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Contents
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
E uMinhas
estava diante da porta do porão, com o coração aos pulos de excitação.
tias haviam saído cedo pela manhã, deixando-me sozinha na
Casa Davenport. A casa de fazenda de 445 metros quadrados, tinha quartos
suficientes para ser considerada uma pousada, tinha passagens secretas,
lugares escondidos e portas fechadas misteriosas suficientes para me manter
ocupada por meses. O que eu deveria estar fazendo agora era lavar a louça,
ou mesmo capinar o jardim de ervas que mais parecia um pedaço de grama
pronto para as vacas. Mas minha curiosidade tinha vontade própria e, antes
que eu percebesse, estava em frente à porta do porão, com os dedos dos pés
balançando em antecipação.
Minhas tias continuavam evitando minhas perguntas sobre esse porão
de lobotomização masculina. O fato é que eu não tinha a menor ideia do
que havia acontecido com aqueles três homens lá embaixo. Eles tinham
entrado e saído alguns dias depois - vivos, mas com alguns parafusos
faltando em suas cabeças. Trapaceiros, exposição indecente a menores... Eu
achava que a Casa Davenport tinha feito algo com eles. Havia tirado parte
de sua força vital, seu próprio mojo, a energia interior que todos os mortais
possuem. Eu não teria certeza de nada até que fosse até lá e verificasse por
mim mesma.
Claramente, minhas tias não queriam que eu soubesse o que acontecia
no porão, o que só consolidava o fato de que era ruim ou perigoso. Como
bruxa, perigoso e ruim estavam em meu DNA, qualidades das quais eu me
orgulhava, muito obrigada.
Um sorriso malicioso se espalhou pelo meu rosto. Vou passar por
aquela porta e descobrirei o segredo da Casa. E se eu perdesse um dedo?
Valeria a pena.
Eu não tinha ideia de quando minhas tias voltariam, mas não podia
pensar nisso agora. Eu só precisava de alguns minutos, tempo suficiente
para bisbilhotar o porão e finalmente descobrir o que diabos havia lá
embaixo.
Já decidida, estendi a mão, agarrei a maçaneta e me virei.
— Está trancada — anunciei ao universo, puxando a maçaneta com
força, mas a porta não se moveu.
— Você só pode estar brincando.
Aparentemente, minhas tias não queriam que eu vagasse pelo porão. Ou
isso, ou elas não confiavam em mim para conhecer seus segredos. O quão
ruim poderia ser? Que diabos havia lá embaixo, afinal?
É isso aí. Agora eu realmente precisava saber.
— Somos só você e eu, porta. E você vai cair — eu disse.
Encostando meu exemplar do Manual da Bruxa no quadril, folheei as
páginas até encontrar o que precisava.
"Como abrir uma fechadura", eu li.
— Isso é muito fácil.
Depois de ler as instruções - que, mais uma vez, eram muito fáceis -
peguei um pedaço de giz na minha bolsa e desenhei um símbolo em forma
de chave na porta. Concentrando-me, aproveitei o poder dos elementos ao
meu redor e disse o encantamento:
— Reserare secreta.
Um influxo de energia me invadiu, e o símbolo em forma de chave na
porta brilhou em um dourado intenso, parecendo irreal como uma joia
brilhante. Contive o surto de energia que queria escapar do meu controle,
permitindo que apenas uma pequena quantidade se espalhasse. O símbolo
brilhou uma última vez e depois voltou ao seu estado monótono,
semelhante a giz.
Sorrindo, estendi a mão e puxei a maçaneta da porta. Mas era como
tentar abrir um bloco de cimento.
— Mas que diabos?
Girei a maçaneta novamente e até mesmo a puxei com força para
garantir. Mas, ainda assim, a porta do porão não se abria.
Que porcaria. Eu tinha certeza de que funcionaria. Olhei de relance para
o encantamento, imaginando se eu havia dito as palavras incorretamente,
embora tivesse sentido a magia se espalhar por mim. O símbolo em forma
de chave tinha brilhado e reagido à magia. Não. Eu tinha feito tudo certo. O
que só poderia significar que... outra força estava agindo aqui e não estava
permitindo que eu destrancasse a porta.
— Casa? — Eu gritei, sabendo que essa era a única explicação.
— Você está fazendo isso? É melhor que não esteja.
Coloquei uma mão no quadril e olhei em volta da cozinha, do corredor,
sem saber o que esperar.
Os canos na parede emitiram um gemido e um estalo repentinos que
pareciam muito com risadas.
Essa foi minha resposta.
Franzindo a testa, fechei o livro, com a decepção e a raiva se agitando
dentro de mim.
— Por quê? Por que você não me deixa passar? O que há lá embaixo,
afinal? Eu sou uma bruxa de Davenport, droga. Você deveria me deixar
entrar.
Esperei que a Casa respondesse, o que por si só já era um pouco tolo. A
Casa não pronunciava palavras. Era mais como um mordomo invisível e
mudo. Mas, ei, você nunca sabia. Coisas mais estranhas já aconteceram
nesta cidade.
Depois de mais um minuto de silêncio, vi meu símbolo de chave
desenhado a giz desaparecer em três toques, como se alguém tivesse
passado um pano nele e o limpado da porta.
— Legal. Muito legal.
— O que se passa, querida?
Uma figura esguia entrou pela porta dos fundos da cozinha. A pequena
bruxa usava uma calça de linho bege com uma blusa de linho branca, que
acentuava sua pele bronzeada e seu cabelo loiro na altura dos ombros. Seus
saltos altos faziam barulho no chão enquanto ela jogava quatro grandes
sacolas de compras na ilha da cozinha.
— Você está pálida, Tessa — disse minha tia Beverly, com os olhos
verdes apertados.
— Tenho um bronzeador novo que vai resolver esse problema. E você
poderia usar um pouco de brilho labial.
— Mmm-hmm.
Fiquei ali parada, com o coração batendo no peito e sentindo como se
tivesse sido pego mexendo no armário da minha tia. Talvez a Casa tenha
apagado todas as evidências da minha tentativa de invasão para me poupar
de mais humilhações.
Mas eu ainda não estava desistindo. Um dia, vou passar por aquela
maldita porta. Você só precisa me observar.
— O que é tudo isso? — perguntei, indo até a ilha da cozinha. Coloquei
meu livro no balcão e olhei dentro de uma das sacolas.
— Definitivamente, não são mantimentos.
Vi uma caixa azul clara com um brilho metálico.
— Você foi às compras? Parece chique.
Eu sorri, sabendo que minha tia Beverly era a única de nós, bruxas de
Davenport, que se preocupava em seguir as últimas tendências da moda. Eu
só usava o que parecia limpo e sem cheiro.
— Foi exatamente o que eu disse a ele — disse minha tia Dolores ao
entrar pela porta dos fundos da cozinha com uma sacola de compras
semelhante às que Beverly trazia pendurada na mão.
— Você não pode misturar Avena Sativa e Damiana e polvilhar no seu
pênis na esperança de que ele cresça. As ervas são para manter a ereção.
Somente um tolo faria algo tão imprudente.
Com 1,70 m de altura, Dolores era a mais alta das bruxas de Davenport.
Magra, com uma sagacidade de ponta de faca, seus longos cabelos grisalhos
estavam bem penteados para trás em uma trança. Seus olhos castanhos-
escuros eram brilhantes e inteligentes enquanto ela se posicionava como
uma professora, incitando um aluno a tropeçar.
— Eu gostaria de estar lá para ver a cara da esposa dele quando ela o vir
nu.
Ruth deu uma risadinha ao se aproximar da irmã. Quase uma cabeça
mais baixa, toda sorridente e saltitante em seus pés minúsculos, seu cabelo
branco estava preso em um coque e preso no lugar com dois lápis.
— A menos que ela goste de pênis verdes... então, ela pode gostar —
acrescentou, enquanto se dirigia para a cozinha.
Agora, isso foi interessante. — De que pênis infeliz estamos falando?
— De Jim Forrester.
Dolores pendurou a bolsa no suporte de madeira na parede ao lado da
porta dos fundos.
— O idiota queria alongar o pênis. Mas essas ervas são para manter a
excitação sexual. Uma versão mais natural do Viagra, se você preferir.
Homens.
— Então, agora ele está preso a um verde rígido, não é?
Dolores bufou.
— Sim, ele está um pouco em pânico. Mas não há nada que possamos
fazer. Ele vai ficar bem. Ele só precisa... esperar.
Eu ri.
— Até que o pequeno Jim verde fique mole novamente.
Ruth começou a rir, seu rosto sorridente se iluminou ao me ver. Ela
colocou sua sacola de compras ao lado da de Beverly na ilha.
— Você está com fome, Tessa? Posso preparar algo para você. Você
quer panquecas? Ou você prefere uma omelete?
— Estou bem, obrigada - disse eu, um pouco envergonhada por, aos 29
anos, ainda ser um desastre na cozinha e o cereal ser minha comida
preferida. Não era o cereal o alimento de conforto de todo mundo?
Meu olhar se voltou para as três irmãs, com um sorriso estampado no
rosto.
— Vocês todas vão ter encontros animados hoje à noite?
Beverly tinha um encontro com um homem diferente quase toda
semana, então isso não era surpresa. Mas eu nem sabia que Ruth e Dolores
estavam namorando. As três irmãs eram todas viúvas, pelo menos uma boa
década após a morte de seus maridos. Elas deveriam estar namorando.
Ninguém deveria viver sua vida sozinho. Estranho pensamento, vindo de
alguém que havia jurado não namorar depois que meu ex, John, o idiota, me
deixou há quatro semanas, depois de cinco anos. Afastei o pensamento dele
de minha mente. Não era hora de me lamentar.
Um par de olhos cinzentos hipnotizantes, emoldurados por cílios
grossos e pretos e acompanhados por um agradável aroma almiscarado,
braços fortes e musculosos e um peito largo apareceram em minha mente.
Marcus. O chefe aqui em Hollow Cove.
O calor passou do meu pescoço para o meu rosto. Malditos hormônios.
Não tivemos um bom começo - totalmente por culpa dele -, pois ele
chamou minha mãe de "desperdício de espaço" na frente de toda a cidade.
Mas depois do que Martha confessou sobre a terrível tomada de decisão de
minha mãe ao deixar seu posto, que resultou na morte do melhor amigo de
Marcus, eu pude entender sua hostilidade e seu ódio aberto por mim.
Mesmo assim, ele me ajudou a derrotar Samara e seus seguidores. Ele
até me protegeu e me levou para casa depois da batalha na floresta com a
feiticeira. Eu não tinha certeza de como estávamos agora. Amigos? Não,
não éramos amigos. Então, o que isso fazia de nós?
— Você não sabe? — perguntou Ruth, inclinando-se para a frente na
ilha, com os olhos arregalados de incredulidade.
Olhei para ela, minhas sobrancelhas se encontraram no meio.
— Você sabe o quê?
Dolores colocou a mão no quadril.
— Sua mãe não contou a você nada sobre nossa cidade e suas
festividades?
— Sim. Ela disse que vocês eram todos loucos.
— Parece com ela - murmurou Beverly enquanto colocava uma mecha
de cabelo loiro atrás da orelha.
Dei de ombros.
— Eu desisto. Que festividades?
— Aqui.
Beverly me entregou uma de suas bolsas, com um traço de sorriso na
boca.
— Isso é para você.
Minha boca ficou aberta por um momento.
— Você me trouxe alguma coisa?
Peguei a bolsa dela e dei uma olhada dentro. Era aquela com uma caixa
azul metálica.
— Abra-o — incentivou Beverly, com os olhos brilhando.
— Ah, e esta também — ela acrescentou e me entregou uma sacola
menor com uma caixa branca decorada com estrelas roxas.
Fazendo o que me foi pedido, tirei a caixa azul da sacola e a coloquei no
balcão da ilha. O rótulo Boutique Marie France estava elegantemente
estampado na parte superior em letras pretas. Com os dedos tremendo de
empolgação, levantei a parte superior da caixa e movi o papel de seda
branco para o lado. Um material preto brilhante apareceu para mim, liso e
elegante, com alças finas, implorando para que eu o pegasse. Então, é claro,
eu aceitei.
Levantei a peça de roupa e dei um pequeno suspiro quando ela caiu,
batendo em meus tornozelos.
— Você comprou um vestido para mim?
Fiquei olhando para o vestido mais bonito que já havia segurado em
minha vida. Eu nem sequer tinha algo tão caro ou elegante. O único vestido
que eu tinha era um de algodão que comprei na Gap há alguns anos. Eu
nunca havia sentido o material desse vestido antes, suave e sedoso sob meus
dedos como metal líquido. Deve ter custado uma fortuna. Percebi que a
etiqueta de preço estava convenientemente faltando.
— Você gosta? — perguntou Ruth, com um toque de preocupação na
voz, como se eu fosse louca o suficiente para não gostar.
— É claro que ela gosta — disse Beverly.
— Basta você olhar para ela. Sempre percebo quando uma mulher sabe
que esse é o vestido certo. Ele é perfeito. Chique e elegante.
Dolores bufou.
— Como o biscoito.
Beverly estava certa.
— É lindo — respondi, com dificuldade para desviar o olhar do vestido
sedoso e supersexy.
— E parece muito caro. Será que podemos pagar por isso?
A culpa ameaçou parar meu coração. Eu estava nadando em dívidas.
Nunca poderia comprar algo tão requintado e caro. Minhas tias não
deveriam estar gastando o pouco dinheiro que tinham comigo ou com esse
vestido. Não parecia certo.
— Temos que estar em nossa melhor aparência esta noite, senhoritas —
anunciou Dolores, como se isso fosse resposta suficiente. Ela sorriu com o
que viu em meu rosto.
— Por que isso? E por que eu preciso de um vestido?
Apertei o lindo vestido preto contra meu peito. Não pude evitar. Ele era
espetacular.
— Porque, minha querida sobrinha — disse Beverly, com a mão no
quadril curvilíneo, parecendo uma clássica estrela de cinema dos anos
cinquenta, — Hoje começa o Festival da Noite.
Capítulo 2
D euma
acordo com minhas tias, o Festival da Noite era uma reunião anual,
extravagância de festival paranormal que apresentava uma
infinidade de rostos famosos, influentes e poderosos nos círculos
paranormais, com alguns humanos misturados.
Eu nunca tinha ouvido falar de tal coisa. Os únicos festivais que eu
conhecia eram os festivais comuns do solstício de inverno e de verão, os
equinócios da primavera e do outono e o Samhain, meu favorito. Portanto,
isso era novidade para mim. O festival era um evento de cinco noites, e
parecia estranho e misterioso. Vindo de uma bruxa que havia perdido a
maior parte de todas as coisas paranormais quando era criança, eu estava
tão entusiasmada quanto uma criança que havia caído em uma caixa cheia
de filhotes. É claro que eu tinha que dar uma olhada.
Era uma chance para eu ver como o resto de nós, paranormais, vivia. Eu
poderia ter um vislumbre do nosso mundo sem ter que pegar um avião ou
um ônibus, que eu não podia pagar no momento. Não vamos nos esquecer
de que eu estava mergulhada em dívidas. Cada centavo que eu ganhava era
destinado ao pagamento de minha enorme dívida. Eu havia conseguido
reduzi-la para quarenta e nove mil quatrocentos e cinquenta. Mas, no ritmo
em que eu estava indo, teria oitenta e dois anos quando ela fosse totalmente
paga.
A ideia de minha enorme dívida me deixou em profunda depressão.
Rapidamente me livrei desses pensamentos mórbidos, optando por algo que
melhorasse meu humor. E eu sabia exatamente o que fazer.
Com os pés leves, entrei na Shifter Lane e segui para o centro de
Hollow Cove, que era basicamente a rua principal e a praça da cidade.
Tentei andar o mais normalmente possível sem parecer que estava correndo.
Quem eu estava enganando? Era exatamente isso que eu estava fazendo.
Quando cheguei à praça da cidade, eu estava ofegante e minhas axilas e
costas estavam molhadas. Provavelmente eu também cheirava mal, mas
valeu a pena.
Eu me esforcei para não ficar boquiaberta com o aglomerado de
paranormais. Eu nunca tinha visto tantos reunidos em um só lugar antes,
fora das reuniões da cidade e, definitivamente, não se você excluísse todos
os habitantes da cidade de Hollow Cove.
Vozes de mestiços e até mesmo de alguns humanos se aglomeravam ao
meu redor na praça da cidade em um borrão de cores e movimentos,
conversas e fantasias, como se fosse um tipo de circo paranormal. Os
humanos eram facilmente identificados com seus dentes de vampiro de
plástico e orelhas pontudas de borracha coladas. Eles pareciam estar se
preparando para uma convenção de Trekkies.
E foi fantástico.
Eu me movia ao longo da multidão de mestiços, tentando ver tudo ao
mesmo tempo e, ao mesmo tempo, tentando não parecer uma turista - o que,
de certa forma, eu era. A mulher mais alta que eu já tinha visto, medindo
pelo menos 2,70 altura, passou por mim. Sua pele era áspera como couro e
tinha a cor das folhas na primavera.
— Isso não é seu. Isso é meu — dizia uma mulher baixa e idosa para
outra mulher mais velha, enquanto puxava uma bolsa. Isso seria totalmente
normal aqui em Hollow Cove, exceto pelo fato de que as duas senhoras
idosas estavam cobertas de pelos cinzentos e um tufo de cauda aparecia por
baixo de cada saia longa.
Um grupo de mestiços em vestes prateadas adornadas com runas e
sigilos roxos se aglomerou em uma tenda, movendo as mãos em gestos,
enquanto cortinas verdes flutuavam e se prendiam magicamente ao longo
do teto da tenda. Bruxas.
No parque ao redor da praça da cidade, nas ruas, havia uma fila de
estandes e barracas de vendedores como você veria em uma feira local. Eles
ofereciam garrafas, caixas de poções, amuletos, varinhas e amuletos,
cerâmica, roupas e mais joias do que eu jamais havia visto.
Uma jovem bruxa de cabelos cor-de-rosa brilhantes estava ao lado de
um carrinho que dizia: TENHA SEU PRÓPRIO BONECO VOODOO
PERSONALIZADO! Uma boneca de cerca de 30 centímetros de altura
estava em um tripé ao lado da bruxa, com seus olhos azuis sem brilho
brilhando no rosto sombrio e impassível. Era uma réplica exata da bruxa,
exceto pelo fato de sua cabeça ser anormalmente grande. Tinha até mechas
de cabelo rosa brilhante combinando com ela e usava as mesmas roupas. Os
olhos da boneca se fixaram em mim e não desviaram o olhar. Assustador.
Mais paranormais em várias formas de vestimenta passaram por mim -
alguns com roupas modernas como eu e outros vestidos com roupas mortais
vintage com camadas de saias e rendas.
Avistei seis pavilhões portáteis e um enorme tanque de água do tamanho
de uma minivan. Quando me aproximei para dar uma olhada melhor, um
homem nadou até o vidro e me mostrou seus dentes pontudos, parecidos
com os de um peixe.
Eu dei um pulo para trás. Certo, não era um homem - um tritão. E um
bem gostoso.
Os longos cabelos azul-marinho se erguiam ao seu redor. Sua pele era
de um azul metálico, quase pintada sobre o peito e os braços grandes e
musculosos, com olhos pretos de tubarão e uma cauda. A parte superior de
seu corpo era toda de homem, mas a metade inferior era toda de peixe.
Muito estranho. Eu adorei.
— Bem, olá — eu disse sem ter certeza se ele podia me ouvir, ou
mesmo se falava inglês. Minha música de baleia estava um pouco
enferrujada.
Seus lábios se moveram enquanto ele dizia algo, seu belo rosto sorrindo.
Ele acenou. Eu acenei de volta.
Seguindo em frente, seguindo em frente...
Ecos de vozes ricas e o som distante de uma risada zombeteira
chegaram até mim. Um grupo de belos mestiços estava ao lado de uma
cabine. Todos eram altos, magros, perfeitos e pareciam um grupo de
modelos se preparando para a passarela. Vampiros? Mas vi algumas orelhas
pontudas e bocas sorridentes cheias de dentes pontudos - fadas.
Além de serem tão belas e místicas quanto os vampiros, as fadas eram
equipadas com sua magia. E com essa magia, elas podiam fazer com que
você acreditasse em praticamente qualquer coisa, apenas para que
pudessem beber lentamente sua alma, tornando-o escravo delas pelo tempo
que quisessem.
É. As fadas me assustavam.
Todos pararam e me encararam enquanto eu passava, com seus rostos
frios e bonitos enrugados em desdém. De seu grupo vieram vários assobios
distintos.
Caminhando, caminhando...
Um grupo de vampiros passou por mim, estoico, belo e impiedoso. O
forte cheiro de sangue velho e os arrepios que subiram pela minha espinha
quando eles passaram por mim consolidaram meu pensamento de que eram
vampiros de verdade, e não a variedade meio humana como o Ronin.
Por falar no meio-vampiro, vi o cara alto à minha frente com uma bela
jovem pendurada em seu braço enquanto ele se exibia como um pavão
orgulhoso.
— Vampiros — murmurei com uma meia risada enquanto me
aprofundava na multidão de paranormais.
— Não, não, não! — gritou Gilbert, segurando uma prancheta na mão
enquanto batia o pé. — Eu já lhe disse antes e vou dizer de novo, porque
aparentemente você é um tolo, Adrian.
Ele olhou para um jovem que parecia pronto para dar um soco na cara
de Gilbert se ele não estivesse em uma escada de quatro metros segurando
uma placa que dizia 86 ° FESTIVAL ANUAL DA NOITE. Eu o reconheci.
Adrian era um bruxo de vinte e poucos anos que ajudava minhas tias em
algumas tarefas de paisagismo na Casa Davenport. Ele também era um cara
muito legal.
— Ela precisa ser mais alta. — M-a-i-s a-l-t-a! — ordenou Gilbert.
— Todo mundo sabe que as placas devem estar três metros acima de
nossas cabeças. Não na altura dos olhos.
— Então, precisarei de uma escada mais alta — rosnou Adrian, com os
olhos apertados.
O rosto de Gilbert ficou vermelho.
— É a mesma escada que usamos todos os anos. Se Marty conseguiu
fazer isso no ano passado, você também deve conseguir.
O resto da resposta de Adrian se perdeu enquanto eu me afastava, rindo.
Sete limusines pretas estavam estacionadas no meio-fio, junto com uma
dúzia de motorhomes de dois andares pintados com estrelas, luas e sóis.
Senti olhos em mim. Um homem ao lado de um grupo de pessoas de
aparência importante estava me observando. O sol refletia em sua pele
bronzeada e seu corpo alto estava vestido com uma camiseta preta simples e
calça jeans, o que mostrava seu físico fantástico e em forma. Seus cabelos
loiros e curtos eram longos o suficiente para que eu quisesse passar os
dedos neles - não que eu quisesse. Na luz, sua beleza era surpreendente,
como um príncipe élfico sem idade, elegante, perigoso e impiedoso. Suas
orelhas eram arredondadas, portanto não era um elfo ou uma fada. Com
uma aparência bonita como essa, ele poderia ser um vampiro. Mas ele ainda
poderia ser um fae com um forte glamour.
Seu belo rosto se transformou em um sorriso quando ele me viu olhando
de volta para ele.
O medidor de rubor instantâneo disparou para o meu rosto como lava
derretida.
Eu me virei para evitar que ele visse o rubor em minhas bochechas e me
choquei contra um corpo duro.
— Ops, desculpe, a culpa foi minha — eu disse quando dei um passo
para trás e olhei para cima. — Eu não estava prestando atenção… Marcus?
Droga. De todas as pessoas com quem eu iria me chocar hoje, tinha que
ser o Marcus.
O supersexy chefe de Hollow Cove olhou para mim com aqueles olhos
cinzentos estúpidos e hipnotizantes.
— Você deveria olhar para onde está indo.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios cheios.
— Você pode torcer o tornozelo no meio-fio se não tomar cuidado.
Eu ainda não havia me preparado mentalmente para saber como deveria
me comportar com ele agora. Amigos? Conhecidos? Eu poderia ser uma
conhecida. Seu tom era cordial, nada parecido com o tom áspero que ele
havia usado comigo antes. Isso nos tornava amigos?
Eu não tinha certeza de como me comportar, agora que sabia o motivo
da hostilidade dele para comigo. Ainda assim, teríamos de nos acostumar
um com o outro, já que eu havia fixado residência permanente em Hollow
Cove.
Meus olhos se desviaram para o peito dele, que estava coberto por uma
camisa branca com decote em V, fazendo com que o calor em meu rosto
aumentasse. Que diabos havia de errado comigo? Eu estava agindo como
uma colegial apaixonada, não como uma mulher adulta que está prestes a
completar trinta anos.
Controle-se, bruxa!
Afastei meus olhos do peito de Marcus e encontrei o belo estranho
olhando para mim, o sorriso em seu rosto ainda lá, aberto e convidativo.
Agora meu rosto parecia ter sido colocado em um forno. Eu estava no
inferno.
Marcus olhou para o que eu estava olhando antes e seu queixo se
apertou quando viu o loiro sexy ainda me observando. Interessante.
— Este será o seu primeiro Festival da Noite? — perguntou o chefe,
com os olhos ainda fixos no estranho.
Ele estava tentando puxar conversa comigo?
— Meu quê? Ah, claro. Sim. O Festival da Noite. Mal posso esperar.
Parece emocionante.
Marcus voltou seus olhos para mim e sorriu. Isso transformou seu rosto
de chefe sexy e sombrio para o de "é hora de ir às compras". Acho que ele
nunca havia sorrido para mim antes. Diabos, eu nem sabia que seu rosto
podia fazer isso. Uau.
Embora meu corpo e meus hormônios estivessem reagindo a esse
homem estupidamente bonito, meu cérebro não estava. Eu tinha acabado de
sair de um relacionamento ruim, então agora não era hora de me envolver
com ninguém. Da última vez que dei ouvidos aos meus estúpidos
hormônios, acabei desperdiçando cinco anos da minha vida. Eu precisava
cuidar de mim primeiro.
Mesmo assim, isso não significava que eu não pudesse olhar. E havia
tanto para ver...
— Você está bonita — disse Marcus. Algo em seu tom suave me fez
querer ronronar e me aconchegar em seu pescoço.
Eu estava perdendo o controle.
— Obrigado. Eu também. — Eu também? Que tipo de idiota tagarela eu
era?
Engoli e me endireitei, relutante em deixá-lo ver o quanto suas palavras
ou sua voz me afetavam.
— Gilbert sempre faz algumas birras nesta época do ano, continuou o
chefe. — Ele leva o festival um pouco a sério demais. Deixa todo mundo
louco.
— Uh... mmm… — Aparentemente, eu estava sofrendo de outro peido
mental. Eu me movia de um pé para o outro. Às vezes, eu fazia isso quando
estava nervosa ou quando tentava fazer meu cérebro voltar a funcionar.
— Você pode usar o banheiro do Brooms & Brew — acrescentou
Marcus com um meio sorriso de conhecimento.
Oh. Meu. Deus. Ele acha que eu preciso fazer xixi.
— O quê? Não? Eu só... tomei muita cafeína hoje de manhã. Você sabe
o que quero dizer? — Eu estava mortificada. Mas até que foi engraçado.
— Você vai ao festival hoje à noite?
É claro que ele iria, mas foi a única coisa que saiu da minha boca. Era
estranho e empolgante que estivéssemos conversando, e eu me vi sem
querer que aquilo acabasse.
— Sim — respondeu Marcus casualmente, seus olhos cinzentos
percorrendo meu rosto. Não tinha mais a aparência de durão, substituída por
uma aparência gentil e amável. Eu gostei disso.
— Preciso garantir que tudo corra bem para todos esta noite. Mas,
principalmente, preciso ficar de olho no Gilbert antes que alguém o mate.
Eu ri, vendo Gilbert acenando com uma fita métrica para Adrian.
— Parece que o Adrian pode estar tendo pensamentos assassinos neste
momento. Coitado.
Marcus riu. Foi uma risada muito agradável e profunda que me fez
querer fazer piadas idiotas só para ouvi-la novamente.
— Acho que você tem razão. Vejo você hoje à noite — disse o chefe
quando se virou e foi resgatar o pobre Adrian de Gilbert.
Eu o observei se afastar.
— Sim — sussurrei.
— Vejo você hoje à noite.
Capítulo 3
— D á—umcomentou
significado totalmente novo à frase mente assassina, não é?
Ronin, o que me fez pular. — Parece que você não é
a única que achava que ela era uma fraude.
— Não tenho tanta certeza — acrescentei, vendo aqueles pedaços de
vidro de bola de cristal saindo de seus olhos. Pontadas atravessaram pelo
meu corpo como se estivessem prestes a saltar e fugir com minha pele.
O sutil aroma de enxofre chegou até mim. Então, senti uma tensão lenta
e azeda de magia pulsando e girando dentro da tenda com finos traços de
energia por trás dela. Mas assim que a senti, ela desapareceu como se eu a
tivesse imaginado. Mas eu sabia que não tinha imaginado. Ou eram os
restos da magia defensiva de Myrtle ou a pessoa que fez isso com ela havia
usado magia. Mas por que cortar sua garganta e arrancar seus olhos quando
um feitiço de morte era muito mais rápido e menos bagunçado?
Era estranho olhar para o corpo de uma pessoa morta que estava muito
viva e cheia de vida, com quem eu havia conversado apenas meia hora
antes. As perguntas eram: quem havia feito isso e por quê? Será que a
Maravilhosa Myrtle tinha visto algo que não deveria?
— Volte. O show acabou. Todos para trás — ordenou uma voz
masculina.
Eu não precisava me virar para saber a quem pertencia aquela voz, mas
me virei mesmo assim.
Marcus passou por mim e entrou na tenda, com uma expressão rígida e
profissional, enquanto percorria cuidadosamente o caminho entre as
almofadas. Seus olhos cinzentos não saíram da vidente morta. Ele se
ajoelhou ao lado dela, com os ombros rígidos de tensão enquanto observava
o estado dela. Sua atenção estava voltada para os cacos de vidro que saíam
das órbitas oculares.
Olhei por cima do ombro para ver se sua acompanhante o havia
seguido, mas a bela morena não estava lá. A multidão se apertou mais em
torno da abertura da tenda, tentando ver a vidente morta ou apenas dar uma
olhada na ação.
Martha tirou uma mulher menor do caminho com um movimento do
quadril e seus dedos enfeitados com joias puxaram a abertura enquanto ela
olhava para dentro.
— O Caldeirão nos ajude — disse ela.
— Myrtle está morta!
Ela se virou, batendo em mim com parte de seus grandes seios.
Tentei pular para trás para evitar um ataque total, mas meu calcanhar
pegou a bainha do meu vestido e tropecei, apenas para sentir mãos fortes
envolvendo meus braços e me levantando um segundo depois.
— Obrigado — disse eu, sentindo um rubor no rosto enquanto me
soltava das garras de Adan.
Os olhos de Adan encontraram os meus e ele sorriu.
— Não tem problema. — Sua voz era profunda e soava lindamente.
Que droga. Ele era gostoso e tinha uma voz linda.
Uma onda de calor percorreu meu corpo e desviei o olhar antes que meu
rosto me traísse.
Martha esperou para chamar a atenção de todos e depois gritou:
— Alguém matou a Maravilhosa Myrtle ! Gilbert, venha ver! Você
precisa ver isso. A Myrtle está morta! Sua garganta foi cortada!
Com isso, um murmúrio começou a percorrer a multidão, assim como
mais paranormais empolgados vieram dar uma olhada mais de perto.
Alguns eu reconheci como moradores de Hollow Cove, que eu já tinha visto
pela cidade ou na reunião do conselho municipal, mas a maioria era de
estranhos.
Franzi a testa com o entusiasmo de Martha ao ver a vidente morta. Isso
trouxe um gosto amargo à minha boca. A Myrtle era excêntrica, mas não
merecia morrer assim, nem merecia ser encarada como uma aberração em
um circo. Mas foi exatamente isso que aconteceu.
A forma pequena e rechonchuda de Gilbert se espremeu entre mim e
Ronin. Seus olhos castanhos se arregalaram quando ele viu o interior da
tenda.
— São demônios? As proteções falharam novamente! Eu sabia! Eu
sabia! — ele gritou, com o rosto pálido em um pânico repentino.
— Calma — murmurei, querendo nada mais do que dar um tapa na cara
dele, como Dolores havia feito uma vez. — As proteções estão bem. — O
que, tecnicamente, era uma mentira, já que eu não fazia ideia se isso era
verdade. Mas tínhamos nos livrado de Samara e de seus seguidores. Além
disso, eu não estava sentindo nenhuma vibração demoníaca, agora que sabia
como reconhecê-las.
E essa não era a marca de um demônio ou de uma feiticeira matando.
Era outra coisa. Era pessoal. Eu tinha certeza disso. Você não esfaqueia os
globos oculares de uma pessoa porque o piscar dela o incomoda. Não. Você
fez isso por causa de algo que ela disse ou por causa de algo que ela viu.
As sobrancelhas de Gilbert subiram até a linha do cabelo.
— Não gosto do seu tom, minha jovem. Agora que você encontrou
convenientemente uma residência permanente — acrescentou ele, com o
rosto amargo, — não lhe dá o direito de falar comigo dessa maneira.
Fiquei olhando para ele.
— O que diabos você quer dizer com isso? Também não gostei de seu
tom, como se ele achasse que eu tinha enganado minhas tias para que me
deixassem ficar com elas.
Ele apontou um dedo curto em meu rosto.
— Você deveria mostrar algum respeito pelos mais velhos.
— Você quer dizer pequenos metamorfos que gostam de espalhar o
pânico? — Eu respondi, vendo seu rosto ficar vermelho, fazendo Ronin
bufar.
Gilbert franziu a testa e fez um gesto para dentro da tenda.
— Há uma vidente morta lá dentro.
— Sim, nós notamos — disse Ronin.
— É perfeitamente aceitável entrar em pânico com um assassino à solta!
— Gilbert gritou alto o suficiente para que toda a multidão ouvisse.
— Gilbert tem razão, querida. Os olhos de Martha estavam arregalados.
— As pessoas têm o direito de saber. Elas precisam estar preparadas.
Ninguém quer enfrentar um assassino despreparado porque… — Ela passou
um dedo no pescoço e colocou a língua para fora.
— O assassino está à solta! À solta! — Gilbert gritou, sua voz atingindo
um nível que eu não imaginava que um homem pequeno pudesse atingir.
Balancei a cabeça e olhei para Ronin.
— Temos nosso próprio show bem aqui.
— Pena que não tenho mais cerveja — disse Ronin. — Pipoca teria sido
ótimo. E azeitonas. Adoro azeitonas kalamata.
A atenção de Marcus se voltou para nós e vi um celular em sua mão.
Nossos olhares se cruzaram e ele desviou o olhar, com o celular sobre o
rosto de Myrtle, enquanto começava a tirar fotos.
O Ronin se inclinou e sussurrou em meu ouvido:
— Você não deveria estar lá dentro com ele? Você é uma Merlin,
lembra?
— Certo — murmurei, sentindo-me um pouco tola. O trabalho ainda era
muito novo, e eu não sabia ao certo o que ele implicava. Mas um
assassinato em Hollow Cove parecia estar no beco do Grupo Merlin.
Meu olhar recaiu sobre Marcus, que havia se movido até os dedos da
Myrtle, tirando fotos.
— Volto já. — Reunindo-me, comecei a avançar.
— O que está acontecendo aqui? — disse a voz de Dolores atrás de
mim, e eu parei e me virei para ela.
A multidão se separou em um dos lados para deixar Dolores, Beverly e
Ruth passarem. E, para minha total decepção, atrás delas estavam os
membros do Grupo Merlin de Nova York.
E sim. O bode ainda estava lá. Que bom para mim.
Desviei o olhar do bode quando Greta deu uma cotovelada na bruxa
mais jovem, de cabelos dourados, em direção ao local para onde eu estava
olhando. Eu lidaria com a questão do bode mais tarde.
— Uma vidente foi morta — falei a Dolores, vendo a expressão de
surpresa se materializar no rosto de cada uma de minhas tias. Tive o
cuidado de não fazer contato visual com os nova-iorquinos.
— O Caldeirão nos proteja — exclamou Ruth, colocando a mão sobre a
boca.
— Droga — disse Beverly, parecendo um pouco decepcionada. — Eu
estava prestes a ir vê-la.
— É isso que você usa no Festival da Noite? — Gilbert estava olhando
para o vestido sexy de Beverly como se ela fosse uma prostituta de cinco
dólares.
Beverly apontou um dedo de prata para ele.
— Não comece, seu homem de bolso.
Gilbert encolheu o rosto em uma expressão amarga.
— Você parece uma prostituta.
Beverly sorriu, jogou o cabelo para o lado e disse:
— Eu estava mais para acompanhante de alta classe.
— Chega. — Dolores passou por eles e veio para perto de mim. —
Como? Como ela foi morta?
— Sua garganta foi cortada — eu disse a ela, com a imagem da garganta
da vidente morta ainda gravada vividamente em minha mente.
— E seus olhos foram arrancados com vidro — acrescentou Ronin.
Dolores franziu a testa.
— Nunca houve um assassinato no Festival da Noite antes.
— Agora sim — eu disse.
— Preciso dar uma olhada — disse Dolores, e quando ela passou a
cabeça pela porta, Marcus saiu.
— Ninguém entra lá — disse o chefe, fazendo Dolores dar um passo
para trás. Diante da carranca dela, ele acrescentou:
— Desculpe, Dolores. Mas não posso permitir que você contamine a
cena do crime. Não até que eu saiba mais. Preciso pegar meu kit de
impressões digitais para procurar impressões. Até lá, ele está fechado. Vou
compartilhar tudo o que puder com o Grupo Merlin antes disso.
Por um momento, pensei que Dolores fosse transformá-lo em um sapo.
Eu ainda estava me adaptando às diferentes cadeias de comando entre a
Agência de Segurança de Hollow Cove e o Grupo Merlin. E eu ainda não
tinha certeza de quem dava as ordens.
— Isso seria bom — disse Dolores, embora sua carranca não tenha
saído de seu rosto enquanto ela se juntava às irmãs.
Marcus olhou para cima e assobiou com os dedos.
De repente, a multidão se separou novamente, abrindo caminho para
dois homens grandes e corpulentos, que reconheci como representantes de
Marcus. Fui para perto de minhas tias, com Ronin ao meu lado.
— Não deveríamos estar fazendo nossa própria investigação? —
perguntei às minhas tias.
Os olhos escuros de Dolores encontraram os meus.
— Vamos fazer isso. Você não precisa se preocupar. Mas Marcus tem
razão. Se todos nós entrássemos lá ao mesmo tempo, espalharíamos nosso
DNA também e faríamos uma bagunça. Você sabe como o cabelo da Ruth
se desprende.
— Ei! — rosnou Ruth, embora estivesse sorrindo.
Dolores balançou a cabeça.
— Não. Temos que esperar.
Ruth apertou meu braço.
— Não se preocupe. Quando Marcus e sua equipe tiverem reunido todas
as provas, será a nossa vez.
Um movimento chamou minha atenção e vi Billy, o bode, pulando para
cima e para baixo, embora ninguém tenha se virado ao ouvir o som de
cascos batendo no chão. Aquele maldito bode. Era um fantasma ou algo
assim. Ele claramente queria que eu olhasse para ele. Olhei para o animal,
mas isso só piorou as coisas, pois ele começou a se movimentar
alegremente ao redor de Travis, Greta e da bruxa mais jovem.
Essa noite estava ficando cada vez mais estranha.
— Jeff. Preciso que você monte um perímetro ao redor da tenda —
ordenou Marcus. — Ninguém entra sem minha permissão. Quero que você
a feche.
— Estou cuidando disso — disse o moreno, enquanto tirava uma fita
policial amarela da jaqueta e começava a fechar um perímetro ao redor da
barraca da Myrtle.
— Cameron — disse Marcus. — Preciso que você volte ao escritório e
pegue meu kit de impressões digitais.
Cameron fez um aceno com a cabeça e desapareceu no meio da
multidão e nas sombras.
Marcus se levantou, silencioso e forte. Apesar de sua compostura fria,
eu podia ver a tensão em sua mandíbula, a maneira como seus olhos se
moviam para todos os lados ao mesmo tempo, como se ele estivesse
tentando descobrir quem era o responsável. Isto é, se os responsáveis
fossem estúpidos o suficiente para ficarem por aqui. Eu não achava isso.
Embora alguns assassinos voltassem à cena do crime para reviver a
sensação de matar.
Ronin cutucou meu braço.
— Você vai tirar selfies com a vidente morta depois.
— Você é um vampiro muito idiota — eu disse a ele.
Ronin sorriu.
— Isso faz parte do meu charme.
— Alguém viu ou ouviu alguma coisa? — perguntou Marcus, e eu
chamei minha atenção para ele enquanto seus olhos vasculhavam a
multidão. — Mesmo que você não ache que seja importante. As menores
pistas podem levar a grandes descobertas.
Meu olhar percorreu o grupo de paranormais, procurando um rosto
culpado ou apenas algo fora do lugar. Pelo canto do olho, pude ver Billy, o
bode, pulando no ar e tentando chamar minha atenção. Meus olhos se
fixaram em Adan. Ele estava olhando para Marcus com os braços cruzados
sobre o peito e uma expressão séria no rosto.
— Essa aqui — disse a voz fina de uma mulher. Meus olhos
encontraram a mulher de terno escuro e chapéu que eu reconheci de antes e
que eu imaginava ser uma vidente ou um dos artistas do festival.
E ela estava apontando para mim.
— Tess? Por que ela está apontando para você? — veio a voz do Ronin.
A tensão ali não ajudou a fazer meu coração bater no peito. Ela o piorou.
Seu rosto simples se transformou em uma expressão amarga.
— Fiquei aqui a noite toda. Ela foi a última a ir ver Myrtle. Eu a vi sair.
Ninguém esteve lá depois dela.
Oh. Droga. Isso não estava acontecendo.
A multidão explodiu em um rugido repentino de vozes. Ouvi alguns
gritos em tom ofegante, mas não consegui entender nada. No entanto, o som
foi direto para o meio do meu corpo e me fez torcer.
Os olhos cinzentos de Marcus estavam voltados para mim.
— Isso é verdade, Tessa? Você visitou essa tenda? Você visitou Myrtle?
Minha cabeça estava girando e eu me esqueci de respirar. Não, isso não
pode estar acontecendo.
Minha garganta estava seca e engoli com dificuldade.
— Eu, uh... sim, eu fui lá. Mas não a matei, se é isso que você pensa —
acrescentei rapidamente. — Você precisa acreditar em mim. Você precisa
acreditar em mim. Eu não fiz isso. — Olhei para o rosto de Marcus, mas ele
estava sem expressão, e eu não consegui saber o que ele estava pensando.
— Agora, espere só um minuto — disse Dolores, com uma das mãos na
cintura e a outra apontando como uma varinha para o rosto de Marcus. —
Você não pode estar falando sério? Você não está falando sério? Tessa não é
uma assassina. Aquela bruxa — ela apontou o dedo longo para a bruxa de
terno, — é uma mentirosa.
A bruxa de terno abaixou a cabeça.
— Não sou mentirosa — ela cuspiu.
— Certo. Uma cartomante que não é mentirosa — riu Dolores. — E eu
sou a rainha da Inglaterra.
— Acho que ela está confusa — interveio Beverly e depois franziu os
lábios ao ver a estranha bruxa de terno. Ela deu um passo cuidadoso para
frente e a cheirou. — Sinto cheiro de rum. E barato ainda. Você andou
bebendo?
— Não — respondeu a bruxa, parecendo que estava prestes a cuspir no
rosto de Beverly.
Beverly riu, com uma expressão de choque em seu belo rosto.
— Sério? E você está usando isso sóbria? Não pode ser.
Ela riu quando Ruth a puxou para trás.
— Tessa. — A voz de Marcus me atravessou, e eu olhei para ele. —
Sobre o que você e Myrtle conversaram?
Tudo ficou mais lento. Que merda. Eu não ia revelar ao mundo que
estava vendo bodes que não estavam lá, nem a estranha nuvem escura que
havia se materializado na tenda.
Minha pressão sanguínea subiu e eu mudei meu peso, tentando formular
um plano em minha cabeça.
— Você sabe... carreira... amor... relacionamentos. Você sabe...
carreira... amor... relacionamentos... Há um homem em meu futuro, esse
tipo de coisa.
Eu ri nervosamente.
Um calafrio me percorreu e depois desapareceu. Fiquei olhando para o
chefe. Ele não poderia pensar que eu conseguiria fazer isso. Você poderia?
Marcus me observou. Ele parecia reconhecer a mentira como se pudesse
vê-la em meus olhos. Sua mandíbula se cerrou, com a tensão se
manifestando em seus lábios.
— Bem, Dolores. — Gilbert ficou de pé com as mãos nos quadris. —
Nunca pensei que veria o dia em que um Merlin fosse acusado de um ato
tão horrível.
— Cale a boca, Gilbert — esbravejou Dolores. — Ela não fez isso, e
você sabe disso.
O homenzinho levantou o queixo.
— Não sei de nada. Ela foi a última pessoa a visitar a pobre
Maravilhosa Myrtle . E há testemunhas, você sabe — acrescentou com um
sorriso conhecedor.
Dolores olhou para o metamorfo baixinho como se estivesse tentando
açoitar mentalmente o cérebro dele.
— As testemunhas podem estar erradas. Isso acontece o tempo todo.
Cerrei os dentes ao ver sua satisfação amarga com o fato de que meu
mundo seria reorganizado, e ele iria gostar disso.
— Ela a matou! — gritou a bruxa de terno escuro. — Ela matou a
Myrtle. — Ela franziu a testa para mim. — Olho por olho.
Fechei as mãos em punhos.
— O quê? Você está brincando comigo? Não estamos na Idade Média,
senhora.
Um grupo de paranormais do festival havia se reunido ao redor dela.
Alguns tinham os dentes arreganhados, outros tinham magia roxa e verde
saindo de suas mãos e outros apenas olhavam com ódio e vingança nos
olhos.
Que droga. Todos eles queriam me matar.
Eu não deixaria isso acontecer de jeito nenhum. Eu me conectei aos
elementos próximos a mim, até mesmo um deslize das linhas ley preencheu
meu chi. Se eles se movessem, eu me defenderia.
Os três Merlins de Nova York chamaram minha atenção. Todos eles
estavam me observando, até mesmo o bode, com o rosto sombrio.
— Preciso que você venha comigo, Tessa — disse Marcus, e minha
atenção se voltou para ele.
Eu me acalmei, liberando a energia.
— Ir com você aonde, exatamente?
Marcus parecia intensamente desconfortável. Ele fez uma pausa por um
segundo.
— Para o meu escritório.
A raiva correu em minhas veias.
— Você vai me prender? É isso? Você está me prendendo?
Agora eu estava irritada. Eu não tinha feito nada e estava sendo culpada
por isso.
— Preciso fazer algumas perguntas a você — respondeu o chefe. —
Isso é tudo.
Ronin se colocou na minha frente.
— Espere um pouco. Você não pode estar falando sério. A Tess não fez
isso. Ela não é uma assassina, cara.
— Marcus, não — disse a voz de Ruth, em pânico. — Você não pode
fazer isso. Você sabe que a Tessa não conseguiria fazer uma coisa dessas.
Olhei para o chefe e percebi que ele não compartilhava dos mesmos
sentimentos. A verdade é que ele mal me conhecia.
Dolores colocou a mão em sua irmã.
— Nós vamos dar um jeito nisso.
Ela me fixou com seu olhar, dizendo-me com seus olhos que tudo
ficaria bem.
Claro. Não era ela que estava sendo humilhada na frente de toda a
cidade.
Beverly soltou uma baforada de ar frustrada.
— Não posso acreditar nisso.
Marcus olhou para minhas tias.
— Veja. Preciso fazer algumas perguntas a ela. Você sabe como é isso.
Ela foi a última pessoa a ver Myrtle viva. Não tenho escolha.
O chefe se moveu e agarrou meu braço, afastando-me de minha família
e amigos como uma criminosa.
— Venha, Tessa. Vamos.
E, sem mais nem menos, eu era a principal suspeita do assassinato da
Maravilhosa Myrtle.
Capítulo 7
E udequeria passar mais tempo com Marcus, mas ficar sentada em uma sala
interrogatório sem janelas durante a última hora não era como eu
queria fazer isso. Eu estava pensando em um café, talvez até em um jantar.
O chefe me colocou aqui e saiu. Ele me disse que voltaria logo, mas
pelo relógio do meu celular, isso foi há uma hora.
Pelo menos ele não me algemou e me deixou ficar com minha bolsa. Eu
me senti uma idiota, toda arrumada, desperdiçando um vestido requintado
em um quarto que estava começando a parecer mais um hospício. Eu havia
tirado os sapatos, e o azulejo frio estava agradável em meus pés suados.
Agora eles estavam grudados no azulejo.
Meus pés não eram as únicas coisas que estavam suando. Não se você
contar minhas axilas e a parte inferior das costas. Suor nervoso. O
verdadeiro fedor. A essa altura, eu provavelmente cheirava como o vestiário
masculino. Tudo bem.
Minha cabeça começou a latejar, o que era a maneira do meu corpo me
dizer que eu tinha bebido muito vinho e muito rapidamente. Eu precisava de
um pouco de água.
Pior ainda, eu precisava fazer xixi. Precisava mesmo fazer xixi. E
ninguém tinha se dado ao trabalho de entrar e perguntar se eu precisava usar
o banheiro ou mesmo verificar se eu ainda estava respirando. Não que eu
tivesse visto mais alguém aqui além de Marcus e eu. O escritório estava
deserto.
Ronin ligou cinco vezes e mandou vinte mensagens. Eu disse a ele que
não se estressasse e que, por favor, dissesse às minhas tias que eu estava
bem. Assim que eu soubesse o que diabos estava acontecendo, eu ligaria
para elas. Elas não tinham telefones celulares (alguma coisa sobre as ondas
de radiofrequência atrapalharem a magia delas, embora eu nunca tenha
visto nenhuma diferença), então eu estava contando com Ronin para ser
meu mensageiro.
Sentei-me em uma sala de dois por três, com paredes brancas, em uma
cadeira de metal. Meus cotovelos estavam apoiados em uma mesa de metal
cinza, que era a única peça de mobília além das duas cadeiras. A superfície
da mesa tinha arranhões profundos, como se algum lobisomem tivesse
passado suas garras sobre ela. Talvez ele estivesse expressando seu lado
artístico. Vi algumas manchas marrons nas pernas da mesa e alguns pontos
na parede que a equipe de limpeza não tinha visto. Eu tinha certeza de que
alguns personagens bem obscuros tinham visto o interior desse cômodo.
Agora eu fazia parte dessa gangue. Que bom.
Ficar sentado sozinha em uma sala estranha por mais de uma hora pode
fazer com que você comece a jogar jogos dentro da sua cabeça. Fiquei
repetindo a noite várias vezes: o Grupo Merlin de Nova York, o bode
misterioso, a escuridão que rastejava ao redor da Myrtle como uma entidade
maligna. Fiquei remexendo na minha cabeça, tentando me lembrar se vi
alguém entrar depois que saí da tenda da Maravilhosa Myrtle, mas não vi.
Eu estava tão assustada com a experiência que só me lembro de ter
tropeçado com Ronin até o pavilhão mais próximo e enfiado comida e
bebida em minha boca.
Não vamos nos esquecer dessas provas que Greta insinuou que eu
deveria fazer, ou pelo menos que eu deveria ter passado para me tornar uma
Merlin completa. O que foi isso? Eu teria que perguntar às minhas tias
sobre isso mais tarde.
E depois houve a maneira como a maioria das pessoas da cidade olhou
para mim. Como se eu fosse culpado.
Minha pulsação disparou, alimentada pela raiva. Mexi as bandas do
meu bumbum. Minha bunda ia ficar dolorida depois de ficar sentada por
tanto tempo em uma cadeira tão dura. Eu me sentia como se estivesse
sentada em uma pedra. Mas com uma pedra, eu estaria do lado de fora, de
preferência na praia abaixo da Casa Davenport, curtindo a brisa e o som das
ondas batendo na praia.
Sim. Não está acontecendo.
A porta da sala de interrogatório se abriu e eu estremeci. Marcus entrou
e meu fôlego ficou preso, não só porque ele me surpreendeu, mas porque eu
ainda estava atordoada ao ver sua beleza. Aquela boa aparência sensual,
aquele corpo rijo, aquele jeito suave com que ele se movia, parte predador,
parte amante. Homens como ele só existiam nos filmes.
— Desculpe por fazer você esperar — disse ele. — Tive que voltar à
cena do crime para acompanhar algumas coisas. — Uma pasta cheia de
papéis estava pendurada em sua mão direita.
Olhei para ele com desconfiança.
— Esse é o meu arquivo? — Eu me ajeitei em minha cadeira. Puxa
vida. Eu tinha um arquivo! Nunca pensei que diria essas palavras em minha
vida.
Os lábios de Marcus se contraíram em um sorriso apertado.
— Algo parecido com isso.
Deixei minhas mãos caírem no colo para que ele não visse meus punhos
trêmulos.
— Você me prendeu por um assassinato que não cometi. Você sabe
disso. Você sabe disso, certo? — A raiva entrou em minha voz. — Você não
precisa de provas? Sem mencionar um motivo? Por que diabos eu faria isso
com uma estranha? Não sou psicótica.
Sim, eu havia pensado em estrangular a Maravilhosa Myrtle algumas
vezes, mas os pensamentos não contavam. Caso contrário, já teria um laço
sobre minha cabeça há muito tempo, com todos os pensamentos assassinos
que tive sobre meu ex.
Marcus pegou o assento de frente para mim e se sentou.
— Fiz isso para a sua própria proteção.
Meus lábios se separaram.
— O quê? Como aasim?
Marcus deixou o arquivo cair sobre a mesa.
— O Festival da Noite atrai muitos malucos. Eu verifico os
antecedentes da maioria dos paranormais visitantes, da elite e dos artistas.
Mas alguns simplesmente passam despercebidos.
— O que isso tem a ver comigo?
Os olhos do chefe se fixaram nos meus.
— Eles iam matar você, Tessa. Ou iam tentar. Eu conheço esse olhar.
Tenho experiência suficiente para saber quando uma luta mortal está prestes
a acontecer. E, acredite em mim, foi o que aconteceu.
Meu estômago se contraiu. Ele tinha razão. Aquela bruxa de terno
queria derramar meu sangue. Eu vi isso em seus olhos.
Soltei um suspiro e deixei minha cabeça cair em minhas mãos.
— Como me meti nessa confusão? Eu nunca deveria ter ido vê-la.
— Por que você foi ver a vidente?
Um sorriso esboçou em seus lábios.
— E não diga que foi porque você estava curioso sobre sua vida
amorosa. Sei que isso não é verdade.
— Ah, é mesmo? — Eu correspondi ao seu sorriso, deixando minhas
mãos caírem sobre meu colo novamente. — E como você sabe disso, chefe?
Você é um metamorfo que virou leitor de mentes? Porque eu não vi você
com seu turbante atrás de uma cabine fazendo leituras de palma de cinco
dólares.
O rosto de Marcus mudou para um distanciamento profissional.
— Estou apenas fazendo meu trabalho. E não preciso ser um vidente
para ler as pessoas. Sei dizer quando elas estão mentindo. É um talento
nato.
Inclinei minha cabeça para o lado.
— Bem, meu talento nato é apontar com os dedos dos pés. Você quer
ver?
As sobrancelhas de Marcus se ergueram, e eu não tinha certeza se ele
estava impressionado ou apenas irritado.
— Eu preciso saber tudo sobre as pessoas da minha cidade. Isso faz
parte do território.
— Sua cidade?
— É isso mesmo. Minha cidade.
Recostei-me em minha cadeira.
— Então, você trouxe uma acompanhante para o Festival da Noite. —
Ops. Não pude evitar, as palavras saíram da minha boca por vontade
própria.
Marcus olhou para mim, com as sobrancelhas franzidas.
— Eu não trouxe uma acompanhante.
— Certo. — Por que ele estava mentindo? E por que eu me importava?
O chefe olhou para o arquivo e o abriu.
— Isso é muito papel — falei, meu rosto esquentando de indignação. —
Por que meu arquivo é tão grosso?
Inclinei-me para frente, tentando ver o que estava escrito, mas minhas
habilidades de ler de cabeça para baixo não existiam.
Os olhos cinzentos do chefe encontraram os meus.
— Você já conhecia Myrtle antes desta noite?
Balancei a cabeça.
— Não. Esta noite foi a primeira vez que encontrei uma vidente.
Apertei meus lábios com força.
— Não estou mentindo.
— Eu não disse que você estava.
Ele entrelaçou todos os dedos em um único punho.
— Sobre o que você e Myrtle conversaram?
Lá vem. Minhas habilidades de atuação dignas de um Oscar. Se Marcus
realmente tivesse uma capacidade sobrenatural de detectar mentiras, eu
estava ferrada.
Recostei-me em minha cadeira.
— Nada que fizesse com que eu a matasse — falei, minha voz
cuidadosamente branda para combinar com minhas feições vazias.
— Você vai me dizer o que está no meu arquivo ou terei que adivinhar?
Marcus bufou pelo nariz e uma expressão de desaprovação se formou
em sua testa.
— Seria muito mais fácil se você começasse a dizer a verdade.
Eu engoli.
— Você está me chamando de mentiroso?
Algo se agitou em seus olhos.
— Neste momento... sim. Sei que você está escondendo algo. Posso ver
isso em seus olhos. Você não é uma boa mentirosa, Tessa.
A magia se formou ao meu redor, extraída dos elementos da sala. Ela foi
tecida em meu âmago e extraída de minhas emoções. As emoções são um
impulso adicional quando você está manipulando magia. E, neste momento,
eu era o Santo Graal das emoções. Não conseguia me fixar em uma só.
Ficava alternando entre culpa, medo, raiva, atração (malditos hormônios) e
traição.
E, no entanto, a raiva sempre parecia ser a vencedora.
Marcus franziu a testa, pois havia sentido o acúmulo de magia.
— Sobre o que você conversou com Myrtle?
Pensei em ser sincera e contar-lhe a verdade. Sobre o bode misterioso
que ninguém além de mim podia ver e sobre o pânico da vidente com algo
que ela tinha visto sobre meu futuro. O pensamento de ver a Myrtle
arranhando os olhos e se contorcendo como um animal moribundo ainda me
assombrava. Mas será que eu poderia confiar em Marcus? Se eu lhe
contasse, ele me manteria aqui. Eu tinha certeza disso. Provavelmente ele
também pensaria que eu estava louca.
Talvez eu estivesse sendo idiota, mas não queria que ele visse esse meu
lado. Não até que eu descobrisse o que diabos era o bode.
Respirei fundo e perguntei:
— Quando vou receber minha ligação?
O rosto de Marcus era de pedra.
— Por que você está evitando a pergunta?
— Por que você está negando que trouxe uma acompanhante?
Marcus suspirou e balançou a cabeça.
— O que você está escondendo, Tessa? Não posso ajudá-la se você não
me disser o que é. É meu trabalho proteger esta cidade. Se você sabe de
algo, tem que me contar.
Cruzei os braços sobre o peito.
— Acho que preciso ligar para meu advogado. Não é assim que
funciona?
Marcus teve um estremecimento no rosto, como se o gorila que havia
dentro dele quisesse sair.
— Não estou brincando, Tessa — disse ele, com a voz áspera e tensa,
como se estivesse tentando controlar a fera.
— É o gorila que está falando? Você quer uma banana?
Marcus soltou um suspiro exasperado e esfregou o rosto com as mãos.
Mãos tão bonitas e fortes.
— Por que você está sendo tão difícil? O que há com você?
— Talvez tenha algo a ver com o fato de ter sido acusada injustamente
de um crime que não cometi.
Um músculo se contraiu ao longo da mandíbula do chefe.
— As testemunhas colocam você no local. Sei que você esteve lá por
pelo menos cinco minutos.
— Você está me espionando agora. Isso é maravilhoso.
E, estranhamente, eu até que gostei.
— Vocês duas conversaram — continuou o chefe. — Preciso saber
sobre o quê.
Meus olhos se estreitaram em sinal de irritação. — Não vejo isso como
algo que seja da sua conta. Foi uma conversa particular. A Myrtle colocou
um feitiço de bloqueio de som para que ninguém pudesse ouvir o que estava
acontecendo dentro da tenda dela.
Droga. Eu não deveria ter dito isso.
— Ela fez isso. Por que?
— Porque o Ronin estava tentando escutar — falei rapidamente, o que
era totalmente verdade. Mas eu já podia ver a dúvida fervilhando naqueles
olhos cinzentos e finos dele. Ele estava começando a achar que eu era
culpada.
Isso me atingiu com força, como se eu tivesse soletrado uma de minhas
próprias palavras de poder para mim mesma
— Eu não a matei — falei suavemente. Minha voz tremeu, e eu odiei
isso.
Ele se inclinou para a frente, deixando a luz incidir sobre suas belas
feições.
— Então me conte o que aconteceu lá dentro. Conte-me o que ela disse
a você. — Ele hesitou. — Por que você não me ajuda?
— Ajudar você?
A raiva me invadiu como uma febre.
— É tudo sobre você. Não é? Esqueça como você me envergonhou na
frente das minhas tias e da cidade inteira.
Um músculo se deslocou na mandíbula de Marcus.
— Você fez isso com consigo mesma.
Oh, ele estava cansando.
— Já terminei de falar. Quero meu advogado.
Eu não tinha ideia se a justiça paranormal funcionava da mesma forma
que o sistema humano. Eu nunca tinha tido motivo para saber antes.
Uma veia latejava no pescoço de Marcus.
— Você quer passar o resto da noite aqui? Porque parece que isso pode
acontecer se você não começar a falar.
Meus olhos se voltaram para o arquivo. Movi minha mão para pegá-la,
mas Marcus a agarrou.
Ele apertou o maxilar, claramente irritado.
— Você não vê como isso soa? — perguntou.
— Por favor, diga-me — disse eu com amargura.
— Parece que você é culpada — disse ele, com o rosto rígido.
— A cidade inteira estava lá. Eu não tive escolha a não ser levar você. É
o meu trabalho.
— O trabalho de vocês é prender pessoas inocentes? Então, cara, você é
excelente em seu trabalho. Bom para você.
Eu lhe dei um sinal de positivo.
Marcus balançou a cabeça.
— Você é pior do que suas tias.
— Você sabe que o assassino ou assassinos ainda estão por aí enquanto
você perde seu tempo comigo.
Pude ver minha fantasia de que eu poderia namorar o chefe estourar
como uma bolha de sabão. Meu coração se agitou em meu peito, e eu odiei
isso.
— Você acha que eu fiz isso? — Perguntei, com a garganta apertada. Eu
queria ouvir isso dele, ver a palavra sair voando de sua boca. Quando ele
não respondeu nem olhou nos meus olhos, tive minha resposta. Era muito
pior do que ser acusado por toda a cidade. Qualquer ilusão que eu tivesse
tido sobre ele se dissipou.
A fúria queimou em minha pele e eu reprimi minha raiva. Coloquei
meus braços sobre a mesa.
—Vá em frente, então. Prenda-me.
O rosto de Marcus se contraiu. A raiva o inundou e então, com uma
única e enorme luta de vontade, ele recuperou o controle. O esforço foi
quase físico.
— Você está livre para ir — disse ele finalmente, —mas não saia desta
cidade.
Certo. Como se eu tivesse outro lugar para ir.
Ele disse isso em tom de conversa, de maneira simples e objetiva, mas
em seus olhos eu podia ver uma certeza simples. Se fosse preciso, ele me
prenderia se eu estivesse por trás disso.
Furiosa, levantei-me, peguei minha bolsa e meu telefone, abri a porta e
saí.
Somente quando cheguei à rua é que me lembrei de que havia esquecido
meus sapatos.
Capítulo 8
I nvadir o escritório de Marcus não tinha sido um fracasso total, mas não
me dava muito mais para continuar. O assassino ou assassinos usaram
luvas para não deixar impressões digitais ou usaram magia para manipular
os objetos usados para matá-la. Depois, convenientemente, cobriram seus
rastros mágicos.
Mas isso ainda não explicava por que ela foi morta. A única coisa que
sabíamos com certeza era que a Maravilhosa Myrtle tinha sido uma
verdadeira Vidente.
E, no entanto, isso levantou a questão. Se ela fosse legítima, não poderia
ter previsto sua própria morte? Não poderia tê-la previsto? E se sim, por que
ela não fugiu?
Talvez os videntes não conseguissem ver seu próprio futuro. Talvez essa
fosse a desvantagem de ser um.
Esperei a maior parte da manhã para fazer às minhas tias a pergunta que
me manteve acordada a noite toda. Fiquei sentada, com os dedos enrolados
na xícara de café que havia esfriado, tentando pensar na maneira correta de
perguntar se minha mãe havia traído meu pai.
O fato de dormir com alguém não me incomodava (o fato de não me
incomodar me incomodava mais do que o ato em si). O que me preocupava
era não saber se o homem que eu chamava de pai nos últimos 29 anos era
realmente o meu querido pai, afinal de contas.
— Fale logo.
Dolores largou o jornal que estava lendo e colocou os óculos no chão,
com os olhos escuros fixos em mim do outro lado da mesa da cozinha.
Meus lábios se separaram.
— Desculpe-me, o quê?
— A pergunta que está fritando a sua cabeça — disse Ruth, dando
risada, mexendo uma grande panela de aço inoxidável no fogão. O cheiro
de cebola vinha dela. Ela se virou para me olhar, com seu avental rosa com
as palavras "Esta bruxa pode ser subornada com chocolate" impressas em
letras grandes e em negrito.
— Está escrito na sua cara.
— É?
Droga, essas bruxas eram muito perspicazes.
— Então? — pressionou Dolores.
— O que está acontecendo?
Ela apoiou os cotovelos na mesa e apontou um dedo para mim, com as
sobrancelhas franzidas.
— Se isso tem a ver com o fato de Marcus ter colocado você naquela
sala de interrogatório... deixe-me dizer a você... ainda não desistimos disso.
Ele vai levar outra bronca, logo depois que eu terminar meu trabalho.
Balancei a cabeça.
— Tem algo a ver com Marcus, mas não da maneira que você imagina.
É sobre algo que ele escreveu.
— Algo que ele escreveu?
A voz de Dolores tinha um tom de preocupação.
— Ele escreveu uma carta de amor para você! — Ruth bateu palmas,
fazendo com que uma colher cheia de gotas amarelas caísse sobre o armário
mais próximo.
Meu rosto se inflamou.
— Nem de perto.
— O que está acontecendo, Tessa? — perguntou Dolores.
Meu olhar foi de Ruth para Dolores. Eu me preparei e disse:
— Entrei no escritório de Marcus ontem à noite.
Silêncio.
Espere por isso...
— Você está louca? — gritou Dolores, agarrando a cabeça como se
achasse que seu cérebro fosse explodir.
Ruth, no entanto, estava olhando para mim com uma expressão confusa
no rosto.
— Ele estava lá?
— Não, você é uma idiota — gritou Dolores. — É isso que significa
invadir! Você faz isso quando ninguém está lá. Esse é o ponto principal.
— Oh. — Ruth riu. — Você achou divertido? Aposto que sim. Eu
sempre quis tentar arrombar e invadir.
Ela disse isso como se fosse um novo tipo de carro no qual você poderia
dar uma volta.
— Não a incentive — gritou Dolores. Ela voltou seu olhar gelado para
mim. — Por quê?
Eu sabia que não deveria responder se não quisesse ir parar no porão.
— Eu precisava encontrar mais informações sobre Myrtle. Eu sei. Eu
sei — eu disse, levantando minha mão. — Não é inteligente. Mas não é
como se Marcus tivesse me dado uma escolha. Ele me tratou como se eu
fosse uma suspeita.
Achei que deixar de fora a parte em que o Ronin estava comigo era uma
boa ideia. Além disso, para começar, a ideia tinha sido minha. Ele não
deveria ser o culpado se as coisas dessem errado.
Dolores esfregou os olhos.
— Nós nos lembramos.
— Bem, eu encontrei o relatório dele — continuei, — o relatório dele
sobre mim. E veja só: eu sou a suspeita número um dele.
A lembrança de ver meu nome no arquivo fez com que pequenas ondas
de fúria percorressem meu corpo.
— Não pode ser.
Ruth se deixou cair na cadeira ao meu lado, ainda agarrada à colher de
pau como se fosse um grande lápis.
— Ele sabe que você não pode fazer algo assim com uma pessoa. Ele
teve que fazer isso.
Balancei a cabeça.
— É isso mesmo. Ele não me conhece de verdade. Será que conhece?
Eu ainda sou praticamente uma estranha para ele.
As sobrancelhas de Ruth se juntaram no meio.
— Mas ele trouxe você para casa. Teve você em seus braços. Ele
colocou você na cama!
— Eu sei. Eu me lembro. Acho que para ele isso não significava o
mesmo que para mim. Talvez eu tivesse inventado tudo em minha cabeça.
Não seria a primeira vez que eu me enganaria a respeito de um homem.
Dolores esfregou as têmporas.
— Estou sentindo uma enxaqueca gigante a caminho. E não temos mais
Tylenol.
Engoli e acrescentei:
— Tem mais.
Dolores soltou um uivo como se estivesse sendo comida viva por uma
matilha de lobos.
Segurei minha xícara com mais força.
— Estou lhe contando porque... quando estava fugindo... esqueci de
fechar a janela atrás de mim. De qualquer forma, achei que você deveria
saber, caso ele fale sobre isso.
Os olhos de Dolores passaram pelo meu rosto.
— Há algo mais. Algo que está incomodando você... e não diga que
não. Posso ver isso em seu rosto. Você pode falar. Desembuche.
Respirei fundo e soltei o ar.
— Acho que devo esperar por Beverly.
— Não sei quando ela voltará — respondeu Dolores. — Provavelmente
estará rolando nua na cama de algum homem.
— Com óleos, chantilly e cerejas — disse Ruth, balançando a cabeça
como se fosse uma conversa entre irmãs. Eu não queria ir além.
Dolores sorriu para mostrar o mínimo de dentes e se recostou na
cadeira.
— Eu juro. Aquela bruxa tem um colchão amarrado nas costas.
Na hora certa, a porta dos fundos da cozinha se abriu.
Beverly entrou, vestindo uma calça jeans skinny escura, uma blusa
preta, botas vermelhas e um homem no braço.
— Olá, meninas — disse Beverly enquanto conduzia o homem pela
área do café da manhã e em direção à porta do porão.
Mais uma vez, o homem que estava com ela tinha aquele olhar
atordoado, como se estivesse sonâmbulo ou sob efeito de algum sedativo
leve. Seus cabelos escuros estavam salpicados de cinza e branco, e ele
usava um agasalho roxo que teria sido popular no início dos anos noventa.
—Quem é esse? — perguntei, aguardando a narrativa. Eu sabia por
experiência própria que ele era uma de suas vítimas e definitivamente não
era um acompanhante.
— Este aqui é o Harold — disse Beverly ao abrir a porta do porão. — O
Harold jogou todas as economias da esposa no cassino. Você não fez isso,
Harold?
Harold acenou lentamente com a cabeça.
— Sim.
Sua voz era lenta, como se ele estivesse falando enquanto dormia.
Beverly colocou as duas mãos nos quadris.
— Bem, você não deveria ter feito isso.
Ela lhe deu um chute na bunda, e Harold caiu na soleira da porta, assim
que Beverly a fechou atrás dele.
Dessa vez, não houve nenhum grito de surpresa, apenas o som familiar
de alguém batendo na escada até o fim. Em seguida, veio o tremor da
cozinha, como se um pequeno terremoto tivesse nos atingido. Levantei
minha caneca de café da mesa e esperei que os tremores parassem.
Com um estrondo final que irrompeu do porão, a casa se acomodou.
— Bem, então — disse Beverly, sorrindo alegremente como se estivesse
diante de um painel de juízes em um concurso de beleza. Seus olhos verdes
brilhavam. — Meninas! Tenho ótimas notícias para vocês!
— O quê? — disse Dolores, com uma sobrancelha arqueada. — Eles
estão vendendo camisinhas esta semana?
Beverly sorriu e seus olhos se arregalaram.
— Consegui o papel que eu queria na peça Macbeth.
Ela levantou o queixo dramaticamente.
— Oh, meninas. Vou ser fabulosa. Vou ser a atriz mais linda e sexy que
o Festival da Noite já viu. Todo mundo vai estar lá. É amanhã à noite, então
vocês não podem perder.
— Tenho de verificar minha agenda — disse Dolores. — Mas acho que
estou agendada para uma colonoscopia.
Ruth bateu palmas com as mãos.
— Qual papel? Lady Macbeth?
— A irmã sexy e esquisita, boba — riu Beverly e atravessou a cozinha
até o bule de café meio cheio.
Ruth fez uma cara feia.
— As bruxas antigas não eram sensuais. Eram murchas e selvagens. Eu
me lembro de ter lido que elas tinham verrugas. E piolhos.
Beverly acenou com a mão em sinal de desdém. — Ah, isso é só um
boato. Todo mundo sabe que a segunda bruxa era a mais sexy.
Repremi uma bufada. Se alguém podia interpretar uma bruxa velha,
decrépita e murcha como uma bruxa sexy, essa pessoa era Beverly.
— Preciso de um café.
Ela se serviu de uma xícara.
— Então, o que eu perdi? — perguntou ela, virando-se de costas para o
balcão. — Vocês todas parecem confusas, como se estivessem discutindo.
— A Tessa estava prestes a nos contar o que a incomodou a noite toda
— disse Dolores, lançando-me um olhar apertado como se eu estivesse
escondendo algum segredo obscuro que ela estava prestes a arrancar de
mim.
— Ela quase não dormiu — acrescentou Ruth, e eu a olhei de soslaio.
Como diabos ela sabia disso?
Beverly tomou um gole de seu café.
— Bem, vá em frente, querida. Conte-nos.
Ela pegou a cadeira vazia de frente para Dolores e se sentou.
Tamborilei meus dedos em volta da xícara.
Passei a manhã inteira pisando em ovos perto de minhas tias, com medo
de dizer alguma coisa para não piorar as coisas. Cruzei os tornozelos sob
minha cadeira. Pensei em como colocar isso em palavras a noite toda.
Quero dizer... como você pergunta se sua mãe estava traindo o marido para
as irmãs?
Você simplesmente diz isso.
— Minha mãe teve um caso?
Beverly cuspiu seu café bem no rosto de Dolores.
Ooops.
— O que é isso, pelo caldeirão! — gritou Dolores, pegando uma toalha
de papel no centro da mesa e enxugando o rosto.
— Ela perguntou se a mãe dela tinha tido um caso — disse Ruth, com
uma expressão perplexa no rosto, como se nunca tivesse me visto antes.
Dolores olhou para a irmã.
— Eu sei o que ela disse. Eu estava me referindo ao meu repentino
banho de café.
— Desculpe.
Beverly limpou a boca e colocou a caneca de café no chão. Ela olhou
para mim e perguntou:
— O que faz você dizer isso?
O silêncio caiu sobre mim novamente, e senti meu rosto esquentar. Não
porque estivesse envergonhada, mas porque temia o que elas poderiam
dizer.
Contei a Beverly como foi minha invasão.
— Por que ele colocaria um ponto de interrogação ao lado do nome do
meu pai? Porque é questionável. Olhei para cada uma das tias.
— Marcus não é idiota. Não acho que ele tenha sido nomeado chefe por
causa de sua boa aparência. Se ele colocou isso lá... é porque sabe de
alguma coisa ou descobriu algo sobre meu pai.
Recostei-me em minha cadeira.
— Então, minha mãe traiu meu pai?
— Claro que não.
Dolores amassou a toalha de papel manchada de café em sua mão.
— Aquela bruxa adorava o chão que ele pisava. Ela nunca faria isso.
Jamais. Tenho certeza absoluta disso.
— Eu não.
Todos nós olhamos para Beverly.
— O quê? — ela deu de ombros.
— A bruxa não era uma santa. Não podemos ter certeza de que ela não
teve um caso.
De alguma forma, eu não conseguia ver minha mãe tendo um caso com
alguém que não fosse o homem que ela idolatrava.
— Então, existe uma possibilidade?
Ruth bateu com o dedo na mesa.
— Havia rumores...
— Ruth — gritou Dolores.
Fiquei olhando para Ruth.
— Que rumores?
Ela olhou para Dolores como se estivesse esperando aprovação.
— Que boatos, Ruth? — Eu insisti.
Beverly soltou um suspiro.
— Que ela já estava grávida quando se casou com seu pai.
Meu olhar percorreu o rosto de cada tia.
— Isso significa apenas que eles estavam fazendo sexo antes de se
casarem. Da última vez que verifiquei, isso não era crime. — Esperei que a
Ruth ou a Beverly elaborassem, mas elas não o fizeram. — Não estamos no
século XIX. Você não agarra o primeiro homem que lhe dá atenção porque
engravidou do filho de outra pessoa.
— Sabe de uma coisa?
Ruth estendeu a mão e cobriu minha mão com a dela.
— Por que você não liga para a Amelia e pergunta a ela?— disse ela,
com um sorriso gentil e caloroso.
Eu soltei uma baforada de ar.
— Certo. Como se essa fosse uma conversa que eu quisesse ter com ela
— eu disse. — Na verdade, não. Acho que vou passar.
Eu me encolhi por dentro só de pensar nisso. Talvez Marcus tenha
escrito isso porque também ouviu os rumores e também pensou que talvez
meu pai não fosse meu pai biológico?
Um zumbido soou na cozinha, chamando minha atenção para a
torradeira. Houve um estalo repentino e um cartão branco do tamanho de
uma carta de baralho saiu voando. Em um piscar de olhos, a mão de Ruth se
moveu para pegá-la. Com reflexos como esses, ela deveria ter sido uma
jogadora de softball.
Eu me animei. Eu realmente precisava de um trabalho para clarear as
ideias. Eu havia terminado todo o meu trabalho como freelancer com o
último design do site, portanto, não tinha mais nada para fazer por mais
uma semana.
Os olhos azuis de Ruth se arregalaram quando ela leu o cartão. Sua
cabeça se ergueu e ela olhou para mim.
— O quê?
Soltei minha xícara.
— Qual é o trabalho? Ruth? Droga. Eu sabia. Era sobre eu ter invadido
o escritório do chefe. Marcus havia me descoberto.
Dolores se inclinou e pegou o cartão de Ruth. Seus olhos se estreitaram.
Ora, ora, ora. É um trabalho. De Gilbert. Parece que o cofre foi
arrombado ontem à noite. Todas as joias, o dinheiro e o ouro
desapareceram.
— Ouro?
Isso era novidade para mim.
— Eu não fazia ideia de que havia um cofre. Por que tem um,
exatamente?
Dolores olhou para mim.
— O Festival da Noite depende de doações. Ele não existiria sem elas.
Os artistas e convidados especiais não vieram pela bondade de seus
corações. Temos que pagá-los. Realizar o evento é muito caro, mas vale a
pena. Todos nós damos o que podemos pagar. Alguns mais do que outros.
Ruth fez um beicinho.
— O que não foi muito este ano.
— Então, alguém roubou o cofre.
Eu me inclinei para a frente, com a perspectiva de trabalhar em um
novo caso me deixando animada.
— Você acha que isso tem algo a ver com a morte da Myrtle?
Dolores balançou a cabeça.
— Não vejo como as duas coisas podem estar relacionadas.
Empurrei minha cadeira para trás e me levantei.
— Bem, deveríamos ir dar uma olhada.
Coloquei minha xícara de café frio na pia e, quando me virei, minhas
tias estavam evitando meus olhos.
— Certo. O que está acontecendo?
Dolores soltou um suspiro.
— Gilbert pede especificamente que você não esteja lá.
— O quê? Me dê isso.
Com o temperamento exaltado, fui até a mesa, peguei o cartão de sua
mão e li:
Alerta de notificação.
Atenção: Grupo Merlin. Serviços necessários.
Problema: cofre arrombado. Os fundos do Festival da Noite foram
roubados. Todos os objetos de valor foram roubados.
Localização: Mercadorias e Presentes do Gilbert. Hollow Cove, Maine,
EUA.
Alteração: Solicitando que a suspeita de assassinato Tessa Davenport não
esteja envolvida ou nas proximidades.
J áTodos
era meio-dia e meia quando chegamos à Gilbert's Grocer & Gifts.
nós nos amontoamos na velha perua Volvo porque Beverly deixou
claro que não queria andar com suas novas botas de cano alto. Eu realmente
não me importava de dirigir se isso significasse que chegaríamos mais
rápido. Quanto mais cedo chegássemos, mais cedo eu poderia ver a cara de
frustração de Gilbert ao me ver e mais cedo eu poderia estrangular a
pequena alavanca de câmbio.
Isso me deixou muito feliz e feliz por dentro.
Eu estava me sentindo um pouco melhor com a perspectiva da cara de
raiva de Gilbert quando Dolores parou no meio-fio da Shifter Lane e
desligou o motor. Todos nós saímos.
Quando algo deu errado em Hollow Cove, naturalmente, a cidade
inteira ficou sabendo. E, naturalmente, todos queriam dar uma olhada.
E era exatamente isso que parecia.
Uma multidão de mais de cem paranormais, residentes e participantes
do Festival da Noite se aglomerou em torno da loja de Gilbert, com suas
vozes altas de excitação. Jeff e Cameron estavam na porta da frente com os
braços grandes cruzados sobre o peito largo. Suas posturas dominadoras
faziam com que parecessem seguranças robustos de alguma boate. Se eles
estavam aqui, isso significava que Marcus também estava.
— Vamos lá, meninas.
Dolores fechou a porta do carro com o quadril e se dirigiu para a porta
da frente, empurrando os espectadores para fora do seu caminho com um
rápido empurrão de seus braços. Beverly estava logo atrás dela, seguida por
Ruth, que acenou para algumas pessoas. Eu fiquei na retaguarda.
— ...veja... é ela! É ela! — Ouvi uma mulher dizer, o que me fez
estremecer. Abaixei a cabeça e continuei andando.
— ...aquela que matou a Vidente — veio outra voz, desta vez de um
homem.
— Por que eles a deixaram sair em liberdade? — perguntou a mesma
mulher.
— Ela não deveria estar aqui. Ela deveria estar presa — disse outra voz.
Minha pele formigava com a magia, alimentando-se de minha fúria e
enrolando-se em meus dedos antes que eu pudesse controlá-la. Eu ia
machucar alguém.
Mas então Ruth se virou e me deu um de seus sorrisos, um daqueles
contagiantes que diziam:
— Tudo vai ficar bem.
Senti a raiva diminuir e, com isso, também diminuiu a magia reprimida.
Eu tinha que aprender a controlar meu temperamento. Ou isso ou viver com
as consequências de ferir algumas pessoas ignorantes. Sim, elas eram
ignorantes e estúpidas. Além disso, eu já estava rotulado como suspeito de
assassinato. Não precisava acrescentar um assassinato real à lista.
Cerrando os dentes, mantive a cabeça baixa e segui minhas tias pela
porta de vidro da loja.
A pequena mercearia estava vazia de clientes. Em uma tarde normal,
especialmente em um dia ensolarado como este, ela deveria estar lotada.
Vozes vinham dos fundos. Olhei para os corredores e vi que havia uma
porta aberta nos fundos da loja. Aparentemente, Dolores estava nos levando
até lá.
Quando chegamos à porta, entramos em uma pequena sala semelhante a
um escritório que parecia funcionar como escritório e depósito. Ela
abrigava uma escrivaninha repleta de papéis espremidos entre caixas
empilhadas até o teto.
Meus olhos encontraram Marcus primeiro. Seu rosto estupidamente
bonito sempre parecia atrapalhar os outros - não faço ideia do motivo.
Quando seus olhos encontraram os meus, suas sobrancelhas se ergueram
com conhecimento de causa e um olhar de compreensão aguçado. Ou ele
estava esperando que eu aparecesse ou sabia que eu tinha entrado em seu
escritório na noite passada.
Não poderia me importar menos com o que ele pensava de mim naquele
momento. Eu era uma profissional. Eu era uma Merlin e tinha um trabalho a
fazer.
E, no entanto, aquele ponto de interrogação ao lado do nome do meu pai
fez com que eu voltasse a sentir raiva. A ideia de que Marcus sabia algo
sobre mim que eu não sabia realmente me irritava.
Ao lado dele estava Adan, que se virou ao ouvir nossa aproximação. A
carranca em seu rosto desapareceu ao me ver, criando um sorriso
espetacular em suas feições.
Oh. Meu. Meu Deus.
Eu lhe dei um sorriso apertado antes de desviar o olhar, com o rosto em
chamas.
Controle-se. Você é uma profissional.
Com as mãos nos quadris, vestindo uma calça cáqui, uma camisa polo e
a carranca do século, o outro ocupante não precisava de apresentações.
— O que ela está fazendo aqui? — rosnou Gilbert, cuspindo pela boca e
com o rosto cada vez mais escuro, junto com as rugas.
Olhei para o relógio do meu celular.
— Cinco segundos inteiros antes de você enlouquecer. Deve ser um
novo recorde — eu disse e joguei o celular na bolsa.
Adan riu. O som era profundo e genuíno, e aliviou minha raiva. Gostei
dele imediatamente. O fato de ele ser agradável aos olhos também ajudou.
Era mais como um doce de encher os olhos.
Dolores se virou e me deu um olhar incisivo, e eu dei de ombros. Sim,
eu sei, foi um pouco exagerado, mas a pequena metamorfa me irritou. Eu
não conseguia me conter. Era como pedir ao gato que não brincasse com o
rato. Não vai acontecer.
Gilbert e os outros estavam todos reunidos em torno de alguma coisa,
então me afastei para ter uma visão clara. Um grande cofre de metal, do
tamanho de uma máquina de lavar louça, estava no único canto do espaço
que não estava cheio de caixas. A porta do cofre estava aberta. Pelo que
pude ver, apenas uma pasta e alguns papéis estavam lá dentro. Não havia
sinal do ouro, das joias reluzentes, das pilhas de dinheiro. O cofre estava
vazio.
Com uma expressão amarga no rosto, Gilbert apontou um dedo curto e
sujo para minhas tias.
— Eu pedi que ela não se envolvesse especificamente. Vocês todos
ficaram analfabetos desde esta manhã?
Dolores se elevou sobre o pequeno metamorfo.
— Você pediu pelo Grupo Merlin. Nós quatro somos Merlins. Aqui
estamos.
Ela levantou os braços e fez um gesto para nós quatro.
— Somos o Grupo Merlin - não somos Merlins isoladas. Ou todas...
— Ou nenhuma — concluiu Ruth, dando a Gilbert seu melhor olhar de
reprovação. Amei.
— Marcus! — Gilbert se virou e o encarou. — Faça alguma coisa. Você
tem autoridade sobre eles como chefe e conselheiro. Diga a ela para ir
embora.
Meu coração batia forte na garganta enquanto eu esperava o chefe
responder. Eu não tinha ideia do que ele diria. Será que Marcus tinha
autoridade sobre o Grupo Merlin? A verdade é que eu não tinha certeza de
como as leis funcionavam aqui em Hollow Cove. E, no entanto, em seu
relatório, Marcus me apontou como o suspeito número um, mas não me
prendeu. O que significava que ele não tinha nada contra mim.
Um músculo se contraiu ao longo da mandíbula de Marcus. Seus olhos
encontraram os meus e ele disse:
— Tessa é livre para ir aonde quiser. Ela não é uma prisioneira e não
está presa.
Olha só? Isso foi inesperado.
— Pronto — eu disse a Gilbert. — Você pode fechar o bico agora para
que possamos continuar com o nosso trabalho? —
Seu franguinho miserável.
— Mas você a prendeu! — reclamou Gilbert, indignado. — Todos nós
vimos isso.
— Ela foi trazida para ser interrogada. Ela foi... uma das últimas
pessoas a ver a Myrtle viva, então ela tinha informações importantes.
Marcus ainda estava me observando. Um leve sorriso apareceu no canto
de seus lábios, que eu não tinha certeza se era para mim ou para Gilbert.
— Ela nunca foi acusada.
— Eu nunca fui acusada, repeti como uma idiota. Marcus, no entanto,
ainda estava me observando com uma intensidade que me deixou
desconfortável. Eu não sabia o que ele estava tentando fazer, mas se ele
achava que me defender na frente de Gilbert iria, de alguma forma,
amenizar o fato de ele me levar para interrogatório... Bem, não foi o que
aconteceu.
— Então, o que ela é? — argumentou Gilbert, claramente incapaz de
deixar isso de lado.
— Ela está sob... revisão — disse Marcus.
— Você acabou de inventar isso? Você não pode inventar regras quando
quiser. Quem você pensa que é? O rei de Hollow Cove?
Os olhos de Marcus se estreitaram.
— Não me diga como fazer meu trabalho, Gilbert. Eu sou o chefe.
Posso fazer o que eu quiser.
Bufei, desejando que Ronin estivesse aqui. Ele teria adorado essa
conversa.
Os olhos de Gilbert estavam redondos, parecendo que poderiam sair de
suas órbitas a qualquer momento.
— Eu não vou aceitar isso. Pelo que sabemos — ele apontou para mim,
e eu odiava como ele continuava a falar de mim como se eu não estivesse
na mesma sala, — ela matou Myrtle e roubou todo o conteúdo do cofre para
fugir facilmente.
Ah, não.
— Feche o bico antes que eu asse você no meu caldeirão, coruja —
disparei contra ele, dando alguns passos à frente. — Você não vai me culpar
por isso também. Eu não tive nada a ver com isso e você sabe disso.
A energia girou em minha cabeça e ao meu redor enquanto outro
influxo de magia subia. Eu exalei, forçando-a para baixo.
Eu ia fazer um churrasco com essa ave. Eu sei disso. Você sabe disso.
Todos nós sabemos.
Gilbert fez uma careta.
— Tudo bem. Podemos resolver isso agora mesmo.
— Ótimo. — Rolei os ombros, liberando um pouco da tensão. Ele
queria brigar? Tudo bem, eu ia lhe dar um chute na garganta.
O pequeno metamorfo me lançou um olhar conhecedor, do tipo que
dizia que ele tinha alguma informação sobre mim que eu preferia não
revelar. Ele se endireitou e disse:
— Onde você estava ontem à noite, da meia-noite às duas da manhã?
Você está se sentindo bem? Que merda.
— Por quê?
Mantive meu rosto em branco, não gostando do rumo que a conversa
estava tomando. O fato de a atenção de todos estar voltada para mim
também não ajudou.
Gilbert sorriu com algo que viu em meu rosto.
— Não me lembro de ter visto você no Festival da Noite. Você poderia
falar mais sobre o seu paradeiro?
Como eu disse. Eu ia fritar essa ave. Mas eu também poderia jogar esse
jogo.
Eu fiz um sorriso Colgate em meu rosto.
— Pensei em ficar em casa, já que o Festival só me trouxe infelicidade.
— Há! — gritou o homenzinho, jogando a mão para o alto como se
tivesse me pegado em uma mentira, o que de fato aconteceu.
— Bem, eu sei de fonte segura que você e aquele Ronin miserável
foram vistos correndo pela Shifter Lane.
Meu pulso batia forte e eu me esforçava para não deixar transparecer
minha culpa.
— Correr é um crime agora?
Droga. Isso não estava acontecendo.
— Por que você sempre me culpa por tudo? Você culpa a garota nova na
cidade, é assim que as coisas são aqui? Sinto muito que alguém tenha
arrombado o cofre de vocês. Mas eu não tive nada a ver com isso.
Marcus ainda me observava com uma intensidade séria, como se
estivesse tentando ler minha mente ou detectar um deslize de compostura
que demonstrasse minha culpa.
Sim, eu era culpado de roubar informações, mas não de roubar um
cofre.
Gilbert fez um barulho rude.
— Diga isso a ele.
O metamorfo apontou o polegar para Adan.
— A família dele doou milhares de dólares para o Festival da Noite, e
agora tudo se foi. Como vamos pagar por tudo? A cidade não tem dinheiro.
— A cidade tem reservas de emergência, Gilbert — disparou Dolores,
com os olhos duros. — Você sabe disso.
Gilbert resmungou algo em resposta, mas não consegui captar.
Meus olhos encontraram Adan, mas ele estava olhando para o cofre.
— Sinto muito pelo seu dinheiro — eu disse, assim que Adan voltou
seu olhar para mim, — mas saiba que eu não o peguei.
— Olá, Adan.
Beverly se colocou ao lado do bruxo alto e bonito.
— Nossa, nossa. Parece que toda vez que eu o vejo, você fica ainda
mais bonito com o passar dos anos.
Ela riu.
— Você me faz desejar ser... cinco anos mais jovem.
Dolores limpou a garganta em sinal de alerta. Beverly deu uma
risadinha e disse:
— Você já conheceu minha sobrinha?
Essa é a minha tia. Sempre trabalhando na sala.
Os suaves olhos cor de avelã de Adan passaram pelo meu rosto.
— Eu não tive esse prazer.
Sua voz era profunda, meticulosamente educada e bonita. Que droga.
Eu gostava muito de vozes bonitas.
Adan tentou apertar minha mão, mas Gilbert se intrometeu.
— Isso tudo é muito educado — ele zombou, e eu deixei minha mão
cair. — Mas não resolve nada.
Ele olhou para minhas tias.
— Vocês deveriam estar trabalhando na cena do crime. Tentando
solucionar esse crime, e não fazendo casamentos.
O calor subiu ao meu rosto. É isso aí. Antes do fim do dia, eu ia assar
essa corujinha.
— Então, saia do nosso caminho — ordenou Dolores e empurrou o
metamorfo menor com um golpe de seu braço longo. Gilbert murmurou
alguns palavrões com raiva, mas deu espaço para as irmãs trabalharem.
Juntas, as três tias estavam diante do cofre. Eu entrei ao lado de
Dolores, não querendo ficar de fora, mas estava realmente curioso para
saber que magia elas iriam usar. Embora eu tivesse minha carta de Merlin,
ainda havia muito que eu precisava aprender.
— Ruth — disse Dolores.
De sua grande sacola, Ruth tirou um pequeno recipiente do tamanho de
um pote de geleia, girou a tampa e espalhou um pouco de pó cor-de-rosa
sobre o cofre. O pó caiu como pó de fada, cintilando à medida que se
acomodava ao redor do cofre e cobria o chão como neve rosa e cintilante.
Foi muito bonito.
— Mostre-me o caminho que não consigo encontrar — entoou Ruth,
sua voz clara e melódica. — Deixe a magia revelar o que não pode ser visto
e restaurar o que foi deixado para trás.
O poder surgiu ao meu redor e através de mim, e eu prendi a respiração
ao sentir minhas tias se unirem em suas vontades. O derramamento de
energia de suas auras se uniu, ecoando e ressoando.
Foi fantástico.
Com uma súbita explosão de energia, duas coisas aconteceram.
Primeiro, uma explosão de luz ofuscante passou diante de nossos olhos
enquanto a energia corria pela sala. Segundo, o pó rosa de Ruth ficou
vermelho sangue escuro.
— E? — Gilbert se esgueirou por entre as tias. — Ele mudou de cor. O
que significa tudo isso? Você sabe quem arrombou o cofre?
Boa pergunta. Eu também queria saber. E Adan também, se eu
percebesse a tensão em seus ombros largos. Era quase palpável. Pobre
rapaz. Eu sentia pena dele.
Marcus, no entanto, tirou algumas fotos com seu smartphone. Sua
expressão permaneceu ilegível.
O rosto de Dolores estava sombria.
— Isso significa que quem arrombou o cofre deixou um feitiço de
ocultação que anulou o feitiço de revelação de Ruth. Infelizmente, não
podemos dizer quem fez isso. A menos que - o que realmente me
surpreenderia, considerando a quantidade de esforço que foi colocado nesse
feitiço - Marcus tenha coletado algumas impressões digitais?
O chefe balançou a cabeça.
— Não há impressões digitais. Nada.
— Foi por isso que solicitei a ajuda do Grupo Merlin — rosnou Gilbert.
— Vocês devem ver e sentir coisas além das impressões digitais comuns.
Que porcaria.
— Então, estamos procurando uma bruxa — eu disse, ignorando o olhar
de Gilbert por eu ter ousado falar.
— Sim.
Dolores deu outra olhada no cofre.
— Alguém com habilidade suficiente para realizar um feitiço complexo
como esse. Definitivamente, alguém que conhece bem a magia.
Adan cruzou os braços sobre o peito. A expressão em seu rosto dizia
tudo. Ele estava furioso, furioso porque o dinheiro de sua família havia sido
perdido e furioso porque não conseguíamos descobrir quem havia feito isso.
— Tessa?
Ruth inclinou a cabeça.
— Parece que você quer dizer alguma coisa.
Balancei a cabeça, sentindo os olhos de Marcus em mim.
— Não. Só estou pensando.
Não sei por que, chame isso de minha intuição de bruxa, mas tive a
sensação de que essa invasão e a morte de Myrtle estavam relacionadas.
Mas com a maneira como Gilbert e Marcus estavam me observando, eu não
iria compartilhar nada disso agora.
Beverly soltou um suspiro.
— Muitos bruxos de fora da cidade estão circulando por aí com o
Festival da Noite em andamento. Você tem uma lista de todas as bruxas?
Talvez possamos começar por aí. Ver quem é novo e quem não
conhecemos.
Meu olhar se voltou para Marcus. Eu tinha certeza de que ele tinha
algum tipo de lista. O cara havia dito que tinha checado todos os
participantes do festival deste ano.
Gilbert estendeu o peito com orgulho.
— De fato, eu sei. Tenho uma lista de todos os participantes. Todos
foram solicitados a se registrar online no site da cidade. E tenho um livro de
visitas que todos os participantes do festival devem assinar.
Bem, isso resolveu o mistério de onde Marcus conseguiu sua lista.
— Ótimo. Vamos precisar dessa lista — exigiu Dolores. Ela estendeu a
mão, como se esperasse que Gilbert a tivesse com ele. Talvez ele tivesse.
Uma pequena emoção me invadiu. Que bom. Algo que eu poderia fazer.
— Se dividirmos a lista entre nós quatro, será mais rápido.
Marcus limpou a garganta.
— Acho que você deveria ficar de fora, Tessa.
Não. Ele. Não disse. — O que você disse?
Com as mãos nos quadris, eu me aproximei mais.
— Eu pensei que você tinha dito que eu não estava presa. Que eu estava
livre para ir aonde quisesse?
O chefe suspirou, seu corpo inteiro se movendo enquanto ele expirava.
— Eu disse que você estava sob revisão.
Faíscas voaram - faíscas reais das pontas dos meus dedos - mas eu tinha
controle suficiente para manter minha magia apenas como faíscas. Mordi
minha língua antes que as maldições profanas saíssem de minha boca.
— Não acredito que você faria isso. Depois de tudo…
Deixei tudo às claras daquele jeito. Eu estava furiosa. Ele estreitou os
olhos, a raiva transparecendo em seu rosto, mas minha raiva venceu.
— Marcus tem razão.
Dolores olhou para mim, e uma expressão triste cruzou seu rosto.
— Algumas das bruxas podem se sentir um pouco... desconfortáveis
perto de você. Talvez não queiram falar conosco com você lá.
Levantei meus braços.
— Ótimo. Isso é ótimo. Está bem. Vou fazer minha própria
investigação.
Marcus não disse que eu não poderia, e não é como se eu precisasse de
sua permissão.
Dolores me lançou seu infame olhar de sobrancelha levantada.
Não há necessidade de dramatizar. Esse é o trabalho da Beverly.
— Ei! — disse Beverly, embora ela não parecesse chateada, mas sim
como se a irmã a tivesse elogiado.
— Preciso de um pouco de ar.
Dei meia-volta e saí, voltando pelas fileiras de corredores, lutando
contra a vontade de derrubar alguns itens das prateleiras. Isso teria feito
com que eu me sentisse muito melhor.
Eu não estava brava com minhas tias. Que diabo. Elas tinham razão. As
bruxas daquela lista provavelmente fugiriam para o outro lado se me vissem
chegando. Minhas tias teriam melhores resultados sem mim.
Além disso, eu não me importava de fazer isso sozinha. Eu gostava de
trabalhar sozinha. Todo o meu trabalho criativo era feito apenas por mim e
meu notebook. Isso fez com que minha energia introvertida fluísse.
Grandes perguntas precisavam de respostas. Se eu estivesse certo sobre
a conexão entre os dois crimes, precisaria de provas para me apoiar.
Atravessei a loja até as janelas de vidro da frente. A multidão de
espectadores ainda estava do lado de fora da loja de Gilbert, alguns com os
olhos grudados no vidro, tentando vislumbrar o que estava acontecendo lá
dentro.
Eu me preparei para os insultos enquanto estendia a mão e agarrava a
maçaneta de metal da porta.
— Tessa! — disse uma voz masculina atrás de mim que não era a de
Marcus.
Parei, apenas porque não era Marcus. Larguei minha mão e me virei
para ver Adan vindo em minha direção.
— Eu sei que isso deve parecer loucura e exagero — disse o belo bruxo.
Ele riu, coçando a nuca. — Talvez até totalmente inapropriado... mas... você
jantaria comigo hoje à noite?
Meus lábios se entreabriram e eu esperava não parecer muito chocada.
— Você quer jantar? Comigo?
Sim, eu sei como isso soou, mas eu tinha que ter certeza de que ele
sabia o que estava pedindo. Ele acabou de perder muito dinheiro da família,
e isso pode mexer um pouco com a cabeça de alguém. Ou talvez ele
estivesse apenas procurando uma distração. Isso não me incomodou. Uma
distração poderia ser exatamente o que eu precisava.
Adan sorriu, com seus dentes brancos e perfeitos aparecendo ao redor
de seus lábios cheios.
— Sim, eu sei.
— Está bem — respondi, surpreendendo-me. Tarde demais para voltar
atrás. Além disso, isso pode ser muito bom para mim. Sair e me divertir um
pouco com esse bruxo sexy.
— Pegarei você às sete.
Adan me deu mais um daqueles sorrisos brilhantes antes de se virar e ir
em direção aos outros.
Um movimento chamou minha atenção e olhei para Adan a tempo de
ver Marcus se afastando de um dos corredores e desaparecendo nos fundos
da loja.
Ele ficou ali o tempo todo.
Capítulo 13
N oumfinal das contas, o Fabio's era um restaurante italiano muito bom, com
interior moderno de assentos e mesas cinza e laranja em uma sala de
conceito aberto com tetos de 3 metros e canos expostos. As janelas altas na
frente deixavam entrar a última luz da noite. Era um lugar confortável e,
assim que meu traseiro bateu no couro macio e cinza da cabine próxima à
janela, senti-me relaxar. Mas eu também tinha bebido minha taça de vinho
tinto recém-derramada em dois goles gigantes.
— É bom, não é? — riu Adan, sentado à minha frente na cabine. Ele
pegou a garrafa de Mazzei Concerto di Fonterutoli 2016 e encheu minha
taça até a metade. Nunca ouvi falar desse vinho, provavelmente porque eu
não tinha dinheiro para comprá-lo e ele não vinha em uma caixa.
Engolir o vinho não ia me dar nenhum ponto na categoria de primeira
impressão, mas como eu sabia que sentiria os efeitos do vinho maravilhoso
em menos de um minuto, não me importei.
Peguei meu cardápio e comecei a examinar a lista de entradas e pratos
principais. Meus olhos ficaram embaçados por um segundo e pisquei até
que minha visão ficasse clara. Minha cabeça começou a latejar novamente,
só que muito pior. Eu precisava de algo mais forte do que Tylenol . Isso
também poderia ser a maneira de meu corpo me dizer que estava ficando
vazio. Eu precisava reabastecê-lo com alguns carboidratos agradáveis. E,
puxa vida, esse cardápio tinha tudo a ver com carboidratos. Era o centro dos
carboidratos. E eu adorei. Carboidratos. Carboidratos. Carboidratos.
Depois de tomar minha decisão, dobrei meu cardápio, peguei uma fatia
de pão caseiro quentinho, empilhei a manteiga como se fosse cream cheese
e dei uma mordida.
Eu gemi.
— Uau — eu disse, mastigando e deixando a manteiga salgada explodir
em minhas papilas gustativas. — Pão bom. Pão muito bom.
Adan riu novamente. Ele era fácil de agradar. Eu gostava de um homem
que me achava engraçada. Talvez essa não fosse uma ideia tão ruim, afinal.
Enquanto eu passava manteiga em outra fatia de pão, uma mulher
bonita, mais ou menos da minha idade, vestida com uma camisa preta e
calça preta combinando, parou na beira da nossa mesa. Um bloco de papel e
uma caneta estavam presos em suas unhas pintadas de vermelho.
— Vocês já fizeram suas escolhas?
Seus olhos escuros estavam voltados para Adan, e a luxúria brilhava
neles. Ela lhe deu um sorriso preguiçoso que era íntimo demais para dar a
um estranho. Quando Adan não respondeu imediatamente, ela se inclinou,
com o quadril tocando o ombro dele.
— A Costoletta di Vitello é muito popular — ela ronronou, batendo os
cílios postiços para ele. Ela estava praticamente despindo-o com os olhos.
Ok, moça, controle-se, eu disse a ela com os olhos, não que ela tenha
notado. Sim, Adan era gostoso, mas isso era simplesmente rude. Eu não era
uma mulher ciumenta, nem insegura em relação à minha aparência, mas a
vagabunda tinha que ir embora.
— Quero a pizza siciliana — disse em voz alta. — Obrigada por ter
perguntado. E mais um pouco de pão seria bom.
A garçonete me lançou um olhar amargo, mas se afastou de Adan,
anotando meu pedido. Sim, ela ia cuspir no meu prato. Eu tinha certeza
disso.
Adan limpou a garganta.
— Vou começar com um pedido de lula frita. E depois quero a
Costoletta di Vitello.
Ele pegou meu cardápio com o dele e o entregou à garçonete, que o
pegou e lhe deu um sorriso deslumbrante antes de se afastar da nossa mesa.
— Adoro uma mulher com apetite — disse Adan enquanto tomava um
gole de seu vinho.
— Bem, você vai me amar porque estou faminta.
Terminei meu pedaço de pão, lembrando que há apenas alguns meses eu
só comia carboidratos aos domingos. Garota estúpida, estúpida.
— Então — começou Adan, enquanto colocava seu vinho no chão. —
Ouvi dizer que você se mudou recentemente de Nova York para Hollow
Cove. O que fez você decidir se mudar para lá?
Puxa vida. Eu não queria falar sobre meu ex, especialmente em um
primeiro encontro.
— Eu morei com alguém em Nova York — comecei, achando difícil
escolher as palavras enquanto minha dor de cabeça se intensificava como se
alguém tivesse colocado um martelo pneumático em meu crânio. — As
coisas não deram certo. — Respirei fundo. — Achei que uma mudança de
cenário seria bom.
Adan apertou as sobrancelhas claras e se inclinou para frente.
— Você está bem?
— Tudo bem.
Peguei meu copo de água.
— É só uma dor de cabeça. Eu não deveria ter bebido aquele vinho tão
rápido — eu disse, rindo, embora cada palavra provocasse uma dor aguda
em minha cabeça. — Tenho certeza de que ficarei bem quando a comida
chegar. Então — eu me mexi no meu assento, tentando evitar que a dor
latejante aparecesse no meu rosto, — fale-me sobre você. Disseram-me que
você é famoso.
Adan riu. O som era tão bonito. Pena que eu mal conseguia ouvi-lo por
causa das batidas na minha cabeça, o mesmo acontecendo com a conversa
dele. Eu mal conseguia entender as palavras, minha cabeça martelava
enquanto minha visão ficava embaçada de dor até que eu pudesse ver dois
Adans. Isso não era bom. Eu já tinha tido enxaqueca antes, por falta de
comida, mas essa era a enxaqueca do século - do universo.
A comida só chegou depois de meia hora. Se isso era normal ou se a
garçonete estava tentando se vingar de mim, eu não tinha ideia. E quando
ela chegou, eu não conseguia comer. Peguei meu garfo e ele continuou
escorregando dos meus dedos.
— Você precisa de ajuda?
A voz de Adan chamou minha atenção para ele, ou melhor, para os dois,
já que ele ainda era dois. Ei, dois Adans são melhores do que um, certo?
— Perdão estúpido — murmurei, com as palavras quase inaudíveis até
para mim. Que diabos eu acabei de dizer? Deixei o garfo cair novamente
quando uma série de calafrios tomou conta de mim. Uma forte mistura de
dor de cabeça e náusea me abalou, e prendi a respiração para não ficar
doente.
Ok, isso definitivamente não era uma enxaqueca normal. Intoxicação
alimentar? Talvez. Mas não do restaurante, e a única coisa que comi no
almoço foi uma banana.
Meus sentidos foram cooptados por uma infinidade de reações: o cheiro
forte da bile, o arranhão de centenas de picadas em minha pele, a sensação
de pressão atrás dos olhos.
A última coisa que eu precisava era vomitar em toda a nossa mesa.
Provavelmente eu também acertaria os dois Adans, por sorte. Não. Não vai
acontecer.
E então aconteceu a pior coisa que poderia acontecer em um encontro:
cólica.
Ah, não, não são as mensais... as outras... as de falência intestinal.
— Cooo licença — disse eu, enquanto saía cambaleando de nossa
cabine.
— Tessa? Você está bem? disse a voz de Adan.
Eu adoraria ter respondido a ele, mas se abrisse a boca, as palavras não
sairiam.
Tropeçando como um bêbado, eu me movia entre as mesas, e os rostos
passavam embaçados por mim enquanto eu me dirigia para os fundos.
Deus, por favor, não me deixe vomitar.
Vi a foto de uma mulher em uma porta e eu passei correndo por ela.
Nem me dei ao trabalho de trancar a porta, pois fui direto, bem, ok, talvez
em ziguezague, como uma bêbada, para o banheiro.
Vomitei, não uma, mas três vezes. A estranha substância preta no fundo
do vaso sanitário não foi o que me deixou um pouco assustado, mas sim o
fato de eu não me sentir melhor.
De fato. Eu me senti pior. Muito pior.
Meu corpo parecia estar sendo puxado em todas as direções, enquanto
minha cabeça não parava de bater. Gotas de suor caíam em meus olhos, e eu
sentia que estava morrendo.
O que há de errado comigo?
Dei uma olhada rápida no espelho e desejei não ter feito isso. Minha
pele estava pálida e pastosa, com olheiras. Eu parecia um zumbi. Não podia
encarar Adan assim. Não queria ver ninguém. Eu só queria ir para casa.
Saí cambaleando do banheiro e fui para a área da cozinha, segurando-
me nas paredes e concentrando-me em colocar um pé na frente do outro.
— Ei, você não pode estar aqui — gritou uma voz masculina.
Eu realmente não me importava. Eu mal conseguia me mexer, quanto
mais abrir a boca e iniciar uma conversa. Ele continuava gritando. Eu
continuava me movendo, meus olhos no que eu achava ser a porta dos
fundos.
Por milagre dos milagres, consegui passar pela porta dos fundos e sair
para o beco atrás do restaurante sem deixar um rastro de vômito preto atrás
de mim.
O ar fresco pareceu me dar um pouco de energia, e as batidas na minha
cabeça diminuíram um pouco, de modo que pude pensar além da sensação
de estar morrendo.
Era uma caminhada de trinta minutos de volta à ponte de Hollow Cove.
Eu poderia ligar para minhas tias para me buscarem, mas aí teria de explicar
o que estava errado. Eu não tinha esse tipo de energia no momento. Eu só
queria caminhar. Caminhar era bom.
— Tudo bem. Você pode fazer isso.
As palavras eram mais fáceis agora que eu tinha esvaziado a maior parte
do que estava em meu estômago.
E se eu vomitasse no caminho, bem, pelo menos estava escuro e eu só
estava dando à terra um pouco de fertilizante.
Com as pernas parecendo blocos de cimento, eu as forcei para frente e
fui em direção à calçada no final do beco. Cheguei à esquina e virei para o
leste. Se eu conseguisse chegar à Ocean Side Road, estaria bem.
Minha cabeça latejava e as lágrimas encheram meus olhos com a dor.
Eu não conseguia mais sentir minhas pernas. Será que eu ainda estava
andando? Talvez eu estivesse flutuando? Meu corpo estava úmido e frio, e
os flashes dos postes de luz e dos carros queimavam meus olhos. Minha
cabeça batia cada vez mais forte. Minha mente se confundiu até que não
havia nada além da sensação de dor e de querer que ela acabasse.
Os carros buzinaram e meus olhos se abriram. Eu nem tinha percebido
que estava no meio deles. Ok, então isso era ruim. Era hora de ligar para
minhas tias.
Peguei minha bolsa, agradecendo ao caldeirão por ela ainda estar presa
ao meu ombro de alguma forma. Respirando com dificuldade, procurei meu
celular na bolsa, mas não o encontrei. O trânsito agitado ao meu redor
tornava a concentração duas vezes mais difícil.
As batidas em minha cabeça se intensificaram. Tive um ataque de
tontura e caí de joelhos, sem energia para parar a queda ou ficar de pé.
Minha mão roçou em algo duro e escorregadio, e peguei meu celular.
Piscando com as lágrimas, passei o dedo na tela. Só que ela estava
completamente preta. Pressionei o botão lateral de energia. Nada.
O medo bateu. Que merda. Eu havia me esquecido de carregá-lo.
Minha cabeça estava nadando. Eu estava muito cansada. Talvez eu me
deite por um momento e depois me levante e comece de novo.
Senti-me cair de lado e, em seguida, minha bochecha bateu na
superfície fria e dura da calçada. Meus músculos doíam. Tudo estava
doendo.
E depois dormência. Não é bom.
Ok. Eu estava morrendo. Estava morrendo na maldita calçada. Não
podia pedir ajuda. Não podia nem ligar para o 911.
Os pensamentos estavam confusos em minha mente, e tudo o que eu
conseguia pensar era por quê? Quem havia feito isso comigo?
A escuridão se instalou nas bordas da minha mente, minha visão
escureceu. Eu sabia o que aconteceria em seguida. Se eu fechasse meus
olhos, talvez nunca mais os abrisse.
Minhas pálpebras pareciam de chumbo, puxando-se para baixo, mas eu
mal conseguia mantê-las abertas.
Ouvi o som de passos na calçada se aproximando.
E quando olhei para cima, um bode me encarava.
Capítulo 15
M arcusAinda
havia me beijado. E eu o beijei de volta.
bem que voltei sozinho para a Davenport House, tentando
entender o que diabos tinha acabado de acontecer. Com as emoções à flor
da pele, cambaleei como uma bêbada, sem nunca me concentrar para onde
estava indo. Eu estava bêbada por causa de um beijo. Um maldito beijo.
Você pensaria que eu era uma adolescente, reagindo ao seu primeiro
beijo. Mas o beijo de Marcus despertou em mim algo que eu nunca pensei
que sentiria novamente, não depois do que vivenciei com meu ex. Um
turbilhão de emoções passou por mim. As possibilidades, a conexão entre
nós e o calor... Ah, sim, havia isso.
Acho que Iris estava certa. Havia algo entre nós. Ou eu me recusava a
ver isso, ou simplesmente não queria ver porque tinha medo. Eu já tinha
tido minha cota de experiências ruins, então a possibilidade de começar um
relacionamento com Marcus me aterrorizava. Será que eu estava pronta
para isso? Será que eu queria isso?
Não havia como negar a química sexual entre nós. Você poderia
construir uma bomba com ela. Mas havia a atração e depois havia... todo o
resto. A atração sexual só podia ir até certo ponto. Você precisava ser
compatível. Você precisava ser amigo. Os relacionamentos exigiam muito
trabalho. Marcus era um cara de relacionamentos? Ou será que ele queria
fazer sexo gostoso, fora de cogitação, e deixar tudo por isso mesmo?
E o olhar que ele me deu? Ele parecia... presunçoso. Como se soubesse
o efeito que seu beijo teve em mim. Macaco arrogante.
Eu não podia e não queria deixar que minhas emoções tomassem
minhas decisões. Porque esse tipo de decisão acabava sendo estúpido. Eu
tinha de ser inteligente. Beijo ou não, eu não tinha dezesseis anos e, embora
o chefe fosse sexy como o pecado, eu tinha assuntos mais urgentes para
resolver. Como um anel de poder e uma bruxa maluca que queria me matar,
é isso.
A música do Festival da Noite e o som das vozes foram ficando para
trás, até que eu só conseguia ouvir meus sapatos batendo na calçada
enquanto me afastava cada vez mais. Faltavam mais duas noites do Festival
da Noite. Agora que Winnie sabia que eu estava atrás dela, esperava que
Marcus se mexesse rapidamente, pois duvidava que ela fosse ficar por aqui
por muito mais tempo.
Os raios prateados da lua desapareceram quando uma nuvem escura
apagou seu brilho, trazendo o cheiro da chuva. Cheguei à Charms Avenue e
virei à esquerda, acelerando um pouco mais as coxas. Eu não queria ser
pega pela chuva, embora a ideia de uma chuva fresca pudesse ser a coisa
certa para apagar meus flashes quentes e hormonais.
Lá estava eu novamente, pensando em Marcus. Maldito seja ele e seu
corpo gostoso.
Mas não faça isso, Tessa.
Andei mais rápido. Fagulhas de luz chamaram minha atenção para o céu
novamente.
— Relâmpago verde? Isso é estranho.
Mas aqui era Hollow Cove, onde o estranho era uma necessidade, um
modo de vida. Além disso, o relâmpago verde provavelmente era apenas
parte de algum truque do Festival da Noite.
Quando o ar caiu vinte graus um momento depois, eu sabia que algo
estava definitivamente errado.
Parei e fiquei ouvindo. Uma escuridão se arrastava por toda parte, como
uma massa esfumaçada e escorregadia que girava como uma névoa negra
etérea.
— Ok, definitivamente não é normal.
Imediatamente, uma sensação de frio percorreu minha pele como se eu
tivesse acabado de entrar em uma geladeira de tamanho humano. Um
segundo depois, uma onda de calor percorreu a superfície da minha pele,
desde as pontas dos dedos das mãos e dos pés até a cabeça. Um zumbido de
energia encheu o ar enquanto uma pulsação familiar fluía dentro e ao redor
de mim.
Magia. Magia crua e poderosa. O anel do Ancião.
Alguém estava puxando seu poder. Eu tinha certeza disso.
— Winnie? É você?
Eu zombei e dei uma olhada ao redor, mas vi apenas a escuridão densa.
— Saia, saia, onde quer que você esteja.
Esperei, sem ter certeza do que esperar. Usei minha vontade, puxando a
energia dos elementos ao meu redor enquanto me concentrava nas palavras
de poder que havia memorizado. Eu adoraria usar uma delas naquela bruxa.
— Que tal você sair e fazermos isso cara a cara? O que você acha? —
Eu disse, agarrando-me à minha magia e deixando-a vibrar dentro e ao
redor de mim enquanto ela implorava para que eu a liberasse. Ok, talvez
não fosse inteligente, já que ela tinha um anel de poder. Mas eu não
demonstraria medo a ela. Se o fizesse, eu estaria morta. Essa vadia já havia
tentado me matar uma vez. E uma vez era demais.
Com um estalo repentino, a escuridão se deslocou, diminuindo e se
afastando até que eu pudesse ver as sombras da rua novamente. Só que não
era.
A rua havia mudado de um caminho de casas pitorescas para um deserto
escuro, de conto de fadas, com uma floresta densa e árvores brilhantes.
Fiquei muito impressionada e um pouco assustada. Eu sabia que o anel
amplificava o poder de quem o usava, mas isso era um glamour e tanto.
— Belo truque— eu ri, embora tenha soado forçado e um pouco alto.
Percebi que não conseguia ouvir as festividades do Festival da Noite,
nem os grilos, nem nenhuma das criaturas noturnas.
Teci uma palavra de poder em meus lábios, meu coração batendo forte
no peito enquanto olhava ao redor. Isso era magia de verdade, não um
truque rápido e sujo. Era preciso concentração, e eu sabia que Winnie
estava aqui em algum lugar próximo.
— Impressionante — eu disse, achando que deveria estar alimentando
seu ego.
— Assustador, mas ainda assim impressionante. Então, por que você
está se escondendo? É você quem tem o anel? Que tal você sair e me
mostrar o seu lado grande e durão, hein?
Eu não tinha a menor ideia do que faria quando a visse. Pensei em
improvisar e ver o que acontecia. Sim, um bom plano.
Senti uma súbita pressão na nuca, uma forma de meus instintos me
dizerem que alguém ou alguma coisa estava me observando.
Um zumbido repentino me atingiu, seguido por um rangido alto e o
estalo de galhos se quebrando quando uma súbita e poderosa rajada de
vento me atingiu. Dei um passo para trás quando o ar ficou denso de
eletricidade. Eu sabia o que isso significava.
Um relâmpago brilhou acima de mim, iluminado por um fogo verde
repentino e furioso que desapareceu lentamente. Os sons ecoavam pelo ar,
com o crepitar dos relâmpagos e o rugido dos trovões. As nuvens furiosas
se comprimiam ao meu redor, roçando as copas das árvores e baixas demais
para serem naturais. Essa não era uma tempestade comum.
— Oh, merda.
Um raio caiu no chão, a cinco centímetros do meu pé. O calor atingiu
meu rosto como uma queimadura solar instantânea. A vadia estava tentando
me matar como se eu fosse um frango frito.
Por um momento, pensei em ir atrás dela, mas essa floresta era dela. Ela
a havia criado e poderia estar em qualquer lugar. Talvez eu nunca a
encontrasse.
— É hora de ir.
Girei e corri para a floresta, que tecnicamente, eu esperava, era a
Stardust Drive. Corri com dificuldade na direção que eu acreditava ser a
Davenport House, embora tudo o que eu visse fossem mais e mais árvores.
O ar crepitou novamente. O zumbido da eletricidade estava tão próximo
que zumbia em meu couro cabeludo.
Os instintos se acenderam, e eu me esforcei e gritei:
— Protego!
Uma meia-esfera branca e semitransparente surgiu, elevando-se sobre
minha cabeça e voltando para o chão.
Um raio verde atingiu a meia-esfera logo acima da minha cabeça e
ricocheteou.
— Viu? Você não é o único que tem um saco de truques — gritei,
levantando o punho para dar mais efeito.
Vacilei quando senti uma tontura, o pagamento por usar magia. A magia
sempre pegava o que era devido - um pedaço da força vital da bruxa - e o
tornava seu, servindo ao feitiço.
Outro raio atingiu o topo da minha meia-esfera e depois outro. Minha
meia-esfera tremeu, deixando o cheiro acre de cabelo queimado.
Eu sabia que se ficasse aqui, bem embaixo dessa maldita nuvem de
raios, acabaria ficando careca.
O ar acima de mim chiava e estalava. Agachei-me, soltei minha vontade
e, quando minha meia-esfera caiu, corri.
O raio bateu no chão onde meu pé estava há um segundo.
— Ha! Você errou! — Eu gritei. Muito imatura, eu sei, mas o medo em
minhas entranhas estava me deixando louca. Aumentei a velocidade e corri
entre árvores e arbustos que não deveriam estar lá.
A floresta era densa e escura e, se não fosse pelo relâmpago mágico que
iluminava tudo com um brilho verde assustador, eu estaria correndo às
cegas. O ar cheirava a folhas molhadas e agulhas de pinheiro, o que seria
normal, exceto pelo cheiro acre de enxofre que queimava minhas narinas.
Em uma brecha nas árvores, uma luz brilhou. Era fraca, mas eu a vi. A
luz significava o fim desse glamour da floresta, ou assim eu esperava. Tinha
de haver um fim para o alcance mágico de Winnie.
Fui em direção ao semáforo em uma corrida, quando um zumbido alto
surgiu ao meu redor, como se eu tivesse acabado de me deparar com uma
colmeia gigante. Reduzi a velocidade para uma caminhada, não gostando
nem um pouco disso. O coração palpitante invadiu meus ouvidos com uma
batida rápida.
Cliques, chilreios e zumbidos vinham de todos os lugares ao mesmo
tempo.
— Isso vai ser uma droga — murmurei e me ajeitei.
Uma névoa escura surgiu por entre as árvores.
Não.
Não é uma névoa, mas uma nuvem de milhares de insetos.
Capítulo 21
A senquanto
criaturas pairaram por um momento e depois se juntaram, girando
começavam a se juntar em uma única massa. Quase vomitei
quando ela tomou forma e se levantou, uma criatura enorme de formato
vagamente humano feita de milhares de insetos diferentes. A luz verde
brilhava de buracos gêmeos em sua cabeça de inseto. Ele tinha cerca de três
metros de altura e duas vezes a minha espessura. Suas pernas eram tão
largas quanto troncos de árvores, e seus braços eram quase tão grandes
quanto.
— Insetos? Sério?
Quando eu era bruxa, os insetos não me incomodavam. Eles eram uma
parte essencial do nosso ecossistema. Eu era sempre a primeira a salvar as
aranhas domésticas, pegando-as e deixando-as sair. Mas milhares, talvez
milhões, de répteis rastejantes se juntando para formar um réptil humanoide
gigante? Essa era uma história totalmente diferente, de arrepiar a pele.
A criatura-inseto levantou a cabeça e abriu a boca.
— Você é difícil de matar — disse ele.
Sua voz era parecida com a de uma gaita e não se parecia em nada com
a de Winnie. Mas eu sabia que ela estava ali em algum lugar, controlando
essa fera com a magia do anel.
— Mas eu vou matar você.
Fiz um aceno com o dedo.
— Winnie? É você? Ainda bem que você largou o terno. Mas estou
gostando do traje de mulher-inseto. Ou seria senhora-inseto?
— Você deveria ter deixado as coisas como estavam — disse a criatura-
inseto, balançando a cabeça de um lado para o outro. O escorregamento e o
rastejamento de milhares de insetos rastejavam e zumbiam, aumentando o
efeito sinistro geral. Droga, isso fez com que minha pele tivesse vontade de
sair do meu próprio corpo e fugir.
— Efeitos visuais dignos de um Oscar — eu disse a ele.
— Mas não vou deixar você me matar. Eu tenho algum respeito por
mim mesma.
Os insetos se moviam ao longo do rosto da coisa, puxando e espalhando
até parecer que ela estava sorrindo. Que horror.
— Vou fazer muito pior com você... do que fiz com ela.
Eu dei um sorriso.
— Obrigado pelo aviso.
A criatura-inseto levantou os braços, gesticulando e fazendo minha pele
formigar.
— Você não é nada. Você não é nada. É apenas uma aspirante a bruxa
que nasceu na família certa. Você não é uma bruxa de Davenport.
Apertei os lábios em pensamento. "Tomayto... tomahto..."
Os insetos deslizaram sobre suas feições em uma profunda carranca.
— Você deveria ter ficado longe. Você deveria ter ficado em Nova York.
Eu inclinei minha cabeça.
— Qual é o problema, Winnie? Você não foi abraçada o suficiente
quando criança? É isso?
A criatura-inseto levantou um braço e apontou para mim.
— Você está acabada.
— Eu já acabei? Não. Estou apenas me aquecendo.
A criatura inseto agitava os braços e gemia, um som de milhares de
vespas furiosas e vento uivante.
Minha mandíbula cerrou-se enquanto eu reunia minha vontade e me
concentrava, tocando os elementos à medida que a energia fluía através de
mim.
— Vamos lá, joaninha.
Então, ele abriu a boca, ou a parte dos insetos rastejantes que parecia
parte da mandíbula, e eu pude ver a escuridão dentro dele, movendo-se em
uma escuridão escorregadia.
Brotos de vespas e gafanhotos saíram da criatura inseto como uma
mangueira de bombeiro. (Sim, eu sei como isso soa.)
Levantei meus braços e gritei:
— Ventum! — Despejando minha energia enquanto alcançava o vento.
Uma rajada poderosa saiu de minhas mãos estendidas e atingiu o grupo
de insetos como um mata-moscas gigante. A força fez com que metade
deles explodisse na direção oposta, enquanto a outra metade se chocou
contra as árvores ao redor.
Senti uma queda de energia quando a palavra de poder foi paga. Mas eu
estava cheio de adrenalina e tinha muito mais luta em mim.
Quando ouvi o uivo, já era tarde demais.
Um punho feito por um inseto esmagou a lateral da minha cabeça. Caí
no chão de joelhos, piscando as lindas estrelas brancas e pretas da minha
visão enquanto sentia o gosto de sangue.
— Ai — cuspi no chão.
— Nada mal.
A criatura inseto riu, uma gargalhada horrenda, zumbida e úmida que
me deu um choque de medo e quase me fez vomitar.
— Você definitivamente não bate como uma garota. — Cambaleei até
ficar de pé, cansada, mas principalmente irritada.
— Mas eu também não.
Eu havia aprendido uma nova palavra de poder há algumas semanas.
Provavelmente a mais perigosa. Disseram para você nunca usá-la. As
bruxas provavelmente morriam ao usá-la... e eu estava louca o suficiente
para tentar.
A criatura inseto correu para mim.
O poder dos elementos se agitou em mim.
— Evorto! — Eu gritei enquanto o poder e a magia percorriam meus
braços estendidos e atacavam a criatura-inseto.
A criatura cambaleou quando o poder a atingiu, e seus olhos
improvisados brilharam em verde, cheios de ódio. Seu corpo cresceu e
cresceu à medida que uma fumaça esverdeada e nojenta saía de seu corpo.
Ela abriu a boca para gritar, mas explodiu em uma massa de pedaços de
insetos e vísceras, como se tivesse engolido uma granada.
Eu me abaixei, mas, é claro, não rápido o suficiente, e fui atingida por
gosmas escorregadias e pequenas coisas duras nas quais eu não queria nem
pensar. Graças ao caldeirão, fechei minha boca a tempo.
A exaustão tomou conta de mim com o esforço da palavra de poder, e
eu olhei para o sangue e as entranhas dos insetos.
— Você é uma pessoa desagradável. Você sabe disso?
Eu sabia que Winnie ainda não havia terminado comigo e não estava
disposta a ficar sentada esperando seu próximo truque.
Sentindo que estava precisando muito de um banho, comecei a correr
novamente.
Algo duro me acertou no peito e me fez saltar para trás como se tivesse
sido atingido por uma tábua de madeira.
Bati no chão com força, minha respiração escapando dos pulmões.
Rolando, tentei colocar um pouco de ar em meus pulmões, mas cada
respiração causava uma dor aguda em minhas costelas. Bem, droga. Achei
que poderia ter quebrado uma ou duas costelas.
Tecendo uma palavra de poder em minha cabeça, eu me levantei,
deixando minha magia girar ao meu redor.
A madeira estalou, e um carvalho de seis metros se inclinou para a
frente e levou um galho tão grosso quanto minha cintura em direção à
minha cabeça.
Bem, que merda.
Caí no chão e rolei novamente, minha palavra de poder evaporando do
meu cérebro enquanto o medo a substituía. Folhas roçaram o topo da minha
cabeça, dizendo-me que eu tinha acabado de perdê-la.
— Ótimo. Agora as árvores estão me atacando.
Recuando, levantei-me rapidamente, com a adrenalina encobrindo parte
da dor em meu peito, e corri para a frente, sem saber para onde estava indo
e sem me importar. Eu só queria sair dessa floresta.
Naquele momento, eu sabia de duas coisas. Primeiro, eu tinha que pegar
o anel da Winnie e, segundo, se eu não saísse dessa floresta esquecida por
Deus, as árvores iriam me esmagar como um inseto.
O barulho de madeira sendo triturada dividiu o ar atrás de mim.
Algo agarrou meu tornozelo e me puxou para trás. Gritei quando uma
dor lancinante surgiu ao redor do meu tornozelo e algo frio cortou minha
pele.
Eu me virei e vi uma trepadeira verde-escura com espinhos pretos
enrolada em meu tornozelo. Bem, pelo menos eu sabia de onde vinha a dor.
— Eu realmente odeio a floresta de vocês! — gritei.
Chutei a trepadeira com a outra perna, e a maldita coisa se apertou em
volta do meu tornozelo, fazendo-me sibilar. Cerrando os dentes, estendi a
mão com os dedos ardendo de dor, escorregando e deslizando em meu
sangue enquanto tentava desesperadamente arrancar a trepadeira do
tornozelo. Mas quanto mais eu puxava, mais o cipó se apertava.
— Eu odeio mais essas videiras! — Se eu não estivesse sentindo tanta
dor e com medo, poderia ter admirado a magia e o controle dos elementos
dessa forma. Mas, neste momento, parecia que alguém estava colocando
uma lâmina de barbear no meu tornozelo e serrando.
Depois de alguns segundos tentando puxar a trepadeira e falhando,
minhas mãos estavam rasgadas, escorrendo sangue e parecendo aquela vez
em que fui atacada por uma horda de gatos selvagens porque tentei acariciar
um deles - bem, agarrar um deles.
Um estalo chamou minha atenção para a esquerda. E então observei,
horrorizada, como outra videira do inferno se ergueu do chão e se enrolou
em meu outro tornozelo.
O que? Que merda.
Depois, um terceiro. Um quarto. Um quinto e um sexto.
— Por que tenho a sensação de que algo ruim está prestes a acontecer?
Os cipós ao redor dos meus tornozelos se ergueram e, de repente, me vi
erguido no ar, balançando de cabeça para baixo a partir dos tornozelos e
olhando para o chão.
Foi aí que comecei a entrar em pânico.
O sangue subiu à minha cabeça, dificultando a concentração. Minhas
costelas ardiam com o esforço para respirar. Pisquei os olhos para o mundo
de cabeça para baixo e observei as vinhas se juntarem às árvores,
chicoteando o ar aparentemente por vontade própria. Elas se contorceram
juntas no que eu suspeitava ser um taco de beisebol improvisado.
As árvores iam me usar como uma piñata de bruxa.
Oh, diabos, não.
Isso deu início ao meu modo de sobrevivência. Que se dane isso. Eu ia
queimar todos eles.
Os cipós em volta dos meus tornozelos se apertaram, como se tivessem
percebido o que eu estava prestes a fazer. Tremendo com o esforço, eu me
levantei, coloquei minhas mãos em volta dos cipós em meus tornozelos, me
agarrei à minha vontade e gritei:
— Accendo!
O fogo jorrou de minhas palmas quando a magia me arrancou em uma
explosão ofuscante de agonia, como se eu tivesse enfiado a mão em meu
estômago e arrancado um monte de entranhas. O fogo se arrastou e se
espalhou pelas videiras, selvagem e faminto, até subir e alcançar as árvores.
O cheiro de madeira queimada tornou-se evidente, misturando-se ao aroma
forte de enxofre.
E, assim como qualquer incêndio na floresta, ele se espalhou, crescendo
até que o mundo ao meu redor se transformou em uma mistura de lindos
laranjas, amarelos e vermelhos. E então, como se as cortinas da magia de
Winnie tivessem caído, o glamour se dissipou, revelando fileiras de casas
familiares e sebes bem aparadas.
Funcionou. O que também significava que agora eu estava solta.
Bati no chão com força, primeiro nas costas e depois na bunda.
— Ow.
— Tessa? O que diabos você está fazendo no gramado da frente?
Eu conhecia aquela voz. Pertencia a uma bruxa alta, de aparência
pontiaguda, que podia fazer você correr com apenas uma careta. Dolores.
Eu me virei e pisquei os olhos. Dolores estava na varanda, com as mãos
nos quadris.
— Que diabos aconteceu com você? Você está horrível.
— Obrigada.
Dolores soltou um suspiro.
— Bem, você nos pegou bem na hora. Você nos pegou bem na hora.
Estávamos prestes a sair para o Festival da Noite. Se você não quiser ficar
de bobeira, venha para cá. Ela voltou para dentro da casa.
Com dor, virei-me de costas novamente e olhei para o céu negro
salpicado de estrelas brilhantes.
— Por que eu?
Capítulo 22
A razão tentou forçar a entrada em meu cérebro, mas parecia que ele
estava tendo dificuldades para se atualizar e processar o que eu estava
vendo. Quem quer que tenha tentado me matar havia matado essa bruxa
com o mesmo método.
Eu ainda não tinha certeza se essa era realmente a Winnie, mas quem
quer que fosse, ela teve uma morte horrível e muito dolorosa. Estávamos
lidando com um verdadeiro psicopata, alguém que gostava de matar e
torturar.
Um sentimento de inquietação me percorreu. Meu olhar percorreu as
videiras, vendo os cortes profundos em seu pescoço. Engoli com força.
Poderia ter sido eu.
— Quem fez isso é a mesma pessoa que tentou me matar esta noite —
disse eu, levantando-me e sentindo uma pequena dor nas costelas. O efeito
do tônico de Ruth estava passando.
— Espere - o quê? — Marcus se levantou de um salto. Pânico e depois
raiva brilharam em seus olhos.
— Alguém tentou matar você? Quando? Por que você não me ligou?
Acenei com a mão, achando estranho que ele pensasse que era meu
contato de emergência número um por causa de quê? O beijo?
— É uma longa história, mas sim. E eles fizeram isso usando aquelas
vinhas — eu disse, apontando para o corpo. — Antes disso, porém, havia
um criatura-inseto...
— Criatura-inseto? Marcus cruzou os braços sobre o peito, com o
telefone ainda pendurado na mão.
— Você foi atacada por videiras assassinas e uma criatura-inseto. Você
está falando sério?
Dei de ombros.
— Normalmente, não falo muito. Mas agora, sim.
Ronin e Iris riram. Adorava esses eles.
Olhei para Marcus.
— Espero que agora você perceba que não tive nada a ver com isso.
Marcus manteve o olhar fixo em mim.
— Eu nunca disse que você tinha. Eu estava seguindo o protocolo.
— Certo. Protocolo. Tentei encará-lo, mas meu rosto estúpido estava
tentando sorrir e provavelmente me fazendo parecer constipada.
— Você cuidará do corpo. Você cuidará do corpo, certo?
Eu sabia que minhas tias haviam mencionado uma ou duas vezes que
Marcus estava encarregado de "limpar" cenas de crime, e eu estava feliz
com isso.
Marcus me observou, com o olhar fixo no meu.
— É isso mesmo.
— Está bem. Bem, eu já terminei aqui.
Estendi a mão, peguei a luz de bruxa que ainda estava pairando sobre o
corpo e murmurei:
— Averte lumina.
A luz se apagou e eu deixei o globo cair dentro da minha bolsa.
— Envie-me uma mensagem de texto quando você tiver os resultados
do DNA — eu disse a Marcus enquanto ele acenava com a cabeça, ainda
parecendo irritado comigo. Estranho, mas eu até que gostava disso.
Olhei para o Ronin e a Iris.
— Vamos lá, pessoal. Vamos embora.
Juntos, nós três começamos a voltar pelas dunas de areia.
— O que você está fazendo? — perguntou Marcus.
Olhei por cima do ombro para o chefe, que vinha atrás de nós.
— Há um assassino à solta e um anel mágico para você encontrar. Eu
ainda tenho trabalho a fazer.
— Eu vou com você — disse Marcus, com a voz firme.
Balancei a cabeça, mas não parei de andar.
— Por quê? Você acabou de dizer que ia cuidar do corpo. Eu sou um
corpo, mas não o corpo.
De repente, o chefe estava ao meu lado.
— Alguém ou alguma coisa tentou matar você esta noite... duas vezes,
se você contar a maldição anterior.
— Tudo bem, não foi o primeiro e não será o último.
Como uma Merlin, eu sabia que era um alvo agora. Fazia parte do
trabalho. Era algo com que eu teria que conviver de agora em diante.
— Você precisa de proteção — acrescentou o chefe.
Ronin bufou e eu o encarei.
— Eu posso me proteger, muito obrigada. Não sou totalmente indefesa.
Marcus caminhou ao meu lado, com seus ombros esbarrando nos meus
enquanto caminhava.
— Com duas tentativas na sua vida... não tenho tanta certeza... ei!
Iris tirou a mão da cabeça de Marcus. Eu nem tinha visto seu
movimento. A bruxinha era rápida. Ela olhou para mim e deu uma
piscadela.
— Tenho alguns fios de cabelo se você quiser amaldiçoá-lo.
Eu ri.
— Iris... você e eu vamos nos dar muito bem.
Chegamos à colina gramada onde a praia terminava e o calçadão
começava. Uma multidão de mestiços com olhos arregalados e expressões
mais largas passou correndo por nós e desceu em direção à cena na praia. A
rede de fofocas da Martha em sua melhor forma, sem dúvida.
Senti pena de Cameron, mas não tanto de Jeff.
Era uma noite perfeita para um passeio. Ronin e Iris murmuraram para
si mesmos enquanto caminhavam à nossa frente. Com uma brisa quente, os
postes altos que se conectavam ao calçadão davam uma sensação mais
romântica e até mística. No entanto, mesmo com toda essa beleza
imaculada, eu não conseguia me livrar do pavor que estava lentamente se
tornando uma pedra gigante dentro de minhas entranhas.
Se Winnie estava morta, se aquele era realmente seu corpo morto na
praia, quem a matou? E quem havia tentado me matar?
Iris se virou, deu uma olhada em Marcus e depois piscou para mim. É,
não foi tão sutil assim, especialmente quando Marcus mostrou um pouco
mais o peito com um sorriso confiante nos lábios.
Senti-me como se tivesse mergulhado minha cabeça em lava.
Eu poderia ter dito ao chefe para ir embora. Você poderia. Teria dito.
Não disse.
Parecia que eu não conseguiria ficar bravo com o chefe por muito
tempo. Sim. Eu estava com sérios problemas.
Iris parou, ajoelhou-se e começou a raspar o que parecia ser chiclete do
assoalho. Eu esperava que fosse chiclete e não algo mais sinistro e
malcheiroso.
E quando as coisas não poderiam ter ficado mais estranhas, elas
ficaram.
Um bruxo alto e bonito caminhou em nossa direção com a graça
confiante de alguém que sabia que tinha boa aparência. A luz dos postes de
luz atingia seu cabelo de uma forma que quase parecia estar brilhando. Seu
sorriso faria com que as mulheres se atirassem sobre ele - possivelmente
nuas.
Droga. Aquele belo demônio era Adan. A culpa era uma bola dura que
brotava de meu intestino e caía no chão entre meus pés em algum lugar.
Esqueci de ligar para ele. Ops.
— Adan, oi... sinto muito por não ter ligado para você — gaguejei,
quando o bruxo alto se aproximou. Não gostei do fato de ter de fazer isso
agora com uma plateia. Ele usava uma camiseta branca que ajustava seu
peito em forma sob uma jaqueta de couro preta e jeans. Ele estava
fantástico, com o cabelo loiro arrumado da maneira certa e bagunçado. Ele
era um cara fantástico. Só que... não era o cara certo para mim.
— Eu não deveria ter saído daquele jeito sem uma explicação. Sou uma
grande idiota. E eu entendo se você me odiar.
O cara não merecia isso.
— Você foi embora?
Um sorriso apareceu no rosto de Marcus que eu queria tirar.
— Deve ter sido um encontro ruim.
Um novo sorriso pairou sobre ele enquanto olhava para Adan.
— O que você fez para que ela fosse embora?
Ronin esfregou as mãos.
— Eu sabia que esta noite seria emocionante.
Olhei para Marcus, querendo acertá-lo nas costelas.
— Não foi assim — eu disse, quando Iris apareceu em minha linha de
visão à esquerda.
— Adan foi um perfeito cavalheiro. O encontro foi perfeito. Eu sou uma
idiota.
Olhei para Adan.
— Eu realmente sinto muito. Minha vida está uma bagunça agora, com
todos os assassinatos e a culpa por eles. Sei que isso não é desculpa. Eu
só... queria ligar para você e explicar - o que estou fazendo um péssimo
trabalho - quando as coisas se acalmassem um pouco.
Nesse ritmo, isso era um grande nunca.
Adan perdeu um pouco de seu sorriso quando seu olhar se fixou em Iris
por um momento. Eu não o culpava. Ela era uma bruxa muito bonita,
embora um pouco excêntrica às vezes. Talvez ela devesse ter saído com ele.
Seus olhos encontraram os meus e ele deu um sorriso casual.
— Não se preocupe. Eu entendo você. Só estou feliz por ver que você
está bem.
Me sinto ainda mais culpada.
— Continuamos amigos?
Eu sabia que provavelmente não era isso que ele queria ouvir, mas eu
não ia arrastar esse bruxo para minha vida agitada quando eu nem sabia o
que queria. Bem, eu sabia que não queria namorar Adan.
Os olhos de Adan se voltaram para Iris novamente. Talvez eu não
devesse me sentir tão culpada. Então percebi que havia esquecido de
apresentar Iris a ele.
— Adan, esta é minha colega.
— Ouvi dizer que encontraram um corpo.
Um músculo se contraiu no rosto de Adan enquanto ele examinava a
área atrás de mim em direção à praia.
— Sim —respondeu Marcus, com um tom totalmente profissional.
— De quem?
O olhar de Adan ainda estava focado em algum lugar na praia atrás de
mim.
— Ainda não sabemos — respondeu o chefe, com sua voz baixa e
penetrante.
— Mas tenho certeza de que descobriremos em breve.
— Como a pessoa morreu? — perguntou o bruxo alto, com os olhos em
todos os lugares, menos em nós.
— Você sabe? Ou você tem que adivinhar isso também?
Seu tom era educado, mas também tinha uma ponta afiada.
Marcus se endireitou, com traços de aço apertando seu rosto. Ele
observou Adan com interesse, mas não respondeu, pois seu rosto se
contorceu de irritação. Eu estava cansada demais para assistir a essa luta de
testosterona.
— Continuem com o concurso de xixi, rapazes — eu disse rapidamente.
— Mas nós estamos indo embora.
— Meu dinheiro está no King Kong — disse Ronin, enquanto seu rosto
se animava com a perspectiva de uma luta.
Revirei os olhos, meu desconforto anterior lentamente se transformando
em irritação. — Foi ótimo ver você de novo, Adan. Mas precisamos voltar.
Certo, Iris? Iris? I-i-i-ris?
Eu me virei, imaginando por que ela não estava me apoiando. Seu rosto
estava pálido. E com sua pele já pálida, ela parecia um picolé humano.
— Iris. O que você tem? Diga-me que você não colocou esse chiclete na
boca.
Eu me encolhi.
— Iris? Você está bem?
Apertei seu braço com cuidado. A bruxa parecia que estava prestes a
vomitar pedaços.
Iris olhava para frente sem piscar, com os olhos redondos e cheios de
medo.
— É ele.
— Sim, é ele — eu disse, minha voz baixa.
— É o Adan. Eu falei para você sobre ele, lembra?
Um pânico repentino surgiu em seu rosto.
— Não. É ele. Agora eu me lembro. Foi ele quem me amaldiçoou.
Capítulo 25
V ocê conhece a sensação de quando alguém lhe diz algo que você não
consegue entender muito bem, e você fica com aquele olhar de cervo
nos faróis? Você sente a roda do seu cérebro girando enquanto tenta
entender as palavras. Bem, eu estava passando por um desses momentos.
— O quê?
Eu virei a cabeça para trás, meu cérebro finalmente se recuperou. Olhei
para Adan, vendo o bruxo bonito, charmoso e educado, e não entendendo
como ele poderia ter amaldiçoado a Iris. Mas, novamente. Eu realmente não
o conhecia.
Pisquei os olhos e disse:
— Adan?
— Involuta! — gritou Iris, jogando as mãos para frente com uma
expressão cruel e assassina no rosto.
Eu nunca tinha ouvido esse feitiço antes. A magia entre nós, bruxas
brancas e negras, era um pouco diferente. Mas não havia como confundir o
tom de voz e o olhar letal em seu rosto.
Adan ia conseguir.
Com um estalo de ar deslocado, o corpo de Iris estremeceu, sua pele
puxou e esticou, e então sua estrutura encolheu, até que uma cabra preta e
branca ficou em seu lugar um momento depois, com suas roupas amassadas
ao lado de seus cascos.
— Baaaa! — gritou a cabra Iris.
— Baaaa!
— Oh, merda.
Ronin estava ao lado da cabra em um segundo.
— Que diabos é isso?
Ele pulou para frente e para trás ao redor da cabra, com as mãos
espalmadas como se não tivesse certeza se deveria tocá-la ou não.
— Iris? Você está bem aí? Você está bem aí dentro? Ok, vamos todos
nos acalmar. Eu posso trabalhar com isso. Certo, agora você tem pelo - ou é
pele? Não me importo com mulheres que são um pouco nativas. Você me
anima. Você me dá vibrações da selva.
Bem, pelo menos agora ele podia vê-la. Ou a maldição havia evoluído,
ou era outra coisa.
Olhei para Adan e lhe dei meu melhor olhar duro.
— Foi você que fez isso com ela?
Embora eu não tenha detectado nenhum influxo repentino de magia,
nem o tenha ouvido pronunciar um feitiço. Seu comportamento calmo fez
com que todas as minhas bandeiras de alerta se levantassem, gritando para
mim que Iris estava certa.
O bastardo a havia amaldiçoado.
Adan levantou a mão. Um anel de ouro simples que parecia uma aliança
de casamento simples estava em seu dedo indicador. Eu não havia notado
antes, mas agora ele piscava à luz do poste de luz. O anel do Ancião.
Não consegui sentir nenhum pulso mágico vindo dele, nada que
indicasse um anel de poder. Mas, por outro lado, Adan provavelmente sabia
como esconder o poder do anel para não ser descoberto.
Ele me pegou olhando. Uma satisfação presunçosa puxou os cantos de
sua boca para cima em um sorriso malicioso.
— Ela atrapalhou meus planos — disse ele.
Uma raiva sombria surgiu em minha mente.
— Você quer dizer que ela descobriu que você é um mentiroso,
assassino e um saco de bosta gigante? Garota esperta.
— Bruxa fraca — zombou Adan.
Minha mandíbula se cerrou.
— Quanto mais seus lábios se movem, mais eu quero dar um chute na
sua garganta. Agora eu odiava esse cara, realmente o odiava. Ele me
enganou, enganou a todos nós. Não podia acreditar que me sentia culpado
por tê-lo enfrentado. Eu precisava melhorar meu radar de idiotas.
Winnie nunca roubou o anel. Sempre foi o Adan.
Pelo canto do olho, vi Ronin dar um passo à frente em direção ao bruxo
alto. Com os caninos à mostra, o meio-vampiro parecia estar prestes a
arrancar um pedaço da jugular de Adan. Se eu fosse um vampiro, também o
faria.
— Você também me amaldiçoou. Você também me amaldiçoou, não
foi? Quando eu tropecei do lado de fora da tenda da Myrtle. Você colocou
suas mãos em mim— eu disse, percebendo que foi exatamente quando as
dores de cabeça começaram. E eu nem tinha percebido.
— Você matou Myrtle e Winnie, e tudo isso por quê? O anel? Por um
pouco mais de poder?
Adan fez um som em sua garganta como se eu fosse um simplório.
— Você não sabe nada.
— Esclareça-me, idiota.
Adan olhou para mim com uma expressão masculina irritante e
satisfeita no rosto.
— Vocês, bruxas de Merlin, são todas iguais, sabichonas insuportáveis.
Eu sorri.
— Não tem de quê.
— É isso aí.
Marcus tirou um par de algemas de ferro de dentro de sua jaqueta. Eu
sabia exatamente o que elas eram. O ferro era um repelente natural de
magia, portanto, essas algemas impediriam Adan ou qualquer praticante de
magia de fazer magia.
— Você tem algum feitiço para nocautear esse desgraçado? Estou
cansado de ouvir ele. Ele olhou para mim com um sorriso malicioso.
Eu sorri de volta.
—Você pode apostar.
Cerrando os dentes, puxei todos os elementos ao meu redor. O ar, a
terra, a água, todos tremeram com o poder deliberado. Eu o senti ressoando
nos elementos ao meu redor tanto quanto o ouvi, todos ecoando enquanto
respondiam ao meu chamado. Adan poderia ter sido capaz de me
amaldiçoar uma vez, mas ele estava ferrado.
Marcus se deslocou para perto de mim e se agachou, como se estivesse
prestes a bater em Adan como um linebacker. Ou isso, ou ele estava prestes
a se transformar em seu alter ego King Kong.
E Adan... ficou ali parado, com as mãos soltas ao lado do corpo, com
um sorriso autoconfiante naquele rosto lindo que eu queria chutar.
É isso aí. Agora eu estava irritado.
Com uma palavra de poder na ponta da língua, eu me concentrei em
minha vontade, puxei a energia dos elementos e gritei:
— Inflitus!
Só que a força cinética que eu havia invocado não atingiu Adan.
Entendi.
Um estrondo sônico explodiu ao nosso redor. Soltei um uivo quando a
explosão de magia se chocou contra mim e me fez cair de pé. O ar soprou
em meus olhos, em minhas roupas e em meus cabelos, enquanto eu voava
no ar e me afastava uns quinze metros.
Isto é, até eu bater na árvore.
Você já bateu em uma árvore a cinquenta quilomêtros por hora? Eu
também não, até então.
Bati no tronco da árvore, sentindo como se um carro tivesse me atingido
pelas costas, e deslizei para o chão. Se eu não tivesse começado a diminuir
a velocidade quando bati no tronco, a batida teria me matado ou me deixado
paralisada.
Mas eu estava viva Balançando os pés e os dedos, eu não estava
paralisada. Apenas com muita dor ardente. Minha respiração era lenta e
irregular, e tudo doía. A dor reverberava em minha cabeça e em minhas
costas. Foi um milagre minha coluna não ter sido quebrada. Eu ia precisar
de um balde cheio do tônico curativo de Ruth para curar isso.
— Tessa!
Consegui virar a cabeça e piscar os olhos, vendo uma versão borrada de
Marcus. Gemi de dor, sentindo que meus membros eram inúteis, como se
fossem macarrão espaguete cozido demais.
Minha mente estava confusa, e meus pensamentos estavam se movendo
através do estado nebuloso e monótono do qual eu estava saindo
lentamente. Devo ter batido a cabeça com muita força. Um grito interno de
dor ressoou em mim e, com um empurrão, senti minha magia me
abandonar.
— Você está bem? Como você se sente? — perguntou ele.
O pânico se escondeu por trás dos olhos cinzentos do chefe quando ele
se agachou ao lado da árvore.
— Você bateu com força na árvore.
Ele balançou a cabeça.
— Mas você está vivo.
Engoli, minha visão clareou.
— Acho que meu feitiço saiu pela culatra... ele me atingiu em vez dele.
Respirei fundo e ri.
— Droga. Quase me matei com minha própria magia.
Mas tinha sido o Adan. De alguma forma, o anel do Ancião havia
lançado minha magia sobre mim.
— Você consegue ficar de pé?
Antes que eu pudesse responder, Marcus me pegou em seus braços. Eu
estava muito cansada e com muita dor para protestar, embora não quisesse.
Havia algo reconfortante e calmante em estar novamente em seus braços
grandes, fortes e másculos.
Olhei em volta. Senti medo quando me lembrei de onde estava e por
que estava aqui.
— Onde está o Adan?
A primeira coisa que vi foi Ronin acariciando a cabeça da cabra Iris
enquanto ela olhava para ele, e sim, ela podia fazer isso.
Mas não havia sinal de Adan. O bruxo havia desaparecido.
Capítulo 26
D emorou
dizer.
alguns instantes para registrar o que Ruth tinha acabado de
Quer dizer... eu sabia que as linhas ley eram poderosas e que as bruxas e
outros praticantes de magia se valiam delas... mas montar?
— Por que você não pula as linhas ley? — disse Ruth, enquanto
colocava a colher de bolinha vermelha na boca e a provava.
— Você estará pronta em um instante. Hmm. Você precisa de mais
mandrágora.
Ela pegou um pouco de pó verde de um recipiente entre os dedos e o
espalhou sobre a panela fumegante.
Eu me levantei, com o coração batendo no peito como se tivesse um
martelo pneumático lá dentro.
— Ruth? O que você quer dizer com pular as linhas ley?
Eu não me lembrava de ter lido nada sobre pular as linhas ley em
nenhum dos livros que Dolores me deu para ler. Por que diabos não?
— Montar. Seu rosto feliz se encontrou com o meu.
— Você nunca andou nas linhas ley quando era pequena?
Eu pisquei para ela.
— Não. Acho que eu teria me lembrado de algo assim.
— Bem, algumas bruxas usam vassouras. Mas aqueles de nós que têm a
sorte de viver perto de uma linha ley e sabem como usá-la - andam nelas.
— Montar nelas? — perguntei.
— É isso mesmo. É realmente muito simples. Sim, pode doer um pouco
e talvez você acabe perdendo um braço ou uma perna, mas é muito
divertido. Seus olhos azuis estavam arregalados e cheios de entusiasmo.
— E não se preocupe. Se você perder um braço ou uma perna, sempre
poderemos localizá-los usando um feitiço de rastreamento...
Ela inclinou a cabeça para o lado, pensando.
— O apego é um pouco mais complexo...
Ela deu um tapinha em meu ombro.
— Mas você nunca sabe até tentar.
— Ótimo discurso de incentivo.
Fiquei olhando para minha tia. Eu teria que ser louca para tentar andar
em uma linha ley. Mas que outra opção eu tinha?
— Por que a Dolores ou a Beverly não me falaram sobre andar nas
linhas ley?
Ruth deu de ombros.
— Provavelmente não lhes ocorreu. Você contou a elas como ele
desapareceu?
Pensando bem, eu não sabia.
— Não. Eu estava muito ocupado falando sobre como dei uma surra em
mim mesma.
Ruth soltou um uivo de riso.
— Espero que você fique conosco para sempre.
Ela se virou e começou a cantarolar, mexendo a panela.
Ela não tinha ideia de como aquelas palavras me afetaram. Meus olhos
arderam ao pensar nisso. Eu nunca tinha tido uma família que me quisesse
antes e, mesmo com quase trinta anos de idade, a sensação era incrível.
Pisquei a queimadura de meus olhos. A adrenalina subiu, fazendo
minhas pernas tremerem. Eu estava animado. Eu ia fazer isso.
— Ruth — disse eu, com a pulsação acelerada.
— Se ele usou uma linha ley, isso significa que ele sabe onde encontrá-
las, certo? Isso significa que há uma perto de onde ele mora.
— Sim — respondeu minha tia sem se virar. — É o que parece.
Uma mistura de adrenalina e entusiasmo me invadiu e foi inebriante.
Peguei meu celular e procurei no Google o endereço que Iris havia dito. E
em menos de trinta segundos, eu tinha o endereço dele em Nova York.
Afinal, você não é tão esperto assim, seu grande idiota.
— Adan deve ter um mapa das linhas ley, então. Ele sabia em qual delas
você poderia ir e que o levaria para casa.
Parte da minha adrenalina inicial estava se dissipando.
— Mas andar nelas é perigoso, certo?
Porque perder um membro parecia perigoso para mim.
Ruth riu enquanto se virava.
— Bem, se você quer dizer... você pode morrer por andar em uma linha
ley? Então, sim. Mas então você não deve se preocupar com isso, pois já
estaria morto.
Seus olhos estavam redondos quando ela riu novamente, embora dessa
vez tenha sido assustador.
B-e-e-e-l-e-z-a.
— Então... como você faz isso? Como você sabe para onde está indo e
quando deve parar? Não quero acabar na Antártica, mas uma viagem para
algum lugar quente seria bom.
Ruth provou a poção novamente e pousou a colher.
— Bem, cada linha ley tem suas paradas, como um trem tem várias
paradas - a menos que você pegue um trem expresso. Então você vai direto
para o seu destino — acrescentou ela com um sorriso.
— Está bem, está bem — eu disse, incentivando-a a continuar.
— E depois?
— Então, você pega a linha ley mais próxima de você que vai até Nova
York, para onde você quer ir, e conta as paradas. Milhares de linhas ley
estão localizadas em pontos estratégicos do Maine. Você só precisa escolher
a mais próxima de você que o levará para onde deseja ir.
Isso não parecia tão ruim.
— Como posso saber de quantas paradas preciso?
Ruth levantou o dedo, saiu correndo da cozinha e desapareceu no
corredor. Ela reapareceu com uma pequena carteira preta.
— Aqui está. Aqui você tem um mapa da rede de linhas Ley. Você pode
contar quantas paradas tem antes de chegar à cidade de Nova York.
Peguei o pequeno livro chamado As linhas ley da America do Norte e
olhei para a página onde Ruth o havia deixado aberto para mim. Era um
mapa detalhado das linhas ley da Costa Leste. Havia centenas delas,
milhares, indo para o norte e para o sul, para o leste e para o oeste. Eu vi
algumas que iam do Maine a Nova York e até mesmo as que estavam bem
aqui em Hollow Cove.
— Onde está a linha ley que passa pela Casa Davenport?
Eu localizei a que Adan usou perto de Sandy Beach. Embora não fosse
longe, eu ainda levaria de dez a quinze minutos para chegar lá. Eu não tinha
mais tempo a perder.
— Bem na porta da frente — respondeu Ruth.
— Você nunca sentiu a magia quando entrou pela primeira vez? Você se
acostuma com ela depois de um tempo. Mas é ali que a linha ley atravessa a
casa.
É claro que sim. Eu sempre senti aquele formigamento em minha pele,
o zumbido da magia que zumbia através de mim e se instalava dentro de
mim. A porta era a entrada para a linha ley.
Olhei fixamente para a página. Era também a mesma linha ley que Adan
havia usado. Notei pequenas estrelas ao longo das linhas ley em intervalos
iguais.
— Essas são as paradas — eu disse, meu dedo tremendo de emoção.
— Doze paradas até eu chegar à parada perto da 8 th Street, perto da
esquina da West 59 th Street. Perto do Central Park e a poucos passos do
apartamento caro de Adan.
Agora te peguei, amigo.
Um misto de expectativa e medo surgiu, o medo de que passar pela
linha ley pudesse me custar alguns membros, mas eu não podia negar a
empolgação.
Inclinei-me para frente e beijei o topo da cabeça de minha tia.
— Ruth, você é um gênio.
Ela piscou para mim e deu de ombros.
— Eu sei. Mas não conte a ninguém. Ela deu uma piscadela.
Sem perder mais um segundo, peguei minha jaqueta, minha bolsa e meu
telefone e joguei o pequeno livro preto na bolsa. Depois, corri para a porta
da frente.
Pisquei os olhos, olhando para ela como se fosse a primeira vez que eu
tivesse visto a porta da frente. Agora que eu sabia que era o ponto de
entrada da linha ley, estava nervosa.
— Aqui.
Ruth me entregou um guarda-chuva.
Fiquei olhando para ele em minha mão.
— Por que preciso de um guarda-chuva? Será que vou dar uma de Mary
Poppins? Talvez eu não fosse andar na linha ley, mas voar na linha ley.
Diga o que você quiser sobre a Mary Poppins, mas a Julie Andrews era uma
durona.
Minha tia sorriu e disse:
— Você nunca sabe. Pode ser que chova em Nova York.
Peguei o guarda-chuva. Meus nervos se agitaram em minhas entranhas,
apertando até que senti que poderia vomitar.
— Uh... como faço isso? Eu já havia passado por essa porta centenas de
vezes e sempre aterrissava onde deveria.
— Você precisa se aproximar com sua vontade e entrar na linha ley —
disse Ruth.
— Uma vez conectada, você só precisa abrir a porta e passar por ela.
Parecia bastante fácil. Até você errar e metade do seu corpo acabar em
Madagascar.
Tive um momento de hesitação. Fazer isso sozinha não era inteligente,
mas todos nós sabíamos que a loucura estava em meu DNA. Além disso,
quando eu encontrasse os outros, poderia ser tarde demais.
Respirei fundo e soltei o ar.
— Aqui não vai nada.
Eu me inspirei em minha vontade e estendi a mão para tocar a linha ley.
Uma explosão de energia repentina me atingiu e eu cambaleei, sentindo
uma vibração no chão. Concentrei minha energia e foco na linha ley. Pude
sentir sua energia trêmula sob meus pés, sob a Davenport House, correndo
como um enorme rio pronto para me levar embora.
Eu sabia que, se não entrasse nela corretamente, ela me mataria. Mas eu
estava ficando sem tempo e sem opções.
— É como um trem — murmurei.
— É como andar de trem.
Então, reuni coragem, estendi a mão, girei a maçaneta da porta e entrei.
Capítulo 28
E uuma
fiz algumas coisas realmente inteligentes em minha vida. Essa não foi
delas.
Eu havia pulado a linha ley para derrotar Adan, mas agora, enquanto
olhava para ele, não tinha ideia de como fazer isso.
— Ora, ora, ora. Se não é a Polícia de Merlin — riu Adan, com uma
expressão de surpresa em seu rosto estúpido. Ele largou a mala que estava
segurando e me olhou fixamente.
— Você vai a algum lugar? — Perguntei, minha mente girando com
ideias e tentando formar planos coesos, mas falhando. Olhei para sua mão
direita e vi o anel de Ancião ainda enrolado em seu dedo.
O rosto de Adan endureceu até que todos os seus traços bonitos e suaves
se enrugaram e se transformaram em algo realmente cruel e feio. Era como
se ele tivesse deixado de lado o disfarce, como se estivesse cansado de
fingir ser o mocinho. O monstro estava à solta.
— Como você me encontrou? — ele cuspiu. Não tinha mais aquela voz
bonita e gentil, que foi substituída por um tom áspero e suave.
Eu sorri.
— O Google é meu amigo. E a Iris também.
Certo, era hora de formular um plano de ataque. Ele ia usar a magia do
anel em mim. Isso era óbvio. Eu não tinha o poder para me equiparar, então
precisava usar meu cérebro. Eu tinha que ser mais esperta que esse
bastardo. Só não sabia como fazer isso.
O sorriso que se materializou no rosto de Adan me deu arrepios.
— Você está sozinha. Você está sozinha, não está?
Ele assumiu uma postura mais firme, com a cabeça inclinada em sinal
de satisfação e as mãos entrelaçadas diante de si.
— Você tem um rosto bonito, mas não tem inteligência para isso. Você é
uma bruxa estúpida se acha que pode tirar o anel de mim.
— Que venha a estupidez — eu disse, sabendo que o show de merda
que estava prestes a acontecer.
— Porque esse anel virá comigo.
Uau. Eu estava cheia de mim mesma esta noite. A culpa é das linhas ley.
Adan balançou a cabeça.
— Pelo menos Iris sabia quando estava sendo espancada. E sim, eu a
derrotei. Eu a derrotei muito bem.
O prazer em sua voz fez com que a bile subisse no fundo da minha
garganta.
Desgraçado.
— O único que vai levar uma surra esta noite é você, meu amigo.
Apontei para meus sapatos.
— Com meu sapato enfiado em sua bunda assustadora.
Eu ri da expressão de constipação em seu rosto. Ele havia assassinado
duas pessoas e amaldiçoado duas pessoas. O desgraçado merecia coisa pior
- muito, muito pior.
— Diga-me.
Eu sorri.
— Como você consegue colocar toda essa estupidez nessa cabeça
pequena?
As emoções caíram sobre ele em uma torrente fluida. O bruxo tinha um
ego muito sensível. Pobre bebê.
— Acho que vou bater em você também — disse ele, com aquele
sorriso sinistro voltando.
— Vou bater em você até você tossir sangue. Depois, vou sufocá-la até
a morte enquanto estiver em cima de você, ainda batendo em você, para que
eu possa ver a luz sair dos seus olhos.
Legal. Eu cerrei os dentes.
— Você é um filho da puta seriamente demente. Talvez eu seja novo
nisso tudo. Admito que não sei muito. Mas uma coisa que eu sei é que você
nunca vai me derrotar, seu canalha. Eu vou matar você primeiro.
Adan riu baixo, com um som vazio e duro que me arrepiou até a alma.
Como diabos eu o considerava doce, gentil e um cavalheiro? Eu devia estar
fora de mim.
A bruxa se adiantou até que apenas um sofá estivesse entre nós. Vi a
frustração e a raiva transparecerem em suas feições. Ele abriu as mãos, e o
anel do Ancião em seu dedo brilhou com uma luz amarela brilhante.
Meu pulso tremeu com o aumento do poder que emanava dele, um
poder que ressoava na terra, no ar, nas linhas ley, em tudo ao meu redor - o
poder de um deus. Ele gelou dentro de mim e, por um instante, não
consegui respirar. A força absoluta de seu poder me tomou e me fez dar um
passo para trás. Pontadas de poder se espalharam por minha pele e eu olhei
para o anel. Esse era um poder inimaginável alimentado por um canalha
assassino.
Sim. Isso foi muito mágico.
Um impulso selvagem de fugir me invadiu, nascido da magia do anel.
Cerrando os dentes, forcei-me a permanecer imóvel, canalizando minha
magia com minha vontade.
A única maneira de vencer era tirar o anel do dedo dele. Uma vez
tirado, eu estava garantido. Eu só precisava tirar o anel dele.
Mas, primeiro, eu precisava de respostas.
— Há algo que eu simplesmente não entendo — comecei.
— Por que matar Myrtle? O que ela tem a ver com tudo isso?
— Ela não tem, respondeu ele, surpreendendo-me.
— Ao contrário do que as pessoas pensam, a Maravilhosa Myrtle não
era uma farsa. Na verdade... ela era a verdadeira. Ela olhou para mim
naquela noite... e sabia. Eu vi isso em sua mente. Ela sabia o que eu estava
prestes a fazer.
— Então, você a matou — eu disse, lembrando-me de como ela havia se
assustado com o que viu sobre mim. E então me dei conta: através de mim,
Myrtle tinha visto sua própria morte de alguma forma. Ela sabia que nossas
vidas estavam interconectadas, mas não sabia exatamente como. Foi por
isso que ela me expulsou. Toda aquela gritaria não era por minha causa. Foi
por causa dela.
— E então você matou a Winnie porque... ela também viu. Não viu? Ou
ela descobriu que você matou a amiga dela?
Eu o encarei com firmeza.
— O único falso é você, Adan. Você não consegue nem fazer mágica.
Você sabe? Você tem que comprar seus feitiços porque não consegue fazer
nenhum. Você é magicamente impotente.
Oopsy.
Adan rosnou e bateu com o pulso.
Meus lábios se entreabriram e uma dose de sua magia me atingiu.
Soltei um uivo quando voei para trás e bati com força na parede dos
fundos, escorregando sobre a lareira e me espatifando no chão.
Ai. Isso sim doeu.
Meu corpo se ergueu, como se eu tivesse sido levantado pela mão de um
gigante invisível, e bati na parede novamente. Minha cabeça se chocou com
força contra a parede de gesso e, por um momento, vi estrelas
multicoloridas.
A risada chegou até mim, e eu pisquei para ver Adan caminhando em
minha direção com um sorriso cruel no rosto, mas o que vi em seus olhos
fez com que um medo primitivo me percorresse.
Com o pulso agitado, tentei me libertar dessas amarras invisíveis, mas
não conseguia nem me mexer. Meus braços e pernas estavam estendidos,
presos à parede por sua magia. Pela magia do anel.
Eu poderia não ter o uso de meus membros, mas não havia nada de
errado com minha boca.
Concentrando-me, reuni a energia dos elementos ao meu redor. O poder
foi derramado em mim, girando e fervendo com uma vida própria e
trêmula.
Eu concentrei e gritei:
— Accendo!
Uma bola de fogo saiu da minha palma e se chocou contra o peito de
Adan.
O bruxo cambaleou, com grandes chamas amarelas e alaranjadas
subindo acima dele. O calor do fogo aqueceu meu rosto à medida que
crescia e o envolvia, até que ele desapareceu sob as chamas.
Fiquei surpresa. Nunca pensei que funcionaria, mas parecia que sim.
Esperei pelo lamento e pelo cheiro de queimado que se seguiu à queima
de uma criatura.
Mas isso nunca aconteceu.
Adan apenas... se sacudiu, como um cachorro molhado faria depois de
um banho, e o fogo se apagou. Ele olhou para mim e me deu um sorriso
presunçoso.
— Isso é o melhor que você consegue fazer? —ele riu.
Ok, ele poderia ter vencido essa batalha. Mas o bruxo arrogante havia
cometido um erro.
Enquanto ele se concentrava em remover o fogo que o cercava, ele
soltava a magia que me prendia.
— Filho da puta — xinguei, avançando.
Bati nele, derrubando-o no chão de madeira, mas ele não ficou caído
por muito tempo. Ele se levantou, com o rosto enrugado pelo que eu
suspeitava ser outra rajada da magia do anel.
Esqueça o uso de minha magia. Usei as três sessões de aulas de
autodefesa que fiz em Manhattan e dei um chute nas bolas do desgraçado.
Em caso de dúvida, você deve usar as bolas. Isso sempre funcionou. E
não importa quão grandes e fortes elas fossem... elas sempre caíam.
— Sua vadia — sussurrou Adan ao cair de joelhos, com as mãos
cobrindo a virilha.
— Ah, isso está doendo? — Eu sorri com meu melhor sorriso de selfie
para o bruxo que gemia.
Vi minha janela de oportunidade e fui em frente.
A adrenalina aumentou quando me lancei em direção ao ringue.
Algo duro bateu na lateral da minha cabeça e eu cambaleei e caí de
joelhos. Ele levantou a mão e me deu um soco forte na bochecha. Minha
respiração saiu em um suspiro doloroso.
Concentrando-me, usei minha vontade de poder, invocando os
elementos, e gritei:
— Infli-.
Adan ergueu a mão e minha palavra de poder morreu em minha
garganta. Uma sensação estranha me atingiu com uma onda de febre fria,
fazendo minha pele suar e eu começar a tremer.
Com a mandíbula cerrada, tentei novamente. Chamei os elementos,
puxando as energias.
E nada.
Nenhum zumbido de resposta ou formigamento em minha pele. Não
havia corrente elétrica dentro do meu núcleo. Havia apenas um vazio.
Minha magia havia desaparecido. Meu poço de poder estava vazio. Era
como se Adan - o anel - tivesse tirado minha magia de mim.
Adan riu do medo que viu em meu rosto.
— Quem é magicamente impotente agora, vadia?
Eu estreitei meus olhos.
— Ainda é você. E aposto que você também tem um pênis pequeno.
Adan levantou uma sobrancelha.
— Você tem uma boca e tanto.
— Eu sei.
Um sorriso de satisfação surgiu em seu rosto.
— Essa é tanto a sua subida quanto a sua queda.
— Permita-me discordar.
— Eu vou matar você, Tessa Davenport.
— Não, você não é, Adan... uh... qual é o seu nome mesmo? Eu esqueci.
Acho que você não é tão importante para mim.
Seus olhos se estreitaram.
— Mas, primeiro, vou torturar você... Bem devagar. É o meu presente
para você, Tessa. Você vai sentir tudo. Você vai sentir tudo, eu prometo.
Uma bruxa inteligente sabia quando tinha sido derrotada. E uma bruxa
inteligente sabia quando parar.
Hora de ir embora.
O terror superou todo o meu treinamento, o medo se transformou em
modo de sobrevivência. Ele era muito forte. O anel era forte demais. Sem
minha magia, eu estava praticamente morto.
Dei meia-volta e corri para a porta.
Adan bateu em mim e nós dois caímos sobre a mesa de centro. Minha
bolsa voou sobre minha cabeça quando caí. Garrafas e copos se chocaram
contra o piso de madeira enquanto eu tentava me afastar. Mãos fortes me
agarraram, arrancaram-me da mesa e me empurraram no chão enquanto ele
me prendia com seu peso.
—Você está pronta para uma surra, bruxa? — disse Adan, com os olhos
escuros de ódio e desejo.
Minha pulsação acelerou quando o senti extrair mais da magia do anel.
— Saia de cima de mim! Você é um desgraçado! — Eu gritei enquanto
me debatia e chutava debaixo dele.
— Largue-me!
Mãos frias e ásperas envolveram minha garganta, cortando meu ar. Meu
coração batia descontroladamente e eu não conseguia respirar quando
percebi o que estava acontecendo.
A magia de Adan correu por mim enquanto sua força em meu pescoço
se intensificava. Uma escuridão inundou minha mente, e entrei em pânico
ao me sentir extinguir.
Eu estava à beira da loucura, incapaz de respirar e de pensar. Tentei
gritar, mas foi inútil.
O medo me invadiu quando ele não me soltou. Ele continuou a me
apertar e a me empurrar com seu corpo no chão.
— Sua bruxa estúpida, disse ele com desdém, cuspindo em meu rosto.
Adan fez um som de prazer quando lambeu a lateral do meu rosto. Acho
que vou matar você primeiro. Depois vou bater em você.
Estrelas manchavam minha visão. Eu não tinha mais ar em meus
pulmões, apenas a pressão constante das mãos de Adan em minha garganta,
enquanto ele apertava cada vez mais forte. O prazer em seu rosto ao me ver
morrer, ficando excitado com isso, era a coisa mais horrível que eu já tinha
visto.
Ele ia me matar, e eu não tinha forças para impedi-lo.
Minhas mãos caíram inutilmente ao meu lado, e algo afiado cortou meu
dedo.
Uma pequena chama de esperança se acendeu em meu peito, seguida
por aquela fúria primordial de querer viver e matar esse bastardo antes que
ele acabasse comigo.
Com o que restava de minha força, auxiliado por aquela vontade dentro
de minha alma, envolvi minhas mãos em um caco de vidro afiado, cortando
a carne macia de minha palma e dedos. E o enfiei em sua jugular. Ele
atingiu sua carne com um baque forte.
Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. Primeiro, Adan soltou sua
mão em meu pescoço. E, segundo, ele se afastou de mim, pegou o copo que
estava em seu pescoço e o retirou.
Todos sabiam que você nunca deveria fazer isso. Acho que ele
realmente era o idiota que eu pensava.
Aspirei o ar, arfando e engasgando enquanto me afastava de Adan e da
fonte de sangue que jorrava de seu pescoço.
Que horror. Meu estômago se revirou. Não sabia que seria tão sangrento
e macabro. Se ele não tivesse tentado me matar, eu poderia ter sentido pena
dele. Mas a única emoção que me restava era a raiva, talvez com um pouco
de satisfação.
Um gorgolejo úmido saiu da boca de Adan enquanto ele tentava falar,
com os olhos arregalados em súbito terror e pânico. O caco de vidro
ensanguentado soou quando ele o deixou cair e caiu no chão. Ele
pressionou as mãos na garganta, enquanto caía de lado, imóvel, até que vi a
vida se esvair de seus olhos. Grossas torrentes de sangue vermelho jorraram
do orifício de seu pescoço e, por fim, diminuíram até desaparecer.
Engoli e estremeci. Minha garganta parecia que eu tinha bebido lâminas
de barbear. Depois de olhar para o corpo de Adan por um minuto inteiro,
certificando-me de que ele não piscava nem se contorcia - queria ter certeza
de que o bastardo estava realmente morto -, contornei a poça de sangue e
fiquei ao lado de sua mão direita, tremendo de adrenalina. Um anel dourado
piscou para mim, esperando que eu o pegasse.
Respirando com dificuldade, olhei para ele. Se você fosse como eu e
não apenas tivesse lido O Hobbit e O Senhor dos Anéis várias vezes, mas
também tivesse visto os filmes pelo menos cinquenta vezes - cada um -, não
gostaria de tocar naquele lindo anel de ouro. Você entende o que estou
dizendo?
Fui até a cozinha de Adan, peguei um pano de prato no balcão e voltei
correndo. Usando a toalha como uma luva, agarrei cuidadosamente o anel e
puxei, surpreso com a facilidade com que ele saiu. Quase como se quisesse
sair.
Dobrei a toalha em volta do anel e a coloquei em minha bolsa, soltando
um suspiro trêmulo.
— Muito bem. É hora de percorrer as linhas ley.
E, dessa vez, eu estava realmente empolgada.
Capítulo 30
SOMBRA E LUZ
Caçada Sombria
Vínculo Sombrio
Ascensão Sombria
ARQUIVOS SOMBRIOS
Feitiços e Cinzas
Encantos E Demônios
Magia e Chamas
Maldições e Sangue
GUARDIÕES DE ALMA
Marcada
Elemental
Horizonte
Submundo
Seirs
Mortal
Ceifeiros
Selos
REINOS DIVIDIDOS
Donzela de Aço
Rainha das Bruxas
Magia de Sangue
Sobre A Autora
KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e livros
para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato velhinho.
Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão disponíveis em mais de
sete idiomas.
www.kimrichardsonbooks.com