— Por que você está cheirando a repolho?
Ruth me lançou um olhar incisivo.
— Não importa o cheiro, desde que funcione.
Dolores ficou de pé com as mãos sobre o peito, com as costas apoiadas
no balcão.
— Você não é a primeira bruxa a ser prejudicada pela magia. Mas tenho
certeza de que o anel teve algo a ver com isso.
Acenei com a cabeça em concordância. Eu tinha visto em primeira mão
do que o anel do Ancião era capaz. Agora ele estava perdido nas mãos de
um louco.
— Pronto. Ruth deu um passo para trás enquanto eu abaixava minha
camisa sobre as bandagens. — Você pode se virar agora.
Ela foi até a pia da cozinha, abriu a torneira e começou a lavar as mãos.
Imaginei que ela não queria que elas cheirassem a repolho.
Ronin e Marcus, que haviam sido instruídos a ir para o corredor e dar a
volta enquanto Ruth trabalhava em meu curativo, voltaram para a cozinha.
Ronin me deu um sorriso apertado.
— Você está toda enrolada como uma múmia, Tess?
Ele se sentou ao lado de Iris, que não tinha dito uma palavra desde que
eu fiz o feitiço para transformá-la de volta em sua forma bruxa.
— Eu estou.
Meu coração se apertou com a dor no rosto de Iris. Tudo tinha dado
terrivelmente errado esta noite.
— Como você está se sentindo, Tessa?
Marcus veio até mim, seu belo rosto esticado de preocupação. Eu não
estava acostumada com esse lado gentil do chefe. Ele era todo músculos,
poder e domínio. Esse lado mais suave... bem... eu gostava dele.
Eu sorri para ele.
— Como um presente embrulhado.
Nossos olhos se encontraram e uma onda de calor me percorreu,
inquietante e instigante. Minha pele formigou com sua proximidade.
Desviei o olhar antes que qualquer um dos outros percebesse o calor que
estava acontecendo entre nós.
Pelo canto do olho, eu o vi hesitar, como se quisesse se sentar ao meu
lado, mas depois pensou melhor. Ele se encostou na parede oposta à mesa
da cozinha.
Com meu pulso acelerado, voltei minha atenção para Iris.
— O que você pode nos dizer sobre Adan, Iris?— Se eu conseguisse
fazê-la falar, talvez ela saísse de sua espiral descendente por um momento.
A Bruxa das Trevas piscou e olhou para mim.
— Ele e eu... seus lábios tremeram, e eu a vi assumir o controle de si
mesma com grande esforço.
— Ele era meu namorado.
Ronin fez um som de raiva em sua garganta.
— Ele está morto. Vou lhe arrancar a jugular.
— Pegue um número.
Inclinei-me para a frente, surpresa com o fato de o curativo mágico de
Ruth ter me impedido de gemer de dor.
— Você está se lembrando.
O pânico e a raiva apareceram em seu belo rosto.
— Ele nem sempre foi um babaca - espere - não, talvez ele sempre
tenha sido um babaca. Eu é que era estúpida demais para ver isso.
— Não faça isso — rosnou Ronin.
— Não se coloque para baixo. As pessoas podem ser grandes atores.
Especialmente quando estão atrás de alguma coisa.
Iris riu sem alegria.
— Bem, com certeza ele me enganou. Ele me enganou muito bem.
Seu rosto estava tenso de emoção.
— Desperdicei um ano da minha vida com ele. Um ano em que ele me
enganou.
Ela se sacudiu e esfregou o rosto.
— Eu descobri o que ele estava planejando fazer.
— Sobre o anel?
— Sim — respondeu Iris, com as bochechas escurecendo.
— Ele tinha todos esses papéis e fotos espalhados pelo escritório. Não
foi preciso ser um gênio para descobrir o que ele estava fazendo. E então
ele me amaldiçoou para me calar.
— Bruxo insuportável — xingou Dolores, parecendo mais furiosa do
que eu jamais a tinha visto.
Ronin moveu sua cadeira para trás, equilibrando-a sobre duas pernas.
— Ele está ferrado. Ele está tão ferrado.
Meus pensamentos se voltaram para o início da noite, quando
encontramos Adan pela primeira vez. Afinal, ele não tinha se encantado
com a beleza dela. Ele estava apenas surpreso por vê-la novamente como
uma bruxa e não como uma cabra fantasma.
— Eu teria passado o resto da minha vida como um espectro de cabra se
você não tivesse me ajudado — disse Iris.
Meu coração se apertou com a dor em seu rosto.
— Ei, você salvou minha vida. Acho que isso nos deixa quites.
Nem perto disso. Eu estava em dívida com ela e não estava desistindo.
— Você sabe por que esse anel era tão importante para ele? Além do
superpoder que ele confere?
— Ele estava falido — continuou Iris.
— Toda a família Williams perdeu sua fortuna por causa de
investimentos ruins e jogos de azar há alguns meses. Ele me disse que essa
era a maneira de recuperar o nome da família. A glória.
Ela riu baixo.
Ele quer ser um rei ou algo assim.
Levantei uma sobrancelha.
Um rei?
Iris acenou com a cabeça.
— Rei dos bruxos. Ou algo igualmente estúpido assim.
— Ele perdeu a cabeça — disse Dolores. — Isso não existe. Existem
clãs, grupos, conselhos. Nunca houve um rei bruxo, e nunca haverá.
— Diga isso a Adan — disse Iris.
— Eu lhe disse que ele estava sendo um idiota... e então... bem...
— Você se juntou ao reino animal — eu disse, vendo um pequeno
sorriso no rosto dela, mas depois ele desapareceu nas dobras de sua
carranca.
Iris fungou.
— O problema é que Adan nunca foi muito bom em magia. Ele nunca
se destacou como seu pai ou mesmo sua mãe. Você sempre teve dificuldade
para fazer mágica, pelo menos é o que sua mãe diz. Eu o vi pagar por
feitiços que uma bruxa de cinco anos poderia fazer. Era um assunto
delicado, e ele nunca me deixava fazer mágica na frente dele... ele ficava...
muito bravo.
Eu realmente odiava aquele cara.
— Ele é um perdedor maior do que eu pensava — resmungou Ronin.
— Eu adoro matar perdedores. Vou caçar esse otário.
— O problema é que... sem o anel — disse Iris.
— Ele é tão magicamente potente quanto uma pedra.
— Ele tem síndrome do pênis pequeno — eu disse, com todos os olhos
voltados para mim.
— O anel é o Viagra dele.
Ronin riu e me cumprimentou. Eu o amava.
— Então a maldição que ele colocou em você… — falei, imaginando
como Adan poderia fazer algo assim se ele não tivesse inclinação para a
magia.
Iris olhou para mim.
— Ele a comprou no Mercado das Sombras. Uma maldição negra de
uma das piores bruxas das trevas. Tudo o que ele tinha de fazer era dizer a
frase de invocação e a maldição se realizaria sozinha. Ele se vangloriou
pouco antes de fazer isso.
O Mercado das Sombras era a versão da comunidade mestiça e
paranormal do Mercado Negro humano. Eu nunca tinha ido, mas ouvi dizer
que ele reunia o pior do nosso povo.
O silêncio cobriu a cozinha por um longo tempo.
— Ele quer governar todos vocês — disse Marcus, com as sobrancelhas
erguidas.
— Todos os clãs e covens de bruxas. Ele franziu os lábios e disse.
— Se ele acha que pode governar o Grupo Merlin, ele é mais tolo do
que seu ego.
Ele sorriu.
— Adoraria vê-lo tentar.
— Bem, talvez queira.
Adan queria se tornar rei? Sobre meu cadáver.
Iris se mexeu em seu assento.
— O que aconteceu comigo esta noite... isso significa que eu nunca
mais poderei fazer mágica?
Minha garganta latejou com a angústia em sua voz. Abri a boca e a
fechei quando percebi que não tinha a menor ideia. Ao contrário de mim,
enquanto minha magia simplesmente ricocheteou em Adan e me atingiu, o
feitiço de Iris não funcionou de forma alguma. Ele simplesmente a
transformou em uma cabra.
Dolores e Ruth trocaram um olhar. Dolores soltou um suspiro.
— Não sabemos. Até descobrirmos o feitiço exato com o qual ele
amaldiçoou você , temo que não possamos reverter isso.
— E se ele morrer? — Eu disse, lembrando-me da maldição que Samara
havia lançado sobre Dolores. A maldição a abandonou porque sua
lançadora estava morta.
— Isso deve acabar com a maldição, certo?
— Deveria — disse Dolores.
— Sim, isso com certeza acabaria com a maldição.
— Vamos fazer isso.
Uma cadeira bateu quando Ronin se inclinou para frente.
— Você sabe onde ele mora. Você sabe onde ele mora, certo? —
perguntei a Iris.
— West 57 th Street em Manhattan. É um apartamento em um arranha-
céu na cidade de Nova York, perto do Central Park.
Ronin abriu as mãos.
— O que estamos esperando? Acho que devemos ir e cuidar desse filho
da puta agora mesmo.
— Nova York fica a horas de distância — disse Marcus. — Mesmo com
o avião mais rápido, você levará cerca de duas horas. Se você dirigir daqui
até o aeroporto, serão mais duas horas. Até lá, Adan já terá ido embora.
Agora que ele sabe que estamos atrás dele. Acho que ele não vai ficar
esperando em seu apartamento para ver quem aparece.
— Você nunca sabe — eu disse.
— O cara é um completo idiota. Ele pode estar fazendo exatamente
isso. Tomando um drinque. Achando que ganhou.
Embora eu tivesse que admitir que era um tiro no escuro.
Ruth se adiantou e colocou a mão no ombro de Iris.
— Não se preocupe, querida. Tenho algumas misturas que manterão a
maldição adormecida. A menos que você queira voltar a ser uma cabra.
Ela sorriu, com os olhos arregalados e esperançosos.
— As cabras são tão bonitinhas. Eu sempre quis ter uma cabra. Temos
um jardim perfeito nos fundos para uma cabra...
— Sim, obrigada a você, Dr. Doolittle.
Dolores afastou sua irmã de Iris.
— Sei que é difícil aceitar isso, Iris. Mas, por enquanto, não há nada
que possamos fazer. Agora é com o Grupo Merlin em Nova York e com o
conselho dos bruxos das Trevas — comentou Dolores.
— Está fora de nossas mãos. Adan se foi. Temos que aceitar isso. Isso
me lembra que preciso ligar para Greta e contar a ela. Conhecendo aquela
bruxa miserável, ela provavelmente vai me dizer que tudo isso é culpa
nossa.
Ela murmurou sombriamente para si mesma enquanto saía da cozinha
para o corredor onde estava o telefone fixo.
Meu olhar se voltou novamente para Iris. As emoções se espalharam
por ela, assustadoras em sua rapidez: consternação, medo, raiva, traição.
Eu sabia o que era ser traído pelo homem que você amava. Doía pra
caramba. E, com o tempo, você aprendeu a conviver com isso, aprendeu a
aceitar e seguiu em frente.
Ronin a observava com um olhar assustado, com a mandíbula cerrada e
o corpo tremendo, como se não soubesse se deveria abraçá-la ou deixá-la
em paz. Parecia que ele estava no inferno.
Eu não podia deixar Iris viver o resto de sua vida assim. Uma bruxa que
não podia fazer magia... bem... era praticamente humana. Ninguém queria
isso. Vendo como ela estava lidando com isso agora, eu só podia ver uma
depressão sombria a caminho. Eu não achava que ela se recuperaria disso.
Adan, sim, ela se recuperaria dele. Mas você não poderia fazer magia nunca
mais? Não, eu achava que não.
Eu tinha que fazer alguma coisa...
A porta dos fundos da cozinha se abriu e Beverly entrou, com o rosto
corado.
— Meninas. Temos um problema.
Fiquei quieta.
— Adan está de volta?
Ótimo, eu ia encontrar aquele bruxo e arrancar sua cabeça como um
dente-de-leão. Eu estava quase tonto de excitação.
— Não — disse Beverly, colocando uma mecha de cabelo loiro atrás da
orelha.
— Mas eu não me importaria de levá-lo ao porão se ele fosse.
— O que foi, Beverly? Você não tem mais camisinhas? — zombou
Dolores.
Beverly balançou a cabeça.
— São os paranormais no Festival da Noite. Eles ficaram
completamente loucos. Os rumores sobre Adan os deixaram em um frenesi.
Bem — ela colocou uma mão no quadril. — Eles quase derrubaram o
tanque do pobre Ben. Você consegue imaginar? Bem, talvez eu devesse
convidar Ben para ficar comigo em uma banheira de hidromassagem por
um tempo. Até as coisas se acalmarem.
Ruth deu uma risadinha.
— Não temos uma banheira de hidromassagem.
— Querida — disse Beverly, — posso encontrar uma banheira de
hidromassagem.
— Ok, ok — Dolores acenou com as mãos impacientemente.
— Então, o que você está dizendo é que... o festival enlouqueceu? É
isso?
Beverly deu de ombros.
— Sim. Precisamos ir até lá e colocar um pouco de juízo nessas pessoas
antes que elas estraguem tudo e não haja um Festival da Noite amanhã.
— Deixe-me pegar meu xale — disse Dolores.
Seu olhar se voltou para mim.
— Você fica aqui, Tessa. Você ainda não está totalmente curada. Isso é
fácil de consertar. Beverly e eu podemos cuidar disso. E eu sou muito boa
em fazer as pessoas me ouvirem.
Dolores saiu da cozinha e desapareceu no corredor. Beverly se moveu
rapidamente atrás dela, com os saltos dos sapatos batendo na madeira.
— É melhor eu ir também— disse Marcus, olhando para mim.
— As pessoas pagaram um bom dinheiro para ver cinco noites no
Festival da Noite. Preciso ter certeza de que vamos recebê-las. Você vai
ficar bem?
Eu sorri.
— Sim, estou. A Ruth me curou por mágica — eu disse, e Ruth sorriu
antes de voltar para o fogão.
— Venha, Iris. — Ronin fez um gesto com a mão.
— A distração será boa para você. Além disso, você não vai querer
perder o confronto da Dolores. O melhor show do ano, acredite em mim.
Com isso, Iris deu um pequeno sorriso e seguiu Ronin até a porta dos
fundos. Marcus me observou por mais tempo do que o necessário antes de
também se levantar e sair pela porta dos fundos.
— Você não vai, Ruth?— perguntei, observando-a mexer a panela
fervente do que eu suspeitava ser algo para ajudar Iris.
Ruth se virou.
— Não. Eu me sinto muito mal com o que aconteceu com Iris. Ela está
tão infeliz. Não consigo suportar isso. Preciso ter certeza de que minha
poção é a melhor possível. Nenhuma bruxa deveria ser capaz de fazer
magia. Não é natural. Oooh. Eu simplesmente odeio esse Adan.
— Então somos duas.
Suspirei, desejando encontrar uma maneira de chegar a Nova York.
— Eu poderia invocar aquele dragão demônio bonitinho Obiross
novamente.
Balancei a cabeça.
— Mas ele não será rápido o suficiente. É muito longe.
É isso aí. Eu havia falhado. O bruxo assassino havia escapado, e não
havia como impedi-lo.
Com a raiva aumentando novamente, pensei em como aquele maldito
Adan havia desaparecido como se tivesse sido teletransportado pelo Scotty
na USS Enterprise. Tinha sido o truque de todos os truques. Eu só queria
saber como ele tinha feito isso.
— Se eu soubesse como ele desapareceu daquele jeito — eu disse.
— Foi tão estranho. Simplesmente desapareceu, como se tivesse entrado
em outra dimensão.
Um pensamento me ocorreu.
— Talvez ele tenha passado por uma fenda para o Mundo Inferior?
As fendas eram portas de entrada para o reino dos demônios. Eram
brechas no Véu - aquela camada invisível que nos protegia e impedia as
criaturas do Mundo Inferior de atravessar para o nosso mundo.
— Talvez ele esteja se escondendo lá?
Essa era uma hipótese remota. Eu nunca tinha ouvido falar de bruxas,
brancas ou das trevas, que tivessem passado para o outro lado. Mas eu
estava ficando sem ideias.
— Provavelmente, ele só andou em uma linha ley — disse minha tia,
mexendo na panela.
Todos os pelos do meu corpo, sim, todos eles, se eriçaram.
— O que você disse? Meu coração batia forte na garganta enquanto eu
olhava para minha tia.
— Adan — disse Ruth ao se virar, parecendo uma Sra. Clause
emagrecida, com sua pele rosada e cabelos brancos e macios.
— Ele provavelmente pulou uma linha ley. Foi assim que ele fez isso.
Foi assim que ele desapareceu.
Capítulo 27

D emorou
dizer.
alguns instantes para registrar o que Ruth tinha acabado de

Quer dizer... eu sabia que as linhas ley eram poderosas e que as bruxas e
outros praticantes de magia se valiam delas... mas montar?
— Por que você não pula as linhas ley? — disse Ruth, enquanto
colocava a colher de bolinha vermelha na boca e a provava.
— Você estará pronta em um instante. Hmm. Você precisa de mais
mandrágora.
Ela pegou um pouco de pó verde de um recipiente entre os dedos e o
espalhou sobre a panela fumegante.
Eu me levantei, com o coração batendo no peito como se tivesse um
martelo pneumático lá dentro.
— Ruth? O que você quer dizer com pular as linhas ley?
Eu não me lembrava de ter lido nada sobre pular as linhas ley em
nenhum dos livros que Dolores me deu para ler. Por que diabos não?
— Montar. Seu rosto feliz se encontrou com o meu.
— Você nunca andou nas linhas ley quando era pequena?
Eu pisquei para ela.
— Não. Acho que eu teria me lembrado de algo assim.
— Bem, algumas bruxas usam vassouras. Mas aqueles de nós que têm a
sorte de viver perto de uma linha ley e sabem como usá-la - andam nelas.
— Montar nelas? — perguntei.
— É isso mesmo. É realmente muito simples. Sim, pode doer um pouco
e talvez você acabe perdendo um braço ou uma perna, mas é muito
divertido. Seus olhos azuis estavam arregalados e cheios de entusiasmo.
— E não se preocupe. Se você perder um braço ou uma perna, sempre
poderemos localizá-los usando um feitiço de rastreamento...
Ela inclinou a cabeça para o lado, pensando.
— O apego é um pouco mais complexo...
Ela deu um tapinha em meu ombro.
— Mas você nunca sabe até tentar.
— Ótimo discurso de incentivo.
Fiquei olhando para minha tia. Eu teria que ser louca para tentar andar
em uma linha ley. Mas que outra opção eu tinha?
— Por que a Dolores ou a Beverly não me falaram sobre andar nas
linhas ley?
Ruth deu de ombros.
— Provavelmente não lhes ocorreu. Você contou a elas como ele
desapareceu?
Pensando bem, eu não sabia.
— Não. Eu estava muito ocupado falando sobre como dei uma surra em
mim mesma.
Ruth soltou um uivo de riso.
— Espero que você fique conosco para sempre.
Ela se virou e começou a cantarolar, mexendo a panela.
Ela não tinha ideia de como aquelas palavras me afetaram. Meus olhos
arderam ao pensar nisso. Eu nunca tinha tido uma família que me quisesse
antes e, mesmo com quase trinta anos de idade, a sensação era incrível.
Pisquei a queimadura de meus olhos. A adrenalina subiu, fazendo
minhas pernas tremerem. Eu estava animado. Eu ia fazer isso.
— Ruth — disse eu, com a pulsação acelerada.
— Se ele usou uma linha ley, isso significa que ele sabe onde encontrá-
las, certo? Isso significa que há uma perto de onde ele mora.
— Sim — respondeu minha tia sem se virar. — É o que parece.
Uma mistura de adrenalina e entusiasmo me invadiu e foi inebriante.
Peguei meu celular e procurei no Google o endereço que Iris havia dito. E
em menos de trinta segundos, eu tinha o endereço dele em Nova York.
Afinal, você não é tão esperto assim, seu grande idiota.
— Adan deve ter um mapa das linhas ley, então. Ele sabia em qual delas
você poderia ir e que o levaria para casa.
Parte da minha adrenalina inicial estava se dissipando.
— Mas andar nelas é perigoso, certo?
Porque perder um membro parecia perigoso para mim.
Ruth riu enquanto se virava.
— Bem, se você quer dizer... você pode morrer por andar em uma linha
ley? Então, sim. Mas então você não deve se preocupar com isso, pois já
estaria morto.
Seus olhos estavam redondos quando ela riu novamente, embora dessa
vez tenha sido assustador.
B-e-e-e-l-e-z-a.
— Então... como você faz isso? Como você sabe para onde está indo e
quando deve parar? Não quero acabar na Antártica, mas uma viagem para
algum lugar quente seria bom.
Ruth provou a poção novamente e pousou a colher.
— Bem, cada linha ley tem suas paradas, como um trem tem várias
paradas - a menos que você pegue um trem expresso. Então você vai direto
para o seu destino — acrescentou ela com um sorriso.
— Está bem, está bem — eu disse, incentivando-a a continuar.
— E depois?
— Então, você pega a linha ley mais próxima de você que vai até Nova
York, para onde você quer ir, e conta as paradas. Milhares de linhas ley
estão localizadas em pontos estratégicos do Maine. Você só precisa escolher
a mais próxima de você que o levará para onde deseja ir.
Isso não parecia tão ruim.
— Como posso saber de quantas paradas preciso?
Ruth levantou o dedo, saiu correndo da cozinha e desapareceu no
corredor. Ela reapareceu com uma pequena carteira preta.
— Aqui está. Aqui você tem um mapa da rede de linhas Ley. Você pode
contar quantas paradas tem antes de chegar à cidade de Nova York.
Peguei o pequeno livro chamado As linhas ley da America do Norte e
olhei para a página onde Ruth o havia deixado aberto para mim. Era um
mapa detalhado das linhas ley da Costa Leste. Havia centenas delas,
milhares, indo para o norte e para o sul, para o leste e para o oeste. Eu vi
algumas que iam do Maine a Nova York e até mesmo as que estavam bem
aqui em Hollow Cove.
— Onde está a linha ley que passa pela Casa Davenport?
Eu localizei a que Adan usou perto de Sandy Beach. Embora não fosse
longe, eu ainda levaria de dez a quinze minutos para chegar lá. Eu não tinha
mais tempo a perder.
— Bem na porta da frente — respondeu Ruth.
— Você nunca sentiu a magia quando entrou pela primeira vez? Você se
acostuma com ela depois de um tempo. Mas é ali que a linha ley atravessa a
casa.
É claro que sim. Eu sempre senti aquele formigamento em minha pele,
o zumbido da magia que zumbia através de mim e se instalava dentro de
mim. A porta era a entrada para a linha ley.
Olhei fixamente para a página. Era também a mesma linha ley que Adan
havia usado. Notei pequenas estrelas ao longo das linhas ley em intervalos
iguais.
— Essas são as paradas — eu disse, meu dedo tremendo de emoção.
— Doze paradas até eu chegar à parada perto da 8 th Street, perto da
esquina da West 59 th Street. Perto do Central Park e a poucos passos do
apartamento caro de Adan.
Agora te peguei, amigo.
Um misto de expectativa e medo surgiu, o medo de que passar pela
linha ley pudesse me custar alguns membros, mas eu não podia negar a
empolgação.
Inclinei-me para frente e beijei o topo da cabeça de minha tia.
— Ruth, você é um gênio.
Ela piscou para mim e deu de ombros.
— Eu sei. Mas não conte a ninguém. Ela deu uma piscadela.
Sem perder mais um segundo, peguei minha jaqueta, minha bolsa e meu
telefone e joguei o pequeno livro preto na bolsa. Depois, corri para a porta
da frente.
Pisquei os olhos, olhando para ela como se fosse a primeira vez que eu
tivesse visto a porta da frente. Agora que eu sabia que era o ponto de
entrada da linha ley, estava nervosa.
— Aqui.
Ruth me entregou um guarda-chuva.
Fiquei olhando para ele em minha mão.
— Por que preciso de um guarda-chuva? Será que vou dar uma de Mary
Poppins? Talvez eu não fosse andar na linha ley, mas voar na linha ley.
Diga o que você quiser sobre a Mary Poppins, mas a Julie Andrews era uma
durona.
Minha tia sorriu e disse:
— Você nunca sabe. Pode ser que chova em Nova York.
Peguei o guarda-chuva. Meus nervos se agitaram em minhas entranhas,
apertando até que senti que poderia vomitar.
— Uh... como faço isso? Eu já havia passado por essa porta centenas de
vezes e sempre aterrissava onde deveria.
— Você precisa se aproximar com sua vontade e entrar na linha ley —
disse Ruth.
— Uma vez conectada, você só precisa abrir a porta e passar por ela.
Parecia bastante fácil. Até você errar e metade do seu corpo acabar em
Madagascar.
Tive um momento de hesitação. Fazer isso sozinha não era inteligente,
mas todos nós sabíamos que a loucura estava em meu DNA. Além disso,
quando eu encontrasse os outros, poderia ser tarde demais.
Respirei fundo e soltei o ar.
— Aqui não vai nada.
Eu me inspirei em minha vontade e estendi a mão para tocar a linha ley.
Uma explosão de energia repentina me atingiu e eu cambaleei, sentindo
uma vibração no chão. Concentrei minha energia e foco na linha ley. Pude
sentir sua energia trêmula sob meus pés, sob a Davenport House, correndo
como um enorme rio pronto para me levar embora.
Eu sabia que, se não entrasse nela corretamente, ela me mataria. Mas eu
estava ficando sem tempo e sem opções.
— É como um trem — murmurei.
— É como andar de trem.
Então, reuni coragem, estendi a mão, girei a maçaneta da porta e entrei.
Capítulo 28

B em,Aaperte meus mamilos e me chame de Frank.


sensação não era nada parecida com a que eu imaginava. Mas eu
nunca havia entrado em uma linha ley, então como eu poderia saber em que
loucura eu havia me metido.
Senti-me como se tivesse sido amarrada por uma corda no meio do
corpo e, de repente, fui empurrada para a frente. Deixei tudo sair e gritei
como uma banshee, imaginando se Ruth poderia me ouvir ou se eu já estava
fora de alcance.
Eu gritei quando meus pés saíram do chão e eu estava acelerando em
um uivo de vento e cores rodopiantes. Era um milagre eu estar de pé, bem,
pelo menos eu achava que estava de pé. Mas era muito difícil dizer quando
tudo ao meu redor era um borrão. Meu corpo estava se movendo,
avançando em uma linha ley como um trem invisível com combustível de
avião.
E eu continuei gritando.
Uma mistura de medo e alegria me atingiu como dez doses de uísque,
assim como uma onda de adrenalina sacudiu meu corpo. Eu ri. Gritei. Acho
que talvez eu tenha feito xixi.
Foi incrível.
A energia correu pela minha cabeça, pelo meu corpo, por toda parte.
Então, senti uma súbita liberação quando as imagens ao meu redor
diminuíram de velocidade até não ficarem mais embaçadas. Finalmente,
consegui distinguir uma estrada com postes de luz, carros e uma série de
casas. Era como se você estivesse olhando para fora de um vidro sujo. Eu
podia ver a cidade, mas não estava claro.
Meu corpo foi impulsionado para a frente novamente e partimos.
Ok, então isso foi uma parada. É bom você saber.
Foi então que percebi que havia me esquecido de perguntar a Ruth
como pular. Como fiz uma parada? Se eu tentasse ler o livro do manual da
linha ley, eu vomitaria em mim mesma. Eu era propensa a enjoos, por isso
não conseguia ler ou enviar mensagens de texto em um veículo em
movimento. Uma vozinha dentro de mim me dizia que ler em uma linha ley
seria pior.
Depois de apenas quinze minutos, ou o que eu acreditava ser quinze
minutos, cheguei à décima primeira parada. O nervosismo bateu e eu não
tinha certeza se estava tremendo por causa da minha ansiedade ou se era
apenas o efeito normal de andar em uma linha ley.
Se eu perdesse minha parada, estava ferrada. Se eu não saltasse
corretamente, estava ferrada.
E, sem mais nem menos, a propulsão ao meu redor diminuiu.
É isso mesmo.
As imagens ao meu redor se concentraram, e pude ver arranha-céus
altos e outdoors piscando na noite. Ouvi o barulho de carros buzinando
junto com todos os sons do trânsito. Não havia como confundir onde eu
estava, a familiaridade era tanta que era a cidade de Nova York.
Droga. Eu estava prestes a aparecer no meio da rua, cercado por
milhares de pessoas? Sim, era exatamente isso que estava prestes a
acontecer. Pelo menos ainda estava escuro, o que, com sorte, trabalharia a
meu favor para ajudar a disfarçar minha aparição repentina. Todos sabiam
que a cidade de Nova York tinha muitos malucos, então ninguém notaria ou
se importaria com mais uma bruxa maluca. Eu esperava que sim.
A linha ley, as imagens, pararam lentamente.
Eu me animei.
Um... dois... três!
Eu me joguei para o lado. Meus pés bateram no chão, cambaleei e
depois caí. Tudo girava como se eu tivesse caído do carrossel depois de usá-
lo por uma hora.
— Funcionou — eu disse, atônita, e lentamente me levantei. Olhei
rapidamente ao redor, para a multidão de pessoas que ainda estava se
misturando às quase três da manhã, mas ninguém prestou atenção em mim.
Nem mesmo um olhar.
Puxa vida. Eu tinha chegado à cidade de Nova York e inteira. Que bom
para mim!
A náusea bateu e eu cambaleei para frente e vomitei ao lado de um
carro estacionado. Fantástico.
Eu não tinha tempo para me preocupar com quem me viu vomitar
minhas tripas. Eu precisava chegar ao apartamento de Adan.
Como morei em Manhattan por cinco anos, eu a conhecia bem. Respirei
fundo, atordoada e trêmula. Foi quando percebi que havia perdido o guarda-
chuva da Ruth. Devo tê-lo deixado cair na linha ley quando pulei.
Sem náuseas, saí correndo pela 8 th Avenue, com as pernas ainda
trêmulas, mas continuei até chegar à West 57 th Street e virar à esquerda.
Eu não havia pensado muito sobre o que faria com Adan quando o
visse. Um golpe de caratê na garganta me veio à mente.
Mas quando meus pensamentos se voltaram para a Iris - o olhar
interminável de desespero e tristeza absolutos por ela não poder mais fazer
mágica sem se transformar em uma cabra - um poço de fúria surgiu em
mim. Sim, aquele desgraçado ia cair.
Então, vi a 4779 West 57 th Street. Minha corrida diminuiu até parar
bruscamente. Olhei de relance para o prédio de Adan, imaginando como
alguém poderia se dar ao luxo de tal luxo - aparentemente não mais. Ele era
ridiculamente alto, de modo que eu tinha de me inclinar para trás e colocar
a cabeça para trás se quisesse ver o topo. Uma beleza de calcário, acentuada
por luminárias que brilhavam em todos os andares, fazendo com que
parecesse que o prédio era feito de ouro. Parecia maciço e permanente,
como se quisesse que você parasse para dar uma olhada. O edifício era
arrogante, se é que isso era possível.
Mudando de marcha, caminhei até a porta de vidro da frente, entrei e
passei pelo porteiro. O rosto do senhor idoso estava cheio de rugas e dobras
de pele e, no momento, seus olhos estavam fechados e ele estava roncando
profundamente. O cara estava cochilando em pé. Essa foi a primeira vez.
Tentar parecer discreta enquanto movia minhas pernas mais rápido do
que o necessário exigiu alguma habilidade. Mas consegui chegar aos
elevadores sem ser parada. Com o coração batendo forte nos ouvidos,
apertei o botão de subida de um dos painéis do elevador e me afastei.
Não precisei esperar muito para ouvir o som das portas se abrindo.
Entrei e apertei o botão do nível dez com um dedo trêmulo. O elevador deu
um solavanco enquanto subíamos, meu coração acelerou enquanto
subíamos mais alto até que o elevador tocou novamente e eu saí correndo.
Havia cinquenta por cento de chance de Adan ainda estar em seu
apartamento. Se ele fosse organizado e inteligente, teria tomado uma linha
ley para longe da cidade. Possivelmente para outro país.
Eu esperava que ele fosse um grande idiota.
Quando cheguei à porta com o número 1006, eu estava encharcada de
suor. Que bom. Eu estava suando em lugares que nem sabia que tinha
poros.
Eu não tinha ideia do que esperar quando entrasse. Será que Adan era
um guarda florestal solitário? Ou ele tinha um grupo de bruxas com ele?
Talvez eu devesse ter pedido a Marcus e Ronin para se juntarem a mim.
Teria sido muito mais fácil derrubá-lo com três de nós.
Talvez essa não tenha sido uma boa ideia.
Mas só havia eu. E não havia tempo para duvidar. Eu tinha que ser o
suficiente.
Com a adrenalina me percorrendo e me sentindo como a versão
feminina de James Bond, estendi a mão e girei a maçaneta da porta. Ela
girou facilmente e não estava trancada. Se não estava trancada, isso
significava que Adan provavelmente já havia saído há muito tempo.
Mesmo assim, eu tinha que ter certeza. Entrei e fechei a porta
gentilmente atrás de mim. Soltando um suspiro trêmulo, esperei, esperando
que a pulsação de uma ala de proteção me atingisse enquanto eu estava na
entrada. Mas não havia nada.
Era normal que eu estivesse animado e assustado ao mesmo tempo?
Provavelmente não.
O apartamento estava mal iluminado, mas ainda assim pude ver que era
enorme, com o dobro do tamanho do primeiro andar da Davenport House.
— Ok, então, é legal. Mas ele ainda é um babaca — sussurrei para mim
mesma. Meus sapatos pisaram na rica madeira de lei enquanto eu avançava,
sentindo-me como se estivesse no foyer de um grande hotel.
Definitivamente um apartamento de solteiro, com muito preto e mogno
e a maior TV de tela plana que eu já tinha visto. Era praticamente uma tela
de cinema e ocupava uma parede inteira, de frente para alguns sofás e
loveseats. Uma mesa de centro estava coberta com copos e garrafas de rum
e uísque.
Uma grande lareira ficava na parede oposta, com um sofá e duas
cadeiras de frente para ela. Ela estava vazia. Depois da lareira, havia uma
grande cozinha de conceito aberto com uma ilha enorme que poderia
acomodar oito pessoas e ainda ter espaço. Os corredores se ramificavam de
cada lado, com portas e outros cômodos que desapareciam nas sombras.
Caminhei até o meio do apartamento e fiquei parada por um momento,
ouvindo qualquer som repentino, como alguém com pressa e fazendo as
malas, mas tudo o que ouvi foi a batida do meu próprio coração e o tráfego
abafado do lado de fora.
À primeira vista, eu teria pensado que um homem normal morava aqui.
Mas quando olhei atentamente para os sigilos e runas bordados nas
almofadas dos sofás, nas cortinas e esculpidos na madeira das cadeiras da
sala de jantar, percebi que um bruxo morava aqui. Só que agora eu tinha
certeza de que não havia ninguém morando aqui.
Droga. O apartamento estava deserto. Adan não estava aqui, e eu havia
perdido minha chance.
A raiva, seguida pelo desespero, veio até mim, fria e dura. Eu não havia
conseguido recuperar o anel do Ancião e ajudar Iris.
As tábuas do assoalho rangeram atrás de mim.
Eu me virei.
No corredor sombreado estava Adan.
Capítulo 29

E uuma
fiz algumas coisas realmente inteligentes em minha vida. Essa não foi
delas.
Eu havia pulado a linha ley para derrotar Adan, mas agora, enquanto
olhava para ele, não tinha ideia de como fazer isso.
— Ora, ora, ora. Se não é a Polícia de Merlin — riu Adan, com uma
expressão de surpresa em seu rosto estúpido. Ele largou a mala que estava
segurando e me olhou fixamente.
— Você vai a algum lugar? — Perguntei, minha mente girando com
ideias e tentando formar planos coesos, mas falhando. Olhei para sua mão
direita e vi o anel de Ancião ainda enrolado em seu dedo.
O rosto de Adan endureceu até que todos os seus traços bonitos e suaves
se enrugaram e se transformaram em algo realmente cruel e feio. Era como
se ele tivesse deixado de lado o disfarce, como se estivesse cansado de
fingir ser o mocinho. O monstro estava à solta.
— Como você me encontrou? — ele cuspiu. Não tinha mais aquela voz
bonita e gentil, que foi substituída por um tom áspero e suave.
Eu sorri.
— O Google é meu amigo. E a Iris também.
Certo, era hora de formular um plano de ataque. Ele ia usar a magia do
anel em mim. Isso era óbvio. Eu não tinha o poder para me equiparar, então
precisava usar meu cérebro. Eu tinha que ser mais esperta que esse
bastardo. Só não sabia como fazer isso.
O sorriso que se materializou no rosto de Adan me deu arrepios.
— Você está sozinha. Você está sozinha, não está?
Ele assumiu uma postura mais firme, com a cabeça inclinada em sinal
de satisfação e as mãos entrelaçadas diante de si.
— Você tem um rosto bonito, mas não tem inteligência para isso. Você é
uma bruxa estúpida se acha que pode tirar o anel de mim.
— Que venha a estupidez — eu disse, sabendo que o show de merda
que estava prestes a acontecer.
— Porque esse anel virá comigo.
Uau. Eu estava cheia de mim mesma esta noite. A culpa é das linhas ley.
Adan balançou a cabeça.
— Pelo menos Iris sabia quando estava sendo espancada. E sim, eu a
derrotei. Eu a derrotei muito bem.
O prazer em sua voz fez com que a bile subisse no fundo da minha
garganta.
Desgraçado.
— O único que vai levar uma surra esta noite é você, meu amigo.
Apontei para meus sapatos.
— Com meu sapato enfiado em sua bunda assustadora.
Eu ri da expressão de constipação em seu rosto. Ele havia assassinado
duas pessoas e amaldiçoado duas pessoas. O desgraçado merecia coisa pior
- muito, muito pior.
— Diga-me.
Eu sorri.
— Como você consegue colocar toda essa estupidez nessa cabeça
pequena?
As emoções caíram sobre ele em uma torrente fluida. O bruxo tinha um
ego muito sensível. Pobre bebê.
— Acho que vou bater em você também — disse ele, com aquele
sorriso sinistro voltando.
— Vou bater em você até você tossir sangue. Depois, vou sufocá-la até
a morte enquanto estiver em cima de você, ainda batendo em você, para que
eu possa ver a luz sair dos seus olhos.
Legal. Eu cerrei os dentes.
— Você é um filho da puta seriamente demente. Talvez eu seja novo
nisso tudo. Admito que não sei muito. Mas uma coisa que eu sei é que você
nunca vai me derrotar, seu canalha. Eu vou matar você primeiro.
Adan riu baixo, com um som vazio e duro que me arrepiou até a alma.
Como diabos eu o considerava doce, gentil e um cavalheiro? Eu devia estar
fora de mim.
A bruxa se adiantou até que apenas um sofá estivesse entre nós. Vi a
frustração e a raiva transparecerem em suas feições. Ele abriu as mãos, e o
anel do Ancião em seu dedo brilhou com uma luz amarela brilhante.
Meu pulso tremeu com o aumento do poder que emanava dele, um
poder que ressoava na terra, no ar, nas linhas ley, em tudo ao meu redor - o
poder de um deus. Ele gelou dentro de mim e, por um instante, não
consegui respirar. A força absoluta de seu poder me tomou e me fez dar um
passo para trás. Pontadas de poder se espalharam por minha pele e eu olhei
para o anel. Esse era um poder inimaginável alimentado por um canalha
assassino.
Sim. Isso foi muito mágico.
Um impulso selvagem de fugir me invadiu, nascido da magia do anel.
Cerrando os dentes, forcei-me a permanecer imóvel, canalizando minha
magia com minha vontade.
A única maneira de vencer era tirar o anel do dedo dele. Uma vez
tirado, eu estava garantido. Eu só precisava tirar o anel dele.
Mas, primeiro, eu precisava de respostas.
— Há algo que eu simplesmente não entendo — comecei.
— Por que matar Myrtle? O que ela tem a ver com tudo isso?
— Ela não tem, respondeu ele, surpreendendo-me.
— Ao contrário do que as pessoas pensam, a Maravilhosa Myrtle não
era uma farsa. Na verdade... ela era a verdadeira. Ela olhou para mim
naquela noite... e sabia. Eu vi isso em sua mente. Ela sabia o que eu estava
prestes a fazer.
— Então, você a matou — eu disse, lembrando-me de como ela havia se
assustado com o que viu sobre mim. E então me dei conta: através de mim,
Myrtle tinha visto sua própria morte de alguma forma. Ela sabia que nossas
vidas estavam interconectadas, mas não sabia exatamente como. Foi por
isso que ela me expulsou. Toda aquela gritaria não era por minha causa. Foi
por causa dela.
— E então você matou a Winnie porque... ela também viu. Não viu? Ou
ela descobriu que você matou a amiga dela?
Eu o encarei com firmeza.
— O único falso é você, Adan. Você não consegue nem fazer mágica.
Você sabe? Você tem que comprar seus feitiços porque não consegue fazer
nenhum. Você é magicamente impotente.
Oopsy.
Adan rosnou e bateu com o pulso.
Meus lábios se entreabriram e uma dose de sua magia me atingiu.
Soltei um uivo quando voei para trás e bati com força na parede dos
fundos, escorregando sobre a lareira e me espatifando no chão.
Ai. Isso sim doeu.
Meu corpo se ergueu, como se eu tivesse sido levantado pela mão de um
gigante invisível, e bati na parede novamente. Minha cabeça se chocou com
força contra a parede de gesso e, por um momento, vi estrelas
multicoloridas.
A risada chegou até mim, e eu pisquei para ver Adan caminhando em
minha direção com um sorriso cruel no rosto, mas o que vi em seus olhos
fez com que um medo primitivo me percorresse.
Com o pulso agitado, tentei me libertar dessas amarras invisíveis, mas
não conseguia nem me mexer. Meus braços e pernas estavam estendidos,
presos à parede por sua magia. Pela magia do anel.
Eu poderia não ter o uso de meus membros, mas não havia nada de
errado com minha boca.
Concentrando-me, reuni a energia dos elementos ao meu redor. O poder
foi derramado em mim, girando e fervendo com uma vida própria e
trêmula.
Eu concentrei e gritei:
— Accendo!
Uma bola de fogo saiu da minha palma e se chocou contra o peito de
Adan.
O bruxo cambaleou, com grandes chamas amarelas e alaranjadas
subindo acima dele. O calor do fogo aqueceu meu rosto à medida que
crescia e o envolvia, até que ele desapareceu sob as chamas.
Fiquei surpresa. Nunca pensei que funcionaria, mas parecia que sim.
Esperei pelo lamento e pelo cheiro de queimado que se seguiu à queima
de uma criatura.
Mas isso nunca aconteceu.
Adan apenas... se sacudiu, como um cachorro molhado faria depois de
um banho, e o fogo se apagou. Ele olhou para mim e me deu um sorriso
presunçoso.
— Isso é o melhor que você consegue fazer? —ele riu.
Ok, ele poderia ter vencido essa batalha. Mas o bruxo arrogante havia
cometido um erro.
Enquanto ele se concentrava em remover o fogo que o cercava, ele
soltava a magia que me prendia.
— Filho da puta — xinguei, avançando.
Bati nele, derrubando-o no chão de madeira, mas ele não ficou caído
por muito tempo. Ele se levantou, com o rosto enrugado pelo que eu
suspeitava ser outra rajada da magia do anel.
Esqueça o uso de minha magia. Usei as três sessões de aulas de
autodefesa que fiz em Manhattan e dei um chute nas bolas do desgraçado.
Em caso de dúvida, você deve usar as bolas. Isso sempre funcionou. E
não importa quão grandes e fortes elas fossem... elas sempre caíam.
— Sua vadia — sussurrou Adan ao cair de joelhos, com as mãos
cobrindo a virilha.
— Ah, isso está doendo? — Eu sorri com meu melhor sorriso de selfie
para o bruxo que gemia.
Vi minha janela de oportunidade e fui em frente.
A adrenalina aumentou quando me lancei em direção ao ringue.
Algo duro bateu na lateral da minha cabeça e eu cambaleei e caí de
joelhos. Ele levantou a mão e me deu um soco forte na bochecha. Minha
respiração saiu em um suspiro doloroso.
Concentrando-me, usei minha vontade de poder, invocando os
elementos, e gritei:
— Infli-.
Adan ergueu a mão e minha palavra de poder morreu em minha
garganta. Uma sensação estranha me atingiu com uma onda de febre fria,
fazendo minha pele suar e eu começar a tremer.
Com a mandíbula cerrada, tentei novamente. Chamei os elementos,
puxando as energias.
E nada.
Nenhum zumbido de resposta ou formigamento em minha pele. Não
havia corrente elétrica dentro do meu núcleo. Havia apenas um vazio.
Minha magia havia desaparecido. Meu poço de poder estava vazio. Era
como se Adan - o anel - tivesse tirado minha magia de mim.
Adan riu do medo que viu em meu rosto.
— Quem é magicamente impotente agora, vadia?
Eu estreitei meus olhos.
— Ainda é você. E aposto que você também tem um pênis pequeno.
Adan levantou uma sobrancelha.
— Você tem uma boca e tanto.
— Eu sei.
Um sorriso de satisfação surgiu em seu rosto.
— Essa é tanto a sua subida quanto a sua queda.
— Permita-me discordar.
— Eu vou matar você, Tessa Davenport.
— Não, você não é, Adan... uh... qual é o seu nome mesmo? Eu esqueci.
Acho que você não é tão importante para mim.
Seus olhos se estreitaram.
— Mas, primeiro, vou torturar você... Bem devagar. É o meu presente
para você, Tessa. Você vai sentir tudo. Você vai sentir tudo, eu prometo.
Uma bruxa inteligente sabia quando tinha sido derrotada. E uma bruxa
inteligente sabia quando parar.
Hora de ir embora.
O terror superou todo o meu treinamento, o medo se transformou em
modo de sobrevivência. Ele era muito forte. O anel era forte demais. Sem
minha magia, eu estava praticamente morto.
Dei meia-volta e corri para a porta.
Adan bateu em mim e nós dois caímos sobre a mesa de centro. Minha
bolsa voou sobre minha cabeça quando caí. Garrafas e copos se chocaram
contra o piso de madeira enquanto eu tentava me afastar. Mãos fortes me
agarraram, arrancaram-me da mesa e me empurraram no chão enquanto ele
me prendia com seu peso.
—Você está pronta para uma surra, bruxa? — disse Adan, com os olhos
escuros de ódio e desejo.
Minha pulsação acelerou quando o senti extrair mais da magia do anel.
— Saia de cima de mim! Você é um desgraçado! — Eu gritei enquanto
me debatia e chutava debaixo dele.
— Largue-me!
Mãos frias e ásperas envolveram minha garganta, cortando meu ar. Meu
coração batia descontroladamente e eu não conseguia respirar quando
percebi o que estava acontecendo.
A magia de Adan correu por mim enquanto sua força em meu pescoço
se intensificava. Uma escuridão inundou minha mente, e entrei em pânico
ao me sentir extinguir.
Eu estava à beira da loucura, incapaz de respirar e de pensar. Tentei
gritar, mas foi inútil.
O medo me invadiu quando ele não me soltou. Ele continuou a me
apertar e a me empurrar com seu corpo no chão.
— Sua bruxa estúpida, disse ele com desdém, cuspindo em meu rosto.
Adan fez um som de prazer quando lambeu a lateral do meu rosto. Acho
que vou matar você primeiro. Depois vou bater em você.
Estrelas manchavam minha visão. Eu não tinha mais ar em meus
pulmões, apenas a pressão constante das mãos de Adan em minha garganta,
enquanto ele apertava cada vez mais forte. O prazer em seu rosto ao me ver
morrer, ficando excitado com isso, era a coisa mais horrível que eu já tinha
visto.
Ele ia me matar, e eu não tinha forças para impedi-lo.
Minhas mãos caíram inutilmente ao meu lado, e algo afiado cortou meu
dedo.
Uma pequena chama de esperança se acendeu em meu peito, seguida
por aquela fúria primordial de querer viver e matar esse bastardo antes que
ele acabasse comigo.
Com o que restava de minha força, auxiliado por aquela vontade dentro
de minha alma, envolvi minhas mãos em um caco de vidro afiado, cortando
a carne macia de minha palma e dedos. E o enfiei em sua jugular. Ele
atingiu sua carne com um baque forte.
Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. Primeiro, Adan soltou sua
mão em meu pescoço. E, segundo, ele se afastou de mim, pegou o copo que
estava em seu pescoço e o retirou.
Todos sabiam que você nunca deveria fazer isso. Acho que ele
realmente era o idiota que eu pensava.
Aspirei o ar, arfando e engasgando enquanto me afastava de Adan e da
fonte de sangue que jorrava de seu pescoço.
Que horror. Meu estômago se revirou. Não sabia que seria tão sangrento
e macabro. Se ele não tivesse tentado me matar, eu poderia ter sentido pena
dele. Mas a única emoção que me restava era a raiva, talvez com um pouco
de satisfação.
Um gorgolejo úmido saiu da boca de Adan enquanto ele tentava falar,
com os olhos arregalados em súbito terror e pânico. O caco de vidro
ensanguentado soou quando ele o deixou cair e caiu no chão. Ele
pressionou as mãos na garganta, enquanto caía de lado, imóvel, até que vi a
vida se esvair de seus olhos. Grossas torrentes de sangue vermelho jorraram
do orifício de seu pescoço e, por fim, diminuíram até desaparecer.
Engoli e estremeci. Minha garganta parecia que eu tinha bebido lâminas
de barbear. Depois de olhar para o corpo de Adan por um minuto inteiro,
certificando-me de que ele não piscava nem se contorcia - queria ter certeza
de que o bastardo estava realmente morto -, contornei a poça de sangue e
fiquei ao lado de sua mão direita, tremendo de adrenalina. Um anel dourado
piscou para mim, esperando que eu o pegasse.
Respirando com dificuldade, olhei para ele. Se você fosse como eu e
não apenas tivesse lido O Hobbit e O Senhor dos Anéis várias vezes, mas
também tivesse visto os filmes pelo menos cinquenta vezes - cada um -, não
gostaria de tocar naquele lindo anel de ouro. Você entende o que estou
dizendo?
Fui até a cozinha de Adan, peguei um pano de prato no balcão e voltei
correndo. Usando a toalha como uma luva, agarrei cuidadosamente o anel e
puxei, surpreso com a facilidade com que ele saiu. Quase como se quisesse
sair.
Dobrei a toalha em volta do anel e a coloquei em minha bolsa, soltando
um suspiro trêmulo.
— Muito bem. É hora de percorrer as linhas ley.
E, dessa vez, eu estava realmente empolgada.
Capítulo 30

U ma semana havia se passado desde minha pequena discussão com


Adan, o idiota. O Festival da Noite já tinha acabado há muito tempo.
Eles fizeram as malas e foram embora na manhã seguinte após o último
show e, na minha opinião, ja estava na hora.
O Festival da Noite, embora eu estivesse tão empolgada com a ideia de
ver e descobrir coisas novas em minha comunidade paranormal, acabou
sendo um fracasso. Se eu nunca mais tivesse que passar por um festival
novamente, não poderia estar mais feliz.
Uma brisa fresca da manhã entrava pela janela aberta da cozinha,
trazendo o aroma do outono e a promessa de um clima mais fresco e folhas
de cores espetaculares. O outono era minha época favorita do ano. Eu
adorava o clima mais frio, menos insetos e ar fresco. E a proximidade do
Samhain fazia meu humor disparar, saltando nas nuvens.
— Café? — perguntou Iris, com uma xícara fumegante na mão.
— Ia adorar um pouco de café.
Iris sorriu calorosamente e colocou o café à minha frente na mesa da
cozinha. Depois, foi se servir de uma xícara. Seu cabelo estava preso em
tranças com elásticos rosa combinando, e ela parecia uma boneca.
As tias decidiram que Iris ficaria conosco na Casa Davenport. Ou seja,
até que ela quisesse ir embora. Ela tinha um convite aberto. Seu quarto de
hóspedes havia se tornado seu próprio quarto. Todas nós nos unimos à
bruxa das trevas. Não havia muitas bruxas no mundo, e nós, bruxas, brancas
ou das trevas, tínhamos que nos manter unidas.
Além disso, eu adorava ter a excêntrica bruxa conosco. Ela fazia a Ruth
parecer mais normal.
— Como você está se sentindo? — Perguntei à Bruxa das Trevas, vendo
que sua cor havia voltado ao seu lindo rosto de fada.
Iris se virou e sorriu.
— Como se eu pudesse amaldiçoar alguém, sabe.
Eu acompanhei seu sorriso.
— Eu conheço a sensação.
Quando cheguei à Davenport House com o anel do Ancião naquela
manhã, cortesia de uma linha ley, Iris pulou em meus braços e me abraçou
até que eu não conseguisse respirar.
— Voltou! Minha magia! Toda ela! — ela gritou em meu ouvido, com o
rosto molhado de suas lágrimas.
Sim, eu havia pulado uma linha ley em casa, mas não a mesma.
Acontece que você não usa a mesma linha ley quando quer voltar na
direção oposta àquela em que saltou originalmente. Você usa uma linha
diferente.
Aprendi da maneira mais difícil depois de voltar e entrar na linha ley na
esquina da 8 th Street com a West 59 th Street, e depois pular fora depois de
contar as doze paradas, apenas para me ver cercada por palmeiras e um
calor sufocante.
Felizmente, meu pequeno livro negro explicava claramente que você
precisava encontrar a linha ley indo para o norte, de volta ao Maine, e não
para o sul. As linhas ley se moviam constantemente em uma direção.
Depois de cerca de uma hora vagando pelo clima quente, localizei a linha
ley correta para o norte e voltei para casa inteiro. Eu era uma profissional.
Ruth entrou na cozinha com um frasco com uma substância azul na
mão. Ela o colocou cuidadosamente ao lado de uma pilha de livros de
feitiços sobre o balcão.
— Isso é para o Marcus? — perguntei. Admito que o fato de eu não
saber o que minha tia estava fornecendo ao chefe me deixou um pouco
louca. A última notícia que tive de Marcus foi a mensagem de texto que ele
enviou há uma semana, dizendo que o corpo que havia dado à costa em
Sandy Beach era de fato de Winnie. Com dois cadáveres em sua cidade, o
chefe estava muito ocupado com as consequências dos casos. Suas famílias
o criticaram duramente, culpando-o pelos assassinatos, por não tê-los
mantido em segurança, e eu estava feliz por Merlins não terem que lidar
com esse tipo de porcaria. Embora eu tenha me sentido mal por Marcus.
Ruth se virou.
— Eu estava pensando em waffles belgas para o café da manhã de hoje.
O que vocês acham, meninas?
— Parece ótimo. Adoro waffles belgas.
Iris puxou a cadeira à minha frente e se sentou.
Eu não estava desistindo.
— Por que não posso saber o que há nesse frasco?
Ruth colocou as mãos nos quadris.
— Pergunte a Marcus. Agora. Você quer waffles ou quer que eu faça
minha omelete especial de tomate?
Tomei um gole do meu café.
— Está bem. Waffles parecem ótimos — eu disse, e Iris bufou.
—O quê? Eu vou saber o que é essa coisa azul. E vou fazer o Marcus
me contar.
— Aposto que você vai — sorriu Iris, e deu uma piscadela.
— E todos os tipos de outras coisas, sua bruxa suja.
Eu ri muito. A sensação foi ótima.
— Ele me deixa louca às vezes.
Tipo, o tempo todo.
Iris apoiou os cotovelos na mesa.
— Ele já convidou você para sair?
— Quem convidou quem para sair?
Beverly entrou na cozinha cheirando a sabonete fresco e rosas e vestida
como se estivesse saindo. Ela foi direto para a cafeteira e serviu-se de uma
xícara.
— Se Marcus já convidou Tessa para sair — respondeu Ruth enquanto
pegava uma tigela e colocava um pouco de farinha nela. Ela abriu seis ovos
e os misturou com um batedor.
Beverly tomou um gole de seu café e se encostou no balcão.
— Se não fizer isso, ele é um tolo — disse ela e sorriu para mim.
— Quem é um tolo? — Dolores entrou na cozinha e deixou uma pilha
de papéis sobre a mesa. Diante da expressão de surpresa em meu rosto, ela
disse.
— Estou tendo uma reunião com Gilbert sobre o fato de ele querer
limitar cinco quilos de manteiga por cliente. Alguém pode me dizer de qual
idiota estamos falando?
— Marcus — disse Iris, com um sorriso no rosto.
— Todos nós queremos saber por que ele ainda não convidou a Tessa
para sair. Porque todos nós sabemos que ele está caidinho por ela.
— Ele não é — eu disse enquanto meu rosto se inflamava.
Aquele beijo ainda estava fresco em minha mente. Eu esperava que ele
ligasse ou até mesmo enviasse uma mensagem, mas ele não o fez. Talvez
ele tivesse seus motivos. Ele estava com as mãos ocupadas com os dois
assassinatos. Talvez eu estivesse interpretando demais esse beijo. Mas que
beijo tinha sido...
E ainda havia aquela pergunta persistente que eu queria fazer a ele... por
que ele havia colocado um ponto de interrogação ao lado do nome do meu
pai no meu arquivo. Eu ainda não havia perguntado a ele, em parte porque
ele saberia que eu havia invadido seu escritório, mas principalmente porque
eu ainda não estava pronto para saber se havia alguma verdade no ponto de
interrogação.
Mas eu estava pronto para saber quem era aquela linda morena em seu
braço. Eu não tinha me esquecido.
O celular de Iris tocou e ela o pegou. Um sorriso se espalhou por seu
rosto quando ela leu a mensagem que acabara de chegar. Provavelmente era
de Ronin. O meio-vampiro tinha se apaixonado muito pela bruxa das trevas,
e parecia que era recíproco.
— Quase me esqueci. Aqui, Tessa. Isto chegou pelo correio para você
hoje.
Dolores me entregou um envelope branco.
— Obrigada.
Curiosa, peguei a carta e li o endereço de retorno: Instituto de Objetos
Paranormais e Mágicos, Nova York, Nova York, HB10028
— De quem é? — perguntou Iris, inclinando-se para a frente, parecendo
tentar ver através do envelope.
— O Instituto de Objetos Paranormais e Mágicos em Nova York —
respondi, imaginando por que eles gostariam de escrever para mim.
— Você não devolveu o anel do Ancião para eles? — perguntou
Beverly. — Por favor, diga-me que você devolveu.
— Eu devolvi.
Estranho.
— O que será que eles querem?
Abri o envelope e tirei um pedaço de papel fino e um cheque.
— Puta merda.
— Olha como fala — repreendeu Dolores.
— Puta merda — eu disse novamente, olhando para todos os zeros no
cheque.
— É um cheque.
Eu olhei para elas.
— É um cheque de cinquenta mil dólares.
— De jeito nenhum!
Iris deslizou sobre a mesa e aterrissou ao meu lado, pegando o cheque
em seus dedos.
— Oh, meu Deus. É mesmo. Nunca tive tanto dinheiro nas mãos antes.
— Eu também não.
Fiquei olhando para minhas tias.
— Por que eles me dariam tanto dinheiro?
— Você leu o bilhete? — disse Dolores, em seu tom prático.
Peguei a carta e a li rapidamente.
— Eles dizem que é um agradecimento por você ter devolvido o anel do
Ancião. Meu coração estava batendo no peito.
— Você sabe o que isso significa?
Coloquei o papel no chão.
— Significa que finalmente posso me livrar dessa dívida gigantesca.
Fiquei sentada em minha cadeira, com um peso repentino tirado de
meus ombros, como se aquele enorme fardo de carregar tantas dívidas e me
preocupar com quando e se eu poderia pagá-las tivesse desaparecido.
— Isso é real?
Iris lambeu o cheque e mordiscou um canto.
— É real.
Deixei o papel cair sobre a mesa, sentindo-me surreal e feliz.
Finalmente, eu poderia começar a economizar para comprar um carro e não
teria que pegar emprestado o Volvo antigo da minha tia.
— Ooh! Está chegando um trabalho.
Ruth deixou cair o saco de farinha que estava segurando e ele explodiu
em uma nuvem de poeira branca no chão e nos dedos dos pés.
Um zumbido elétrico veio da torradeira. Houve um estalo repentino e
um cartão saiu voando. Ruth o pegou facilmente.
— É um novo trabalho? — Perguntei, sentindo-me mais leve, com meu
humor melhorando. Eu me sentia invencível. Hoje seria um grande dia. Eu
simplesmente sabia disso. Sentia isso em meus ossos. Talvez eu até ligasse
para o Marcus. Eu me sentia louca.
Ruth me entregou a carta, com o rosto contraído de preocupação.
— É para você.
— Qual é o problema? O que está escrito?
Peguei o cartão, com o queixo de Iris roçando meu ombro, e vi Dolores
e Beverly se aproximarem de mim.
Engoli e li.

Prezada Sra. Tessa Davenport,


A presença de vocês é obrigatória em High Peak Wilderness, Nova York, no
dia 31 de outubro st , às 9 horas, para dar início às provas de bruxaria, ou
sua licença Merlin será revogada.
Atenciosamente a você,
Greta Trickle , Divisão de Treinamento em Julgamentos de Bruxas,
Diretora.
Grupo Merlin, NY

Ah, droga. Eu estava sendo convocado para os julgamentos de bruxas.


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Sobre A Autora

KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e livros
para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato velhinho.
Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão disponíveis em mais de
sete idiomas.

Para saber mais sobre a autora, acesse:

www.kimrichardsonbooks.com

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