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Jaime Jotta Jr.

Nasceu em março de
1977 em São Luis – Maranhão, teve seu
primeiro contato com o jornalismo quando
trabalhou como chargista do Jornal Escolar
CEGEL em 95, ainda nos tempos de colégio.

Formado em Jornalismo Fantástico, pós-


graduado em Ébriologia Etílica, e bacharel em
Óciologia Aplicada. Passou nove anos exilado,
onde trabalhou como assessor de cultura,
roteirista, artista plástico, professor, diretor
teatral e documentarista.

Anistiado e repatriado de volta do exílio,


começou a escrever como colaborador em
alguns blogs além de fazer algumas parcerias
musicais com poetas e músicos como Samuel
Brandão dentre outros.

Autor de vários contos e crônicas, tais


como: “ O metrô”, “Viagem de coletivo”, “O
estranho caso do cabra que ria dormindo” e “O
shopping da Salvação”, agora se aventura no
universo dos romances, com esta obra que
dispensa qualquer tipo de comentário.
Os Filhos de Moloch Prólogo

Acordou tarde, não tinha a menor idéia do que viria pela


“Ora, sucedeu que, quando os homens principiaram a aumentar em frente naquele dia. As coisas já estavam ruins há algum tempo, -
número na superfície do solo e lhes nasceram filhas, então os filhos do Sem emprego, sem namorada, sua última parente, uma tia-avó,
verdadeiro Deus começaram a notar as filhas dos homens, que elas eram estava morta e lhe deixara de herança apenas um pequeno baú e um
belas; e foram tomar para si esposas, a saber, todas as que escolheram .” livro velho. - Além do mais, nada lhe garantia que não pudessem
(Gênesis 6:1-2) ficar ainda pior. Sentou-se na cama, passou as mãos pelos cabelos
“Naqueles dias veio a haver Nefilins (gigantes) na terra, (...) desgrenhados e esfregou os olhos bocejando, o quarto estava na
quando os filhos do verdadeiro Deus continuaram a ter relações com as penumbra, um velho quadro com o retrato de sua mãe ornava a
filhas dos homens e elas lhes deram filhos; eles eram os poderosos da parede descascada, pintada de um verde já desbotado na qual estava
antiguidade, os homens e fama.” ( Gênesis 6:4) recostada uma pequena cômoda e um armário de madeira já meio
apodrecido. Olhou em volta procurando por um cigarro em cima da
“Porque Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-
mesinha ao lado do colchão. Pegou um e acendeu, parou um pouco,
os lançados no tártaro, os entregou às cadeias da escuridão, ficando
com o pensamento longe enquanto olhava para a fumaça do cigarro.
reservados para o Juízo” (2 Pedro 2:4)
Resolveu levantar, de nada iria adiantar ficar ali parado o resto da
“E os anjos que não conservaram a sua posição original, mas manhã, o estômago começava a roncar, definitivamente estava com
deixaram sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas fome.
até o Juízo daquele grande dia ” (Judas 6)
Levantou-se e caminhou em direção a geladeira na esperança
“ Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o de encontrar algo que aliviasse a fome que sentia, e... Nada. Dentro
crêem, e estremecem.”
(Tiago 2: 19)
da geladeira só havia duas garrafas plásticas descartáveis meadas de
água e nada mais. Procurou nos bolsos da calça na esperança de
encontrar algum dinheiro que lhe valessem um café, mas tudo que
encontrou foi uma moeda de vinte e cinco centavos e sua carteira de
transporte. Tomou um gole de água jogou o resto na cabeça, vestiu
uma camisa, penteou o cabelo e saiu.
1 Virou-se espantado e deparou-se com um velho baixinho,
gordo, bonachão, de barba rala e dedos arredondados que lhe sorria
Trancou a porta do kit-net onde morava, pensou em tomar um com o canto da boca.
café fiado na padaria do seu Juca, foi quando lhe veio à mente o
livro. Havia ganhado aquele livro há uma semana atrás, de sua - Me chamo Anastácio, sou dono daquela banca ali em frente,
falecida tia-avó que o deixara de herança – aliás, a única coisa que - disse apontando a direção - Vi você oferecendo o livro e me
deixara – Era um livro grande, velho e volumoso, tinha cantoneiras e interessei por ele, negocio livros antigos e se você estiver interessado
bordas em alto relevo, uma capa preta grossa de couro onde estava compro ele por este valor. O que me diz?
escrito em letras de um dourado já gasto: “Os Filhos de Moloch”.
Nunca foi muito amante dos livros e achou que dava pra ganhar - Vendido! – disse sorrindo.
alguma grana vendendo ele no sebo. Foram até a banca de Anastácio, o rapaz entregou o livro ao
Voltou, embrenhou-se por debaixo da cama, puxou e abriu o velho e contou o dinheiro, nunca imaginou que aquele livro mofado
velho baú onde estava o livro, o tirou de dentro, colocou-o numa lhe daria uma grana tão boa. Bateu com os dedos no dinheiro,
sacola, tornou fechar o baú, recolocando-o no lugar e saiu em sorrindo. Agradeceu a sua tia-avó, afinal, a herança havia valido
direção ao ponto de ônibus, com sorte ainda teria alguns créditos na alguma coisa. Já ia saindo quando o velho o pegou pelo braço e disse
carteira de transporte, daria pra chegar até o anel viário, e de lá iria a olhando bem fundo em seus olhos: “ – Vou lhe pedir mais uma
pé até os sebos do ferro de engomar, na Av. Magalhães de Almeida, coisa, e acredite, se trata de um assunto que é muito... muito sério.
centro da cidade. O ostentoso prédio da antiga Pharmácia Ferro de Aconteça o que acontecer, não diga a ninguém que me vendeu este
Engomar – Que tinha esse nome devido a sua forma que se livro.” E puxando do bolso mais uma nota de R$ 50,00 entregou ao
assemelha a esse objeto – fica próximo ao Largo do Carmo, no final rapaz.
da Rua Grande, dividindo a Rua Afonso Pena da Av. Magalhães de Pegou a nota e colocou no bolso, seja qual for o motivo do
Almeida, e abrigava em um dos seus lados uma fileira de antigos velho, - pensou - Por aquela quantia diria até que nunca viu o tal
sebos. (Barraquinhas de venda de livros e revistas antigas) livro na vida. Tinha saído de casa com uma moedinha e agora estava
Ofereceu o livro a alguns vendedores, tinha recebido uma proposta com R$ 150,00 e tudo por causa de um livro velho e mofado herdado
de R$ 10,00 e já estava disposto a fechar com o vendedor quando de sua “santa” tia-avó, a qual não via fazia uns dez anos e que por
sentiu uma mão pousar em seu ombro. sabe-se lá por qual motivo havia lhe deixado aquele “bendito” livro
- Eu o compro por R$ 100,00 agora. como herança. Desceu a Av. Magalhães de Almeida em direção ao
Mercado Central, agora iria tomar um café decente. Olhou para o
relógio, já passava das onze horas. – “Um café e depois um almoço.” com suas praças e bosques que jazem serenos sob o gorgolejar das
– pensou com um sorriso, acariciando o dinheiro no bolso da calça. águas a cair das carrancas. O rapaz sentou-se em um dos bancos do
pequeno bosque que ladeia a fonte e começou a ler o jornal. De
2 repente um vulto enorme se esgueira por entre das árvores atrás dele.
O Mercado Central é um antigo prédio amontoado de lojas, Pensou tratar-se de um ladrão, levantou-se, com o coração aos pulos
barracas, boxes e ambulantes que vendem praticamente de tudo. espreitou as arvores procurando qualquer sinal de movimento, nada.
Construído no início do século dezenove, o prédio abriga na lateral Somente o barulho da água a cair na fonte e o som dos pássaros
que dá pra avenida, um aglomerado de vendedores que oferecem cantando nas árvores, um arrepio começava a eriçar os pêlos da sua
desde os de produtos artesanais, como: redes, selas, lamparinas, nuca, estava com medo. Fechou o jornal e caminhou em direção ao
chapeis e chinelos de couro, até espelhinhos, charutos e outras portão de saída, o local estava vazio àquela hora, e ficar ali sozinho
quinquilharias e bugigangas... Na parte de dentro fica a feira, com seria pedir para ser assaltado, e além do mais, definitivamente não
seus boxes de carnes, peixes, frutas, verduras e barraquinhas de queria perder o dinheiro que acabara de ganhar.
lanches e comidas. Uma deliciosa confusão de cheiros e sabores Saiu olhando para todos os lados procurando aquele vulto
impregna o ar, aromas de pimenta se misturam com os de temperos, enorme que tinha visto atrás das arvores, mas antes de chegar ao
coentro, canela numa profusão de cores e sabores. portão, deu de cara com um negro com mais de dois metros de
Sentou-se numa barraquinha de lanches e pediu um café com altura, vestido de trapos velhos e sujos, que saltou em sua frente,
leite e dois pães quentes com manteiga. Tomou o café com os pães e gritando numa língua desconhecida: “ - Mahl-khal il Alah!” Então
pediu um copo de suco de maracujá, pagou tudo e saiu, entrou em de repente “aquilo” parou e olhou bem no fundo dos seus olhos. “... -
uma banca de revistas e comprou um jornal, depois foi até a Fonte Onde está o livro?” – perguntou chegando mais perto – “Diga-me!
das Pedras, gostava de ver as carrancas, a água, os peixes... Pouca Onde está o livro?” Berrou agarrando o seu pescoço com a força de
gente sabe, mas, no lugar onde hoje fica a fonte das pedras, era um um alicate de pressão. Sem entender muita coisa e refazendo-se do
antigo córrego onde durante a expulsão dos invasores franceses pelos susto, tentou se desvencilhar do gorila que lhe esmagava o pescoço,
portugueses, serviu de acampamento para as tropas francesas de tentava gritar mais a voz não lhe saía, começou a entrar em pânico,
Daniel de La Touche, até sofrerem uma emboscada liderada pelo lutava desesperadamente para se soltar das mãos daquela coisa
comandante português Jerônimo de Albuquerque, que lhe dizimou quando olhou por detrás do gigante africano e então viu que vinham
mais da metade dos seus soldados em uma batalha sangrenta as chegando dois policiais que por sorte passavam em uma viatura pelo
margens do córrego que mais tarde deu origem a fonte das pedras
local, um deles de arma em punho gritava para que ele soltasse o óculos de grossas lentes com armação de metal dourado e claudicava
rapaz. da perna esquerda devido a seqüelas de uma Poliomielite que tivera
quando criança. Sempre fora um médico respeitado e um homem
“– Eu quero o livro! Devolva-me!”. Gritava o monstro preto compromissado com sua profissão. Há aproximadamente oito anos
retesando todos os músculos do braço. Os olhos do negro, injetados clinicava e também dirigia o imponente Hospital Casemiro de
Dum vermelho denso, saltavam das órbitas, sua boca chegou tão Abreu, na Rua do Passeio, centro da cidade. Apesar de ser o diretor
perto que o rapaz conseguia sentir o hálito pútrido do bicho em suas do hospital, nunca deixou de atuar como médico. Adorava sua
narinas. “- Me dê o livro! Ou eu lhe arranco a cabeça!”. Berrava profissão e gostava mais de estar entre seus pacientes do que
enquanto lhe esmagava o pescoço. Sentiu suas forças se exaurindo, trancado em uma sala em meio a um monte de papéis. Naquele dia
não conseguia mais respirar, uma espécie de torpor lhe embaçava a havia dado entrada em seu hospital um rapaz vítima de
vista. Vozes, gritos e sirenes lhe chegavam aos ouvidos como se estrangulamento e um homem negro, incrivelmente grande e forte. O
vindos de muito longe e em câmera lenta, ouviu dois estampidos rapaz chegara inconsciente, o negro chegou baleado, mas ainda vivo,
ecoarem no ar e então tudo se apagou. porém não resistiu aos ferimentos, vindo a óbito pouco depois.
Devido a estranheza do caso, resolveu tomar conta de tudo
pessoalmente.
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Ao adentrar o quarto, o médico olhou-o por cima dos óculos
... Seis horas depois. e lhe disse com um sorriso:

Abriu os olhos e uma névoa ainda lhe embaçava a visão, - Ora! Vejo que já acordou! Estávamos preocupados com você.
vultos brancos passavam de um lado para outro e um cheiro de éter
empesteava o ar em sua volta. Estava deitado em uma cama de - O que foi que aconteceu? – Disse levantando a cabeça – Como vim
hospital tendo o braço direito entubado, o soro a pingar lentamente. parar aqui?
Tentou mover-se e percebeu que tinha um protetor cervical no - Você deu muita sorte meu rapaz, - disse tamborilando o lápis no
pescoço. Um homem vestindo um jaleco branco estava entrando pela queixo – Mais um pouco e aquele brutamontes lhe quebraria o
porta do quarto. pescoço. Você passou seis horas inconsciente, mas não sofreu
O Dr. Jairo Brasil era um homem alto, magro, ostentava uma nenhuma lesão mais grave, graças a Deus.
lustrosa calvície ladeada de parcos cabelos grisalhos, usava um
- E quanto ao homem que me agrediu? – Perguntou olhando em O médico retirou-se fechando a porta atrás de si, deixando os
volta. três na sala, os policias trocaram um olhar por alguns instantes e o
rapaz deitado na cama hora olhava um, hora olhava outro.
O médico fez uma pausa, depois continuou falando enquanto
lhe jogava um facho de luz com uma lanterna nos olhos e fazia - Boa tarde. – Começou o negro, sentando-se ao lado da cama. –
algumas anotações – Ele foi trazido pra cá Junto com você, havia Poderia nos dizer qual o seu nome?
levado dois tiros e não resistiu aos ferimentos, morreu minutos
depois. Até agora nenhum familiar veio reclamar o corpo e a policia - Gabriel... Gabriel Mendes. – Respondeu.
ainda não sabe quem ele é. E por falar nisso, preciso informar aos - Muito bem Gabriel. Você conhecia o homem que o agrediu?
policiais que você já está consciente, eles querem lhe fazer algumas
perguntas. - Não, não me lembro de tê-lo visto antes... Vocês... o mataram?

O médico saiu da sala fazendo algumas anotações em uma - Limite-se a responder nossas perguntas, ok?
pequena prancheta que trazia consigo e disse que logo estaria de
O rapaz fez que sim com a cabeça, e o policial continuou com
volta e que ele não se preocupasse.
o interrogatório.
Vinte minutos depois o médico torna a entrar na sala, dessa
- Saberia nos informar o motivo da agressão?
vez, acompanhado por dois policiais fardados. Um era negro, alto,
entroncado e com uma cicatriz no lábio superior em forma de meia - Não... – parou um pouco, pensativo – Não me lembro direito como
lua. O outro era branco e magrelo, este último tinha um tic-nervoso aconteceu, foi tudo muito rápido...
de piscar forçando os olhos, o que lhe dava um ar um tanto quanto
patético, pra profissão que exercia. - Você tem inimigos ou rixas?

- Estes são o cabo Mathias e o Sargento Fonseca, - Disse o médico - Não que eu saiba.
fazendo um gesto com a mão em direção aos policiais. – Foram eles
- Tem envolvimento com drogas?
que o trouxeram pra cá. Fiquem a vontade, vou deixar vocês
conversarem, se precisarem de qualquer coisa basta me chamar. - Não.

- É de gangue?
- Não. - sinceramente, senhores... - disse o doutor sentando-se na cadeira e
pondo o rosto entre as mãos. – Não sei como explicar.
- Já foi preso?
O sargento Fonseca – o negro com a cicatriz – fez um sinal
- Não. para o outro policial se aproximar.
- Poderia nos informar seu endereço? - Você, não saia daqui. – disse apontando para Gabriel. Depois se
- Rua Bolívia n° 89, bairro Anjo da Guarda. voltou em direção aos outros – Doutor e cabo Mathias, venham
comigo. Temos um cadáver de dois metros de altura pra encontrar...
O policial anotava tudo em um bloco de papel, e de vez em E com toda certeza ele não saiu por aí andando.
quando lançava um olhar para o outro policial que continuava em pé
perto da porta Piscando distraidamente enquanto mascava um Saíram os três apressadamente batendo a porta.
chiclete. Ouviu-se em burburinho no corredor do hospital e a porta - Droga! - disse Gabriel num suspiro.
do quarto abriu-se num solavanco, o médico pôs a cabeça pra dentro
do quarto, sua fisionomia denunciava que algo não estava bem.

- Desculpe interrompe-los – gaguejou em tom de justificativa – Mas 4


o corpo do homem que agrediu o rapaz, sumiu do necrotério.
Teobaldo não via a hora de deixar o plantão. Desde que
- O quê!? – Exclamou o policial, levantando-se. arranjara aquele emprego de motorista de ambulâncias da SAMU,
não tinha mais hora pra nada. Achava um saco dirigir aquelas
- Nós havíamos deixado o corpo sobre a pedra do necrotério ambulâncias pelo trânsito maluco de São Luis, num vai e vem
enquanto aguardava o carro do IML, mas quando o enfermeiro interminável, a levar gente estropiada de todo jeito... Detestava ver
chegou agora há pouco... O corpo havia... Sumido. – Explicou o sangue, ossos quebrados, mas era obrigado a conviver com isso
medico entrando na sala e fechando a porta atrás de si. diariamente. Contudo, seu plantão já estava chegando ao final, só
- Mas isso é impossível! – gritou o policial voltando-se em direção mais uma viagem e poderia finamente ir para casa.
ao médico – Um cadáver não pode sair por aí andando... Muito Tinha conseguido com um enfermeiro amigo seu, algumas
menos um cadáver daquele tamanho. caixas com produtos de limpeza e um colchonete, desviados do
depósito. Teve de levar a ambulância até a lavanderia do hospital
com a intenção de pegar as caixas e o colchonete e levá-los embora, - Eu realmente não sei o que dizer. – Gaguejava o médico, andando
contornou o prédio até um anexo nos fundos da enfermaria, apressadamente junto aos policiais.
entulhado de lençóis, jalecos de enfermeiros e roupas de cama dos
pacientes que eram lavadas em grandes maquinas, num barulho - Fez o levantamento dos dados sobre ele? – o sargento dirigiu-se ao
ensurdecedor. cabo.

Fez a manobra, estacionou o veículo e adentrou o anexo em - Sim senhor. – assentiu o cabo puxando um bloco de anotações do
busca dos produtos desviados que viera buscar, depois de procurar bolso.
um pouco em meio aos montes de lençóis encardidos jogados ao Fez uma pausa relendo o conteúdo do bloco com uma careta
chão, achou o que queria. Abaixou-se para pegar a caixa de espanto e coçando levemente a cabeça.
resmungando alguma coisa sobre o fedor das roupas sujas quando
sentiu o impacto de um baque surdo em sua nuca e uma dor aguda na - O que foi, Mathias? Algum problema? – perguntou o sargento.
cabeça, caiu pesadamente no chão frio e imundo daquele local, sua
- Senhor, - disse Mathias entregando o bloco ao sargento – de acordo
vista escureceu, deu um suspiro e apagou.
com os arquivos do CIOPS... Ele não existe!
Minutos depois uma ambulância saía pelos fundos do
O sargento franziu o cenho, “-Como assim não existe?”,
hospital correndo em direção a rua das cajazeiras, descendo o quartel
pensou enquanto puxava para si o bloco de anotações que o cabo lhe
do corpo de bombeiros e subindo rumo ao canto da Fabril, seu
passava. Enquanto lia, Mathias lhe enumerava algumas das
motorista, era uma figura negra e enorme que mal cabia no jaleco
informações.
encardido que usava.
- Sem nome, sem endereço ou documentos, sem registro de digitais,
sem nenhuma foto nos arquivos da polícia, sem parentes ou
Os policiais, o médico e alguns enfermeiros vasculharam conhecidos... E agora, sem corpo também, - disse com um sorriso
todas as dependências do hospital, numa busca minuciosa pelo corpo irônico – ... Em resumo, sargento, esse cara simplesmente não
desaparecido. existe!

- Por que diabos alguém roubaria um corpo do necrotério? –


exclamou o sargento, impaciente.
levava os policiais para uma sala reservada. Entraram, ele fechou a
porta e ficou cabisbaixo, sua voz soou embargada.
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- Acabaram de achar o corpo do motorista de uma das ambulâncias
No quarto do hospital, Gabriel agora mais calmo, do hospital. – falou sem encarar os policiais. – Estava na
recapitulava mentalmente todos os acontecimentos que o levaram até lavanderia... Alguém o matou... Segundo os enfermeiros que o
aquela situação. O gigante, enquanto o agredia, havia lhe falado encontraram, ele recebeu um golpe na nuca... Seja lá o que o acertou
sobre um livro, exigia-o como se lhe tivesse roubado, ele parecia era muito forte... – parou e levantou os olhos para os policiais a sua
desesperado para tê-lo, estava fora de si, quase o Matara por isso. frente - Ele teve esmagamento do crânio na região posterior da
Mas que livro era esse? Veio-lhe a mente a figura do livro que sua cabeça.
tia-avó o deixara. Lembrou-se também da atitude do velho Anastácio
após comprá-lo, ele lhe pedira segredo sobre a venda do livro pra - Leve-nos até ele imediatamente. – disse o sargento passando as
ele. O fato agora lhe parecia muito estranho, o valor pago pelo livro, mãos na cabeça. – Era só o que me faltava... Dois mortos, uma
o pedido para que mantivesse o assunto em segredo, a gorjeta extra tentativa de homicídio e um desaparecimento de cadáver... E o dia
para “comprar” seu silêncio... E subitamente aquele monstro aparece ainda nem terminou.
exigindo que ele lhe entregasse o livro? Seria o mesmo livro que
vendera pra Anastácio? Ainda havia outras perguntas sem respostas. Foram os três, apressados pelos corredores do hospital em
Quem era aquela criatura que o agrediu? Que livro era aquele? Por direção a lavanderia, ao chegarem ao local do crime viram o
que o gigante estava atrás dele? O que sua tia-avó tinha a ver com motorista deitado de bruços sobre uma pilha de lençóis agora
isso e por que o havia deixado o livro? Achou por bem não vermelhos de sangue. Ao lado do corpo jazia uma caixa de papelão
comentar nada com os policiais sobre esse assunto até entendesse com alguns materiais de limpeza e um colchonete enrolado e
melhor o que estava acontecendo. amarrado com barbantes recostado a parede.

O médico retirou um lençol que haviam colocado sobre a


cabeça do morto, descobrindo o ferimento com uma careta, cabo
Um enfermeiro chega correndo no saguão onde estão o Mathias pôs as mãos na boca com uma exclamação de asco e cuspiu
médico e os policiais e chama o doutor em particular, sua feição fora o chiclete com náuseas. A visão era aterradora, a pancada fora
transtornada chama a atenção de todos. Depois de alguns minutos de tão violenta que espatifara a parte de trás da cabeça do motorista,
conversa o doutor volta, estava tenso, suas mãos tremiam enquanto havia massa encefálica espalhada ao redor do corpo.
- Deus o céu! Quem faria uma coisa dessas? – perguntou o médico - Há marcas de pneus aqui – disse o sargento apontando para o chão
cobrindo de novo o morto com o lençol. – Não faz muito tempo que um carro esteve neste local, sugiro que o
senhor se informe se o veículo ainda se encontra aqui no hospital.
- É o que vamos descobrir, doutor. – disse o sargento olhando em
volta da lavanderia. Depois virou-se para o cabo. - Mathias, ligue pra O médico tirou o celular do bolso, discou alguns números e
delegacia e peça pro pessoal do INCRIM vir dar uma olhada por depois de uma conversa rápida fechou o aparelho e olhou para o
aqui. - Voltou em direção à porta – Não há nada o que podemos sargento.
fazer agora, vamos deixar que o pessoal da perícia assuma daqui.
- A ambulância não está no estacionamento.
Já ia saindo quando algo lhe chamou a atenção. Havia no piso
em frente a lavanderia, marcas de pneus decalcados na areia. - Justamente o que eu havia imaginado – disse o sargento seguindo a
Abaixou-se para ver melhor as marcas no chão e chamou o médico trilha de areia marcada com os pneus do carro.
com um aceno de mão. A trilha contornava a lateral do prédio, passando pelo pátio
- Doutor, o senhor disse que ele era motorista de ambulância, não? dos fundos e saía pelo portão atrás do hospital que dava em uma
estreita rua que seguia em direção a movimentada Avenida das
- Sim senhor. Deve ter vindo á lavanderia pegar roupas ou conversar Cajazeiras.
com alguém... Eu...
- Acho melhor o senhor ir até a delegacia comunicar o roubo da
- E onde está a ambulância que ele dirigia? – interrompeu-o o ambulância, doutor. Creio que temos um caso de latrocínio aqui.
sargento.
- Latrocínio? – exclamou o médico – Mas quem iria roubar uma
O médico olhou alarmado para os lados, o espaço estava ambulância?
vazio, havia apenas o barulho das maquinas de lavar, girando ao
fundo. Virou-se e tornou a olhar o corpo parcialmente coberto com o - Há muitas oficinas de desmanche de carros por aqui, com certeza
lençol atrás de si, afastou a vista e voltou a fitar o policial a sua irão desmontá-lo e vender as peças em lojas clandestinas. – disse o
frente. sargento voltando para o pátio.

- Não sei... – respondeu sem muita convicção – é provável que esteja


no estacionamento, lá em cima. 6
Mais tarde, no quarto, Gabriel aguardava o desenrolar dos Universidade FM, ajeitou-se na poltrona e procurou relaxar um
acontecimentos sem saber o que estava acontecendo. A demora dos pouco, levantou os braços e os pôs atrás da cabeça, esticando os pés
policiais e do médico estava o deixando nervoso, não agüentava mais entre os pedais do carro. A rádio tocava “Rain drops keep follow is
esperar ali parado, tinha que arranjar um jeito de sair daquele lugar. on my head”, ele balançava os pés no compasso da música, resolveu
acender um cigarro, abriu o vidro lateral e ficou jogando a fumaça
Já passava das sete horas da noite quando o médico voltou da pela janela da viatura.
delegacia, havia ido prestar queixa do roubo e assinar as papeladas
com respeito ao assassinato do motorista e o desaparecimento do De repente cabo Mathias aparece do outro lado da porta,
corpo do desconhecido dentro das dependências do hospital. Sentou- abriu-a e sentou-se ao seu lado lhe entregando as chaves do carro.
se em sua sala, apoiou a cabeça sobre a mesa suspirando. O dia havia Ele baixou o volume do rádio.
sido muito cheio, nunca antes havia passado por uma situação
daquelas e... - Vamos ter sair em uma diligência. – disse apertando o cinto de
segurança. – O CIOPS entrou em contato, parece que acharam a
- O rapaz! – pensou num sobressalto. Quase havia se esquecido dele ambulância que foi roubada do hospital esta tarde.
em meio a essa confusão toda.
O sargento arqueou as sobrancelhas, surpreso.
Levantou-se rapidamente e saiu em direção ao quarto onde
ele se encontrava internado, abriu a porta e deparou-se com a cama - Em alguma oficina de desmanche? – perguntou ligando o carro.
vazia... Gabriel não estava mais lá. - Não. – respondeu o cabo. – Acharam-na parada próximo ao
“papódromo”, estava inteira, mas ninguém sabe como ela foi parar lá
nem quem a levou.
7
Ligaram o giroflex da viatura e desceram pela praça do anjo
O sargento Fonseca estava sentado dentro da viatura da entrando na Av. dos portugueses a toda velocidade em direção a
polícia estacionada em frente ao 5º Distrito Policial no bairro do barragem do Bacanga.
Anjo da guarda, estava esperando a chegada do delegado de plantão
para fazer o relatório do que havia ocorrido no hospital.

Ligou o som do carro e ajustou na freqüência, àquela hora 8


começava o programa 106, noite, (cento e seis vírgula noite) da radio
O Papódromo, como era chamado, foi o local construído em sargento fez sinal de silêncio para o cabo e ambos se abaixaram,
1989 para a visita do Papa a São Luis, uma mega estrutura de metal quase sumindo em meio ao matagal que crescia no local. Ficaram
construída no aterro do Bacanga, um palco com mais de oito metros imóveis por algum tempo escutando ao redor, então mais uma vez o
de comprimento por três de altura, onde durante a visita do papa, gemido abafado que ouviram antes. Agora dava pra saber
milhares de pessoas se amontoavam para as celebrações daquele dia. perfeitamente de onde vinha. - “detrás da ambulância” – pensou o
sargento fazendo um gesto para Mathias dar a volta pelo outro lado
Depois da visita do papa ainda tentaram usar a estrutura para do veículo fechando o cerco.
alguns eventos, mas não foi bem sucedido, depois usaram-no como
clube de reggae (época que ficou conhecido como “Papa-reggae”) Apontando simultaneamente as lanternas e armas, saltaram
com o passar dos anos o local foi caindo no esquecimento, até ficar por trás do carro.
completamente abandonado, agora estava em ruínas, o mato crescia
ao redor dando-lhe um aspecto sinistro, não havia iluminação e o - Polícia! Fique onde está! Qualquer movimento e eu atiro! – gritava
lugar servia de esconderijo de ladrões e usuários de drogas, que o sargento enquanto o cabo Mathias vasculhava a área com a
eventualmente faziam uso do local ermo. lanterna em busca de outras pessoas que pudessem estar no local.

Atravessaram a ponte da barragem do bacanga, desviaram da Sob o foco da lanterna do sargento jazia um jovem, ou
pista por uma estrada de terra, pararam a viatura por trás da estação melhor, o que sobrara dele. Cabo Mathias teve ânsia de vômito ao
de tratamento de esgoto da Caema e seguiram a pé pelo mato ver a cena que se apresentava diante dele.
crescido que rodeava aquela parte do aterro até as ruínas do O garoto teve uma das pernas arrancada, apresentava fraturas
papódromo. Há poucos metros da estrutura, avistaram a ambulância expostas no tornozelo e braços, o rosto completamente desfigurado
parada perto de um quiosque abandonado. Como não havia os olhos eram como duas bolas de tênis saltando das órbitas, o corpo
iluminação no local, tiveram de acender as lanternas que levavam, os coberto de hematomas e tinha uma enorme perfuração do lado
focos da lanterna iluminavam a ambulância parada há poucos metros direito do abdômen de onde lhe saía as vísceras se misturando com
deles, foram se aproximando com cuidado, quando chegaram perto sangue e areia no chão.
da ambulância abandonada, um gemido abafado lhes fez pararem de
súbito. - Que diabos é isso! - Exclamou o sargento virando o rosto.

Sacaram o revólver do coldre e empunhando a arma Súbito um barulho de metal rangendo chamou a atenção dos
espreitaram a escuridão pra ver de onde tinha vindo o barulho. O policiais. Olharam para cima e do alto da estrutura de ferro do
papódromo uma figura gigantesca estava parada em uma das vigas furto, e policias faziam rondas pelo papódromo procurando algo que
de sustentação, sua silhueta brilhando a luz da lua. Jogaram a luz da pudesse dar alguma pista do houve naquele local.
lanterna em direção á figura envolta nas sombras revelando parte
daquela criatura de pele negra, quando ela soltou um berro tão 9
medonho que cabo Mathias levou as mãos aos ouvidos enquanto o Já passava das oito horas quando Eliaquim ouviu sua porta
sargento disparava sua arma em direção da figura que saltou da viga bater insistentemente.
em meio ao matagal que terminava no mangue no fim do aterro.
Seguiram a criatura na escuridão da noite correndo pelo mato, cabo - Mas que droga! – pensou largando o violão em cima da cama. –
Mathias refeito do susto disparava sua arma, praguejando e xingando Quem seria à uma hora dessas?
feito um louco.
Eliaquim era primo de Gabriel, sendo que, como era mais
Ouviram o barulho como se fosse uma rocha caindo na água, velho, se sentia um tanto quanto responsável por ele. Morava
perceberam que ele tinha entrado no mar, mas não conseguiram sozinho, e sonhava em fazer sucesso como músico, mas até então sua
chegar mais perto, a lama do mangue lhe dificultavam os tão sonhada carreira musical demorava a decolar, vivia de pequenos
movimentos o sargento tinha ficado atolado quase até o joelho e bicos que fazia na noite como músico de barzinho e já andava
precisou da ajuda de Mathias para sair do atoleiro. Ambos estavam estressado de véspera. Depois de perambular com seu violão de
cansados e sujos de lama, voltaram até a viatura e passaram um rádio barzinho em barzinho, a melhor oportunidade que tivera foi a de
pra delegacia pedindo o pessoal da perícia e o carro do IML. tocar as sextas feiras no bar Senzala, no Reviver, Centro histórico.
Mas agora as coisas melhoravam, estava trabalhando em um jingle
Com o barulho dos disparos, começava a formar uma para uma rede de farmácias, que iria lhe render uma boa grana, só
aglomeração de curiosos em frente ao prédio do CEPRAMA do que andava meio sem inspiração. E justamente agora que começava
outro lado da avenida e próximo ao aterro, logo o local estava finalmente a escrever as primeiras frases da música, algum idiota
tomado de viaturas da policia, carros do corpo de bombeiros, resolve atrapalhar.
ambulâncias e curiosos.
Continuavam a bater na porta, agora mais forte e mais alto.
Eliaquim deu um suspiro passando as mãos na cabeça. Fechou o
O corpo do rapaz foi removido pelo rabecão do IML a caderno onde escrevia a letra do jingle, afastou o violão, e levantou-
ambulância roubada foi conduzida ao pátio da Delegacia de roubos e se gritando mal-humorado:
- Já vai! Já vai! - Só não entendi uma coisa – disse fechando as rótulas da janela. –
Por que você fugiu do hospital?
Foi até a sala, destrancou a porta, abriu-a e levou um susto ao
se deparar com Gabriel parado em frente a porta da sua casa, com - Não sei! – retrucou Gabriel sem muita convicção – Detesto
um protetor cervical atado ao pescoço. hospitais, agulhas, seringas, cheiro de éter... Essas coisas. E além do
mais, acho que fiquei com medo.
- O que foi que você andou aprontando, pequeno? – disse Eliaquim
enquanto segurava sua mão e o puxava para dentro de casa. – Entra - Mas você não pode fugir assim de um hospital. Você não terminou
aí e me conta em que confusão tu te meteu dessa vez. E que porra é o tratamento, não recebeu alta, nem tiraram esse treco do seu
essa aí no teu pescoço? Por um acaso foi atropelado? Caiu? Se meteu pescoço e... Ei! Quem é que vai pagar a conta?
em alguma briga...
- Não enche Eli... Posso dormir hoje aqui? Não quero ficar em casa
- Calma, primo! Da pra me deixar falar? sozinho depois do que aconteceu.

- Ta bom! Desculpa, pode falar. - Tudo bem. Contanto que não apareça nem uma ambulância ou
viatura da policia aqui em casa.
- Bom... A história é meio longa e eu mesmo ainda não entendi
direito o que aconteceu. – disse sentando-se no sofá. - Valeu primo, te devo uma.

- E o que foi que aconteceu? – Insistiu Eliaquim.

Depois de contar toda a história que havia acontecido desde a 10


venda do livro até a sua saída do hospital, Gabriel sorvia um gole de
café que seu primo havia lhe trago enquanto conversavam.

Eliaquim ouvia tudo com interesse, perguntando detalhes, No dia seguinte, Gabriel acordou cedo, até porque dormir
querendo saber pormenores. num sofá com um protetor cervical atado ao pescoço não era nada
confortável. Olhou para o relógio, eram 7:00 hs. da manhã. Eliaquim
- Sabe de uma? – comentou Eliaquim – acho que você teve muita já estava de pé assistindo a um programa policial sensacionalista
sorte! – e levantando-se do sofá, foi até a janela espiar a rua. exibido por uma rede de TV local.
- Não sei como você consegue assistir a isso. – disse Gabriel - Eu vou dar um jeito nisso. – disse Gabriel se dirigindo a uma outra
pegando uma xícara de café de cima da mesa. barraca. – Por favor. Você pode me informar onde mora o Sr.
Anastácio, dono dessa barraca aqui?
- É... Mas quem sabe não aparece aí aquele grandalhão amigo seu? –
Um velhinho magricela de vasto cavanhaque saiu de dentro
brincou Eliaquim.
da banca.
- Falando nisso, tenho que tirar umas coisas a limpo hoje. – Gabriel - Vocês estão procurando por Anastácio?
puxou a carteira do bolso e contou o que sobrara do dinheiro que
recebeu. - Sim. – respondeu Gabriel.

- Aonde você vai? – Quis saber Eliaquim. - Acho que ele não vem hoje. Ele costuma chegar cedo, se não veio
até agora é porque não vem mais.
- Vou atrás daquele velho que comprou o livro da minha mão. Tem
- É que a gente tem um assunto muito importante pra tratar com ele –
alguma coisa muito errada acontecendo e eu quero saber o que é. insistiu Gabriel. – Precisamos lhe falar com urgência, o senhor pode
nos informar onde ele mora?
- Então vamos juntos! – disse Eliaquim pondo-se de pé.
O velhinho olhou longamente para os dois parados a sua
- Tudo bem. Então vamos lá. Mas antes, dá pra tirar essa porcaria do frente, coçou os bigodes com um ar desconfiado depois deu um
meu pescoço? Isso ta começando a coçar! sorriso se aproximando.
Saíram de casa e deixaram o bairro em direção ao centro, - Ta certo! – falou o velhote. – Pelo que sei ele mora na Rua do Giz,
novamente saltaram no Anel Viário e seguiram pelo Mercado vocês descem por aquela rua em frente a Igreja do Carmo que vão
Central em direção à Magalhães de Almeida. Chegaram ao local sair lá. – disse apontando a direção – É um velho casarão amarelo
onde ficam as barracas de revista, mas encontraram a de Anastácio antes da praça que da pra escadaria da Nauro Machado.
fechada. Os dois seguiram em direção ao endereço dado pelo velhinho
e em poucos minutos estavam em frente ao velho casarão amarelo
- Droga! – Gabriel parara em frente à banca de Anastácio. em estilo colonial, o prédio já um tanto desgastado. Suas paredes
- E agora? – quis saber Eliaquim. aqui e ali tinham algumas rachaduras que deixavam entrever os
blocos de pedra por trás do reboco, a pintura era velha e desbotada, o
mato crescia em sua cumeeira e o batente de pedra de cantaria estava
esverdeado com o musgo que crescia.
Bateram na pesada porta de pau d’arco ornada de cravos e - Bom, de graça meu chapa, até injeção na testa! Mas vamos logo
grossos batedores de ferro. Depois de algum tempo esperando sem que minha barriga ta roncando mais do que você quando dorme.
resposta, sentaram na calçada, desanimados.
- Muito engraçadinho você hein! Teu pai não te vende? – os dois
- Tem certeza de que é aqui? – perguntou Eliaquim. sorriram.
- Segundo o endereço que o velhinho nos passou, só pode ser aqui. – O Crioulas, é um restaurante desses, tipo, “temáticos”, que
respondeu Gabriel olhando em volta. tem no centro histórico. Localizado em uma das esquinas da rua do
giz, ele ostenta em suas dependências uma variedade de obras de arte
- Não sei não – continuou Eliaquim – Mas não fui com a cara em cerâmica, madeira; pinturas e esculturas permeiam o espaço entre
daquele velhinho. Cara esquisito hein? Viu só o jeito que ele ficou as mesas criando um clima bem aconchegante para quem o visita.
olhando pra gente? Além de ter em seu cardápio, a melhor torta de caranguejo das
redondezas.
- É... Eu vi! Mas sei lá, ele pode ter pensado que éramos cobradores
ou coisa parecida. Os dois passaram pelo self-service do restaurante, depois
sentaram-se em uma mesa perto da janela. Gabriel havia pegado
- Olha pra minha cara Gabriel, vê se eu tenho cara de cobrador?
salada de aspargos um pouco de arroz de cuxá e uma fatia de torta de
- É verdade – riu Gabriel – Tu tem cara de vagabundo, isso sim. caranguejo, já Eliaquim foi pegando de tudo um pouco e colocando
no prato, o resultado foi uma pequena montanha que ele fez questão
Continuaram sentados na calçada por um bom tempo, de decorar com uma cobertura de farinha de mandioca.
Eliaquim foi até um comércio e comprou dois refrigerantes, tomaram
e continuaram a jogar conversa fora até que Eliaquim consultou o - Meu Deus, que vergonha! – disse Gabriel baixinho – Você parece
relógio. Já era quase meio dia. um morto de fome.

- Ô Biel! Eu não vou ficar aqui esperando feito besta esse tal de - Mas eu estou morto de fome, meu camarada. – ria Eliaquim
Anastácio chegar. E além do mais eu to varado de fome e não tenho segurando os talheres desajeitadamente – Eles não têm uma colher
nem um centavo. Gastei o último com os refrigerantes. por aqui? Esse negócio de comer com talher parece coisa de veado.

- Calma Eli, a gente já veio até aqui e eu não vou dar pra trás agora. - Ah meu Pai! – Gabriel escondia o rosto com as mãos – Não te trago
Vamos fazer o seguinte. Eu ainda tenho algum dinheiro aqui que mais nos ambientes!
sobrou da venda do livro, tem um restaurante aqui perto, a gente vai
Estavam quase terminando a refeição quando Gabriel parou
lá, almoça e volta pra cá de novo. O que me diz?
de repente com um espasmo e arregalou os olhos largando os
talheres na mesa.
- O que foi Biel? Engasgou com a comida? – Eliaquim levantava da - O desgraçado ta fugindo! – gritou Gabriel descendo rapidamente a
cadeira. escadaria e acenando para que Eliaquim o seguisse.
- Ele acabou de passar aqui em frente. – disse Gabriel apontando Desceram a escadaria, atravessaram a praça entraram no
para a rua. largo dos bares Antigamente e Coisa Nossa, foram até a escadaria do
Chez Moi deram a volta pelo Beco Catarina, rodaram por trás do
- Ele quem? Do que você ta falando? – Eliaquim virava-se para a Teatro Praia Grande, entraram no estacionamento da entrada do
porta. reviver e pararam junto a calçada do Shopping do Cidadão. Nem
sinal de Anastácio. Ambos estavam cansados e ofegantes
- Ele, seu idiota! Anastácio. Ele acabou de passar descendo a rua.
Vamos atrás dele. - Droga! – Gabriel batia com a mão na calçada. – O desgraçado
conseguiu fugir.
- Ei! Peraí. Eu ainda não terminei de comer! E além do mais, o trato
era a gente almoçar e depois voltar pra lá. - É... – Eliaquim arfava de cansaço junto a ele. – que grandessíssimo
filho da puta. Só me fez estragar o meu almoço.
- Pode ficar aí se você quiser, mas eu to indo atrás dele – e
levantando-se em direção a saída – Fui! Gabriel apoiava os cotovelos nos joelhos e segurava o rosto
com as mãos observando o estacionamento. Eliaquim o olhava de
- Ô Gabriel! – Eliaquim de pé, oscilava entre ficar ou seguir o amigo
canto de olho.
– Droga! – disse por fim saindo atrás de Gabriel – Ei! É pecado
estragar comida sabia? - Será que ainda dá pra gente voltar lá e terminar de almoçar? –
disse passando o braço em volta do pescoço de Gabriel.
Os dois saíram do restaurante e desceram a rua atrás de
Anastácio que caminhava há uns vinte metros a sua frente. Súbito ele - Ora vá se danar! – respondeu o outro empurrando-o.
vira pra trás e percebe que está sendo seguido pelos dois rapazes.
Então ao invés de entrar em casa ele mudou de direção e andando - Ah... Pelomemos um refrigerante, vai? – retrucou Eliaquim – Essa
rápido foi em direção as escadarias da Nauro Machado. corrida toda me deixou com sede.
- Ele nos viu! – disse Gabriel apressando o passo. – Ta tentando Compraram um refrigerante em uma banca de revista
escapar da gente, vamos mais rápido! próxima ao Shopping do Cidadão e seguiram em direção ao Teatro
João do Vale. Sentaram-se em num bloco de pedra, debaixo de uma
Os dois começaram a correr em direção a escadaria, lá de das árvores do local e ficaram por algum tempo em silêncio.
cima puderam avistar que ele já havia atravessado a praça e se
dirigia ao largo dos bares Antigamente e Coisa Nossa. - Não sei por que você deu pra perseguir esse velho fujão – disse
Eliaquim quebrando o silêncio.
- Tem alguma coisa errada, Eli. – Gabriel virou-se para o primo – cheirando as axilas – harrggh...! - disse com uma careta – to
Você viu como ele correu da gente? murrinhando como diria minha mãe.
- To começando a achar que eu tenho mesmo cara de cobrador. - Credo! – Gabriel tapava o nariz com os dedos – você ta fedendo!
- Pára de gracinha, Eli. Se ele fugiu é porque ta escondendo alguma O ônibus da Vila Nova havia chegado no terminal, e como
coisa. Mas nós vamos ficar de espera e vamos pegar ele quando sempre, um amontoado de gente se espreme como um cardume de
voltar pra casa. peixes, num desespero de empurra-empurra para entrar no coletivo, o
que já era um problema antigo, pois como só existe uma empresa de
- O que? – espantou-se Eliaquim – Nós vamos ficar aqui o dia todo? transporte público para aquela área da cidade, acaba gerando um
Ah não! Isso é loucura, já está passando dos limites, cara. Vamos monopólio, e a falta de concorrência só contribui para que a mesma
voltar pra casa. trate seus passageiros da maneira que bem quer. Como reclamar não
adianta em nada, o jeito é se submeter aquela humilhação de pagar
- Não Eliaquim! Se você quiser pode ir, mas eu vou ficar!
por um serviço e tê-lo da pior maneira possível.
- Ok. – dando um suspiro – Fazer o que? Não vou te deixar sozinho
Depois de um percurso conturbado do terminal até o Anjo da
nessa. Mas... Daqui a pouco vai rolar um lanchinho, não?
Guarda, ambos desceram em frente ao mercado do bairro, e antes de
Ambos sorriram. irem pra casa, Eliaquim conseguiu convencer Gabriel a parar pra
tomar uma dose no boteco da Nicinha, uma barraquinha furreca
Toda a espera acabou resultando em nada. Anastácio não localizada no canteiro central da Avenida principal do bairro,
voltara pra casa naquele dia. Depois de esperarem por um dia inteiro, próximo à Praça do Anjo, que vende cachaça temperada e outros
Eliaquim a custa de muita persuasão conseguiu convencer Gabriel tipos de destilados de procedência duvidosa a preços módicos, mas
que era melhor voltarem pra casa e deixar a busca pra outro dia, sem nenhuma regalia ou conforto. A barraquinha feita de tábuas e
ambos estavam cansados e com fome demais pra resistirem por mais lona era apertada, os clientes muitas vezes sentavam em um banco
tempo. de madeira nua de costas pra avenida, seu interior, no entanto, vivia
entulhado de cachaça e o local era freqüentado por todo tipo de
- Não me conformo Eli, - resmungava Gabriel já sentado na parada gente, desde cabeleireiros, poetas, jornalistas, até bêbados,
do ônibus da Vila Nova, no terminal integrado da Praia Grande. – a vagabundos e marginais também faziam parte da sua clientela
gente quase o pegou, foi por muito pouco que aquele filho da mãe assídua.
conseguiu escapar!
Sentaram, pediram duas doses de conhaque que tomaram de
- Relaxa Biel, amanhã a gente agarra esse velho cretino, agora eu tô um só gole, pagaram e desceram a rua em direção à casa de
é morrendo fome e querendo um bom banho - levanta o braço
Eliaquim, pois Gabriel ainda não se sentia seguro o bastante para - Sobre peladas peitudas, aposto. – Eliaquim sorria.
ficar em casa sozinho.
- Ei! Não sou pervertido feito você! Tenho um trabalho da faculdade
Depois de um bom banho e de comer alguma coisa, os dois pra fazer, assunto sério...
sentam-se no sofá em frente à televisão assistindo ao jornal local que
dava noticias sobre os assassinatos de um motorista dentro dum - Sei.. Só depois é que vêm as peitudas, hein?. – disse Eliaquim
hospital e um jovem morador de rua que foi encontrado morto no segurando as almofadas junto ao peito como se fossem seios.
Aterro do Bacanga.
- Você é um caso perdido! – Gabriel atirava mais uma almofada em
- Esse tal motorista não era aquele do hospital em que você estava? – sua cabeça. – Vá dormir, boa noite.
quis saber Eliaquim.
Gabriel ligou o computador acessou o Google e começou a
- Era sim. – Gabriel prestava atenção a reportagem. – Estranho não sua pesquisa para o trabalho sobre “A Comunicação nas Civilizações
terem falado nada sobre o desaparecimento do corpo do grandão, Arcaicas”, tinha que desenvolver um texto sobre como a
será que já o encontraram? comunicação social influenciou o desenvolvimento das primeiras
civilizações em comparação com outras em que essa prática era
- Sei lá! E esse que acharam no aterro? Ouvi falar que arrancaram menos usual. Digitou os tópicos na tag-line e uma enxurrada de sites
uma perna, destroçaram o cara... Acredita nisso? e links relacionados apareceram na tela.
- Tem muita gente má no mundo, Eli. Não me surpreendo com nada, Foi até a cozinha e voltou com uma xícara de café, sentou-se
é bem possível, só me pergunto quem faria uma coisa dessas. na escrivaninha, debruçou-se sobre o computador e continuou o seu
trabalho, os cliques do teclado se misturavam ao som de Chico
- “Hulk esmaga homenzinhos!” – Eliaquim sorria jogando uma Buarque que tocava baixinho nas caixas acústicas ligadas ao
almofada em cima de Gabriel. computador.
- Deixa de ser palhaço Eli! – arremessando de volta a almofada – Alguns minutos depois, um link na tela do computador lhe
Posso dormir na cama hoje? Esse sofá acabou com as minhas costas. chama a atenção. “Histórias e Estudos sobre genealogia dos
gigantes”. Instintivamente passou o mouse por cima e pressionou o
- Infelizmente não vai dar, eu me viro muito enquanto durmo, e
botão num clique, as informações enchiam a tela, Gabriel lia cada
nesse sofá, acabaria caindo a noite toda, mas se quiser, tenho uma
vez mais interessado o assunto que se apresentava a ele naquele
rede no armário, quer?
momento.
- Onde está o bom e velho: “Mi casa és su casa?”, mas tudo bem,
Um certo ponto do texto discorria:
além do mais, quero mesmo fazer umas pesquisas no computador
hoje.
“O maior especialista em cultura suméria, é o historiador e gigantesca trombada celeste no início do nosso sistema solar
arqueólogo Annasthacio Sitchin, nascido na Turquia e criado na (catastrofismo).”
Palestina. Formado em história pela Universidade de Londres, é um
dos poucos estudiosos do mundo capacitados a traduzir a escrita Gabriel nunca havia ouvido falar nisso. Estava ali outra teoria
cuneiforme, característica das civilizações mesopotâmicas, trabalhou sobre a origem do planeta terra, escrita pelos Sumérios há mais de
como jornalista e editor, também atuou como escritor e consultor do três mil anos e da qual ele jamais havia escutado, e isso era
Museu do Cairo no Egito. Annasthacio traduziu massivamente, ao fascinante.
longo de sua vida, os escritos de mais de 2000 placas sumérias
encontradas em suas pesquisas arqueológicas. E escreveu inúmeros Continuou a leitura.
livros contendo essas traduções e sua interpretação sobre o assunto.
“Os estudiosos do legado sumério, têm se questionado como
Basicamente, o legado do conhecimento sumério revela que a Terra,
seria possível que uma civilização tão antiga tivesse informações tão
teve origem através da colisão de dois gigantescos corpos celestes,
precisas sobre astronomia, numa época onde supostamente não havia
Nibiru e Tiamat. Os escritos afirmam que Nibiru, um planeta
equipamentos tecnológicos? A resposta está no trabalho de
avermelhado, foi desviado de um sistema binário, há bilhões de anos,
Annasthacio Sitchin. “O conhecimento sumério, sobre o sistema
e capturado pela gravidade do nosso Sol. Esse planeta viajou em
solar, só poderia ser obtido por meio de uma fonte externa, que
nosso sistema solar, abaixo da elíptica, passando por Netuno e
fosse capaz de viajar pelo espaço e observar esses eventos”. A
Urano. Como seu campo magnético era muito intenso, ele deslocou
dimensão do trabalho de Sitchin é tão importante que seus estudos
Urano para seu lado quando passou por ele. Naquela época não havia
serviram de base para a consultoria pessoal dos generais norte-
o planeta Terra, mas sim um outro planeta, muito maior, Tiamat,
americanos. Coincidência ou não, nos últimos quinze anos as
coberto quase que só de água. Durante a trajetória, as luas de Nibiru
campanhas militares norte-americanas se tornaram extremamente
atingiram Tiamat dividindo-o em duas partes, pulverizando a metade
intensas na região que foi o berço da civilização suméria.”
onde ele foi atingido (criando o cinturão de asteróides entre Marte e
Júpiter) e empurrando a outra metade para uma órbita mais baixa, a Aquilo estava ficando cada vez mais interessante, uma nova
atual órbita da Terra. Durante esse processo, uma das luas de Nibiru teoria sobre a origem da terra escrita há milênios atrás, o exército
foi capturada pela gravidade da Terra, e se tornou o nosso satélite. A americano interessado em organização militar dos Sumérios e um
primeira passagem de Nibiru foi responsável pela atual configuração velho tradutor e historiador turco/palestino que tinha o sugestivo
do nosso sistema solar. Plutão era uma lua de Saturno que foi nome de Annasthacio. Realmente começava a achar aquilo muito
arrancada de sua gravidade e empurrada para a sua atual órbita. interessante.
Em Fevereiro de 2000, chegava ao fim a "Missão Near" Foi até a cozinha de onde trouxe mais uma xícara de café e
(sonda Near) da NASA, chefiada pelo Dr. Cheng, confirmando esta alguns biscoitos, antes passou pelo quarto onde observou Eliaquim
dormindo, pensou em chamar o primo, mas deixou que ele dormisse,
depois falaria com ele sobre o assunto. Sentou-se novamente e os seres poderiam sofrer qualquer transformação para se
recomeçou a leitura tomando um gole de café. adaptarem. - "Não vejo qualquer dificuldade em acreditar na
possibilidade de que a seleção natural possa desenvolver a
“As placas sumérias tem informações precisas sobre os membrana no lêmur voador, até transformá-la num verdadeiro
planetas do sistema solar. Os mais impressionantes são os dados membro alado, à semelhança do que deve ter ocorrido com o
sobre Plutão (planeta que só foi descoberto em 1930). Eles sabiam o morcego".(Charles Darwin)
tamanho de Plutão, sua composição química e orgânica e afirmavam
que Plutão era na verdade um satélite de Saturno que se “Seguindo essa linha de pensamento ele concluiu que um
"desprendeu" e ganhou uma nova órbita. Eles chamavam a Lua de símio poderia ter perdido os pêlos, a cauda, ter erguido a coluna
pote de chumbo e diziam que seu núcleo era uma 'cabaça' de ferro.” vertebral, ficado inteligente e se tornado homem de maneira natural.
Atualmente o Darwinismo também tem sido chamado de "teoria da
“Durante o programa Apolo, a NASA confirmou esses origem inferior das espécies". A antítese ao "evolucionismo" de
dados... Esse conhecimento seria possível há 3.000 anos atrás? Em Darwin é a "teoria da origem superior das espécies", uma
1983, o Satélite Astronômico Infravermelho (IRAS) fotografou um variação da teoria criacionista, baseada nas descobertas de fósseis
grande objeto na imensidão do espaço. O astro seria tão grande humanos descomunais e ruínas de construções megalíticas,
quanto Júpiter e provavelmente poderia fazer parte do nosso Sistema encontrados em várias partes do mundo. O pesquisador suíço Erich
Solar. A questão é delicadíssima. De um lado temos escritos de Von Däniken foi um dos primeiros defensores modernos, da teoria da
milhares de anos sobre a formação da Terra, com informações origem superior. Tendo viajado meio mundo e dedicado boa parte de
precisas e riquezas de detalhes, traduzidos pelo maior especialista sua vida ao estudo das civilizações antigas, como os sumérios,
em civilização suméria (Annasthacio Sitchin) e de outro lado temos a babilônios, hindus, incas, maias e astecas, Däniken é pioneiro na
discreta confirmação dessas informações pela maior agência espacial abordagem técnica sobre a influência de seres extraterrestres no
do mundo (NASA).” desenvolvimento da vida na Terra. À despeito de inúmeras
difamações e ataques sofridos, escreveu diversos livros, entre os
“A questão da origem do planeta Terra e da humanidade é, de
quais o clássico "Eram os Deuses Astronautas?", enfatizando
fato, extremamente delicada. No campo científico, homens como
sistematicamente que as mutações fisiológicas, além do fator
Charles Darwin induziram a humanidade a acreditar que o homem
"inteligência", foram introduzidos no hominídeo ancestral, via
evoluiu progressivamente e naturalmente de um tipo de antropóide.
engenharia genética, resultando no homo-sapiens. E todo o processo
Essas afirmações foram baseadas nas observações e pressuposições
civilizatório foi igualmente, introduzido pelos mesmos seres,
de Darwin, que em suas viagens de estudos pelo mundo,
supostamente superiores. Däniken foi o primeiro pesquisador a
desenvolveu a idéia de que um processo de seleção natural era
confrontar o sistema e expor publicamente essa linha de pensamento.
responsável pelas mutações das diversas espécies de animais, para se
Seus trabalhos, muito ricos em detalhes, são referências obrigatórias
adaptarem as mudanças geofísicas sofridas pela Terra no passado.
Até aí tudo coerente, porém Darwin, precipitadamente concluiu que
para quem estuda esse assunto, sendo, inclusive mencionados por com anotações a respeito dessas experiências traduzidas por
Annasthacio Sitchin.” Annasthacio Sitchin revelam que muitos tinham sérias disfunções
biológicas, mas outros se adaptavam bem e até desenvolviam,
Os dedos de Gabriel rolavam mais rápidos na roda do mouse inclusive certo grau de inteligência. Ao contrário do que se pensa,
passando as páginas pela tela do computador. O assunto lhe prendia esses seres não eram meros mitos, mas sim resultado de práticas
a atenção de tal maneira, que o café esfriava ao lado do teclado. sexuais ilícitas entre demônios e animais.
“Segundo os registros sumérios traduzidos por Annasthacio Mas em dado tempo eles também começaram a usar mulheres
Sitchin, essa raça de extraterrestres na verdade eram demônios, os nas suas depravações, e o resultado disso, foi uma das coisas mais
sumérios os chamavam de Anunnaki (Os Do Céu Que estão Na monstruosas e poderosas que já andaram pela superfície desta terra.
Terra), que mais tarde foram chamados de Elohahim (caídos do Os “Nefilins.”
Céu).
Gabriel acabara de ler o texto e estava perplexo.
Um deles, chamado Anuk, desceu na região do Golfo Pérsico,
no início das eras, onde estabeleceu o primeiro contato com os – Que história! – Pensou consigo mesmo.
homens. O plano original era constituir poder e autoridade sobre os
habitantes daquele lugar além de acumular ouro e riquezas, o que de Começou a chover lá fora e Gabriel remoia tudo o que
fato foi feito Sem perda de tempo, ele se associou com vários outros acabara de ler. O trabalho de Comunicação Social ficava agora em
da sua espécie e ergueu a cidade de Nibiru, ao leste do Eufrates. O segundo plano, algo naquela história lhe intrigava profundamente.
ouro obtido nas minas da região seria transportado em embarcações Voltou a página do Google e digitou Annasthacio Sitchin, uma lista
até a Mesopotâmia, para derretimento e refinamento. Em seguida os de sites apareceram na tela, começou a olhar um por um, porém a
lingotes eram enviados, através de um navio de carga até Uruk na maioria apenas trazia citações do seu trabalho e comentários sobre
Caldéia. Enlil, filho de Anuk, e os outros Anunnaki ergueram um sua obra, mas nada de informações precisas sobre a pessoa em si.
gigantesco complexo nas imediações do Monte Ararat. Nesse local
Vasculhou um pouco mais e depois de alguns minutos de
eram realizados as mais bizarras práticas sexuais daqueles tempos,
pesquisa encontrou um site que relatava um perfil do historiador.
os Anunnakis se relacionavam sem nenhum pudor com todos os
Nada que ele já não tivesse lido em sites anteriores, mas uma coisa
tipos de animais, O resultado dessas ousadas experiências foram
em especial lhe chamou a atenção. Havia uma foto dele lustrando a
seres antropomórficos, de aspecto exótico ou monstruoso, que
página, e ao olhá-la Gabriel deixou escapar uma exclamação de
ficaram conhecidos, ao longo da história, como centauros, cíclopes,
espanto.
hárpias, tritões, sereias, minotauros, hidras, górgonas, sátiros, etc.
Criaturas que possuíam cabeça e tronco humanos e membros - Meu Deus do céu!... É ele!
inferiores de animais ou as vezes, o inverso, ou ainda seres humanos
com dois pares de membros superiores. Algumas placas sumérias
Gabriel saiu da mesa e correu em direção ao quarto em que Eliaquim - Aqui está o nosso velho fujão! – disse num tom de satisfação.
dormia.
- Acho que não – Eliaquim bocejava – aí ta escrito Annasthacio
- Acorda! – disse balançando Eliaquim na cama – acabei de achar Sitchin, e o que a gente ta procurando é Anastácio “sei-lá-de-quê”, o
uma coisa que você precisa ver. Vamos! Levanta dessa cama agora! cara da foto deve ser um sósia dele, tem pessoas que se parece com
outras, sabia?
Eliaquim abriu os olhos, sonolento, jogou o travesseiro em
cima de Gabriel. - Já te passou pela cabeça – Gabriel virava-se para o primo – que
esse “sei-lá-de-quê” possa ser “Sitchin”?
- Deixa eu dormir, pô! Não to a fim de ver mulher pelada no
computador a uma hora dessas! – puxou o cobertor até a cabeça – - Gabriel, meu caro e impressionado primo. – Eliaquim apontava o
Carambas! Ninguém pode dormir sossegado nessa casa? dedo indicador para a foto na tela do computador – esse cara aqui é
turco, palestino, judeu, o escambau e tudo, formado em Londres,
Gabriel tirou o cobertor de cima do primo e disse num tom trabalhou no Egito... E esse que correu da gente é um velho gordo,
que dispensava qualquer tipo de brincadeira. livreiro de uma banca de sebo, que mora no Maranhão, em São Luis,
na Rua do Giz e adora correr pelo Centro Histórico na hora do
- Achei uma foto de Anastácio na internet!
almoço. Portanto, acho que você bebeu café demais. – disse virando
Ao ouvir o que lhe havia dito, Eliaquim despertou esfregando enrolado no cobertor – agora deixa eu dormir ok. Ora veja só! –
os olhos e bocejando. resmungava – Acordar pra ver uma foto de um velho! Seria muito
melhor se fosse de uma mulher pelada... E com... Três peitos!
- Mas... Do que é que você ta falando? – levantou-se sentando na
cama. Andou até a porta do quarto e antes de entrar falou como se
lembrasse de algo importante.
- Eu disse que achei uma foto de Anastácio na internet. – continuou
Gabriel. – vamos, vem até a sala que eu te mostro. - Ah! E se você achar o Papai Noel no MSN, diz pra ele, que ele me
deve oito presentes de natal atrasados. – entrou e fechou a porta do
Saíram os dois do quarto e foram em direção a sala, Gabriel quarto.
sentou-se na cadeira em frente ao computador enquanto Eliaquim
ficou em pé atrás dele segurando no espaldar da cadeira e apertando
os olhos para ver a tela por cima de seu ombro.
Na delegacia do 5º Distrito policial, o sargento Fonseca entra
Gabriel passou o mouse por sobre a página até chegar à foto, na sala do delegado titular da unidade com uma pasta na mão.
depois colocou o cursor por sobre a mesma e clicou, ampliando-a. Dentro estão os relatórios das operações depreendidas na fonte das
pedras, nas dependências do hospital Casemiro de Abreu e no aterro - Pois bem – disse Anastácio – Entrem, acho que vocês merecem
do Bacanga feitas por ele e sua guarnição, no caso o cabo Mathias. saber a história afinal.
Enlil era filho do governante de Nibiru, Anuk. Devido ao fato de
que, era filho de Anuk e uma mulher filha dos habitantes daquele
lugar, Enki não era um ser humano normal, e sim um Nefilim.” 11
.
Sentou-se no velho sofá ao lado de uma pequena estante
abarrotada de livros, rolos e pergaminhos antigos. Fez um sinal para
que ambos sentassem também.
- O que você faz aqui? – perguntou Anastácio. – Alguma coisa está
muito errada por aqui e eu quero saber o que é. - Muito bem – começou – Tudo isso teve início há incontáveis eras,
quando vocês, filhos de homens, nem sonhavam em ser o que são
- Não sei do que você está falando. – retrucou o velho. hoje. Nos primórdios dos tempos.
- Não me venha com conversa fiada! Primeiro você me compra um
Esse cara é completamente maluco – pensou Eliaquim.
livro velho por cem reais, em seguida me dá mais cinqüenta pra eu
não falar nada pra ninguém, depois um gigante negro quase me O velho puxou um cigarro do bolso e acendeu dando uma
esmaga o pescoço exigindo que eu lhe entregasse o bendito livro, e
longa tragada, a fumaça que lhe saía das narinas encobria
eu fui parar no hospital por causa disso. Depois você foge da gente
feito o diabo da cruz, além do mais, vi você numa fotografia datada parcialmente o rosto macilento de Anastácio.
de 1767, mas é claro que isso é impossível, porque você não poderia
estar vivo em 1767. E também há um outro registro em que você ou - Houve uma época, no tempo antes dos tempos – continuou o velho
alguém muito parecido com você aparece na cerimônia de – Em que os “filhos de Deus” começaram a perceber as “filhas dos
inauguração da Biblioteca Pública Benedito Leite, mas como isso homens” e se sentiram extremamente atraídos por elas. Então,
também é impossível, eu quero que você me esclareça estes fatos, Sr. influenciados por aquele que não ouso dizer o nome, cometeram um
Anastácio. Eu sei que tem algo de podre nessa historia e quero erro mortal.
saber o que é, e quero saber agora!
Os olhos do velho estavam vítreos a fitar o vazio como se
Anastácio pareceu surpreso com tudo o que acabava de
enxergasse além do tempo e do espaço. A impressão que dava era
escutar. Olhou para os lados como se procurasse por alguém
enquanto fazia sinal para que os dois entrassem. que ele não estava somente contado uma história, estava lembrando-
se dela.
- Eles não respeitaram o Eterno e quebraram todas as regras - Quer dizer então – perguntou Gabriel – Que esse gigante que está
estabelecidas, - recomeçou - Desceram, tornando-se matéria, atrás de mim é um Nefilim? Mas se todos eles morreram, como é
comeram e beberam de tudo o quanto quiseram, possuíram imensos que esse chegou até aqui? E outra, o que é que ele quer comigo?
lotes de terras, acumularam ouro e incontáveis riquezas,
escravizaram muitos e possuíram tantas mulheres quanto desejaram. Anastácio balançava a cabeça.

- Dessa união desnatural lhes nasceram filhos, uma raça híbrida - Há mais coisas que você desconhece, meu jovem. – continuou o
dotada de uma estatura descomunal, uma força imensa, além de total velho - Parte dos rebelados foi preso, mas não todos. O opositor
e completa falta de escrúpulos. Ah meus jovens... – Anastácio virou tinha mais adeptos, e a rebelião continuou. Séculos mais tarde um
em direção aos dois – Vocês não fazem idéia de como foram dos rebeldes que ganhara o status de general das forças negras,
horríveis aqueles tempos. Não havia lei, não havia paz, não havia repetiu o mesmo feito dos antigos, só que dessa vez ele não queria
nada além da vontade dos senhores daquela época e de seus filhos tão somente riquezas e prazeres, queria o titulo de um deus. E ele
monstruosos... Os Nefilins. Eram assim que se chamavam. ficou conhecido naqueles tempos e depois deles, como Moloch.

Anastácio voltou a tragar o cigarro e soltar baforadas de O velho fez uma pausa observando o efeito dessa palavra em
fumaça em forma de círculos que lentamente se desfaziam com a Gabriel, que ao ouvir aquele nome lembrou-se imediatamente do
brisa da tarde. livro.

- O Eterno então pôs fim aquela bagunça toda, acho que vocês já - Isso mesmo! – disse o velho como se lhe adivinhasse o
sabem a história o dilúvio, pois é. – disse o velho com um pequeno pensamento. - Moloch foi uma divinidade adorada pelo povo fenicio,
aceno de mão – Os Nefilins morreram junto com todos os outros que mencionada várias vezes na Biblia. Tradicionalmente interpretou-se
não entraram na grande caixa, seus pais, no entanto, não podiam Moloch como o nome de um deus, provavelmente denominado «o
morrer, desfizeram-se da matéria e voltaram para a presença do rei», mas pronunciado a propósito como Melek utilizando as vogais
Eterno, onde foram julgados, sentenciados e presos no limbo para da palavra hebréia bosheth (ignominia) um príncipe do Inferno. que
toda a eternidade. encontra prazer especial em fazer chorar as mães, especializando-se
em roubar os seus filhos.
O velho calou-se apagando o cigarro no cinzeiro em cima da
mesa ao lado do sofá velho e voltou a olhar para os dois à sua frente. Eliaquim balançava a cabeça em sinal de desaprovação.
- Nunca ouvi falar desse tal de Moloch... Melek, ou seja lá como ele La estava, sobre o papel gasto e amarelado jazia a gravura de
se chama. – disse de esguelha. uma enorme estátua com o corpo de homem e cabeça de touro, tinha
sobre a cabeça algo semelhante a uma coroa e os braços estavam
- Geralmente Moloch é representado como uma figura humana – esticados como prontos para receber uma oferenda. Havia fogo
continuou anastácio – Com cabeça de carneiro ou bezerro, sentado saindo sob seus pés e diante de várias pessoas prostadas em sinal de
em um trono e com uma coroa ou outro distintivo de realeza, como adoração, um sacerdote segurava um bebê nas mãos pronto pra
um báculo. entrega-lo em sacrifício ao deus.

O velho falava rapidamente quase sem respirar, levantou-se e


foi até uma pilha de livros velhos e empoeirados numa bancada
recostada à parede da sala.

- Os sacrifícios preferidos por Moloch eram os bebês. – disse


Anastácio revirando os livros – Nos templos em que rendiam culto a
Moloch se encontrava uma enorme estátua de bronze do deus. A dita
estátua estava oca, e a figura de Moloch tinha a boca aberta e os
braços estendidos, com as mãos juntas e as palmas para acima,
disposto a receber o holocausto. Dentro da estátua acendia-se um - Antes que a estátua
fogo que se alimentava continuamente durante o holocausto. Os fosse enchida com a
braços eram articulados, de maneira que os meninos que serviam de sua “oferenda” – disse
sacrifício se depositavam nas mãos da estátua, que por meio de umas Anastácio apontando
correntes se levantavam até a sua boca, introduzindo à vítima dentro para figuras que pareciam músicos, aos pés da estátua. – Os
do ventre incandescente do deus. sacerdotes ordenavam que se inundassem a zona com um forte ruído
de flautas e tambores, de modo que os gritos e lamentos dos
O velho remechia na pilha de livros parando de vez em pequeninos não atingiam os ouvidos da multidão.
quando para folhear um ou outro, de repente soltou uma exclamação
de alegria e voltou com um grande livro de capa marron, ja muito Anastácio deu um suspiro consternado, sentando-se
gasta e páginas parcialmente rasgadas, colocou-o em cima da mesa e novamente.
abriu em determinada parte.
- Aos familiares ainda, eram proibido chorar. – a voz do velho soava - E não somente os judeus que falam de deuses pagãos como Moloch
embargada, arrastada – Certa vez – continuou Anastácio – Quando ou Baal, - continuou Anastácio com voz calma - Aos quais se
Agathocles derrotou a Cartago , os nobres cartagineses acharam que ofereciam ritos e sacrifícios humanos, preferencialmente de crianças,
meu jovem. Qualquer livro de história e qualquer historiador, conta
tinham desagradado a Moloch, de modo que substituíram aos
isso. Você diz que os judeus não compreendiam nem conheciam as
meninos recém nascidos do povo por seus próprios filhos, para o crenças de outros povos com os quais conviviam. Quer dizer que os
sacrifício. Tentaram compensar ao deus realizando o holocausto com judeus, que estavam ali ao lado deles, na mesma época, não
200 meninos de melhores famílias ininterruptamente, chegando a conheciam suas crenças, meu rapaz... Não seja cego e ignorante!
sacrificar 300 ao todo. A gigantesca estátua de bronze estava de um Acorde enquanto é tempo.
vermelho incandescente devido a intensidade do fogo, e as tropas
que sitiavam a cidade assistiam ao espectáculo desde as muralhas Este último comentário irritou Eliaquim. Quem era aquele
velho idiota pra falar assim com ele?
exteriores que já tinham conquistado.
- Eu é que me espanto com sua falta de conhecimento, Sr. “Sabe-
Eliaquim levantou-se de súbito, definitivamente não tudo” – debochou Eliaquim – O Sr. Por acaso acessa algum site de
acreditava em nada daquilo. Pra ele aquele velho era um baita de um arqueologia? Não, acho que nem deve saber o que é isso, mas eu
charlatão mentiroso ou um maluco que havia pirado de tanto viver acho bom acessar, pois muitos museus do mundo contêm diversos
lendo aqueles livros empoirados. registros de povos que deram a pessoas comuns status de deuses, e
esses “deuses” notadamente acabaram usando desse subterfúgio para
- Curioso... – disse Eliaquim virando-se para Anastácio – Me intriga enganar e tirar proveito dos menos esclarecidos. E se o Sr. confia nos
uma coisa nisso tudo. Porque até hoje ninguém encontrou uma relatos dessas pessoas que viveram em tal tempo, então isto o torna
tão inculto e ignorante quando eles.
estátua ou templo desse deus? O Sr está se baseando nos relatos
tendenciosos de alguns Judeus sobre as crenças de outros povos... O velho levantou-se encarando Eliaquim de frente
Crenças, aliás, que eles não compreendiam nem conheciam.
- Aprenda a ler antes de responder bobagem, meu jovem! – disse
- Já passou pela sua cabeça, que depois de milhares de anos, estátuas Anastácio olhando bem no fundo dos seus olhos – Olha que
e templos podem ficar reduzidos a pó? – retrucou o velho, fechando ridículo... Em vez de confiar nos relatos das pessoas que viveram
o livro – Até hoje não encontraram casas de moradia do antigo Egito. naquele tempo, eu devo confiar é nos relatos do jovem “esclarecido”,
Somente pirâmides e túmulos. Será então que devemos concluir que que acessa sites de arqueologia! Ah, faça-me um favor! Então, o
conhecimento de um pobre ignorante navegador de internet, que
os antigos egípcios moravam todos nas pirâmides ou em cemitérios?
nasceu milhares de anos depois dos fatos, é mais acurado e profundo
do que o conhecimento de uma testemunha visual dos fatos? um dragão muito malvado e soprou fogo sobre elas, morrendo todas
Estou pasmo. Você é um gênio, meu rapaz! – ria o velho com calcinadas.
sarcasmo.
Dizendo isso Anastácio levantou-se e foi até a porta, abriu-a e
- Vamos parar com isso! – interveio Gabriel levantando-se entre os fez um sinal para os dois.
dois. – Vocês já estão passando dos limites!
- Saiam da minha casa! Não quero mais que voltem a me procurar.
- Só mais uma coisinha para o garoto da internet – disse o velho sem
olhar para Gabriel. – A tradição literária bíblica, grega e latina
atribui aos fenícios e cartagineses a prática brutal de sacrifícios
infantis ao deus Moloch, tradição essa incorporada e ilustrada por 12
Gustav Flaubert em seu romance Salambô, de 1863. A descoberta de
um local em Cartago em 1921, denominado ‘precinto de Tanit’, hoje Mesmo sob protestos da parte de Gabriel, os dois foram
tophet, onde foram encontradas milhares de urnas contendo ossos embora, de nada adiantou insistir, Anastácio estava irredutível.
calcinados de crianças, assombrou a comunidade científica diante da Seguiram pela rua do giz, desceram as escadarias e pararam na Praça
possível veracidade da prática. – o velho fez um gesto como se Nauro Machado.
estivesse digitando em um teclado. – Mas as análises sistemáticas
dessas evidências arqueológicas levantam atualmente novas questões - Aquele velho é um idiota! – esbravejava Eliaquim. – Quem ele
e propõem novas interpretações. pensa que é?

Anastácio voltou a sentar-se. - Ele só estava tentando ajudar... você acabou sendo muito
agressivo...
- Que interessante, não? – continuou – Também não sabia disso? Em
1921 os cientistas encontraram na pátria do deus Moloch milhares de - Eu fui agressivo? E você acreditou naquele papo de Nefilins que
urnas contendo ossos calcinados de crianças. Mas alguns ele jogou pra cima da gente? Ah! Sabe se uma? Cansei! Vou pra
arqueólogos que pesquisaram o local, num arroubo de fanatismo casa. Ah, e quando quebrar o pescoço de novo, aparece por lá, viu? –
teórico-purista, diz que isso não prova o que já dizia a antiga andou alguns passos depois voltou estendendo a mão – Dá pra me
literatura grega e latina, mas sim que levantam novas questões e dar o dinheiro pra passagem? To sem um vintém.
propõem novas interpretações. – e batendo com as mãos na mesa –
Isso quer dizer, que vale qualquer interpretação, menos a tradicional Gabriel lhe deu o dinheiro e Eliaquim saiu em direção ao
e óbvia. Pois então eu vou propor uma: Essas milhares de crianças Terminal rodoviário da Praia Grande, deixando Gabriel sentado na
estavam brincando de roda, bem felizes e despreocupadas. Aí, veio praça absorto em seus pensamentos.
Quinze minutos depois Anastácio escuta baterem em sua - Pois bem, meu jovem – falou depois de uma tragada – O que você
porta. Levanta-se da mesa onde estudava um antigo pergaminho e deseja saber?
vai até a porta, ao abri-la da de cara com Gabriel parado na entrada
da casa. Gabriel fez uma pequena pausa, depois retomou encarando-o
com as duas mãos apoiadas sobre a mesa.
- O que você faz aqui? – disparou Anastácio. – Não disse que não
queria mais que viesse me procurar? - Quem era aquela criatura que me agrediu, e o que ela queria
comigo?
- Nós anda não terminamos. – Gabriel lhe olhava nos olhos. – Eu
quero respostas, preciso delas. O velho tomou mais um gole de chá assoprando um pouco
para esfriá-lo.
- Vá perguntar para o seu amigo da internet...
- Essa criatura como você chama - continuou o velho – É um
- Peço desculpas por meu primo, Eliaquim é meio esquentado e não Nefilim. O último e o único que ainda resta vivo.
fez aquilo por mal. – fez uma pausa – Mas eu acredito em você. –
disse pondo a mão em seu braço. - Restava... – atalhou Gabriel – Ele morreu. A polícia o matou
ontem, levou dois tiros, soube disso enquanto estava no hospital.
O velho parou por um instante a olhá-lo. Depois abriu a porta Mas parece que sumiram com o corpo do necrotério ou coisa assim.
com um suspiro e acenou para que entrasse.
- Dois tiros não são suficientes para matá-lo, acredite. Não seriam
- Muito bem... Entre, vamos conversar. duas balinhas de revólver que iriam destruí-lo. O corpo que
aparentemente “sumiu”, só comprova o que eu estou dizendo.
Sentaram-se ambos no sofá. Um de frente para o outro, tendo
uma pequena mesa de centro entre eles. Anastácio levantou-se e foi - Mas como pode um Nefilim ter sobrevivido ao Dilúvio?
até a cozinha de onde voltou trazendo um bandeja com duas xícaras
de chá fumegantes, um pequeno bule de porcelana e um pires com - Simples, meu caro. – o velho dava mais um trago no cigarro. – Ele
alguns biscoitos. não sobreviveu.

Pôs a bandeja na mesa de centro, pegou uma xícara, deu um Gabriel franziu o cenho intrigado.
gole e acendeu um cigarro.
- Como assim não sobreviveu? Você não disse que ele é um Nefilim
e que está bem vivo?
- Sim. – respondeu o velho – mas não disse que ele tinha sobrevivido Anastácio sentou-se controlando os nervos. E procurou falar
ao Dilúvio. Todos os Nefilins daquela época morreram. num tom de voz mais calmo.

- Então de onde veio esse? – quis saber Gabriel. - Moloch era um demônio que foi adorado como um deus, e
demônios se mostram como querem e da maneira que querem. Antes
O velho recostou-se no sofá cruzando as mãos atrás da de se mostrar como tal aberração, ele mostrou-se como homem e
cabeça e o olhando friamente. também praticou todas as depravações imorais e desnaturais que os
primeiros rebeldes fizeram, mas os homens daquela época que
- Ele se chama Mahl-Kahl – disse o velho – e ele é... Filho de conheciam a história passada mataram a todos os seus filhos
Moloch. enquanto ainda eram bebês, por lançá-los no fogo para que
morressem. Por isso, ele exigiu que se fizesse o mesmo com os
Gabriel não conseguiu conter o riso. recém-nascidos humanos, quando atingiu sua deidade. Ordenando
que o oferecesse em sacrifício todo primogênito que lhes nascessem.
- Você está querendo me dizer que esse tal de Mahl-Kahl é filho
desse deus de cabeça de boi? Engraçado... Não reparei se ele tinha Gabriel estava boquiaberto com tudo aquilo.
chifres.
- Então esse Mahl-ahl... – Balbuciou debilmente.
Anastácio ficou em pé. Seus olhos faiscavam.
- Mahl-Kahl foi o único dos seus filhos que sobreviveu – continuou
- Você me pediu respostas e eu as estou lhe dando! Se vai continuar o velho – Sua mãe teve pena dele e o escondeu. Mais tarde, com a
a debochar do que eu lhe digo, então sugiro que saia e vá procurar o derrota da rebelião no plano celeste e a expulsão do opositor para a
seu coleguinha da internet e vão achar suas respostas em alguma lan- terra, o demônio conhecido como Moloch foi preso e condenado ao
house bem longe daqui! Limbo, acabando assim com sua existência neste plano.

Gabriel estacou olhando para Anastácio de dedo em riste O velho fez uma pausa, depois continuou.
apontando para a porta da rua.
- Mas antes de deixar o seu domínio, ele gravara em uma rocha uma
- Ta bom... Desculpa. – Gabriel baixou os olhos. – Não tive a seqüência de ritos e encantamentos que poderiam quebrar os portões
intenção de debochar de você. Apenas acho essa história um pouco do limbo e libertar não só ele, como todos os que estão presos lá.
estapafúrdia demais. Mas tais ritos só podem ser feitos por alguém que seja um elo entre
os dois planos, filho das duas esferas, descendentes de anjos e
humanos.
- Mahl-Kahl! – gaguejou Gabriel. - Simples, meu rapaz. – Anastácio se pôs de pé e abriu um sorriso
que deixou Gabriel com um frio na barriga.
- Exatamente! – assentiu Anastácio. – Acontece que estes ritos foram
mais tarde transcritos por sacerdotes de Moloch para alguns Ficou olhando fixamente para Gabriel enquanto seu rosto foi
pergaminhos, e mantidos em segredos por gerações. Séculos mais aos poucos se desfigurando, sua pele ficando cada vez mais escura.
tarde com a expansão do Império Romano e a conseqüente Gabriel sentia o coração pular no peito, seus cabelos pareciam estar
devastação das religiões pagãs, Moloch com seus cultos e sacrifícios em pé. Diante dele Anastácio passava a se transformar, sua pele
caíram no esquecimento. Seus templos foram destruídos e suas secara e os cabelos ressequidos caíam, os olhos murcharam e já não
estátuas derretidas ou fundidas. Nada sobrou dos seus tempos de passavam de duas cavidades vazias com dois pontos de uma luz
glória. vermelha a iluminar as órbitas. Anastácio tinha agora a aparência de
um cadáver em adiantado estado de putrefação. Gabriel começou a
Anastácio acendeu mais um cigarro e deu alguns tragos antes gritar. Aquela coisa repugnante o segurou pelo braço e falou num
de voltar a falar. tom gutural.

- Mas alguns de seus sacerdotes conseguiram fugir e sobreviveram a - Queria uma prova de que eu não estava mentindo? – e soltando
essa onda de destruição, levando consigo os pergaminhos contendo a uma gargalhada macabra – Muito simples meu rapaz!
transcrição do que havia na rocha. Com o passar do tempo, eles
foram reescritos em rolos, códices e por último em forma de livro. Ele puxou-o para mais perto e Gabriel pôde sentir o cheiro de
carne podre que ele exalava.
- “Os Filhos de Moloch”. – Pensou Gabriel.
- Sabe por que eu não estou mentindo, seu metidinho de merda?
- O que estava com você – continuou o velho – É o último que resta Hein! Sabe por que eu estou falando a verdade seu bosta!? – ele
e é por isso que ele está atrás de você. Ele quer o livro, e vai usá-lo apertava o braço de Gabriel cada vez com mais força. – Eu vou te
para libertar seu pai e todos os que estão presos no limbo. dizer por quê! Simples meu rapaz... Porque eu estava lá!

Gabriel chegou mais perto do velho e perguntou olhando-o Gabriel gritava e lutava feito um louco para se desvencilhar
com desconfiança. das mãos daquela coisa. Num ímpeto de terror e desespero arrancou
o braço do que sobrara do corpo de Anastácio e saiu correndo para a
- Como posso saber que fala a verdade? O que me garante que você porta da rua levando consigo o pedaço do braço do cadáver atado ao
não está mentindo? Que não inventou essa história toda só pra me seu.
impressionar?
Abriu a porta de supetão e saiu na rua gritando, tropeçou em - Você pode correr, grandão. Mas eu vou te achar! E quando isso
alguma coisa e caiu batendo a cabeça no chão duro de acontecer, Deus me perdoe, mas eu vou fazer com que você fique
paralelepípedos, onde em estado de choque, desmaiou. morto... De verdade!

Apagou o cigarro, jogou a ponta fora, fechou a janela foi para


a cama.
13

Chovia torrencialmente na ilha de São Luis. Eram três horas


da tarde, mas parecia que já era noite, raios e trovões ribombavam 14
pelo céu nublado da grande ilha. Da janela do apartamento 103, no
quinto andar do Residencial Manacás, no quarto conjunto da Cohab, Imagens confusas e desconexas giravam na sua cabeça num
o sargento Fonseca olhava a paisagem cinza do lado de fora, emaranhado de pensamentos como se estivesse acordando de um
fumando um cigarro e escutando “Summer Times” de Janis Joplin no pesadelo, sua cabeça latejava, lentamente, foi voltando à consciência.
seu I-Pod.
Figuras turvas começavam a se formar, seus olhos aos poucos
Sua cabeça martelava os acontecimentos do dia anterior. As ajustando o foco, então elas foram ganhando contornos, cores,
vezes pensava se tudo não havia passado de um terrível pesadelo, e texturas, até que o quadro se mostrou completo diante dele: Estava
que nada daquilo foi real. Mas as botas sujas de lama em frente a novamente em um quarto de hospital
porta do banheiro não deixava dúvidas.
Gabriel demorou um pouco para compreender o que estava se
- Que diabos era aquilo? – passava as mãos na cabeça nervosamente. passando. Mas aos poucos foi lembrando tudo que acontecera
anteriormente. “Que coisa mais entranha” pensava enquanto
- Eu atirei nele na Fonte das pedras, duas vezes... Como esse observava o quarto em estava. Nunca gostou de hospitais, só ia a um
desgraçado conseguiu enganar todo mundo e fugir do hospital? – quando era extremamente necessário, mas agora em dois dias já era a
bateu com os punhos na janela – E agora aquilo no aterro. Uma
segunda vez que acordava em um.
tentativa e dois homicídios brutais, o que será que esse louco quer?
A chuva caía torrencialmente, um céu de chumbo pairava
Deu uma longa tragada no cigarro e ficou olhando a fumaça
sobre a cidade, clareando aqui e ali pelos raios da tempestade que
se dissipar ao sabor do vento.
desabava. Um caminhão desce a Avenida dos portugueses passando
pelo bairro do Anjo da Guarda em direção ao terminal de Ferry Boat
na Ponta da Espera, a grossa chuva que cai dificulta a visão do que não passam de montes de tijolos e pedras com mato crescendo
motorista. O trânsito corre sem tráfego por causa da chuva e o por dentro e por fora como se a natureza a estivesse engolindo aos
motorista do caminhão fecha ainda mais as janelas e liga o rádio, poucos.
subindo o zíper do casaco tentando se proteger do frio daquela tarde.

Na carroceria, coberta por uma lona, traz uma carga de


materiais elétricos que teriam como destino a Baixada Maranhense.
A viagem estava marcada para as 17:00hs e o motorista não queria
perder o horário. Sob a chuva forte que cai sobre a cidade, dirigir
qualquer veículo se torna bastante perigoso.

Então, algo se mexe por baixo da lona que recobre a carga,


súbito ela se levanta, e uma figura escura e gigantesca aparece por
sobre a carroceria. Com a intensidade da chuva, tudo o que consegue
se perceber é um enorme vulto sobre a carroceria do caminhão,
enquanto raios e trovões espocam no céu acima dele.

Contudo, ao passar próximo à entrada do Parque Botânico da


Companhia Vale do Rio Doce instalada naquele local, o vulto salta
da carroceria em direção ao acostamento, rolando pelo barranco ao
pé da pista próximo ao parque. Aproveitando-se do pouco
movimento na rodovia, ele segue em direção ao muro que divisa a
área externa do parque e salta para dentro com uma agilidade
facilidade impressionante. Dentro do parque, existe uma imensidão
de área verde que se estende até onde a vista alcança, um local de
preservação ambiental onde se encontra uma grande variedade de
fauna e flora características da região.

Ainda se encontra nas dependências do parque ainda se


encontra uma antiga ruína de algumas casas há muito abandonadas e

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