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Sônia Lorenz
Antropóloga
Coordenação dos estudos
Comtexto Treinamento e Consultoria Ltda
Engenheiro Agrônomo
Geógrafo
EMPRESA RESPONSÁVEL
CNPJ 33.592.510/0378-21
(98) 3194-3897
Telefone
CNPJ 74.957.715/0001-01
CEP – Município –
13.400-330 / Piracicaba – SP
U.F.
Telefone – Fax (61) 3041-5566
E-mail cassiocamarada@uol.com.br
RESPONSABILIDADE NO
TÉCNICO FORMAÇÃO
ESTUDO
Apresentação..................................................................................... 1
1.1 Objetivos e abrangência do estudo ............................................ 1
1.2 Método adotado ...................................................................... 3
1.3 Histórico do processo de licenciamento ambiental da expansão da
EFC .............................................................................................6
1.4 Estrutura do relatório ............................................................... 8
1 OS GUAJAJARA ........................................................................... 39
1.1 Localização e população ......................................................... 39
1.2 Nome .................................................................................. 42
1.3 Língua ................................................................................. 42
1.4 Histórico do contato ............................................................... 43
1.5 Organização social e política ................................................... 45
1.6 Religião e ritos de passagem................................................... 46
2 OS AWÁ-GUAJÁ .......................................................................... 51
2.1 Localização e população ......................................................... 51
2.2 Nome .................................................................................. 53
2.3 Língua ................................................................................. 53
2.4 Histórico do contato ............................................................... 53
2.5 Organização social ................................................................. 61
2.6 Cosmologia e o ritual da takája ............................................... 63
2.7 Território, territorialidade e “terra indígena” .............................. 64
2.8 Índios isolados ...................................................................... 65
Anexo 1 - Carta Imagem das Terras Indígenas: Alto Turiaçu, Awá e Caru-
MA.
Anexo 2 - Documento da ação civil pública de suspensão do processo de
licenciamento da duplicação da EFC. Ministério da Justiça.
Anexo 3 - Deferimento da suspensão do processo de licenciamento da
duplicação da EFC. Ministério da Justiça.
Anexo 4 – Cronograma Físico das Atividades de Pátio e Duplicação da EFC-
locações 13-14-15-16-18-19-20.
Anexo 5 - Geneologia da Família Viana
Anexo 6 – Lista de espécies vegetais citadas na TI Rio Pindaré
Anexo 7 - Lista de espécies da fauna da TI Rio Pindaré
Anexo 8 – Carta da Vale para o presidente de Funai
Anexo 9 – Ata da Reunião sobre a duplicação da EFC na aldeia Janúaria
Anexo 10 – Lista de espécies vegetais citadas na TI Caru
Anexo 11 - Lista de espécies da fauna da TI Caru
Anexo 12 – Documento com as reivindicações da Aldeia Maçaranduba
entregue a empresa Vale.
Listas de Mapas
1
Os Guajajara têm aproximadamente 390 anos de contato, e vivem
atualmente em várias Terras Indígenas situadas no Maranhão, nas regiões
das bacias dos rios Pindaré, Grajaú e Mearim. Segundo fontes secundárias,
sua ocupação mais antiga situa-se no médio e alto rio Pindaré.
Originalmente, este território era coberto por florestas altas da Amazônia e
matas de cerradão mais baixas, características da transição entre a floresta
amazônica e o cerrado.
2
1.2 Método adotado
3
deste tipo de empreendimento, portanto, compreendeu-se que era
importante estabelecer um marco regulatório para o Estudo: inicialmente
levantar a memória do período da implantação da ferrovia para então
levantar o relacionamento com a EFC e abordar o projeto de duplicação.
Cacique Pedro Viana, da aldeia Piçarra Preta/TI Rio Pindaré, indicando para equipe
a área de invasão no lago Bolívia, nov. 2011 (Foto: Sônia Lorenz).
4
diagnósticos das duas Terras Indígenas. Nestas ocasiões, a equipe do
Componente Indígena comprometeu-se com os indígenas a retornar às
aldeias para fazer uma apresentação do diagnóstico e das matrizes de
impacto, com a participação do empreendedor e da Funai para consolidar
coletivamente os resultados do Estudo e delinear os programas futuros,
capazes de mitigar e compensar os impactos da duplicação da ferrovia,
detalhados posteriormente, na etapa de elaboração do Programa Básico
Ambiental (PBA).
5
Resumindo, a base da orientação metodológica deste Estudo foi garantir a
participação efetiva das comunidades Awá-Guajá e Guajajara em seus
resultados, tentando afiançar que, na formulação do PBA, os Awá-Guajá e
Guajajara reconheçam o processo de trabalho trilhado anteriormente.
6
Em 28 de junho de 2011, é realizada reunião na aldeia
Maçaranduba, na Terra Indígena Caru, para apresentação do projeto
de expansão da EFC e etapas de licenciamento ambiental (Projeto
CLN – Capacitação Logística Norte), quando foi pedida anuência da
comunidade para realização da pesquisa de campo do Componente
Indígena, registrada em ata.
7
Em 27 de julho de 2012, a Justiça Federal do Maranhão suspende o
licenciamento da expansão da EFC (Ação Civil Pública 0026295-
47.2012.4.01.3700), entre outros motivos, pelo fato de a duplicação
da ferrovia poder causar “(...) graves danos a espaços especialmente
protegidos e ao modo tradicional de vida do povo indígena Awá-
Guajá (municípios de Zé Doca e São João do Caru) (...)” (Anexo 2 -
Documento da ação civil pública de suspensão do processo de
licenciamento da duplicação da EFC. Ministério da Justiça).
8
Tomo I – Caracterização do empreendimento, contendo sua localização, os
objetivos, as características do projeto da duplicação da EFC, sua área de
influência, o histórico da EFC no Oeste Maranhense, a EFC e as Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru e o atual status do Acordo de Cooperação
entre Vale e Funai.
9
10
TOMO I – Caracterização do Empreendimento
11
12
1 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
A EFC faz parte do Sistema Norte da empresa Vale S.A. Destaca-se como
uma das principais ferrovias brasileiras, interligando a província mineral de
Carajás, no Pará, ao porto de Ponta da Madeira, em São Luís, Maranhão.
13
Três são terminais ferroviários, sendo o primeiro em Ponta da
Madeira-MA (TFPM), o segundo em Paraupebas, e o terceiro em
Carajás-PA (TFCJ).
Além da linha tronco, a EFC conta ainda com os ramais listados que
compreendem uma extensão total de 240,05 km.
Para atingir essa meta, a expansão da EFC deverá promover a melhoria das
condições operacionais de transporte, proporcionando maior flexibilidade na
definição de novas logísticas operacionais e de manutenção.
14
Viabilizar a utilização de equipamentos sobre trilhos para dar suporte
à execução das manutenções e ou resgate em caso de ocorrência
ferroviária.
15
implantação ou ampliação e reformas de 71 instalações fixas (S11D:
68 instalações e CLN: 3 instalações);
16
etapa de execução da obra nas regiões das TIs Rio Pindaré e Caru, mesmo
porque estes trechos encontram-se em processo de licenciamento.
Segundo informações da Vale de dezembro de 2012, vários itens do projeto
de engenharia encontram-se em levantamento e análise, e a empresa
deverá informar à Funai e os indígenas sobre eventuais alterações no
projeto de duplicação da ferrovia, desde que sejam relevantes.
Canteiros de Obra
17
uma concentração maior de obras civis, de mão de obra e de demanda por
equipamentos, materiais e insumos. Serão instalados 125 canteiros
avançados dentro da faixa de domínio, divididos em canteiros de frente de
serviço e canteiros de obra de arte especiais.
18
compreende a faixa de 40 km de largura para cada lado da ferrovia a partir
de seu eixo.
A AII para os meios físico e biótico contempla uma faixa de 1.500 metros a
partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros de largura a partir do limite
da AID. Trata-se de um limite a partir do qual, para os meios em apreço,
nenhuma interferência ambiental sensível é observada.
19
Para tanto, partiu-se de uma análise em que foi considerada a inserção do
empreendimento na cadeia produtiva da mineração e a direção dos efeitos
desse processo, que resultou em mudanças na organização espacial da
região, incidindo sobre os povos Awá-Guajá e Guajajara que vivem nas
Terras Indígenas citadas.
1
Entre 1973 e 1987, o governo do Maranhão promoveu projetos de colonização dirigida na região Pré-
Amazônica maranhense (OCMAL, 2010).
2
Seguindo a avaliação elaborada por Coelho: “ampliava-se a disputa de diversos atores sociais pelo
acesso a parcelas desses recursos, notadamente a terra; a situação fundiária já era grave na porção do
oeste do Maranhão e sudeste do Pará”.
3
Também ocorreram na região do Oeste maranhense a implantação de importantes rodovias, como a
BR 364 e a BR 222.
20
estabeleceram desenvolveram atividades produtivas, não necessariamente
ligadas a EFC (Oliveira, 2004).
4
Cabe distinguir os significados de Programa Grande Carajás – PGC e Projeto Ferro Carajás – PFC. O
Programa Grande Carajás – PGC, estabelecido nos anos 1980, é um programa cuja abrangência
estende-se por 900.000 km², área cortada pelos rios Xingu, Araguaia e Tocantins, englobando terras do
sudeste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste do Maranhão. Trata-se de um programa de investimento
voltado ao desenvolvimento econômico regional, através de atividades agropecuárias e florestais, de
mineração e indústria, infraestrutura e serviços, ao longo do chamado Corredor Carajás.
O Projeto Ferro Carajás – PFC, também definido nos anos 1980 como parte integrante do PGC, é de
responsabilidade da Vale e constitui-se num projeto de exploração mineral das jazidas situadas na Serra
de Carajás, no sudeste do Pará, destinado à exportação, formado por três componentes: Mina de Ferro
de Carajás, Estrada de Ferro Carajás e Porto de Ponta Madeira (São Luiz – MA), conhecidos em seu
conjunto como o “Sistema Norte” da Vale. In Almeida, A. W. B., A Guerra dos Mapas, 1994.
5
Dados dos Censos Demográficos do IBGE de 1970 e 1991.
6
Antônio Venâncio, funcionário da Vale que trabalha no relacionamento com as comunidades indígenas,
em reunião com a equipe deste estudo, em 17/10/2011, relatou: “Tudo começou no tempo do Delfim
Neto e Eliezer Batista, por exigência do Banco Mundial. A Sociedade Brasileira deIndigenistas, com uma
carta do Porfírio Carvalho, informou o Banco que a ferrovia ia impactar várias Terras Indígenas. Era
necessário demarcar os territórios”.
7
Ainda segundo Oliveira, a pressão internacional foi decisiva para a firmação do convênio, já que
denúncias relatavam o não reconhecimento do governo brasileiro e da CVRD da vulnerabilidade dos
povos indígenas diante da implantação da EFC. Dessa forma, diante das exigências das agências
financiadoras para dar continuidade ao PGC, foi firmado, em janeiro de 1982, o convênio CVRD-Funai
nº. 59.
21
com repercussão nas suas relações junto à sociedade regional (Oliveira et
allii, 2004).
8
A TI Alto Turiaçú, onde vivem os Awá-Guajá e os Kaapor, foi homologada em 29/12/1982; a TI Caru,
onde vivem os Awá-Guajá e Guajajara, foi homologada em 22/11/1982; a TI Awá foi homologada em
20/04/2005, porém o processo de desintrusão ainda não foi concluído.
9
Segundo Silva (1996), a CVRD, na distribuição e localização de novos projetos, tem contribuído
indiretamente com retalhamento territorial, ocasionando o movimento de criação de novos municípios.
22
desses povoados estão situados bem próximos aos limites das TIs Rio
Pindaré (Pimentel, Brejo, Tufilândia) e Caru (Altamira, Roça Grande, Boa
Vista, Auzilândia e Mineirinho).
23
Bom Jardim
O município de Bom Jardim foi criado pela lei no. 2.735 de 30 de dezembro
de 1966. Está localizado na microrregião Pindaré, sendo a sede municipal
acessada pela BR 316, que corta seu território interligando à sede do
município à Santa Inês e ao estado do Pará.
Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Bom
Jardim é de 39.093 habitantes, distribuídos em uma área territorial de
6.590,5 km², o que configura uma densidade demográfica de 5,9 hab/km².
A taxa de urbanização é de apenas 42% e o crescimento populacional foi de
1% a.a. entre 2000 e 2010.
Territorialmente, Bom Jardim é de importância notória para o presente
estudo, já que é nele que estão localizadas a TI Caru e a TI Rio Pindaré,
além de parte da TI Awá-Guajá, da Reserva Biológica do Gurupi e da Área
de Proteção Baixada Maranhense.
A TI Caru, com uma área de 172.667 hectares, e a Rio Pindaré, com 15.003
hectares, ocupam 27% da área territorial de Bom Jardim (677.120
hectares).
Santa Inês
24
Tufilândia
Criado pela lei nº. 6.180 de 10 de novembro de 1994, Tufilândia foi
emancipada do município de Pindaré Mirim, localizada às margens do rio
Pindaré.
O município de Tufilândia é acessado pela rodovia MA-319, acessível pela
BR-222, que liga o sul maranhense à capital. A Estrada de Ferro Carajás
atravessa o município por 14,2 quilômetros, em local afastado do centro
urbano.
Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Tufilândia
é de 5.336 habitantes, distribuídos em uma área territorial de 276,924 km²,
o que configura a alta densidade demográfica de 20,21 hab/km². A taxa de
urbanização é de 52% e o crescimento populacional foi de 1,2% a.a. entre
2000 e 2010.
Em relação às comunidades indígenas, a sede municipal de Tufilândia está
localizada às margens do rio Pindaré, limítrofe da TI Rio Pindaré.
25
Assim, cabe relacionar os principais projetos de desenvolvimento e
infraestrutura econômica que estão previstos para um cenário futuro de
curto e médio prazo e que, de alguma forma, poderão exercer influência na
região do sudoeste maranhense, se interelacionando no processo de
trasformações socioeconômicas da região onde estão localizadas as Terras
Indígenas Caru e Rio Pindaré, objeto do presente estudo.
26
Ferrovia Norte Sul
Recuperação da BR 230
Recuperação da BR 222
27
Segundo o site do Portal Transporta Brasil (www.transportabrasil.gov), a
obra na BR 222 faz parte de um investimento de R$ 615 milhões, em que o
Dnit está executando obras de restauração nas rodovias BR 222 e BR 230,
no estado Maranhão.
10
Os principais documentos utilizados para edição deste capítulo são os seguintes: CEDI (Centro
Ecumênico de Documentação e Informação), 1986, Povos Indígenas no Brasil – 85/86 (Aconteceu
Especial, 17). GOMES, Mércio Pereira, 1985. Programa Awá, Rio de Janeiro (mimeografado).
OLIVEIRA, Adalberto Luiz Rizzo de. Projeto Carajás, práticas indigenistas e os povos indígenas no
Maranhão. Revista Anthropológicas, n. 8, vol. 15(2): 135-170, 2004.
28
das TIs Rio Pindaré e Caru, e dos Awá-Guajá da TI Caru, foi detalhado nos
diagnósticos das duas Terras Indígenas (Tomos III e IV).
Com base nos dados contidos neste histórico, observa-se que, desde o
primeiro Convênio CVRD-Funai, os recursos nem sempre seguiram um
planejamento voltado para mitigar e compensar os impactos da implantação
do Projeto Ferro Carajás (PFC), que, de fato, considerassem a oportunidade
de desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas, objetivo que
subjaz desde a formulação do primeiro Convênio.
11
“Convênio CVRD-FUNAI” nº. 59/82 (janeiro/1982).
29
Nesta época, as Terras Indígenas Caru e Rio Pindaré estavam em processo
final de demarcação territorial, sendo homologadas no final daquele ano.
Simultaneamente, a Frente de Atração da Funai, que funcionava com
recursos da CVRD, havia contatado grupos Awá-Guajá que foram trazidos
para o Posto Indígena Awá, na Terra Indígena Caru (Tomo II - Os Awá-
Guajá, item 2.4. Histórico do contato).
12
É exemplo desta fase o conjunto de casas de alvenaria construídas na aldeia Januária, na TI Rio
Pindaré.
30
A implantação da EFC no Maranhão cortou uma região até então isolada,
onde se situava a Reserva Biológica do Gurupi, área de ocupação tradicional
dos Guajajara, segundo fontes históricas e memória oral dos mais velhos
das aldeias da TI Rio Pindaré e da aldeia Maçaranduba na TI Caru (Mapa 2
– Ocupação Territorial dos Guajajara), e de ocupação dos Awá-Guajá,
que, apesar de se organizarem de forma seminômade, possuíam áreas de
domínio nos tributários do rio Pindaré. Neste trecho, a ferrovia foi
construída paralelamente ao rio Pindaré, facilitando a invasão da Reserva
Biológica do Gurupi e da TI Caru por posseiros e grileiros (Oliveira, 2004).
13
Os índios Awá-Guajá em 2002, relatório apresentado à Fundação Nacional do Índio,
Companhia Vale do Rio Doce e Secretaria da Amazônia do Ministério de Meio Ambiente, para a
constituição de um novo Programa de Proteção, Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá,
elaborado por Mércio Gomes e José Carlos Meirelles, em 2002.
31
“Acontece, no entanto, que as circunstâncias históricas vieram
desfazer muito desse tratamento cultural que conceitua o território
Guajá. Diversos grupos foram perdendo as condições de
sobrevivência em meio à invasão de posseiros e fazendeiros. Com
isso fugiram para outros hakwa ou regiões dantes não conhecidas.
Grupos inteiros foram extintos na bacia do rio Turiaçu, no igarapé
Zutiua e certamente nas margens do rio Gurupi. Outros sobrevivem
em condições de petição de miséria, como foi o dramático caso do
grupo de Takãrahetxiá. Porém, pode-se observar como os diversos
grupos Guajá que vivem na T. I. Caru reconstituíram os seus hakwa
pela absorção dos grupos que já viviam lá. Toda a pequena bacia do
igarapé Presídio agora é o hakwa deles, em contraste com as terras
banhadas pelos igarapés Juriti ou Bandeira, que pertencem a grupos
que não se incorporaram. Esses diferentes grupos Guajá vivendo
naquela terra indígena têm o seu hakwa respeitado pelos demais.
Aliás, esse é um motivo pelo qual é possível conviverem numa
mesma terra indígena grupos que estão em contato com postos
indígenas e grupos que permanecem autônomos, sem que se cruzem
uns com os outros. Isso se dá, naturalmente, porque o conceito e os
limites de uma terra indígena não fazem sentido para os grupos
Guajá autônomos.”
32
indígena na chefia da então 6ª. Delegacia Regional da Funai em São
Luís. Assim, em maio de 1984, depois de uma ocupação de 16 dias
da sede regional do órgão indigenista, cerca de 200 líderes indígenas
escolheram e deram posse ao novo delegado regional da Funai no
Maranhão” (Oliveira, 2004).
O novo delegado era Pedro Marizê, filho de um cacique Guajajara, com forte
apoio das áreas indígenas Bacurizinho e Araribóia (O Globo, 30/05/84,
citado no CEDI, 1984), que foi exonerado dois meses depois pela
presidência da Funai, alegando que na curta administração haviam sido
feitas nomeações indevidas de Guajajara para cargos administrativos, além
da malversação dos recursos do Convênio CVRD-Funai.
33
com vigência até 2016, específico para os povos Awá-Guajá (TIs Caru, Awá
e Alto Turiaçu), Urubu Ka’apor (TI Alto Turiaçu) e Guajajara (TIs Rio Pindaré
e Caru). O novo Acordo manteve o mesmo formato: repasse de recursos
para a Funai, tendo como objetivo promover o desenvolvimento sustentável
destes povos indígenas, entretanto, deixando de investir na saúde e
educação destes povos, agora a cargo do poder público.
34
- Em 10/01/2012, aconteceu reunião entre Vale e Funai em Brasília,
ficando decidido que a Vale assumiria a gestão dos recursos do
Acordo de Cooperação a partir de 2012. Para tanto, a empresa e o
órgão indigenista definiriam as bases desta nova gestão em Termo
Aditivo ao Acordo de Cooperação.
35
36
TOMO II – Os Guajajara e Awá-Guajá
37
38
1 OS GUAJAJARA
14
Ver: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guajajara>.
15
Ver: <http://funai-itz.blogspot.com/2006/10/grupos-indgenas-do-maranho.html>.
39
Tabela 1.1 Terras Indígenas/População Guajajara e Tembé
Amarante do Maranhão;
Homologada Arame;
Awá-Guajá 5.317 (Funasa,
Araribóia Reg. SPU certidão 413.288 Bom Jesus das Selvas; MA Sim
Guajajara 2010)
s/n em 12/12/96 Buriticupu;
Santa Luzia
Homologada
3.663
Bacurizinho Guajajara Reg. SPU certidão 84.432 Grajaú MA Não
(Funai, 2006)
nº 165 em 29/02/84
Declarada de
posse indígena
Bacurizinho
Guajajara Portaria 1.234 51.608 Grajaú MA Não
(Área ampliada)
publicada em
01/07/2008
Homologada Barra do Corda;
4.510
Cana Brava Guajajara Reg. SPU certidão 137.329 Grajaú; MA Não
(Funasa, 2010)
s/n em 19/12/96 Jenipapo dos Vieiras
Homologada
Awá-Guajá 551 (Funasa, Bom Jardim;
Caru Reg. SPU certidão 172.667 MA Sim
Guajajara 2011) São João do Caru
nº 161 em 22/04/83
Homologada Reg.
969 Arame;
Geralda/Toco Preto Guajajara SPU certidão s/n 18.506 MA Não
(Funasa, 2010) Itaipava do Grajaú
em 12/12/96
Gavião Pykopjê Homologada
655
Governador Guajajara Reg. SPU certidão 41.644 Amarante do Maranhão MA Não
(Funai, 2003)
Tabajara nº 159 em 22/04/83
Homologada
470
Lagoa Comprida Guajajara Reg. SPU certidão 13.198 Jenipapo dos Vieiras MA Não
(Funai, 2003)
s/n em 19/12/96
110 Homologada Reg.
Morro Branco Guajajara (Funai-São Luís, SPU certidão nº 01 49 Grajaú MA Não
2000) em 29/02/84
40
População Situação Extensão
Terra Indígena Povo Município UF Presença de Isolados
(fonte, ano) Jurídica (ha)
Homologada
939 (Funasa,
Rio Pindaré Guajajara Reg. SPU certidão 15.002 Bom Jardim MA Não
2010)
nº 05 em 22/04/83
Homologada
126 Reg. CRI no
Rodeador Guajajara 2.319 Barra do Corda MA Não
(Funasa, 2010) município Barra do
Corda em 26/01/84
Homologada
416
Urucu-Juruá Guajajara Reg. SPU certidão 12.697 Grajaú MA Não
(Funai, 2003)
s/n em 19/12/96
Em identificação.
Portaria 633
Vila Real Guajajara Barra do Corda MA Não
publicada em
02/07/2003
Nova Esperança do Piriá;
Awá-Guajá Homologada Reg.
1.425 Paragominas;
Alto Rio Guamá Tembé SPU certidão nº 7 279.897 PA Sim
(Funasa, 2006) Santa Luzia do Pará
Ka’apor em 29/07/94
Identificada.
Aprovada pela
36 Funai, sujeita à
Marakaxi Tembé 720 Aurora do Pará PA Não
(GT Funai, 2007) contestação,
publicada em
27/01/2011
60 Homologada
Tembé
Tembé (Funai-Belém, Reg. SPU certidão 1.075 Tomé-Açu PA Não
Turiwara
1998) nº 03 em 15/06/94
Homologada
40 (Funai-Belém,
Turé-Mariquita Tembé Reg. SPU certidão 147 Tomé-Açu PA Não
1998)
nº 01 em 21/06/94
Reservada*
Turé-Mariquita II Tembé 587 Tomé-Açu PA Não
41
1.2 Nome
1.3 Língua
16
Tenetehara: ten = ser; ete = verdadeiro, real; hara = nós (ZANNONI, 1999).
17
Passaremos a nos referir ao Relatório Referente às Terras Indígenas Rio Pindaré, Caru, Alto Turiaçu e
Awá Gurupi, elaborado em 2000 por Elizabeth Maria Bezerra Coelho, Rogério Tavares Pinto, Kátia
Núbia Ferreira Correa, como o Relatório da Funai.
42
De fato, constatou-se em algumas aldeias da TI Rio Pindaré que o
português predomina devido ao grande número de casamentos interétnicos.
Os professores desta área indígena vêm trabalhando para reverter esta
situação, porque compreendem que o ensino da língua materna é essencial
para o fortalecimento da cultura e da identidade do povo Guajajara.
Constatou-se que na aldeia Guajajara da TI Caru o português já é a
primeira língua, e os mais velhos demonstram grande preocupação diante
da possibilidade da perda da língua materna.
18
Manteve-se o termo Tenetehara quando extraído de contexto bibliográfico.
43
As referências a conflitos entre índios e brasileiros na região do rio Pindaré
eram frequentes. Havia, especialmente, uma relação conflituosa com
paraenses que vieram para o Maranhão, fugindo da repressão da
Cabanagem, movimento insurrecional de caráter político e popular, que se
deu na província do Grão-Pará em 1835-1836. Por outro lado, já ocorriam
invasões nas terras indígenas para a retirada de madeira. Os conflitos
interétnicos impulsionavam a criação de repartições do Império para
administrar a relação com os povos indígenas.
19
As Diretorias Parciais eram repartições subordinadas à Diretoria Geral de Índios, criada pelo Decreto
426, de 24.07.1845.
20
Alguns dados demográficos ilustram o quanto eram populosas algumas diretorias: Boa Vista, 1.100
índios; Ilhinha, 660 índios (Coelho, 1990).
21
Incluindo o jesuíta Bettendorf (1910), Antônio Pereira do Lago (1822), Cesar Marques (1870), dentre
outros citados por Wagley e Galvão (1961, p. 26, 27).
44
pecuária e pelo extrativismo da madeira. Esta expansão deu-se no âmbito
dos programas do governo do Maranhão, destinados à colonização agrária
entre as décadas de 1960 e 1990, ocasionando conflitos interétnicos e
invasões de áreas de ocupação tradicional dos Guajajara. Outros conflitos
surgiram a partir dos anos 1970, com um novo processo de intesificação de
ocupação regional, decorrente do PGC e da atração de novos colonos na
região.
45
o casamento, o marido vai residir com a família da esposa, ou seja, a
residência é uxorilocal.
Segundo Wagley e Galvão (1961, p. 41) cada grupo familiar tinha um chefe,
que não podia ser mais poderoso que um indivíduo comum. A partir da
década de 1970, havia um capitão em cada aldeia, que geralmente era
apontado pela Funai para servir como mediador entre os moradores da
aldeia e aquele órgão. Mais recentemente, os capitães cederam espaço para
os chefes de posto Guajajara, que perderam seu poder institucional com a
reestruturação da Funai em 2010.
46
dos missionários para impor uma nova ideologia, eles se mantinham coesos
em sua religião, elaborando adaptações das histórias contadas pelos padres
jesuítas relacionando-as às suas próprias histórias. “Os Tenetehara
aceitaram e incorporaram às crenças originais aquelas ideias e elementos
cristãos que lhes pareceram mais coerentes ao seu ponto de vista. Sua
religião permaneceu fundamentalmente tenetehara” (Wagley e Galvão,
1961, p.105).
22
Informantes: Maria Luzia Santana Guajajara, mãe do cacique Djacyr da aldeia Tabocal/TI Rio Pindaré;
Maria de Jesus Viana Guajajara, esposa do cacique Luciano da Aldeia Nova/TI Rio Pindaré; Margarida
Guajajara, mãe do cacique Gerson da aldeia Novo Planeta/Tio Rio Pindaré; Pedro Nicolau Gomes
Guajajara da aldeia Januária/TI Rio Pindaré; Manoel Guajajara, ex-cacique da aldeia Maçaranduba/TI
Caru.
47
oferece um inambu moqueado, tanto para menino homem como
mulher.
Quando vem a primeira vez da moça, com dois ou três dias faz a
Brincadeira da Mandiocaba. É um mingau de mandiocaba, uma
mandioca doce. A mandiocaba é ralada, cozinha na água, põe batata,
abóbora, fica gomoso, faz esse mingau numa panelona. As meninas e
os meninos dançam, são os pais que oferecem o mingau. De manhã a
moça vai dividir para os convidados.
Na hora que ela se forma, pinta logo com jenipapo. A mãe que pinta.
Se não tiver mãe, a avó, a tia. No dia que a menina fica moça, rala
muito jenipapo para pintar a moça, senão ela fica doida. Depois de
pintada, colocamos na tocaia, dentro da casa, e ela fica só, ela não
pode comer as comidas remosas: porco, veado, paca, surubim. Só
peixe de escama e uma tapiocazinha. Primeiro, ela fica oito dias na
tocaia (um quarto fechado). Segundo, a gente vai buscar um pau de
quina, machuca e dá um copo para a moça. Terceiro, ela tem que
ficar só dentro de casa, é perigoso sair e pegar uma coisa ruim.
Quarto, a gente faz uma fumaça no pé da moça para ela sair e a
cobra não picar.
48
Aí são três dias de festa. Passa a noite todinha brincando e aí pinta a
moça. Antes de o moqueado chegar da mata, já está uma semana
cantando. Os cantadores cantam as cantigas do beija flor, do
capelão, do inambu23. Aí, quando chega o moqueado, canta a noite
toda. No outro dia que pinta a moça. Depois dos três dias de festa,
ela tem que repousar de novo e aí fica mais uma semana. Só pode
sair de casa quando sair toda a pintura. Quando ela sai, tem que
tomar um remédio uiraró (quina quina). Tira a casca põe de molho na
água morna. Bota de tarde, deixa a noite toda no sereno, e dá de
manhã de jejum para a moça.
Foto da Festa do Moqueada, aldeia Novo Planeta, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).
23
Pedro Nicolau Gomes Guajajara, morador da aldeia Januária, nos mostrou o filme da Festa da
Mandiocaba na aldeia Maçaranduba, TI Caru. Ele e Nelson Tembé, que são cantadores, são convidados
pelos parentes para irem cantar na outra aldeia. “Filme Tenetehara – Kriwiri”, 12/09/2009, iniciativa do
padre Carlos Ubiali/PDPI.
49
As sessões de pajelança entraram em declínio, mas os Guajajara ainda
recorrem aos pajés em caso de doença grave, quando usam defumadores e
cigarros. Em 1949, Darcy Ribeiro assistiu a uma cerimônia de pajés Tembé
(Ribeiro, 1996, p. 98):
50
2 OS AWÁ-GUAJÁ
51
Tabela 2.1.1 Terras Indígenas/População Awá-Guajá
População Presença de
Terra Indígena Povo Situação Jurídica Extensão (ha) Município UF
(fonte, ano) isolados
Araguanã; Centro do
Guilherme; Centro
Awá-Guajá, Homologada
1.352 Novo Maranhão;
Alto Turiaçu Tembé, Reg. SPU certidão nº 530.525 MA _
(Funasa, 2010) Maranhãnziho; Santa
Ka’apor 4 em 22/04/83
Luzia do Paruá; Zé
Doca
Amarante do
Maranhão;
Homologada Arame;
Awá-Guajá 5.317
Araribóia Reg. SPU certidão s/n 413.288 Bom Jesus das MA Sim
Guajajara (Funasa, 2010)
em 12/12/96 Selvas;
Buriticupu;
Santa Luzia
Centro Novo do
Homologada Reg. CRI Maranhão;
42 no município de Governador Newton
Awá Awá-Guajá 116.582 MA _
(Funasa, 2010) Governador Newton Bello; Nova Olinda do
Bello em andamento Maranhão; São João
do Caru; Zé Doca
52
2.2 Nome
2.3 Língua
53
A hipótese é que os Awá- Guajá habitaram o leste amazônico, na região de
ocupação Tupi-guarani nas matas do rio Xingu, subindo o rio Tocantins,
atravessando os rios Capim, Acará e Gurupi, e chegando até o rio Pindaré.
Gomes (1982) defende que uma das hipóteses mais prováveis é que os
Awá-Guajá teriam chegado ao noroeste do estado do Maranhão na “esteira”
dos Ka’apor, grupo inimigo que também migrou para a região do rio
Turiaçu(Mapa 9 - Mapa da Trajetória de Ocupação dos Awá-Guajá).
Nos últimos 150 anos, os Awá-Guajá sempre estiveram nos arredores dos
rios Pindaré, Turiaçu e Gurupi, nas “franjas” dos territórios dos Ka’apor ao
norte e dos Guajajara ao sul. Seu território de perambulação tinha como
limite oeste o rio Gurupi; as bacias dos rios Maracassumé, Parawá e baixo
Turiaçu ao norte, o alto curso dos rios Pindaré e Grajaú ao Sul, e a margem
esquerda do Rio Mearim em sua porção leste.
54
ano para trazer os produtos de suas roças e da coleta, a fim de trocá-
los no posto pelos artigos que necessitam. Geralmente, os Guajá se
esquivam nesses encontros, fugindo para mata mal percebem a
aproximação de alguém. Às vezes, dão fala, então pedem
ferramentas e farinha e recebem, quando os viajantes guajajaras
dispõem de alguma sobra”.
24
Para maiores informações sobre o assunto, consultar o Relatório Awá-Guajá 2002. Para a constituição
de um novo Programa de Proteção, Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá, do Estado do
Maranhão. Apresentado à Fundação Nacional do Índio, Companhia Vale do Rio Doce, Secretaria da
Amazônia do Ministério de Meio Ambiente. Elaborado por Mércio Pereira Gomes, antropólogo, e José
Carlos Meirelles, sertanista. Petrópolis, 30 de setembro de 2002.
55
trabalhou nos postos Awá e Tiracambu, e, atualmente, trabalha na aldeia
Guajá, como funcionário da Funai.
56
moram na aldeia Awá, na TI Caru. Outro sobrevivente deste contato é
Kamairu, irmão de Txipatiá, que liderou a mudança de um grupo do PIN
Awá para o PIN Tiracambu, em 1994.
57
CVRD e da Tratex, próximo ao rio Verde na altura do Km 400 da ferrovia,
soube-se que vários trabalhadores da ferrovia, bem como vários moradores
que viviam em lotes e fazendas que margeavam a ferrovia, viam os Awá-
Guajá ao longo da estrada (Gomes 1985b).
Nos anos seguintes, outros grupos que viviam na região banhada pelo
igarapé Presídio, afluente do rio Pindaré, no interior da TI Caru,
confraternizaram-se com os Awá-Guajá aldeados, passando a viver no PIN
Awá. O grupo de Txiami, com aproximadamente quinze pessoas, tinha
contato intermitente com os Awá-Guajá do PIN Awá, e, em 1987, passaram
a viver definitivamente neste posto. A família de Amapãranoim também
estabeleceu contato com os Awá-Guajá do PIN Awá, aí permanecendo com
seus filhos. Amapãranoim, mãe dos caciques Txiparentxa’á e Marakutxa’á,
vive atualmente na aldeia Tiracambu, na TI Caru.
58
Amapãranoim, com os filhos, os caciques Txiparentxa’á e Marakutxa’á, 2012 (Foto:
Sônia Lorenz).
59
Karapiru e Kamairu, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).
60
Em 1987, tinham 33 pessoas trabalhando na Frente de Atração Awá,
que durou até 1995. Os Postos de Vigilância funcionavam em
Altamira, Alzilândia, São João do Caru e na foz do igarapé Juriti, de
1983 até 1986. Em 1985, o Mércio Gomes criou o programa Awá e aí
deu problema com os Guajajara. Depois que acabaram os Postos de
Vigilância, sobraram os postos indígenas. A Frente de Atração acabou
em 1995, quando o Possuelo falou que não tinham mais índios
isolados na região.
25
O texto etnográfico sobre os Awá-Gajá não seria possível sem a colaboração do antropólogo Uirá
Felippe Garcia (doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo-USP), especialista neste povo,
que nos forneceu toda sua produção textual, e participou de reuniões com a equipe técnica deste
estudo, para elucidar inúmeras questões sobre os Awá-Guajá.
61
os Awá-Guajá não possuem cerâmica ou cestaria; seu artesanato tradicional
se resume a pequenos cocares e braceletes com penas de tucano utilizadas
em um ritual específico e redes de fibras de tucum; as casas até o contato
eram tapiris na floresta; e os arcos e flechas são os únicos artefatos
produzidos cotidianamente. Com exceção das belas redes de tucum, que
abrigavam às vezes uma família inteira (o casal e seus filhos pequenos) em
uma única peça, e uma estrutura com moquém, uma aldeia Awá-Guajá não
possuía pátio central, espaços diferenciados de acordo com sexo ou classe
de idades, e se constituía por pouquíssimas pessoas, às vezes por uma
única casa.
26
Entre o rastro e o som: a poética da predação Awá-Guajá, Projeto de Pós-Doutorado encaminhado à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Unicamp, São Paulo, junho de 2011.
27
Termo utilizado pelos Awá-Guajá para se referirem aos brancos.
62
Atualmente, as aldeias contíguas aos postos da Funai são usadas como base
para os Awá-Guajá, que prosseguem realizando expedições constantes de
caça, principalmente no verão. Este tema é o assunto principal tratado no
cotidiano: munição, locais de caça, rastros de animais etc.
A terra, wy' tal como nós a conhecemos – o local onde vivem os humanos –
é apenas uma pequena parte do universo social que, além de wy', ainda
conta com alguns patamares celestes, os diversos iwá (ou "céus"), onde
habitam os mortos, karawá, tapãnas, – nimás (duplos celestes), além de
kamarás e karaís celestes. A cosmografia Awá-Guajá28 também conta com
um mundo subterrâneo, também chamado iwá, onde vive outra
humanidade de quem os humanos da terra pouco sabem.
28
Este item é de inteira autoria de Uirá Felippe Garcia, autor da tese de doutorado na USP, 2010,
Karawara – a caça e o mundo dos Awá-Guajá, etnografia abrangente sobre este povo. Não se usou
aspas porque foram eliminados vários trechos do texto, deixando o essencial para compreensão do
leitor.
63
serem locais onde espíritos e divindades celestes se instalam ao visitarem a
terra, seja para se alimentar, cantar, dançar ou curar. A tocaia Awá-Guajá,
chamada takája, também possui características e propósitos semelhantes, à
diferença de ser a única matéria de um ritual cujo objetivo é aproximar os
karawara para cantar na terra, e propiciar que os homens viajem para o
iwá, também para cantar.
64
conjunto territorial os Awá-Guajá denominam haka'a ("minha floresta") de
forma genérica, e mais especificamente, harakwá ("meu lugar", "meu
domínio"). São essas as expressões que marcam a relação dos Awá-Guajá
com o território ou com os territórios.
29
Os funcionários do posto se referem ao território demarcado por "área", como é de praxe no jargão da
Funai, e, de forma muito perspicaz, os Awá entenderam que a melhor tradução para harakwá é a que
um karaí entenderia. Portanto, traduziram diretamente harakwá ou haka'ape por essa ideia de "minha
área".
65
alguns, pelos indícios recentes, ainda vivem em isolamento voluntário se
recusando a entrar em contato com os karaí.
Como sabe que não era um karay que estava caçando por ali?
Porque eles acham o tapiri e as flechas iguais às deles.
66
Onde?
É lá para cima do Presídio, tem um braço do Caru que entra para cá.
67
68
TOMO III – A Terra Indígena Rio Pindaré
69
70
1. Localização, extensão, limites
A Terra Indígena (TI) Rio Pindaré situa-se às margens do rio Pindaré,
distando 12 km de Santa Inês e 14 km de Bom Jardim. Todas as aldeias
desta área indígena localizam-se às margens da BR 316, que liga as cidades
de Belém, no Pará, à Teresina, no Piauí. (Mapa 3 - TI Rio Pindaré com o
Projeto Duplicação da EFC).
A TI Rio Pindaré constitui-se em uma área de 15.003 hectares, situada nos
municípios de Bom Jardim e Monção, tendo sido homologada em 25 de
maio de 1982 para posse permanente dos Guajajara. A TI Rio Pindaré faz
parte da porção maranhense da Amazônia Legal30.
TI Rio Pindaré
Demarcada e homologada
2. Acessibilidade e transporte
O acesso às aldeias da TI Rio Pindaré é realizado através da BR 316, que
corta a TI com uma pista simples, pavimentada, sem acostamento em
30
No Brasil, a Amazônia Legal abrange territórios totais ou parciais de nove estados da federação. A
porção maranhense da Amazônia Legal abrange uma área equivalente a 80% da superfície territorial do
estado, ou seja, 264 mil km2, situada a oeste do meridiano 44°W. Nesta área estão localizados 188 dos
217 municípios do Maranhão. Informação atualizada pelo Plano de ação para prevenção e controle do
desmatamento e das queimadas no estado do Maranhão (Decreto nº. 27.317, de 14 de abril de 2011),
São Luís, Maranhão, novembro de 2011.
71
alguns trechos. O tráfego é intenso, inclusive de caminhões de carga
pesada, circulando em alta velocidade.
72
Antônia Viana Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).
73
alto Pindaré, abandonado em 1913. Passou a juventude nessa aldeia
que abandonou por causa dos ataques de Índios Urubus, e mudou-se
com a família para Januária.”
Os moradores mais velhos da TI Rio Pindaré contam que seus pais e avós
precisaram fugir dos ataques dos Ka’apor, das epidemias de sarampo, ou
dos brancos que tomaram suas terras, refugiando-se na Januária. Na
mesma época, outras famílias Guajajara deslocaram-se para o sul,
formando as aldeias Angico Torto, Arariboia, Tarrafa, Bacurizinho.
31
Wagley e Galvão (1961, p. 16 e 17) contam sobre o capitão Camirang, que chefiava aldeia de mesmo
nome: “Camirang, capitão de uma aldeia do alto Pindaré, conhecida por esse nome, merece particular
atenção, embora raramente nos tivesse servido como informante. Apesar de seu prestígio declinar a
partir de 1942, sua figura salienta-se sobre a de todos os Tenetehara que conhecemos, e ainda é o mais
destacado líder. Em 1945, contava cerca de trinta e cinco anos de idade; falava mal o português, porém
o suficiente para impressionar seus companheiros de aldeia, que de modo geral não falavam essa língua.
Frequentemente descia o Pindaré para ir comerciar e vender os produtos de sua aldeia. Camirang era
considerado pelos comerciantes brasileiros como um bom fornecedor e comprador, e os administradores
do Serviço de Proteção aos Índios não raro externavam sua admiração pelo modo por que dirigia seu
grupo”.
74
Pedro Nicolau Gomes Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).
75
3.2. Histórico da demarcação
76
A eleição e delimitação da área indígena Pindaré foi concluída em 1976 pela
equipe Funai/RADAM32, constituída pelas portarias no. 1004/A/P de 31 de
outubro de 1975 e no. 1032/P de 11 de novembro de 1975. O relatório
antropológico realizado por Alceu Cotia Mariz a partir do Grupo de Trabalho
Funai/RADAM fornece informações sobre a ocupação dos invasores e dos
povoados na área do PI Pindaré, atribuindo ao grande número de invasões
o fato de o território estar exposto à penetração fluvial e rodoviária. Até
1964, ano da construção da BR 316, todo o escoamento da produção
agrícola do médio e alto rio Pindaré era feito por suas águas, de modo que
lanchas passavam ininterruptamente para descarregar mercadorias nas
cidades vizinhas. Com a construção da BR 316, a ponte sobre o rio Pindaré
limitou muito a travessia das lanchas, pois com o rio cheio na estação
chuvosa, a passagem por baixo da ponte tornava-se impossível.
32
O Projeto RADAM ou Projeto RADAMBRASIL, criado no âmbito do Ministério de Minas e Energia, foi
responsável, nos anos 1970 e 1980, pelo levantamento dos recursos naturais de todo o território
brasileiro, 8.514.215 km2, tendo em vista o desenvolvimento especialmente da região Amazônica. Ver
<http://www.projeto.radam.nom.br/index.html>.
77
Figura 3.1 Base Reserva Indígena Pindaré, Grupo de Trabalho
Funai/RADAM/1976.
78
desta aldeia, invadiam a área indígena para pescar no lago que se forma
nos arredores da Januária. O relatório informava ainda que a invasão que
gerava mais conflitos ocorria no lago Bolívia, chamado Kroaçu pelos
Guajajara.
79
Cacique Chileno, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).
De fato, como o limite é uma linha natural, que vai se modificando com o
passar do tempo, há dúvidas sobre onde seria o limite da Terra Indígena.
Somam-se a esta questão as injunções políticas locais, conforme relata o
cacique Pedro Viana:
Antes, nossa reserva tinha 65 mil hectares. Precisa fazer uma linha
seca e deixar o lago para nós. A gente chega lá e os brancos estão lá
80
pescando e falam para nós que o lago é comunitário. O prefeito de
Bom Jardim incentiva o pessoal ir pescar no lago Bolívia. Se a Funai
não resolve, colocam o índio na frente para resolver e aí dá morte. O
Francisco foi a Santa Inês e colocaram 50 mil na mão dele e ele não
aceitou. O pessoal do Tirirical que vai para o lago Bolívia. A Vale pode
nos ajudar, já perdemos de 65 mil hectares para 15 mil e agora
querem tirar o lago.
O INCRA entrou com uma ação querendo que a metade do lago fique
para os karawya. Os cabras não querem deixar de atravessar o
igarapé, é uma disputa de terra e de peixe.
81
os conflitos podem acirrar-se entre os Guajajara e os moradores do
entorno, concordou-se em atender ao pedido das lideranças Guajajara para
que a solicitação de revisão dos limites do lago Bolívia conste deste estudo.
82
localmente de Tembé, onde foram dizimados por epidemias na primeira
metade do século XX33.
33
Em 27 de março de 1950, Darcy Ribeiro registrou em seu diário (Ribeiro, 1996, p. 287): “Vou anotar
uns dados que um velho morador desta zona me deu hoje sobre os Tembé. Ele nasceu em 1906 no
igarapé Panema, filho de uma mulher que seguiu com o pai e irmãos rio acima, rumo a Imperatriz, em
Goiás, onde pretendiam morar. Mas um dos tios pegou uma doença na perna e não pode prosseguir,
ficaram por aqui mesmo. Até 1919, andou do Panema para o Cajuapara, sem nunca descer o rio. Conta
que, então, ainda havia muitos regatões negociando no Gurupi e que os índios eram sem conta, as
menores aldeias tembés tinham uma centena de moradores. Depois foi vendo as ondas de epidemias,
principalmente sarampo, varrê-los, aldeias inteiras desaparecendo em meses. Os poucos remanescentes
iam se juntando em novas, em breve tinham o mesmo destino. Hoje restam uns setenta Tembé dos
milhares de então”.
83
iniciadas por chefes de família extensa oriundos dos rios Zutiua, Caru e alto
Pindaré. A Aldeia Nova e os demais “centros” da TI Rio Pindaré são sítios de
família extensa, funcionando como unidades de produção familiar que
tentam reproduzir o modus vivendi Guajajara em um território já
devastado, com estoque de caça reduzido e, com vários itens da coleta
inexistentes.
84
Os caciques são escolhidos por suas comunidades e destituídos pelas
mesmas ou pela decisão coletiva dos caciques. A opinião dos caciques
constitui-se no poder máximo quando se trata de resolver questões
delicadas para as próprias comunidades, como é o caso de conflitos entre os
moradores de uma aldeia. Nestas ocasiões, os caciques deliberam sobre a
saída de determinada família, bem como escolhem o novo espaço que a
família irá ocupar seja em seu núcleo habitacional, seja no território
destinado para plantio, pastoreio, caça e pesca.
85
Quadro 4.1 Organização social e política da TI Rio Pindaré, 2011
86
4.1. Associações e movimentos indígenas
87
As principais diretrizes da associação relacionam-se à gestão do sistema
educacional indígena Guajajara desta área indígena, além de outros
assuntos de interesse da comunidade, como campanhas de saúde e festas
culturais.
5. Dados populacionais
88
a região da TI Rio Pindaré, provocando mudanças no perfil demográfico
tanto da população indígena quanto da população não indígena.
Tabela 5.1. População total, homem, mulher das aldeias da TI Rio Pindaré-
2010.
Guajajara 85 45 40
Total 91 46 45
Não indígena 17 11 6
Januária
Timbira 1 1 0
89
Aldeia Etnia População total Homens Mulheres
Guajajara 65 32 33
Total 68 34 34
Guajajara 182 88 94
Guarani 11 4 7
Timbira 8 3 5
Guajajara 107 50 57
Não indígena 8 7 1
Tabocal
Tembé 1 1 0
Total 116 58 58
90
Gráfico 5.1. Porcentagem da população das aldeias na população total da TI
Rio Pindaré, 2010.
11% 9,70%
Areião
Januaria
24,90% Novo Planeta
Piçarra Preta
46,90%
Tabocal
7,50%
ALDEIA (x100)
Areião 102,22
Januaria 111,43
Tabocal 100
Fonte: Funasa, 2010.
91
juventude da população ao fato de as mulheres começarem a ter filhos
muito jovens, e cada família ter de cinco a seis crianças, em média.
Aldeia (x100)
Areião 10,99
Januária 15,54
Tabocal 14,66
Fonte: Funasa, 2010.
92
Tabela 5.4 Porcentagem de população de não indígenas na população total
por aldeias da TI Rio Pindaré, 2011.
% de população de não
Aldeia
indígenas x população total
Areião 8,14
Januária 4,66
Tabocal 7,55
TI Rio Pindaré 6
Fonte: Funasa, 2010.
6. Características físico-bióticas
A área indígena tem forte ligação com o rio Pindaré, que fornece água,
alimento, lazer, enriquecimento do solo, viabilizando, principalmente, a
agricultura e a pesca.
93
Clima
Vegetação
Área desmatada para cultivo, com predominância do babaçu na aldeia Areião, 2011
(Foto: Manoel Jorge).
94
A TI Rio Pindaré apresenta cobertura vegetal altamente modificada, com o
predomínio das áreas de pastagem em relação aos ambientes florestais. A
paisagem antrópica deve-se principalmente ao desmatamento e ao uso do
fogo, e as áreas de pastagem apresentam predominância de capim
brachiária e braquiarão, introduzidos pelos Guajajara como repetição ao
modelo dos brancos. Com a retirada da floresta ocorre a predominância do
babaçu (Attalea speciosa Mart.), espécie altamente dominante, de
germinação rápida podendo ser considerada uma planta invasora.
Hidrografia
Relevo
34
Tapagens são armadilhas em forma de cercados de madeira e palha localizados nas margens e/ou
pequenas lagoas dos rios e igarapés onde os peixes são conduzidos de forma intencional pelos indígenas
ou pelo deslocamento natural dos peixes. Ali os peixes ficam aprisionados e são pescados pelos
construtores das tapagens.
95
Em trabalho de campo, percebe-se que o relevo na TI rio Pindaré tem
predominância de superfícies planas em seu interior, apresentando ainda
pequenas rampas e “morrotes”, especialmente nas proximidades do rio
Pindaré.
Solos
Seguindo a classificação de solo do mapeamento do Projeto RADAM Brasil
(1973), a TI Rio Pindaré apresenta características de argissolos, que
ocupam os terrenos mais confinados onde a sua formação está totalmente
associada a áreas pediplanadas e, em geral, planas. Dadas às condições
geográficas da Terra Indígena com forte influência do rio Pindaré e seus
igarapés, há presença de solos relacionados aos ciclos de rebaixamento e
soerguimento do lençol freático e a consequente evolução do perfil.
Desenvolvem-se solos hidromórficos, neossolos e gleissolos, ocupando
regiões constantemente alagadas ou sujeitas a alagamentos, formando
extensas áreas planas com campos higrófitos.
Fauna e flora
96
da extinção de algumas espécies. Neste sentido, é necessário considerá-las
como espécies com deficiência de dados ou, em caso de uma futura
comprovação cientifica documental, espécies com extinção local (apenas
nas áreas em estudo)35. Deve-se considerar ainda, que fragmentos
florestais não estudados na área indígena e em seu entorno podem guardar
remanescentes destas espécies, bem como variabilidade genética que
possibilitem o retorno das espécies ao seu antigo habitat. Simultaneamente,
a TI Rio Pindaré apresenta diversos fatores que são potenciais causadores
da extinção de uma espécie, tais como poluição, destruição do habitat,
desaparecimento de predadores.
97
uma faixa de 1.500 metros a partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros
de largura a partir do limite da AID), ocorrendo a adição de 26 espécies não
registradas na literatura consultada para a região, bem como a presença de
onze espécies ameaçadas de extinção e uma quase ameaçada (Machado et
al, 2008; IUCN, 2010 e Resolução 054/2007).
98
de peixes esperadas para a área de influência direta do empreendimento,
citada no EA/PBA da duplicação da EFC 2011(Diagnóstico do Meio Biótico,
vol. 3, p. 194). Nove espécies listadas com o nome vulgar não possuem
referência de identificação científica: arangau, bodó, cachorro doido,
capadim cará, pescado, pião de coco, piau, tubajara. A lista completa
consta no Anexo 7.
99
animais e plantas como bacaba, pequi, cacau, juçara, mulundu, andiroba,
macaco capelão, anta, capivara, veado, entre outros.
100
Elaboração do “mapa da comunidade”, aldeia Areião, 2011 (Foto: José Ferreira).
101
cobertura. As aldeias são locais de maior permanência das famílias
indígenas.
Centro da aldeia Nova, casa do cacique Luciano, 2011 (Foto: Manoel Jorge).
Lagos: região nas margens do rio Pindaré ou nos igarapés que servem de
área para pesca das famílias indígenas. Na região dos lagos, os indígenas
fazem um cercado de madeira e palha de babaçu denominando “tapagem”,
para onde os peixes são “conduzidos”, tornando-se presas mais fáceis para
a pesca.
102
Lago Bolívia, 2011 (Foto: Manoel Jorge).
Agricultura
103
relato dos indígenas, ainda se constata a presença de algumas espécies da
fauna e flora que estão com reduzida presença nas demais áreas da TI.
104
Na TI Rio Pindaré é utilizada uma unidade de medida de plantio denominada
linha, que é mensurada como um quadro de 25 m x 25 m, totalizando um
quadro de 625 m².
1 ha: 16 linhas
25 m² 25 m² 25 m² 25 m²
25 m²
25 m²
1 5 9 13
25 m²
25 m²
2 6 10 14
25 m²
25 m²
3 7 11 15
25 m²
25 m²
4 8 12 16
25 m² 25 m² 25 m² 25 ²
105
Pesca
Caça
106
novembro e dezembro de 2011, houve relatos de caçadas recentes, com
captura de veado, tatu, cutia e caititu.
Novo Planeta 17
Aldeia Nova 04
Areião 27
Tabocal 35
Januária 68
Total 221
Pela extensão das áreas de pastejo e por não receber nenhum tipo de
acompanhamento técnico oficial, a pecuária pode ser considerada um
sistema extensivo. No entanto, é preciso considerar que há um contato
permanente dos indígenas com os animais, como também uma busca dos
animais para os currais, não caracterizando em sua plenitude um sistema
extensivo. Os Guajajara de várias aldeias comentaram a falta de
acompanhamento técnico de profissionais nesta atividade.
107
Durante a pesquisa sobre as atividades produtivas nas aldeias, observou-se
que a pecuária gera conflitos com os agricultores, uma vez que, ao soltar os
animais, estes pastejam nas roças cultivadas que não possuem cercas.
Artesanato
108
7.3. Calendário anual de atividades produtivas
109
Quadro 7.3. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas – TI Rio Pindaré.
TI Meses
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Pesca para Pesca Pesca Pesca Pesca – Pesca – Pesca Pesca – Pesca – Pesca - pico Pesca - Pesca –
alimentação início da aumento com aumento da pico da da pico da continua a
Limpeza da Início da Colheita do tapagem da aumento produção produção produção e produção época de
Plantio de roça – colheita (90 milho, produção da e atividade boa
espécies limpa da dias), abóbora, Colheita produção Continuação atividade principal Plantio produção
variadas mandioca e (milho, melancia, do arroz Plantio de do preparo principal de 1as
do arroz maxixe, batata doce, de vazante Preparo das roças Época de chuvas Início do
Caça pepino, cará/inhame, sequeiro das roças novas Corte da queima da plantio da
Caça quiabo, quiabo, Limpeza novas madeira roça. Colheita roça de
Manejo do melão, maxixe, Plantio de da Finalização grossa da da sequeiro
gado Manejo do tomate da pepino, vazante: mandioca Plantio do plantio de área da Continuação vazante (toco):
Rio Pindaré
gado roça e feijão, fava e arroz, de arroz do roça nova da colheita arroz,
Intensidade amendoim) arroz feijão, Início da vazante campo de vazante Caça mandioca,
de chuva Intensidade abóbora, preparação Caça macaxeira
de chuva Caça Festa do melão, da roça Caça Caça Caça Manejo etc.
índio quiabo. nova Manejo do gado
Manejo do Manejo Manejo do do gado Manejo do Caça
gado Caça Caça Caça do gado gado gado 1as
Manejo do Estiagem chuvas Manejo do
Intensidade Manejo do gado Manejo do Redução Estiagem Estiagem gado
de chuva gadoRedução gado da chuva
da chuva Início das
Redução Redução chuvas
da chuva da chuva
110
Informações fornecidas pelos Guajajara, durante a elaboração do
Calendário Anual de Atividades Produtivas, importantes para compreensão
da sazonalidade das atividades produtivas.
Aldeia Nova
111
A comercialização da produção é feita na própria aldeia e nas cidades
vizinhas. Os preços de venda dos produtos são: milho – R$ 30,00 por saco
de 60 kg; farinha – R$ 80,00 por saco de 50 kg; arroz – R$ 28,00 por saco
de 30 kg.
Aldeia Areião
Nesta aldeia foi feito um teste de cultivo mecanizado, com uma área de
mandioca com preparo de solo com aração. A experiência foi desenvolvida
em 2008 e teve o apoio da empresa Vale S.A., que cedeu uma máquina
para preparação do solo. A experiência com cultivo mecanizado não teve
continuidade e a área encontra-se em processo de regeneração natural.
A caça é uma atividade rotineira, com busca mais frequente de paca, veado,
macaco mão ouro e cutia, influindo na qualidade da alimentação das
famílias.
112
Outra fonte de renda origina-se na venda de artesanato indígena –
pulseiras, colares e brincos –, sendo uma atividade feminina, realizada por
todas as gerações.
Aldeia Januária
113
Nesta aldeia planta-se mandioca, arroz, feijão, macaxeira e fava. O inhame
(cará) e a batata doce são utilizados na alimentação diária e no preparo de
bebidas para os rituais.
O plantio com arado foi testado e deu certo, no início, com mandioca,
batata doce e melancia. Depois do arado, a terra enfraqueceu e só
nasceu capim furão. Antigamente (na década de 1990), a produção
era maior, no plantio de alto se colhia por linha 25 sacos de arroz (de
casca), atualmente se tiram oito sacos. A terra não tem descanso, é
preciso deixar a terra descansar, deixar o mato crescer, as folhas vão
caindo e fazendo adubo.
Antes do gado, tinha mais roça, mas não tem condições de cercar as
áreas de roça, e os índios deixam de plantar para evitar o gado
comer. O gado tem que ter acompanhamento técnico, mas faltam
profissionais.
114
A pesca é realizada durante todo o ano, sendo a atividade econômica mais
rentável da Januária. O local de pesca por excelência desta aldeia é o lago
Bolívia, que também abastece de peixe a região de Santa Inês, Pindaré
Mirim e Bom Jardim.
115
A caça é realizada nas regiões mais distantes das aldeias, nos lugares onde
a mata vem se recompondo. As espécies caçadas são veado, tatu, caititu,
paca e macaco.
Aldeia Tabocal
116
O capim furão toma conta da área, quando se tira a mata e bota
fogo. A mandioca era plantada na mata e só voltava depois que a
mata retomava.
8. Caracterização socioeconômica
O levantamento dos dados sobre a atenção à saúde foi realizado com base
nas entrevistas com os agentes de saúde de cada aldeia e com os
profissionais da Funasa/Sesai que estavam ligados diretamente ao
atendimento à saúde da TI Rio Pindaré, em novembro e dezembro de 2011.
117
A TI Rio Pindaré conta com dois postos de saúde, um na aldeia Januária e
outro na Piçarra Preta, onde são realizados os atendimentos básico e
emergencial, sendo os agravos de maior complexidade encaminhados para
hospitais nas cidades de Santa Inês e Bom Jardim.
118
Segundo a agente indígena de saúde Maria de Lourdes Guajajara da aldeia
Novo Planeta, é difícil encontrar os carros disponíveis, já que a área de
atendimento é muito grande, compreendendo as aldeias das TIs Rio
Pindaré, Caru e Awá. Desta forma, frequentemente, são utilizados táxis
particulares para o transporte de pacientes, mesmo nos casos mais graves.
Darliene relatou que realizava uma visita por mês em cada aldeia, focando
na saúde preventiva e no acompanhamento, principalmente, da saúde das
crianças, mães e idosos. Revelou que uma certa resistência no caso dos
homens adultos em realizar consultas ou exames.
119
Posto de saúde da aldeia Piçarra Preta, 2011 (Foto: José Ferreira).
120
Quadro 8.1.1- Informações gerais do sistema de saúde da TI Rio Pindaré, 2011.
121
Perfil epidemiológico
122
Com relação à saúde das gestantes, o pré-natal é realizado mensalmente
com visita da equipe da Sesai nas aldeias, sendo fundamental o
acompanhamento da gestação, uma vez que muitas gestantes têm entre 12
a 16 anos.
Saneamento básico
Antes da instalação das fossas e dos banheiros não havia nenhum sistema
de esgotamento sanitário. O Aisan Davi Viana Guajajara, da aldeia Piçarra
Preta, acha que a implantação dessa infraestrutura ajudou na melhoria da
saúde dos indígenas e na qualidade ambiental da aldeia. Entretanto,
surgiram problemas depois da instalação das fossas, segundo Geraldo
Guajajara, da aldeia Tabocal – algumas fossas foram construídas muito
próximas às casas e o cheiro é insuportável.
123
Os banheiros são estruturas simples, com acabamento ruim. Trata-se de
apenas um pequeno cômodo com um vaso sanitário, pia e chuveiro. Os
materiais são visivelmente de baixa qualidade, e essas características
configuram as principais reclamações dos indígenas entrevistados.
124
Habitabilidade
Energia elétrica
125
escritório da Funai em Santa Inês. Segundo o cacique, as lideranças
ameaçaram derrubar os postes da rede elétrica, caso o pedido de isenção
do pagamento não fosse atendido, e o acordo foi selado.
126
participação dos professores indígenas nas reuniões da URE de Santa Inês,
faltando interação com o universo das outras escolas da região.
127
As condições das escolas na TI Rio Pindaré são distintas. Os prédios
escolares das aldeias Areião, Novo Planeta e Tabocal apresentam problemas
graves, como falta de banheiros adequados, salas de aulas insuficientes,
falta de bebedouros e de materiais escolares (carteiras, mesas, salas de
professor etc.). Já os prédios escolares das aldeias de Piçarra Preta e
Januária estão em boas condições de uso. O Quadro 8.2.1 apresenta as
características gerais de cada unidade escolar.
O censo escolar foi realizado a partir dos dados fornecidos pelos professores
das escolas da TI Rio Pindaré. No ano letivo de 2011, foram matriculados
512 alunos ao todo, em todos os níveis de ensino. O Gráfico 8.2.1
apresenta a proporção de matriculados por nível educacional.
O Programa Brasil Alfabetizado tem como público alvo pessoas com idade
acima de 15 anos, tendo, em 2011, 66 alunos matriculados, sendo 55 na
aldeia Januária e 11 na aldeia Tabocal.
128
não há substituição, e os alunos ficam sem transporte. Nestas ocasiões, as
crianças ou vão a pé para a escola ou perdem as aulas.
129
Quadro 8.2.1 Informações gerais sobre o sistema educacional da TI Rio Pindaré, 2011.
Pré-escola 32
1 a 4 séries 94
5 a 8 séries 101
Prédio em boas
Ensino Médio 27
Centro de Ensino condições – faltam
Januária
Indígena Januária salas de aulas e
carteiras
Brasil Alfabetizado 55
130
Pré-escola 4 Prédio em precárias
condições – faltam
Novo Planeta Zemu' e Haw Tentehara banheiros, cozinha,
calçadas, iluminação
1 a 4 séries 16
adequada
Pré-escola 32
Total 5 512
131
8.3. Assistência e políticas públicas
Funai
132
Dentre os programas federais de maior alcance, destaca-se o Plano Brasil
Sem Miséria (BSM), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS), que dispõe de um conjunto de programas e
ações de incremento da formação técnica e profissional das pessoas em
situação de vulnerabilidade social que estejam inscritas ou em processo de
inclusão no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico).
36
Segundo o MDS, O Bolsa Verde é um programa de transferência de renda do Governo Federal sob a
gestão do Ministério do Meio Ambiente e que tem a Caixa como agente operador, fazendo parte do plano
maior Brasil Sem Miséria. O objetivo é atender famílias em situação de extrema pobreza, inscritas no
Cadastro Único do Governo Federal, que desenvolvam atividades de conservação de recursos naturais no
meio rural.
37
Sob responsabilidade do MDS, o programa foi lançado em 2007 sendo destinado a jovens de 15 a 17
anos em situação de risco social ou atendidos pelo Bolsa Família. Segundo o MDS, o programa: “(...)
integra serviço e transferência de renda, exigindo esforço de integração de todos os gestores (municipais
estaduais e federal). Os objetivos são fortalecer a família, os vínculos familiares e sociais”.
38
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O programa objetiva assegurar o direito humano
à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional, e contribuindo para a
conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome (MDS, 2011).
133
Os Guajajara da TI Rio Pindaré têm participado também do PRONAF
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) por meio do
Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, financiando suas atividades
produtivas, como aquisição de animais e cultivo de mandioca. Porém,
alguns indígenas estão inadimplentes e estão sendo chamados para
renegociarem suas dívidas com os bancos, o que impede o funcionamento
normal da Associação Comunitária Maynumi, que realizou o cadastro dos
Guajajara no PRONAF.
134
governo, ou mesmo, aplicando sanções nas implantações de
empreendimentos de cunho público ou privado que possam afetar as
condições de vida e de segurança dos povos indígenas.
135
9. A Estrada de Ferro Carajás e a TI Rio Pindaré
136
da EFC ao crescimento demográfico com consequente ocupação e alteração
socioeconômica da região a oeste da TI Rio Pindaré. A comparação entre
diferentes estados de conservação ambiental da bacia do rio Pindaré e seus
afluentes baseia-se na memória oral destas pessoas, que compreendem que
a transformação radical da TI Rio Pindaré deu-se com a abertura da rodovia
BR 316 em 1964, e, da TI Caru, com a construção da EFC nas décadas de
1970 e 1980. Cabe lembrar que os Guajajara mais velhos da TI Rio Pindaré
têm relações de parentesco na TI Caru e transitam entre as duas Terras
Indígenas.
Os Guajajara da TI Rio Pindaré usam a ferrovia para viajar para São Luís e
para aldeia Maçaranduba, e acham que o vagão de passageiros é um
aspecto positivo da EFC porque facilita as viagens na região, sendo mais
seguro e mais barato do que viajar de ônibus.
137
Na apresentação deste estudo ficou registrada a indignação dos Guajajara
com relação ao atraso da entrega das mercadorias do Acordo de
Cooperação, situação que interferiu na pesquisa de campo (novembro e
dezembro de 2011), quando a equipe técnica precisou abrir espaço para
ouvir todas as críticas e reivindicações relativas ao Acordo de Cooperação,
em cada uma das seis aldeias, para então realizar as entrevistas
necessárias para elaboração deste Componente Indígena.
138
Eu acho que o recurso deveria ficar em Santa Inês porque aí a gente
acompanhava. Na primeira administração da dona Maria Douro
chegava o recurso em Santa Inês e a gente fazia as compras junto
com ela. Agora eles falam que tem que fazer licitação.
O que a gente sabe é que o que fica para Funai desse recurso, que é
20%. Quando nós vamos à Funai e pedimos um facão, eles mandam
por na programação do Convênio da Vale, aí a gente fala que não,
que nós queremos o facão da Funai mesmo e eles falam que não, que
só tem este recurso do Convênio. Para a Rio Pindaré até 2009 era
260 mil por ano, aí reduziu para 120 mil em 2009 e 2010. Por que
será que reduziu tanto assim, ninguém explicou.
139
posto da Funai), ele pegou muito dinheiro, as casas de alvenaria
foram construídas com o dinheiro do primeiro Convênio. Ele
formalizou uma cantina para os índios, ele falava: “O teu valor é esse
x, você retira em mercadoria, faz roça depois vende a produção”. Aí
ele descontava do que tínhamos tirado. Nós não sabíamos como isso
funcionava, então concordamos.
140
Chega carroça, gado, arame, cavadeira tudo de qualidade muito
ruim, estraga rápido. Tem que comprar coisas de qualidade. Eles
pensam que o índio não sabe de nada.
141
9.4. Percepção sobre a duplicação da ferrovia
Segundo Pedro Nicolau Gomes Guajajara: “A Funai informou para nós que
vai passar outro trem. Para mim, na minha ideia, tem que conversar bem
conosco, já tem povoado aí do outro lado do rio que traz muitos problemas.
Eles vão crescer, vão ajuntar mais gente na beira do trilho, vão precisar de
mais madeira. Esse povoado Borges na beira do rio, eles atravessam e vêm
aqui tirar pau, pescar, caçar. Eu penso que o trem vai aumentar o problema
– vão tirar mais paus, vem caçar, pescar” (01/12/2011, Januária).
142
condições socioambientais do entorno da TI Rio Pindaré e com a
insegurança de suas famílias. Conforme Domingos, chefe da família extensa
da comunidade Areinha: “Todos esses povoados jogam todo o esgoto no rio
Pindaré, os matadouros jogam no rio Pindaré, então a gente banha nesse
rio, acho que deve afetar os peixes. A duplicação vai aumentar tudo, vai
perturbar a gente, o pessoal vem pescar, caçar, entram por aqui. Eu acho
que está tudo errado. Os brancos chegam, pegam as nossas filhas, enchem
a barriga delas. Eu acho que enche de gente, traz invasão, acaba com tudo.
Nós não temos mais ninguém por nós. A Funai não é mais para cuidar de
nós. A Vale vai fazer mais trem e vão fazer mesmo, e eu não acho bom,
porque é muita zoada, gente que quer invadir, não acho bom, não. A Vale
tem esse Convênio e o dinheiro vai ficando por aí, fica para os caciques, fica
para a Funai, aqui não chega nada não” (29/11/2011, Areinha).
143
Patrimônio cultural e arqueológico
Exceção feita à região onde foi construído o Engenho Central de São Pedro,
em Pindaré Mirim, nas margens do rio Pindaré, onde originariamente
localizava-se a Colônia de São Pedro, habitada pelos índios Guajajara no
século XIX. O edifício do Engenho Central foi tombado pelo IPHAN.
144
os Sítios Arqueológicos Identificados no Maranhão, do Estudo Ambiental e
Plano Ambiental, v. 4, p. 430-431.
145
146
TOMO IV - A Terra Indígena Caru
147
148
1. Localização, extensão, limites
A Terra Indígena Caru situa-se às margens do rio Pindaré, entre os rios
Caru e Água Branca. Todas as aldeias da TI Caru encontram-se próximas da
EFC, que corre paralela ao rio Pindaré, limite natural desta Terra Indígena
(Mapa 5 - TI Rio Caru com o Projeto de duplicação da EFC).
A TI Caru constitui-se em uma área de 172.667 hectares, situada nos
municípios de Bom Jardim e São João do Caru, homologada em 22/11/1982
para posse permanente dos Guajajara e dos Awá-Guajá, ressaltando que,
na época, os Awá-Guajá estavam sendo contatados pela Frente de Atração
da Funai. A TI Caru faz parte da porção maranhense da Amazônia Legal.
149
2. Acessibilidade e transporte
O acesso terrestre para as aldeias Maçaranduba, Awá e Tiracambu é feito a
partir da cidade de Alto Alegre do Pindaré através da estrada de servidão da
Vale, utilizada para a manutenção e segurança da ferrovia. Esta estrada
acompanha toda a extensão da ferrovia, de São Luís a Marabá, porém, no
trecho entre Santa Inês e Açailândia, é a principal via de acesso para os
pequenos povoados, e a única ligação entre a cidade de Alto Alegre do
Pindaré e os povoados que margeiam a TI Caru, até o povoado de Presa do
Porco. Ressalta-se que estes povoados surgiram depois da construção da
ferrovia, ou seja, a estrada de servidão da Vale é mais antiga que os
povoados (Mapa 5 - TI Rio Caru com o Projeto Duplicação da EFC).
151
Teve um tempo que ninguém podia comer e dormir sossegado. Os
Ka’apor mataram muito Guajajara e Guajá. Meu avô levava todos os
produtos de canoa para vender em Pindaré Mirim e trazia o
necessário para aldeia. Era um perigo – os Ka’apor matavam mesmo.
Nós vivíamos por nossa conta. Nós somos do tempo que não tinha
gente por aqui não, morávamos aqui do outro lado, Boa Vista era do
nosso avô. Nós nem conhecíamos fósforo, nós tínhamos o nosso fogo,
cacau seco, esfregávamos e fazíamos o fogo, e aí os nossos avós
foram se acabando. Ninguém usava roupa não. Nós tínhamos a nossa
tanga feita de tucum. Estava chegando saúva que vai levando tudo
(referindo-se aos brancos). Primeiro eu morava em Boa Vista e
chegou uma voadeira, nós corremos para o mato. Nós tínhamos os
nossos remédios. Quando chegou essa voadeira, eu era
pequenininho, mamãe correu conosco para o mato. Era o tempo do
finado Berniz do SPI39. Aí viemos para o igarapé Porco Morto do outro
lado do Pindaré (referindo-se ao lado da TI Caru).
Aí quando inventaram os PIs (referindo-se aos Postos Indígenas), já
foi no tempo da Funai. Aí já passava muito peão fazendo a picada
que era para fazer a ferrovia. Nesse tempo, o finado papai, Luiz
Guajajara, disse para nós: “Vamos sair daqui, o formigueiro está
vindo para cá, vamos entregar para eles e viemos para o lado de cá,
era muito porco, muito peixe, aí era a primeira aldeia”, aldeia União –
nosso primeiro lugar aqui desse lado (referindo-se ao lado da TI
Caru). Teve uma primeira abertura daqui, que foram dos brancos, e
nós pusemos eles para fora. Papai conta que viu uma flecha na beira
do rio, aí o Guajá deu mutum para o papai. O meu sogro, Luiz
Guajajara, apelido Marrau, também viu os Guajá, aí nós falamos para
Funai.
Manoel Guajajara
Os Guajá mesmo não têm casa, eles iam de um lugar para outro.
Fizeram aquela abertura e aquela estrutura para eles, mas eles não
gostam de ficar ali. No tempo de papai, a gente se dava com eles,
dava farinha para eles. Eu vi o pessoal colocando esses pauzinhos
para essa ferrovia passar. Perguntei: Rapaz, será que é uma roça?
Respondiam: Não, vai passar a estrada de ferro. Primeiro vimos
colocar os pauzinhos, depois queimaram tudo, depois veio os homens
construindo a estrada.
Antônio Guajajara
Do lado deles (referindo-se aos karawya) não tem mais nada. Se não
tivesse essa nossa terra aqui, não tinham todos esses povoados. Nós
pagamos o que compramos e eles entram aqui, caçam, e não é para
comer não, é para vender. Nossos bisavós lutaram, nossos avós
lutaram e nós reclamamos para Funai.
Manoel Guajajara
39
Wagley e Galvão (1961, p. 14 e 19) fizeram duas expedições que resultaram no clássico “Os Índios
Tenetehara”. A primeira expedição vai de 11/1941 a 03/1942 e a segunda de 02/1945 a 05/1945, sendo
que nas duas expedições o chefe do Posto Gonçalves Dias, do SPI, era Helio Mendes Berniz, a quem se
refere Manoel Guajajara. Calcula-se, portanto, aproximadamente que nossos informantes da aldeia
Maçaranduba eram crianças na década de 1940.
152
Manoel Guajajara, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).
153
Rio Pindaré a jusante da aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).
154
várias fazendas e povoados, que contribuíram para sua degradação
ambiental.
155
Em 1983, foi criado o Posto Indígena Awá, nas margens do Igarapé
Presídio, tendo como função receber e assistir um grupo de vinte Awá-
Guajá, recém-contatados pela Frente de Atração, transferidos do igarapé
Timbira para este posto (vide Tomo II, capítulo 2.4 Histórico do contato).
Esta ocupação originou a aldeia Awá. Na mesma época, nas margens do
igarapé Bandeira, funcionava um Posto de Vigilância da Funai40, que
recebeu em 1994 um grupo proveniente da aldeia Awá, passando a
funcionar como Posto Indígena Tiracambu.
40
Dois indígenas, Awré e Awrá, moraram no Posto de Vigilância Tiracambu, mais tarde partilhando a
infraestrutura da Funai e da Funasa com os Awá-Guajá. Desses homens não se sabe quase nada.
Provavelmente, são os únicos sobreviventes do massacre de um povo indígena no Pará, sendo
encontrados em 1992 nas proximidades de Marabá. Segundo informações da antropóloga Regina Müller,
a Funai levou-os para morar com os Asurini do Xingu, onde permaneceram em torno de um ano,
precisando ser removidos após um conflito. Foram então transferidos para o Posto de Vigilância
Tiracambu, antes da chegada do grupo Awá-Guajá. Alguns linguistas estiveram com Awré e Awrá e
tentaram descobrir sua língua, sem sucesso. Segundo informações do funcionário da Funai, Bruno
Fragoso, em dezembro de 2011: “Eles falam uma língua Tupi que ninguém entende. São dois homens
velhos que estão numa situação muito ruim. Devem ter vivido um massacre, são traumatizados, porque
quando se pergunta de onde vieram, eles se fecham”. Awré e Awrá e os Awá-Guajá não estabeleceram
nenhum tipo de convívio. Os dois homens desenvolveram algum tipo de doença que deformou seus
corpos, sendo alimentados pelos funcionários da Funai e Funasa. Awré faleceu em setembro de 2012 e
Awrá não retornou à aldeia Tiracambu.
41
Referindo-se ao filho mais velho do cacique Manoel Viana, fundador da aldeia Januária, na TI Rio
Pindaré, e irmão de Francisco Guajajara, o Pita.
42
Manoel Paraipé, que já foi cacique da aldeia Januária e é pajé.
156
Nós subimos o Caru, faz uns quatro anos. Passamos por todos
lugares de rabeta, de carro. É um perigo para nós, nós arriscamos
muito a vida, nós fomos para lá, queimamos o carro deles e aí o
pessoal avisou: “Olha vocês não voltam mais aqui não, que eles estão
esperando vocês”. Aí a Federal combinou conosco: “Não é para vocês
fiscalizarem não, é para nós fazermos isso, vocês estão arriscando a
vida”.
Pedro Guajajara, morador da Maçaranduba, mar. de 2012
Segundo Raimundo Nonato dos Santos Guajajara, que tem seu “centro” no
rio Caru:
43
Ver: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?uf=UF&id_arp=3645#98490>. Acesso em:
set. 2011.
44
Faz-se a ressalva que a maconha é consumida tradicionalmente pelos Guajajara. Calcula-se que a
diamba, como é chamada a maconha no oeste maranhense, tenha sido introduzida pelos escravos. O
fato é que ela vem sendo consumida pelos Guajajara há pelos menos 150 anos, com diferentes fins,
conforme foi relatado pelos mais velhos da aldeia Tabocal/TI Rio Pindaré para equipe técnica deste
estudo, em novembro de 2011. Fuma-se diamba para trabalhar; toma-se chá de diamba para dor de
cabeça, diabete e para dormir bem; batem-se as folhas n’água para banho de cabeça.
157
fortemente escoltado pelo Ibama e pela Força Nacional, e será doado a uma
entidade social da região45.
45
Fonte: Ver: http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#105833. Acesso em
setembro de 2011.
46
A REBIO do Gurupi foi Criada em 1988, com 272.379 hectares, a REBIO do Gurupi é a única unidade
de conservação desta categoria em área amazônica a leste do Rio Xingu, tendo fundamental importância
na conservação ambiental do estado do Maranhão, por estar entre os domínios da Amazônia, Cerrado e
Caatinga. Localiza-se na divisa dos municípios de Centro Novo do Maranhão e Bom Jardim (MA) e abriga
várias espécies de animais endêmicos – encontrados apenas na região - e ameaçados de extinção.
Segundo o pesquisador Tadeu Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) cerca
de 70 a 80% da área já foram alterados pela extração da madeira. Fonte: site da Conservação
Internacional Brasil: http://www.conservation.org.br/noticias/noticia.php?id=128
47
Ver:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:NzfoEOARoF0J:oglobo.globo.com/cidades/mat
/2010/11/20/fotos-aereas-mostram-extracao-ilegal-de-madeira-em-terra-indigena-no-maranhao-
923062701.asp+Terra+ind%C3%ADgena+Caru+e+a+EFC+mapa&cd=2&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a. Acesso em setembro de 2011.
48
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 12/2011.
49
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 03/2012.
158
Segundo Patriolino Garreta Viana, funcionário da Funai que trabalha na
aldeia Juriti/TI Awá, atualmente, os maiores focos de invasão na TI Caru
são em São João do Caru, onde já houve um Posto de Vigilância da Funai, e
na entrada do igarapé Água Branca, onde existe um centro de trabalho dos
Guajajara. Segundo o informante, seria necessário reativar os postos de
vigilância da Funai. Outra providência urgente para conter as invasões seria
aviventar a linha seca, limite da TI Caru que une o igarapé Água Branca ao
rio Caru (Mapa 5 – TI Caru com o projeto de Duplicação da EFC).
Outro fator que aumenta a falta de segurança para os Awá-Gajá é a
precariedade da infraestrutura e comunicação nas aldeias, faltando rabeta,
rádio, telefone etc. Ainda segundo Patriolino: 50
“Em 99, a Vale deu dinheiro para retirada dos posseiros na linha
seca. Vieram quinze da Polícia Federal, dez da Funai e cinco do
Ibama, tudo na linha seca. Depois disso, nada. As três terras
(referindo-se às Terras Indígenas com populações Awá-Guajá do
Maranhão que são contínuas: Alto Turiaçu, Awá e Caru) estão muito
devastadas. A Awá ainda está presa na justiça, ainda não tiraram os
posseiros lá de dentro. Acho que na Caru não tem tanto posseiro
como na Awá. Tem povoados dentro da TI Awá – Povoado do Caju e
Vitória da Conquista. Os Awá da Caru falam que têm uns três ou
quatro grupos de isolados andando. Tem muita invasão nas três TIs.
Atualmente, as invasões funcionam assim: primeiro abrem uma
estrada com trator, põe piçarra e aí começam a tirar madeira.
Depois, colocam um colono na frente, que põe uma roça e, aí, depois
de um ano, o fazendeiro compra do colono bem baratinho. Nós
avisamos o Ministério Público Federal, a Funai de Brasília, a Polícia
Federal. Quando vão, apreendem a madeira, mas os trabalhadores
ficam lá porque já estavam lá quando houve a demarcação. Agora já
existem outras madeireiras que invadem. Os Awá já queimaram
trator, já mataram um lavrador, está perigoso para os dois lados.”
3.4. Territorialidade
50
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 10/2011.
159
A aldeia Maçaranduba é o eixo central da ocupação Guajajara na TI Caru,
concentrando as decisões políticas e as residências familiares. As famílias
extensas possuem uma segunda residência nos centros de produção e para
lá se deslocam para cuidar de suas atividades econômicas. Os centros de
produção também cumprem a função de ocupação das fronteiras da Terra
Indígena. Não foi possível aprofundar a pesquisa sobre a ocupação
territorial dos Guajajara devido às ligações de alguns indígenas com as
atividades de extração de recursos naturais na TI Caru.
Segundo informações de Geir Guajá, existe uma partilha dos territórios que
circundam as aldeias Awá e Tiracambu, aproximando-se do que foram os
harakwá antes do contato. No caso da aldeia Tiracambu, a família de
Kamairu circula no território compreendido pelo igarapé Traíra e o wutyry
(terra firme, serra) do entorno. Já o grupo de Amapãranoim, segue o curso
do igarapé Bandeira. Chegando aos seus harakwá, cada família nuclear faz
o seu tapiri e se divide para caçar, ficando de dois a três dias num mesmo
lugar, depois levantam acampamento e seguem em frente.
51
Temos o conjunto de ambientes compostos pelas terras firmes – wutyry (1º) associado às zonas de
várzea e aos cursos dos rios, ou simplesmente "água" - 'ya, correspondendo ao complexo de alagados
que se forma durante os meses de chuva (2º). A soma destes ambientes resulta em um conglomerado
de áreas de caças identificadas por diferentes topônimos, e composta por uma infinidade trilhas e
clareiras que constituem o território tradicional (3º). A esse conjunto territorial os Awá-Guajá
denominam haka'a ("minha floresta") de forma genérica, e mais especificamente, harakwá ("meu lugar",
"meu domínio"). São essas as expressões que marcam a relação dos Awá-Guajá com o território ou com
os territórios.
160
Marakutxa’á, vice-cacique da aldeia Tiracambu, relata como funcionam as
expedições de caça, que já indicam a adaptação que os Awá-Guajá vêm
fazendo no modelo de territorialidade anterior ao contato.
Nós vamos para mata e ficamos mais ou menos dez dias. Vai toda a
minha família – mamãe, criança pequena, todos. Vai perto do igarapé
para as crianças beberem água. Quando acaba a farinha, voltamos
para aldeia. Primeiro torra meia saca de farinha e aí vai para mata.
Aí, quando vamos, Karapiru e Kamairu ficam na aldeia. No
amanhecer, saímos e mata oito ou dez capelão. Duas horas da tarde
volta para tirar a tripa. Quando escurece, faz o tapiri – é só para
dormir. Traz muito macaco, veado para o tapiri. Cada família fica
num tapiri. Quando está na mata escuta, o capelão canta e aí pegam
o bando inteiro. Vamos no rumo do igarapé Bandeira. Outro dia vai
mais para frente.
161
Guajajara (era cacique da Maçaranduba em 1989); 3° cacique – Merco
Guajajara; 4° cacique – Pedro, irmão do Antoninho Guajajara; 5° cacique –
Manoel Guajajara; 6° cacique – Marcilene, Rosilene e Antônio Filho.
162
Amapãranoim cuidando do moquém, aldeia Tiracambu, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).
163
posições de cunhado ou sogro/genro)52. Não há hostilidade entre as duas
aldeias, e, devido à proximidade genealógica entre os dois grupos, observa-
se uma relação de colaboração e trocas constantes (de bens, serviços de
caça e roça, e casamentos), sendo que alguns indivíduos dividem a vida
entre as duas aldeias.
52
O sistema de parentesco Awá-Guajá descrito por Cormier, cuja análise comprova a ênfase oblíqua nas
preferências matrimoniais (2003, p. 57-84). A pesquisa de Cormier foi realizada na aldeia Awá/TI Caru
(Garcia, 2011).
164
para ninar os filhos, saudar o dia, comemorar uma grande caçada, ou,
simplesmente, pelo prazer de cantar. Avalia-se que o incômodo que o
barulho do trem causa à população das aldeias Awá-Guajá da TI Caru53,
deve-se não só à proximidade da EFC das aldeias (2.200 metros da ferrovia
até a aldeia Awá e 1.300 metros da ferrovia até a aldeia Tiracambu), mas
também a esta peculiaridade da sociedade Awá-Guajá.
5 Dados populacionais
53
Em dezembro de 2011 a equipe técnica dormiu no povoado de Roça Grande, e em março de 2012 a
equipe técnica dormiu na aldeia Tiracambu. Contou-se a passagem de 08 trens no período do dia e 08
trens no período da noite na EFC.
165
O acentuado aumento da população em um curto espaço de tempo pode
estar vinculado aos hábitos migratórios da população Guajajara, sendo os
deslocamentos geralmente realizados por toda a família. Durante a pesquisa
de campo, foram identificados indígenas recém-chegados de outras Terras
Indígenas, como a TI Rio Pindaré.
População
Unidade Etnia total Homens Mulheres Famílias
166
Gráfico 5.1.1. Composição étnica – porcentagem de cada etnia em relação à
população total da aldeia Maçaranduba.
0,30% 2,10%
4%
Tembé
Não Indígena
Timbira
Guajajara
93,60%
75 + 4 0 4 2
70 a 74 1 0 1 0
65 a 69 1 0 1 0
60 a 64 1 0 1 0
55 a 59 0 3 3 1
50 a 54 4 0 4 2
45 a 49 1 1 2 1
40 a 44 6 6 12 5
35 a 39 2 4 6 3
30 a 34 6 8 14 6
25 a 29 8 6 14 6
20 a 24 8 12 20 8
15 a 19 17 18 35 15
167
Faixa etária Masculino Feminino Total % da pop. total
10 a 14 17 15 32 13
05 a 09 29 28 57 24
00 a 04 16 16 32 13
Total 121 117 238 100
Fonte: Funasa, 2010.
75 +
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44 Masc
35 a 39 Fem
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
05 a 09
00 a 04
40 20 0 20 40
Fonte:Funasa, 2010.
168
5.2 Dados populacionais dos Awá-Guajá
Para a análise demográfica é importante considerar a falta de dados
históricos sobre a população Awá-Guajá desde os primeiros contatos com a
população local até então, o que inviabiliza estabelecer o padrão evolutivo
da demografia desse povo desde o contato com a sociedade nacional.
169
números de indivíduos em idade reprodutiva, alto índice de masculinidade,
e uma proporção de dois homens para uma mulher em idade reprodutiva.
Considerando 2010, que foi o último ano do censo realizado pela Funasa,
disponibilizado no site da SIASI/Funasa, o número de Awá-Guajá que estão
fixados nas três TIs (Alto Turiaçu, Awá e Caru), perfaziam 354 indígenas.
Awá-Guajá Juriti 39
Awá 173
Caru
Tiracambu 49
Total 4 354
Fonte: Funasa, 2010.
170
A distribuição da população por faixa etária indica que o conjunto das
quatro aldeias possui uma população predominantemente jovem, com
quase 60% da população com idade menor a 15 anos. A faixa etária de 0 a
4 anos representa 16% da população Awá-Guajá, indicando alta taxa de
natalidade nas aldeias.
Tabela 5.2.2. Distribuição da população por faixa etária dos Awá-Guajá por
gênero e total, 2010.
Faixa etária
Masculino Feminino Total
75 + 0 2 2
70 a 74 2 1 3
65 a 69 2 1 3
60 a 64 10 2 12
55 a 59 2 4 6
50 a 54 8 2 10
45 a 49 5 5 10
40 a 44 8 7 15
171
35 a 39 9 10 19
30 a 34 8 5 13
25 a 29 8 11 19
20 a 24 13 20 33
15 a 19 18 16 34
10 a 14 26 26 52
05 a 09 35 31 66
00 a 04 31 26 57
Total 186 169 354
Fonte: Funasa, 2010.
172
Gráfico 5.2.1 Pirâmide etária da população Awá-Guajá, 2010.
75 +
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44 Masc
35 a 39 Fem
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
05 a 09
00 a 04
40 20 0 20 40
173
Tabela 5.2.3. Distribuição da população Awá-Guajá da aldeia Awá por
gênero e total, 2012.
0a1 6 8 14
1a4 17 7 24
5a9 17 15 32
10 a 14 16 11 27
15 a 19 8 10 18
20 a 24 10 7 17
25 a 29 8 5 13
30 a 34 1 3 4
35 a 39 5 6 11
40 a 44 4 2 6
45 a 49 0 2 2
50 a 54 3 3 6
55 a 59 0 2 2
60 a 64 4 2 6
Acima de 64 0 1 1
Total 99 84 183
0a1 1 2 3
2a4 7 4 11
5a9 7 3 10
10 a 14 1 2 3
15 a 19 2 2 4
20 a 24 2 4 6
25 a 29 1 3 4
30 a 34 2 0 2
35 a 39 1 3 4
40 a 44 0 1 1
45 a 49 0 0 0
50 a 54 2 0 2
55 a 59 0 0 0
60 a 64 1 0 1
Acima de 64 1 1 2
Total 28 25 53
Fonte: Funasa, 2012.
174
De acordo com profissionais de saúde da Funasa, a taxa de mortalidade nas
aldeias é muita baixa, sendo que a última ocorrência foi em 2009, na aldeia
Awá, com um óbito de um indígena com idade superior a 50 anos,
provocado por causas naturais.
175
6. Características físico-bióticas
Clima
Vegetação
176
grande porte, com estrutura de dossel mais uniforme, com semelhanças
florísticas e maior adensamento de plantas.
Hidrografia
Relevo
177
indígena Awaratain relatou que: “Na cabeceira do igarapé Presídio, local de
caça dos Awá, existe uma lagoa com muitos peixes, e foi visto um animal
com aparência de homem e cobra – os índios temem esta lagoa e não
chegam perto”.
Solos
Flora e fauna
178
áreas de pastagem, principalmente na margem direita do rio Pindaré. A TI
Caru, localizada nos municípios de Bom Jardim e São João do Caru,
destaca-se pelo bom estado de conservação. Pode-se afirmar que a TI Caru
é uma “ilha” de cobertura vegetal com remanescente de floresta densa,
tendo em seu entorno áreas antropizadas que exercem pressão negativa
sobre a área preservada. Ainda acompanhando a margem direita do rio
Pindaré, entre os municípios de Alto Alegre do Pindaré, Buriticupu e Bom
Jesus das Selvas, todos no Maranhão (do km 336 ao 419 da EFC), ocorre o
predomínio das áreas de pastagens, sendo encontrados remanescentes
expressivos de floresta ombrófila à esquerda da ferrovia. Considerando a
existência de remanescentes florestais que podem estabelecer relações
ecológicas entre si, é importante ressaltar que, a menor distância entre
estes fragmentos possibilita a conectividade, sendo um fator que
proporciona de forma positiva e direta a preservação e a perpetuação das
espécies da fauna e da flora.
179
socioeconômico compreende a faixa de 500 metros de largura para cada
lado da ferrovia a partir de seu eixo) e 53% da AII (a Área de Influência
Indireta para os meios físico e biótico contempla uma faixa de 1.500 metros
a partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros de largura a partir do limite
da AID), distâncias estas consagradas no EA/PBA (2011). Estes
levantamentos adicionaram 26 espécies de avifauna não registradas na
literatura consultada para a região, bem como a presença de onze espécies
ameaçadas de extinção e uma quase ameaçada (Machado et al, 2008;
IUCN, 2010; Resolução 054/2007). Destaca-se a locação 51, na qual foram
registradas seis espécies ameaçadas regionalmente, sendo duas exclusivas
da lista do Pará: a tiribade-barriga-vermelha (Pyrrhura perlata) e o
papagaio-campeiro (Amazonaochrocephala), e quatro em nível nacional: a
mãe-de-taoca (Phlegopsisnigromaculata), o arapaçu-da-taoca (Dendrocincla
merula) e o mutum-de-penacho(Crax fasciolata), e uma espécie listada pela
IUCN, a arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus).
180
presentes na área. Deste total, dezessete espécies também constam na
lista de mamíferos do último Relatório consolidado de monitoramento de
fauna feita na TI Caru, comprovando a veracidade das informações
coletadas. A tabela completa, com todas as espécies, encontra-se no Anexo
11.
181
que dependem de ações planejadas a curto, médio e longo prazo, centradas
em programas de fiscalização de fronteiras, etnomapeamento e manejo
ambiental.
182
específicos da cada povo. Por abrigar duas etnias em seu território, a
definição das áreas da TI Caru é complexa, certamente ocorrendo
interseção de áreas e interesses conjuntos e também distintos dos povos
Guajajara e Awá-Guajá, o que transforma TI num mosaico, com zonas de
uso e ocupação diferenciadas.
183
desfrutando dos seus harakwá, que correspondem a uma área utilizada e
manejada por uma família ou grupo local, de conhecimento dos demais
grupos familiares Awá-Guajá. Já os Guajajara passam a maior parte do
tempo na aldeia Maçaranduba, deslocando-se sempre que necessário para
seus centros de produção.
Encontram-se nas áreas dos centros, igarapés e rios, que são utilizados
para a pesca de consumo e de comercialização. Geralmente, os centros
localizam-se em áreas distantes da aldeia, cumprindo a função estratégica
de ocupação territorial e fiscalização de fronteiras.
184
Centro Escada – Casa de Erivaldo dos Santos Guajajara, 2012 (Foto: Manoel
Jorge).
185
No caso específico dos Awá-Guajá, os igarapés são fundamentais para o
deslocamento e orientação das famílias nos períodos de caça, pois são
utilizados como caminhos naturais. São importantes para a definição do
local do “acampamento” na mata, e são utilizados para consumo de água,
para o banho, para pesca e preparação de alimentos.
Vista geral de área de pasto, aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: Manoel Jorge).
186
Reserva: esta área tem grande importância para as duas etnias, tanto em
seus aspectos produtivo, alimentar, medicinal quanto cosmológico. A área
de floresta fechada é utilizada pelos Guajajara para caça, coleta de frutos
silvestres, plantas medicinais e madeira para construção de casa e móveis.
187
7.2. Uso dos recursos naturais para subsistência e geração de renda
Agricultura
188
Cultivo consorciado de mandioca, arroz e milho, aldeia Maçaranduba, 2012
(Foto:Manoel Jorge).
25 m² 25 m² 25 m² 25 m²
1 5 9 13
25 m²
25 m²
2 6 10 14
25 m²
25 m²
3 7 11 15
25 m²
25 m²
4 8 12 16
25 m²
25 m²
25 m² 25 m² 25 m² 25 m²
189
De acordo com o levantamento de campo, atualmente existem dez centros
de produção dos Guajajara na TI Caru, localizados estrategicamente ao
longo dos limites da Terra Indígena, usados também como modo de
ocupação territorial e de vigilância de fronteiras.
Pesca
190
Guajajara da TI Caru, realizada durante o ano todo, com redução no
período reprodutivo dos peixes.
Caça
191
Em levantamento realizado na aldeia Maçaranduba e nos centros de
produção Guajajara, o rebanho animal é relativamente pequeno, com
aproximadamente setenta cabeças de bovinos, vinte animais de
transporte/tração e animais domésticos, como suínos, aves e caprinos,
encontrando-se em números variáveis e inconstantes devido ao consumo e
à comercialização diária.
192
7.2.2. Contexto Awá-Guajá
Caça
A caça é feita com a família, mãe, filhos, netos. Cada família faz seu
tapiri, sempre perto do igarapé para tomar água e banho. Passa um
dia num lugar e monta o tapiri. Quando acaba a caça num lugar, vai
para outro. A mulher se ocupa da caça menor.
193
um grupo na aldeia. Uma parte da caça é trazida para aldeia e outra é
consumida durante estadia do grupo na mata.
194
Em março de 2012, elaborou-se nas oficinas participativas nas aldeias Awá
e Tiracambu uma lista dos animais caçados. Cruzando esta lista com a lista
citada por Forline, 1997 (apud Garcia, 2010 ), percebem-se diferenças que
podem indicar mudanças de hábitos alimentares, aparecendo alguns
animais que não eram consumidos em 1997 e que agora o são. Este tema
merece um estudo aprofundado.
195
Quadro 7.2.2 - Lista de animais caçados pelo Awá-Guajá, com informações da aldeia Tiracambu, março de 2012.
196
Jupará aipatx Potos flavus Não Sim
197
Quandú/ouriço- K ãn Coendou prehensilis Sim (principalmente Sim
caixeiro homens velhos)
Fonte: Animais caçados (Tabela baseada em Forline, 1997, citado por Garcia, 2010).
198
Agricultura
199
poderá se transformar nos centros de produção, modelo adotado pelos
Guajajara.
Tabela 7.2.1. Relação de área de produção por ano na TI Caru – aldeia Awá.
2007 30 1,8
2008 50 3,0
2009/2010 45 2,7
2011 09 0,5
200
Em 2010, na aldeia Tiracambu, foram plantadas doze linhas de mandioca e
arroz. Em 2011, com o atraso dos recursos, o preparo do solo e o plantio da
roça foram realizados em dezembro, quando o correto seria preparar o solo
entre junho e setembro e plantar no começo das chuvas, por volta de
novembro e dezembro. Mesmo assim, plantou-se dezesseis linhas. Avaliou-
se que, como a aldeia Tiracambu é menor que a Awá, o risco da falta de
alimentos por baixa produção agrícola seja menor.
Pesca
201
vende para comprar algum mantimento. Ainda bem que tem esse gado”. Na
aldeia Tiracambu não existe criação de bovinos.
Soma-se a isso o fato de que, nos últimos dois anos, não foram entregues
os produtos do Acordo de Cooperação Vale/Funai (em dezembro de 2011
estavam sendo entregues os produtos relativos às programações de 2009 e
2010), que contribuíam para manter os Awá-Guajá dentro da TI Caru. O
fato é que os Awá-Guajá já iniciaram relações comerciais com os povoados
do entorno da TI Caru com a venda de frutos nativos e de caça. Segundo o
cacique da aldeia Awá, Maná Guajá:
202
7.3. Calendário anual de atividades produtivas
203
Quadro 7.3.1. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Guajajara
TI Meses
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
*Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca
Cultivos Limpeza Início da Colheita Colheita Colheita Colheita do Finalização Queima Plantio de Plantio Início do
agrícolas, da roça – colheita do milho, do arroz do milho milho e da broca da roça mandioca de plantio de
plantio de limpa da de arroz abóbora, e feijão feijão das roças solteira primeiras todas as
mandioca, mandioca batata- Caça nova Caça (se chuvas: culturas de
macaxeira, e do arroz Colheita doce, Limpa da Início de chover) milho, roça de
milho, das feijão, Manejo mandioca preparação Caça Manejo arroz, sequeiro:
Guajajara
*A pesca é realizada durante todo o ano, no entanto, diminui no início do período chuvoso por ser a época de reprodução dos peixes. De janeiro a abril, o Ibama proíbe a
pesca. Segundo Raimundo Nonato Guajajara: “Com as mudanças na enchente, os peixes sobem o rio e procuram o lugar mais espraiado e os igarapés para desovar”.
A caça também é realizada durante o ano todo, destinada para alimentação e para os rituais.
No manejo do gado dos Guajajara é comum a existência de pequenas criações de bovinos, que fazem parte da atividade econômica familiar.
204
Quadro 7.3.2. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Awá-Guajá com a
introdução das atividades agrícolas e da pecuária pela Funai.
TI Meses
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Cultivo Limpeza Início da Colheita Colheita Colheita Colheita do Finalização Queima Plantio de Plantio de Início do
agrícola: da roça – colheita do milho, do arroz do milho milho e da broca da roça mandioca primeiras plantio de
plantio de limpa da de arroz abóbora, e feijão feijão das roças solteira chuvas: todas as
mandioca, mandioca batata- novas (se milho, culturas de
macaxeira, e do arroz Colheita doce, Limpa da Início da chover) arroz, roça de
milho, das feijão, mandioca preparação mandioca sequeiro:
Awá-GuajA
*A pesca e a caça são realizadas durante todo o ano, no entanto, no início de período chuvoso, a atividade da pesca é diminuída, por ser a época de reprodução dos peixes.
Ficaram de fora da tabela por ser uma atividade anterior à Funai.
O manejo do gado nas aldeias Awá-Guajá é coletivo e coordenado pela Funai.
205
Quadro 7.3.3. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Awá-Guajá, excluindo as
atividades produtivas exógenas.
TI Meses
Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov
*Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca
Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita
de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel
*Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça
206
8 Caracterização socioeconômica
Sala de atendimento à saúde, no antigo Posto da Funai, 2012 (Foto: José Ferreira).
207
atravessar o rio Pindaré, e atravessar a EFC para chegar à estrada que leva
até Alto Alegre do Pindaré e Santa Inês.
208
devido ao aumento do adensamento populacional da aldeia. Algumas
residências possuem banheiros improvisados, feitos com palhas, utilizados
exclusivamente para banhos.
No que tange a energia elétrica, todas as residências são atendidas por esse
sistema.
Apesar de a escola ter sido inaugurada como escola bilíngue, não são
oferecidas aulas na língua guajajara. Os professores estão aguardando
decisão da Seduc sobre a situação, e relataram que alguns indígenas
demonstraram interesse em ensinar a língua materna.
A nova escola possui salas amplas e com boa iluminação. Porém, segundo
os professores, ainda falta realizar alguns acabamentos para o bom
funcionamento da escola, como construir um jardim nas áreas livres e uma
área com mesas e cadeiras para as crianças se servirem da merenda.
209
As famílias que moram nos centros de produção nas margens do rio Caru,
afastados da aldeia Maçaranduba, tem como única opção o acesso às
escolas do povoado Novo Caru, e, neste caso, o transporte fica por conta
das famílias e é realizado em rabetas ou canoas.
210
8.1.3. Assistência e políticas públicas
211
A vacinação atende os indígenas de todas as idades, com índice de
cobertura de 100% da população. As campanhas de vacinação infantil são
regulares, como também o acompanhamento das crianças que estão abaixo
do peso ideal.
Aldeia Awá
Posto de Saúde da Sesai abandonado, aldeia Awá, 2012 (Foto: José Ferreira).
212
Interior do Posto de Saúde da Sesai, na aldeia Awá, 2012 (Foto: José Ferreira).
213
Não há sistema de esgotamento sanitário. Observou-se lixo espalhado e,
segundo relatos, os resíduos são queimados, e cada família cuida da
limpeza do seu quintal. A construção de banheiros é uma reivindicação dos
indígenas.
Aldeia Tiracambu
214
8.2.2. Condições de educação
215
8.2.3. Assistência e políticas públicas
216
colaboram em seu cotidiano, levando doentes para São Luís, por exemplo,
podem ficar retidos na aldeia, sendo usados como moeda de troca nas
reivindicações dos indígenas junto ao governo e a Vale.
217
pagamento.
218
responsabilizar civil e criminalmente os autores da invasão54. Em
consequência deste episódio, os caciques da aldeia Maçaranduba estão
respondendo processos judiciais por sequestro, cárcere privado e interdição
de via férrea federal.
54
Fonte: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#98102>. Acesso em: set de
2011.
55
Fonte: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#98154>. Acesso em: set de
2011.
56
Fonte: <http://www.viasdefato.jor.br/index2/index.php>. Acesso em: out de 2012.
219
As questões de saúde e educação traduzem a indignação dos Guajajara com
relação ao atendimento da Funasa, Sesai, Seduc, e, com base no
diagnóstico, foi possível comprovar a precariedade destes serviços para a
população Guajajara da TI Caru.
57
Segundo informações da Vale, em 2012, foram executadas ações e entregues mercadorias referentes
às programações do Convênio Vale/Funai anteriores: entrega de gado para Maçaranduba, relativo à
programação de 2011; conserto e travessia de trator da aldeia Maçaranduba, referente ao saldo de
recursos em 2011; entrega de tijolo, cimento, arame, motor, roçadeira, referentes à programação de
2011.
58
Referindo-se a Francisco Viana, filho do cacique Manoel Viana, que fundou a aldeia Januária na TI Rio
Pindaré.
220
“Desde 2007, a empresa tem uma Coordenação de Relacionamento
Institucional, dedicando-se à EFC, que tem aproximadamente
duzentas vilas em todo percurso da ferrovia. Estamos jogando pesado
na parte de segurança da duplicação da ferrovia. Quando a ferrovia
foi feita, não existiam tantas comunidades. Também mudou muito a
economia, então a empresa está pensando nos próximos trinta anos
– vedações, viadutos, passagens etc.”
59
Nesta data não existia mais CVRD, mas sim Vale S.A.; a TI Caru abriga duas etnias, os Guajajara e
os Awá-Guajá; a TI Alto-Turiaçu abriga os Urubu Ka’apor e os Awá-Guajá.
221
A recomendação de mudanças no modelo de programação e aplicação de
recursos nas comunidades indígenas não ocorreu, e, além do atraso na
entrega das mercadorias, as programações elaboradas por grupos de
trabalho junto às comunidades indígenas continuaram funcionando de
acordo com o modelo agropecuário vigente na região – de criação de gado e
plantio de arroz – sem considerar a necessidade de um etnozoneamento
das regiões de domínio territorial dos Guajajara na TI Caru, que indicaria
outras perspectivas para as atividades produtivas da comunidade,
alternadas com a recuperação ambiental das áreas desmatadas da TI Caru.
222
Documento com as reivindicações da Aldeia Maçaranduba entregue
a empresa Vale).
A entrega de um documento com as exigências dos Guajajara da TI Caru a
propósito da duplicação da ferrovia, antes mesmo da conclusão do
Componente Indígena da duplicação da EFC, aponta para o tipo de
relacionamento que a aldeia Maçaranduba estabelece com a empresa Vale,
pautado pela pressão.
223
Além do documento entregue com as reivindicações da comunidade “por
motivo da duplicação”, um pequeno grupo de indígenas da aldeia de
Maçaranduba posicionou-se contra a duplicação. Na percepção dos mais
velhos, aqueles que viram a EFC ser construída, como é o caso de
Antoninho, Pedro e Manoel Guajajara, a ferrovia contribuiu para o
aparecimento de inúmeros povoados, cujos habitantes têm invadido
constantemente seu território em busca de recursos naturais. Segundo
Manoel Guajajara:
Agora eles querem pôr outro trem aí, vai ter mais barulho. O trem
solta muita fumaça, é a diesel, dá doença dessa poeira quando passa
o trem. Passando esse outro trem, eu fico perturbado do juízo, é
muito barulho. A água do rio, com esses povoados todos não presta,
jogam cachorro morto no rio, lixo dos povoados, lixo do hospital.
60
Sertanista, fez o primeiro contato com um grupo Awá-Guajá em 1973, na Frente de Atração da Funai.
61
Antropólogo e ex-presidente da Funai, que contatou um grupo Awá-Guajá em 1980, na Frente de
Atração da Funai.
224
lançava as bases para a elaboração de um novo Programa de Proteção,
Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá. Cabe lembrar que o
primeiro convênio entre a CVRD e a Funai funcionou de 1982 até 1989, e o
Acordo de Cooperação iniciou-se em 2007 com término em 2016.
Este documento foi escrito com base em uma pesquisa de campo sobre a
situação dos Awá-Guajá, considerando as populações que já viviam nas
aldeias, bem como os grupos isolados, contendo recomendações em sua
conclusão voltadas para a proteção dos Awá-Guajá. Dez anos depois, por
ocasião da pesquisa de campo do Componente Indígena da duplicação da
EFC, verificou-se que estas recomendações ainda se mostram atuais,
muitas delas não tendo sido colocadas em prática 62.
62
Transcreveu-se as recomendações gerais sobre os Awá-Guajá e as específicas sobre a TI Caru:
1. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a condição dos Guajá é a de povo indígena autônomo, ou
isolado, na terminologia da Funai. Essa condição foi abolida em abril de 1995, provavelmente com a
ideia de que os postos que estavam em funcionamento davam conta da situação global. Com isso as
ações que estavam sendo executadas ficaram desguarnecidas de uma figura mais importante, como a
do sertanista, e de recursos necessários para desenvolver um programa adequado. Igualmente, é
preciso regularizar a situação administrativa da base de Santa Inês, que deve ser ligada à Administração
de São Luís, com supervisão de Brasília.
(...) 4. Retirar os arrendatários da T. I. Caru. Para isso é preciso a ajuda da Polícia Federal e um diálogo
franco com os Guajajara que lideram e dirigem o P. I. Caru para que seja terminantemente
desautorizado qualquer ato de arrendamento por parte de índios.
(...) 8. Há que se elaborar um plano de médio e longo prazo para a economia Guajá. É preciso estar
atento e monitorar a maneira como está se processando a transição da economia de diversos grupos
que vivem ao lado de postos indígenas. Se é que o uso da agricultura vai se tornar uma parte
substancial da economia Guajá, é preciso que esta venha de uma forma mais racional, mesclando as
tradições da agricultura maranhense com outros métodos e plantios. Deve-se incentivar o cultivo de
certos tipos de legumes de alto poder nutritivo, como feijões, milho, abóboras e jerimuns, o uso de
frutas e, talvez, em algum momento, algum tipo de criação. Jamais deve-se incentivar os Guajá a
plantar para ganhar dinheiro, como parece ter acontecido entre 1993 e 1996 no P. I. Guajá. É certo que
alguns grupos Guajá podem ser incentivados a ter recursos próprios, mas a obtenção de dinheiro deve
ser tentada através da economia de coleta de produtos da floresta, como óleo de copaíba e cipó titica,
muito abundantes naquela região. Por outro lado, não se deve tentar apressar o processo de adaptação
às condições de auto-sustentação, nem querer se relacionar com os Guajá como se fossem índios de
longo contato. Não cabe ser paternalista, no sentido comumente dado à palavra, mas também não cabe
tratar os Guajá como se fossem índios Guajajara. Alguns itens de necessidade atual dos Guajá devem
ser supridos gratuitamente até que chegue um tempo em que eles próprios possam obtê-los.
9. Por fim, as três instâncias a que este Relatório se dirige – a Fundação Nacional do Índio, o Ministério
do Meio Ambiente e a Companhia Vale do Rio Doce – devem se unir para formular um novo Programa de
Proteção, Assistência e Consolidação Étnico do povo Awá. As bases desse programa podem advir das
recomendações acima. Seu prazo deve ser até o ano 2020. Seu orçamento deve ser compartilhado
conforme a melhor negociação. Para o presente, é preciso que disponibilizem um montante seguro para
preencher as urgências referidas acima.
225
criado pelo então chefe do SASI, assunto que sofrera um inquérito
administrativo em agosto p.p., cujo resultado já se encontra na
presidência da Funai. O presente relatório não vai analisar esse
assunto, que tem a ver com desvios de recursos e inépcia de
contabilidade do SASI com a Companhia Vale do Rio Doce. De todo
modo, a nova administração de São Luís sentiu a necessidade de
obter uma avaliação antropológica e indigenista sobre a situação dos
índios Guajá, bem como dos instrumentos de ação com que poderia
contar daí por diante.”
226
comparando-se com o contato mais frequente que ela tem com os
Guajajara.
63
Segundo Heimõkõma’á, da aldeia Tiracambu, “o motor de arroz está quebrado, o motor de ralar
mandioca está quebrado, o motor de encher a caixa d’água está quebrado, o motor de 15 hp está
quebrado. Tem 1 rabeta que foi para Santa Inês e voltou sem consertar, a roçadeira estragou, tudo que
chega para nós é ruim, é de má qualidade”. Além disso, não havia comunicação nem por rádio e nem
pelo SIVAM.
227
liderada pelos Guajajara da aldeia Maçaranduba, criticando o atraso da
entrega das mercadorias das programações do Acordo de Cooperação
Vale/Funai, e as condições de atenção à saúde.
A gente tem que ir longe para caçar. Nós não sabíamos o que era
essa ferrovia quando fez. O branco tem outra língua, nós temos que
aprender a língua dele. No mato, as crianças pequenas ficam com
medo quando passa o trem, perguntam se é onça, a gente fala que
não, que é o trem. Os velhos falam que só tinha uma casa em Roça
Grande. Depois da estrada, tem muita casa, é ruim. Os velhos
228
andavam no trilho e não sabiam o que era. Tinha muita mata do
outro lado do trem, agora nada. Para pegar caça, tem que ir longe –
sai da Tiracambu, anda um dia todo, dorme no tapiri, anda até 13h,
outro dia chega outro tapiri, pra lá vai caçar.
229
Componente Indígena deve ser elaborado ouvindo os indígenas; seus
resultados devem ser apresentados para as comunidades indígenas; o
relatório final é analisado pela Funai, que envia parecer para o Ibama, que é
o órgão licenciador.
Aldeia Awá
230
Eles viram construir a ferrovia?
Alguns viram construir a ferrovia, antes não tinha essa estrada, os karawya vinham
numa picada de jumenta, vinham botar roça, ainda não tinha esses povoados, só
tinham umas casinhas de moradia de caboclos.
Mas e se o Ibama deixar a Vale construir outro trem, mesmo eu falando que
vocês não querem, precisamos pensar nisso.
Eles estão falando que, se a Vale quer fazer outra estrada, a Vale tem que fazer uma
casa boa para cada família, casa bem feita de telha, construir uma enfermaria, escola
como tem nas outras aldeias, tirar os invasores.
231
Iracatacô e esposa, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).
Aldeia Tiracambu
Vai ter muito barulho. A gente não aceita, mas a Vale fala com o
Ibama. Primeiro tem que fazer determinadas coisas para o índio e só
depois pode fazer a ferrovia. O irmão mais velho do cacique está
dizendo que precisam fazer tudo antes das obras, para eles liberarem
a duplicação. Se não acontecer isso, não pode fazer.
232
Reunião sobre o Projeto de Duplicação da EFC na aldeia Tiracambu, 22 de ma. de
2012 (Foto: Sônia Lorenz).
233
234
Tomo V - Avaliação dos Impactos Ambientais
235
236
1. Identificação e avaliação dos impactos socioambientais
237
A convivência dos Awá-Guajá e dos Guajajara das duas Terras Indígenas
com a EFC, desde sua construção, é uma experiência amplamente
vivenciada por estas comunidades indígenas. Esta convivência possibilita
que os indígenas utilizem a ferrovia existente como protótipo para os
possíveis impactos que a duplicação da mesma poderá suscitar. As
percepções indígenas sobre os impactos foram consideradas pela equipe
técnica na elaboração das matrizes de impacto.
238
Figura 1.1.1 – TI Rio Pindaré e segmentos da EFC
239
Outra questão a ser considerada na elaboração das matrizes de impacto é o
fato de o cronograma da duplicação não incluir os canteiros avançados e os
canteiros principais, em função do licenciamento dos canteiros-de-obra
fazer parte de outro processo de licenciamento, entre as empresas
parceiras da Vale e a Sema. Avaliando a falta de informações relativas às
localizações dos canteiros principais e avançados64, e as características dos
canteiros principais, a equipe técnica reportou-se à Vale antes do
fechamento deste Estudo, obtendo o seguinte posicionamento da empresa:
64
Segundo informações da Vale, o canteiro principal localiza-se em área urbana, possuindo alojamento
para mão-de-obra, refeitórios, oficinas, áreas administrativas etc., funcionando como base para
implantação da infraestrutura e supraestrutura de um conjunto de segmentos da obra. O canteiro
avançado localiza-se dentro da faixa de domínio da ferrovia, servindo como frente de obra para a
instalação da supraestrutura e para a construção das obras-de-arte daquele trecho.
240
os impactos sobre as condições socioeconômicas da comunidade (como, por
exemplo, a infraestrutura de saúde nas aldeias).
Planejamento: divulgação do
empreendimento e realização dos serviços P
de campo
Instalação: mobilização e contratação de
Etapas da
mão-de-obra; operação dos canteiros de
Etapa implantação do
obras (principais e avançados); construção
empreendimento I
da infraestrutura; construção da
superestrutura; desmobilização de mão-de-
obra
Operação O
Ocorrência dos impactos nos traços
Meio antrópico MA
socioculturais e econômicos
Meio Incidente
Ocorrência dos impactos no meio físico e nos
Meio físico-biótico MFB
ecossistemas aquáticos e terrestres
Regional: extrapolam os limites da Área de
Influência Indireta (AII) – os impactos
Locais onde os R
ocorrem de forma disseminada
efeitos dos espacialmente
impacto são
Abrangência Entorno: o impacto se reflete inclusive na
sentidos,
Área de Influência Direta (AID), na área E
incidindo sobre a
circunvizinha a TI
TI
Localizada – a área de ocorrência é bastante
L
clara e restrita a TI
Efeitos do Benéfico BE
Natureza
impacto Adverso AD
Como o impacto Impacto direto D
Forma
se manifesta Impacto indireto I
241
Tempo de Permanente P
Duração persistência do
Temporário T
impacto
Irreversível IV
Se o impacto
pode ser evitado,
Reversibilidade
mitigado ou Reversível RV
compensado
Descreve a Alta A
intensidade de
transformação da
Magnitude situação pré-
existente do fator Média M
socioambiental
impactado Baixa
B
242
1.2. Definição da área de influência direta (AID) do
empreendimento para o Componente Indígena
243
O levantamento georeferenciado do entorno das duas Terras Indígenas,
bem como os relatos dos indígenas sobre suas atividades produtivas e sobre
o contato interétnico travado nestas regiões, indicam que há intensa
movimentação dos indígenas na faixa existente entre a ferrovia e os limites
das TIs Rio Pindaré e Caru.
244
A EFC, o rio Pindaré, e a TI Caru, 2011 (Sônia Lorenz).
245
Cabe lembrar que as três Terras Indígenas com populações Awá-Guajá
contatadas são áreas contínuas – Terras Indígenas Caru, Awá e Alto Turiaçu
(Anexo 1 - Carta Imagem das Terras Indígenas: Alto Turiaçu, Awá e
Caru - MA).
Geir Guajá com família no povoado Roça Grande, próximo à aldeia Tiracambu, a
poucos metros da EFC, 2012 (Foto: José Ferreira).
246
Cabe ainda analisar os atributos da área das obras propriamente dita da
duplicação da ferrovia, definidas no v. 1, p. 319, capítulo 3.2 Alternativas
locacionais, do estudo Duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) –
Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA):
65
É exemplo a ponte sobre o igarapé Igarapá, situado a poucos metros do rio Pindaré e do acesso para
aldeia Awá.
247
e 20, conforme Figura 1.2.2, sejam instalados distante dos acessos para as
aldeias Maçaranduba, Awá e Tiracambu (vide Mapas 6, 7, e 8).
Registra-se que, até a conclusão deste Estudo, não foi possível esclarecer
as falhas de continuidade da linha de duplicação da ferrovia da região
limítrofe a TI Caru que aparecem no projeto executivo, no sentido Carajás-
São Luís, antes do povoado de Três Bocas; depois da ponte do igarapé
Igarapá; e entre os povoados de Roça Grande e Altamira (Vide Mapas 6, 7
e 8). Possivelmente, essas falhas correspondem aos trechos da ferrovia que
já foram duplicados, ou, aos pátios de manobra.
248
1.3. Matrizes de Avaliação de Impactos Ambientais
Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
de
Apresentação do Componente Indígena e
1 P MA Expectativas em relação ao empreendimento L B/ A D T R B Programa Comunicação Social para os EMP
Guajajara
EMP
2 I MA Alteração da renda das famílias indígenas L B D T R M Programa de Fortalecimento Institucional
FUNAI
249
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Rio Pindaré
Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
de
FUNAI
Programa de Fiscalização de Fronteiras
6 I MA Aumento da pressão fundiária no entorno da E A I T R A INCRA
Regularização Fundiária
TI
EMP
Intensificação da pressão sobre o patrimônio Programa de Valorização Cultural e
7 I MA L A I T R M SEDUC
cultural fortalecimento linguístico
250
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Rio Pindaré
Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
de
Realização de Estudo da dinâmica da caça
Intensificação da pressão sonora sobre a
12 I MFB L/E A D T I M terrestre associado a emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental
Intensificação da poluição dos recursos Políticas públicas na área de saneamento básico Gov. MA
13 O MFB R A I T R A
hídricos devido ao crescimento demográfico Prefeituras
251
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Apresentação do Componente Indígena
1 P MA Expectativas em relação ao empreendimento L A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
Guajajara
Programa de Sinalização
Aumento das restrições na acessibilidade às
16 MA L/E A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
I aldeias
Guajajara
Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os
Riscos de acidentes decorrentes das obras Trabalhadores, específico sobre os Guajajara
21 I MA E A D T R/I A EMP
civis da duplicação Programa de Comunicação Social para os
Guajajara
Indenização caso haja acidentes
252
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores
Insegurança social com a intensificação da
Programa de Comunicação Social para os
5 I MA exposição dos indígenas ao alcoolismo, L/ E A D T I A EMP
Guajajara
drogas, prostituição e violência
Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores
253
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Intensificação da pressão sobre a mata nativa Programa de Fiscalização de Fronteiras EMP
17 I MFB L A I T R A
da TI Caru com supressão de vegetação Programa de Recuperação Ambiental FUNAI
254
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Descarrilamento e outros tipos de acidentes Medidas emergenciais de redução de impactos
14 O MFB E A D I R A EMP
ferroviários
255
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Apresentação do Componente Indígena
Expectativas em relação ao empreendimento, L A D T R A EMP
1 P MA Programa de Comunicação Social para os
incluindo rejeição à duplicação da EFC
Awá-Guajá
Programa de Sinalização
Aumento das restrições na acessibilidade às Le
16 I MA A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
aldeias E
Awá-Guajá
Programa de Sinalização
Riscos de acidentes decorrentes das obras E/L A D T R/I A Programa de Comunicação Social para os EMP
21 I MA
civis da duplicação da EFC Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
Programa de Comunicação Social para os
Awá-Guajá
Indenização em caso de acidentes
256
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
Insegurança social com a intensificação da Programa de Comunicação Social para os
5 I MA E/L A D/I T R/I A EMP
exposição dos indígenas ao alcoolismo, Awá-Guajá
drogas, prostituição e violência Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores
257
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Alteração da qualidade da água do rio Pindaré Programa de Monitoramento da Qualidade da
9 I MFB E/ L A D T R A EMP
e igarapés da TI Água
258
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá
ABRANGÊNCIA
Meio incidente
Responsabilid
REVERSÍVEL
MAGNITUDE
NATUREZA
DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos
FORMA
Etapa
ade
Intensificação da pressão sobre a cultura Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em
22 O MA L A D P I A EMP
imaterial e material busca de medidas compensatórias
259
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos
Responsa
incidente
bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa
Impactos compensatória
Meio
EMP
2 I MA Alteração da renda das famílias indígenas Rio Pindaré Programa de Fortalecimento Institucional
FUNAI
260
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos
Responsa
incidente
bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa
Impactos compensatória
Meio
Rio Pindaré
Programa de Fiscalização de Fronteiras, com FUNAI
6 I MA Aumento da pressão fundiária no entorno da TI Caru/Guajajara
regularização fundiária da TI Rio Pindaré
Caru/Awá-Guajá
Rio Pindaré
Programa de Valorização Cultural e EMP
7 I MA Intensificação da pressão sobre o patrimônio cultural
fortalecimento linguístico SEDUC
Caru/Guajajara
Rio Pindaré
Alteração da qualidade da água do rio Pindaré, Programa de Monitoramento da Qualidade da
9 I MFB Caru/Guajajara EMP
igarapés e lagos das Tis Água
Caru/Awá-Guaja
261
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos
Responsa
incidente
bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa
Impactos compensatória
Meio
262
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos
Responsa
incidente
bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa
Impactos compensatória
Meio
Programa de Sinalização
Caru/Guajajara
16 I MA Aumento das restrições na acessibilidade às aldeias Programa de Comunicação Social para os EMP
Caru/Awá-Guajá
Awá-Guajá e Guajajara
263
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos
Responsa
incidente
bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa
Impactos compensatória
Meio
Risco para a integridade física dos trabalhadores da Caru/Awá-Guajá Programa de Comunicação Social para os
20 I MA EMP
duplicação da EFC Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os
Caru/Guajajara
Risco de acidentes decorrente das obras civis da Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
21 Caru/Awá-Guajá EMP
I MA duplicação Programa de Comunicação Social para os
Awá-Guajá
Indenização em caso de acidentes
I/ Intensificação da pressão sobre a cultura imaterial e Caru/Awá-Guajá Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em
22 MA EMP
O material busca de medidas compensatórias
264
1.4. Avaliação dos impactos ambientais
265
Para os Guajajara da TI Caru, a notícia do empreendimento fez com que as
lideranças se antecipassem a qualquer processo de análise deste estudo, e,
por ocasião da abertura da pesquisa de campo na aldeia Maçaranduba, os
caciques entregaram um documento para a Vale com suas reivindicações
em relação à duplicação da ferrovia (Anexo 12 - Documento com as
reivindicações da Aldeia Maçaranduba entregue a empresa Vale).
Entretanto, nesta aldeia, os mais velhos expressaram as mesmas
incertezas registradas nas aldeias da TI Rio Pindaré a propósito da
duplicação da ferrovia: aumento populacional, invasão da área indígena,
extração de madeira, poluição da água do rio Pindaré etc.
Os Awá-Guajá, desde a comunicação sobre o empreendimento feita por
Bruno Fragoso, então coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental da
CGIIRC/Funai, e pela equipe técnica deste estudo em dezembro de 2011,
numa conjuntura desfavorável porque os indígenas estavam revoltados
devido ao atraso das entregas dos produtos do Acordo de Cooperação
Vale/Funai desde 2009, posicionaram-se contra a duplicação da ferrovia,
alegando vários fatores como: o incômodo gerado pelo barulho dos trens, o
afugentamento da caça devido ao mesmo motivo, o temor de aumentarem
as invasões na TI Caru em função da chegada de um novo contingente
populacional à região.
A notícia da duplicação da ferrovia trouxe insegurança para os Awá-Guajá
que vivenciaram o período de contato e construção da EFC em seu
território de ocupação. As incertezas geradas por estas memórias podem
atingir a vida social dos Awá-Guajá em sua totalidade: o conjunto de
harakwá da TI Caru (áreas de domínio territorial dos grupos familiares) e
suas concepções cosmológicas (o mundo subterrâneo, a terra, e as várias
camadas celestiais onde vivem os karawara66).
É um impacto localizado, direto, de duração temporária e reversível. De
natureza benéfica para os Guajajara da TI Rio Pindaré uma vez que pode
trazer melhoria na infraestrutura da região, ao mesmo tempo adverso,
caso intensifique-se as invasões na TI Rio Pindaré. Para os Guajajara e
Awá-Guajá da TI Caru é um impacto adverso, de alta magnitude, porque
traz transtornos para os cotidianos destas comunidades devido a um
conjunto de sentimentos suscitados pela possibilidade da duplicação da
ferrovia.
66
Entidades que vivem nos patamares celestes – o Iwá – incluindo caçadores sobrenaturais infalíveis,
espíritos dos mortos, espíritos de cura que auxiliam o xamanismo. Em Garcia, Uirá Felippe - “Karawara –
a caça e o mundo dos Awá-Guajá”. FFLCH/USP, SP, 2010.
266
de um Programa de Comunicação Social para os Guajajara das duas Terras
Indígenas e um específico para os Awá-Guajá, este último contando com
um tradutor.
267
Nº 3 – Alteração no quadro nosológico
268
endemias nas áreas circunvizinhas; e de média magnitude.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação do Programa de
Saúde para os Trabalhadores com controle de endemias e do Programa de
Educação Sexual para os Trabalhadores.
269
Nº 5 – Insegurança social com a intensificação da exposição dos
indígenas ao alcoolismo, drogas, prostituição e violência
TI: Rio Pindaré;
Etapa: Instalação Meio antrópico Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá
67
Segundo a apresentação da Vale na aldeia Januária em 27/06/2011, “Expansão da EFC – Terra
Indígena Rio Pindaré/Índios Guajajara”, para os segmentos da duplicação da ferrovia nesta região está
previsto no pico da obra 1.115 trabalhadores. Segundo a apresentação da Vale na aldeia Maçaranduba
em 28/06/2011, “Expansão da EFC – Terra indígena Caru/Índios Guajá e Guajajara” está previsto no
pico da obra 1.130 trabalhadores para os segmentos da duplicação que margeiam a TI Caru.
68
Os quais a Vale prontificou-se a fornecer suas localizações e características para a Funai.
270
Terra Indígena, estando a apenas 300 m da EFC em alguns trechos. Vale
ressaltar a proximidade das aldeias da ferrovia, sendo facilmente
alcançadas por trilhas após a travessia do rio Pindaré (Maçaranduba 1.500
m; Awá 2.200 m; Tiracambu 1.300 m).
O afluxo de trabalhadores e população flutuante será um fator de forte
pressão para os 266 Awá-Guajá que vivem nas aldeias Awá e Tiracambu,
uma vez que este grupo já é extremamente vulnerável ao contato com a
sociedade envolvente, sendo que a maioria não fala a língua portuguesa e
tem pouco contato com não índios, principalmente as mulheres e as
crianças.
É um impacto de abrangência localizada e no entorno, direto, de duração
temporária enquanto duram as obras duplicação da ferrovia, e adverso
para as Guajajara das duas Terras Indígenas, e para os Awá-Guajá da TI
Caru.
Trata-se de um impacto irreversível, e as ocorrências podem ser atenuadas
caso as medidas de mitigação sejam eficientes.
Diferenciou-se a magnitude deste impacto considerando dois fatores
distintos entre as duas Terras Indígenas: a proximidade das aldeias da TI
Caru das obras da duplicação da ferrovia e a fragilidade dos Awá-Guajá.
Portanto, trata-se de um impacto de alta magnitude para os Awá-Guajá e
os Guajajara da TI Caru e de média magnitude para os Guajajara da TI Rio
Pindaré.
271
Nº 6 – Aumento da pressão fundiária no entorno da Terra Indígena
272
Nº 7 – Intensificação da pressão sobre o patrimônio cultural
TI: Rio Pindaré;
Etapa: Instalação Meio antrópico
Caru/Guajajara
Constatou-se no diagnóstico da TI Rio Pindaré que, apesar de
aproximadamente 390 anos de contato, os Guajajara souberam preservar
sua língua e rituais importantes, como a Festa da Mandiocaba e do
Moqueado. No entanto, os Guajajara apontaram alguns fatores que vêm
dificultando a preservação de seu patrimônio cultural, citando o grande
número de casamentos interétnicos, a excessiva facilidade de acesso às
aldeias pela BR 316 e o encanto crescente dos jovens pela sociedade de
consumo e cultura de massa dos karawya.
273
Nº 8 – Redução da renda das famílias indígenas com a
desmobilização da mão-de-obra
O EA/PBA da EFC 2011 (v. 2, p. 320) descreve que o traçado da EFC segue
pelo divisor de águas dos rios Pindaré e Grajaú até a cidade de Santa Inês,
já com predomínio de drenagens perenes e de água doce. Posteriormente,
a ferrovia acompanha o curso do rio Pindaré por cerca de 200 km, pela
margem direita em sua maior extensão, cortando diversos afluentes.
Segundo o EA/PBA da EFC 2011 (v. 2, p. 457) em termos qualitativos, os
cursos d’água apresentam em geral condição satisfatória, tendendo a ter
comprometimento sanitário em função do aporte de efluentes domésticos
gerados nos centros urbanos, e de dejetos de animais, provenientes dos
criadouros e de pastagens.
A partir da análise dos dados existentes, é possível concluir que, em geral,
não existe um padrão espacial para os parâmetros analisados nas amostras
de água. Constata-se que a maior parte dos corpos d’água que são
274
transpostos pela ferrovia ou estão em conformidade com o estabelecido na
resolução CONAMA 357/2005, ou apresentam não conformidades em
apenas alguns parâmetros (oxigênio dissolvido, turbidez e pH) e
normalmente com pequenas diferenças em relação aos limites
estabelecidos na citada norma (EA/PBA 2011, v. 2, p. 533).
Nos segmentos que compreendem a TI Rio Pindaré e Caru serão edificadas
obras de arte como: viadutos, passagem ferroviária, bueiros, que poderão
provocar alterações da qualidade da água do rio Pindaré e seus afluentes.
Este impacto tem natureza adversa porque pode trazer riscos de alteração
das condições hidrológicas do rio Pindaré e hidrogeológicas das áreas
inundadas de lagos e igarapés da microbacia do referido rio, influenciando
também o sistema natural de drenagem.
Dada a complexidade da microbacia do rio Pindaré, bem como sua inter-
relação com as Terras Indígenas, formando lagos e campos de
aproveitamento produtivo e de lazer, com plantio de arroz, pesca e banho,
qualquer alteração na qualidade da água apresentará impacto direto na
área indígena.
Tendo em vista o período de três anos previsto para a instalação da
ferrovia, este impacto é temporário e reversível, desde que mitigado por
um programa de monitoramento da qualidade da água, incluindo pontos de
coleta dos corpos hídricos no rio Pindaré.
É um impacto localizado, já que o rio Pindaré inunda a área indígena, e
também tem abrangência no entorno, uma vez que os tributários deste rio
percorrerem áreas urbanas e rurais dos municípios das TIs Rio Pindaré e
Caru, onde se desenvolvem as obras de duplicação da ferrovia. É
reversível, se forem aplicadas medidas preventivas. É considerado um
impacto de alta magnitude devido ao tratamento deficiente dado aos
corpos d’águas da região, com ausência total de saneamento básico, coleta
e deposição adequada de resíduos sólidos.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação do Programa de
Monitoramento da Qualidade da Água e Programa de Monitoramento de
Efluentes Industriais, sendo que os resultados desses monitoramentos
deverão receber linguagens adequadas e ser compartilhados com os
indígenas.
275
Nº 10 – Intensificação da pressão sobre o ambiente natural pela
invasão dos não indígenas
276
invasões ocorrem no ambiente da TI, principalmente em regiões de menor
ocupação, distantes das aldeias e, consequentemente, de menor vigilância
indígena. A magnitude do evento é considerada média, devido à
possibilidade de mitigação dos impactos com adoção de medidas de
fiscalização e conservação ambiental do território.
Há condição de reversibilidade para o referido impacto considerando a
adoção dos seguintes programas: Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores; Programa de Fiscalização de Fronteiras; Programa de
Recuperação Ambiental.
277
Ao contrário da TI Rio Pindaré, a TI Caru encontra-se preservada, com
ampliada cobertura vegetal e presença de espécies da fauna e flora
regional, diferenciando-se das demais paisagens da região, que se
encontram com elevado grau de degradação. As áreas circunvizinhas à
Terra Indígena, pelas características produtivas da região e pela forte
tradição da pecuária bovina, têm como principal formação vegetal
pastagens variadas e babaçual. Diante deste entorno, a mata da TI Caru
configura-se como um refúgio das espécies, tornando-se vulnerável a
pressão sobre a mastofauna e ictiofauna. A importante riqueza das
espécies desta área torna-se um elemento atrativo para população do
entorno, e, algumas regiões da Terra Indígena, já se encontram
pressionadas por invasores, afetando o estoque de caça e pesca, e
provocando a degradação do ambiente natural. Não é raro os Awá-Guajá
relatarem que, durante suas expedições de caça, encontram caçadores dos
povoados vizinhos.
Além disso, a TI Caru vem enfrentando invasão por parte de madeireiros e
traficantes de drogas, apresentando regiões em seu território “proibidas”
para o acesso dos indígenas, com relatos de violência. Esta realidade foi
explicitada pelos Awá-Guajá e pelos Guajajara durante a elaboração do
mapa de etnozoneamento da TI Caru (Mapa 10 – Etnozoneamento da
TI Caru).
As principais vias de acesso da região da TI Caru, além dos rios Pindaré e
Caru, são a Estrada de Ferro Carajás e a estrada de serviço da Vale. Estas
vias são responsáveis pela veiculação das atividades socioeconômicas,
contribuindo para o crescimento populacional, econômico, e, também,
facilitando as invasões da TI Caru. Segundo documentos consultados e
relatos dos Guajajara e Awá-Guajá, a EFC tem contribuído para a ocupação
da região circunvizinha à TI Caru desde sua construção, nas décadas de
1970 e 1980.
Segundo Raimundo Nonato Guajajara, morador da aldeia Maçaranduba,
nascido na região de Barra do Corda:
Eu vim para cá em 1961. Nesta época, não tinha muito branco. Em
Alto Alegre do Pindaré, só tinha 38 casas. Só tinha o rio e a mata
virgem. Nesta época, vinha de canoa, era três dias de viagem na
canoa, tinha muito caça, tinha arara azul.
Segundo relatos dos mais velhos Awá-Guajá da aldeia Awá, traduzidos por
Geir Guajá:
Alguns viram construir a ferrovia. Antes não tinha essa estrada, os
karay vinham numa picada de jumento, vinham botar roça, ainda
não tinha esses povoados, só tinham umas casinhas de moradia de
caboclos.
As obras da duplicação da EFC irão ocorrer na região entre a estrada de
278
serviço da Vale e o rio Pindaré, limite natural da TI Caru (Mapas 6, 7 e 8),
trazendo um contingente de trabalhadores e população atraída pelo
empreendimento, que poderão maximizar a pressão sobre a mastofauna e
a ictiofauna da TI Caru, de grande importância para as duas etnias que
compartilham este território.
Para os Guajajara, a caça na área de floresta densa e a pesca nas margens
dos rios Pindaré e Caru são atividades permanentes e fazem parte de sua
tradição, envolvendo costumes alimentares, além de rituais de passagem
dos rapazes e moças para a vida adulta.
A caça e a pesca são essenciais para a dieta alimentar dos Awá-Guajá, e a
caça é a atividade por excelência deste povo. Qualquer pressão sobre esta
atividade atinge estruturalmente os Awá-Guajá das aldeias Awá e
Tiracambu, em todos os planos de sua vida social, afetando inclusive suas
concepções cosmológicas.
Da extensa lista de espécies de caça elaborada junto aos Awá-Guajá na
pesquisa de campo deste estudo, a mastofauna é prioritária, com a grande
preferência por macacos, antas, queixadas, tatus e caititus.
Além das invasões contribuírem para alterar o estoque de caça e pesca dos
harakwá (áreas de domínio de grupos locais Awá-Guajá), causam situações
de medo, tensão, podendo gerar confrontos dentro da mata.
Trata-se de um impacto adverso, localizado, direto, temporário e de alta
magnitude, para os dois grupos que compartilham a TI Caru, considerando
para esta mensuração suas peculiaridades culturais.
É um impacto reversível, caso seja implantado um conjunto de programas
interligados desde o início das obras: Programa de Comunicação Social
para os Trabalhadores, Programa de Fiscalização de Fronteiras, Programa
de Recuperação Ambiental, e, especificamente para os Awá-Guajá, um
Programa de Etnozoneamento.
279
Nº12 - Intensificação da pressão sonora sobre a mastofauna e
ictiofauna
280
Nº 13 – Intensificação da poluição dos recursos hídricos devido ao
crescimento demográfico
281
Nº 14 – Descarrilamento e outros tipos de acidentes ferroviários
282
Nº 15 – Aumento da pressão sonora sobre a mastofauna e a
ictiofauna
TI: Rio Pindaré,
Etapa: Operação Meio físico-biótico
Caru/Guajajara,
Caru/Awá-Guajá
283
Nº 16 - Aumento das restrições na acessibilidade às aldeias
TI: Caru/Guajajara,
Etapa: Instalação Meio Antrópico
Caru/Awá-Guajá
284
Nº 17 - Intensificação da pressão sobre a mata nativa
da TI Caru com supressão da vegetação
Etapa: instalação e TI: Caru/Guajajara;
Meio físico e biótico
operação Caru/Awá-Guajá
285
gerar, mesmo que indiretamente, o aumento populacional da região, a
melhoria das estradas, a chegada de novos investidores na região,
principalmente do setor madeireiro e agroindustrial, sinergicamente
relacionadas aos outros projetos previstos para região (Tomo I, 2.3.
Sinergia dos empreendimentos projetados para região) intensificando a
atual condição de desmatamento ilegal da mata nativa da TI Caru.
TI: Caru/Guajajara,
Etapa: Operação Meio antrópico
Caru/Awá-Guajá
286
por três dias seguidos e pararem o canto por dez dias. Depois retomam
mais um ou dois dias e param uma semana. É regular, porém variável. Os
rituais da takája são rituais de cura e de comunicação entre dois mundos.
Devem realizar o ritual entre dez e quinze vezes durante o verão. Sempre
construindo novas takájas para cada ritual”.
Além do transtorno trazido pelo ruído dos trens durante o ritual da takája,
os Awá-Guajá, como outros povos da floresta, desenvolveram técnicas de
caça sofisticadas, porém passíveis de desmobilização instantânea com o
ruído dos trens. Para dar uma noção da magnitude do impacto do ruído dos
trens durante uma caçada dos Awá-Guajá, transcreveram-se alguns
trechos da pesquisa recente do antropólogo Uirá Felippe Garcia 69,
“Dificilmente caçam os guaribas no final da tarde, hora que os
animais estão ‘cantando'. Ao contrário, ao perceberem os guaribas
cantando param para ouvi-los, e conseguem distinguir pelas vozes
quantos são fêmeas ou machos; adultos ou filhotes; e traçam planos
para o dia seguinte, quando o caçarão. Sentenças como “vamos
caçar amanhã, pois alguém os ouviu cantar naquela direção!”, ou
“vamos sair para escutar os guaribas!”, dentre tantas outras formas,
associam o som-canto do guariba com a busca pelo animal, ou, em
outras palavras, é precisa saber escutar os guaribas para poder
caçá-los. Do “canto” dos guaribas sabe-se a quantidade e
diversidade do bando, tal como a pegada de um animal terrestre
revelará seu peso, idade, sexo e outras informações relevantes.”
Trata-se, portanto, de um impacto adverso, localizado, direto, permanente,
irreversível e de alta magnitude. Recomenda-se a realização de um Estudo
Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos, conforme
citados nos impactos 12 e 15, e Oficinas Participativas nas aldeias Awá e
Tiracambu, visando buscar medidas compensatórias para o aumento dos
ruídos com a duplicação da ferrovia, com a participação de tradutor e
antropólogo especialista. Recomenda-se o Programa de Recuperação
Ambiental com a recuperação das matas ciliares do rio Pindaré.
69
“Entre o rastro e o som: a poética da predação Awá-Guajá”. Garcia, Uirá Felippe. Projeto de Pós-
Doutorado encaminhado à FAPESP, São Paulo, junho de 2011.
287
Nº 19 – Intensificação da busca de alternativas de renda,
ocasionando pressão sobre o modo de vida tradicional
288
Nº 20 – Risco à integridade física dos trabalhadores da duplicação
da EFC
289
Nº 21 – Risco de acidentes decorrente das obras civis da duplicação
da EFC
290
Nº 22 - Intensificação da pressão sobre a cultura imaterial e
material
291
292
1.5. Prognóstico ambiental da região de inserção das TIs Rio
Pindaré e Caru
293
comunicação; e a expansão do sistema de distribuição de energia elétrica
por linhas de transmissão, como apresentado no Tomo I, item 2.3 Sinergia
dos empreendimentos projetados para região.
294
forma, prevê-se que a maior circulação de pessoas na região, como
também a presença de trabalhadores nos períodos de instalação e
operação, poderá ser percebida pelos indígenas como uma ameaça
potencial, aumentado as tensões entre indígenas e a população do entorno
das Terras Indígenas.
295
Considerações finais
Cabe lembrar que durante a pesquisa de campo nas Terras Indígenas Rio
Pindaré e Caru, tanto na apresentação da duplicação da ferrovia, como nas
demais atividades realizadas para compor o diagnóstico deste Estudo,
conviveu-se com a insatisfação constante dos Awá-Guajá e dos Guajajara
com o funcionamento do Acordo de Cooperação Vale/Funai. A resolução
desta problemática é imprescindível para o avanço do processo de
licenciamento da duplicação da EFC.
296
TI TI Caru/Awá-
TI Rio Pindaré
Caru/Guajajara Guajá
Curt Médi Long Curt Médi Long Curt Médi Long
Medidas mitigadoras ou compensatórias
o o o o o o o o o
Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz
o o o o o o o o o
Apresentação do Componente Indígena
Programa de Comunicação Social para os Guajajara
Programa de Fortalecimento Institucional
Programa de Saúde para os trabalhadores com controle de endemias
Programa de Educação Sexual para os trabalhadores
Apoio do empreendedor ao atendimento de saúde da SESAI na TI Caru
Programa de Comunicação Social para os trabalhadores sobre os Guajajara e Awá-
Guajá
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Regularização Fundiária da TI Rio Pindaré
Programa de Valorização Cultural e Fortalecimento Linguístico para os Guajajara
Programa de Monitoramento da Qualidade da Água
Programa de Recuperação Ambiental
Realização de Estudo da Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos
Parceira do Empreendedor com as Prefeituras na área de saneamento básico
Medidas emergenciais de redução de impactos de acidentes ferroviários
Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os Awá-Guajá
Programa de Etnozoneamento para os Awá-Guajá
Ciclo de oficinas participativas nas aldeias Awá e Tiracambu em busca de medidas
compensatórias para: desconforto com o aumento do ruído dos trens e intensificação da
perda de cultura material e imaterial.
297
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