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Disponibilização: Sidriel Wings

Tradução: Donatella Terra e Sidriel Wings


Revisão: Donatella Terra e Sidriel Wings
Leitura: Zemsta Wings
Formatação: Sidriel Wings

Outubro 2018
The Halloween Bleed1
(Uma curiosidade do Dr. Sibley)

de

Norman Prentiss

1
Sangramento do Dia das Bruxas
AVISO
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SINOPSE

As pessoas pensam que há algum tipo de poder místico que


permite que encantamentos e bruxaria se tornem realidade na
noite de Halloween.

Mas a magia verdadeira não obedece a nenhum calendário — e


o verdadeiro mal ataca sempre quando menos esperado.
— Já nos conhecemos antes?

O cavalheiro mais velho não se levantou de trás de sua


mesa para cumprimentá-la. Sua pergunta era apropriada,
considerando que ela tinha aparecido em seu escritório na
universidade sem hora marcada e mentiu ao passar pela sua
secretária. Seus modos pareciam-lhe estranhos, no entanto,
embora ela se esforçasse para perceber o porquê. Ele não
estava interpretando algum anfitrião célebre olhando de nariz
empinado para uma penetra mal vestida (duvido que nós
sejamos dos mesmos círculos sociais, querido). Não, nem
esnobe ou hostil. Mais parecido com dramático.

Deu um passo à frente e a porta do escritório se fechou


atrás dela. — Meu nome é Adeline. — Ela se atrapalhou para
apresentar um cartão de visita que tinha colocado na capa da
frente de seu bloco de notas em espiral, em seguida, ela
segurou o cartão sobre a extensão de sua mesa. Toda a
superfície da mesa estava coberta de papéis e pilhas de
livros. Não havia nem espaço para o seu antiquado telefone
fixo: ficava em cima de uma pilha de pastas entrelaçadas à
esquerda do homem, tão precária que o toque vibrante
disparado por qualquer ligação, provavelmente faria toda a
pilha cair.

Ele levantou a mão, com a palma para fora, recusando o


cartão oferecido. — Deixe-me adivinhar. Uma repórter. Você
está escrevendo uma história de Halloween e veio até mim. —
Mesmo depois do desafio inicial, ele falou em uma estrondosa
voz de sala de aula que, aparentemente, usava por força do
hábito, mesmo nos limites de seu escritório. Hábito ou uma
tentativa deliberada de intimidar.

Ela colocou seu cartão de visitas em cima de uma pilha


de livros na beirada da mesa. — Você adivinhou meu
propósito, Dr. Sibley. — O pequeno retângulo branco brilhava
contra a capa preta simples de um livro de pesquisa
encadernado em tecido. Ela virou o cartão para que, se ele se
importasse, Sibley pudesse ler o nome dela e ver o logotipo do
jornal.

— Nenhuma adivinhação foi necessária. Você queria


que eu soubesse. O bloco de notas de jornalista, com a caneta
empurrada dentro das espirais - isso é para mostrar, não é? —
Ele inclinou a cabeça, examinando-a através da parte crescente
bifocal de seus óculos. Analisando-a. — Aquela caneta grossa
foi presa com muita força nos espirais e não sai
facilmente. Você raramente a usa. — Em contemplação, ele
colocou uma mão sobre o queixo, cobrindo o estranho tufo
de barba grisalha que se destacava de forma orgulhosa em sua
fotografia para o Departamento de Literatura Clássica da
escola. — Em vez disso, você tem um gravador de voz digital
escondido na sua... na sua bolsa, não é? Não, no bolso da sua
camisa.

Muito bom! Adeline balançou a cabeça e sua mão afagou


acima do seio esquerdo, como se quisesse se assegurar de que
o item ainda estava lá. — Você se importa?

— Fique à vontade. Eu já fui gravado antes. — Ele


acenou com as costas de sua mão, um gesto quase desdenhoso,
e Adeline enfiou a mão no bolso da camisa e fingiu iniciar o
dispositivo. A gravação já havia começado antes de entrar no
escritório de Sibley.

Ela apontou para as cadeiras de visitas, nenhuma das


quais havia sido retirada para uso. — Posso?

Outro aceno fraco da mão. Fique à vontade, ele parecia


dizer.
A cadeira com o menor número de itens continha uma
pilha de livros abertos, em todo seu encosto, dobrados um
sobre o outro para marcar páginas em particular. A pilha era
alta demais para ela mover de uma só vez, então Adeline
cuidadosamente ergueu os doze primeiros, segurando-os com
força para preservar os marcadores, e os transferiu para um
espaço livre no chão. Ela fez o mesmo com a metade restante,
depois pegou um monte de canetas e lápis, um aglomerado de
clipes de fichário e algumas páginas dobradas com anotações
rabiscadas. Era como pegar uma carona com uma amiga que
raramente aceitava passageiros: ela não ficaria surpresa em
encontrar embalagens de chiclete, caixas de fast-food ou
batatas fritas perdidas.

Ela puxou conversa fiada enquanto usava a mão para


tirar uma camada de pó de giz do assento da cadeira. — Então,
como você descobriu sobre o Halloween? A data ainda está a
várias semanas de distância. — Uma nuvem de giz encheu o ar
entre eles, e ela a sacudiu antes de se sentar.

— Meu departamento não é interessante no momento,


— disse ele. — Nenhuma conquista espetacular na faculdade
para ser observada, ou denúncias embaraçosas de estudantes
que eu saiba. Então você está reunindo pesquisas para uma
história futura, e o Halloween será o próximo feriado do
calendário. Não sou especialista, mas posso oferecer uma
citação melhor para o Dia das Bruxas do que, digamos, para o
Dia de Ação de Graças.

— Nenhum especialista? — Neste escritório sem


janelas, ele estava cercado por todos os lados por estantes
altas. Adeline fez um gesto para a prateleira mais próxima para
reforçar seu ponto. Estranhas bugigangas preenchiam espaços
entre dicionários, livros de gramática e estudos de antologias
da literatura mundial, americana e inglesa: uma figura
demoníaca curvada em madeira; uma pirâmide de cristal sobre
uma base com cabo de garra; o minúsculo crânio de um
mamífero de dentes longos; uma grande pena preta
mergulhada em um tinteiro com estranhas marcas gravadas no
vidro de obsidiana. Outros itens balançavam na beirada de
cada prateleira, bloqueando o fácil acesso aos livros. E acima
de alguns livros, mais para trás nos cantos escuros, formas e
sombras à espreita que ela não conseguia identificar -
inclusive, em um canto particular, dois brilhos separados como
os olhos de um pequeno gato.
— Oh, esses. — Sibley pareceu surpreso, como se
nenhum convidado jamais comentasse sobre sua exibição
desordenada de esquisitices. — Alguns desses foram reunidos
durante as minhas viagens juvenis, depois nos dias em que
minha esposa estava viva. A coleção, desde então, expandiu-se
sem esforço próprio. Você sabe como é: as pessoas decidem
que você gosta de um certo tipo de coisa - pinguins ou sapos,
por exemplo; velas ou sabonete perfumado - e esse é o único
tipo de presente que você ganha. Aparentemente, sou fácil de
comprar presentes.

Adeline aceitou a verdade do seu comentário - com um


ligeiro arrepio de desconforto a menção inicial aos pinguins,
que por acaso era seu próprio estereótipo de presentes de
aniversário. Ao mesmo tempo, ela se perguntou qual dos itens
era o mais antigo. E que tipo de estudante ou colega poderia
dar a ele um percevejo envolto em âmbar com um desenho
de caveira na carapaça.

— Certamente, posso lhe contar sobre a literatura —


ofereceu Sibley. — Poe e Hawthorne, Lovecraft e MR
James. Mas eles não escreveram apenas para o Halloween. Na
verdade, Montague compôs sua ficção para um feriado
diferente, na grande tradição inglesa de histórias de fantasmas
de Natal lidas em torno de uma lareira quente.

— Esse é um bom ponto de partida—disse ela. — Uma


lista recomendada de histórias de Halloween seria útil.

— Novamente, não tenho certeza se sou a melhor


fonte. Minha especialidade é na tragédia grega, você não sabia?

Talvez a observação tenha sido planejada como uma


leve bofetada. Ela deveria escolher o assunto da entrevista com
mais cuidado, ou pelo menos conhecer o seu passado.

— Sófocles — retrucou Adeline. — Seu livro sobre o ciclo


de Édipo.

Ele sorriu pela primeira vez em sua presença. Era o


sorriso de um pai orgulhoso - embora a criança se tenha
tornado adulto há muito tempo e tivesse saído de casa, não
tinha realmente feito seu nome pelo mundo. O livro de Sibley
foi influente em sua época, ao que parece, mas era um estudo
de um só autor com idéias antiquadas, de pouca utilidade para
o estudo acadêmico moderno que abraçava a teoria feminista,
multicultural e homossexual, a linguística e a psicanálise, a
crítica do formalismo ou do novo formalismo.
— Esse livro me ajudou a garantir esse trabalho.
Provavelmente antes de você nascer. — Ele limpou a garganta e
endireitou-se na cadeira. As rugas descuidadas da camisa
de riscas azuis, desabotoada na gola, agora pareciam mais lisas
devido à sua postura melhorada. — Por favor, me perdoe por
aludir à idade de uma dama.

Uma entrevista tão estranha. Depois da irritação inicial,


Sibley tinha mudado para aquele comentário cavalheiresco
sobre a idade: uma observação desatualizada, assim como
pensara nele como antiquado. Um comentário educado, ou
direcionado para ofender uma feminista? Ou,
independentemente de qualquer preconceito de gênero, um
lembrete de que ela era mais jovem, menos experiente.

Sibley está no comando aqui. Ela está no mundo


dele. Suas regras.

E então ele a surpreendeu com total cooperação. Citou


nomes de livros e histórias, começando com os autores que ele
mencionou anteriormente, e então cada história parecia
lembrá-lo de alguém novo. Os títulos vieram rapidamente,
um fluxo livre interligado que era o sinal de uma vida longa de
professor: um conhecimento enciclopédico que era melhor do
que uma enciclopédia, cada título oferecido com frescor e
apreciação emocional do impacto de uma história. “Oh, a
atmosfera arrepiante” deste, “você nunca esquecerá a imagem
final” daquele.

Adeline ficou grata pelo gravador digital. Se ela tivesse


usado aquela caneta e o bloco de notas - o que ela trouxe
apenas para aliviar o desgosto declarado por Sibley por
tecnologia moderna - ela teria preenchido uma dúzia de
páginas, mal conseguindo acompanhar.

— Devo continuar?

— Tudo bem, — disse Adeline. — É uma ótima lista.

— Bem, eu não queria simplesmente repetir os suspeitos


do costume.

Ele tinha se empolgado com ela, ela tinha certeza. Sua


expressão sem dúvida sinalizava admiração apropriada por seu
vasto aprendizado - o tipo de reação que ele provavelmente
não conseguia com frequência suficiente de seus alunos.

— Você faz alguma coisa especial com suas aulas no


Halloween?
Ele riu. — Meus dias de fantasias ficaram para trás há
muito tempo, embora eu não desencoraje os alunos a se
apresentarem fantasiados. Discutimos qualquer literatura que
caia no cronograma. No entanto… um ano apresentei uma
história de flanelógrafo2 na biblioteca pública para as crianças
mais novas. Seus dedos reorganizaram formas imaginárias no
ar. — Eu uso recortes de tecido para ilustrar a história que
conto. É uma arte perdida.

— Pode ser um assunto interessante para outro artigo.

— Talvez.

— Vamos tentar alguns outros assuntos do Halloween.


Tradições, por exemplo. Como a origem de brincadeiras ou
travessuras de Halloween na vizinhança.

Sibley ofereceu um sorriso indulgente, depois encolheu


os ombros. — Você pode perguntar a um dos meus colegas de
História. Quanto às brincadeiras, eu sempre forneço aos
visitantes do Dia das Bruxas guloseimas apropriadas, então eu
não tenho experiência nesse tipo de represálias em particular.

2
Flanelógrafo – Uma forma de contar histórias através de um tipo de quadro ou tábua,
revestido de flanela ou feltro, muito usado por professores em suas aulas.
Continue tentando, ela disse a si mesma. Acerte-o de
outro ângulo.

— Nenhuma lenda local que você conheça?

E agora ela recebeu uma plena gargalhada, todo o seu


torso tremia antes de falar. — Fantasmas no sótão, você quer
dizer? Encontros de bruxas na floresta à meia-noite? Nada de
interesse jornalístico, receio. — A ênfase em “interesse
jornalísitco” ampliou a zombaria de sua risada. Um insulto
deliberado destinado à sua profissão.

Ela decidiu transformar sua estratégia contra ele. Agora


que Sibley insinuou que ela era uma tola, estava livre para
perguntar qualquer coisa que desejasse.

Sua menção a bruxas deu-lhe uma abertura.

— Nem todo mundo considera bruxas uma questão de


riso.— Adeline se inclinou para frente, apertou os olhos, e
enrijeceu todo o corpo para indicar a seriedade de sua próxima
pergunta. — Você está dizendo que não acredita em magia
negra? Em feitiçaria?

Qualquer resíduo de sorriso desapareceu do rosto de


Sibley. — Eu não disse isso em absoluto.
O escritório sem janelas bloqueava qualquer ligação
com o tempo lá fora, mas, naquele momento, Adeline
imaginou que uma nuvem escura passava sobre o sol.

Então Sibley se recuperou de sua irritação momentânea,


e continuou em sua voz de sala de aula: — O que eu quero dizer
é que a ideia de a bruxaria estar ligada a um dia específico não
é lógico. Por que a magia negra, como você a chama, teria
poderes especiais na noite de Halloween? À meia noite, a
propósito. Talvez tenha sido o caso em nosso passado distante
e inculto, quando temores religiosos simplórios davam mais
crédito à bruxaria, quando as estações pareciam aleatórias e
cruéis, colheitas morrendo e gado doente, e por medo as
pessoas impunham expectativas no calendário para dar ao
mundo uma estrutura coerente. As piores coisas só acontecem
no Halloween, o que significa que é a única vez que você tem
que se proteger. — ‘Só uma noite’, — como Young Goodman
Brown disse a sua esposa, Faith, enquanto ele escapava para
assistir uma reunião do diabo na floresta de Hawthorne.

Na mente de Adeline, o ar no escritório fechado havia


mudado. Não uma mudança de temperatura, mas como uma
mudança de espessura: uma névoa invisível que, sem sufocá-
la, a deixava mais consciente do esforço para respirar.

— Na vida moderna, as distinções sazonais têm menos


impacto. Nós gastamos muito do nosso tempo dentro de casa,
onde podemos controlar nosso ambiente com ar condicionado
ou aquecedores. Pode haver uma nevasca no exterior ou uma
onda de calor. Quem sabe? Agora, só notamos uma nuvem se
chover forte no telhado. Um raio poderia atingir o lado do
prédio, mas seríamos abençoadamente ignorantes nesta sala
interna.

Quando ele mencionou cada evento meteorológico,


sensações cintilavam sobre ela como uma apresentação
invocada de slides. Ela imaginou mudanças de temperatura do
lado de fora... em seguida, películas de água através do ar,
seguidas por ondas brilhantes de eletricidade.

— Por que conectar ideias mágicas à data de uma


colheita de outono, — Sibley continuou, — quando estamos
abrigados no interior, com termostatos ajustados para
moderados vinte e dois graus? E por que ter medo da
escuridão da meia-noite nesses dias de luz
elétrica? O trigésimo primeiro de outubro não é
essencialmente diferente de qualquer outro dia.

Ele estava lhe dando material interessante e citável. Mas


ele também estava brincando com ela, alternando entre
exaltação e cooperação confusa. A manchete que ele forneceu
não agradaria aos leitores do jornal: — acadêmico local prova
que o dia das bruxas não é mais um dia especial.

A mão de Sibley cobriu o queixo de novo, uma


massagem suave para encorajar a contemplação. No silêncio,
os tufos curtos de sua barba arranharam audivelmente contra
sua palma. — Você prefere que eu tenha concebido as coisas de
maneira diferente, imagino. — Ele olhou para ela como se
estivesse tentando localizar um livro em uma prateleira à sua
frente, folheando as páginas em sua mente, localizando uma
frase obscura ou uma estranha ilustração de xilogravura. —
Tudo certo. Você está escrevendo um artigo de Halloween,
destinado a ser lido no Dia das Bruxas. Mas você está
pesquisando agora, com várias semanas de antecedência. Suas
palavras não serão estritamente palavras sobre Halloween, ou
serão?
Com essa última pergunta, ele parou de ler
mentalmente as prateleiras e olhou diretamente para
ela. Adeline era uma estudante despreparada, escondida em
segurança entre os colegas, de repente chamada pelo
professor. — Uh. Na verdade não?

— Boa. Agora pense em um escritor de ficção que


compõe uma história de Halloween. Ray Bradbury, por
exemplo. Você acha que ele escreveu 'The October Game' no
mês de outubro? — Antes que ela pudesse balbuciar um
palpite, ele a interrompeu:— Eu não sei, para ser honesto. Não
importa. Porque a história foi lida em outras épocas do
ano. Certamente, nem todos lemos ao toque da meia-noite do
dia trinta e um. Você entende?

Ela não tinha certeza disso. — Outra razão pela qual o


dia não importa, eu acho?

— Muito bem. O efeito do Halloween está


espalhado. Diluído. — Ele levantou um braço, segurou uma
alça no ar. — Agora, dê uma chance à ideia. —Ele torceu o
pulso e abriu a porta.

— E se o Halloween… sangrasse em outros dias? Não


importa quando a história foi escrita ou quando você a lê. O
que importa é que isso tenha um efeito em você. Ela lança seu
feitiço.

Adeline imaginou uma nova manchete para o artigo: o


sangramento do dia das bruxas. Ela pegou um trocadilho no
fraseado de Sibley, relacionado à sua profissão: em termos de
layout de jornal, “sangrar” se referia a textos ou imagens que se
estendiam além da margem da página.

Ele sorriu, satisfeito consigo mesmo. — Agora, em vez


de pensar que nossa Magia Negra hipotética funciona melhor,
apenas, durante as principais horas de ritual de noite de
Halloween... Por que não considerar a possibilidade de que sua
influência aumenta à medida que ela sangra em outros
dias? A data não importa. Nossas ideias de Halloween
proliferam, nós as escrevemos e compartilhamos em dias
diferentes, e nos esquecemos de como conter sua influência.

Ela foi atingida novamente por sua menção da palavra


sangrar. Implicava coisas horríveis: a ideia de sangue vital se
acumulando longe da cabeça rachada de uma vítima de
acidente; misturado com cartilagem entre os dentes afiados de
uma fera voraz; pulverizando o ar atrás do caminho da bala de
um suicida; pingando de um sacrifício infantil em um antigo
altar de pedra, enquanto figuras vestidas cantavam suas
horríveis filosofias.

E uma conotação extra, Adeline tinha certeza... dirigida


a todas as mulheres, mas especificamente à ameaça
representada pela mulher atualmente sentada em
seu consultório - uma referência velada e insultuosa à
menstruação. Ela sentiu aquele ataque pessoal, tão forte como
se ele a tivesse esbofeteado, embora ela nunca pudesse provar
a intenção. Na maior parte do tempo, Sibley se comportara
como um perfeito cavalheiro.

Esse era o maior problema, ela decidiu.

Adeline se levantou da cadeira. — Quero agradecer pelo


seu tempo, — disse ela, ampliando a ilusão de cortesia. — Você
me deu um bom material para o meu artigo.

— Oh, a entrevista acabou? — Ele pressionou a frente de


sua mesa com uma mão e se esforçou para ficar de pé. Numa
rara aparência de vulnerabilidade, física e não mental, ele
cambaleou um pouco – tão instável quanto as pilhas de livros
ou papéis que o rodeavam. Tudo isso poderia despencar: essa
grande coleção de aprendizado, de ideias estampadas ou
rabiscadas em páginas; o homem estranhamente intimidante,
movido por eles.

Ele se firmou e estendeu a mão por cima da mesa. Ele ia


oferecer para apertar a mão dela, e ela não queria tocá-lo.

Em vez disso, Sibley levantou o cartão de visita de onde


havia colocado antes. Ele segurou-o mais perto do rosto,
inclinando a cabeça para ler as letras pequenas. — Adeline. —
A primeira vez que ele falou o nome dela. — Eu tenho algo para
você. Um presente de despedida que eu acho que explicará as
coisas com mais detalhes.

Ele se moveu para uma estante atrás de sua mesa. Esta,


em vez de alojar livros, era uma espécie de armário de arquivo
aberto com pilhas de papéis e pastas em cada prateleira e
algumas seções emparedadas com caixas de papelão de
diferentestamanhos e condições. De uma prateleira mais baixa,
ele levantou uma caixa manchada de água, levantando uma
nuvem de poeira. O lacre de fita no topo há muito tempo
perdeu sua capacidade adesiva e as abas se abriram
facilmente. Sibley alcançou a caixa.

Observando-o, Adeline recuou devagar. Ela não tinha


certeza se queria um presente desse homem. Suas mãos
procuraram a porta fechada na parede atrás dela. Mas não era
uma parede. Era uma estante de livros. Sua mão pressionou
contra a borda de uma prateleira de madeira. Ela agarrou a
prateleira para manter o equilíbrio.

E algo a segurou. Dedos embrulhados sobre os dela. Um


calor emanava deles, mas também uma textura nítida de pele
seca, superando o terrível aperto de mão que ela temia antes. A
palma da mão contorceu-se em uma textura escamada, como
um tronco: um fragmento de estaca onde uma bruxa havia sido
queimada. Em seguida, um duro amontoado de rolos, atados
com cabelos escuros que brotavam: o grão áspero de uma
corda que havia enforcado uma inocente em Salem, sua dor
retorcida nos fios de cânhamo.

— Aqui está. — Sibley ergueu o troféu: um disco cor de


lama colocado entre duas tampas de plástico redondo e
transparente. — As pessoas acham que meu escritório é
confuso, mas sempre consigo encontrar coisas quando preciso
delas.

Ele estendeu o presente sobre a mesa. — Pegue, — ele


disse, insistindo. Adeline reconheceu o item como um rolo
de fita magnética antiga.
Ela deu um passo relutante para mais perto. — Eu não
tenho uma máquina para poder ouvi-la.

— Tente nossa biblioteca. Ou a loja de penhores na


cidade. — Ele colocou a fita no livro de pesquisa preto onde
Adeline já havia colocado seu cartão de visita.

— Obrigada, — disse ela, pegando o rolo de fita. Ela


também recolheu seu bloco de notas em espiral e caneta, que
tinha caído para o vinco lateral da cadeira enquanto estava
conduzindo a entrevista.

Adeline entrou na área da recepção, assentindo


rapidamente para a secretária do departamento e depois
passou apressadamente. Seus sapatos de solas duras estalavam
ao longo do corredor de azulejos, com paredes de blocos
de concreto e portas de sala de aula fechadas em ambos os
lados, e as portas de saída duplas distantes ao longe. Ela
antecipou o tempo lá fora: uma explosão contra seu rosto
mascarado, uma prévia do vento frio do último dia festivo do
mês.
A biblioteca da universidade não ajudou. O restante
dos gravadores de fitas cassetes mal funcionavam anos atrás, e
eles se desfizeram em vez de consertá-los. Qual seria o
ponto? Eles já haviam digitalizado sua coleção analógica em
arquivos MP3.

A loja de penhores foi um palpite melhor. Infelizmente,


seu único gravador de fita - “um portátil” que pesava cerca de
trinta quilos, articulado em sua própria maleta de metal com
uma alça de borracha preta - acabou custando-lhe oitenta
dólares. O funcionário garantiu que estava totalmente
restaurado, com som potente através do altifalante embutido
na grade.

Oitenta dólares, só para ouvir uma velha fita


empoeirada. Um presente. Ela não seria capaz de cobrar essa
despesa para seu empregador. Talvez ela pudesse revendê-lo
para a loja de penhores quando terminasse.

Com os dois braços, ela levantou a mala e deixou-a


colidir com a única superfície de trabalho do quarto: uma
pequena mesa que seu hotel pretendia que fosse recanto para o
café da manhã, suporte de bloco de notas, mesa de centro para
exibição de folhetos de comerciantes locais e revistas. Adeline
abriu as travas de metal e levantou a tampa da mala para
revelar o aparelho: controles, sistema de rosquear e fusos. Ela
desenrolou um pano que envolvia o cabo da parte de trás e
conectou-o à tomada da parede.

Antes de tentar tocar a fita que Sibley havia fornecido,


ela testou os botões e mostradores do dispositivo. O botão
liga/desliga produziu um rápido estalido, depois um zumbido
constante quando o altifalante se aqueceu. Ela desencaixou a
bobina da fixação vazia do interior da tampa e fixou-o ao eixo
esquerdo. Girando o seletor para tocar, as rodas de
rosqueamento travaram e a bobina vazia começou um giro
lento no sentido anti-horário.

Até aí tudo bem, pensou Adeline. Ela olhou para


a cama queen-size, a colcha de poliester vermelho e dourado
puxada para trás para revelar os lençóis finos e ásperos que
mal dormira na noite anterior. Ela deixou muita coisa em cima
da cama, incluindo o laptop fechado, e instruiu o recepcionista
a não deixar ninguém limpar o quarto. Ela jogou seu bloco de
notas não utilizado na cama.
O motel tinha apenas um andar. Cortinas grossas e bege
bloqueavam a maior parte da luz através das portas de vidro
que davam para o estacionamento dos fundos. Um
fino espelho de corpo inteiro pendia torto na parede em frente
à mesa. Adeline sentou-se na cadeira de madeira sem braços,
que rangeu até se manter completamente imóvel.

Um leve estalido soou da grade do toca-fitas, seguido


por um sopro de ar: um amador soprando em um microfone
para ter certeza de que estava funcionando.

Ela aumentou o volume, concedendo a voz de Sibley sua


habitual arrogância na sala de aula quando a gravação
começou.

— Pediram-me para contar uma história sobre o


Halloween. — Não havia ressonância suficiente nos tons
graves, mas claramente era a mesma cadeira pomposa em que
ela o entrevistou naquela manhã. — A primeira coisa
importante a fazer é estabelecer a atmosfera festiva do
dia. As festas de fantasias na escola, os jovens desfilando suas
fantasias de princesa, de diabo e pirata pelo refeitório. Uma
criança pobre esqueceu sua máscara e capa em casa, então a
professora o ajuda a improvisar uma fantasia com uma sacola
de papel ou com uma caixa de papelão. Esses tipos de histórias
doces e engraçadas. É o que você quer, não é?

Um clique soou na fita, indicando que o usuário havia


parado o dispositivo e depois ligado novamente.

— História de Halloween… parte dois. É noite. Uma


noite fria de outono, mas não terrivelmente fria. De
preferência, um pouco de neblina ou nevoa. Famílias levam
seus filhos de casa em casa, uma aventura segura com doces
recompensas a cada porta. As crianças gritam um desafio
através das bocas de suas máscaras de plástico, mas cada
ameaça de um ‘truque’ é vazia.

A bobina girou quando a voz passou pela grade do


altifalante dianteiro. Uma aba da fita magnética se projetou de
onde ela enfiou uma ponta na bobina de entrada. Ela sentiu a
cabeça se contorcer ligeiramente para seguir seu
movimento. Cada vez que o fio solto de fita escovava contra o
eixo, provocava um estalo como o vento através das folhas
secas e mortas. O efeito era quase hipnótico...

Movimento. Repetição do ciclo. E aquela voz


sussurrando atrás de tudo.
— Mas é o tempo depois disso que te interessa: quando
as crianças estão em casa e as nuvens passam pela lua. Galhos
de árvores sem folhas arranham padrões no céu, como unhas
arranhando cicatrizes no rosto de um atacante. E em alguma
floresta, longe do caminho público, um grupo de treze formas
encapuzadas se reúne. Eles cantam em uníssono. O significado
das palavras é desconhecido para eles, mas esperam que fale a
linguagem dos feitiços. A linguagem da influência das trevas.

As bobinas continuaram sua rotação lenta, o filete de


fita arrastando através do fuso em cada circuito rítmico.

— Você gostaria de ouvir um pouco dessa língua,


Adeline?

Embaixo dela, a cadeira de madeira se esticava e rangia


- embora ela estivesse sentada perfeitamente imóvel. Uma
música estranha veio da gravação agora. Uma voz humana,
ainda, mas as sílabas tão indecifráveis quanto notas de um
instrumento musical ou o silvo estático de uma máquina
ultrapassada.

Ela estendeu a mão para parar o toca-fitas, mas um leve


choque elétrico avisou-a para não tocar no interruptor.
Um estalo forte soou, indicando outra emenda na
gravação.

— Eu não quero te assustar. — A voz normal de Sibley


retornou, falando com uma calma calculada. — Halloween é
apenas um dia. Eu sei muito mais do que o Halloween. Outro
sopro áspero soou quando Sibley tocou o microfone. O ar em
seu quarto parecia se mexer. — Mas há algumas coisas que
devo guardar para mim mesmo. Se fosse para o público tornar-
se consciente, mesmo que para dar uma dica de tudo o que sei,
minha influência podia ser diminuída consideravelmente.

No espelho, Adeline viu o reflexo das cortinas do


hotel. Pesos de metal haviam sido costurados no forro na parte
de baixo para mantê-las fechadas. Uma ondulação percorreu o
tecido e os pesos se afastaram, depois caíram contra o vidro
das portas de correr. Um toque insistente, como se algo tivesse
agachado no chão, pedindo permissão para entrar.

— Você conseguiu um toca-fitas de bobina a


bobina. Bom.

Suas primeiras palavras para ela ecoaram em sua


mente. Já nos encontramos antes? Ela não podia então
identificar o que a incomodava sobre seus modos:
a teatralidade disso. Agora ela sabia. Era a linguagem de um
mágico, puxando um voluntário aleatório da platéia,
assegurando a veracidade de seus poderes. Nós nunca nos
conhecemos, não é? Mas eu sei seu nome. Eu posso revelar
tudo sobre você.

Ele não tinha sido avisado da visita dela. Ela não lhe
dissera o nome até que ofereceu seu cartão de visita.

— Você está sozinha, não está? Espero que você esteja


sozinha. — A batida no vidro. A coisa agachada.

— Mas você não está sozinha, se está ouvindo minha


voz. Se minha voz não está vindo do toca-fitas, quero dizer.

A batida cessou. No espelho, ela viu as cortinas se


erguerem por baixo.

— O que fizemos antes desses tocadores de bobina a


bobina? Retroceda no tempo, mesmo antes daquela época,
gravamos vozes em grandes fonógrafos?

Outro longo sopro de ar através do microfone, baixo e


áspero, e trouxe à sua mente a imagem de uma barriga de
animal arrastada através de um chão áspero.
A rajada de vento pegou o bloco de notas que ela jogou
na cama. O caderno flutuou pela sala, aterrissando no chão ao
lado de sua cadeira. Sua capa de papelão se abriu e as páginas
se espalharam ao vento. Ela nunca usou o caderno, mas viu
linhas de tinta preta fresca - letras que pareciam ter pés,
insetos rastejando no papel, animando-se como desenhos de
folioscópio3 enquanto as páginas tremulavam em sequência.

— Sim, a palavra escrita é um tipo de registro. Muito


bom, Adeline. Mas nós tivemos outras técnicas. A arte da
mímica, por exemplo.

Em sua mente, a barriga se arrastava pelo chão áspero...


uma barriga de cabelos eriçados... e pernas pequenas e fortes
de ambos os lados. Adeline estava com medo de virar a
cabeça. Apesar de não querer, ela olhou para a sala escura
refletida no espelho, na esperança de não encontrar uma coisa
rastejante e agachada arrastando-se ao longo do tapete gasto.

— Ensinamos outras coisas a falar com nossas


vozes. Diversas entidades obscuras, de fato, podem soar
exatamente como eu.

3
Folioscópio – é uma colecção de imagens organizadas sequencialmente, em geral no
formato de um livreto para ser folheado dando impressão de movimento, criando uma sequência
animada sem a ajuda de uma máquina.
Outra rajada de vento, quente, como o mau hálito de um
animal respirando sobre sua orelha. Sussurrando: — Você não
gostaria de conhecer nenhum deles.

Dominada pelo medo, Adeline endureceu o corpo com


força. Suas mãos agarraram os braços da cadeira com tanta
força que ela ameaçou lascar a madeira barata.

Sibley a pegou. Essa coisa toda era um de seus


estratagemas: a máquina, seu nome na fita, o feitiço de cada
história, o encantamento.

O quarto dela ficou ainda mais escuro: uma cortina, um


cobertor caindo sobre ela. A cadeira rangeu, e ela sentiu
uma câimbra terrível - um puxão ao longo da coluna, na
barriga, depois para baixo, como se estivesse dando à luz. Ela
se prendeu contra isso, segurou os braços da cadeira...

A cadeira era sem braços, ela lembrou, enquanto suas


mãos apertavam e espremiam, e a ilusão de madeira respirou,
ergueu-se e explodiu em seu aperto, um líquido quente e sujo
derramava sobre suas palmas e escorria entre seus dedos.

A fita desenroscou quando o segmento introduzido


no rolo de recolhimento chegou ao final. O carretel continuou a
girar.
Ela não achava que Sibley pretendesse matá-la. Seu
principal objetivo era assustar.

E isso, ele conseguiu admiravelmente.

Mesmo agora, com o vento calmo em seu quarto, as


cortinas fechadas sobre as portas trancadas, todas as luzes
elétricas acesas... mesmo agora, ela mal conseguia afastar o
resíduo de uma escuridão desconhecida.

Pegou seu bloco de notas e verificou cada página. Elas


estavam todas em branco.

Infelizmente, também o registro da entrevista em seu


gravador digital. Sinta-se livre, Sibley disse, concedendo sua
permissão. Eu fui gravado antes. Essas foram as únicas
palavras na gravação de uma hora daquela manhã. Aquelas
palavras, e uma gargalhada que ela meio que lembrava
da conversa - mas a risada apareceu fora de contexto,
flutuando ameaçadoramente em meio a trechos de silêncio.

Sem a conversa gravada, seria extremamente difícil para


ela escrever o artigo. Ela mal conseguia lembrar os nomes de
histórias literárias obscuras que ele mencionara; muitas de
suas frases inteligentes agora lhe escapavam.

Além de um sentimento geral de desconforto, era quase


como se nunca tivessem se encontrado.

Ela iria escrever isso, no entanto. E ela convenceria


o Graysonville Register a imprimi-lo em sua edição de 31 de
outubro.

Haveria uma mensagem escondida em sua história. Um


presente visível apenas para o Dr. Bennet Sibley, chefe do
Departamento de Literatura Clássica e Inglesa da
Graysonville University - um retorno da magia negra que ele
cantara naquele arcaico rolo de fita magnética.

O efeito da fita foi poderoso, mas não tão forte quanto


Sibley deve ter esperado. Ela o enganou, desviando um pouco
de sua feitiçaria.

Ela reteve um pouco de sua verdade.

Por um lado, o nome dela não era Adeline.


Na manhã do Halloween, a mulher cujo nome não era
Adeline imaginou Bennet Sibley em seu escritório na
universidade. Seu domínio. Seu lugar sagrado.

Ele se senta na cadeira de couro atrás de sua mesa


enorme e desordenada, desdobra sua cópia do Graysonville
Register do dia e abre na seção de reportagem.

Uma foto publicitária genérica aparece no canto


superior direito, ao lado de uma grande manchete: O professor
local viu sua quota de Halloweens. Abaixo, em modelo menor,
está a assinatura: Adeline r ———.

A princípio ele está perplexo, pensando, eu teria


pensado que ela não ousaria... E ele se transforma na última
palavra, sua raiva aumentando: Como ela se atreveu a escrever
isso? Como ela desafia os desejos que eu transcrevi para a
fita...

Porque ele sabe que ela ouviu a gravação da bobina. A


magia negra, uma vez que atinge seu alvo, rebate para o
lançador: um sinal dizendo Mensagem entregue, mas também
uma espécie de fatura que insinua os termos do pagamento.

Ela imagina que Sibley já começou a planejar sua


retaliação. Mas ele se impediria. Ele não é alguém que age
precipitadamente. Talvez o artigo não seja tão prejudicial
quanto ele teme.

Ele desmembra a manchete, pega um insulto indireto


sobre sua idade: ele está por aí há muito tempo, “viu sua quota
de Halloweens”. A referência pode sugerir que ele viu mais do
que deveria, ultrapassou sua estadia, viveu além da expectativa
de vida comum...

Não, não. Ele estava se apaixonando pela maldição do


professor de inglês: lendo demais em poucas palavras. Era
uma manchete inocente e direta.

O resto da história confirma essa impressão. No geral, o


autor apresenta uma visão lisonjeira da erudição do
presidente. Ela lista muitas das histórias do Halloween que ele
mencionou (dois dos títulos contêm erros, mas não
importa). As poucas citações, embora não exatas, são
semelhantes às que ele teria dito. Nada embaraçoso lá.
O autor até tenta explicar seu paradoxo do
“Sangramento do Dia das Bruxas”, um conceito em que os
poderes místicos relatados do feriado podem se expandir para
afetar outros dias. Ela incluiu apenas metade do paradoxo, no
entanto, que errou o alvo quase inteiramente. Decepcionante,
mas dificilmente seria o suficiente para desacreditá-lo.

Ela descreve seu escritório, todos os livros nas


prateleiras e oferece uma frase adorável e lisonjeira: —
Ouvindo a voz poderosa do professor, ouvindo seu vasto
domínio do conhecimento acadêmico, pode-se sentir confiante
de que ele leu todos esses livros de capa a capa e considerou
seu conteúdo profundamente.

Sim, isso está bem colocado, ele estaria pensando. Essa


mulher é mais perspicaz do que eu imaginava. Esta…
mulher…

E os olhos dele derivam sobre a página para revisitar o


nome abaixo da manchete. O tipo de letra desvanece e já não
indica Adeline.

As letras recusam suas tentativas de trazê-las em foco.


Checa a assinatura em sua mente, tornando-se outros nomes,
lembrando as pessoas que ele visitou com castigos sombrios:
um estudante que colou em um exame, um administrador que
tentou reduzir o poder departamental de Sibley, um jovem
acadêmico cuja abordagem teórica era contra as tão apreciadas
crenças de Sibley sobre literatura. E um julgamento começou a
se desdobrar nos espaços entre as letras, presidido por um júri
de parentes ou amigos ou entes queridos daqueles que ele
havia punido.

Um júri. Uma assembleia.

Sibley agora percebe o quão seriamente ele a


subestimou. Uma bela jovem fingindo ser uma repórter,
aparecendo em seu escritório. Visitando seu domínio, do qual
ele supervisiona um departamento acadêmico que emprega
poucas mulheres. Um departamento que valoriza velhos
costumes, não sendo receptivo a novas ideias.

Ela não era repórter, essa mulher. Mas ela fez sua
pesquisa.

As linhas na página continuam a embaçar. Era essa a


punição que ela selecionou para ele - tirar o significado das
palavras impressas, desafiar seus esforços para interpretá-las?

E Sibley se concentraria agora, tentando lembrar o que


lera. Um detalhe do artigo dela apareceria em sua mente.
Depois da menção do vasto número de livros em suas
prateleiras, ela incluiu uma menção rápida das curiosas
antiguidades em exibição. Ela destacou três itens como
exemplos: um crânio de animal, uma pirâmide de cristal e um
tinteiro de obsidiana.

Três itens aleatórios. Mas eles foram agrupados juntos


na mesma estante.

Agora é quando Sibley afasta o jornal e pula de sua


cadeira. Ele corre para aquela prateleira específica, para os
itens que não tocou desde que ela visitou seu escritório
semanas antes.

Ele desliza a pirâmide de lado, olha atrás do tinteiro.

Encontra o pequeno dispositivo eletrônico que ela


escondeu lá. É do tamanho de um pacote de cinco chicletes.
Um tecnófobo como Sibley não saberia como operá-lo, mas ele
também não seria capaz de resistir a examiná-lo. Não há
controles visíveis na superfície, mas alguns pequenos orifícios
aparecem no plástico rígido. Ele está perplexo e não consegue
se impedir de falar em voz alta, naquela voz ressonante
de feitiços dele: algo como que raio…? ou como ela poderia…?
E isso é o suficiente.
Sua respiração passa sobre a máquina moderna, a
vibração de suas sílabas quentes provocando-a.

No dia conhecido como Véspera de Halloween.

A tecnologia avança rapidamente. Um acúmulo de


informações em zeros e uns, arranhões e gritos de dados
transmitidos, pulsam através de uma pequena abertura no
dispositivo. Eles falam uma variação da linguagem que ele a
ameaçou na fita analógica: a linguagem da influência
sombria.

E a mulher cujo nome não era Adeline deve se sentir


satisfeita agora, quando um novo som, quase imperceptível,
penetra como uma agulha em seus ouvidos. Uma consciência
vem com isso: eu conheço você, Bennet Sibley. Eu sei o que
você é. Você se tornou poderoso demais. Eu não vou deixar
você continuar.

Quando ele recua, jogando o aparelho no chão, pisando


nele, tentando esmagá-lo no carpete, a transmissão cessa
espontaneamente. Não foi uma tentativa de matar. Apenas
para assustar. Avisar.

Ele lutaria agora para descobrir sua assinatura, para


encontrar seu nome dentro dos fios de influência que
permanecem no ar. Sibley coloca sua mão em um ouvido,
como se para concentrar sua atenção em um eco fraco. Em vez
disso, ele sente um leve calor. Um fluxo lento de sangue sai da
sua orelha.

Apesar de tudo, ele se vê admirando seu adversário


desconhecido. A quilômetros de distância, uma onda de calor
passa por seu rosto, aperta em torno da garganta dela,
arranhões no interior do estômago. Mensagem entregue, diz.

FIM

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