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Estudo do Componente Indígena das Terras

Indígenas Rio Pindaré e Caru

PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA AMPLIAÇÃO DA


ESTRADA DE FERRO CARAJÁS

São Paulo, Maio de 2013


Estudo do Componente Indígena das Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru
PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA AMPLIAÇÃO
DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS

Sônia Lorenz
Antropóloga
Coordenação dos estudos
Comtexto Treinamento e Consultoria Ltda

Manoel Jorge Pinto da Franca

Engenheiro Agrônomo

Consultor do meio físico e biótico

Comtexto Treinamento e Consultoria Ltda

José Ferreira dos Santos Junior

Geógrafo

Consultor para o meio antrópico

Comtexto Treinamento e Consultoria Ltda


Identificação do Empreendedor

EMPRESA RESPONSÁVEL

Nome do Empreendedor VALE S. A.

CNPJ 33.592.510/0378-21

AVENIDA DOS PORTUGUESES, S/N - PRAIA DO BOQUEIRAO -


Endereço BAIRRO ITAQUI- CEP:65000-000
Sérgio Francisco Aranha de Lima
Representante Legal
198.531.223-91
CPF
Av. dos Holandeses, Lote 01, Qd 05, Ed. Venetto, Nº 01, Ponta do
Endereço Farol, São Luís – Maranhão, CEP: 65.075-650

Diretor de Implantação de Projetos Logística


Função
sergio.aranha@vale.com
Contato:

(98) 3194-3897
Telefone

EMPRESA RESPONSÁVEL POR ESTE RELATÓRIO

Nome da Empresa Comtexto Treinamento e Consultoria Ltda

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Endereço Rua São José, 327 - Centro

CEP – Município –
13.400-330 / Piracicaba – SP
U.F.
Telefone – Fax (61) 3041-5566

E-mail cassiocamarada@uol.com.br

Gerente do Projeto Cássio Noronha Inglês de Sousa


EQUIPE TÉCNICA

RESPONSABILIDADE NO
TÉCNICO FORMAÇÃO
ESTUDO

Sônia da Silva Lorenz Antropóloga Coordenação dos Estudos

José Ferreira dos Santos Estudos do Meio Antrópico


Geógrafo
Junior

Manoel Jorge Pinto da Engenheiro Estudos do Meio Físico Biótico


Franca Agrônomo
Indice Geral

Apresentação..................................................................................... 1
1.1 Objetivos e abrangência do estudo ............................................ 1
1.2 Método adotado ...................................................................... 3
1.3 Histórico do processo de licenciamento ambiental da expansão da
EFC .............................................................................................6
1.4 Estrutura do relatório ............................................................... 8

TOMO I - CARACTERTIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

1 Caracterização do empreendimento ............................................... 13


1.1 Localização geográfica ........................................................... 13
1.2 Dados gerais ........................................................................ 13
1.3 Objetivos e justificativa do projeto de duplicação da EFC ............ 14
1.4 Dados técnicos do projeto de duplicação da EFC ........................ 15
1.5 Áreas de influência do projeto de duplicação ............................. 18
2 A Estrada de Ferro Carajás e o Oeste Maranhense ........................... 19
2.1 Histórico de ocupação da área de influência da EFC .................... 19
2.2 Municípios que exercem influência nas Terras Indígenas Rio Pindaré
e Caru ......................................................................................... 23
2.3 Sinergia dos empreendimentos projetados para região ............... 25
2.4 A Estrada de Ferro Carajás e as Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru
...........................................................................................28

TOMO II - OS GUAJAJARA E OS AWÁ-GUAJÁ

1 OS GUAJAJARA ........................................................................... 39
1.1 Localização e população ......................................................... 39
1.2 Nome .................................................................................. 42
1.3 Língua ................................................................................. 42
1.4 Histórico do contato ............................................................... 43
1.5 Organização social e política ................................................... 45
1.6 Religião e ritos de passagem................................................... 46
2 OS AWÁ-GUAJÁ .......................................................................... 51
2.1 Localização e população ......................................................... 51
2.2 Nome .................................................................................. 53
2.3 Língua ................................................................................. 53
2.4 Histórico do contato ............................................................... 53
2.5 Organização social ................................................................. 61
2.6 Cosmologia e o ritual da takája ............................................... 63
2.7 Território, territorialidade e “terra indígena” .............................. 64
2.8 Índios isolados ...................................................................... 65

TOMO III- A TERRA INDÍGENA RIO PINDARÉ

1. Localização, extensão, limites ........................................................ 71


2. Acessibilidade e transporte ............................................................ 71
3. Processo de demarcação territorial .................................................. 72
3.1. Formação da TI Rio Pindaré, segundo seus moradores ................. 72
3.2. Histórico da demarcação .......................................................... 76
3.3. Demanda de revisão de limites ................................................. 78
3.4. Território, territorialidade e “Terra Indígena” .............................. 82
4. Organização social e política .......................................................... 84
4.1. Associações e movimentos indígenas ......................................... 87
5. Dados populacionais ..................................................................... 88
6. Características físico-bióticas.......................................................... 93
7. Caracterização ambiental e produtiva ............................................. 100
7.1. Etnomapeamento territorial participativo ................................... 100
7.2. Uso de recursos naturais para subsistência e geração de renda .... 103
7.3. Calendário anual de atividades produtivas ................................. 109
7.4. Atividades produtivas por aldeia ............................................... 111
8. Caracterização socioeconômica ...................................................... 117
8.1. Condições de saúde e infraestrutura social ................................ 117
8.2. Educação escolar ................................................................... 126
8.3. Assistência e políticas públicas ................................................. 132
9. A Estrada de Ferro Carajás e a TI Rio Pindaré .................................. 136
9.1. Relação com a ferrovia existente .............................................. 136
9.2. Relação com a Vale ................................................................ 137
9.3. Posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai ........... 137
9.4. Percepção sobre a duplicação da ferrovia .................................. 142
Patrimônio cultural e arqueológico ..................................................... 144

TOMO IV - A TERRA INDÍGENA CARU

1. Localização, extensão, limites ....................................................... 149


2. Acessibilidade e transporte ........................................................... 150
3 Processo de demarcação territorial ............................................... 151
3.1. Formação da aldeia Maçaranduba, segundo seus moradores ........ 151
3.2. Histórico da demarcação..................................................... 154
3.3. As invasões na TI Caru ....................................................... 156
3.4. Territorialidade.................................................................. 159
3.4.1. Padrão Guajajara.............................................................. 159
3.4.2. Adaptação dos harakwá Awá-Guajá à realidade pós-contato ... 160
4 Organização social e política ........................................................ 161
4.1. Organização social e política Guajajara ..................................... 161
4.2. Organização social e política Awá-Guajá .................................... 162
5 Dados populacionais................................................................... 165
5.1 Dados populacionais dos Guajajara ......................................... 165
5.2 Dados populacionais dos Awá-Guajá ....................................... 169
6. Características físico-bióticas......................................................... 176
7. Caracterização ambiental e produtiva ............................................. 182
7.1. Etnomapeamento territorial participativo ................................... 182
7.2. Uso dos recursos naturais para subsistência e geração de renda ... 188
7.2.1. Contexto Guajajara ........................................................... 188
7.2.2. Contexto Awá-Guajá ......................................................... 193
7.3. Calendário anual de atividades produtivas ................................. 203
8 Caracterização socioeconômica .................................................... 207
8.1. Condições gerais para a população Guajajara ........................ 207
8.1.1. Condições de saúde e infraestrutura social ......................... 207
8.1.2. Educação escolar ............................................................ 209
8.1.3. Assistência e políticas públicas ............................................ 211

8.2. Condições gerais para a população Awá-Guajá ...................... 211


8.2.1. Condições de saúde e infraestrutura social ......................... 211
8.2.2. Condições de educação .................................................... 215
8.2.3. Assistência e políticas públicas.......................................... 216
9 A Estrada de Ferro Carajás e a TI Caru ......................................... 216
9.1 A EFC a partir da perspectiva dos Guajajara ............................. 216
9.1.1 Posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai ... 221
9.1.2 Percepção sobre a duplicação da ferrovia ........................... 222
9.2 A EFC e os Awá-Guajá .......................................................... 224
9.2.1 Relação com a ferrovia existente ...................................... 224
9.2.2 Relação com a Vale ......................................................... 226
9.2.3 Posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai ... 227
9.2.4 Percepção sobre a duplicação da ferrovia ........................... 228

TOMO V - AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS

1 Identificação e avaliação dos impactos socioambientais ................... 237


1.1 Método adotado para a construção e avaliação das matrizes de
impacto....................................................................................... 237
1.2 Definição da área de influência direta (AID) do empreendimento
para o Componente Indígena ......................................................... 243
1.3 Matrizes de Avaliação de Impactos Ambientais ......................... 249
1.4 Avaliação dos impactos ambientais ......................................... 265
1.5 Prognóstico ambiental da região de inserção das TIs Rio Pindaré e
Caru .........................................................................................293
Considerações finais ........................................................................ 296
Referências bibliográficas ................................................................. 298
Anexos

Anexo 1 - Carta Imagem das Terras Indígenas: Alto Turiaçu, Awá e Caru-
MA.
Anexo 2 - Documento da ação civil pública de suspensão do processo de
licenciamento da duplicação da EFC. Ministério da Justiça.
Anexo 3 - Deferimento da suspensão do processo de licenciamento da
duplicação da EFC. Ministério da Justiça.
Anexo 4 – Cronograma Físico das Atividades de Pátio e Duplicação da EFC-
locações 13-14-15-16-18-19-20.
Anexo 5 - Geneologia da Família Viana
Anexo 6 – Lista de espécies vegetais citadas na TI Rio Pindaré
Anexo 7 - Lista de espécies da fauna da TI Rio Pindaré
Anexo 8 – Carta da Vale para o presidente de Funai
Anexo 9 – Ata da Reunião sobre a duplicação da EFC na aldeia Janúaria
Anexo 10 – Lista de espécies vegetais citadas na TI Caru
Anexo 11 - Lista de espécies da fauna da TI Caru
Anexo 12 – Documento com as reivindicações da Aldeia Maçaranduba
entregue a empresa Vale.

Listas de Mapas

Mapa 1- Inserção Regional do Empreendimento e das Terras Indígenas


Mapa 2 - Ocupação Territorial dos Guajajara
Mapa 3 - TI Pindaré com o Projeto de Duplicação da EFC
Mapa 4 – Etnomapeamento da TI Rio Pindaré
Mapa 5 - TI Caru com o Projeto de Duplicação da EFC
Mapa 6 – Aldeia Maçaranduba com o Projeto de Duplicação da EFC
Mapa 7 – Aldeia Awá com o Projeto de Duplicação da EFC
Mapa 8 - Aldeia Tiracambu com o Projeto de Duplicação da EFC
Mapa 9 – Trajetória de Ocupação dos Awá-Guajá
Mapa 10 – Etnomapeamento da TI Caru
Mapa 11 – Situação do Desmatamento da TI Rio Pindaré
Mapa 12 – Situação do Desmatamento da TI Caru
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Apresentação

1.1 Objetivos e abrangência do estudo

O presente relatório, intitulado Estudo do Componente Indígena das


Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru faz parte do processo de
licenciamento ambiental da Ampliação da Estrada de Ferro Carajás no
Maranhão.

Os estudos realizados tiveram como objetivo analisar os aspectos


socioeconômicos e culturais contemporâneos dos Guajajara e Awá-Guajá
que habitam as Terras Indígenas (TIs) Rio Pindaré e Caru, bem como as
condições ambientais destes territórios à luz do histórico de contato destes
povos com a sociedade envolvente, privilegiando sua relação com a Estrada
de Ferro Carajás desde sua construção. Este diagnóstico subsidiou a
definição e a análise dos impactos da duplicação da EFC nos meios físico-
biótico e antrópico das TIs Rio Pindaré e Caru.

O Estudo do Componente Indígena das Terras Indígenas Rio Pindaré


e Caru, que doravante será chamado de Estudo, trata das Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru, ambas homologadas em 1982. As duas terras
indígenas localizam-se no Oeste Maranhense e têm o rio Pindaré como
limite natural (Mapa 1 – Inserção Regional do Empreendimento e das
Terras Indígenas). Outra semelhança diz respeito à proximidade das
Terras Indígenas da Estrada de Ferro Carajás, implantada nas décadas de
1970 e 1980.

A menor distância entre a TI Rio Pindaré e a ferrovia situa-se na região de


Tufilândia, com 2.070 m (Mapa 3 – TI Rio Pindaré com o Projeto de
duplicação da EFC). As três aldeias da TI Caru estão distantes da ferrovia
respectivamente: Maçaranduba/1.500 m; Awá/2.200 m e Tiracambu/1.300
(Mapa 5 – TI Caru com o Projeto de duplicação da EFC).

Desde a etapa inicial do trabalho, na pesquisa das fontes secundárias para


elaboração do Plano de Trabalho para a Funai, foi possível perceber que o
estudo teria três focos distintos: os Guajajara da TI Rio Pindaré, os
Guajajara da TI Caru e os Awá-Guajá da TI Caru, o que direcionou a
pesquisa para a elaboração de três diagnósticos e três matrizes de impacto,
apesar de tratar-se do mesmo empreendimento. Esta distinção deve-se
principalmente aos seguintes fatores: especificidades socioculturais; tempo
de contato; condições ambientais das duas Terras Indígenas; distância das
aldeias do empreendimento. Cabe ressaltar que as línguas guajajara e
guajá pertencem à família linguística tupi-guarani.

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Os Guajajara têm aproximadamente 390 anos de contato, e vivem
atualmente em várias Terras Indígenas situadas no Maranhão, nas regiões
das bacias dos rios Pindaré, Grajaú e Mearim. Segundo fontes secundárias,
sua ocupação mais antiga situa-se no médio e alto rio Pindaré.
Originalmente, este território era coberto por florestas altas da Amazônia e
matas de cerradão mais baixas, características da transição entre a floresta
amazônica e o cerrado.

Os Awá-Guajá são considerados o último povo caçador-coletor do Brasil,


tendo contato com a sociedade envolvente desde a década de 1960 e com a
Frente de Atração da Funai a partir da década de 1970, época da
implantação do Programa Grande Carajás e da construção da Estrada de
Ferro Carajás. Os grupos Awá-Guajá circulavam na região das bacias dos
rios Pindaré, Turiaçu e Gurupi, territórios dos Urubu Ka’apor ao norte e dos
Guajajara ao sul. Atualmente, os Awá-Guajá contatados moram em aldeias
em três terras indígenas contínuas: Caru, Awá e Alto Turiaçu (Anexo 1 –
Carta Imagem das Terras Indígenas Awá, Caru e Alto Turiaçu - MA).
Ainda existem grupos Awá-Guajá que se recusam ao contato com a
sociedade envolvente, e, segundo informações de funcionários da Funai e
dos próprios Awá-Guajá, há indícios de um grupo em isolamento voluntário
movimentando-se dentro da TI Caru.

A TI Caru é compartilhada pelas etnias Guajajara e Awá-Guajá, enquanto a


TI Rio Pindaré tem população Guajajara. A TI Rio Pindaré apresenta grandes
áreas de vegetação secundária e condições ambientais fortemente
antropizadas, enquanto a TI Caru constitui-se como um dos últimos
remanescentes de floresta ombrófila densa no Maranhão, motivo pelo qual
desperta forte interesse das madeireiras da região.

Cabe ainda abordar outra complexidade – a diferenciação entre as


condições socioculturais dos Guajajara da TI Rio Pindaré e as dos Guajajara
da aldeia Maçaranduba na TI Caru, em função das condições ambientais e
do contato interétnico diferenciado dos dois grupos.

Desta forma, a tarefa colocada para este Estudo demandou a consolidação


em um único documento a complexidade relativa a duas Terras Indígenas e
três grupos diferenciados: Guajajara/Rio Pindaré, Guajajara/Caru e Awá-
Guajá/Caru. Diante desta situação, baseada nos elementos advindos da
pesquisa de campo, a equipe técnica definiu a “Terra Indígena” como
unidade de análise, por entender que ela traduz melhor as transformações
ocorridas nas últimas décadas na região.

2
1.2 Método adotado

O Plano de Trabalho, aprovado pela Funai, propôs a análise dos possíveis


impactos da duplicação da EFC aos Awá-Guajá e Guajajara, considerando as
características do empreendimento e sua interação com as particularidades
ambientais e territoriais das TIs Caru e Rio Pindaré, e com as características
socioeconômicas, políticas e culturais destes povos, privilegiando o contato
com os Awá-Guajá e com os Guajajara nas várias aldeias das duas Terras
Indígenas, visando elaborar um diagnóstico participativo conforme
exigência do Termo de Referência deste Estudo.

Inicialmente, antes das campanhas de campo, a equipe dedicou-se à leitura


das fontes secundárias sobre os Guajajara e os Awá-Guajá, sobre o
histórico da Estrada de Ferro Carajás, sobre as características ambientais
das Terras Indígenas localizadas numa região de transição para a floresta
Amazônica. Esta pesquisa beneficiou-se com a leitura do estudo Duplicação
da Estrada de Ferro Carajás – EFC, Estudo Ambiental e Plano Básico
Ambiental – EA/PBA, out. 2011.

Com base nas informações das fontes secundárias, elaboraram-se roteiros


distintos para pesquisa de campo com os Guajajara da TI Rio Pindaré, com
os Guajajara da aldeia Maçaranduba/TI Caru e com os Awá-Guajá da TI
Caru. Com relação aos Awá-Guajá, contou-se com os seguintes
informantes: Bruno A. B. Fragoso, que na época era coordenador da Frente
de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá da Funai; Patriolino Garreta Viana,
funcionário da Funai que trabalha na aldeia Juriti da TI Awá; e o
antropólogo Uirá Felippe Garcia, cuja tese, Karawara, a caça e o mundo dos
Awá-Guajá, de 2010, foi adotada como leitura de referência para o bloco
Awá-Guajá deste Estudo.

O Componente Indígena é resultado do cruzamento das fontes secundárias


com o material coletado nas campanhas de campo nas TIs Rio Pindaré e
Caru, que compreendeu o registro de várias modalidades de pesquisa de
fontes primárias, como: observação nas aldeias e nas expedições para a
mata e para os rios; reuniões; entrevistas; oficinas participativas;
etnomapeamento.

A abordagem metodológica adotada pela equipe técnica para construção


das matrizes de impacto das duas Terras Indígenas foi descrita no Tomo V –
Avaliação dos impactos ambientais.

Durante as campanhas de campo, os Guajajara e os Awá-Guajá elegeram a


Estrada de Ferro Carajás como objeto central de análise, antes mesmo que
a equipe técnica direcionasse a pesquisa para este foco. Cabe lembrar que,
na época da construção da EFC, iniciada em 1976 e inaugurada em 1985,
não havia legislação ambiental que analisasse os impactos da implantação

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deste tipo de empreendimento, portanto, compreendeu-se que era
importante estabelecer um marco regulatório para o Estudo: inicialmente
levantar a memória do período da implantação da ferrovia para então
levantar o relacionamento com a EFC e abordar o projeto de duplicação.

A apresentação do projeto de duplicação foi feita com o auxílio de mapas


com imagem de satélite, onde estão registrados os limites das Terras
Indígenas, referências regionais como rodovias, cidades, rios, e os
elementos do projeto de engenharia da duplicação da EFC de que
dispúnhamos na época da pesquisa de campo. Este recurso possibilitou que
os indígenas tivessem uma noção da implantação do empreendimento, além
de permitir registrar as áreas de invasão nas Terras Indígenas, e servir de
base para o etnomapeamento, considerando a área de abrangência
territorial de cada aldeia.

Cacique Pedro Viana, da aldeia Piçarra Preta/TI Rio Pindaré, indicando para equipe
a área de invasão no lago Bolívia, nov. 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

Durante a pesquisa de campo na TI Caru, maximizou-se o uso desta


ferramenta – a cartografia – que contribuiu para que compreendêssemos os
conceitos de territorialidade e etnozoneamento distintos entre Awá-Guajá e
os Guajajara.

Nas reuniões em que se registrou a percepção dos indígenas sobre a


duplicação da EFC, tomou-se o cuidado de explicar que suas reivindicações
seriam filtradas pelas conclusões da equipe técnica, com base nos

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diagnósticos das duas Terras Indígenas. Nestas ocasiões, a equipe do
Componente Indígena comprometeu-se com os indígenas a retornar às
aldeias para fazer uma apresentação do diagnóstico e das matrizes de
impacto, com a participação do empreendedor e da Funai para consolidar
coletivamente os resultados do Estudo e delinear os programas futuros,
capazes de mitigar e compensar os impactos da duplicação da ferrovia,
detalhados posteriormente, na etapa de elaboração do Programa Básico
Ambiental (PBA).

Manoel registrando as informações sobre caça e coleta com os Awá-Guajá da aldeia


Awá/TI Caru, mar. 2012 (Foto: José Ferreira Jr.).

Os Guajajara da TI Rio Pindaré participaram ativamente da pesquisa de


campo e expressaram seu interesse nos resultados do diagnóstico, dada a
preocupação com as condições ambientais de seu território. Os Guajajara
da aldeia Maçaranduba, na TI Caru, deixaram claro que só estavam
permitindo a pesquisa de campo, porque não queriam ser os únicos a ficar
fora do Componente Indígena da duplicação da EFC.

Os Awá-Guajá das aldeias Awá e Tiracambu demonstraram grande interesse


nas informações prestadas pela equipe técnica, e colaboraram para fornecer
todos os subsídios possíveis para a construção do diagnóstico. Cabe lembrar
que contamos com o trabalho de um tradutor, Geir Guajá, funcionário da
Funai, morador da aldeia Guajá na TI Alto Turiaçu, conhecido e respeitado
pelos mais velhos desde a Frente de Atração da Funai, na década de 1980.

5
Resumindo, a base da orientação metodológica deste Estudo foi garantir a
participação efetiva das comunidades Awá-Guajá e Guajajara em seus
resultados, tentando afiançar que, na formulação do PBA, os Awá-Guajá e
Guajajara reconheçam o processo de trabalho trilhado anteriormente.

1.3 Histórico do processo de licenciamento ambiental da expansão


da EFC

Registraram-se, a seguir, as etapas do processo de licenciamento ambiental


da expansão da ferrovia mescladas às atividades realizadas por este estudo,
para melhor compreensão da inserção do Componente Indígena neste
processo.

 Abertura do processo Funai no. 08620/002108/2007 – DV.

 Em 13 de novembro de 2008, obtém-se resposta da Vale ao ofício da


Funai 3741/CGPIMA/DAS/08, contendo informações gerais sobre o
Projeto de Capacitação Logística Norte, envolvendo a ampliação da
Estrada de Ferro Carajás, incluindo os mapas de localização do
projeto em relação às Terras Indígenas Caru e Rio Pindaré.

 Em abril de 2011, ocorre a edição da Minuta do Termo de Referência


Ibama/DILIC, referente à duplicação da Estrada de Ferro Carajás –
São Luís/MA – FLONA Carajás/PA, para elaboração do Estudo
Ambiental e Programa Básico Ambiental, referente à duplicação da
Estrada de Ferro Carajás.

 Em 13 de maio de 2011, ocorre a emissão da minuta Termo de


Referência para elaboração do Estudo do Componente Indígena no
âmbito do Estudo Ambiental referente à duplicação da Estrada de
Ferro Carajás, estados do Pará e Maranhão.

 Em 13 de junho de 2011, é realizada reunião da Vale com a


CGGAM/Funai para análise do conteúdo do Termo de Referência para
elaboração do Componente Indígena.

 Em 27 de junho de 2011, é realizada reunião da Vale na aldeia


Januária, na Terra Indígena Rio Pindaré, para apresentação do
projeto de expansão da EFC e etapas de licenciamento ambiental
(Projeto CLN – Capacitação Logística Norte), quando foi pedida
anuência da comunidade para realização da pesquisa de campo do
Componente Indígena, registrada em ata.

6
 Em 28 de junho de 2011, é realizada reunião na aldeia
Maçaranduba, na Terra Indígena Caru, para apresentação do projeto
de expansão da EFC e etapas de licenciamento ambiental (Projeto
CLN – Capacitação Logística Norte), quando foi pedida anuência da
comunidade para realização da pesquisa de campo do Componente
Indígena, registrada em ata.

 Período de 16 a 21 de outubro de 2011, ocorre a primeira viagem da


equipe técnica do Componente Indígena para reuniões com a
empresa Vale em São Luís, onde foi apresentado o projeto de
expansão da ferrovia. Ocorre viagem para a CTL da Funai em Santa
Inês, num primeiro contato com os funcionários da Funai que
trabalham com os Guajajara e Awá-Guajá e com a região da TI Rio
Pindaré.

 Em 17 de outubro de 2011, é protocolado na Funai o Plano de


Trabalho e Termo de Compromisso para realização do estudo do
Componente Indígena das TIs Caru e Rio Pindaré no âmbito do
Estudo Ambiental da duplicação da Estrada de Ferro Carajás – EFC.
Este plano de trabalho, bem como o presente Estudo responde à 1ª.
Etapa – Estudo do Componente Indígena”, do Termo de Referência
da Funai.

 No início de novembro de 2011, é protocolado no Ibama o estudo


Duplicação da Estrada de Ferro Carajás – EFC, Estudo Ambiental e
Plano Básico Ambiental – EA/PBA.

 Em 24 de novembro de 2011, através do ofício no. 1193, a Funai


aprova o Plano de Trabalho do Componente Indígena do Estudo
Ambiental da duplicação da EFC para as TIs Caru e Rio Pindaré.

 No período entre 24 de novembro e 11 de dezembro de 2011, ocorre


a primeira campanha de campo da equipe do Componente Indígena,
incluindo a pesquisa de campo integral na TI Rio Pindaré; percorre-
se a região de entorno da TI Caru; abrem-se os trabalhos na aldeia
Tiracambu, na TI Caru. Neste período, não foi possível prosseguir a
pesquisa de campo na aldeia Tiracambu, nem realizar a pesquisa de
campo nas aldeias Awá e Maçaranduba, devido a questões de
segurança geral da TI Caru e ao clima de tensão motivado pelo
atraso da entrega das mercadorias pela Funai da programação do
Acordo de Cooperação entre Vale e Funai.

 No período entre 13 e 25 de março de 2012, ocorre a segunda


campanha de campo da equipe do Componente Indígena, pesquisa
de campo na TI Caru, incluindo as três aldeias: Maçaranduba, Awá e
Tiracambu. Realiza-se a inspeção na região dos povoados mais
próximos dos limites da TI Rio Pindaré.

7
 Em 27 de julho de 2012, a Justiça Federal do Maranhão suspende o
licenciamento da expansão da EFC (Ação Civil Pública 0026295-
47.2012.4.01.3700), entre outros motivos, pelo fato de a duplicação
da ferrovia poder causar “(...) graves danos a espaços especialmente
protegidos e ao modo tradicional de vida do povo indígena Awá-
Guajá (municípios de Zé Doca e São João do Caru) (...)” (Anexo 2 -
Documento da ação civil pública de suspensão do processo de
licenciamento da duplicação da EFC. Ministério da Justiça).

 Em 13 de setembro de 2012, é deferida a suspensão do processo de


licenciamento da duplicação da ferrovia, sendo citado, entre outros, o
Ofício 1101, de 27/10/2011, da Fundação Nacional do Índio,
sugerindo que a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, dentro das
terras indígenas, vem sendo monitorada por aquele órgão e que “não
tem óbices” à emissão da Licença de Instalação, “desde que
respeitadas as condições” por eles discriminadas (fl. 133/134)”
(Anexo 3 - Deferimento da suspensão do processo de
licenciamento da duplicação da EFC. Ministério da Justiça).

 Em 16 de novembro de 2012, dá-se a emissão da LI IBAMA


895/2012 da duplicação da EFC, com a ressalva: “2.1. Esta Licença
de Instalação não autoriza obras entre os km 274+000 e km
326+500 (Terra Indígena Caru) e km 686+558 e km 717+681
(Terra Indígena Mãe Maria) até manifestação a ser expedida pela
Funai”. Verificou-se a localização das terras indígenas deste Estudo
com relação à quilometragem da EFC: a TI Caru situa-se entre o km
300 e 350 e a TI Rio Pindaré, entre o km 200 e 250.

1.4 Estrutura do relatório

O Estudo do Componente Indígena das Terras Indígenas Rio Pindaré


e Caru, além desta Apresentação, contem cinco tomos. O conteúdo de cada
tomo deste relatório, sua itemização interna, bem como a sequência dos
tomos, foram pensados de modo a fornecer ao leitor informações em uma
ordem capaz de, gradativamente, apresentar todas as substâncias deste
estudo necessárias à compreensão da matriz de impactos e análise dos
mesmos, guardadas as especificidades das TIs Rio Pindaré e Caru, e dos
três grupos distintos – os Guajajara de cada Terra Indígena e os Awá-
Guajá.

8
Tomo I – Caracterização do empreendimento, contendo sua localização, os
objetivos, as características do projeto da duplicação da EFC, sua área de
influência, o histórico da EFC no Oeste Maranhense, a EFC e as Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru e o atual status do Acordo de Cooperação
entre Vale e Funai.

Tomo II – Etnografia básica sobre os Guajajara e os Awá-Guajá, contendo


localização, população, nome, língua, histórico do contato, organização
social e política, religião e rituais. Os dois capítulos trazem informações
gerais sobre os dois povos, independentemente da área indígena que
habitam. As informações contidas nas duas etnografias foram redigidas com
base nas fontes secundárias, mas também se beneficiaram dos relatos dos
Guajajara e Awá-Guajá durante a pesquisa de campo, uma vez que a
intensificação do contato interétnico vem alterando alguns aspectos
culturais destes povos. Este tomo contém ainda o item Patrimônio Cultural e
Arqueológico.

Tomo III – Contém o diagnóstico da TI Rio Pindaré, constituído pelos itens


localização, acessibilidade, processo de demarcação territorial, organização
social e política, características físico-bióticas, caracterização ambiental e
produtiva, caracterização socioeconômica, relação com a EFC e percepção
sobre o empreendimento. Cada item citado possui subitens, que dão conta
das demandas do Termo de Referência.

Tomo IV – Diagnóstico da TI Caru, composto pelos mesmos tópicos da TI


Rio Pindaré, subdividindo-se em olhares específicos para as duas etnias que
compartilham este território, os Guajajara e os Awá-Guajá.

Tomo V – Avaliação dos impactos ambientais, contendo o método adotado


para a construção das matrizes de impactos, análise dos impactos
considerando as especificidades dos territórios e grupos diferenciados,
apresentação de um resumo das ações e programas sugeridos para
mitigação e compensação dos impactos, que devem ser elaborados na 2ª
fase do Componente Indígena/PBA, e as considerações finais.

9
10
TOMO I – Caracterização do Empreendimento

11
12
1 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

1.1 Localização geográfica

O projeto de duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) ocorrerá na faixa


de domínio da ferrovia já existente, localizada nos estados do Maranhão e
Pará, que percorre 668 km e 224 km, respectivamente, nesses estados,
perfazendo um total de 892 km. (Mapa 1 - Inserção Regional do
Empreendimento e das Terras Indígenas).

1.2 Dados gerais

A EFC faz parte do Sistema Norte da empresa Vale S.A. Destaca-se como
uma das principais ferrovias brasileiras, interligando a província mineral de
Carajás, no Pará, ao porto de Ponta da Madeira, em São Luís, Maranhão.

A EFC possui 892 km de linha singela (735 km em tangente), sendo 668 km


no estado do Maranhão e 224 km no estado do Pará, interceptando 23
municípios no primeiro estado e quatro no segundo. Atualmente opera com
licença de Operação 842/2009, transportando minério de ferro, ferro-gusa,
manganês, cobre, combustíveis e carvão. A empresa também opera
transporte de passageiros com um movimento de 1.300 pessoas por dia,
servindo 25 municípios do Maranhão e do Pará.

A Vale possui mais de 220 locomotivas (veículo automotor para rebocar


vagões) e dez mil vagões, fazendo circular trens com quatro locomotivas e
330 vagões diariamente, considerados os maiores trens em extensão do
mundo.

Atualmente, o corredor ferroviário possui 46 pontes ferroviárias, dois


pontilhões, seis viadutos ferroviários, nove viadutos rodoviários, seis
estações ferroviárias de passageiros, além de outros nove pontos de parada
para o embarque e o desembarque de passageiros, estando doze dessas
unidades no Maranhão e três no Pará. Em resumo, ao longo da EFC existem
58 locações, das quais:

 55 correspondem a pátios de cruzamento que auxiliam no trânsito


das composições que circulam na EFC;

 8 destes pátios de cruzamento possuem instalações fixas associadas,


como postos de abastecimento, sede de manutenção da via
permanente VP/eletroeletrônica, depósito intermediário de resíduos,
plataforma de manutenção, controle de pátio, armazém de peças,
armazém de inflamáveis, posto médico, base de emergência e
restaurantes;

13
 Três são terminais ferroviários, sendo o primeiro em Ponta da
Madeira-MA (TFPM), o segundo em Paraupebas, e o terceiro em
Carajás-PA (TFCJ).

 O pátio ferroviário de Paraupebas possui acesso rodoviário para


embarque de minério de cobre proveniente da mina de Sossego, no
Pará.

 Além da linha tronco, a EFC conta ainda com os ramais listados que
compreendem uma extensão total de 240,05 km.

 Em quase toda sua extensão, a EFC possui uma estrada de serviço


contígua ao eixo da linha tronco, que está dentro da faixa de domínio
e possui padrão de estrada rural.

1.3 Objetivos e justificativa do projeto de duplicação da EFC

No contexto do Programa de Capacitação Logística Norte, a duplicação da


Estrada de Ferro Carajás e outras melhorias projetadas viabilizam a
adequação desta ferrovia para transportar o minério produzido nas
ampliações e nas novas minas da Vale, situadas na Província Mineral de
Carajás, que se encontram em fase de licenciamento, viabilizando a meta
de transporte de 230 toneladas por ano (Mtpa) de minério de ferro a partir
do ano de 2016 (Vale, 2012).

Para atingir essa meta, a expansão da EFC deverá promover a melhoria das
condições operacionais de transporte, proporcionando maior flexibilidade na
definição de novas logísticas operacionais e de manutenção.

São objetivos específicos do empreendimento:

 Viabilizar a execução de serviços de manutenção em partes da linha,


sem interromper o tráfego na outra linha paralela;

 Manter o deslocamento simultâneo de locomotivas em duas linhas,


em sentidos opostos, reduzindo as paradas de espera que antes
aconteciam nos pátios de cruzamento, e assim reduzir o tempo de
viagem, o consumo de combustível e o risco de acidentes por falhas
operacionais;

 Proporcionar o deslocamento simultâneo de locomotivas em duas


linhas, em mesmo sentido, permitindo a ultrapassagem entre
locomotivas em ritmos operacionais diferentes;

 Viabilizar a ultrapassagem de uma locomotiva com defeito mecânico,


até que seja reparada;

14
 Viabilizar a utilização de equipamentos sobre trilhos para dar suporte
à execução das manutenções e ou resgate em caso de ocorrência
ferroviária.

Assim, a expansão da Estrada de Ferro Carajás deve garantir o escoamento


ferroviário dos produtos provenientes da Província Mineral de Carajás, além
de transportar com maior segurança e flexibilidade produtos siderúrgicos,
agrícolas e insumos para a operação da Vale na região, aperfeiçoando o
transporte de passageiros (Vale 2012).

1.4 Dados técnicos do projeto de duplicação da EFC

O projeto de expansão da Estrada de Ferro Carajás (EFC), em síntese,


compreende as seguintes ações: i) duplicação de trechos de linha singela
localizados entre os pátios de cruzamento; ii) remodelação de pátios de
cruzamento; iii) implantação de desvios ferroviários; e, iv) implantação e
reforma de instalações fixas, conforme detalhado na Descrição do
Empreendimento (Capítulo 2.2) do EA/PBA, elaborado para o processo de
lincenciamento ambiental junto ao Ibama/DF.

O projeto em lincenciamento inclui exclusivamente obras/estruturas


inseridas na faixa de domínio da ferrovia existente, a qual ocupa, em
média, 40 metros para cada lado da EFC e totaliza 7.856 hectares – o
projeto prevê sua ampliação em cerca de 213 hectares –, de modo que a
faixa de domínio passará a ocupar cerca de 8.089 hectares.

O projeto de duplicação da linha tronco da EFC, além da duplicação


propriamente dos trechos que ainda estão em linha singela, compreende a
remodelação de pátios de cruzamento, a implantação de desvios
ferroviários e a implantação e reformas em instalações fixas. Implicará na
execução de diversas obras de engenharia nos componentes da
infraestrutura da via existente, tais como pontes, viadutos, sistemas de
drenagem.

Os trechos de duplicação projetados serão implantados entre pátios de


cruzamento existentes. Como premissa do projeto, será priorizada a
contratação de trabalhadores residentes nas áreas adjacentes ao
empreendimento, os quais serão devidamente treinados através de uma
série de programas mantidos pela empresa.

Os quantitativos envolvidos no projeto de duplicação da EFC em estudo


podem ser assim resumidos:

 duplicação de 634,782 km de linha singela (S11D: 508,625 km e CLN


150: 126,157 km);

 remodelação de 55 pátios ferroviários, totalizando 226,25 km;

15
 implantação ou ampliação e reformas de 71 instalações fixas (S11D:
68 instalações e CLN: 3 instalações);

 implantação de 23 pontes ferroviárias (pontilhões de trilhos);

 implantação de 17 desvios ferroviários, perfazendo 55,76km;

 ampliação e/ou implantação de 6 viadutos ferroviários;

 ampliação e/ou implantação de 41 pontes ferroviárias;

 implantação de 2 pontilhões ferroviários;

 implantação de 47 viadutos rodoviários;

 implantação de 12 pontes rodoviárias;

 implantação de 24 viadutos rodoviários;

 ampliação e/ou implantação de 83 passagens inferiores para a


duplicação de trechos de linha singela. Até a finalização desse estudo
não havia confirmação desse item, segundo informações da Vale.
implantação de sistema de drenagem;

 construção de estrutura de contenção;

 construção de 7 muros de concreto de vedação para duplicação de


trechos da ferrovia, distribuídos nas locações :4,5,8,9,10,33 e 47/48,
totalizando uma extensão de 36,97 km;

 manutenção da estrada de serviço;

 implantação e operação de 125 canteiros de frente de serviços/obras


e 49 canteiros avançados de obras de arte especiais, instalados ao
longo da via, dentro dos limites da faixa de domínio;

 12 canteiros principais que darão apoio aos canteiros avançados,


estes licenciados independente;

 mobilização e desmobilização de mão de obra, estimada em 8.645


trabalhadores para o pico das obras na etapa de implantação;

 mão de obra estimada em 796 novos postos de trabalho para a etapa


de operação, considerando CLN 150 e S11D;

As atividades previstas no empreendimento são descritas em duas etapas:


de implantação e de operação. O Cronograma da Obra previsto pelo Estudo
Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA), 2011 (Anexo 4 -
Cronograma Físico das Atividades de Pátio e Duplicação da EFC)
possibilita a visualização das atividades necessárias à implementação do
empreendimento. Entretanto, não há um cronograma definido para cada

16
etapa de execução da obra nas regiões das TIs Rio Pindaré e Caru, mesmo
porque estes trechos encontram-se em processo de licenciamento.
Segundo informações da Vale de dezembro de 2012, vários itens do projeto
de engenharia encontram-se em levantamento e análise, e a empresa
deverá informar à Funai e os indígenas sobre eventuais alterações no
projeto de duplicação da ferrovia, desde que sejam relevantes.

É importante salientar que não fazem parte do objeto do licenciamento da


duplicação da EFC as seguintes estruturas/atividades:

1- Os 12 canteiros principais que apoiarão os canteiros avançados,


previstos para serem implantados nos muncípios de Santa Rita, Vitória
do Mearim, Santa Inês, Mineirnho, Presa do Porco, Bom Jesus da Selva,
Açailândia, Cidelândia, São Pedro da Água Branca, Marabá, Itainópolis e
Paraupebas.

2- Áreas de empréstimo: o projeto foi concebido de forma a minimizar


os volumes de empréstimo, entretanto, caso necessário, será adquirido
de fornecedores devidamente licenciados.

3- Pátios de estocagem de brita: a brita que será utilizada neste


empreendimento será proveniente de pátios de brita pertencentes a
Vale, localizados em Açailândia e Santa Inês, no Maranhão. Estes pátios
estão em processo de licenciamento junto ao órgão estadual.

4- Áreas de Disposição de Material Excedente (ADMEs) externas à faixa


de domínio, totalizando sete a ser licenciadas, distribuídas nos
municípios de Bom Jesus das Selvas, no Maranhão, e Bom Jesus do
Tocantins, Marabá e Paraupebas, no Pará. Estas áreas serão objeto de
licenciamento ambiental posterior, junto aos órgãos estaduais de meio
ambiente;

5- Melhoria de acessos secundários, transversais à ferrovia, que


conectam as rodovias principais à EFC e às estradas de serviço.

Canteiros de Obra

Os canteiros de obra que servirão à etapa de implantação serão divididos


entre canteiros avançados (CA) e canteiros principais (CP). Cada canteiro
principal dará apoio a um conjunto de canteiros avançados e, portanto, a
um trecho da ferrovia que estiver em obras.

Segundo informações da Vale, os canteiros principais estão inseridos em


centros urbanos, providos de alojamentos, refeitórios, áreas administrativas
etc. As propostas técnicas dos canteiros de obra feitas por empresas
proponentes estarão sujeitas à avaliação e validação da Vale.

Os canteiros avançados estarão localizados dentro da faixa de domínio da


ferrovia, junto às frentes de serviços, principalmente nos locais onde haja

17
uma concentração maior de obras civis, de mão de obra e de demanda por
equipamentos, materiais e insumos. Serão instalados 125 canteiros
avançados dentro da faixa de domínio, divididos em canteiros de frente de
serviço e canteiros de obra de arte especiais.

Os canteiros principais, responsáveis pela implantação da estrutura e da


obra de arte próximos às Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru, estão
previstos para instalação na cidade de Santa Inês e nos povoados de
Mineirinho e Presa do Porco (Mapa 1 - Inserção Regional do
Empreedimento e das Terras Indígenas). A equipe técnica não teve
acesso as informações das localizações precisas desses canteiros e suas
características de implantação, número de trabalhadores contratados e
tratamento dos afluentes, dos resíduos sólidos, da reciclagem de lixo etc.

O canteiro de Altamira, inicialmente projetado para ser instalado entre os


povoados de Altamira e Roça Grande, distante aproximadamente 2 km da
aldeia Tiracambu/TI Caru, foi desativado.

1.5 Áreas de influência do projeto de duplicação

De acordo com o EA/PBA (Vol. 1) da duplicação da EFC, as áreas de


influência do empreendimento foram assim definidas:

Área Diretamente Afetada (ADA)

ADA corresponde às áreas a serem ocupadas pelo empreendimento,


incluindo aquelas destinadas à instalação das estruturas necessárias a sua
implantação e operação, bem como as áreas de supressão de vegetação e
de aberturas de novos acessos. Trata-se das áreas que terão sua função
alterada, onde serão gerados os aspectos ambientais inerentes ao
empreendimento. Na ADA podem ocorrer impactos diretos e indiretos,
decorrentes do desenvolvimento das tarefas que caracterizam a etapa de
implantação e operação do empreendimento. Para os meios físico, biótico e
socioeconômico, a ADA definida compreende uma faixa descontínua, com
sua variação determinada pelo projeto geométrico das obras civis.

Área de Influência Direta (AID)

A AID para os meios físico, biótico e socioeconômico compreende a faixa de


500 m de largura para cada lado da ferrovia a partir de seu eixo. Este limite
foi adotado, considerando-se que, ultrapassado este limite, avaliações
preliminares e ratificadas pelos levantamentos de campo, as condições
ambientais mostram-se preservadas da interferência do projeto. Tal fato é
aplicável ao contexto dos ruídos e vibrações, ao contexto das áreas de
preservação permanente, às influências no padrão de uso e ocupação do
solo. Exceção a este limite é a área de influência Direta do Clima, que

18
compreende a faixa de 40 km de largura para cada lado da ferrovia a partir
de seu eixo.

Para o meio socioeconômico, consideram-se AID as localidades existentes


na faixa de até 500 metros de ambos os lados do eixo da ferrovia. Todavia,
quando o limite dos 500 metros abarcar apenas parte das localidades, vilas
ou bairros que constituem reconhecidas unidades socioterritoriais e
identitárias, adotou-se o critério de considerá-las em sua totalidade.

Área de Influência Indireta (AII)

A AII para os meios físico e biótico contempla uma faixa de 1.500 metros a
partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros de largura a partir do limite
da AID. Trata-se de um limite a partir do qual, para os meios em apreço,
nenhuma interferência ambiental sensível é observada.

Para o meio socioeconômico, a delimitação da AII foi estabelecida


considerando os limites geográficos dos municípios. Neste sentido, integra a
AII do meio socioeconômico, o conjunto de 27 municípios cortados pela
EFC, onde se inserem os povoados e localidades que compõem a AID. São
eles: São Luís, Bacabeira, Santa Rita, Anajatuba, Itapecuru Mirim, Miranda
do Norte, Arari, Vitória do Mearim, Bom Jardim, Igarapé do Meio, Monção,
Pindaré Mirim, Santa Inês, Tufilândia, Alto Alegre do Pindaré, Buriticupu,
Bom Jesus das Selvas, Açailândia, São Francisco do Brejão, Cidelândia, Vila
Nova dos Martírios, São Pedro da Água Branca, Itinga do Maranhão, Bom
Jesus do Tocantins, Marabá, Curionópolis e Parauapebas.

No Tomo V – Avaliação dos impactos ambientais, a equipe técnica deste


Estudo definiu a área de influência direta do empreendimento com relação a
TI Rio Pindaré e a TI Caru, específicamente para avaliação dos impactos da
duplicação da EFC. Estas áreas diferem da AID proposta pelo EA-PBA, e na
abordagen metodológica do Tomo V esclareceu-se o porque de adotar AIDs
específicas para este Componente Indígena.

2 A Estrada de Ferro Carajás e o Oeste Maranhense

2.1 Histórico de ocupação da área de influência da EFC

O histórico de implantação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) é de grande


importância para delinear a vulnerabilidade que as comunidades indígenas
das TIs Rio Pindaré e Caru ficaram sujeitas devido às intervenções diretas
ou indiretas em seus respectivos territórios, principalmente no que diz
respeito à mudança do uso do solo e à exploração de recursos naturais.

19
Para tanto, partiu-se de uma análise em que foi considerada a inserção do
empreendimento na cadeia produtiva da mineração e a direção dos efeitos
desse processo, que resultou em mudanças na organização espacial da
região, incidindo sobre os povos Awá-Guajá e Guajajara que vivem nas
Terras Indígenas citadas.

Antes do início das obras da construção da Estrada de Ferro Carajás, em


meados da década de 1970, o Oeste Maranhense possuía um incipiente
desenvolvimento econômico. As principais atividades se restringiam ao
extrativismo de madeira e à pecuária extensiva. No entanto, a ocupação
dessa região iniciou-se a partir da década de 1960, com a chegada de
migrantes vindos de outros estados do Nordeste, fixando-se em
assentamentos rurais concedidos por projetos governamentais de
colonização de terras1.

Segundo Coelho et al (2004, p. 414), antes da implantação da ferrovia na


década de 1970, a região hoje cortada pela EFC era tida pelos estudos do
Governo Federal como uma área de baixa densidade demográfica,
ocorrendo a presença de povos indígenas e poucos colonos que viviam do
extrativismo da floresta. Porém, esses estudos ignoravam os conflitos
existentes entre os diversos atores sociais que já ocupavam a região, como
madeireiros e pecuaristas2.

A partir de meados da década de 1970, o início da mobilização para


implantação da Estrada de Ferro Carajás na região e os projetos a ela
associados provocaram alterações na estrutura do espaço geográfico,
atraindo tanto fluxos de capital quanto populacional.

A implantação da EFC, ocorrida entre o final da década de 1970 e início da


de 1980, representou para a região Oeste Maranhense, significativa
mudança no seu espaço geográfico, condicionando-o a um reordenamento
territorial das áreas lindeiras ao corredor ferroviário, e, em conjunto com
outros projetos implantados na época3, proporcionou mudanças no perfil
socioeconômico das populações das áreas que foram afetadas direta ou
indiretamente pela instalação desses empreendimentos, induzindo a uma
nova configuração socioambiental, o que refletiu nas transformações da
dinâmica da economia regional.

O fluxo de capital fixou-se predominantemente nos polos que abrigaram os


complexos industriais criados próximos às reservas de minério, como
Marabá e Açailândia. Em contrapartida, grande parte do fluxo populacional
fixou-se em áreas lindeiras à ferrovia, e os migrantes que ali se

1
Entre 1973 e 1987, o governo do Maranhão promoveu projetos de colonização dirigida na região Pré-
Amazônica maranhense (OCMAL, 2010).
2
Seguindo a avaliação elaborada por Coelho: “ampliava-se a disputa de diversos atores sociais pelo
acesso a parcelas desses recursos, notadamente a terra; a situação fundiária já era grave na porção do
oeste do Maranhão e sudeste do Pará”.
3
Também ocorreram na região do Oeste maranhense a implantação de importantes rodovias, como a
BR 364 e a BR 222.

20
estabeleceram desenvolveram atividades produtivas, não necessariamente
ligadas a EFC (Oliveira, 2004).

O Programa Grande Carajás (PGC)4 foi um vetor de atração de significativos


contingentes populacionais. Estas frentes de migração eram constituídas de
operários da construção civil, garimpeiros e pequenos agricultores, e de
outros indivíduos procurando algum tipo de ocupação, muito deles sem
qualificação profissional (Silva apud Hall, 1989).

A chegada de um grande número de pessoas nesta região, frágil do ponto


de vista socioambiental, trouxe problemas graves, pois os municípios
receptores não estavam preparados para receber esse contingente
populacional. A cidade de Santa Inês foi um dos centros que sofreram com
o vertiginoso crescimento populacional, tendo sua população urbana saltado
de 14.890 habitantes em 1970 para 54.035 habitantes 5 em 1990,
perfazendo uma taxa de crescimento de 10% a.a. (IBGE, Censo
Demográfico 1970,1980, 2000).

A implantação do PGC causou mudanças no antigo padrão fundiário,


fazendo emergir indiretamente novos arranjos locais produtivos. Sobre esse
aspecto, ressaltam-se os conflitos agrários entre as populações rurais e o
avanço das grandes propriedades rurais que estavam ligados à valorização
das terras que ficavam à margem da EFC (Almeida, 2008).

Em 1982, devido às pressões vindas da sociedade civil e das agências


financiadoras do Projeto Ferro Carajás6, a CVRD elaborou um programa
intitulado Apoio às Comunidades Indígenas 7, tratando-se de um convênio
operacional entre a CVRD e a Funai. Portanto, os povos indígenas da área
de influência do Projeto Ferro Carajás foram inseridos em planos de
investimentos para aplicações de ações para a proteção e desenvolvimento
de atividades produtivas, que resultaram em alteração nos seus cotidianos,

4
Cabe distinguir os significados de Programa Grande Carajás – PGC e Projeto Ferro Carajás – PFC. O
Programa Grande Carajás – PGC, estabelecido nos anos 1980, é um programa cuja abrangência
estende-se por 900.000 km², área cortada pelos rios Xingu, Araguaia e Tocantins, englobando terras do
sudeste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste do Maranhão. Trata-se de um programa de investimento
voltado ao desenvolvimento econômico regional, através de atividades agropecuárias e florestais, de
mineração e indústria, infraestrutura e serviços, ao longo do chamado Corredor Carajás.
O Projeto Ferro Carajás – PFC, também definido nos anos 1980 como parte integrante do PGC, é de
responsabilidade da Vale e constitui-se num projeto de exploração mineral das jazidas situadas na Serra
de Carajás, no sudeste do Pará, destinado à exportação, formado por três componentes: Mina de Ferro
de Carajás, Estrada de Ferro Carajás e Porto de Ponta Madeira (São Luiz – MA), conhecidos em seu
conjunto como o “Sistema Norte” da Vale. In Almeida, A. W. B., A Guerra dos Mapas, 1994.
5
Dados dos Censos Demográficos do IBGE de 1970 e 1991.
6
Antônio Venâncio, funcionário da Vale que trabalha no relacionamento com as comunidades indígenas,
em reunião com a equipe deste estudo, em 17/10/2011, relatou: “Tudo começou no tempo do Delfim
Neto e Eliezer Batista, por exigência do Banco Mundial. A Sociedade Brasileira deIndigenistas, com uma
carta do Porfírio Carvalho, informou o Banco que a ferrovia ia impactar várias Terras Indígenas. Era
necessário demarcar os territórios”.

7
Ainda segundo Oliveira, a pressão internacional foi decisiva para a firmação do convênio, já que
denúncias relatavam o não reconhecimento do governo brasileiro e da CVRD da vulnerabilidade dos
povos indígenas diante da implantação da EFC. Dessa forma, diante das exigências das agências
financiadoras para dar continuidade ao PGC, foi firmado, em janeiro de 1982, o convênio CVRD-Funai
nº. 59.

21
com repercussão nas suas relações junto à sociedade regional (Oliveira et
allii, 2004).

O investimento para a aplicação do programa foi orçado pela Funai, ficando


na ordem de U$ 13,6 milhões, que seriam implantados junto às populações
indígenas atingidas diretamente pelo traçado da ferrovia, num período de
cinco anos (1982 a 1987). As etnias Guajajara e Awá-Guajá estavam
contempladas nesse convênio (Oliveira et al, 2004).

Entre as ações apontadas para resguardar as comunidades indígenas estava


a demarcação de seus territórios, vista como a principal ação para
minimizar os impactos que essas comunidades poderiam sofrer por causa
da implantação da ferrovia. Nesse período, os Awá-Guajá ainda não tinham
suas terras demarcadas 8 e já sofriam com as invasões de posseiros,
madeireiros e fazendeiros em seu território de perambulação tradicional.

Segundo Oliveira et al (2004), os impactos nas Terras Indígenas do


Maranhão, decorrentes da implantação de inúmeros empreendimentos de
infraestrutura tiveram grande magnitude, expondo esses povos indígenas
aos invasores que chegaram a região desde a abertura da ferrovia. A
ocupação de posseiros, madeireiros e grileiros também se deu em áreas de
conservação ambiental, como a Reserva Biológica do Gurupi, ampliando as
condições de invasão nas áreas de perambulação dos Awá-Guajá, hoje
constituídas como TIs Caru e Awá.

Em 1985, a EFC foi oficialmente inaugurada pelo então presidente João


Batista Figueiredo, ligando as cidades de Paraupebas, no estado Pará, ao
Porto de Itaqui em São Luís, no estado do Maranhão, com uma extensão de
892 km, atravessando 22 municípios para escoar o minério de ferro
proveniente de uma das maiores províncias minerais do mundo, localizada
na Serra de Carajás, município de Paraupebas, PA.

A presença da EFC foi um dos vetores para a aceleração do reordenamento


da organização espacial e política, resultando no surgimento de novos
núcleos populacionais no corredor territorial da EFC, decorrente do intenso
movimento migratório. Assim, ocorreu a fragmentação do território político 9
e a pressão sobre os governos municipais para atender às novas demandas
sociais da população recém-chegada.

A fragmentação territorial, ocorrida entre as décadas de 1980 e 1990, levou


a um alto crescimento demográfico, ocasionando um inchaço populacional
de algumas pequenas cidades, como por exemplo, Santa Inês, além de
induzir o adensamento populacional de pequenas vilas. Atualmente, alguns

8
A TI Alto Turiaçú, onde vivem os Awá-Guajá e os Kaapor, foi homologada em 29/12/1982; a TI Caru,
onde vivem os Awá-Guajá e Guajajara, foi homologada em 22/11/1982; a TI Awá foi homologada em
20/04/2005, porém o processo de desintrusão ainda não foi concluído.
9
Segundo Silva (1996), a CVRD, na distribuição e localização de novos projetos, tem contribuído
indiretamente com retalhamento territorial, ocasionando o movimento de criação de novos municípios.

22
desses povoados estão situados bem próximos aos limites das TIs Rio
Pindaré (Pimentel, Brejo, Tufilândia) e Caru (Altamira, Roça Grande, Boa
Vista, Auzilândia e Mineirinho).

Em 1986, foram construídas três estações ferroviárias, as quais deram


pulsão para a formação de pequenas vilas às margens do rio Pindaré:
Altamira, Auzilândia e Mineirinho. A proximidade desses povoados das
aldeias indígenas Awá-Guajá da TI Caru, provocaram o aumento na
intensidade dos contatos interétnicos entre os indígenas e a população do
entorno da TI.

Alguns municípios cortados pela EFC foram emancipados a partir de 1997.


Dentre esses estão: Alto Alegre do Pindaré, com território limite ao da TI
Caru; e Tufilândia, estando limite a TI Rio Pindaré. Outros municípios
criados na região foram: Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Igarapé do Meio
e Itinga do Maranhão, todos localizados entre Santa Inês e Marabá.

2.2 Municípios que exercem influência nas Terras Indígenas Rio


Pindáre e Caru

Alto Alegre do Pindaré


Alto Alegre do Pindaré foi criado pela Lei nº. 6.167 de 10 de novembro de
1994, desmembrado do município de Santa Luzia, localizado na
microrregião Rio Pindaré.

O município de Alto Alegre do Pindaré é alcançado por via rodoviária pela


MA 119, que se interliga à BR 222 no município de Santa Luzia. A Estrada
de Ferro Carajás corta 87 km do território de Alto Alegre do Pindaré, sendo
um importante meio de transporte.

Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Alto


Alegre do Pindaré é de 31.028 habitantes, distribuídos em uma área
territorial de 1.931 km², o que configura uma densidade demográfica de 19
hab/km². A taxa de urbanização é de apenas 31% e o crescimento
populacional de apenas 0,62% a.a. entre 2000 e 2010.

A economia municipal é pautada no setor primário, sendo a agropecuária a


principal atividade produtiva. As principais atividades produtivas são o
cultivo de mandioca (sendo o maior produtor do Estado), além de milho,
arroz, feijão, melancia e cana.
Em relação às Comunidades Indígenas, esse município é o que está mais
próximo das aldeias da TI Caru, sendo o principal centro de serviços
procurados pelos indígenas para o comércio e o atendimento à saúde.

23
Bom Jardim
O município de Bom Jardim foi criado pela lei no. 2.735 de 30 de dezembro
de 1966. Está localizado na microrregião Pindaré, sendo a sede municipal
acessada pela BR 316, que corta seu território interligando à sede do
município à Santa Inês e ao estado do Pará.
Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Bom
Jardim é de 39.093 habitantes, distribuídos em uma área territorial de
6.590,5 km², o que configura uma densidade demográfica de 5,9 hab/km².
A taxa de urbanização é de apenas 42% e o crescimento populacional foi de
1% a.a. entre 2000 e 2010.
Territorialmente, Bom Jardim é de importância notória para o presente
estudo, já que é nele que estão localizadas a TI Caru e a TI Rio Pindaré,
além de parte da TI Awá-Guajá, da Reserva Biológica do Gurupi e da Área
de Proteção Baixada Maranhense.
A TI Caru, com uma área de 172.667 hectares, e a Rio Pindaré, com 15.003
hectares, ocupam 27% da área territorial de Bom Jardim (677.120
hectares).
Santa Inês

Originalmente, o município pertencia ao território de Pindaré-Mirim e era


ocupado pela população indígena. Por volta de 1879, iniciou-se o processo
de ocupação pela população de outras regiões do país. Em 1884, foram
instaladas as primeiras lavouras de cana-de-açúcar. A emancipação oficial
de Santa Inês deu-se em 1967.
O município de Santa Inês, caracterizado como o principal centro
polarizador da região de influência direta sobre as TIs, configura-se como
um importante tronco rodoviário, onde há a conexão entre a BR 222 e a BR
316, sendo um dos principais trechos da EFC, no que diz respeito ao
transporte de passageiros, além de possuir acesso por hidrovia, através de
um porto no rio Pindaré.
Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Santa
Inês é de 78.182 habitantes, distribuídos em uma área territorial de 402
km², o que configura a alta densidade demográfica de 192 hab/km². A taxa
de urbanização é de 94% e o crescimento populacional foi de 1,36% a.a.
entre 2000 e 2010.
Em relação às Terras Indígenas, Santa Inês possui um importante papel
para as comunidades indígenas da TI Rio Pindaré, devido à proximidade das
aldeias ao centro urbano deste município, sendo o acesso realizado pela BR
316, no trecho entre Santa Inês e Bom Jardim.
Santa Inês é o principal centro de assistência à saúde indígena voltado às
TIs Rio Pindaré e Caru, sediando um Pólo Base da Secretaria Especial de
Saúde Indígena, a Sesai.

24
Tufilândia
Criado pela lei nº. 6.180 de 10 de novembro de 1994, Tufilândia foi
emancipada do município de Pindaré Mirim, localizada às margens do rio
Pindaré.
O município de Tufilândia é acessado pela rodovia MA-319, acessível pela
BR-222, que liga o sul maranhense à capital. A Estrada de Ferro Carajás
atravessa o município por 14,2 quilômetros, em local afastado do centro
urbano.
Segundo o Censo Demográfico 2010 (IBGE), a população total de Tufilândia
é de 5.336 habitantes, distribuídos em uma área territorial de 276,924 km²,
o que configura a alta densidade demográfica de 20,21 hab/km². A taxa de
urbanização é de 52% e o crescimento populacional foi de 1,2% a.a. entre
2000 e 2010.
Em relação às comunidades indígenas, a sede municipal de Tufilândia está
localizada às margens do rio Pindaré, limítrofe da TI Rio Pindaré.

2.3 Sinergia dos empreendimentos projetados para região

Os efeitos sinérgicos gerados pelos empreendimentos da região de estudo,


que abrange os municípios percorridos pela EFC, além de serem
desencadeadores de um processo de desenvolvimento econômico regional,
também poderão provocar uma série de problemas ambientais e sociais
desencadeados durante e após a implantação desses empreendimentos.

Notadamente, a curto e médio prazo a região do Oeste Maranhense sofrerá


transformações advindas de grandes empreendimentos, estando inserida
dentro de um eixo de desenvolvimento econômico de exploração de
recursos minerais da Amazônia Oriental, e, para tanto, será necessário
ampliar o sistema logístico, capaz de escoar grandes investimentos entre as
áreas de exploração e produção e o complexo portuário de exportação de
São Luís.

O desenvolvimento de projetos simultâneos com a duplicação da EFC


acarretará, em maior pressão, sobre os recursos naturais do sudoeste
maranhense. Em relação a outros empreendimentos, que de certa maneira
poderão influenciar, com menor magnitude, na dinâmica socioambiental da
região de estudo, estão previstas ações envolvendo a construção,
pavimentação e recuperação de rodovias, a expansão e modernização de
portos e hidrovias; a melhoria do sistema de comunicação; e a expansão do
sistema de distribuição de energia elétrica por linhas de transmissão.

25
Assim, cabe relacionar os principais projetos de desenvolvimento e
infraestrutura econômica que estão previstos para um cenário futuro de
curto e médio prazo e que, de alguma forma, poderão exercer influência na
região do sudoeste maranhense, se interelacionando no processo de
trasformações socioeconômicas da região onde estão localizadas as Terras
Indígenas Caru e Rio Pindaré, objeto do presente estudo.

Projeto Ferro Carajás SD11

O projeto tem, como matriz, a exploração de minério de ferro localizada no


município Canaã dos Carajás, considerada uma das maiores minas do
mundo com investimento da ordem de US$ 6,776 bilhões. A implantação do
complexo de mina e usina de beneficiamento terá capacidade para produzir
90 milhões de toneladas/ano (Vale, 2010).

Além da implantação da mina e da usina, o projeto prevê a construção de


ramal ferroviário de 110 km de extensão, o qual deverá interligar o
município de Canaã dos Carajás à Estrada de Ferro Carajás, que será
duplicada e ganhará mais 604 km de linhas férreas.

Aços Laminados do Pará (Alpa)

Projeto da Vale S.A. que consiste na instalação de um complexo siderúrgico


em Marabá para fabricar placas e aços laminados. A Alpa tem investimento
previsto de 3,2 bilhões de dólares e geração de dezoito mil empregos na
fase de implantação. Na fase de operação, deverão ser gerados mais de
quatro mil empregos diretos e outros dezesseis mil indiretos (Vale, 2010).

O projeto Alpa vai promover a verticalização do minério de ferro com uma


capacidade de produção calculada em dois milhões de toneladas métricas
de aço semiacabado (placas) e quinhentas mil toneladas de aço laminado,
bobinas a quente e chapas grossas (Vale, 2010).

Grupo Suzano Celulose

A região sul do Maranhão está inserida na nova fronteira de celulose com o


projeto de instalação de uma usina de produção da Suzano e com o reforço
do plantio de eucaliptos em uma vasta área dessa região do Estado.

Como parte da expansão das áreas de plantio de eucalipto no Maranhão, a


Suzano está implantando o Projeto Florestal da Região de Porto Franco em
uma área de sessenta mil hectares, situada no sudoeste do estado (STCP,
2010).

A usina está sendo construída em Imperatriz e terá uma capacidade de


produção de 1,3 milhão de toneladas ao ano. Segundo a empresa, o
empreendimento gerará até oito mil empregos na fase de implantação do
projeto e outros cinco mil na fase de operação, além de quinze mil postos
indiretos (revista O papel, 2010).

26
Ferrovia Norte Sul

A Ferrovia Norte Sul, quando concluída, será uma importante interligação


entre a Amazônia e Centro-Sul do país e uma facilitadora do escoamento de
grãos para a exportação.

A ferrovia terá uma extensão de 1.980 km, cortando os estados do Pará,


Maranhão, Tocantins e Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do
Sul, onde foi idealizada para minimizar o transporte de longa distância,
articulando-se com a Ferrovia Carajás por uma conexão em Açailândia,
permitindo o acesso ao porto de Itaqui no Maranhão (Ministério dos
Transportes, 2010).

A Ferrovia Norte Sul poderá absorver aproximadamente 30% do volume de


carga transportada pelas principais rodovias, sendo a carga transportada
composta de commodities minerais e produtos agrícolas, partindo do norte
em direção ao sul, e de combustíveis, fertilizantes e carga geral, partindo
do sul em direção ao norte.

Até 2010, apenas 624 km de ferrovia estava construída, entre Açailândia e


Guaraí. O trecho sul, entre Palmas (Tocantins) e Porto Murtinho (Mato
Grosso do Sul), já está em obras. Por outro lado, o trecho entre Açailândia
e Belém ainda estava em fase de estudo (Ministério dos Transportes, 2010).

Recuperação da BR 230

BR 230 – Transamazônica é um dos principais corredores de transporte da


região Norte. No Maranhão, interliga importantes centros urbanos, como
Imperatriz e Balsas a outros polos das regiões Norte e Nordeste. A
recuperação e a pavimentação da rodovia estão previstas no Plano de
Aceleração do Crescimento 2.

A restauração da BR 230 no Maranhão soma, ao todo, 262 km de extensão


e está dividida em três lotes. Um entre Balsas e Riachão, outro entre
Riachão e Carolina e o último que vai de Carolina a Estreito. (Transporta
Brasil, 2011).

Recuperação da BR 222

A rodovia BR 222 liga Fortaleza, no Ceará, à cidade de Marabá, no Pará. É


uma via que corta o Maranhão no sentido nordeste-sudoeste, sendo,
também, um importante acesso a São Luís a partir da cidade de Itapecuru-
Mirim. Seu percurso passa por importantes centros urbanos do Estado,
como Vitória do Mearim, Santa Inês, Santa Luzia e Açailândia.

Atualmente, estão sendo realizadas obras de recuperação dessa rodovia por


meio do Programa Integrado de Revitalização Rodoviária (Pier) do
Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit).

27
Segundo o site do Portal Transporta Brasil (www.transportabrasil.gov), a
obra na BR 222 faz parte de um investimento de R$ 615 milhões, em que o
Dnit está executando obras de restauração nas rodovias BR 222 e BR 230,
no estado Maranhão.

Na BR 222, os serviços são executados em dois trechos. O primeiro está


localizado entre Santa Luzia do Tide (km 404) e o entroncamento com a MA
006, próximo ao município de Arame (km 500). Já o segundo, vai do km
500 até o km 590, perto de Bom Jesus das Selvas.

Linha de transmissão Açailândia-Presidente Dutra

A linha de transmissão de energia elétrica está sendo implantada entre as


cidades maranhenses de Açailândia e Presidente Dutra, e faz parte das
ações de expansão e modernização da infraestrutura energética do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo dados do PAC
(2010), está previsto um investimento de R$266,6 milhões.

Segundo a ANEEL (2011), essa linha de transmissão (LT) irá compor o


Sistema Nordeste de distribuição de energia, que tem como
finalidadeaumentar a oferta de energia procedente da usina hidrelétrica
(UHE) Tucuruvi e do Sistema Norte-Sul para os estados do Nordeste. A
ampliação da rede de transmissão de energia, dessa feita com mais uma
linha de 500 quilovolts, ligando Tucuruí-Marabá-Açailândia-Imperatriz-
Presidente Dutra, totalizando 924 km, estando esta em operação desde
março de 2011.

2.4 A Estrada de Ferro Carajás e as Terras Indígenas Rio Pindaré e


Caru

Este capítulo traz o histórico da implantação da EFC e do Projeto Ferro


Carajás (PFC) nas décadas de 1970 e 1980, nas proximidades das Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru, com base na bibliografia existente. Cabe
lembrar que este histórico faz parte de um contexto maior, envolvendo
outros povos indígenas e seus territórios (como, por exemplo, os Xikrin do
Cateté, os Gaviões e os Krikati), havendo sido feita uma seleção dos
documentos,10 privilegiando as Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru.

O histórico desse relacionamento baseado na memória oral dos indígenas


que vivenciaram a construção da EFC, e no posicionamento dos Guajajara

10
Os principais documentos utilizados para edição deste capítulo são os seguintes: CEDI (Centro
Ecumênico de Documentação e Informação), 1986, Povos Indígenas no Brasil – 85/86 (Aconteceu
Especial, 17). GOMES, Mércio Pereira, 1985. Programa Awá, Rio de Janeiro (mimeografado).
OLIVEIRA, Adalberto Luiz Rizzo de. Projeto Carajás, práticas indigenistas e os povos indígenas no
Maranhão. Revista Anthropológicas, n. 8, vol. 15(2): 135-170, 2004.

28
das TIs Rio Pindaré e Caru, e dos Awá-Guajá da TI Caru, foi detalhado nos
diagnósticos das duas Terras Indígenas (Tomos III e IV).

O processo relatado visa fornecer os antecedentes do Acordo de


Cooperação firmado entre VALE S/A e Funai em fevereiro/2007 em
benefício dos Povos Indígenas Guajá (Terras Indígenas Rio Pindaré
e Caru, Awá e Alto Turiaçu), e Urubu Ka’apor (Terra Indígena Alto
Turiaçu), que neste Estudo será chamado de Acordo de Cooperação
Vale/Funai. O referido Acordo de Cooperação é o assunto que mais
mobilizou as comunidades das duas Terras Indígenas à época das
campanhas de campo deste Estudo, concentrando todas as expectativas dos
indígenas referentes à convivência com a ferrovia e com a empresa Vale.

Com base nos dados contidos neste histórico, observa-se que, desde o
primeiro Convênio CVRD-Funai, os recursos nem sempre seguiram um
planejamento voltado para mitigar e compensar os impactos da implantação
do Projeto Ferro Carajás (PFC), que, de fato, considerassem a oportunidade
de desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas, objetivo que
subjaz desde a formulação do primeiro Convênio.

Segundo bibliografia sobre o histórico do PFC e PGC e especifcamente de


acordo com Oliveira (2004)

“Diante de denuncias veiculadas pela imprensa nacional e


internacional, por pesquisadores e organizações não governamentais
vinculadas aos direitos dos povos indígenas sobre o não-
reconhecimento pelo Governo Brasileiro e pelas agencias de
desenvolvimentos associadas ao PGC, da presença de populações
indígenas na área de abrangência do PFC e do PGC, e sobre os
impactos adviriam sobre as mesmas com a implantação desses
empreendimentos, o Banco Mundial (BIRD) – um dos seus principais
agentes financiadores – condiciou na conseção de novos recursos
para a continuidade ao PFC e ao PGC, à implementação pelo Governo
brasileiro, de ações visando a garantia das condições de
sobrevivência desses povos, especialmente levando-se em conta a
necessidade de demarcação das Terras Indígenas situadas na esfera
de ação desses programas. Afim de cumprir as exigências colocadas
pelas agências financiadoras – além do BIRD, bancos europeus, norte
americanos e japoneses – e, assim, garantir os recursos para a
continuidade da implantação da Projeto Ferro-Carajás e dos demais
subprojetos vinculados ao PGC, foi firmado um convênio entre a
CVRD e a Funai11, no qual teria por objetivo a prestação pela CVRD
de apoio financeiro à Funai, para implantação de ações assitenciais
beneficiando os grupos indígenas localizados na áreas de impacto do
Projeto Ferro-Carajás (CEDI 1986:78)”.

11
“Convênio CVRD-FUNAI” nº. 59/82 (janeiro/1982).

29
Nesta época, as Terras Indígenas Caru e Rio Pindaré estavam em processo
final de demarcação territorial, sendo homologadas no final daquele ano.
Simultaneamente, a Frente de Atração da Funai, que funcionava com
recursos da CVRD, havia contatado grupos Awá-Guajá que foram trazidos
para o Posto Indígena Awá, na Terra Indígena Caru (Tomo II - Os Awá-
Guajá, item 2.4. Histórico do contato).

Inicialmente, os recursos do programa foram direcionados para dez povos


indígenas localizados em treze áreas indígenas no Maranhão, norte de Goiás
(Tocantins) e leste do Pará, que foram considerados diretamente
impactados pelo Projeto Ferro-Carajás. Desde o início, a demarcação dos
territórios indígenas era considerada prioridade, e os Awá-Guajá não tinham
nenhum território demarcado, sendo encontrados, naquela época, nas
bacias dos rios Pindaré, Caru, Turiaçu, Zutiua, Timbiras, Grajaú, a
distâncias consideráveis.

Além de todas as dificuldades inerentes à implantação de um conjunto de


ações para diferentes povos, em regiões sem nenhuma infraestrutura, o
programa Apoio às Comunidades Indígenas suscitou conflitos e alianças
entre indivíduos, grupos sociais e instituições que participavam do cenário
indigenista na época, trazendo embates, que, por vezes, prejudicaram o
funcionamento do programa (Oliveira, 2004).

A CVRD apontava a dissonância existente entre as recomendações


apresentadas pelos antropólogos com relação a cada grupo indígena com o
programa de aplicação de recursos elaborado pela Funai. Para os
pesquisadores que assessoram a Vale, este programa “possuía graves
defeitos de concepção, uma vez que entendia por atendimento às
populações indígenas a manutenção e a implementação da infraestrutura da
Funai” (CEDI, 1986). De acordo com os pesquisadores, os “projetos de
apoio da Funai” estavam voltados para a manutenção de um modelo de
assistência obsoleto, gastando recursos em veículos e edificações 12, ao
invés de voltar-se para a demarcação das áreas indígenas e para programas
de saúde eficientes, que era a demanda específica dos grupos Awá-Guajá
que estavam sendo contatados.

De acordo com análise do CEDI (1986), a experiência dos anos de vigência


do Convênio CVRD-Funai não promoveu o fortalecimento dos povos
indígenas, necessário para torná-los aptos para enfrentar as transformações
que o PFC e a instalação da ferrovia trouxeram para a região do leste do
Pará e oeste do Maranhão, apesar do grande volume de recursos.

12
É exemplo desta fase o conjunto de casas de alvenaria construídas na aldeia Januária, na TI Rio
Pindaré.

30
A implantação da EFC no Maranhão cortou uma região até então isolada,
onde se situava a Reserva Biológica do Gurupi, área de ocupação tradicional
dos Guajajara, segundo fontes históricas e memória oral dos mais velhos
das aldeias da TI Rio Pindaré e da aldeia Maçaranduba na TI Caru (Mapa 2
– Ocupação Territorial dos Guajajara), e de ocupação dos Awá-Guajá,
que, apesar de se organizarem de forma seminômade, possuíam áreas de
domínio nos tributários do rio Pindaré. Neste trecho, a ferrovia foi
construída paralelamente ao rio Pindaré, facilitando a invasão da Reserva
Biológica do Gurupi e da TI Caru por posseiros e grileiros (Oliveira, 2004).

Gomes e Meireles relatam as características da ocupação territorial dos


Awá-Guajá, após pesquisa de campo realizada em setembro de 2002 13, da
qual participou a administradora da Funai em São Luís, Helenice Garrido.
Este documento é importante para este Estudo, sobretudo por dois fatores:
primeiro, foi realizado em resposta à necessidade de elaborar-se um
programa de proteção para os Awá-Guajá e, segundo, porque
contextualizou as transformações sofridas pelos Awá-Guajá a partir das
invasões dos seus hakwa (ou harakwá, que significa, a grosso modo, o
domínio territorial de um grupo local Awá-Guajá), mostrando-se atual dez
anos depois.

“Frequentemente se escuta dizer que os Guajá não têm território. Às


vezes, o que está por trás dessa afirmação é a suposição de que,
sendo “nômades”, os Guajá não teriam território fixo, podendo assim
estarem em qualquer lugar.”

“(...) É preciso reverter esse modo de pensar duplamente errôneo.


Em primeiro lugar, é preciso conceituar a territorialidade Guajá. Os
Guajá vivem em grupos formados por duas ou mais famílias que se
comunicam com outros grupos num determinado território. Juntos,
eles formam um macrogrupo que permite a reprodução biológica e dá
sentido mais amplo à etnia. Cada grupo reconhece como seu uma
parte do território que compartilham, o qual chamam de hakwa, e
que usam integralmente como fonte de vida e conhecimento. [Cada
grupo] Determina os seus limites e reconhece os seus pontos e
tempos de permanência e exploração. A incursão de um grupo ou
indivíduo no hakwa de outro grupo constitui motivo de cautela que
deve ser observada e respeitada. Assim, o chamado nomadismo
guajá não se dá de forma aleatória, mas regular.”

13
Os índios Awá-Guajá em 2002, relatório apresentado à Fundação Nacional do Índio,
Companhia Vale do Rio Doce e Secretaria da Amazônia do Ministério de Meio Ambiente, para a
constituição de um novo Programa de Proteção, Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá,
elaborado por Mércio Gomes e José Carlos Meirelles, em 2002.

31
“Acontece, no entanto, que as circunstâncias históricas vieram
desfazer muito desse tratamento cultural que conceitua o território
Guajá. Diversos grupos foram perdendo as condições de
sobrevivência em meio à invasão de posseiros e fazendeiros. Com
isso fugiram para outros hakwa ou regiões dantes não conhecidas.
Grupos inteiros foram extintos na bacia do rio Turiaçu, no igarapé
Zutiua e certamente nas margens do rio Gurupi. Outros sobrevivem
em condições de petição de miséria, como foi o dramático caso do
grupo de Takãrahetxiá. Porém, pode-se observar como os diversos
grupos Guajá que vivem na T. I. Caru reconstituíram os seus hakwa
pela absorção dos grupos que já viviam lá. Toda a pequena bacia do
igarapé Presídio agora é o hakwa deles, em contraste com as terras
banhadas pelos igarapés Juriti ou Bandeira, que pertencem a grupos
que não se incorporaram. Esses diferentes grupos Guajá vivendo
naquela terra indígena têm o seu hakwa respeitado pelos demais.
Aliás, esse é um motivo pelo qual é possível conviverem numa
mesma terra indígena grupos que estão em contato com postos
indígenas e grupos que permanecem autônomos, sem que se cruzem
uns com os outros. Isso se dá, naturalmente, porque o conceito e os
limites de uma terra indígena não fazem sentido para os grupos
Guajá autônomos.”

Segundo Oliveira (2004), parte expressiva dos recursos do programa Apoio


às Comunidades Indígenas foi aplicada na infraestrutura da Funai, e uma
parcela menor em “projetos econômicos” sob a chancela da Funai,
principalmente em roças comunitárias e criação de gado.

Segundo o mesmo autor, a aquisição de medicamentos e material escolar


não considerou a diferenciação entre os povos indígenas que eram
assistidos pelos programas de saúde e educação do Convênio CVRD-Funai,
nem as especificidades culturais entre estes grupos e a sociedade nacional.
Embora tenham sido contratados médicos, enfermeiros, técnicos agrícolas e
professores, também houve contratação de prestadores de serviço sem
qualificação profissional, e lideranças indígenas que não tinham a formação
técnica necessária para os cargos.

O boom dos recursos do Convênio CVRD-Funai criaram muitas expectativas


nas comunidades indígenas do Oeste Maranhense, ocasionando grande
movimentação política na época, como é exemplo a ocupação da
administração da Funai,

“Sob denúncias de desvios de parte desses recursos para a


manutenção da própria máquina administrativa, lideranças indígenas
do Maranhão, especialmente vinculadas aos Tenetehara-Guajajara,
passaram a manifestar explicitamente seu desejo de mudança
administrativa, no sentido de que fosse colocado um representante

32
indígena na chefia da então 6ª. Delegacia Regional da Funai em São
Luís. Assim, em maio de 1984, depois de uma ocupação de 16 dias
da sede regional do órgão indigenista, cerca de 200 líderes indígenas
escolheram e deram posse ao novo delegado regional da Funai no
Maranhão” (Oliveira, 2004).

O novo delegado era Pedro Marizê, filho de um cacique Guajajara, com forte
apoio das áreas indígenas Bacurizinho e Araribóia (O Globo, 30/05/84,
citado no CEDI, 1984), que foi exonerado dois meses depois pela
presidência da Funai, alegando que na curta administração haviam sido
feitas nomeações indevidas de Guajajara para cargos administrativos, além
da malversação dos recursos do Convênio CVRD-Funai.

Posteriormente, a 6ª Delegacia Regional da Funai em São Luís ficou


submetida à autoridade do coordenador da Funai para a região Nordeste, o
indigenista Porfírio Carvalho, que na década de 1970 havia coordenado o
processo de demarcação de Terras Indígenas no Maranhão, indispondo-se
com a classe política de diversos municípios deste estado. Nesta conjuntura,
Pedro Marizê retornou ao comando da 6ª Delegacia Regional da Funai em
São Luís, época em que os recursos do programa Apoio às Comunidades
Indígenas chegaram às TIs Rio Pindaré e Caru, sob a forma de salários,
“projetos econômicos” e infraestrutura.

Nesta época, a 6ª Delegacia Regional da Funai ressentia-se com disputas no


campo indigenista, com conflitos entre as lideranças indígenas, além dos
interesses políticos regionais sobre os recursos do Convênio CVRD-Funai
(Oliveira, 2004).

Em 1985, houve um recuo no processo de demarcação de uma Terra


Indígena específica para os Awá-Guajá, que tinham grupos isolados vivendo
na região entre as TIs Caru e Alto Turiaçu. O antropólogo Mércio Gomes,
que estava à frente da identificação do território de perambulação dos Awa-
Guajá, assessorando o Convênio CVRD-Funai, foi demitido (CEDI, 1986), o
que atrasou o processo demarcatório desse território.

A implantação do PGC, a construção da ferrovia e os recursos financeiros


injetados nas comunidades indígenas das TIs Rio Pindaré e Caru
promoveram um intenso movimento migratório na região das duas Terras
Indígenas, contribuindo para o aparecimento de povoados no entorno da
linha férrea e do rio Pindaré, cujos habitantes desde então têm invadido as
Terras Indígenas em busca de caça, pesca, madeira etc.

Em 1988 os recursos do Convênio CVRD-Funai cessaram, em 2003 foi


celebrado um novo acordo, vigente até 2007 e, em fevereiro de 2007, foi
firmado um novo Acordo de Cooperação entre a empresa Vale e a Funai,

33
com vigência até 2016, específico para os povos Awá-Guajá (TIs Caru, Awá
e Alto Turiaçu), Urubu Ka’apor (TI Alto Turiaçu) e Guajajara (TIs Rio Pindaré
e Caru). O novo Acordo manteve o mesmo formato: repasse de recursos
para a Funai, tendo como objetivo promover o desenvolvimento sustentável
destes povos indígenas, entretanto, deixando de investir na saúde e
educação destes povos, agora a cargo do poder público.

No novo Acordo de Cooperação Vale-Funai, a Funai é a única responsável


pela criação e implementação das ações nas comunidades indígenas, não
havendo nenhum tipo de assessoria antropológica especializada nos povos
indígenas beneficiários, ou contratada para assessorar a elaboração de
projetos junto ao órgão indigenista e às comunidades indígenas. A execução
do Convênio se dá da seguinte forma: um grupo de trabalho/GT da Funai
elabora anualmente a programação junto às comunidades, enviando as
programações para aprovação na instância regional e federal, que então
percorrem um longo caminho burocrático até que os produtos cheguem às
aldeias.

A princípio, a coordenação da Funai de São Luís respondia pela execução


integral do convênio (programações, compras e entregas nas comunidades)
e, a partir de 2009, a coordenação de Imperatriz passou a ser responsável
pela execução do referido Acordo de Cooperação, quando, segundo
informação dos Guajajara da TI Rio Pindaré, as entregas das programações
começaram a atrasar e falhar.

Por duas vezes, em fevereiro de 2010 e de 2011, os Guajajara da aldeia


Maçaranduba/TI Caru, lideraram a interdição da EFC, apontando a não
entrega dos produtos da programação do Acordo de Cooperação Vale/Funai
como um dos principais motivos da interdição, somados a outras
reivindicações nas áreas da saúde e educação.

Segundo informações da Vale, durante 2011 e 2012 a empresa dedicou-se


à resolução desta problemática, estabelecendo uma agenda de reuniões e
troca de ofícios com a Funai, resumida a seguir:

- Em 11/05/2011, a Vale protocolou o ofício DIFV/COTAV/12-2011,


solicitando à Funai a regularização de pendências relativas às
programações de 2009 e 2010, além da definição das programações
para as comunidades no exercício de 2011. Neste ofício, a Vale
solicitou que a Funai avaliasse a proposta de Aditivo ao Acordo
encaminhado anteriormente.

- Em 25/08/2011, a Vale protocolou o ofício DIFV/GACTV/21-2011,


com notificação extrajudicial sobre o Acordo de Cooperação,
solicitando providências urgentes para as entregas das programações
em atraso, referentes a 2009 e 2010.

34
- Em 10/01/2012, aconteceu reunião entre Vale e Funai em Brasília,
ficando decidido que a Vale assumiria a gestão dos recursos do
Acordo de Cooperação a partir de 2012. Para tanto, a empresa e o
órgão indigenista definiriam as bases desta nova gestão em Termo
Aditivo ao Acordo de Cooperação.

- Em 11/09/2012, aconteceu reunião entre Vale e Funai em Brasília,


para discussão técnica-jurídica-operacional do Termo Aditivo ao
Acordo de Cooperação. Nesta reunião ficou definida uma versão final
do Termo Aditivo, com uma nova forma de gestão dos recursos, em
que a Funai continua sendo o órgão responsável pela elaboração das
programações anuais junto às comunidades indígenas, e a
operacionalização dos recursos fica a cargo da Vale (compra e
entrega dos produtos). Após as partes concordarem com o conteúdo
do Aditivo do Termo, o mesmo foi encaminhado à área jurídica da
Funai para avaliação.

O Termo Aditivo foi assinado em dezembro/2012, no qual a Vale se


responsabilizará pela execução do mesmo, com a anuência da Funai.

35
36
TOMO II – Os Guajajara e Awá-Guajá

37
38
1 OS GUAJAJARA

1.1 Localização e população

Os Guajajara são um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil.


Segundo dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) apresentados pela
Enciclopédia dos Povos Indígenas14, a população em 2010 somava 23.949
pessoas.

No Maranhão, os Guajajara vivem em Terras Indígenas situadas nas regiões


dos rios Pindaré, Grajaú, Mearim e Zutiua. As terras que eles habitam eram,
originalmente, cobertas pelas florestas altas da Amazônia e por matas de
cerradão, mais baixas, de transição entre a floresta amazônica e o cerrado.

Segundo informações da Funai (Fundação Nacional do Índio) de


Imperatriz15, os Guajajara também são encontrados no Pará, às margens
dos rios Gurupi, Guamá e Capim, sendo conhecidos como Tembé.

Atualmente, a população Guajajara divide-se em comunidades situadas em


várias Terras Indígenas, conforme quadro abaixo, havendo ainda, um
contingente populacional vivendo nas cidades próximas às Terras Indígenas,
sem que haja um censo específico para esta população.

14
Ver: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guajajara>.
15
Ver: <http://funai-itz.blogspot.com/2006/10/grupos-indgenas-do-maranho.html>.

39
Tabela 1.1 Terras Indígenas/População Guajajara e Tembé

População Situação Extensão


Terra Indígena Povo Município UF Presença de Isolados
(fonte, ano) Jurídica (ha)

Amarante do Maranhão;
Homologada Arame;
Awá-Guajá 5.317 (Funasa,
Araribóia Reg. SPU certidão 413.288 Bom Jesus das Selvas; MA Sim
Guajajara 2010)
s/n em 12/12/96 Buriticupu;
Santa Luzia
Homologada
3.663
Bacurizinho Guajajara Reg. SPU certidão 84.432 Grajaú MA Não
(Funai, 2006)
nº 165 em 29/02/84
Declarada de
posse indígena
Bacurizinho
Guajajara Portaria 1.234 51.608 Grajaú MA Não
(Área ampliada)
publicada em
01/07/2008
Homologada Barra do Corda;
4.510
Cana Brava Guajajara Reg. SPU certidão 137.329 Grajaú; MA Não
(Funasa, 2010)
s/n em 19/12/96 Jenipapo dos Vieiras
Homologada
Awá-Guajá 551 (Funasa, Bom Jardim;
Caru Reg. SPU certidão 172.667 MA Sim
Guajajara 2011) São João do Caru
nº 161 em 22/04/83
Homologada Reg.
969 Arame;
Geralda/Toco Preto Guajajara SPU certidão s/n 18.506 MA Não
(Funasa, 2010) Itaipava do Grajaú
em 12/12/96
Gavião Pykopjê Homologada
655
Governador Guajajara Reg. SPU certidão 41.644 Amarante do Maranhão MA Não
(Funai, 2003)
Tabajara nº 159 em 22/04/83
Homologada
470
Lagoa Comprida Guajajara Reg. SPU certidão 13.198 Jenipapo dos Vieiras MA Não
(Funai, 2003)
s/n em 19/12/96
110 Homologada Reg.
Morro Branco Guajajara (Funai-São Luís, SPU certidão nº 01 49 Grajaú MA Não
2000) em 29/02/84

40
População Situação Extensão
Terra Indígena Povo Município UF Presença de Isolados
(fonte, ano) Jurídica (ha)

Homologada
939 (Funasa,
Rio Pindaré Guajajara Reg. SPU certidão 15.002 Bom Jardim MA Não
2010)
nº 05 em 22/04/83
Homologada
126 Reg. CRI no
Rodeador Guajajara 2.319 Barra do Corda MA Não
(Funasa, 2010) município Barra do
Corda em 26/01/84
Homologada
416
Urucu-Juruá Guajajara Reg. SPU certidão 12.697 Grajaú MA Não
(Funai, 2003)
s/n em 19/12/96
Em identificação.
Portaria 633
Vila Real Guajajara Barra do Corda MA Não
publicada em
02/07/2003
Nova Esperança do Piriá;
Awá-Guajá Homologada Reg.
1.425 Paragominas;
Alto Rio Guamá Tembé SPU certidão nº 7 279.897 PA Sim
(Funasa, 2006) Santa Luzia do Pará
Ka’apor em 29/07/94

Identificada.
Aprovada pela
36 Funai, sujeita à
Marakaxi Tembé 720 Aurora do Pará PA Não
(GT Funai, 2007) contestação,
publicada em
27/01/2011
60 Homologada
Tembé
Tembé (Funai-Belém, Reg. SPU certidão 1.075 Tomé-Açu PA Não
Turiwara
1998) nº 03 em 15/06/94
Homologada
40 (Funai-Belém,
Turé-Mariquita Tembé Reg. SPU certidão 147 Tomé-Açu PA Não
1998)
nº 01 em 21/06/94
Reservada*
Turé-Mariquita II Tembé 587 Tomé-Açu PA Não

Fonte: Povos Indígenas no Brasil – ISA, 2006/2010.


* Área adquirida pela Pará Pigmento S/A como parte dos compromissos com a Funai e a comunidade indígena devido aos impactos com a exploração de caulim. Escritura de
compra e venda regularizada.

41
1.2 Nome

Desconhece-se a origem do nome Guajajara, mas provavelmente foi dado


pelos Tupinambá e, posteriormente, passou a ser utilizado pela sociedade
nacional. O termo significa “donos do cocar”. Na bibliografia, encontram-se
referências ao grupo tanto como Guajajara quanto Tenetehara.

Segundo fontes bibliográficas, consta que a autodenominação do grupo é


Tenetehara, que quer dizer “somos os seres humanos verdadeiros16” (ISA,
2002). Durante a pesquisa de campo nas aldeias Guajajara da TI Rio
Pindaré, em 2011, indagou-se os mais velhos sobre o significado destes
dois nomes e foi explicado que tenetehara quer dizer parente, seja para
referirem-se aos seus próprios parentes Guajajara, como aos outros grupos
indígenas. Guajajara é o nome pelo qual se autodenominam.

Segundo informações de Wagley e Galvão (1961, p. 22), os Guajajara e os


Tembé compartilham as mesmas características socioculturais e linguísticas,
apesar de identificarem-se como povos distintos. Observou-se nas Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru que os Guajajara e Tembé consideram-se
como um mesmo povo, e os dois nomes são usados para distingui-los
regionalmente, entre os do Maranhão e aqueles oriundos do Pará.

1.3 Língua

A língua guajajara pertence à família tupi-guarani, sendo próxima do asurini


(do Tocantins), do avá (Canoeiro), do parakanã, do suruí (do Pará), e do
tapirapé. Os Guajajara chamam sua língua de ze'egete ("a fala boa").
Segundo a Enciclopédia dos Povos Indígenas (ISA, 2002), o guajajara é
falado nas aldeias como primeira língua, enquanto o português tem a
função de língua franca.

No Relatório Referente às Terras Indígenas Rio Pindaré, Caru, Alto Turiaçu e


Awá Gurupi17, elaborado em 2000 por equipe da Funai, consta que em
algumas aldeias na região do rio Pindaré o português já era a língua mais
falada, tomando como exemplo a TI Rio Pindaré. O relatório menciona ainda
que a proximidade das aldeias com a rodovia BR 316 favoreceu o convívio
dos índios com a população regional, ocasionando a desvalorização da
língua materna.

16
Tenetehara: ten = ser; ete = verdadeiro, real; hara = nós (ZANNONI, 1999).

17
Passaremos a nos referir ao Relatório Referente às Terras Indígenas Rio Pindaré, Caru, Alto Turiaçu e
Awá Gurupi, elaborado em 2000 por Elizabeth Maria Bezerra Coelho, Rogério Tavares Pinto, Kátia
Núbia Ferreira Correa, como o Relatório da Funai.

42
De fato, constatou-se em algumas aldeias da TI Rio Pindaré que o
português predomina devido ao grande número de casamentos interétnicos.
Os professores desta área indígena vêm trabalhando para reverter esta
situação, porque compreendem que o ensino da língua materna é essencial
para o fortalecimento da cultura e da identidade do povo Guajajara.
Constatou-se que na aldeia Guajajara da TI Caru o português já é a
primeira língua, e os mais velhos demonstram grande preocupação diante
da possibilidade da perda da língua materna.

1.4 Histórico do contato

O alto e médio rio Pindaré corresponde às regiões historicamente


conhecidas como de ocupação Guajajara. A partir do final do século XVIII e
início do seguinte, os Guajajara expandiram seu território para as regiões
dos rios Grajaú e Mearim, onde se estabeleceram pouco tempo antes da
chegada dos brancos, disputando os territórios de caça com grupos Timbira.
Por volta de 1850, uma parte dos Guajajara migrou para o noroeste, em
direção ao rio Gurupi, passando a ser chamados de Tembé pelos regionais
(ISA, 2002).

Para Wagley e Galvão (1961) o antigo território Tenetehara18 parece ter


sido o Alto Pindaré. Até meados do século XVII, os Tenetehara foram
atingidos por expedições escravagistas dos franceses e depois dos
portugueses na região do Pindaré. Nos séculos XVII e XVIII, cronistas e
exploradores se referem aos Guajajara como habitantes do rio Pindaré, na
região a montante do aldeamento de Monção.

As expedições coloniais enviadas em busca dos Tenetehara duraram até


1653, quando chegou ao Maranhão o padre Antônio Vieira, que enviou à
região do rio Pindaré missionários jesuítas com o objetivo de fundar uma
missão (Baumann, 1981). Em 1730, o aldeamento de Maracu contava com
uma população de 404 índios e a missão de Caru, na aldeia de São
Francisco Xavier contava com 779 índios. Wagley e Galvão (1961, p. 25)
ponderam que essas duas missões contribuíram para proteger os
Tenetehara e suas terras dos invasores portugueses. A partir de 1750,
inicia-se um processo de expulsão dos jesuítas do Brasil, obrigando-os a
abandonarem a região do rio Pindaré em 1759.

Depois da expulsão dos jesuítas pela Coroa, a jurisdição dos grupos


indígenas passou às autoridades civis. Para atrair índios, foram criadas
Colônias, sob um sistema de Diretorias. Em 1839, foi criada a Colônia
Pindaré, localizada a cerca de seis léguas acima da freguesia de Monção,
em terras compradas pela Província do Maranhão, onde viviam famílias
Guajajara.

18
Manteve-se o termo Tenetehara quando extraído de contexto bibliográfico.

43
As referências a conflitos entre índios e brasileiros na região do rio Pindaré
eram frequentes. Havia, especialmente, uma relação conflituosa com
paraenses que vieram para o Maranhão, fugindo da repressão da
Cabanagem, movimento insurrecional de caráter político e popular, que se
deu na província do Grão-Pará em 1835-1836. Por outro lado, já ocorriam
invasões nas terras indígenas para a retirada de madeira. Os conflitos
interétnicos impulsionavam a criação de repartições do Império para
administrar a relação com os povos indígenas.

Em 1854, foi criada a Colônia Januária, na confluência do rio Pindaré com o


rio Caru. Nesse local já viviam oitenta famílias Tenetehara. É frequente na
documentação a alusão à mobilidade dos índios, tendo em vista suas idas
para a mata. Além da extração do óleo de copaíba, eles plantavam
mandioca, milho, arroz e feijão e cultivavam cana-de-açúcar, café, fumo,
banana, cará, batata da terra, jerimum e mamona. Até 1887, a Colônia
enviava o excedente para ser comercializado em São Luís (Coelho, 1990).

Além da Colônia Januária, no mesmo ano de 1854, foram criadas outras


diretorias parciais de índios19, instaladas em lugares onde viviam os
Tenetehara (Coelho, 1990): a 11ª Diretoria Parcial do Rio Pindaré,
localizada no rio Pindaré entre os rios Caru e Joaquim Gomes, recebendo o
nome de Caru; a 8ª Diretoria, denominada Boa Vista; a 9ª Diretoria,
denominada Sapucaia. Em 1873, foi criada mais uma Diretoria Parcial no rio
Pindaré, denominada Ilhinha20 (Mapa 2 - Ocupação Territorial dos
Guajajara).

Embora alguns cronistas21 tenham descrito os Tenetehara como povo


passivo, pouco valente e indolente, em 1910 estes índios atacaram os
capuchinhos – que desde 1897 estavam em Alto Alegre do Pindaré.
Segundo Fróes Abreu: “(...) padres, freiras, educandos, filhos de famílias
cristãs foram mortos” (Wagley e Galvão, 1961, p. 27).

Conflitos sangrentos surgiram a partir dos anos 1960 e 1970, com a


expansão de latifúndios no centro do Maranhão, empurrando posseiros para
os territórios Guajajara. O maior destes conflitos deu-se com o povoado de
São Pedro dos Cacetes, que existiu de 1952 a 1995, e contra o qual os
Guajajara resistiram durante quatro décadas, com apoio esporádico do
Governo Federal.

A partir de 1960, ocorre a expansão da ocupação do oeste maranhense com


a vinda de migrantes nordestinos de vários estados, para plantio das
culturas de cana-de-açúcar e de arroz, posteriormente substituídas pela

19
As Diretorias Parciais eram repartições subordinadas à Diretoria Geral de Índios, criada pelo Decreto
426, de 24.07.1845.
20
Alguns dados demográficos ilustram o quanto eram populosas algumas diretorias: Boa Vista, 1.100
índios; Ilhinha, 660 índios (Coelho, 1990).
21
Incluindo o jesuíta Bettendorf (1910), Antônio Pereira do Lago (1822), Cesar Marques (1870), dentre
outros citados por Wagley e Galvão (1961, p. 26, 27).

44
pecuária e pelo extrativismo da madeira. Esta expansão deu-se no âmbito
dos programas do governo do Maranhão, destinados à colonização agrária
entre as décadas de 1960 e 1990, ocasionando conflitos interétnicos e
invasões de áreas de ocupação tradicional dos Guajajara. Outros conflitos
surgiram a partir dos anos 1970, com um novo processo de intesificação de
ocupação regional, decorrente do PGC e da atração de novos colonos na
região.

1.5 Organização social e política

Tradicionalmente, as aldeias Guajajara eram pequenas, abrigando uma


família extensa e localizando-se de preferência à beira dos rios ou perto de
lagoas na mata. O padrão tradicional aproxima-se do que os Guajajara
chamam atualmente de “centros”, podendo ser encontrados nas Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru.

Os “centros” compreendiam uma área de ocupação superior à área ocupada


pelas unidades residenciais e de produção, circunscrevendo um território
necessário à sobrevivência da família extensa. Joaquim Guajajara, de 67
anos, morador da aldeia Tabocal, TI Rio Pindaré, forneceu uma descrição
dos “centros” no tempo de seus avós.

No “centro” tinha tear para fiar rede de algodão, casa de farinha


coberta de palha, tinha as roças: mandioca, macaxeira, mandiocaba,
inhame, cará, batata doce, modubim (gergelim), milho, abacaxi,
banana, cunambi e timbó. No “centro” a gente trazia da mata
bacaba, bacuri, pequi, juçara, cacau, mel e cupuaçu. Fazia uma
cozinha bem grande e punha as redes de um lado e o forno do outro.
As caças eram paca, cotia, inambu, veado, jaboti e peixe.

Os “centros” aliavam a função de unidade produtiva da família extensa com


o espaço de reprodução do modus vivendi tradicional dos Guajajara. As
atividades produtivas garantiam a sobrevivência e geravam um excedente
que era negociado com os comerciantes das cidades próximas ou levado
para São Luís. Os “centros” ainda são encontrados nas áreas indígenas
Guajajara, sem todos os elementos etnográficos descritos acima, mas
funcionando como unidade produtiva familiar, acrescidas por atividades
econômicas introduzidas pela Funai, como criação de gado e plantio de
arroz.

A unidade social continua sendo a família extensa, que é composta por um


número de famílias nucleares unidas entre si por laços de parentesco.
Trata-se de um grupo de mulheres aparentadas sob a liderança de um
homem. Não há metades, clãs ou linhagens, nem qualquer direito ou
obrigação que se transmita por uma linha de descendência específica. Após

45
o casamento, o marido vai residir com a família da esposa, ou seja, a
residência é uxorilocal.

O elevado número de casamentos interétnicos, predominando o enlace de


esposa Guajajara com marido karawya (termo utilizado para designar os
brancos) vem trazendo alterações na estrutura social e política Guajajara
nos últimos cinquenta anos, modificando regras de moradia, de ajuda
mútua e de chefia política. Como exemplo da preferência pelo matrimônio
com esposo karawya registrou-se a genealogia da família extensa de dona
Antônia Viana Guajajara (Toroca), filha do fundador da aldeia Januária,
Manoelzinho Viana (Anexo 5 – Genealogia da Família Viana).

Segundo Wagley e Galvão (1961, p. 41) cada grupo familiar tinha um chefe,
que não podia ser mais poderoso que um indivíduo comum. A partir da
década de 1970, havia um capitão em cada aldeia, que geralmente era
apontado pela Funai para servir como mediador entre os moradores da
aldeia e aquele órgão. Mais recentemente, os capitães cederam espaço para
os chefes de posto Guajajara, que perderam seu poder institucional com a
reestruturação da Funai em 2010.

Na TI Rio Pindaré ainda se encontram caciques que correspondem às


características tradicionais dos chefes de família extensa (com qualidades
individuais e uma base de copartidários por consanguinidade e afinidade),
como também se encontram caciques cuja liderança está baseada em saber
lidar com o mundo dos karawya, com capacidade de se relacionar com os
órgãos governamentais e tirar vantagens disto para a comunidade local,
dominando o português e possuindo talento diplomático.

Segundo o cacique Pedro Viana, da aldeia Piçarra Preta na TI Rio Pindaré,


decisões importantes como desmembrar aldeias e destituir caciques são
tomadas coletivamente: todos os caciques se reúnem e decidem.
Teoricamente, o cacique da aldeia principal de uma Terra Indígena
Guajajara tem precedência nas decisões políticas, chamando os caciques
das demais comunidades para tomar decisões na aldeia mãe.

Nos últimos anos, os Guajajara têm utilizado uma nova modalidade de


estratégia política para resolver questões que julgam estruturais, relativas à
educação, saúde, abastecimento de energia elétrica etc. A estratégia
consiste em fechar as rodovias e a Estrada de Ferro Carajás para solucionar
questões que, geralmente, não são resolvidas pelos órgãos públicos.

1.6 Religião e ritos de passagem

Em 1955, Wagley e Galvão, no clássico Os índios Tenetehara, escreveram


que, apesar de mais de trezentos anos de contato, os Tenetehara
mantinham suas “convicções religiosas” inalteradas. Mesmo com o esforço

46
dos missionários para impor uma nova ideologia, eles se mantinham coesos
em sua religião, elaborando adaptações das histórias contadas pelos padres
jesuítas relacionando-as às suas próprias histórias. “Os Tenetehara
aceitaram e incorporaram às crenças originais aquelas ideias e elementos
cristãos que lhes pareceram mais coerentes ao seu ponto de vista. Sua
religião permaneceu fundamentalmente tenetehara” (Wagley e Galvão,
1961, p.105).

Tanto Wagley e Galvão, com base na pesquisa de campo nas aldeias


Guajajara realizada em 1955, como Zannoni, que fez sua pesquisa de
campo cinquenta anos depois, concordam que a vida religiosa do povo
Tenetehara está profundamente coadunada com a vida cotidiana. Assim,
eventos como doença, parto difícil, caçadas mal sucedidas, colheitas
destruídas têm ação direta dos espíritos. Verificou-se entre os Guajajara
mais velhos da aldeia Maçaranduba, na TI Caru, que a mata tem os seus
donos, que podem vingar-se dos caçadores caso infrinjam certas regras.

No entanto, Wagley e Galvão afirmavam que, embora as crenças espirituais


parecessem inabaladas, mesmo depois de intenso contato com a sociedade
nacional, os rituais e celebrações não eram mais realizados com a mesma
periodicidade e elaboração que a memória dos informantes permitiria
acreditar. Segundo os autores, um dos motivos que contribuíram para a
diminuição dos rituais foi o tempo que esse tipo de atividade demandava, já
que os Guajajara estavam ocupados com a produção de roças e extração de
produtos naturais, e que os levou paulatinamente ao abandono das
cerimônias.

A Festa do Mel garantia a abundância da caça; a Festa do Milho tinha como


princípio garantir a boa colheita e proteger o milho da ação dos azáng,
espíritos errantes considerados “donos do milho”, além de um sistema de
xamanismo importante, que lidava diretamente com o sobrenatural no
tratamento de doenças (Wagley e Galvão, 1961). Segundo os Guajajara das
aldeias das TIs Rio Pindaré e Caru, a “brincadeira do mel” não é mais
realizada.

Os rituais que perduram e estão presentes nas aldeias Guajajara


restringem-se aos ritos de passagem. Segundo informações dos mais velhos
das TIs Rio Pindaré e Caru, foi possível registrar a etnografia destes rituais
em sua forma atual. Este registro é fruto do relato de vários informantes 22,

Quando os nenês começam a andar, faz o moqueado de inambu e


convida as pessoas para brincadeira. Com sete anos, faz aniversário,

22
Informantes: Maria Luzia Santana Guajajara, mãe do cacique Djacyr da aldeia Tabocal/TI Rio Pindaré;
Maria de Jesus Viana Guajajara, esposa do cacique Luciano da Aldeia Nova/TI Rio Pindaré; Margarida
Guajajara, mãe do cacique Gerson da aldeia Novo Planeta/Tio Rio Pindaré; Pedro Nicolau Gomes
Guajajara da aldeia Januária/TI Rio Pindaré; Manoel Guajajara, ex-cacique da aldeia Maçaranduba/TI
Caru.

47
oferece um inambu moqueado, tanto para menino homem como
mulher.

Tem a Festa da Mandiocaba e do Moqueado. A Festa da Mandiocaba é


quando a moça se forma (fica menstruada pela primeira vez), vem
gente de fora para olhar. O rapaz é quando muda a fala, faz a
brincadeira junto com as meninas.

Quando vem a primeira vez da moça, com dois ou três dias faz a
Brincadeira da Mandiocaba. É um mingau de mandiocaba, uma
mandioca doce. A mandiocaba é ralada, cozinha na água, põe batata,
abóbora, fica gomoso, faz esse mingau numa panelona. As meninas e
os meninos dançam, são os pais que oferecem o mingau. De manhã a
moça vai dividir para os convidados.

Na hora que ela se forma, pinta logo com jenipapo. A mãe que pinta.
Se não tiver mãe, a avó, a tia. No dia que a menina fica moça, rala
muito jenipapo para pintar a moça, senão ela fica doida. Depois de
pintada, colocamos na tocaia, dentro da casa, e ela fica só, ela não
pode comer as comidas remosas: porco, veado, paca, surubim. Só
peixe de escama e uma tapiocazinha. Primeiro, ela fica oito dias na
tocaia (um quarto fechado). Segundo, a gente vai buscar um pau de
quina, machuca e dá um copo para a moça. Terceiro, ela tem que
ficar só dentro de casa, é perigoso sair e pegar uma coisa ruim.
Quarto, a gente faz uma fumaça no pé da moça para ela sair e a
cobra não picar.

Quando terminam os oito dias na tocaia e ela saiu, mesmo assim,


ainda não pode comer certas coisas. A primeira pintura na tocaia é só
umas listras. Quando faz a segunda pintura, aí pinta tudo de
jenipapo, e faz a mandiocaba acompanhada de caranguejo cozido, faz
uma paçoca com o caranguejo, oferece a mandiocaba em uma mão e
a paçoca na outra mão. Quem convida são os pais da moça. Depois
de um ou dois meses, faz a Festa da Moqueada.

Na Moqueada vão caçar, toda a caça é moqueada: capelão, macaco,


porcão, cotia, inambu, mutum, jacu, paca, não pode veado, anta e
tatu. A comunidade toda vai caçar. Se forem quatro os pais das
moças, eles dão o rancho, e os mais velhos ficam fazendo a
moqueada, vão virando. Tudo é feito na mata, aí volta com toda a
caça moqueada. Depois de bem moqueado, tira as peles e bota para
cozinhar e faz um bolo. Vamos distribuindo para todos pela menina
que está brincando. As meninas dançam com os mais velhos. Os
parentes lá do Arame também fazem a Festa da Mandiocaba e do
Moqueado.

48
Aí são três dias de festa. Passa a noite todinha brincando e aí pinta a
moça. Antes de o moqueado chegar da mata, já está uma semana
cantando. Os cantadores cantam as cantigas do beija flor, do
capelão, do inambu23. Aí, quando chega o moqueado, canta a noite
toda. No outro dia que pinta a moça. Depois dos três dias de festa,
ela tem que repousar de novo e aí fica mais uma semana. Só pode
sair de casa quando sair toda a pintura. Quando ela sai, tem que
tomar um remédio uiraró (quina quina). Tira a casca põe de molho na
água morna. Bota de tarde, deixa a noite toda no sereno, e dá de
manhã de jejum para a moça.

Depois da Festa da Mandiocaba e do Moqueado, os rapazes e as


moças já podem se juntar. A moça e o marido ficam no resguardo um
mês depois do parto. Antes não podia comer macaco, veadinho
foboca (pequeno), paca, porque é muito remoso. Jabuti só pode
comer o jabuti branco. Não pode comer os peixes de couro. Agora só
as moças ficam de resguardo.

Agora, quando os parentes morrem, vão para o caixão, tem


cemitério. Os velhos eram enterrados na esteira, atrás da casa.

Foto da Festa do Moqueada, aldeia Novo Planeta, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

23
Pedro Nicolau Gomes Guajajara, morador da aldeia Januária, nos mostrou o filme da Festa da
Mandiocaba na aldeia Maçaranduba, TI Caru. Ele e Nelson Tembé, que são cantadores, são convidados
pelos parentes para irem cantar na outra aldeia. “Filme Tenetehara – Kriwiri”, 12/09/2009, iniciativa do
padre Carlos Ubiali/PDPI.

49
As sessões de pajelança entraram em declínio, mas os Guajajara ainda
recorrem aos pajés em caso de doença grave, quando usam defumadores e
cigarros. Em 1949, Darcy Ribeiro assistiu a uma cerimônia de pajés Tembé
(Ribeiro, 1996, p. 98):

“Começou com um só, cantando uma litania monótona, que me


disseram ser canto de dança; depois, chegou outro e, por fim um
terceiro. Cantavam, então, em coro, acompanhados por algumas
mulheres vindas, há pouco, das aldeias de Cajuapara (ao sul, no
Gurupi), e que, por isso, conservam mais o patrimônio cultural
próprio. Os pajés cantam fumando grandes cigarros de tabaco
enrolados em entrecasca de tauari e, tanto nos cantos de karawyára
(feitiço) quanto nos de dança, marcam o ritmo com maracás.
Contaram que nos bons tempos, quando as aldeias tinham muita
gente, juntavam-se grupos de dezenas de cantadores nas noites de
luar, umas vezes para divertir-se e cantar e outras para espantar as
doenças”.

Com relação às religiões trazidas pelos brancos, sabe-se que até


aproximadamente trinta anos atrás os padres vinham celebrar missa nas
aldeias, o que já não acontece. Atualmente, existem templos da Assembleia
de Deus nas áreas indígenas Guajajara e, segundo avaliação dos próprios
índios, os evangélicos contribuem para que eles se organizem melhor,
conseguindo que muitos “irmãos” não usem mais a cachaça.

50
2 OS AWÁ-GUAJÁ

2.1 Localização e população

Os Awá-Guajá são um grupo de caçadores, habitantes da porção oriental da


Amazônia, nas bacias dos rios Gurupi, Pindaré e Turiaçu. A população
contatada, que habita o noroeste do estado do Maranhão, tem cerca de 350
pessoas, distribuída por quatro aldeias: Guajá na TI Alto Turiaçu; Juriti na
TI Awá; Awá e Tiracambu na TI Caru.

51
Tabela 2.1.1 Terras Indígenas/População Awá-Guajá

População Presença de
Terra Indígena Povo Situação Jurídica Extensão (ha) Município UF
(fonte, ano) isolados

Araguanã; Centro do
Guilherme; Centro
Awá-Guajá, Homologada
1.352 Novo Maranhão;
Alto Turiaçu Tembé, Reg. SPU certidão nº 530.525 MA _
(Funasa, 2010) Maranhãnziho; Santa
Ka’apor 4 em 22/04/83
Luzia do Paruá; Zé
Doca
Amarante do
Maranhão;
Homologada Arame;
Awá-Guajá 5.317
Araribóia Reg. SPU certidão s/n 413.288 Bom Jesus das MA Sim
Guajajara (Funasa, 2010)
em 12/12/96 Selvas;
Buriticupu;
Santa Luzia

Centro Novo do
Homologada Reg. CRI Maranhão;
42 no município de Governador Newton
Awá Awá-Guajá 116.582 MA _
(Funasa, 2010) Governador Newton Bello; Nova Olinda do
Bello em andamento Maranhão; São João
do Caru; Zé Doca

Awá-Guajá 551 Homologada Bom Jardim;


Caru 172.667 MA Sim
Guajajara (Funasa, 2011) Reg. SPU certidão nº São João do Caru
161 em 22/04/83
Nova Esperança do
Awá-Guajá Homologada Reg. SPU Piriá;
1.425
Alto Rio Guamá Tembé certidão nº 7 em 279.897 Paragominas; PA _
(Funasa, 2006)
Ka’apor 29/07/94 Santa Luzia do Pará

Fonte: Povos Indígenas no Brasil - ISA, 2006/2010.

52
2.2 Nome

Mencionados na literatura etnológica como Guajá, o grupo se autodenomina


Awá, termo que é traduzido de maneira geral por “gente” (“humanos
verdadeiros”) ou, de maneira específica por “homem”, em oposição ao
termo kwanhã (“mulher”).

Atualmente, os Awá tanto se denominam como Awá, como Guajá e também


pelo termo “índio”. Tendo em vista que outros povos Tupi-guarani também
utilizam o vocábulo “Awá” como uma categoria que marca a condição de
humanidade (tais como os Asurini do Xingu, os Parakanã e Ka’apor), alguns
interlocutores não indígenas vêm adotando a denominação Awá-Guajá.

2.3 Língua

A língua denominada Guajá foi inicialmente estudada por Péricles Cunha


(1988) e mais recentemente por Magalhães (2007). Esta língua pertence ao
subgrupo VIII da família linguística Tupi-guarani, que inclui também o
Takunyapé, o Ka’apor, o Wajãpi, o Wayampipukú, o Emérillon, o Amanayé,
o Anambé, o Turiwára e o Zo’é (Rodrigues, 1984-85 e Magalhães 2007).
Diferente de outros povos indígenas contemporâneos, os Awá-Guajá não
são fluentes em português, e apenas alguns indivíduos (quase sempre
jovens lideranças) detêm um domínio razoável da língua portuguesa. Nas
quatro aldeias encontramos pequenas diferenças de pronúncia, dado à
proximidade com diferentes grupos indígenas, não existindo diferenças
dialetais, mas somente pronunciais. A língua Guajá está presente em todas
as aldeias, sendo a língua transmitida às crianças.

2.4 Histórico do contato

No passado, os Awá-Guajá não possuíam aldeias permanentes e, até o


contato, organizavam-se em pequenos grupos, formados por uma ou mais
famílias nucleares, dispersos sobre um território também ocupado por
outros povos indígenas, como os Guajajara, os Tembé (como são chamados
os Guajajara na bacia do Gurupi) e os Ka’apor.

Caçadores, habitantes das terras firmes do noroeste maranhense, estão


desde o século XIX pelas cabeceiras dos rios Pindaré, Turiaçu e seus
tributários. A origem dos Awá-Guajá é incerta na literatura. Sabe-se que até
o século XIX poderiam ser encontrados no leste do estado do Pará, e
provavelmente atravessaram o rio Gurupi chegando ao Maranhão no final
daquele século (Balée, 1994). O registro do histórico territorial dos Awá-
Guajá é comumente baseado na literatura etnográfica de povos mais
conhecidos como os Ka’apor e Tenetehara (Nimuendajú), e os Ka’apor e
Tembé (Ribeiro), tendo passado quase que invisíveis na história social do
leste amazônico, e do Estado brasileiro até os anos de 1970.

53
A hipótese é que os Awá- Guajá habitaram o leste amazônico, na região de
ocupação Tupi-guarani nas matas do rio Xingu, subindo o rio Tocantins,
atravessando os rios Capim, Acará e Gurupi, e chegando até o rio Pindaré.
Gomes (1982) defende que uma das hipóteses mais prováveis é que os
Awá-Guajá teriam chegado ao noroeste do estado do Maranhão na “esteira”
dos Ka’apor, grupo inimigo que também migrou para a região do rio
Turiaçu(Mapa 9 - Mapa da Trajetória de Ocupação dos Awá-Guajá).

A presença dos Awá-Guajá no Maranhão foi registrada pela primeira vez em


1853 (Gomes, 2002), em um relatório do então presidente da província,
onde consta que viviam entre os rios Caru e Turiaçu. Diferentemente dos
Ka’apor, que, desde o século XIX, mantinham contato com a população não
indígena, participando da extração da copaíba (Balée, 1994), o contato dos
Awá-Guajá resumia-se ao assédio das roças dos Ka’apor atrás de milho,
batata doce, cará e outros tubérculos. Segundo relatos, em 1860, os Awá-
Guajá já estavam na bacia do Gurupi e não era incomum serem mortos
pelos Ka’apor e Tembé em situações como estas (Balée, 1994).

Nos últimos 150 anos, os Awá-Guajá sempre estiveram nos arredores dos
rios Pindaré, Turiaçu e Gurupi, nas “franjas” dos territórios dos Ka’apor ao
norte e dos Guajajara ao sul. Seu território de perambulação tinha como
limite oeste o rio Gurupi; as bacias dos rios Maracassumé, Parawá e baixo
Turiaçu ao norte, o alto curso dos rios Pindaré e Grajaú ao Sul, e a margem
esquerda do Rio Mearim em sua porção leste.

Na década de 1910, já haviam chegado ao território ocupado pelos


Guajajara, entre os rios Pindaré e Zutiua. Na década de 1940, foram vistos
diversas vezes pelos Guajajara e por funcionários do Serviço de Proteção
aos Índios (SPI), na beira do rio Pindaré, perto da cidade de Alto Alegre do
Pindaré (Gomes, 2002), coincidindo com as informações prestadas pelos
Guajajara da TI Caru para equipe técnica deste estudo em março de 2012.

Têm-se notícias de contatos com grupos Awá-Guajá desde 1943, quando


um pequeno grupo apareceu às margens do rio Pindaré, próximo a um
posto do SPI que servia aos Guajajara, fugindo logo em seguida (Gomes
1985). Na década de 1950, haviam alcançado o médio rio Buriticupu, no
limite noroeste da atual TI Araribóia.

Em 1951, durante a segunda expedição de Darcy Ribeiro aos Ka’apor, o


autor registrou em seu diário a proximidade dos Awá-Guajá das aldeias dos
Ka’apor nas cabeceiras do rio Turiaçu e nas margens do rio Pindaré (Ribeiro,
1996, p. 332).

“Estes índios de fala tupi perambulam por essas matas, sempre em


luta contra as outras tribos. Segundo as informações de que se
dispõe, são os mais primitivos habitantes da região e talvez do Brasil.
Não têm aldeias permanentes, mas simples choças, muito toscas, que
constroem umas após outras, em sua interminável andança em busca
de alimentos. Não plantam roças, não dispõem de ferramentas,
contando apenas com instrumentos de pedras, ossos, dentes e
madeiras para cortar e destrinchar. (...) Eles costumam passar o
verão às margens do Pindaré, vivendo da pesca. Nesse período, são
vistos pelos índios Guajajara, que sobem e descem o rio uma vez por

54
ano para trazer os produtos de suas roças e da coleta, a fim de trocá-
los no posto pelos artigos que necessitam. Geralmente, os Guajá se
esquivam nesses encontros, fugindo para mata mal percebem a
aproximação de alguém. Às vezes, dão fala, então pedem
ferramentas e farinha e recebem, quando os viajantes guajajaras
dispõem de alguma sobra”.

Segundo Gomes24, a partir da década de 1960, o território de perambulação


dos Awá-Guajá foi sendo comprimido devido à chegada dos imigrantes
nordestinos, especialmente na região do baixo rio Zutiua, onde, atualmente,
encontram-se as cidades de Alto Alegre do Pindaré e Santa Luzia.

Em 1965, com a abertura da rodovia Santa Inês-Açailândia, um contato mal


sucedido foi realizado com um grupo de doze pessoas. Trabalhadores da
estrada tiveram contato com um grupo de doze pessoas e acionaram a
Funai que levou cerca de sete indígenas para o então Posto Indígena
Gonçalves Dias, onde é hoje a aldeia Januária, na TI Rio Pindaré, e, em
poucos meses todos morreram.

Os Awá-Guajá foram sendo contatados lentamente. Assim, a chamada


“história do contato” poderia ser definida como “histórias dos contatos”,
existindo na documentação do SPI/Funai muitos relatos sobre pequenos
grupos Awá-Guajá que fizeram contatos com agricultores e caçadores desde
a década de 1940. Muitas famílias faziam contato devido à invasão das
áreas em que viviam e a falta de novos locais para se deslocarem. Em
muitos desses encontros, os Awá-Guajá contraíram doenças como sarampo
e gripe acarretando óbitos, às vezes, de todo grupo local (vide Gomes,
1985, e Garcia, 2010). Os grupos sobreviventes foram refugiando-se nas
cabeceiras dos igarapés, em lugares mais remotos.

O processo de contato dos Awá-Guajá com o Estado brasileiro teve início


em 1973, com os sertanistas José Carlos Meirelles, Florindo Diniz e Jairo
Patusco. O primeiro contato ocorreu em 1976, com um grupo que se
encontrava no alto curso do rio Turiaçu sendo o grupo que originou da
aldeia Guajá, localizado na TI Alto Turiaçu. Dos 56 indivíduos contatados em
1976 só sobrariam 26 pessoas em 1980, muito doentes de malária e gripe
(Gomes e Meirelles, 2002).

Outros Awá-Guajá foram levados para o Posto Indígena Guajá no final da


década de 1970. Um menino Awá-Guajá foi recebido neste posto em 1977,
tendo sido apanhado de uma família de posseiros que viviam no Igarapé
dos Índios, afluente do rio Caru, cujos pais haviam morrido de doenças
respiratórias nas proximidades. Geir Guajá foi levado para São Luís onde se
criou e aprendeu português. Retornou para o Posto Indígena Guajá e
ingressou na Frente de Atração Awá, ajudando a fazer o contato de um
grupo que vivia nas cabeceiras do igarapé Timbira, em 1980. Geir Guajá

24
Para maiores informações sobre o assunto, consultar o Relatório Awá-Guajá 2002. Para a constituição
de um novo Programa de Proteção, Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá, do Estado do
Maranhão. Apresentado à Fundação Nacional do Índio, Companhia Vale do Rio Doce, Secretaria da
Amazônia do Ministério de Meio Ambiente. Elaborado por Mércio Pereira Gomes, antropólogo, e José
Carlos Meirelles, sertanista. Petrópolis, 30 de setembro de 2002.

55
trabalhou nos postos Awá e Tiracambu, e, atualmente, trabalha na aldeia
Guajá, como funcionário da Funai.

Geir Guajá com a esposa, 2012 (Foto: Sonia Lorenz).

Na década de 1970, simultaneamente aos contatos da Frente de Atração da


Funai com os grupos Awá-Guajá, foi implantado o Projeto Grande Carajás,
cuja macrorregião incidia sobre o território Awá-Guajá. É possível que
grupos Awá-Guajá sem contato tenham morrido vitimados por doenças e
assassinatos provenientes do boom populacional que houve na região. A
Estrada de Ferro Carajás, inaugurada em 1985, cortou o território de
perambulação dos Awá-Guajá, provocando a dispersão e a morte de
animais e a supressão de parte das florestas da região.

Em 1980, um grupo Awá-Guajá foi visto por lavradores que estavam


abrindo roças nas cabeceiras do igarapé Timbira, que desemboca no rio
Pindaré na altura do povoado Mineirinho. A Frente de Atração da Funai
contatou o grupo e, na impossibilidade de demarcar uma área naquela
região, transferiu-o para um posto de apoio da Funai às margens do igarapé
Presídio, onde é hoje a aldeia Awá na TI Caru. A transferência foi
traumática – de um grupo original de 91, restaram 28 pessoas. Dos 28
sobreviventes, alguns fugiram para a floresta com medo de novas doenças,
e 20 pessoas, lideradas por Txipatxiá, passaram a viver no PIN Awá.

Segundo Gomes (2002), as lideranças tradicionais do PIN Awá eram


Txipatxiá e sua primeira mulher Mirakedjiá, considerada por todos como “a
mãe verdadeira”, sendo ela mãe de dois homens (Txibohá e Tataikamahá) e
de uma mulher (Marakanã), todos integrantes do grupo que veio do igarapé
Timbira. Estes líderes faleceram e seus filhos Txibohá e Tataikamahá

56
moram na aldeia Awá, na TI Caru. Outro sobrevivente deste contato é
Kamairu, irmão de Txipatiá, que liderou a mudança de um grupo do PIN
Awá para o PIN Tiracambu, em 1994.

Txibohá e Tataikamahá, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Em 1981, mais dois indivíduos foram contatados e estabelecidos no PIN


Awá, e o grupo então passou a crescer, não sem passarem por epidemias
de malária em 1981, e de sarampo em 1983, contraídas dos trabalhadores
encarregados de abrirem roças neste posto.

O convênio entre a então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Funai,


inicia-se em 1982, reativando de forma mais efetiva a Frente de Atração da
Funai, fazendo com que desde 1984 novos grupos fossem contatados.
Nessa época, famílias foram localizadas nos igarapés formadores da
cabeceira do rio Caru, como o igarapé Água Branca e o igarapé Brejão,
locais onde havia invasão de pequenos posseiros e grileiros. Um grupo
liderado por Miri Miri veio a ser contatado nesta região posteriormente,
mantendo contatos intermitentes com os Awá-Guajá do PIN Tiracambu,
sem aceitar que seu grupo passasse a viver definitivamente neste posto.

Em 15 de agosto de 1985, na altura do km 396 da EFC, um motorista da


empresa Tratex, empreiteira que trabalhava para a CVRD, foi ferido por
uma flecha no momento em que trabalhava numa máquina patrol, na
abertura de um desvio ligando a EFC à BR 222 (Gomes, 1985b). Segundo a
documentação, este foi o terceiro episódio ocorrido nas imediações da
ferrovia em 1985, envolvendo tanto a população recém-instalada como os
trabalhadores da CVRD. Gomes relata que em agosto de 1985, conversando
com o engenheiro responsável pelo acampamento dos trabalhadores da

57
CVRD e da Tratex, próximo ao rio Verde na altura do Km 400 da ferrovia,
soube-se que vários trabalhadores da ferrovia, bem como vários moradores
que viviam em lotes e fazendas que margeavam a ferrovia, viam os Awá-
Guajá ao longo da estrada (Gomes 1985b).

Nos anos seguintes, outros grupos que viviam na região banhada pelo
igarapé Presídio, afluente do rio Pindaré, no interior da TI Caru,
confraternizaram-se com os Awá-Guajá aldeados, passando a viver no PIN
Awá. O grupo de Txiami, com aproximadamente quinze pessoas, tinha
contato intermitente com os Awá-Guajá do PIN Awá, e, em 1987, passaram
a viver definitivamente neste posto. A família de Amapãranoim também
estabeleceu contato com os Awá-Guajá do PIN Awá, aí permanecendo com
seus filhos. Amapãranoim, mãe dos caciques Txiparentxa’á e Marakutxa’á,
vive atualmente na aldeia Tiracambu, na TI Caru.

Família de Txiami, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

58
Amapãranoim, com os filhos, os caciques Txiparentxa’á e Marakutxa’á, 2012 (Foto:
Sônia Lorenz).

Em 1987, foi contatado o grupo de Ipatxi’á no Km 400 da ferrovia, num


local chamado Ferrugem, acima do povoado Presa do Porco. Ipatxia’á e sua
família moram atualmente na aldeia Tiracambu.

Em 1988 e 1989, mais dois Awá-Guajá, vindos dos sertões da Bahia e de


Minas Gerais, sobreviventes do grupo que havia sido massacrado na região
de Porto Franco, perto de Imperatriz, em 1978, também foram trazidos
para o PIN Awá. Um deles, Karapiru, mora atualmente na aldeia Tiracambu,
fazendo parte do núcleo familiar de Kamairu.

59
Karapiru e Kamairu, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Em 1989, foi contatado o primeiro grupo Awá-Guajá da aldeia Juriti, onde é


hoje a TI Awá. Em 1998, foi achado outro pequeno grupo no igarapé Mão
de Onça, também levado para a aldeia Juriti.

Aproximadamente, em 1990, chegou à aldeia Awá o grupo de Mirratxiá, que


hoje mora na Tiracambu. A mudança de alguns núcleos familiares do PIN
Awá para o Tiracambu, em 1994, foi influenciada pela chefia da Funai, para
que eles tivessem melhores condições de caça, considerando que a
população do PIN Awá já havia crescido. Outro motivo alegado foi a não
adaptação de alguns indivíduos a este posto, uma vez que muitos que ali se
encontravam vinham de regiões distantes, trazidos pelos sertanistas da
Frente de Atração. Em outras palavras, alguns Awá-Guajá eram apenas
“parentes” distantes, não obrigatoriamente conhecidos dos grupos que já se
encontravam no PIN Awá.

Na região do PIN Tiracambu, de tempos em tempos, aparecia o grupo de


Miri Miri, que tinha em torno de quinze pessoas. Segundo informações de
Geir Guajá, em março de 2012:

Mirimiri era o líder do grupo, tinha muito contato com os caçadores, a


região dele ia do igarapé Bandeira até o igarapé Água Branca, ele
contava que os caçadores entravam aqui, pegavam uma anta,
salgavam, punham na canoa e iam embora. O Miri Miri era mais velho
que o Karapiru, não sabemos se o pessoal dele morreu ou se estão
andando por aí.

Segundo Patriolino Viana, funcionário da Funai que trabalha na TI Awá:

60
Em 1987, tinham 33 pessoas trabalhando na Frente de Atração Awá,
que durou até 1995. Os Postos de Vigilância funcionavam em
Altamira, Alzilândia, São João do Caru e na foz do igarapé Juriti, de
1983 até 1986. Em 1985, o Mércio Gomes criou o programa Awá e aí
deu problema com os Guajajara. Depois que acabaram os Postos de
Vigilância, sobraram os postos indígenas. A Frente de Atração acabou
em 1995, quando o Possuelo falou que não tinham mais índios
isolados na região.

Segundo os sertanistas da Frente de Atração que permaneceram


trabalhando nas terras indígenas Awá-Guajá, o término da Frente de
Atração e do Convênio Vale/Funai fragilizou ainda mais o território dos Awá-
Guajá, constantemente invadido por caçadores e madeireiros.

2.5 Organização social

Os Awá-Guajá não se diferenciam muito de outros povos Tupi-Guarani do


leste amazônico, como os Araweté, se considerarmos os marcadores
sociais. Elementos como “divisão do trabalho fluida”, “morfologia espacial
aparentemente caótica”, “repertório mínimo de papéis sociais” e “ausência
de qualquer segmentação global”, parecem compor um quadro das relações
cotidianas dos Awá-Guajá. A diferença dos Awá-Guajá para os grupos Tupi-
Guarani do leste amazônico (como os Parakanã, Asurini, Araweté e Ka’apor,
dentre outros) está, sem dúvida, na ausência de agricultura, além do papel
preponderante das mulheres nas atividades de caça (Garcia, 2011).
Famosos por não praticarem agricultura, não dominavam nenhum cultivo
agrícola antes do contato, nem mesmo milho ou mandioca. Tal situação
vem se modificando desde os últimos vinte anos, com a população sendo
ensinada por funcionários da Funai a cultivar mandioca (basicamente para a
produção de farinha), além de milho, macaxeira, abóbora e arroz 25.

A terminologia de parentesco dos Awá-Guajá, como ocorre com outros


grupos nas terras baixas da América do Sul, como os Parakanã e Cinta
Larga, apresenta variante dravidiana (ou de cruzamento tipo "A", de acordo
com Trautmann-Barnes, 1998), marcada por equações transgeracionais e
pela preferência avuncular na regra de casamento. O sistema de parentesco
Awá-Guajá foi devidamente descrito por Cormier, cuja análise comprova a
ênfase oblíqua nas preferências matrimoniais (2003, p. 57-84). A pesquisa
de Cormier foi realizada entre as pessoas da aldeia Awá, na TI Caru, e por
não haverem diferenças terminológicas, podemos estender algumas de suas
observações para as outras aldeias (Garcia, 2011).

Os Awá-Guajá caracterizam-se por uma baixa complexidade material e


ritual, e elementos como a fala e o canto ocupam o lugar da cultura
material e de um conjunto de rituais. No que concerne à cultura material
(um dos principais termômetros da "complexidade" dos povos amazônicos),

25
O texto etnográfico sobre os Awá-Gajá não seria possível sem a colaboração do antropólogo Uirá
Felippe Garcia (doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo-USP), especialista neste povo,
que nos forneceu toda sua produção textual, e participou de reuniões com a equipe técnica deste
estudo, para elucidar inúmeras questões sobre os Awá-Guajá.

61
os Awá-Guajá não possuem cerâmica ou cestaria; seu artesanato tradicional
se resume a pequenos cocares e braceletes com penas de tucano utilizadas
em um ritual específico e redes de fibras de tucum; as casas até o contato
eram tapiris na floresta; e os arcos e flechas são os únicos artefatos
produzidos cotidianamente. Com exceção das belas redes de tucum, que
abrigavam às vezes uma família inteira (o casal e seus filhos pequenos) em
uma única peça, e uma estrutura com moquém, uma aldeia Awá-Guajá não
possuía pátio central, espaços diferenciados de acordo com sexo ou classe
de idades, e se constituía por pouquíssimas pessoas, às vezes por uma
única casa.

O canto é primordial para as relações sociais dos Awá-Guajá, seja na vida


cotidiana como nos rituais da takája (abrigo ritual), considerando-se tanto
sua emissão como a escuta. Esta peculiaridade está intrinsecamente ligada
à posição central da caça para os Awá-Guajá. Segundo Garcia (2011),26
“Canto e caça são temas que definitivamente mobilizam os Awá, cada
um à sua maneira, e são centrais à vida. Os cantos – que são
chamados de nhã – constituem um dos principais veículos de
comunicação com os karawara, os habitantes do iwá (patamares
celestes). Cada canto está relacionado a um karawara dono do canto.
(...) São os cantos a principal matéria do “xamanismo”, e
conformam-se como a única expressão artística dos Awá-Guajá, que
não possuem cerâmica, grafismos, entalhes, ou qualquer outra
produção gráfico-material. A estética Awá parece estar condensada
em uma infinidade de temas vocais, executados em situações
diversas. (...) Os Awá primam tanto pelo canto (anhã, “seu canto”),
que é possível afirmar cantarem em todas as situações: antes do
amanhecer acompanhando o nascer do sol, avisando à seção
residencial o nascer do sol; à noite para embalar as crianças no sono;
nas caçadas, bem baixinho na floresta para que não sejam ouvidos
pelos animais, ou bem alto ao voltarem para casa com a caça
abatida. Os cantos (anhã) também manifestam alegria, prazer sexual
e a condição de se “estar junto” (pyry); canta-se também nos
momentos de tristeza, principalmente doenças, pois os cantos e a
takája (o abrigo ritual) também são as únicas matérias concretas do
xamanismo Awá-Guajá; cantam até mesmo sem qualquer motivo
aparente, só pelo prazer de soltar a voz.”

Desde o contato com os karaí27 a vida mudou bastante para os Awá-Guajá:


nova dinâmica espacial, nova alimentação, alianças compulsórias com
grupos locais até então rivais, nova língua, outras relações. As
considerações sobre o “tempo do mato” (imyna ka’ape) são sempre
lembradas pelas pessoas, que analisam as continuidades e as rupturas
desde os contatos com a Frente de Atração da Funai até os dias de hoje,
quando as florestas estão sendo invadidas por madeireiros e posseiros e
sua caça está cada vez menor.

26
Entre o rastro e o som: a poética da predação Awá-Guajá, Projeto de Pós-Doutorado encaminhado à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Unicamp, São Paulo, junho de 2011.
27
Termo utilizado pelos Awá-Guajá para se referirem aos brancos.

62
Atualmente, as aldeias contíguas aos postos da Funai são usadas como base
para os Awá-Guajá, que prosseguem realizando expedições constantes de
caça, principalmente no verão. Este tema é o assunto principal tratado no
cotidiano: munição, locais de caça, rastros de animais etc.

2.6 Cosmologia e o ritual da takája

A terra, wy' tal como nós a conhecemos – o local onde vivem os humanos –
é apenas uma pequena parte do universo social que, além de wy', ainda
conta com alguns patamares celestes, os diversos iwá (ou "céus"), onde
habitam os mortos, karawá, tapãnas, – nimás (duplos celestes), além de
kamarás e karaís celestes. A cosmografia Awá-Guajá28 também conta com
um mundo subterrâneo, também chamado iwá, onde vive outra
humanidade de quem os humanos da terra pouco sabem.

Essa paisagem seria resultado da separação de um mundo anterior, onde


céu, terra e subterra estavam muito próximos, quase confundindo-se. Como
em diversas cosmologias Tupi, os Awá-Guajá se referem a uma separação
das camadas cósmicas, cujo resultado principal foi a “especiação sociológica
da terra” (Viveiros de Castro, 1986). Os Awá-Guajá narram alguns mitos do
ciclo dos gêmeos Tupi-Guarani, além de uma versão curta sobre o tema do
dilúvio que teria destruído uma primeira humanidade e configurado o
mundo atual.

Os patamares celestes (iwá) são incontáveis, os humanos não sabem ao


certo quantos níveis existem sobre a terra. Na subida para o céu que os
homens experimentam (ohó iwá pe), sobretudo no ritual da takája, uma vez
no iwá, conseguem subir para mais dois ou três patamares a fim de
visitarem outras aldeias celestes. Além dos diversos iwá superiores, há um
nível inferior que, diferente do céu, os Awá não mantêm contato desde a
época da separação dos mundos.

É provável que a segunda atividade que os Awá-Guajá mais gostem de


realizar, a primeira sendo a caça, seja cantar, o que fazem em muitas
situações. Contudo é no ritual da takája que o canto parece atingir um de
seus principais objetivos – possibilitar a comunicação com os patamares
celestes iwá. Através de um abrigo ritual chamado takája, construído nos
meses do verão, da estiagem, os homens se revezam entoando cantos e
realizando viagens cósmicas a fim de entrarem em contato com os
karawara, os habitantes do patamar superior.

Além dos Awá-Guajá, outros povos montam "tocaias" para a realização de


seus rituais de xamanismo (os Asurini do Xingu, Asurini do Tocantins e
Parakanã são exemplos bem documentados). Apesar das diferenças entre
as “tocaias”, variando (em formatos, usos e propósitos) tanto quanto são
variadas as cosmologias desses povos, tais espaços se caracterizam por

28
Este item é de inteira autoria de Uirá Felippe Garcia, autor da tese de doutorado na USP, 2010,
Karawara – a caça e o mundo dos Awá-Guajá, etnografia abrangente sobre este povo. Não se usou
aspas porque foram eliminados vários trechos do texto, deixando o essencial para compreensão do
leitor.

63
serem locais onde espíritos e divindades celestes se instalam ao visitarem a
terra, seja para se alimentar, cantar, dançar ou curar. A tocaia Awá-Guajá,
chamada takája, também possui características e propósitos semelhantes, à
diferença de ser a única matéria de um ritual cujo objetivo é aproximar os
karawara para cantar na terra, e propiciar que os homens viajem para o
iwá, também para cantar.

Os karawara (ou karawá, a depender da frase) são entidades (ou forças)


que vivem nos patamares celestes e atuam na terra de diversas maneiras.
São caçadores infalíveis, ao mesmo tempo em que são espíritos auxiliares
no xamanismo; são o destino de todo o ser humano (homens e mulheres)
após a morte, ao mesmo tempo em que possuem uma existência
independente, desvinculada da morte terrena. São também relacionados à
caça, pois estão relacionados diretamente a esta atividade, sendo caçadores
infalíveis, e ao canto, por serem cantores magníficos, e à cura, por serem a
própria substância do xamanismo.

Estes seres estão espalhados pelos múltiplos patamares celestes, e descem


à terra para caçar, extrair mel e buscar água. Os humanos não os
encontram, pois, além de serem rápidos em suas caçadas, as realizam em
áreas distantes, onde os Awá-Guajá não alcançam. Além de descerem à
terra para caçar, os karawara se encontram com os humanos para
realizarem curas e cantarem no ritual da takája. Assim que as chuvas
cessam, nos meses de junho e julho, os Awá-Guajá iniciam os rituais da
takája, realizando-o por todo o verão, sendo uma forma de comunicação
privilegiada entre os humanos e os karawara.

2.7 Território, territorialidade e “terra indígena”

Os grupos contatados nas décadas de 1970 e 1980, pela Frente de Atração


da Funai, vivem atualmente nas Terras Indígenas Alto Turiaçu, Awá e Caru,
localizadas dentro do extenso território onde, que até aproximadamente o
final da década de 1950, os Awá-Guajá ainda se locomoviam com certa
liberdade, apesar dos contatos belicosos com seus inimigos históricos
Ka’apor, e do contato nem sempre pacífico com os Tembé e os Guajajara.

A compreensão da forma de ocupação territorial dos Awá-Guajá antes do


contato com os karay permite avaliar suas estratégias para manter seu
modelo de territorialidade em circunstâncias adversas, com uma base
geográfica reduzida e com as terras indígenas invadidas por caçadores,
grileiros e madeireiros.

A organização espacial dos Awá-Guajá compreende o espaço geográfico


com seus ecossistemas terrestre e aquático, e um espaço vertical que une a
terra aos patamares celestes. Temos o conjunto de ambientes compostos
pelas terras firmes – wutyry (1º), associado às zonas de várzea e aos
cursos dos rios, ou simplesmente "água" – 'ya (2º), correspondendo ao
complexo de alagados que se forma durante os meses de chuva. A soma
destes ambientes resulta em um conglomerado de áreas de caças
identificadas por diferentes topônimos, e composta por uma infinidade
trilhas e clareiras que constituem o território tradicional (3º). A esse

64
conjunto territorial os Awá-Guajá denominam haka'a ("minha floresta") de
forma genérica, e mais especificamente, harakwá ("meu lugar", "meu
domínio"). São essas as expressões que marcam a relação dos Awá-Guajá
com o território ou com os territórios.

Harakwá é uma noção enfatizada pelos Awá-Guajá denotando não só a


mata (ka'á), mas também as relações estabelecidas entre pessoas, animais,
plantas, acidentes naturais e todos os elementos que estejam relacionados
com o lugar que identificam como seu. Haka'á e harakwá, muitas vezes
utilizados como sinônimos são termos que os Awá-Guajá costumam traduzir
aos karaí como "minha área”, fazendo alusão ao recente processo de
demarcação jurídica29.

Neste sentido, harakwá é o local reconhecido enquanto tal por um grupo


(familiar, local), por onde estas pessoas circulam e dele sobrevivem,
caçando e manejando recursos. Os harakwá são exclusivos de uma família
e/ou grupo local que o conhece intimamente. As "fronteiras", antes do
contato, eram dadas pelos outros harakwá conhecidos, muitas vezes de
germanos ou cognatos próximos, ligados por parentes de parentes, até uma
distância onde a genealogia e o território não mais alcançavam.
Atualmente, se os Awá-Guajá não vivem mais exclusivamente baseados em
seus harakwá, não dispensaram a vida na floresta, que consideram como
um local hatxã, ("fresco"), e pãrãh ("bonito", "bom", "perfeito"), diferente
da aldeia que dizem ser hakú ("quente") e mãn h , ("desagradável",
"imperfeito").

Segundo Bruno Fragoso, que em outubro de 2011 coordenava a Frente de


Proteção Etnoambiental da Coordenação Geral dos Índios Isolados e Recém-
Contatados (CGIIRC/Funai), “quase todos os velhos Awá tem marca de bala
no corpo. Quando um sertanejo ou madeireiro vê os índios, o primeiro
movimento é atirar. Mesmo correndo o risco de encontrarem os invasores
eles continuam levando a família junto para caçar”. Segundo os funcionários
da Funai baseados nas aldeias Juriti, Awá e Tiracambu, e os próprios Awá-
Guajá que moram nas aldeias da TI Caru, as famílias saem para caçar
permanecendo de uma a duas semanas em seus harakwá, agora confinados
dentro dos limites das “terras indígenas”, realizando uma adaptação da
maneira de viver de seus antepassados.

2.8 Índios isolados

Durante o período dos contatos com a sociedade envolvente (agricultores,


caçadores, capatazes dos fazendeiros, trabalhadores da abertura das
rodovias e da EFC etc.) e com a Frente de Atração da Funai, especialmente
nas décadas de 1970 e 1980, famílias e grupos locais foram contatados e
trazidos para os postos da Funai, e supõem-se que outros grupos tenham
sido assassinados em emboscadas, outros tenham morrido de doenças, e

29
Os funcionários do posto se referem ao território demarcado por "área", como é de praxe no jargão da
Funai, e, de forma muito perspicaz, os Awá entenderam que a melhor tradução para harakwá é a que
um karaí entenderia. Portanto, traduziram diretamente harakwá ou haka'ape por essa ideia de "minha
área".

65
alguns, pelos indícios recentes, ainda vivem em isolamento voluntário se
recusando a entrar em contato com os karaí.

A autonomia política representada pelos pequenos grupos familiares, base


da organização social dos Awá-Guajá, que de certa forma ainda persiste nas
aldeias, possibilitou que alguns grupos Awá-Guajá optassem pelo
isolamento, apesar das condições adversas que vêm enfrentando nos
últimos tempos.

Atualmente, há indícios de grupos Awá-Guajá em isolamento voluntário na


TI Araribóia (de população Guajajara), na TI Alto Rio Guamá contígua à TI
Alto Turiaçu (de população Tembé), e nas TIs Awá e Caru. Considerando a
distância de cerca de 140 km entre a TI Caru e a TI Araribóia (localizada
nos municípios de Arame e Grajaú), supõe-se serem grupos distintos. O
grupo da área indígena Araribóia é superestimado em até sessenta pessoas
(Funai, 2009), enquanto o outro grupo estaria a oeste da área Caru,
composto por uma única família. De acordo com relatório recente publicado
pelo Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA,
2011), a Funai possui hoje quatro referências de grupos de isolados nas TIs
Araribóia e Caru (Garcia, 2011).

Bruno Fragoso, que em outubro de 2011 era Coordenador da Frente de


Proteção Etnoambiental dos Awá-Guajá, CGIIRC/Funai, relatou para equipe
técnica deste estudo, que havia indícios de perambulação dos isolados nos
cursos alto e médio dos igarapés Presídio e Caru, e também nas nascentes
do rio Pindaré. Segundo Bruno Fragoso, “há vários fatores que estão
atrapalhando sua movimentação: diminuição da caça, o tráfico, a caça
ilegal, as madeireiras, a pressão dos brancos de todos os lados. A premissa
da Frente de Proteção é o não contato. A Funai tem que batalhar para
desintrusar e só fazer o contato se não houver solução”.

Em março de 2012, Patriolino Garreta Viana, funcionário da Funai que


participou da Frente de Atração Awá-Guajá e atualmente trabalha na aldeia
Juriti/TI Awá, relatou para equipe técnica que tinha participado
recentemente de uma expedição da CGIIRC/Funai, na região da TI Araribóia
e seu entorno, onde foram comprovados indícios da movimentação de um
grupo isolado, muito provavelmente o mesmo grupo mencionado pela Funai
em 2009.

Em 20 de março de 2012, em reunião na aldeia Awá sobre a duplicação da


EFC, os mais velhos – Txiami, Tataikamarrá e Txiborrá – contaram para
equipe técnica sobre a existência de um grupo isolado dentro da TI Awá
(Mapa 10 - Mapa Etnomapeamento da TI Caru).

Optou-se por registrar na íntegra as perguntas da equipe técnica e as


respostas, traduzidas por Geir Guajá, por tratar-se de indícios recentes
sobre o grupo de Awá-Guajá em isolamento voluntário na TI Caru, objeto
de estudo do Componente Indígena da duplicação da EFC.
Ainda encontram famílias Guajá que não têm contato?
O Txiami saiu para o mato e encontrou casco de jabuti, viu cupuaçu cortado, mas
não viu ninguém porque eles dão tiro para caçar e aí eles correm.

Como sabe que não era um karay que estava caçando por ali?
Porque eles acham o tapiri e as flechas iguais às deles.

66
Onde?
É lá para cima do Presídio, tem um braço do Caru que entra para cá.

Com quantos dias de caminhada acharam estes vestígios?


Cinco dias de caminhada.

Faz pouco tempo que acharam os vestígios?


Faz pouco tempo, mas eles não sabem contar quanto. Txiborrá viu um rastro na
lama, já tinham comido cupu. Uma pessoa pisando na lama e os outros por cima da
terra mais dura, não sabe quantos são.

Segundo Geir Guajá, os Awá-Guajá da aldeia Awá têm evitado a região


onde encontraram indícios recentes e acham que o grupo em isolamento
corre sérios riscos, uma vez que é frequente a entrada de invasores na TI
Caru, seja para caçar, seja para retirar madeira.

67
68
TOMO III – A Terra Indígena Rio Pindaré

69
70
1. Localização, extensão, limites
A Terra Indígena (TI) Rio Pindaré situa-se às margens do rio Pindaré,
distando 12 km de Santa Inês e 14 km de Bom Jardim. Todas as aldeias
desta área indígena localizam-se às margens da BR 316, que liga as cidades
de Belém, no Pará, à Teresina, no Piauí. (Mapa 3 - TI Rio Pindaré com o
Projeto Duplicação da EFC).
A TI Rio Pindaré constitui-se em uma área de 15.003 hectares, situada nos
municípios de Bom Jardim e Monção, tendo sido homologada em 25 de
maio de 1982 para posse permanente dos Guajajara. A TI Rio Pindaré faz
parte da porção maranhense da Amazônia Legal30.

TABELA 1.1 - Caracterização geral da Terra Indígena Rio Pindaré

TI Rio Pindaré

Área (ha) 15.002,91

Município Bom Jardim (MA) e Monção (MA)

Demarcada e homologada

Reg. CRI e SPU (25/05/1982)


Situação jurídica
Documento: decreto 87.846

Data de publicação: 24/11/1982

DSEI/Funasa Maranhão (MA)

Funai Administração Regional de Imperatriz (MA)

Fonte: ISA, 2002.

2. Acessibilidade e transporte
O acesso às aldeias da TI Rio Pindaré é realizado através da BR 316, que
corta a TI com uma pista simples, pavimentada, sem acostamento em

30
No Brasil, a Amazônia Legal abrange territórios totais ou parciais de nove estados da federação. A
porção maranhense da Amazônia Legal abrange uma área equivalente a 80% da superfície territorial do
estado, ou seja, 264 mil km2, situada a oeste do meridiano 44°W. Nesta área estão localizados 188 dos
217 municípios do Maranhão. Informação atualizada pelo Plano de ação para prevenção e controle do
desmatamento e das queimadas no estado do Maranhão (Decreto nº. 27.317, de 14 de abril de 2011),
São Luís, Maranhão, novembro de 2011.

71
alguns trechos. O tráfego é intenso, inclusive de caminhões de carga
pesada, circulando em alta velocidade.

O acostamento da rodovia é utilizado pelos indígenas que circulam a pé, de


bicicleta ou carroça, sendo a principal via de interligação entre as aldeias.
Não há existência de redutores de velocidade ao longo deste trecho da
rodovia. Algumas aldeias estão localizadas bem próximas ao leito da BR
316, como são as aldeias Areião, Novo Planeta e Piçarra Preta.

Segundo os Guajajara, a BR 316 é um fator de risco que preocupa as


comunidades, já que o acesso às aldeias, por todo tipo de pessoa, é
facilitado, gerando insegurança e também pelos altos índices de acidentes
na estrada. Além dos acidentes fatais envolvendo os indígenas, há muitos
casos de choques e tombamentos de veículos, principalmente próximo à
aldeia Tabocal.

Dos meios de transporte, o táxi é o mais utilizado pela população indígena


na TI Rio Pindaré. Não há linhas de ônibus ligando as aldeias aos centros
urbanos. No entanto, há alguns carros particulares nas aldeias Areião,
Janúaria e Tabocal, além de dezenas de motos, que também transportam
as pessoas para Santa Inês.

O uso do trem de passageiros da Vale pelos indígenas é esporádico,


servindo principalmente para irem visitar os parentes entre as aldeias da TI
Rio Pindaré e a aldeia Maçaranduba, na TI Caru, ou para irem a São Luís.

3. Processo de demarcação territorial

3.1. Formação da TI Rio Pindaré, segundo seus moradores


Ao que tudo indica, a aldeia Januária é o marco inicial para formação da TI
Rio Pindaré, funcionando como polo de atração para várias famílias
Guajajara. Calcula-se que seu fundador, Manoel Viana, teria chegado em
1920, aproximadamente. A vinda de Manoel Viana é relatada por sua filha,
Antônia Viana Guajajara:
Meu pai disse que os Ka’apor atacavam muito. Os portugueses
descobriram que tinham esse parente na aldeia, o meu pai, e falaram
para ele descer, porque os Ka’apor estavam sempre matando os
Guajajara. Outros parentes do meu pai foram para o sertão da Barra
do Corda, onde temos muitos parentes. Os Ka’apor vinham atacar em
Santa Inês, em Monção, eles vinham do rio Parawá até aqui atacar.

72
Antônia Viana Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

O cacique da aldeia Piçarra Preta Pedro Viana, conta em quais


circunstâncias seu avô chegou à Januária:

Os Ka’apor mataram toda a família dele. Ele escapou dentro de um


forno de cobre, pôs farinha e gente em cima e desceu o Pindaré.

Antigos moradores da Januária – Manoel Paraipé, Maria de Fátima


Guajajara, Sinhazinha e Carmosina Guajajara – complementam:

No tempo do SPI [Serviço de Proteção ao Índio], a Januária chamava


Kriwiry. Na língua do índio, Kriwiry é uma frutinha vermelha, porque
antes tinha muito aqui, o PI Gonçalves Dias era aqui mesmo. O
Manoel Viana ajuntou a turma dele que tinha deixado para trás. Foi o
primeiro que veio para cá. Quando ele chegou, moravam uns brancos
que saíram e deixaram para o Manoel Viana. Os brancos de Monção
queriam tomar a terra que a dona Teresinha deixou para o Manoel
Viana, era no tempo do SPI. Anos mais tarde, a Funai queimou todos
estes documentos.

Wagley e Galvão (1955, p.16), que realizaram duas campanhas de campo


entre os Guajajara, em 1941 e 1945, descrevem Manoel Viana:

“Orçando pelos 50 anos, chefe da aldeia Januária, passou muitas


tardes com um de nós, respondendo a questões ou falando em geral
sobre os costumes tenetehara. Mestiço, filho de uma mulher
tenetehara e pai brasileiro. (...) Nasceu próximo de um seringal no

73
alto Pindaré, abandonado em 1913. Passou a juventude nessa aldeia
que abandonou por causa dos ataques de Índios Urubus, e mudou-se
com a família para Januária.”

Os moradores mais velhos da TI Rio Pindaré contam que seus pais e avós
precisaram fugir dos ataques dos Ka’apor, das epidemias de sarampo, ou
dos brancos que tomaram suas terras, refugiando-se na Januária. Na
mesma época, outras famílias Guajajara deslocaram-se para o sul,
formando as aldeias Angico Torto, Arariboia, Tarrafa, Bacurizinho.

Dona Margarida Guajajara, mãe do cacique Gerson da aldeia Novo Planeta,


e outras famílias que moram na aldeia Januária, vieram da região de Lagoa
Comprida, no município de Santa Luzia do Tide. Os mais velhos contam que
“na Januária era só mata virgem, não tinha casa, era mata até o Gurupi,
tinha o barracão do SPI e a enfermaria”.

A família dos antepassados do cacique Luciano da Aldeia Nova moravam na


aldeia Sapucaia, onde é hoje o povoado Buriticupu. Joaquim Guajajara,
morador da aldeia Tabocal, recorda que os Guajajara tinham uma aldeia
importante perto de Alto Alegre do Pindaré, chamada Camirang 31, e de lá
desciam de canoa até a aldeia Kriwiry. (Mapa 2 – Ocupação Territorial
dos Guajajara).

O cantador das festas da Mandiocaba e do Moqueado, Pedro Nicolau Gomes


Guajajara, morador da Januária, conta que nasceu do outro lado do Pindaré
e, em 1948, veio morar na Kriwiry, que era chefiada por Manoel Viana, na
época em que os Ka’apor ainda atacavam Pindaré Mirim, Monção e o Posto
Gonçalves Dias do SPI. O cantador lembra-se que em 1949 e 1950 houve
uma epidemia de sarampo causando muitas mortes, e que, até esta época:

Os antigos iam de pé e voltavam de pé de São Luís. Eu ainda fui uma


vez, era pequeno, tinha uns seis anos. Levavam farinha, tapioca,
jabuti, pele de onça, e, no começo, só traziam sal.

31
Wagley e Galvão (1961, p. 16 e 17) contam sobre o capitão Camirang, que chefiava aldeia de mesmo
nome: “Camirang, capitão de uma aldeia do alto Pindaré, conhecida por esse nome, merece particular
atenção, embora raramente nos tivesse servido como informante. Apesar de seu prestígio declinar a
partir de 1942, sua figura salienta-se sobre a de todos os Tenetehara que conhecemos, e ainda é o mais
destacado líder. Em 1945, contava cerca de trinta e cinco anos de idade; falava mal o português, porém
o suficiente para impressionar seus companheiros de aldeia, que de modo geral não falavam essa língua.
Frequentemente descia o Pindaré para ir comerciar e vender os produtos de sua aldeia. Camirang era
considerado pelos comerciantes brasileiros como um bom fornecedor e comprador, e os administradores
do Serviço de Proteção aos Índios não raro externavam sua admiração pelo modo por que dirigia seu
grupo”.

74
Pedro Nicolau Gomes Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

Após a ocupação da Januária (Kriwiry) pelos Guajajara, formaram-se outras


aldeias na região, chefiadas por caciques oriundos do alto rio Pindaré. O
cacique Manuel Libâneo veio da cabeceira do rio Caru e abriu a aldeia
Faveira; o cacique Manoelzinho veio da aldeia Sapucaia e formou a aldeia
Cajueiro; o cacique Avelino veio dos Tembé, no rio Gurupi. Inicialmente,
estas aldeias foram abertas como “centros” de família extensa, localizadas
às margens do rio Pindaré para facilitar o comércio. Segundo Pedro Nicolau
Gomes Guajajara:

O povo do Cajueiro e da Faveira morreram. Pegaram as doenças dos


karawya e foram se acabando. Os que sobreviveram foram mudando
aqui para cima. Antes, os karawya não entravam aqui não, só os
servidores do SPI. Eles começaram a entrar quando abriu essa BR,
em 1964.

De acordo com as fontes históricas, resumidas no Tomo II, capítulo 2.4


Histórico do contato, desde os séculos XVII e XVIII, os Guajajara ocupam o
território do médio e alto rio Pindaré. De acordo com os informantes da TI
Rio Pindaré, nesta região, já havia uma ocupação Guajajara, como a família
do cantador Pedro Nicolau Gomes Guajajara. A região continuou recebendo
famílias Guajajara do alto rio Pindaré e seus afluentes no início do século
XX, que consolidaram este território como área de domínio Guajajara, sobre
o qual foi demarcada a TI Rio Pindaré.

75
3.2. Histórico da demarcação

De acordo com Gomes (2002), inicialmente esta área compreendia todo o


vale do rio Zutiua, afluente do rio Pindaré, sendo habitada exclusivamente
por índios Guajajara até a década de 1950, na região onde é hoje o
município Santa Luzia do Tide.
Com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1914, foi criado o
primeiro posto indígena no Maranhão, o PIN Gonçalves Dias, exatamente na
região da TI Rio Pindaré. Em 1918, esse posto foi atacado pelos Ka’apor.
Com a vinda de José da Gama Malcher para a chefia do posto Gonçalves
Dias foram feitas tentativas de demarcação das terras dos Guajajara. Num
primeiro momento, Malcher propôs uma área de 353.889 ha, englobando
terras de usufruto de diversas aldeias situadas nos rios Pindaré e Zutiua.
Não tendo sucesso, Malcher orientou o Dr. Xerez na elaboração de uma
segunda proposta que englobaria duas áreas para os Guajajara do rio
Pindaré, que também não foi bem sucedida.

Em 1961, o então presidente Jânio Quadros assinou um decreto criando a


Reserva Biológica do Gurupi, que consistia num polígono de
aproximadamente 1,6 milhão de hectares, situado entre os rios Gurupi e
Pindaré, abrangendo, inclusive, as terras propostas por Xerez e Malcher
(Gomes, 2002).

Em 15 de maio de 1968, foi criado o Posto Indígena Pindaré pela portaria


no. 136/69 em substituição ao antigo Gonçalves Dias, localizando-se na
margem esquerda do rio Pindaré, no distrito de Criuri, no município de
Monções, a 12 km de Santa Inês.

Em 1975, o delegado da 6a Delegacia Regional da Funai informou ao


Departamento Geral de Operações (DGO), da Funai, a invasão da área do PI
Pindaré, ocasionada pelo afluxo de pessoas que chegavam à região com a
pavimentação da BR 316, que cortou a área indígena no sentido leste-
oeste. Propôs a retirada dos invasores e ratificou a proposta do chefe do
posto de assegurar uma área aproximada de 40 mil hectares para os
Guajajara.

Segundo o Relatório sobre evacuação de terras do Posto Indígena Pindaré,


elaborado pelo então chefe de Posto do PI Pindaré em 1975, só na parte
norte da área existiriam 117 famílias, perfazendo um total de 656 pessoas.
Além dos invasores da parte sul da área, cujo levantamento ainda não havia
sido realizado, já era mencionado o povoado Tirirical, para o qual o chefe de
posto recomendava “(...) máxima urgência das partes das autoridades que
decidem o limite oeste da área do PI Pindaré, a fim de que fique
determinado se o dito povoado fica ou não dentro da área indígena, para
que se possa fazer um plano de evacuação daquele povoado”.

76
A eleição e delimitação da área indígena Pindaré foi concluída em 1976 pela
equipe Funai/RADAM32, constituída pelas portarias no. 1004/A/P de 31 de
outubro de 1975 e no. 1032/P de 11 de novembro de 1975. O relatório
antropológico realizado por Alceu Cotia Mariz a partir do Grupo de Trabalho
Funai/RADAM fornece informações sobre a ocupação dos invasores e dos
povoados na área do PI Pindaré, atribuindo ao grande número de invasões
o fato de o território estar exposto à penetração fluvial e rodoviária. Até
1964, ano da construção da BR 316, todo o escoamento da produção
agrícola do médio e alto rio Pindaré era feito por suas águas, de modo que
lanchas passavam ininterruptamente para descarregar mercadorias nas
cidades vizinhas. Com a construção da BR 316, a ponte sobre o rio Pindaré
limitou muito a travessia das lanchas, pois com o rio cheio na estação
chuvosa, a passagem por baixo da ponte tornava-se impossível.

O relatório de Mariz cita ainda a proximidade das cidades de Santa Inês e


Bom Jardim como centros urbanos que se desenvolvem com a BR 316,
levando a maiores pressões nas terras dos Guajajara. O antropólogo refere-
se ao povoado de Tirirical, situado na margem esquerda do rio Pindaré,
como um local que poderia estar dentro dos limites da área indígena.
Abaixo, o mapa base constante no relatório elaborado pela equipe do
Projeto RADAM em convênio estabelecido entre a Funai e o Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM).

32
O Projeto RADAM ou Projeto RADAMBRASIL, criado no âmbito do Ministério de Minas e Energia, foi
responsável, nos anos 1970 e 1980, pelo levantamento dos recursos naturais de todo o território
brasileiro, 8.514.215 km2, tendo em vista o desenvolvimento especialmente da região Amazônica. Ver
<http://www.projeto.radam.nom.br/index.html>.

77
Figura 3.1 Base Reserva Indígena Pindaré, Grupo de Trabalho
Funai/RADAM/1976.

Em 1977, foram concluídos os trabalhos de demarcação com uma área de


15.002,91 ha e 118,12 km de perímetro. Em 1981, a 6a Delegacia Regional,
através de ofício no. 224/6a DR/81, informou que existiam na Área Indígena
Pindaré sete aldeias Guajajara: Januária (sede do Posto Indígena da Funai),
Areião, Joronga, Juçaral, Nova, Pedrinhas e Piçarra Preta. No mesmo ano foi
realizado um levantamento histórico pela antropóloga Maria Auxiliadora de
Sá Leão da Divisão de Identificação e Delimitação (DID/Funai), informando
que, desde 1974, já se encontravam núcleos populacionais na área do PI
Pindaré com aproximadamente duzentos invasores, época em que a
população indígena alcançava 270 pessoas.

3.3. Demanda de revisão de limites

Em 2000, segundo o Relatório da Funai (Coelho et al, 2000), a TI Rio


Pindaré enfrentava problemas de invasões temporárias nas imediações da
aldeia Januária. Moradores dos povoados Serraria e Barriga Cheia, próximos

78
desta aldeia, invadiam a área indígena para pescar no lago que se forma
nos arredores da Januária. O relatório informava ainda que a invasão que
gerava mais conflitos ocorria no lago Bolívia, chamado Kroaçu pelos
Guajajara.

Este mesmo relatório relata que muitos brancos entravam “oficialmente” na


Terra Indígena para pescar, de comum acordo com os índios, a quem
pagavam uma taxa. A equipe que elaborou o relatório encontrou um desses
pescadores que contou que no início pagava R$ 5 para pescar, mas depois
ficou amigo dos índios e passou a não pagar mais nada. Observaram
também a presença de pescadores que saíam para pescar munidos de redes
e caixa de isopor. Os pescadores se diziam “irmãos”, porque também
pertenciam à Igreja Assembleia de Deus. A pesca ilegal era constante na
região do lago Bolívia, além das invasões para a retirada de coco babaçu e
de madeira para a construção de casas, gerando conflitos.

Segundo relatos dos Guajajara entrevistados pela equipe técnica do


Componente Indígena da Duplicação da EFC, em dezembro de 2011, os
karawya continuam invadindo a área indígena em busca de recursos
naturais. A região da aldeia Januária é invadida pelos moradores do
povoado Juçaral, localizado nas margens do rio Pindaré, enquanto a região
da aldeia Piçarra Preta é invadida pelos moradores do povoado Tirirical.
Conforme informação dos Guajajara, os invasores vêm dos povoados que
surgiram nos últimos anos, do outro lado do rio Pindaré, a saber: Bambu,
Colônia, Borges, Laje, Bolivona, Tufilândia e Serra. Segundo o cacique
Chileno, da aldeia Areião:

A maioria dos indígenas acompanhou a demarcação, tiraram muitos


brancos e eles voltam por onde a gente não anda muito. A gente
sempre quer defender o limite da nossa área, mas os karawya
sempre entram para tirar madeira. A gente vai falar com eles que é
proibido e a gente ainda é ameaçado de morte. A Funai diz que não é
para nós fiscalizarmos, que eles é que fiscalizam, mas nada.

79
Cacique Chileno, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

Os caciques Júlio César Brito Guajajara, da aldeia Januária, e Pedro Viana,


da aldeia Piçarra Preta, relataram para equipe técnica do Componente
Indígena a existência de uma demanda de revisão e ampliação da TI Rio
Pindaré, solicitando análise da Funai, uma vez que os conflitos podem gerar
mortes para ambas as partes.

Segundo os Guajajara, os moradores do Assentamento da Reforma Agrária


Camacaoca, também chamada Gleba do INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), e os moradores do Povoado do Furo,
localizados às margens do lago Bolívia, invadem a TI Rio Pindaré
sistematicamente para pescar, caçar, retirar madeiras e produtos da roça.

O cacique Júlio relatou que os moradores do Povoado do Furo retiraram as


placas da demarcação que marcavam o local exato do principal braço do rio
Pindaré para o lago Bolívia. O cacique Pedro Viana avalia que é difícil
respeitar o limite natural, que passa dentro do igarapé Limoeiro e do lago
Bolívia, propondo a alteração deste limite para uma linha seca, partindo do
início do igarapé Limoeiro até a Gleba do INCRA.

De fato, como o limite é uma linha natural, que vai se modificando com o
passar do tempo, há dúvidas sobre onde seria o limite da Terra Indígena.
Somam-se a esta questão as injunções políticas locais, conforme relata o
cacique Pedro Viana:

Antes, nossa reserva tinha 65 mil hectares. Precisa fazer uma linha
seca e deixar o lago para nós. A gente chega lá e os brancos estão lá

80
pescando e falam para nós que o lago é comunitário. O prefeito de
Bom Jardim incentiva o pessoal ir pescar no lago Bolívia. Se a Funai
não resolve, colocam o índio na frente para resolver e aí dá morte. O
Francisco foi a Santa Inês e colocaram 50 mil na mão dele e ele não
aceitou. O pessoal do Tirirical que vai para o lago Bolívia. A Vale pode
nos ajudar, já perdemos de 65 mil hectares para 15 mil e agora
querem tirar o lago.

Cacique Pedro Viana Guajajara, 2011 (Foto: Sonia Lorenz).

Francisco Caragiu Ipikó Guajajara, ex-chefe de posto da Funai, citado no


depoimento acima, relatou que os Guajajara pretendiam ter uma orientação
da Funai de Imperatriz para preparar o abaixo-assinado solicitando a
revisão deste limite, mas não foram atendidos por Piancó, que, na época,
era coordenador da Funai em Imperatriz. Segundo Francisco:

O INCRA entrou com uma ação querendo que a metade do lago fique
para os karawya. Os cabras não querem deixar de atravessar o
igarapé, é uma disputa de terra e de peixe.

A equipe técnica do Componente Indígena da Duplicação da EFC, verificou


que os conflitos descritos no Relatório da Funai (Coelho et al, 2000)
perduram, e, especificamente, a questão do lago Bolívia agravou-se.
Considerando que a transformação natural do limite gera polêmicas, e que

81
os conflitos podem acirrar-se entre os Guajajara e os moradores do
entorno, concordou-se em atender ao pedido das lideranças Guajajara para
que a solicitação de revisão dos limites do lago Bolívia conste deste estudo.

Segundo a percepção das lideranças Guajajara, a duplicação da Estrada de


Ferro Carajás pode gerar um crescimento demográfico dos povoados do
entorno da TI Rio Pindaré, possibilitando o aumento das invasões na terra
indígena. Esta avaliação fez com que as lideranças reforçassem a solicitação
de revisão dos limites.

A percepção dos Guajajara encontra ressonância nas taxas de crescimento


demográfico regional do período de implantação do Projeto Ferro Carajás.
Analisando o comportamento populacional por períodos censitários dos
municípios de Alto Alegre do Pindaré, Bom Jardim e Santa Inês, observa-se
que a região teve grandes movimentações migratórias entre 1970 e 1991,
configurando esses municípios como áreas receptoras de população.

A título de exemplo, pode-se citar o município de Santa Inês, vizinho da TI


Rio Pindaré, que, entre 1970 e 1980, apresentou um ganho populacional de
21.844 habitantes, com saldos positivos nos períodos posteriores. Segundo
o IBGE, a taxa de crescimento anual da população indica que o período de
maior crescimento foi de 1970 a 1980, quando o município de Santa Inês
apresentou uma taxa de crescimento excepcional, 6% ao ano, e a cidade de
Santa Inês, 10,42% ao ano, coincidindo com a época da implantação da
EFC.

3.4. Território, territorialidade e “Terra Indígena”

O mapa histórico dos Guajajara elaborado neste estudo (Mapa 2 –


Ocupação Territorial dos Guajajara) usou as informações sobre o
território tradicional dos Guajajara registradas por Nimuendaju (1944),
Wagley e Galvão (1955), Ribeiro (1996) e Gomes (2002), comprovadas e
acrescidas pelos depoimentos dados pelos mais velhos nas aldeias
Guajajara.

Em síntese, vimos que as fontes históricas relatam que nos primeiros


contatos com os colonizadores, nos séculos XVII e XVIII, os Guajajara
ocupavam o médio e alto curso do rio Pindaré, incluindo rios afluentes,
como o Caru e o Zutiua. No final do século XVIII, os Guajajara expandiram
seus domínios rumo às cabeceiras dos rios Grajaú e Mearim, muito
provavelmente para evitar o contato com os colonizadores. A partir de
1850, parte dos Guajajara migrou para o rio Gurupi, sendo denominados

82
localmente de Tembé, onde foram dizimados por epidemias na primeira
metade do século XX33.

Em 1951, em sua passagem pelo posto Gonçalves Dias, onde é hoje a


aldeia Januária, Darcy Ribeiro registrou em seu diário (Ribeiro, 1996, p.
307):

Esses Guajajara vêm resistindo há séculos de contato conosco; foram


descidos pelos jesuítas para suas missões e deram para muitas
outras missões e para colônia desde então. Mas o grosso da tribo se
mantém livre, longe do nosso domínio, no alto Pindaré e alto Grajaú.

Segundo nossos informantes, o extenso território de seus antepassados,


possuía dois tipos de ocupação tradicional – as aldeias e os sítios de família
extensa. As aldeias, desde então, são resultado do crescimento demográfico
(por consanguinidade e afinidade) das famílias que compõem os sítios de
famílias extensa, atualmente chamados de “centros”. De acordo com os
informantes, quando as aldeias cresciam, alguns chefes de família abriam
novos “centros”, e, desta forma, resolviam várias questões: evitavam
conflitos, buscavam espaço para abertura de novas roças, acessavam
territórios com estoque de caça e demais recursos naturais. Estas
descrições conferem com o padrão clássico de ocupação tupi-guarani.

Os Guajajara, que na infância e juventude moravam com seus avós nas


aldeias e sítios nas margens dos rios Pindaré, Zutiua e Caru, visitavam-se
por ocasião das festas da Mandiocaba e do Moqueado. As memórias destes
informantes, que hoje têm entre 60 e 70 anos, dão conta que eles são a
última geração que conheceu e desfrutou do modelo de territorialidade
Guajajara em sua plenitude: regiões ocupadas por um conjunto de aldeias e
sítios de família extensa que se articulavam através dos casamentos e
rituais, e pelo comércio a partir do contato com a sociedade colonial,
ocupando predominantemente a calha do rio Pindaré e manejando os
recursos naturais da floresta ombrófila aberta.

Compreendendo territorialidade como lógica de organização territorial, o


que se vê atualmente na TI Rio Pindaré é uma miniatura do que foi este
padrão de ocupação territorial Guajajara até meados do século XX.
Atualmente existem seis aldeias na TI Rio Pindaré, são elas: Aldeia Nova,
Areião, Januária, Novo Planeta, Piçarra Preta e Tabocal. As aldeias Tabocal,
Areião, Novo Planeta e Piçarra Preta são originários da Januária, tendo sido

33
Em 27 de março de 1950, Darcy Ribeiro registrou em seu diário (Ribeiro, 1996, p. 287): “Vou anotar
uns dados que um velho morador desta zona me deu hoje sobre os Tembé. Ele nasceu em 1906 no
igarapé Panema, filho de uma mulher que seguiu com o pai e irmãos rio acima, rumo a Imperatriz, em
Goiás, onde pretendiam morar. Mas um dos tios pegou uma doença na perna e não pode prosseguir,
ficaram por aqui mesmo. Até 1919, andou do Panema para o Cajuapara, sem nunca descer o rio. Conta
que, então, ainda havia muitos regatões negociando no Gurupi e que os índios eram sem conta, as
menores aldeias tembés tinham uma centena de moradores. Depois foi vendo as ondas de epidemias,
principalmente sarampo, varrê-los, aldeias inteiras desaparecendo em meses. Os poucos remanescentes
iam se juntando em novas, em breve tinham o mesmo destino. Hoje restam uns setenta Tembé dos
milhares de então”.

83
iniciadas por chefes de família extensa oriundos dos rios Zutiua, Caru e alto
Pindaré. A Aldeia Nova e os demais “centros” da TI Rio Pindaré são sítios de
família extensa, funcionando como unidades de produção familiar que
tentam reproduzir o modus vivendi Guajajara em um território já
devastado, com estoque de caça reduzido e, com vários itens da coleta
inexistentes.

A distribuição espacial do grupo dentro da TI Rio Pindaré, com área de 15


mil ha, também reproduz a forma tradicional dos acertos entre caciques
sobre os limites territoriais de cada aldeia ou “centro”, destinados ao
plantio, caça, pesca e pastagem. No entanto, a lógica de ocupação se dá
sobre uma base territorial reduzida, em condições ambientais precárias,
com uma rodovia cortando a área indígena e invasões constantes,
resultando em uma adequação do modelo de territorialidade tradicional que
leva os Guajajara a partilharem áreas de plantio, caça, pesca, e pastagens
menores e degradadas.

A extensão do território Guajajara registrada nas fontes históricas,


comparada com a área demarcada evidencia que, conceitualmente, “Terra
Indígena” difere de “território indígena”. “Terra Indígena” é o resultado de
um processo político e jurídico conduzido pelo Estado, enquanto “território
indígena” é o resultado da experiência de uma determinada sociedade em
um complexo geográfico. A ideia de um território fechado é resultado das
restrições impostas pelos processos de regularização fundiária, e
dependendo das condições ambientais da área demarcada e das relações
interétnicas, pode tornar-se impossível a reprodução física e cultural de
uma sociedade de acordo com suas tradições.

Considerando as condições ambientais e a pressão das invasões na TI Rio


Pindaré, avalia-se que esta área indígena carece de um processo de revisão
de limites, acompanhado por programas de fiscalização de fronteiras e
recuperação ambiental, capazes de auxiliar os Guajajara da TI Rio Pindaré a
melhorarem suas condições de sobrevivência e geração de renda sem
prescindirem de sua maneira de ser.

4. Organização social e política

Os Guajajara da TI Rio Pindaré estão organizados politicamente sob a chefia


de caciques, que na maior parte das vezes são os chefes das famílias
extensas de maior projeção em suas aldeias. Todos os caciques das atuais
seis aldeias desta Terra Indígena descendem de famílias Guajajara que
migraram das regiões de ocupação tradicional deste povo, no alto rio
Pindaré e no rio Zutiua.

84
Os caciques são escolhidos por suas comunidades e destituídos pelas
mesmas ou pela decisão coletiva dos caciques. A opinião dos caciques
constitui-se no poder máximo quando se trata de resolver questões
delicadas para as próprias comunidades, como é o caso de conflitos entre os
moradores de uma aldeia. Nestas ocasiões, os caciques deliberam sobre a
saída de determinada família, bem como escolhem o novo espaço que a
família irá ocupar seja em seu núcleo habitacional, seja no território
destinado para plantio, pastoreio, caça e pesca.

Em resumo, os caciques conduzem o cotidiano de suas comunidades,


decidem sobre as questões internas e externas das aldeias, e dirigem
algumas associações da TI Rio Pindaré.

Cabe ressaltar que os chefes de família extensa possuem grande


independência na condução de suas próprias famílias e os caciques só
interferem se necessário.

85
Quadro 4.1 Organização social e política da TI Rio Pindaré, 2011

Aldeia Cacique Associações

Associação Comunitária Maynumi


Aldeia Nova Luciano Guajajara Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

Associação Comunitária Maynumi


Associação das Aldeias Tabocal e Areião
Areião Raimundo dos Santos Guajajara Filho
Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

Associação Comunitária Maynumi


Januária Júlio César Brito Guajajara Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

Associação Comunitária Maynumi


Novo Planeta Gerson Pereira Guajajara Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

Associação Comunitária Maynumi


Piçarra Preta Pedro Viana Guajajara Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

Associação Comunitária Maynumi


Associação das Aldeias Tabocal e Areião
Tabocal Djacyr Guajajara Martins
Associação de Pais e Mestres Indígenas
Guajajara (APMIG)

86
4.1. Associações e movimentos indígenas

As associações estão presentes em todas as aldeias, sendo um importante


instrumento político de discussão e de organização social para os Guajajara
desta área indígena. As associações comunitárias são organizações
sociopolíticas, possuindo um papel fundamental na gestão e nas decisões
dos espaços de governança, voltados principalmente para a articulação com
outras instituições, sejam elas governamentais ou privadas.

Associação Comunitária Maynumi

Trata-se da principal e mais antiga associação indígena da TI Rio Pindaré,


com a participação de todas as aldeias. De acordo com as lideranças
indígenas, a associação ficou desativada e foi reaberta em 2006. Segundo
os caciques Gerson e Chileno, das aldeias Novo Planeta e Areião,
respectivamente, a associação foi reativada com objetivo de receber e
administrar os recursos do Acordo de Cooperação Vale/Funai, e segundo os
caciques, esta proposta foi rejeitada pela Funai.

Atualmente, a Associação Comunitária Maynumi encontra-se inadimplente,


com uma dívida próximo do entorno de R$ 7 mil. Segundo o cacique
Gerson, as lideranças estão tentando resolver esse problema, buscando
auxílio de políticos da região.

Associação das Aldeias Tabocal e Areião

A Associação das Aldeias Tabocal e Areião foi fundada em 2007. Segundo o


cacique Chileno, da aldeia Areião, o principal motivo para a criação dessa
associação foi criar um CNPJ para trazer novos programas e incentivos para
as comunidades, sendo sua fundação apoiada por uma deputada estadual
do município de Santa Luzia, que arcou com os custos de sua abertura.

De acordo com o cacique Djacyr, da aldeia Tabocal, entre os projetos desta


associação está o Programa Minha Casa Minha Vida, conseguido por
intermédio de uma vereadora do município de Igarapé do Meio. As casas
vão custar R$ 25 mil, e todos os moradores das aldeias Tabocal e Areião já
estão cadastrados.

O corpo administrativo da associação é formado por doze membros, sendo


seis de cada aldeia, com dois presidentes, um de cada aldeia.

Associação de Pais e Mestres Indígenas Guajajara (APMIG)

A Associação de Pais e Mestres Indígenas Guajajara tem papel fundamental


no gerenciamento dos recursos voltados à educação. A APMIG é composta
por toda comunidade escolar das seis aldeias da TI Rio Pindaré, com a
participação ativa de professores e pais, possuindo um conselho de classe
eleito anualmente.

87
As principais diretrizes da associação relacionam-se à gestão do sistema
educacional indígena Guajajara desta área indígena, além de outros
assuntos de interesse da comunidade, como campanhas de saúde e festas
culturais.

As principais atividades da associação são o gerenciamento dos recursos


governamentais para educação, como o Programa Dinheiro Direto na
Escola; a compra da merenda escolar; o incentivo aos projetos
socioeducativos e de revitalização da cultura Guajajara, como o Projeto da
Revitalização dos Cantos Indígenas.

Associação de Pescadores de Araguanã

Os Guajajara da TI Rio Pindaré que tem na pesca sua principal atividade


econômica estão associados à Colônia de Pescadores do município de
Araguanã, sendo ao todo quinze associados. Para entrar, o associado paga
uma mensalidade de R$ 10, e, após um ano de carência, passa a ter direito
ao seguro-defeso, que compreende um valor de três salários mínimos no
período de reprodução dos peixes, variando de maio a setembro, período
em que a pesca é proibida.

5. Dados populacionais

Para a análise da dinâmica populacional das comunidades indígenas da TI


Rio Pindaré é importante considerar a falta de informações oficiais sobre as
populações indígenas no Brasil, principalmente até 2000, o que impossibilita
a realização de projeções populacionais, devido à falta de uma série
histórica contínua de dados.

Para o estudo do comportamento demográfico do último decênio serão


considerados os levantamentos demográficos de diversas fontes oficiais,
permitindo uma abordagem mais ampla do perfil demográfico atual da TI
Rio Pindaré.

Para a análise do atual perfil populacional consideraram-se os dados


populacionais disponibilizados pela Funasa, referentes aos anos de 2008 e
2010, confrontados com as informações fornecidas pelos agentes de saúde
e educação nas aldeias durante a pesquisa de campo em novembro e
dezembro de 2011.

É importante incluir fatores condicionantes exógenos que interferem na


dinâmica populacional da região. Por essa razão foram consideradas as
interferências que os Guajajara sofreram nas últimas décadas, com a
implantação da BR 316 na década de 1960 e com a construção da EFC na
década de 1980. Esses dois empreendimentos reordenaram territorialmente

88
a região da TI Rio Pindaré, provocando mudanças no perfil demográfico
tanto da população indígena quanto da população não indígena.

Analisando os dados populacionais da última década, observa-se um


incremento populacional na TI Rio Pindaré. Segundo dados da Funai (2000),
em 1994 havia 524 habitantes, reduzidos para 467 habitantes em 2000. Já
considerando os dados da Funasa para os anos 2008 e 2010, a população
da TI era de 961 e 939, respectivamente.

Também ocorreram oscilações no total populacional entre os períodos de


análise, com perdas absolutas entre 1994-2000, 2008 e 2010. Essa
variação populacional em um curto período pode indicar a mobilidade de
famílias entre as aldeias da TI Rio Pindaré e para outras Terras Indígenas
Guajajara e Tembé. Segundo alguns entrevistados nas aldeias da TI Rio
Pindaré, a mudança de famílias inteiras é comum entre os Guajajara,
caracterizando uma migração sazonal estimulada pelos vínculos de
parentesco.

Considerando o último levantamento da Funasa em 2010, a população da TI


Rio Pindaré perfazia 939 habitantes, sendo 477 homens e 462 mulheres.
Este contingente também inclui índios de outras etnias e não indígenas.

Registra-se que a porcentagem da população indígena da TI Rio Pindaré é


de apenas 3,13% da população total do município de Bom Jardim.

A tabela a seguir apresenta os dados populacionais por aldeia e etnia.

Tabela 5.1. População total, homem, mulher das aldeias da TI Rio Pindaré-
2010.

Aldeia Etnia População total Homens Mulheres

Guajajara 85 45 40

Areião Não indígena 6 1 5

Total 91 46 45

Guajajara 426 222 204

Não indígena 17 11 6
Januária
Timbira 1 1 0

Total 444 234 210

89
Aldeia Etnia População total Homens Mulheres

Guajajara 65 32 33

Novo Planeta Não indígena 3 2 1

Total 68 34 34

Guajajara 182 88 94

Guarani 11 4 7

Piçarra Preta Não indígena 19 10 9

Timbira 8 3 5

Total 220 105 115

Guajajara 107 50 57

Não indígena 8 7 1
Tabocal
Tembé 1 1 0

Total 116 58 58

939 477 462


População Total TI

Fonte: Funasa, 2010.

O Gráfico 5.1 apresenta a proporção da população de cada aldeia em


relação ao total da população da TI Rio Pindaré. A aldeia Januária é a mais
populosa, concentrando 46,90% da população total desta área indígena,
seguida pela aldeia Piçarra Preta com 24,90%. Vale ressaltar que Januária é
o núcleo populacional mais antigo, onde havia o posto do SPI e,
posteriormente, da Funai.

90
Gráfico 5.1. Porcentagem da população das aldeias na população total da TI
Rio Pindaré, 2010.

11% 9,70%
Areião
Januaria
24,90% Novo Planeta
Piçarra Preta
46,90%
Tabocal

7,50%

Fonte: Funasa, 2010.

Considerado o índice razão de sexo, que trata do número de homens para


cada grupo de 100 mulheres, considerando a população por aldeia,
observa-se que a população masculina é superior à feminina na aldeia
Januária. Já as aldeias Areião, Tabocal e Novo Planeta apresentaram
equilíbrio entre a população masculina e feminina. A aldeia Piçarra Preta
apresentou uma população feminina superior à masculina. A Tabela 5.2
apresenta o índice razão de sexo por aldeias da TI Rio Pindaré.

Tabela 5.2 Índice Razão/Sexo por aldeia da TI Rio Pindaré, 2011.

ALDEIA (x100)

Areião 102,22

Januaria 111,43

Novo Planeta 100

Piçarra Preta 91,3

Tabocal 100
Fonte: Funasa, 2010.

A população da TI Rio Pindaré é majoritariamente jovem – dos 939


habitantes, 585 têm abaixo de 15 anos, perfazendo 60% da população
total. A enfermeira da Funasa, Darliene Marcela da Silva, atribui a

91
juventude da população ao fato de as mulheres começarem a ter filhos
muito jovens, e cada família ter de cinco a seis crianças, em média.

A proporção de crianças abaixo de 5 anos em relação a população total,


fornecido pela Funasa, indica um alto índice de fertilidade na TI Rio Pindaré,
exceto na aldeia Novo Planeta.

Tabela 5.3 Índice de crianças abaixo de 5 anos nas aldeias da TI Rio


Pindaré, 2011.

Aldeia (x100)

Areião 10,99

Januária 15,54

Novo Planeta 4,41

Piçarra Preta 14,55

Tabocal 14,66
Fonte: Funasa, 2010.

Além dos Guajajara, há outras etnias na composição populacional da TI Rio


Pindaré, sendo os Guarani o grupo mais numeroso, perfazendo 11 pessoas
na aldeia Piçarra Preta, seguido pelos Timbira com 10 pessoas, estando oito
na Piçarra Preta e um na Januária. Há apenas um índio da etnia Tembé na
aldeia Tabocal.

A população não indígena representou 6% da população da TI Rio Pindaré


em 2011. Analisando por aldeia, a Piçarra Preta possui o maior número de
não indígenas com 23 pessoas, seguida pela Januária com 21 pessoas. Em
termos proporcionais, a aldeia Piçarra Preta apresentou a taxa de 9,62% de
não indígenas em relação a sua população total, como apresentado na
Tabela 5.4.

92
Tabela 5.4 Porcentagem de população de não indígenas na população total
por aldeias da TI Rio Pindaré, 2011.

% de população de não
Aldeia
indígenas x população total

Areião 8,14

Januária 4,66

Novo Planeta 3,60

Piçarra Preta 9,62

Tabocal 7,55

TI Rio Pindaré 6
Fonte: Funasa, 2010.

6. Características físico-bióticas

Na descrição das características físico-bióticas da TI Rio Pindaré procurou-se


seguir a orientação do Termo de Referência (TR) da Funai, favorecendo o
diálogo entre as classificações científicas e indígenas. Da bibliografia
consultada, o Estudo Ambiental/Plano Básico Ambiental (EA/PBA-EFC 2011)
traz as informações mais recentes sobre a caracterização físico-biótica da
região. Estas informações foram mescladas às classificações indígenas dos
ecossistemas da região e complementadas pelas listagens de flora,
avifauna, mastofauna e ictiofauna, ditadas pelos Guajajara e traduzidas
para sua língua.

A região da TI Rio Pindaré, segundo o EA/PBA-EFC 2011, faz parte de uma


unidade geoambiental caracterizada por extensas planícies fluviais,
modeladas por rios de grande porte, mais especificamente o rio Pindaré,
que abrigam em seu interior feições lacustres representadas por meandros
abandonados ou canais de rios frequentados por cheias anuais. Nas
planícies alojam-se lagoas nas áreas deprimidas, onde se desenvolvem
formações hidrófilas e higrófilas, e nos diques marginais que as circundam
encontram-se as formações florestais ciliares.

A área indígena tem forte ligação com o rio Pindaré, que fornece água,
alimento, lazer, enriquecimento do solo, viabilizando, principalmente, a
agricultura e a pesca.

93
Clima

O clima apresenta uma oscilação na temperatura média anual entre 24 e


27°C, de acordo com IBGE (1979). Levando-se em conta o regime de
temperatura, o clima é classificado como quente, e, levando-se em conta o
regime de umidade, o clima é considerado semiúmido. Na classificação
indígena, o clima é dividido entre o tempo das chuvas e da seca anual,
tendo claramente influência sobre o cotidiano das aldeias, uma vez que
estes períodos definem a época do plantio e interferem na caça e na pesca.
As fases da lua também orientam algumas práticas, como o momento certo
do plantio, do corte de madeira etc.

Vegetação

Originalmente, a formação vegetal caracterizava-se como floresta ombrófila


aberta, e, atualmente, apresenta extensas áreas cobertas por vegetação
secundarizada e fortemente antropizada.

A floresta ombrófila aberta é uma fisionomia onde também ocorrem


grandes árvores, distribuídas de forma mais esparsa em um conjunto
florestal de menor porte em relação à floresta ombrófila densa. A densidade
de cipós é elevada, com árvores total ou parcialmente cobertas por cipós.
Nos vales dos rios, as espécies de palmeiras são abundantes, destacando-se
o açaí (Euterpe oleracea) e o babaçu (Attalea speciosa Mart.) (Santos,
1989).

Área desmatada para cultivo, com predominância do babaçu na aldeia Areião, 2011
(Foto: Manoel Jorge).

94
A TI Rio Pindaré apresenta cobertura vegetal altamente modificada, com o
predomínio das áreas de pastagem em relação aos ambientes florestais. A
paisagem antrópica deve-se principalmente ao desmatamento e ao uso do
fogo, e as áreas de pastagem apresentam predominância de capim
brachiária e braquiarão, introduzidos pelos Guajajara como repetição ao
modelo dos brancos. Com a retirada da floresta ocorre a predominância do
babaçu (Attalea speciosa Mart.), espécie altamente dominante, de
germinação rápida podendo ser considerada uma planta invasora.

Hidrografia

Dentre os cursos de água que atravessam a região hidrográfica do Atlântico


Nordeste Ocidental merece destaque os rios Pindaré e Mearim. O rio Pindaré
tem suas nascentes na Serra do Gurupi, no município de Amarante, no
Maranhão, em altitudes da ordem de 300 m, e sua foz localiza-se na Baía
de São Marcos, em São Luís. Seu percurso de aproximadamente 720 km
recebe as contribuições de seus principais afluentes – os rios Buriticupu,
Caru e Zutiua.

O rio Pindaré tem influência em vários aspectos cotidianos das famílias


indígenas – na alimentação, através da pesca para o consumo e para a
comercialização; no transporte, como artéria fluvial para o deslocamento
das famílias e de material para os “centros” e aldeias; na agricultura, com o
plantio de vazante, que aproveita a riqueza de nutrientes e a umidade do
solo nas margens do rio e dos igarapés.

Os igarapés apresentam importância na localização dos centros de


produção, no plantio de vazante e na definição das zonas de pesca com
rede, com uso do timbó e na localização de tapagens34.

Relevo

O Mapa de Unidades de Relevo do Brasil, elaborado pelo IBGE (1993,


2006), considera na EFC a composição de seis unidades geomorfológicas
regionais, citado no EA/PBA (Diagnóstico do Meio Físico, 2011, vol. 2, p.
172).

O relevo da TI Rio Pindaré está caracterizado na unidade geomorfológica


regional Tabuleiros Maranhenses, que apresenta altitudes de 130 a 20
metros com colinas e vales pouco encaixados, modelados em mesa e
grupos de mesas, formados a partir da dissecação pelos rios Gurupi,
Turiaçu, Pindaré, Mearim e Itapecuru (RADAMBRASIL, 1981), citado no
EA/EFC (Diagnóstico do Meio Físico, 2011, vol. 2, p. 180).

34
Tapagens são armadilhas em forma de cercados de madeira e palha localizados nas margens e/ou
pequenas lagoas dos rios e igarapés onde os peixes são conduzidos de forma intencional pelos indígenas
ou pelo deslocamento natural dos peixes. Ali os peixes ficam aprisionados e são pescados pelos
construtores das tapagens.

95
Em trabalho de campo, percebe-se que o relevo na TI rio Pindaré tem
predominância de superfícies planas em seu interior, apresentando ainda
pequenas rampas e “morrotes”, especialmente nas proximidades do rio
Pindaré.

Os Tabuleiros Maranhenses correspondem, grosso modo, a uma ligeira


rampa de onde se iniciam pequenas “lombas” e morrotes os quais
gradativamente se disseminam nas proximidades dos Tabuleiros dos Rios
Gurupi-Grajaú. Em outras palavras, representa o avanço da dissecação a
montante vinda das superfícies planas do litoral até as cabeceiras
interplanálticas das principais bacias que drenam o interior do Maranhão
(EA/EFC, Diagnóstico do Meio Físico, 2011, vol. 2, p. 181).

Solos
Seguindo a classificação de solo do mapeamento do Projeto RADAM Brasil
(1973), a TI Rio Pindaré apresenta características de argissolos, que
ocupam os terrenos mais confinados onde a sua formação está totalmente
associada a áreas pediplanadas e, em geral, planas. Dadas às condições
geográficas da Terra Indígena com forte influência do rio Pindaré e seus
igarapés, há presença de solos relacionados aos ciclos de rebaixamento e
soerguimento do lençol freático e a consequente evolução do perfil.
Desenvolvem-se solos hidromórficos, neossolos e gleissolos, ocupando
regiões constantemente alagadas ou sujeitas a alagamentos, formando
extensas áreas planas com campos higrófitos.

O manejo do solo na TI Rio Pindaré é realizado com ações de intenso


desmatamento, uso de fogo nas áreas cultivadas e posterior formação de
pastagens, fazendo uso do plantio de capim brachiária e braquiarão. Como
já foi dito no item sobre Vegetação, este modelo de manejo propicia a
dominância do babaçu (Attalea speciosa Mart.), que normalmente avança
nas áreas degradadas.

Nestas condições, o solo apresenta pouca cobertura vegetal, baixo teor de


matéria orgânica (com exceção do solo das várzeas), alta exposição a
condições adversas de temperatura e umidade, ficando susceptível à
compactação pelo pisoteio de animais (em áreas de intenso pastoreio). Este
tipo de manejo inadequado agrava a condição do solo, baixando sua
fertilidade.

Fauna e flora

Durante o levantamento de campo, as espécies da flora e fauna foram


obtidas segundo informações, relatos e apresentações das plantas e animais
no meio natural pelos Guajajara. Os indígenas informaram que havia
espécies extintas, no entanto, como os estudos realizados no Componente
Indígena são de caráter preliminar e de curto período, as informações
recolhidas não foram julgadas suficientes cientificamente para comprovação

96
da extinção de algumas espécies. Neste sentido, é necessário considerá-las
como espécies com deficiência de dados ou, em caso de uma futura
comprovação cientifica documental, espécies com extinção local (apenas
nas áreas em estudo)35. Deve-se considerar ainda, que fragmentos
florestais não estudados na área indígena e em seu entorno podem guardar
remanescentes destas espécies, bem como variabilidade genética que
possibilitem o retorno das espécies ao seu antigo habitat. Simultaneamente,
a TI Rio Pindaré apresenta diversos fatores que são potenciais causadores
da extinção de uma espécie, tais como poluição, destruição do habitat,
desaparecimento de predadores.

O EA/PBA da duplicação da EFC 2011(Diagnóstico do Meio Biótico, vol. 3, p.


141) identificou e registrou quase novecentas espécies vegetais no
levantamento botânico. Nos levantamentos quantitativos e qualitativos, os
resultados mostraram gêneros e espécies característicos de áreas alteradas
ou abertas, como Solanum, Miconia, Cyperus e Mimosa. Embora muitas
espécies sejam ruderais, exóticas ou invasoras, existem importantes
espécies listadas como ameaçadas ou raras, que demandarão um programa
de resgate de plantas.

Na TI Rio Pindaré identificou-se um conjunto com 86 espécies vegetais


citadas pelos indígenas, com presença em diferentes tipos vegetacionais,
variados usos na alimentação humana e animal, espécies medicinais,
espécies madeireiras utilizadas na construção de moradias, artefatos de
caça, pesca e artesanato, constantes no Anexo 6 (Anexo 6 – Lista de
espécies vegetais citadas na TI Rio Pindaré).
Corroborando o diagnóstico do EA/PBA da EFC 2011, que cita a presença de
espécies ruderais, exóticas ou invasoras, encontrou-se no trabalho de
campo na TI rio Pindaré dezenove espécies agrícolas exóticas de cultivo
temporário e quatro espécies frutíferas exóticas, ambas para uso alimentar,
e seis espécies forrageiras exóticas, citadas no Anexo 6.

Os levantamentos primários de avifauna do EA/PBA da duplicação da EFC


2011, por sua vez, resultaram em 345 espécies, o que representa 74% do
total da avifauna da Área de Influência Direta da duplicação da ferrovia para
os meios físico, biótico e socioeconômico (compreendendo a faixa de 500
metros de largura para cada lado da ferrovia a partir de seu eixo), e 53%
da Área de Influência Indireta para os meios físico e biótico (contemplando
2
Segundo a Instrução Normativa nº. 06, de 23 de setembro de 2008 do Ministério do Meio Ambiente
(MMA). Em seu Art. 3o, entende-se por espécies: I - ameaçadas de extinção: aquelas com alto risco de
desaparecimento na natureza em futuro próximo, assim reconhecidas pelo Ministério do Meio Ambiente,
com base em documentação científica disponível; II - com deficiência de dados: aquelas cujas
informações (distribuição geográfica, ameaças/impactos e usos, entre outras) são ainda deficientes, não
permitindo enquadrá-las com segurança na condição de ameaçadas. Extinção significaria o total
desaparecimento de espécies, subespécies ou grupos de espécies, sendo que o momento da extinção é
geralmente considerado pela ecologia como sendo a morte do último indivíduo da espécie.

97
uma faixa de 1.500 metros a partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros
de largura a partir do limite da AID), ocorrendo a adição de 26 espécies não
registradas na literatura consultada para a região, bem como a presença de
onze espécies ameaçadas de extinção e uma quase ameaçada (Machado et
al, 2008; IUCN, 2010 e Resolução 054/2007).

No levantamento de campo realizado na TI rio Pindaré, listou-se através de


relatos orais a presença de quinze espécies da avifauna local. A arara foi
apontada como extinta pelos indígenas. No entanto, no levantamento do
EA/PBA 2011 EFC, Bióticos, Anexos 4 – Aves II, na Tabela 5.2-60:
comunidade de aves da área de influência da Ferrovia Carajás – foram
listadas a presença de quatro espécies de araras: arara-azul-grande
(Anodorhynchus Hyacinthinus), arara-canindé (Ara ararauna), araracanga
(Ara macao), arara-vermelha-grande (Ara chloroptera). A galinha d’água, o
jacu e a maracanã foram as únicas espécies citadas em seu nome vulgar
pelos indígenas, que não possuem citação no EA/PBA 2011. A listagem
completa encontra-se no Anexo 7 (Anexo 7 - Lista de espécies da fauna
da TI Rio Pindaré).
A fauna de mamíferos não voadores da Área de Influência Indireta do
Projeto de Duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) foi caracterizada
através de dados secundários. Constatou-se no EA/PBA 2011 o
levantamento de 59 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande
porte, com ocorrência esperada para as áreas de estudo, e 56 espécies de
pequenos mamíferos não voadores também para as mesmas áreas. Com
exceção dos pequenos mamíferos das ordens Rodentia e Didelphimorphia, a
grande maioria do restante dos mamíferos terrestres, com ocorrência
esperada para as áreas de amostragem, possui distribuição ampla na região
amazônica. EA/PBA da duplicação da EFC 2011 (Diagnóstico do Meio
Biótico, vol. 3, p. 149).

Considerando a informação das dezoito espécies de mamíferos citados pelos


indígenas na TI Rio Pindaré, onze espécies estão relatadas na tabela de
Espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte, com ocorrência
esperada para as áreas de amostragem do Projeto de Duplicação da EFC,
citada no EA/PBA da duplicação da EFC 2011 (Diagnóstico do Meio Biótico,
vol. 3, p. 186). Outras espécies citadas apenas pelo nome vulgar como
existentes na área não foram identificadas pelo estudo da Duplicação da
EFC, como macaco capelão, macaco mão de ouro, guaxinim, porco, veado
catingueiro e veado mateiro. A anta (Tapirus terrestris) foi a única espécie
relatada pelos indígenas como extinta, configurando para efeito deste
estudo como espécie com deficiência de dados. O Anexo 7 apresenta todas
as espécies citadas.

Em relação ao levantamento da ictiofauna, coletou-se o nome vulgar de 22


espécies, dentre estas treze espécies estão descritas na tabela de Espécies

98
de peixes esperadas para a área de influência direta do empreendimento,
citada no EA/PBA da duplicação da EFC 2011(Diagnóstico do Meio Biótico,
vol. 3, p. 194). Nove espécies listadas com o nome vulgar não possuem
referência de identificação científica: arangau, bodó, cachorro doido,
capadim cará, pescado, pião de coco, piau, tubajara. A lista completa
consta no Anexo 7.

Os indígenas expressaram também através do nome vulgar a ocorrência de


quatro répteis na TI Rio Pindaré: a cobra jararaca (Bothrops atrox); o
jabuti, tendo sido identificados no EA/PBA 2011 duas espécies – o jabuti-
piranga (Chelonoides carbonária) e o jabuti-tinga (Chelonoidis denticulata);
o jacaré, tendo sido identificados no EA/PBA 2011 quatro espécies – o
jacaré-tinga (Caiman crocodilus), o jacaré-açu (Melanosuchus níger), o
jacaré-coroa (Paleosuchus palpebrosus) e o jacaré-coroa (Paleosuchus
trigonatus). A cobra jaracuçu foi citada, mas não foi identificada na
literatura. O Anexo 7 apresenta em tabela as informações citadas.

Relacionando as informações fornecidas pelos indígenas com as informações


bibliográficas, foi possível identificar na TI Rio Pindaré um conjunto com 22
espécies da Ictiofauna (peixes), quinze da avifauna e dezoito da mastofauna
e quatro de répteis citadas pelos Guajajara, registradas anteriormente, ou
observadas atualmente em diferentes tipos ambientes.

O EA/PBA da duplicação da EFC 2011 concluiu que, muito embora a região


apresente uma matriz da paisagem, composta, em sua maior parte, por
pastagens e fragmentos florestais remanescentes degradados pela ação
antrópica, provocada pelo aumento do desmatamento, diminuição da
fertilidade e perda de solo, ela guarda uma alta riqueza de espécies dos
diversos grupos da fauna.

Já a percepção dos Guajajara da TI Rio Pindaré se expressa pela perda da


riqueza da fauna e da flora desta região. Na manifestação dos habitantes
mais velhos das aldeias, há grande preocupação com a degradação
ambiental, com o desmatamento e a extinção dos animais. Registrou-se o
relato de duas senhoras Guajajara, Antônia Viana Guajajara, da aldeia
Piçarra Preta, recorda-se “do tempo que tinha muita mata, tinha sapucaia,
pequi, juçara, bacaba, bacuri, tinha macaco capelão”. Segundo Maria
Guajajara, da aldeia Tabocal, “antigamente os índios mais velhos escolhiam
o peixe pra pegar, hoje não é mais assim”.

De fato, nas expedições de campo com os Guajajara, foi possível observar o


estado de degradação ambiental da TI Rio Pindaré, sendo perceptível para
os indígenas a mudança do clima, o aumento da temperatura, o
desmatamento, a predominância e invasão do babaçu, a ausência da mata
densa, a extinção ou diminuição significativa do número de indivíduos de

99
animais e plantas como bacaba, pequi, cacau, juçara, mulundu, andiroba,
macaco capelão, anta, capivara, veado, entre outros.

A susceptibilidade da TI Rio Pindaré à pressão antrópica é determinada por


vários fatores que são decisivos para o agravamento do quadro de
degradação ambiental, como o longo tempo de contato com a sociedade
envolvente, o fácil acesso das cidades vizinhas pela BR 316 e dos povoados
do entorno através do rio Pindaré, e a ausência de fiscalização das
fronteiras.

7. Caracterização ambiental e produtiva

7.1. Etnomapeamento territorial participativo

Este estudo foi desenvolvido alternando oficinas nas aldeias e expedições de


campo. As oficinas nas aldeias utilizaram uma ferramenta participativa
denominada “mapa da comunidade”, cujo ponto de partida é mostrar uma
foto de satélite compreendendo toda a área indígena e seu entorno,
incentivando os indígenas a identificar o território de sua comunidade, e
comentar todas as questões relativas à Terra Indígena. Em seguida,
elabora-se o “mapa da comunidade” quando se propõe que os moradores
da comunidade desenhem um mapa da aldeia, identificando todos os
ambientes diferentes e suas distâncias aproximadas. Após a elaboração
deste mapa por aldeia, o cacique da aldeia indicava os “guias” que
acompanharam a equipe técnica nas expedições de campo, percorrendo
todos os ambientes assinalados no “mapa da comunidade”.

O “mapa da comunidade” elaborado em cada uma das seis aldeias indicou o


limite aproximado de cada comunidade, suas áreas de uso comum, as
regiões destinadas para agricultura, pesca, caça, pastagem, e as áreas onde
ocorrem as invasões dos karawya. Posteriormente, mapeou-se a
distribuição espacial das aldeias, fazendo a intersecção das informações
fornecidas por aldeia, de formas a montar o etnozoneamento preliminar da
TI Rio Pindaré.

100
Elaboração do “mapa da comunidade”, aldeia Areião, 2011 (Foto: José Ferreira).

Considerando a ocupação geral do território foram destacadas duas grandes


áreas distintas, que denominamos de Zona de Uso Misto e Zona de
Ambiente Lacustre/Fluvial. (Mapa 4 - Etnomapeamento da TI Rio
Pindaré).

A Zona de Uso Misto compreende as ocupações relacionadas à habitação e


produção, como os centros de produção (denominados “centros”), aldeias,
áreas de pastagem e de cultivos agrícolas.

A Zona de Ambiente Lacustre/Fluvial compreende as regiões de influência


da bacia do rio Pindaré e lagos, englobando também as matas ciliares.
Nesta região também ocorre o aproveitamento produtivo com cultivos
agrícolas, pastagens e pesca.

No processo de etnomapeamento territorial participativo, realizou-se um


levantamento por aldeia das categorias espaciais segundo a percepção
indígena. Este levantamento apresentou regularidades, e permitiu visualizar
os elementos constitutivos da TI Rio Pindaré: aldeia, centro, campo, lagos e
pasto.

Aldeia: área onde são construídas as habitações, casas de farinha, escolas,


igrejas e áreas de lazer, como campo de futebol. As aldeias não apresentam
organização espacial bem definida, tendo, porém, suas habitações
construídas ao redor da habitação do chefe familiar. As casas em sua
maioria são construídas de taipa (barro, madeira) e com intensa utilização
do babaçu, com varas para a estruturação das paredes e palhas para a

101
cobertura. As aldeias são locais de maior permanência das famílias
indígenas.

Centro: áreas extensas delimitadas pelos caciques para a implantação de


áreas produtivas das famílias. O centro busca contemplar coletivamente a
agricultura, pecuária, pesca, caça e fiscalização dos limites da área
indígena. Normalmente apresentam plantios de mandioca, milho, arroz de
alto (sequeiro), macaxeira, batata doce, inhame. Ao redor da casa são
cultivadas espécies frutíferas como manga, caju, jaca, banana. A localização
dos centros de produção é definida considerando a existência de lagos,
utilizados para a pesca de consumo e de comercialização. Como os centros
normalmente são localizados em áreas distantes das aldeias, são áreas
estratégicas para ocupação territorial e fiscalização de fronteiras.

Centro da aldeia Nova, casa do cacique Luciano, 2011 (Foto: Manoel Jorge).

Campo: são áreas utilizadas para o plantio de várzea, principalmente com o


cultivo do arroz do campo nas margens dos rios e lagos. As áreas úmidas
dos campos também são utilizadas para o plantio de espécies forrageiras
exóticas ou aproveitamento da pastagem nativa. Nestas áreas, o gado
bovino é liberado para livre pastoreio e, em seguida, recolhido para os
currais nas proximidades das habitações.

Lagos: região nas margens do rio Pindaré ou nos igarapés que servem de
área para pesca das famílias indígenas. Na região dos lagos, os indígenas
fazem um cercado de madeira e palha de babaçu denominando “tapagem”,
para onde os peixes são “conduzidos”, tornando-se presas mais fáceis para
a pesca.

102
Lago Bolívia, 2011 (Foto: Manoel Jorge).

Pasto: Áreas utilizadas para o pastejo dos animais, excetuando as áreas de


plantio. Algumas aldeias cercam áreas de pastejo com cultivo de capins de
maior aceitação para o gado bovino: colonião, brachiária, lajeado etc.

7.2. Uso de recursos naturais para subsistência e geração de renda

O uso dos recursos naturais na TI Rio Pindaré é caracterizado pela prática


da agricultura, da pecuária extensiva, pesca, caça, fabricação de carvão do
coco babaçu, artesanato, com a comercialização do excedente destas
produções para geração de renda.

Agricultura

Segundo bibliografia, desde a época das Colônias Indígenas, durante o


Império, os Guajajara cultivavam mandioca, milho, arroz, feijão, cana-de-
açúcar, café, fumo, banana, cará, jerimum, entre outros, além da extração
do óleo de copaíba, cujo excedente era enviado para ser comercializado em
São Luís (Coelho, 1990).

A agricultura não se modernizou e continua sendo praticada de forma


tradicional com o secular processo de desmatamento, broca, uso do fogo,
plantio, tratos culturais e posterior colheita. Atualmente, há a ocorrência de
pequenos fragmentos da mata em processo de regeneração natural,
localizados principalmente na área central da Terra Indígena. Segundo o

103
relato dos indígenas, ainda se constata a presença de algumas espécies da
fauna e flora que estão com reduzida presença nas demais áreas da TI.

Normalmente, o plantio é feito em consórcio com mais de uma cultura,


como mandioca, milho, arroz, batata, quiabo, abóbora, melão, inhame,
feijão, fava, mandioca doce, sendo algumas culturas plantadas em sequeiro
(ocorrendo apenas no período sem chuvas) e cultivo de vazante nas áreas
úmidas dos rios e lagos. O arroz é o principal cultivo de vazante, plantado
sempre a partir do mês de agosto. Há também o cultivo de frutíferas, como
manga, caju, banana e jaca.

Cultivo consorciado de mandioca, arroz na área do babaçu, na aldeia Areião, 2011


(Foto: Manoel Jorge).

Os preços dos produtos comercializados no mercado no ano de 2010 foram


R$ 30,00 por saca de 60 kg de milho, R$ 80,00 por saca de 50 kg de
farinha de mandioca e R$ 25,00 por saca de 30 kg de arroz pilado.

O babaçu tem grande importância econômica, pois apresenta variados usos,


e contribui – com o fruto (coco) – para venda in natura, fabricação de azeite
e carvão; com a palha – para cobertura das moradias; e com o talo da
palha – para envolver as paredes que serão preenchidas com barro (casas
de taipa). O saco de 25 a 30 kg do carvão de babaçu pode obter preço
variando entre R$ 10 e 12.

104
Na TI Rio Pindaré é utilizada uma unidade de medida de plantio denominada
linha, que é mensurada como um quadro de 25 m x 25 m, totalizando um
quadro de 625 m².

Para compreensão desta unidade medida regional utilizada para plantios


agrícolas – uma (1) linha é equivalente a 625 m², que, convertido para
hectare (ha), equivale a aproximadamente 0,06 ha. Em um (1) hectare
(10.000 m²) de área plantada tem aproximadamente 16 linhas – utilizando
esta unidade de medida regional.

A medida de uma (1) linha é aproximadamente 0,06 hectares (ha)

1 linha = 25 m x 25 m (625 m²)

1 ha: 100 m x 100 m = 10.000 m²

1 ha: 16 linhas

25 m² 25 m² 25 m² 25 m²
25 m²

25 m²
1 5 9 13
25 m²

25 m²

2 6 10 14
25 m²

25 m²

3 7 11 15
25 m²

25 m²

4 8 12 16

25 m² 25 m² 25 m² 25 ²

105
Pesca

A pesca se apresenta como um forte componente econômico na TI Rio


Pindaré, pois contribui diretamente com a segurança alimentar e gera um
significativo montante de recurso com a sua comercialização, envolvendo
também a juventude das aldeias. A atividade é realizada durante todo o
ano, diminuindo durante o período de reprodução, que é fundamental para
a continuidade da população e sobrevivência das espécies. Os indígenas
respeitam este período e a pesca é realizada apenas para o consumo
familiar.

Algumas aldeias destacam-se nesta atividade a exemplo da aldeia Tabocal,


que se encontra estrategicamente localizada muito próxima ao rio Pindaré.
Segundo o cacique desta aldeia, Djacyr Guajajara Martins: “O peixe é
comercializado levando em consideração o tipo de peixe. Os peixes mais
caros são surubim, lírio e pescada, que alcançam o preço de até R$ 10,00 o
quilo, e peixes mais baratos, como a piranha, tem o preço médio variando
entre R$ 5 e 7 por quilo”.

Para a maioria das famílias indígenas, a pesca é tida como atividade


prioritária para o consumo familiar, ficando a comercialização dos produtos
pescados como atividade complementar. Há exceção de um grupo de
pescadores que estão organizados na Associação de Pescadores Araguanã,
realizando a atividade de forma mais profissional.

Numa estimativa de produção feita por Jéferson Viana Pereira Guajajara,


filho do cacique Gerson (aldeia Nova Planeta), um indígena jovem que se
dedica à pesca chega a pescar quarenta quilos de pescado por dia. Segundo
Jéferson, seu rendimento mínimo por mês com o pescado encontra-se na
faixa de R$ 100,00, que é investido em lazer, e, quando bem investido, na
compra de canoas, bovinos e motos.

Como já foi dito, a pesca ajuda a garantir a segurança alimentar das


famílias indígenas, e o peixe é um dos principais alimentos da dieta
alimentar em todas as aldeias, seja pelo fácil acesso, pois o indígena
mantém em sua rotina diária o ato de pescar, seja pela variedade de peixes
existentes nas águas da TI, proporcionando diferentes usos e receitas.

Caça

A atividade da caça é proporcional às condições ambientais do lugar –


quanto maior é a cobertura florestal, maior é a diversidade de espécies
como opções para a caça. Na TI Rio Pindaré, a pressão antrópica é forte e é
mais visível o estado de degradação ambiental, dificultando a atividade da
caça e exigindo que os indígenas caçadores se desloquem para lugares cada
vez mais distantes das aldeias para caçar. Mesmo assim, durante as
expedições para realização do etnomapeamento da TI Rio Pindaré em

106
novembro e dezembro de 2011, houve relatos de caçadas recentes, com
captura de veado, tatu, cutia e caititu.

Criação animal: pecuária bovina e pequena criação

Segundo informações dos indígenas mais velhos, anteriormente, a


agricultura era atividade econômica mais praticada, especialmente com o
cultivo de mandioca, macaxeira, arroz, milho, fava e abóbora. A pecuária
bovina foi introduzida pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) há cerca de
cinco décadas. Segundo os informantes, posteriormente, a criação de gado
passou a ser coordenada pela Funai, quando se afirmava que o gado era
propriedade dos indígenas, mas os resultados financeiros não eram
socializados. Atualmente, a TI Rio Pindaré possui um rebanho bovino
adquirido com recursos do Convênio Funai/Vale.

Na percepção dos Guajajara, esta atividade é tida como garantia de


dinheiro, pois a comercialização envolve negócios de maior valor e é
considerada uma “poupança” para necessidades urgentes.

Tabela 7.2.1. Quantidade de bovinos por aldeia na TI Rio Pindaré.

Aldeia Quantidade de bovinos Observação

Novo Planeta 17

Aldeia Nova 04

Areião 27

Tabocal 35

Januária 68

Piçarra Preta 70 Aluguel de pasto para karawya

Total 221

Pela extensão das áreas de pastejo e por não receber nenhum tipo de
acompanhamento técnico oficial, a pecuária pode ser considerada um
sistema extensivo. No entanto, é preciso considerar que há um contato
permanente dos indígenas com os animais, como também uma busca dos
animais para os currais, não caracterizando em sua plenitude um sistema
extensivo. Os Guajajara de várias aldeias comentaram a falta de
acompanhamento técnico de profissionais nesta atividade.

107
Durante a pesquisa sobre as atividades produtivas nas aldeias, observou-se
que a pecuária gera conflitos com os agricultores, uma vez que, ao soltar os
animais, estes pastejam nas roças cultivadas que não possuem cercas.

Ocorre ainda a criação de pequenos animais, como galinhas e patos, além


de suínos, equinos e bovinos de tração animal, e dos animais domésticos,
como gatos e cachorros. É frequente a criação de animais silvestres, como
macacos, quatis, galinhas d’água, inhumas, entre outros.

Plantas de uso tradicional

Algumas plantas são utilizadas de forma tradicional, como o jenipapo, usado


nas pinturas corporais nas festas da Mandiocaba e do Moqueado. Outras
plantas são utilizadas na medicina indígena, como a santa maria e o pequi,
usados como anti-inflamatório, o burdão para cicatrização, o jaborandi para
combater dores de dente, a gameleira contra dor de barriga, pau de macaco
para desinibição oral das crianças (quando estas demoram a falar, estouram
uma semente na boca). O uso medicinal de outras plantas aparece no
depoimento Pedro Nicolau Gomes Guajajara, morador da aldeia Januária.

Antigamente o que curava mais era casca de pau – casca de jatobá


para hemorragia; para febre, os velhos usavam o pau de quina, que é
muito amargo, usa para febre e para dor de cabeça; para diarreia,
usa pau de caniço, a casca; pau d’arco (ipê roxo) para hemorragia;
para picada de cobra, corta a bananeira e aí sai uma água da
jaruparanga e põe na picada e amarra com uma embira e também
bebe essa água. O mel tiô (jataí) para dor de garganta, gripe, dor de
cabeça, tosse; pau de santa maria, para febre e gripe. Os nossos
avós mesmos que sabiam e faziam para nós. Os meus netos, eu que
cuido. Vou no mato tiro os paus, machuco, cuido deles e, no outro
dia, eles estão bonzinhos. Para infecção urinária, usa a juçara verde,
machuca o fruto mesmo verde, o açaí, ou a raiz, pisa com água fria e
põe na geladeira e vai tomando.

Artesanato

A confecção de produtos artesanais também é uma fonte de renda, mas em


menor escala que a comercialização do pescado. Nas aldeias localizadas às
margens da BR 316 é comum encontrarmos barracas de palha, onde são
vendidos alguns produtos alimentícios, como pescados, frutas regionais e
também artesanato. Esta atividade se mostrou mais intensa nas aldeias
Tabocal e Areião.

108
7.3. Calendário anual de atividades produtivas

Durante as oficinas nas aldeias, elaborou-se o calendário anual das


atividades produtivas, incorporando a sazonalidade das atividades e
registrando as diferenças entre elas. Este processo de trabalho possibilitou
registrar a percepção ambiental dos Guajajara sobre a TI Rio Pindaré em
sua globalidade, além de permitir que eles refletissem especificamente
sobre as atividades produtivas de cada comunidade.

Calendário anual elaborado na aldeia Areião, 2011 (Foto: Manoel Jorge).

109
Quadro 7.3. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas – TI Rio Pindaré.

TI Meses
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Pesca para Pesca Pesca Pesca Pesca – Pesca – Pesca Pesca – Pesca – Pesca - pico Pesca - Pesca –
alimentação início da aumento com aumento da pico da da pico da continua a
Limpeza da Início da Colheita do tapagem da aumento produção produção produção e produção época de
Plantio de roça – colheita (90 milho, produção da e atividade boa
espécies limpa da dias), abóbora, Colheita produção Continuação atividade principal Plantio produção
variadas mandioca e (milho, melancia, do arroz Plantio de do preparo principal de 1as
do arroz maxixe, batata doce, de vazante Preparo das roças Época de chuvas Início do
Caça pepino, cará/inhame, sequeiro das roças novas Corte da queima da plantio da
Caça quiabo, quiabo, Limpeza novas madeira roça. Colheita roça de
Manejo do melão, maxixe, Plantio de da Finalização grossa da da sequeiro
gado Manejo do tomate da pepino, vazante: mandioca Plantio do plantio de área da Continuação vazante (toco):
Rio Pindaré

gado roça e feijão, fava e arroz, de arroz do roça nova da colheita arroz,
Intensidade amendoim) arroz feijão, Início da vazante campo de vazante Caça mandioca,
de chuva Intensidade abóbora, preparação Caça macaxeira
de chuva Caça Festa do melão, da roça Caça Caça Caça Manejo etc.
índio quiabo. nova Manejo do gado
Manejo do Manejo Manejo do do gado Manejo do Caça
gado Caça Caça Caça do gado gado gado 1as
Manejo do Estiagem chuvas Manejo do
Intensidade Manejo do gado Manejo do Redução Estiagem Estiagem gado
de chuva gadoRedução gado da chuva
da chuva Início das
Redução Redução chuvas
da chuva da chuva

110
Informações fornecidas pelos Guajajara, durante a elaboração do
Calendário Anual de Atividades Produtivas, importantes para compreensão
da sazonalidade das atividades produtivas.

- A pesca é realizada durante o ano todo. No entanto, no início do


período chuvoso, a atividade diminui porque coincide com a época de
reprodução dos peixes.
- Os indígenas mais antigos trabalham respeitando o calendário
lunar: O plantio de mandioca é feito na lua alta (quarto crescente), aí
a produção é boa e dá muita farinha. Se for plantada na fase da lua
minguante, a planta não cresce.
- Plantio de espécies variadas: arroz, mandioca, macaxeira, milho,
abóbora, batata, amendoim, batata doce, inhame, quiabo, maxixe,
pepino, feijão, melão, melancia, fava.
- Plantio de vazante: cultivo feito nas áreas úmidas ou alagadas,
principalmente utilizando espécies adaptadas a estas condições, como
o arroz.
- Plantio de sequeiro: plantio realizado no período anterior à estação
chuvosa, nas áreas recém-preparadas, chamado pelos indígenas de
plantio no toco, incluindo arroz, mandioca, macaxeira, entre outras.

7.4. Atividades produtivas por aldeia

Estão presentes em todas as aldeias as atividades econômicas


fundamentadas na agricultura, pecuária, pesca e caça, e equipamentos de
infraestrutura produtiva, como casa de farinha e máquina de pilar arroz.
Segue-se um perfil das atividades produtivas de cada aldeia.

Aldeia Nova

Na agricultura, faz-se o cultivo de acordo com os meses do ano: no início


das chuvas, planta-se arroz, milho e mandioca. Há ainda o plantio de
batata, banana, limão, feijão, abóbora, melão, quiabo, melancia. O babaçu
também é largamente utilizado para alimentação, produção de carvão e
como recurso madeireiro para construção e cobertura das casas.

A pesca é uma atividade importante, sendo reduzida nos meses de


reprodução dos peixes, no início do ano, período das cheias. Segundo o
cacique Luciano: “[A] carne de peixe em reprodução é ruim. A carne fica
aguada e magra”. A partir do mês de abril, com a redução das chuvas, a
pesca é intensificada, e o auge da produção se dá a partir do mês de
setembro.

O rebanho bovino tem apenas quatro cabeças, havendo também a criação


de suínos, aves e animais de tração. A caça é realizada durante todo o ano,
influindo na segurança alimentar com a introdução de proteína animal.

111
A comercialização da produção é feita na própria aldeia e nas cidades
vizinhas. Os preços de venda dos produtos são: milho – R$ 30,00 por saco
de 60 kg; farinha – R$ 80,00 por saco de 50 kg; arroz – R$ 28,00 por saco
de 30 kg.

Os pescados apresentam variação de preço, e os peixes mais valorizados e


de maior aceitação no mercado sendo comercializados até R$ 10,00 por kg
e os de menor aceitação por R$ 5,00 por kg, em média.

Constatou-se a ausência de um planejamento produtivo familiar, que


identifique a escala de produção e o levantamento de custos para
possibilitar o melhor aproveitamento das atividades, organização territorial
e temporal do cultivo e da criação animal.

Aldeia Areião

Além da agricultura, pecuária, pesca e caça, há o artesanato. A aldeia


demonstra um bom potencial produtivo, tendo ainda áreas de mata em
processo de recuperação natural. Nas áreas de plantio nas proximidades da
aldeia são cultivados mandioca, melancia, milho e maxixe. É feito o cultivo
do arroz do campo, plantado nas várzeas aproximadamente no mês de
julho, aproveitando uma lâmina de água de cerca de um palmo.

Nesta aldeia foi feito um teste de cultivo mecanizado, com uma área de
mandioca com preparo de solo com aração. A experiência foi desenvolvida
em 2008 e teve o apoio da empresa Vale S.A., que cedeu uma máquina
para preparação do solo. A experiência com cultivo mecanizado não teve
continuidade e a área encontra-se em processo de regeneração natural.

A caça é uma atividade rotineira, com busca mais frequente de paca, veado,
macaco mão ouro e cutia, influindo na qualidade da alimentação das
famílias.

Esta aldeia apresenta desenvolvido rebanho de pecuária, com 21 cabeças


de gado, havendo ainda criação de aves e suínos.

A pesca na aldeia apresenta duas finalidades – a alimentação, que é o


objetivo principal, e, em segundo plano, a comercialização. A pesca é
realizada com anzol, flecha, tarrafa, sendo comum também a utilização de
gaiola de pesca feita de madeira com isca, que é bastante usada no período
das cheias.

Para a venda do pescado, os indígenas confeccionam um cordão com peixes


amarrados, denominado de “cambo” e levam para as cidades vizinhas ou
são comercializados em barracas de palha improvisadas nas margens da BR
316. O preço do pescado depende do tamanho e da aceitação local do
peixe, os maiores chegam até R$ 10,00 e, os menores, R$ 5,00.

112
Outra fonte de renda origina-se na venda de artesanato indígena –
pulseiras, colares e brincos –, sendo uma atividade feminina, realizada por
todas as gerações.

Aldeia Januária

A aldeia Januária é a maior e a mais antiga da TI Rio Pindaré. É ali que os


indígenas idosos percebem mais claramente as mudanças ambientais e
sociais decorridas ao longo dos anos. Segundo Raimundo Nonato Rodrigues
Guajajara:

Antigamente, quando o índio convivia com branco, fez muito


desmatamento e muitas árvores desapareceram, como a bacaba, a
juçara, o pequi. Melhora, se não mexer, volta a natureza. Os mais velhos
falam para os mais jovens que na terra indígena tem comida, tem caça,
tem pesca, tem madeira para as casas, e na cidade só tem isto quem
tem estudo.

As atividades econômicas que se destacam na Januária são a pesca e a


agricultura. A atividade agrícola, segundo estimativas dos indígenas, é
responsável por aproximadamente 40% da renda da aldeia e certamente
este percentual poderia ser ampliado com aproveitamento racional dos
recursos naturais da TI.

Segundo a percepção dos Guajajara, o quadro agropecuário agravou-se em


função dos atrasos do envio de mercadorias e insumos do Convênio
Vale/Funai, que objetiva fortalecer estas ações. Esta situação pode ser
constatada pelo exemplo do trator quebrado há três anos.

Trator quebrado na sede da aldeia Januária, 2011 (Foto: Manoel Jorge).

113
Nesta aldeia planta-se mandioca, arroz, feijão, macaxeira e fava. O inhame
(cará) e a batata doce são utilizados na alimentação diária e no preparo de
bebidas para os rituais.

Os indígenas têm o hábito de guardar a semente de um ano para o outro,


utilizando-a para o plantio na hora certa, no início das chuvas. Quando
ocorre de a semente vir de fora, fazendo parte da programação do Acordo
de Cooperação Vale/Funai, muitas vezes chega após o período ideal de
plantio, inviabilizando o cultivo.

O Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF) foi


implementado na TI Rio Pindaré e alguns indígenas da aldeia Januária
tiveram acesso a projetos para aquisição de gado bovino e cultivo de
mandioca. Como a TI não recebe assistência técnica e extensão rural oficial,
acentua-se a falta de organização e as dificuldades nas atividades
produtivas. Atualmente, há inadimplência dos projetos do PRONAF nas
aldeias e a maioria dos indígenas que acessaram o banco encontra-se
endividado, iniciando processos de negociação.

Segundo informações de Raimundo Nonato Rodrigues Guajajara, a


produção agrícola da Januária vem diminuindo, apesar da introdução de
nova tecnologia.

O plantio com arado foi testado e deu certo, no início, com mandioca,
batata doce e melancia. Depois do arado, a terra enfraqueceu e só
nasceu capim furão. Antigamente (na década de 1990), a produção
era maior, no plantio de alto se colhia por linha 25 sacos de arroz (de
casca), atualmente se tiram oito sacos. A terra não tem descanso, é
preciso deixar a terra descansar, deixar o mato crescer, as folhas vão
caindo e fazendo adubo.

Com aproximadamente 68 cabeças de bovinos, a Januária possui o segundo


maior rebanho da TI Rio Pindaré. De acordo com o cacique Júlio César
Guajajara:

Antes do gado, tinha mais roça, mas não tem condições de cercar as
áreas de roça, e os índios deixam de plantar para evitar o gado
comer. O gado tem que ter acompanhamento técnico, mas faltam
profissionais.

O sistema de criação extensivo, aliado ao fato de as áreas não possuírem


cercas, permite o acesso dos animais às roças, gerando discordância e
conflitos entre os indígenas. O cercamento das áreas de pastejo do gado,
possibilitando a ampliação das áreas de roças, aliado à assistência técnica
adaptada à realidade indígena, são possibilidades de solução dos problemas
das atividades produtivas desta comunidade e da TI Rio Pindaré como um
todo.

114
A pesca é realizada durante todo o ano, sendo a atividade econômica mais
rentável da Januária. O local de pesca por excelência desta aldeia é o lago
Bolívia, que também abastece de peixe a região de Santa Inês, Pindaré
Mirim e Bom Jardim.

Segundo informações do cacique Júlio César Brito Guajajara, de dezembro a


janeiro, período da cheia do rio Pindaré, ocorre uma redução da pesca, que
atinge cerca de 150 kg por semana. A partir de junho, a pesca aumenta e,
no auge da seca, atinge aproximadamente 1000 kg de pescado por semana.

A caça é uma atividade constante na aldeia. Na região do Juçaral, a caça é


realizada durante o dia e a noite. Durante a noite, a caça é feita com apoio
de cachorros ou “caça de espera”, com a identificação do local onde o
animal passa para se alimentar, beber água, dormir etc.

Outra atividade econômica realizada em menor escala é a comercialização


de espécies medicinais, como a planta açoita cavalo, vendida a R$ 3,50 por
kg, sendo utilizada no tratamento da febre amarela e de problemas de
reprodução feminina.

Aldeia Nova Planeta

Esta aldeia apresenta bom potencial produtivo, tendo como atividades


principais a agricultura, a pesca e a caça.

A atividade agrícola é bem desenvolvida com as famílias indígenas


cultivando áreas diferenciadas nos limites da aldeia. Há sempre o cultivo de
mandioca, arroz de alto (sequeiro) e milho. É comum encontrar nas
margens do rio, igarapés e lagos o plantio familiar de áreas com espécies
frutíferas, como banana, caju e manga. Na região dos lagos, há o plantio de
arroz do campo (irrigado) e melancia. Este modelo de produção possibilita o
maior aproveitamento produtivo da Terra Indígena proporcionado geração
de renda tanto no período chuvoso quanto no período de estiagem.

Com a predominância da vegetação de babaçu, há o aproveitamento do


coco na culinária e na produção de carvão. Já a palha é utilizada para
cobertura e o talo da folha para estruturar as paredes das casas de taipa.

A pecuária bovina também é desenvolvida, principalmente com aquisição de


animais dentro da programação do Acordo de Cooperação Vale/Funai. Com
os recursos do referido Acordo, em 2010, cada família recebeu sete cabeças
de gado bovino (animais mestiços). Para criação também foram plantadas
pastagens, com o uso de sementes de capim brachiária, piauí, lageado e
mombaça.

A pesca é realizada durante todo ano, principalmente nos lagos mais


próximos da aldeia, onde é comum encontrar-se curimatã, cará, bodó,
piranha, peixe elétrico, traíra e tucunaré.

115
A caça é realizada nas regiões mais distantes das aldeias, nos lugares onde
a mata vem se recompondo. As espécies caçadas são veado, tatu, caititu,
paca e macaco.

Aldeia Tabocal

A aldeia Tabocal localiza-se às margens do rio Pindaré e aproveita o


potencial do rio e dos lagos para consolidar suas principais atividades
produtivas: a pesca e o cultivo de arroz irrigado.

Na pesca são encontradas espécies como a piranha, piau, surubim, traíra,


pescada, lírio e mandubé. Os peixes mais valiosos como surubim, lírio e
pescada alcançam o preço de R$ 10,00 por kg, enquanto os peixes mais
baratos, como piranha e traíra, têm o preço médio variando entre R$ 5 e 7
por kg.

No cultivo do arroz de várzea são utilizados diferentes tipos de sementes,


como diamante, pé roxo, R8 (chamado pelos indígenas de “arroz de
branco”). Segundo o cacique Djacyr,

A produção de arroz da aldeia Tabocal em 2010 foi de


aproximadamente mil sacos de arroz com casca. Depois de pilado e
sem casca, tem-se aproximadamente quinhentos sacos. No ano de
2010, o preço do arroz foi de R$ 16,00 a saca de 35 kg com casca e
R$ 80,00 a saca de arroz pilado.

Nesta aldeia há também a pecuária bovina com um rebanho aproximado de


35 cabeças, com formação de campos de pastagem usando sementes de
capim brachiária.

A caça é uma atividade voltada para a dieta alimentar das famílias. O


artesanato é confeccionado pelas mulheres, utilizando vários tipos de
sementes e artigos de plástico para fazer colares, pulseiras e brincos, que
são comercializados na própria aldeia.

Aldeia Piçarra Preta

A aldeia Piçarra Preta apresenta uma situação de degradação ambiental,


histórico de invasões e conflitos com os povoados vizinhos a TI de forma
mais acentuada que as demais aldeias. Em decorrência desta situação, a
aldeia apresenta maior fragilidade para utilização dos recursos naturais e
aproveitamento produtivo das terras devido à degradação do solo,
apresentando maior gravidade de seus aspectos ambientais e econômicos.

Na agricultura, destaca-se o cultivo de mandioca, macaxeira, milho e arroz,


e, em algumas áreas, encontra-se o cultivo de caju. Devido ao manejo
inadequado, a recuperação do solo é lenta, empobrecendo e diminuindo a
produção a cada ano. Segundo Antônia Viana Guajajara:

116
O capim furão toma conta da área, quando se tira a mata e bota
fogo. A mandioca era plantada na mata e só voltava depois que a
mata retomava.

Esta aldeia apresenta o maior rebanho bovino da TI com cerca de 70


cabeças. O gado foi introduzido pela Funai há cerca de 30 anos, sendo
incrementado pela programação do Acordo de Cooperação Vale/Funai há
cerca de 10 anos.

Analisando as atividades produtivas das aldeias, conclui-se que, de forma


geral, as seis comunidades necessitam de reordenamento territorial, seja
pela pressão interna das próprias comunidades, seja pela pressão do
entorno, seja pelas duas modalidades de pressão atuando
concomitantemente. Devido às condições ambientais e à forte pressão
externa, a TI Rio Pindaré precisa urgentemente conciliar a proteção dos
recursos naturais com o desenvolvimento de fontes de renda sustentáveis,
que garantam a qualidade de vida da sua população. Neste aspecto, a
elaboração de uma base preliminar de etnomapeamento territorial permitiu
compreender os aspectos atuais da organização territorial das aldeias, que
poderão ser o ponto de partida para elaboração de um plano de gestão
etnoambiental

Entende-se gestão etnoambiental conceitualmente como “processos de


planejamento com base sustentável, realizados a partir das próprias
comunidades indígenas e segundo suas próprias concepções. Através de
planos de gestão etnoambiental é possível que as comunidades apontem
quais os caminhos econômicos, ambientais e culturais que estão dispostas a
lutar e também quais as opções que não lhes são interessantes, através de
ações concretas e proposições de políticas públicas” (Sztutman, 2006).

8. Caracterização socioeconômica

8.1. Condições de saúde e infraestrutura social

O levantamento dos dados sobre a atenção à saúde foi realizado com base
nas entrevistas com os agentes de saúde de cada aldeia e com os
profissionais da Funasa/Sesai que estavam ligados diretamente ao
atendimento à saúde da TI Rio Pindaré, em novembro e dezembro de 2011.

Naquela época, a assistência à saúde das comunidades indígenas estava


sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), mas, em
consonância com o artigo 6º. do decreto nº. 7.336, de 19 de outubro de
2010, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena foi transferido para a
Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da
Saúde. A transferência foi concluída em janeiro de 2012.

117
A TI Rio Pindaré conta com dois postos de saúde, um na aldeia Januária e
outro na Piçarra Preta, onde são realizados os atendimentos básico e
emergencial, sendo os agravos de maior complexidade encaminhados para
hospitais nas cidades de Santa Inês e Bom Jardim.

O Posto de Saúde na aldeia Januária é a unidade de referência, atendente


aos moradores das aldeias Januária, Tabocal, Areião, Aldeia Nova e Novo
Planeta. A estrutura do prédio é simples, com uma pequena enfermaria
provida de utensílios básicos de atendimento. Segundo o agente de saúde
José Wilson Guajajara, a falta de estrutura e de recursos são os principais
problemas do posto de saúde, comprometendo o atendimento adequado à
população.

O Posto de Saúde da aldeia Piçarra Preta consiste em uma pequena sala,


com poucos equipamentos de saúde: uma maca, uma balança, um aparelho
para medir pressão e alguns armários para estocar medicamentos. A
técnica de enfermagem Valda Ferreira Dias relatou que as condições do
prédio são ruins, apontando o mofo nas paredes e a falta de estrutura
adequada para realizar o atendimento, principalmente quando ocorre a
campanha de vacinação.

Para o atendimento emergencial de casos de média e alta complexidade, a


Funasa encaminha os pacientes para os hospitais de Santa Inês: Hospital
Tomás Martins, que é a principal unidade hospitalar deste município, e o
Hospital Menino Jesus. Para o Hospital Municipal de Bom Jardim, os
pacientes indígenas são encaminhados para realizar exames de rotina e
atendimentos de baixa complexidade.

No caso de agravos de especialidades médicas não ofertadas na rede


hospitalar de Santa Inês, os pacientes são transferidos para unidades
hospitalares de São Luís ou Teresina, que também são centros procurados
para a realização de exames médicos de maior complexidade. Neste caso,
os pacientes indígenas são acompanhados pelos técnicos de enfermagem
durante a estadia nestas cidades.

A Casa de Apoio à Saúde Indígena de Santa Inês (Casai) é uma residência


de apoio aos indígenas que necessitam de hospedagem, abrigando, além
daqueles que vão utilizar o serviço de saúde, os familiares que os estão
acompanhando. Todavia, a infraestrutura da Casai é precária, estando
instalada em uma casa antiga, com pouca iluminação e ventilação. Segundo
a enfermeira responsável, Darliene Marcela da Silva, a estrutura é
inadequada para hospedagem dos indígenas, faltando espaço e mobiliário.

O transporte dos pacientes é um dos pontos mais criticados pelos


profissionais de saúde e indígenas, já que não há ambulância. O translado
dos doentes é realizado em dois carros da Funasa, um corsa pequeno, que,
segundo relatos, está em péssimo estado, e uma caminhonete L200.

118
Segundo a agente indígena de saúde Maria de Lourdes Guajajara da aldeia
Novo Planeta, é difícil encontrar os carros disponíveis, já que a área de
atendimento é muito grande, compreendendo as aldeias das TIs Rio
Pindaré, Caru e Awá. Desta forma, frequentemente, são utilizados táxis
particulares para o transporte de pacientes, mesmo nos casos mais graves.

Até dezembro de 2011, a equipe de profissionais de saúde da Sesai era


formada por duas enfermeiras, um dentista, dez técnicas e auxiliares de
enfermagem, quinze agentes de saúde comunitários indígenas, além de
quatro motoristas. A coordenação desta equipe era feita pela enfermeira
Darliene Marcela da Silva, atuando há cinco anos nesse posto. Segundo ela,
há falta de profissionais de saúde, principalmente de um médico. Embora
haja uma vaga para médico, há três anos a Funasa não encontrava um
profissional para o posto, cujo salário era em torno de R$ 5.000,00. A
contratação de uma nutricionista também era reivindicada, mas o cargo foi
extinto pela Funasa em 2011.

Darliene relatou que realizava uma visita por mês em cada aldeia, focando
na saúde preventiva e no acompanhamento, principalmente, da saúde das
crianças, mães e idosos. Revelou que uma certa resistência no caso dos
homens adultos em realizar consultas ou exames.

Os dez técnicos e auxiliares de enfermagem são profissionais que residem


nos postos de saúde das aldeias, realizando o atendimento preventivo e
emergencial, com um salário médio de R$ 1.000,00. Segundo Darliene, não
é fácil compor esse quadro, porque o profissional precisa ter disponibilidade
para morar nas aldeias, e também ser aceito pela comunidade, uma vez
que ocorre a dispensa ou a realocação de profissionais de saúde por
solicitação dos indígenas.

Compondo o quadro de profissionais de saúde, há os agentes indígenas de


saúde (AIS), formado por indígenas de cada aldeia, que auxiliam os
procedimentos realizados pelos auxiliares de enfermagem e pela
enfermeira. Na TI Rio Pindaré, esse quadro é composto por dez agentes
indígenas de saúde distribuídos de acordo com a população de cada aldeia:
três na aldeia Januária, dois na Piçarra Preta, dois na Tabocal, dois na
Areião e um na Novo Planeta.

Segundo Darliene, alguns agentes indígenas de saúde não têm condições


técnicas para atuar na área da saúde indígena, mas, muitas vezes, a
escolha é realizada pela própria comunidade. A partir de março de 2012, os
agentes são contratados pela Sesai, recebendo um salário de R$ 545,00.

119
Posto de saúde da aldeia Piçarra Preta, 2011 (Foto: José Ferreira).

120
Quadro 8.1.1- Informações gerais do sistema de saúde da TI Rio Pindaré, 2011.

Profissionais de saúde Hospitais de maior


Aldeia Agentes de saúde Postos de saúde
da SESAI nas aldeias complexidade

O PS de Januária é Hospital Tomás Martins,


Aldeia Nova 1 Nenhum
procurado Santa Inês

O atendimento da equipe Hospital Tomás Martins,


da Sesai é realizado no Santa Inês
Areião 1 Nenhum antigo prédio do Cimi
(Conselho Indigenista
Missionário)

1 unidade para atender Hospital Tomás Martins,


Januária 3 2 técnicas de enfermagem
toda a população da TI Santa Inês

O PS de Januária é Hospital Tomás Martins,


Novo Planeta 1 Nenhum
procurado Santa Inês

1 unidade para atendimento Hospital Municipal de Bom


Piçarra Preta 2 1 técnica de enfermagem
básico Jardim

O atendimento da equipe Hospital Tomás Martins,


Tabocal 1 Nenhum da Sesai é realizado na Santa Inês
igreja da comunidade

121
Perfil epidemiológico

De acordo com as entrevistas com os agentes indígenas de saúde (AISs) e


com os profissionais da Funasa/Sesai, o quadro clínico da população das
aldeias da TI Rio Pindaré requer atenção, já que são comuns enfermidades
sazonais, como gripes e pneumonias, acometendo principalmente crianças e
idosos.

Segundo a enfermeira Darliene, as ocorrências de gripes e problemas


respiratórios são frequentes nas crianças, e, nos casos mais graves, os
pacientes são encaminhados para os hospitais da região. Ainda, segundo a
enfermeira, às vezes, as condições clínicas agravam-se para pneumonia, e
é comum a internação de indígenas com estado clínico mais grave, devido
às más condições de habitabilidade e à falta de cuidados básicos de higiene.

Dentre as outras doenças contagiosas, a hanseníase é a que mais preocupa


os profissionais de saúde da Funasa, já tendo sido detectados três casos na
TI Rio Pindaré, sendo dois na Aldeia Nova e um na Januária. A enfermeira
Darliene acredita que possa haver mais casos, já que as condições
sanitárias nas aldeias propiciam a proliferação da doença. Neste caso, é de
suma importância a realização de exames laboratoriais em toda a população
indígena da TI Rio Pindaré, que podem ser realizados no Hospital Municipal
de Bom Jardim.

Em 2011, não foram detectadas na TI Rio Pindaré doenças de veiculação


hídrica, como dengue, cólera e hepatite. No entanto, não há campanhas
preventivas para evitar essas doenças.

Os cinco casos de malária identificadas nos últimos dois anos foram


importados de outras regiões, como no caso de indígenas que visitam seus
parentes no estado do Pará. Segundo a Funasa, a região não tem
características de área epidêmica da doença, mas na ocorrência de casos, o
paciente indígena é isolado e tratado fora da aldeia.

O rastreamento do HIV é realizado anualmente, através de teste rápido,


feito no posto de saúde da aldeia Januária, acompanhando outras
campanhas de saúde que são desenvolvidas nas aldeias.

Entre as doenças crônicas, as mais comuns são pressão alta e diabetes. De


acordo com o boletim de controle da Funasa, atualmente, há 28 indígenas
com pressão alta, que estão sendo tratados com medicação controlada,
tendo o mais jovem 28 anos. Os diabetes perfazem 13 casos, porém
nenhum com gravidade.

As aldeias são assistidas pelas campanhas nacionais de vacinação infantil, e


todas as crianças estão vacinadas. Segundo fontes consultadas da Funasa,
não há casos de doenças como sarampo, paralisia infantil, coqueluche e
catapora.

122
Com relação à saúde das gestantes, o pré-natal é realizado mensalmente
com visita da equipe da Sesai nas aldeias, sendo fundamental o
acompanhamento da gestação, uma vez que muitas gestantes têm entre 12
a 16 anos.

O alcoolismo foi o problema de saúde mais citado pelos AISs e pelos


moradores entrevistados nas aldeias. Segundo a agente Lindalva Pereira
Guajajara, há muitos casos de alcoolismo nas aldeias, não existindo
nenhum tipo de ajuda para estes casos.

Os casos mais citados de mortalidade são por atropelamento na BR 316. Em


2011 ocorreram quatro casos, estando duas das vítimas alcoolizadas.

Saneamento básico

Para a elaboração do diagnóstico sobre o saneamento básico foram


realizadas entrevistas com os agentes indígenas de saneamento (Aisan).
Foram analisadas as condições de abastecimento de água, esgotamento
sanitário, coleta e despejo do lixo e infraestrutura sanitária domiciliar.

O abastecimento de água chega a todos os domicílios das aldeias da TI Rio


Pindaré, sendo a captação de água realizada em poços artesianos
localizados nas aldeias. Tanto o poço quanto a rede de distribuição de água
foram implantados pela Funasa em 2002. De acordo com o cacique Gerson
Guajajara, da aldeia Novo Planeta, a água é de boa qualidade, sendo usada
também para o consumo humano. De acordo com a agente de saúde Maria
de Lourdes, desde a instalação do sistema de água tratada na aldeia se
reduziu os casos de diarreias, principalmente entre as crianças.

O tratamento e o controle da qualidade da água são realizados pela Funasa


a cada seis meses. Todavia, o agente Davi Vieira Guajajara, da aldeia
Piçarra Preta, relatou que, em 2011, não foi realizado o tratamento da
água, tendo sido a última visita da Funasa realizada no final de 2010.

O esgotamento sanitário é realizado por fossas sépticas, que foram


instaladas pela Funasa entre 2008 e 2009. De acordo com as entrevistas, as
casas que foram construídas depois desse período já não possuem fossas
sépticas, e as famílias que não possuem esse serviço utilizam banheiros dos
vizinhos ou o mato do entorno das aldeias.

Antes da instalação das fossas e dos banheiros não havia nenhum sistema
de esgotamento sanitário. O Aisan Davi Viana Guajajara, da aldeia Piçarra
Preta, acha que a implantação dessa infraestrutura ajudou na melhoria da
saúde dos indígenas e na qualidade ambiental da aldeia. Entretanto,
surgiram problemas depois da instalação das fossas, segundo Geraldo
Guajajara, da aldeia Tabocal – algumas fossas foram construídas muito
próximas às casas e o cheiro é insuportável.

123
Os banheiros são estruturas simples, com acabamento ruim. Trata-se de
apenas um pequeno cômodo com um vaso sanitário, pia e chuveiro. Os
materiais são visivelmente de baixa qualidade, e essas características
configuram as principais reclamações dos indígenas entrevistados.

Observou-se grande quantidade de lixo nas áreas de vivência e nos


arruamentos das aldeias. Segundo os entrevistados, não há políticas
públicas direcionadas para a coleta do lixo, e a prefeitura de Bom Jardim
não desenvolveu nenhuma ação de recolhimento dos resíduos sólidos das
aldeias.

Observa-se que, em algumas aldeias, a situação da disposição aleatória do


lixo é mais grave, como na Areião, Aldeia Nova e Tabocal, havendo grande
quantidade de lixo perto das casas.

De acordo com os Aisan, a forma mais usada para destinação do lixo


domiciliar é a incineração, praticada por algumas famílias, ou então o
despejo do lixo em valas abertas nos quintais das casas.

A agente de saúde Lindalva e a professora Maria José, ambas da aldeia


Tabocal, relataram épocas em que são realizados mutirões de limpeza da
aldeia, envolvendo os alunos da escola. Mas, segundo elas, a situação fica
mais grave no período das chuvas, quando há acumulo de lixo nas portas
das casas.

Banheiro improvisado na aldeia Piçarra Preta, 2011 (Foto: José Ferreira).

124
Habitabilidade

O padrão construtivo da maioria das casas nas aldeias segue o tipo de


construção tradicional encontrado na zona rural do Maranhão, ou seja,
casas com estrutura de taipa, coberta com palha da palmeira do babaçu.
Geralmente, as casas de taipa são pequenas, com quatro cômodos, no
máximo, sendo a cozinha geralmente encontrada na parte externa da casa.

Apenas na aldeia Januária, no seu arruamento principal, foi observado um


número maior de casas de alvenaria, apresentando sérios problemas
estruturais, como rachaduras.

Segundo alguns moradores, a manutenção e a construção de casas de taipa


tornam-se cada vez mais difícil, porque passou a ser difícil encontrar esse
material na área indígena. Segundo Davi Viana Guajajara, a madeira
utilizada na reforma das casas é comprada e muitas vezes vem da TI Caru.

Habitação de taipa na aldeia Areião, 2011 (Foto: José Ferreira).

Energia elétrica

As aldeias possuem iluminação pública e todas as casas das aldeias TI Rio


Pindaré são atendidas com esse serviço. Segundo o cacique Gerson, da
aldeia Novo Planeta, os indígenas da TI Rio Pindaré não pagam pela energia
elétrica devido a um acordo entre as lideranças das aldeias e a Companhia
de Energia Elétrica do Maranhão (Cemar). Esse acordo foi estabelecido em
2004, depois de conflitos em que os indígenas exigiam a isenção do
pagamento, já que três linhas de transmissão cortavam a reserva e não
houve nenhum tipo de consulta ou compensação. Além disso, as famílias
estavam na condição de inadimplentes, sendo as contas direcionadas para o

125
escritório da Funai em Santa Inês. Segundo o cacique, as lideranças
ameaçaram derrubar os postes da rede elétrica, caso o pedido de isenção
do pagamento não fosse atendido, e o acordo foi selado.

8.2. Educação escolar


A partir da década de 1990, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
promoveu atividades educacionais e culturais na TI Rio Pindaré.
Atualmente, a educação informal é realizada por missionários protestantes,
que ensinam alguns ofícios na área do artesanato e na assistência da saúde,
configurando-se como fator de atração dos Guajajara.

Com relação à educação formal, o levantamento das informações foi


realizado a partir das entrevistas com os professores da rede escolar da TI
Rio Pindaré e dos dados secundários disponibilizados pela Secretária de
Educação do Maranhão (Seduc) e IBGE.

Atualmente, a rede escolar indígena está vinculada à Secretária da


Educação (Seduc), sob a responsabilidade administrativa e pedagógica da
Unidade Regional de Ensino (URE) de Santa Inês. O sistema de ensino da TI
Rio Pindaré é composta por cinco escolas, que atendem a 508 alunos, com
um corpo docente de 41 professores.

O Centro Educacional Indígena de Januária é a principal escola da TI Rio


Pindaré, chamada de escola-polo, cumprindo a função de direção
administrativa e pedagógica para todas as demais escolas das aldeias, que
são consideradas extensões (ou anexos) desse núcleo.

Os professores do ensino fundamental, médio e alfabetização de adultos são


contratados pela Secretaria de Educação do Estado do Maranhão. Já os
professores da pré-escola estão vinculados à Secretária de Educação
Municipal de Bom Jardim, e nenhum é concursado.

No ensino fundamental, de 1ª a 4ª série, a maioria dos professores são


indígenas, possuindo o curso de magistério completo ou incompleto. Os
professores não formados frequentam o curso de magistério, com duração
de dois anos, localizado no povoado de Alto dos Bodes, próximo à Santa
Inês.

Alguns professores, como Djacyr Guajajara Nascimento, que leciona na


escola da aldeia Tabocal, estão fazendo o curso de pedagogia em Santa
Inês, porém, segundo o seu relato, há muita desistência, devido às
dificuldades de transporte e financeiras.

Nas entrevistas com os professores de todas as escolas houve reclamações


sobre a falta de cursos de capacitação pedagógica. Segundo a professora
Marilene Viana Guajajara da escola da aldeia Novo Planeta, não há

126
participação dos professores indígenas nas reuniões da URE de Santa Inês,
faltando interação com o universo das outras escolas da região.

O curso de Magistério Indígena, desenvolvido pela Seduc, que funcionou até


2006, formou alguns professores indígenas da TI Rio Pindaré. Segundo
avaliação do professor Augusto Caragio Guajajara, da aldeia Tabocal, a
duração deste curso foi estimada em dois anos, mas durou oito anos, e foi
considerado fraco pelos professores.

Segundo os professores, o Programa de Educação Continuada, que já tinha


sido aplicado em anos anteriores, não foi realizado em 2011, e a Seduc não
informou os motivos da suspensão dos cursos.

Observou-se nas entrevistas que o ensino da língua guajajara mobiliza os


professores, que o consideram essencial para o fortalecimento da cultura e
da identidade do povo indígena, em uma conjuntura em que os jovens têm
vergonha de falar a língua materna.

Registrou-se que o ensino da língua guajajara é oferecido em todas as


escolas da TI Rio Pindaré, com exceção da escola da aldeia Novo Planeta.
Da educação infantil até a 4ª série do ensino básico, há um professor de
língua indígena por escola, que moram nas aldeias. Para os demais níveis,
há uma disciplina da língua guajajara ministrada três vezes por semana.
Segundo a professora Juliana Ventura Guajajara, da aldeia Piçarra Preta, a
língua indígena é inserida em todas as matérias.

Nas entrevistas com os professores, em novembro e dezembro de 2011,


registraram-se várias críticas relativas à sua prática profissional. Os salários
não eram pagos há três meses e os professores os consideravam baixos –
R$ 843,00 por 30 horas semanais, dificultando o pagamento do estudo
universitário.

Outra questão relaciona-se à insuficiência dos materiais didáticos para os


alunos. Todos os entrevistados relataram que trabalham com poucos
insumos e que a quantidade de livros didáticos enviados é menor que o
número de alunos. Os livros são entregues pelo MEC para o município de
Bom Jardim, que os repassa para o Centro Educacional da aldeia Januária,
que os encaminha para as outras unidades.

A assistência financeira vem para as escolas através do Programa Dinheiro


Direto na Escola (PDDE), do governo federal. Segundo os professores, as
escolas recebem os recursos do PDDE para compra de material didático no
início do ano, mas o recurso não é suficiente para atender as necessidades
de todas as escolas. De acordo com o professor Cláudio, da aldeia Piçarra
Preta, o PDDE fornece um kit escolar para os alunos no início do ano –
quatro cadernos, lápis, borracha, lápis de cor –, que dura poucos meses, e,
durante o resto do ano letivo, os pais compram o material, e, os
professores fornecem o material para os alunos mais carentes.

127
As condições das escolas na TI Rio Pindaré são distintas. Os prédios
escolares das aldeias Areião, Novo Planeta e Tabocal apresentam problemas
graves, como falta de banheiros adequados, salas de aulas insuficientes,
falta de bebedouros e de materiais escolares (carteiras, mesas, salas de
professor etc.). Já os prédios escolares das aldeias de Piçarra Preta e
Januária estão em boas condições de uso. O Quadro 8.2.1 apresenta as
características gerais de cada unidade escolar.

O censo escolar foi realizado a partir dos dados fornecidos pelos professores
das escolas da TI Rio Pindaré. No ano letivo de 2011, foram matriculados
512 alunos ao todo, em todos os níveis de ensino. O Gráfico 8.2.1
apresenta a proporção de matriculados por nível educacional.

Gráfico 8.2.1 Proporção de alunos matriculados por nível educacional na TI


Rio Pindaré, 2011.

Proporção de Matrículados por Nível

5,40% 13,20% 14,20%


Pré Escola
1 a 4 série
5 a 8 série
20,20%
Ensino Médio
47% EJA

O Programa Brasil Alfabetizado tem como público alvo pessoas com idade
acima de 15 anos, tendo, em 2011, 66 alunos matriculados, sendo 55 na
aldeia Januária e 11 na aldeia Tabocal.

Considerando alguns indicadores educacionais, a distorção idade/série


possui um índice muito elevado, principalmente no ensino básico. Segundo
o professor Claudio Viana Guajajara, é comum em uma série em que a
idade média dos alunos é de 8 anos ter alunos com 12 e até 14 anos. O
abandono ou desistência escolar acontece mais frequentemente entre os
jovens do ensino médio ou naqueles que frequentam a Educação de Jovens
e Adultos (EJA).

O transporte escolar atende a todas as aldeias, sendo realizado por uma


empresa particular de Santa Inês. Segundo os professores, as condições do
ônibus são boas, mas quando o ônibus quebra ou precisa de manutenção,

128
não há substituição, e os alunos ficam sem transporte. Nestas ocasiões, as
crianças ou vão a pé para a escola ou perdem as aulas.

O Quadro 8.2.1 apresenta as informações gerais sobre o sistema


educacional da TI Rio Pindaré.

129
Quadro 8.2.1 Informações gerais sobre o sistema educacional da TI Rio Pindaré, 2011.

Aldeia Escola Nível educacional Matriculados Características gerais

Pré-escola 4 Prédio em precárias


condições - faltam
banheiros,
Areião Zemu' e Haw Yayxiguhu
bebedouros, área de
1 a 4 séries 21 merenda, iluminação
adequada

Pré-escola 32

1 a 4 séries 94

5 a 8 séries 101
Prédio em boas
Ensino Médio 27
Centro de Ensino condições – faltam
Januária
Indígena Januária salas de aulas e
carteiras

Brasil Alfabetizado 55

130
Pré-escola 4 Prédio em precárias
condições – faltam
Novo Planeta Zemu' e Haw Tentehara banheiros, cozinha,
calçadas, iluminação
1 a 4 séries 16
adequada

Pré-escola 32

Zemu' e Haw Takuar Prédio em


Piçarra Preta
Tyuo excelentes condições
1 a 4 série 62

Pré-escola 11 Prédio em precárias


condições – faltam
Zemu' e Haw Takuar banheiros, cozinha,
Tabocal 1 a 4 série 42
Tyuo calçadas, iluminação
adequada, salas de
Brasil Alfabetizado 11 aula

Total 5 512

131
8.3. Assistência e políticas públicas

Funai

De acordo com o Regimento Interno da Funai (Portaria nº 542 de


21/12/93), é de responsabilidade da Funai o desenvolvimento de ações
para fomentar as atividades produtivas a fim de garantir a segurança
alimentar das comunidades indígenas, bem como facilitar o acesso à saúde
e à educação. Com base nas entrevistas com os funcionários da Funai do
órgão tutor e com as lideranças Guajajara, constatou-se que tanto o
funcionamento da CTL de Santa Inês, quanto a programação voltada para
as atividades produtivas da TI Rio Pindaré dependem dos recursos do
Acordo de Cooperação Vale/Funai.

A TI Rio Pindaré é uma das quatro Terras Indígenas que participam do


Acordo de Cooperação Vale/Funai, com duração até 2016. O objetivo deste
Acordo de Cooperação é o repasse de recursos financeiros destinados ao
desenvolvimento sustentável dos povos indígenas habitantes das TI Caru,
Awá, Alto Turiaçu e Rio Pindaré. O recurso é depositado pela Vale na conta
da Renda Indígena da Funai, responsável pela programação anual junto às
comunidades indígenas, pela compra e entrega das mercadorias nas
aldeias. O atraso nas entregas das programações de 2009, 2010 e 2011 na
TI Rio Pindaré foi constatado pela equipe técnica deste estudo, trazendo
uma série de transtornos para as comunidades indígenas, assunto que será
relatado no item O Acordo de Cooperação Vale/Funai segundo os Guajajara
da TI Rio Pindaré.

Inserção em políticas públicas e programas

Segundo estudo do IBGE, o Maranhão é o estado com um dos piores índices


de pobreza do país e, nesse contexto, o Oeste Maranhense possui alguns
municípios, como Alto Alegre do Pindaré, Bom Jardim e Tufilândia que
apresentam graves problemas de condição de vida da população, com
indicadores de graves problemas no atendimento à saúde, baixos índices de
escolaridade e deficiências no sistema de atendimento ao saneamento
básico.

As políticas públicas em âmbito federal e estadual têm fomentado, na


última década, diversos programas e ações tendo, como meta, a
erradicação da miséria, principalmente no meio rural. Em 2011, o Governo
Federal anunciou a intenção de tirar da indigência 8,5% da população que
sobrevive com no máximo R$ 70,00 mensais e têm baixo acesso a serviços
públicos básicos, como água e luz, além da redução do analfabetismo entre
os mais pobres (Ipea, 2012).

132
Dentre os programas federais de maior alcance, destaca-se o Plano Brasil
Sem Miséria (BSM), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS), que dispõe de um conjunto de programas e
ações de incremento da formação técnica e profissional das pessoas em
situação de vulnerabilidade social que estejam inscritas ou em processo de
inclusão no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico).

Esse cadastro objetiva a identificação e a caracterização das famílias


brasileiras de baixa renda, sendo também uma ferramenta para a seleção
dos beneficiários dos programas sociais. De acordo com o MDS, o cadastro
único: “(...) possibilita ao poder público formular e implementar políticas
específicas que possam contribuir para a redução das vulnerabilidades
sociais a que essas famílias estão expostas e desenvolver suas
potencialidades. Atualmente, o Cadastro Único conta com mais de 19
milhões de famílias inscritas”.
Assim, o cadastro também se estende para as populações indígenas que se
encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional. Dessa
forma, o cadastro é recomendável para as famílias indígenas que
necessitam de políticas públicas para a sua sobrevivência.
Do conjunto de programas governamentais de proteção social, como o
Brasil Sem Miséria, o Bolsa Verde36, o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), Pró Jovem Adolescente37, apenas o Bolsa Família38 atende a
maioria das famílias indígenas da TI Rio Pindaré, com valores de benefício
de R$ 30 para famílias que possuem um filho em idade escolar, havendo
famílias que recebem até R$ 300,00.

De acordo com a agente de saúde Lindalva Pereira Guajajara, esse benefício


é a única fonte de renda da maioria das famílias, e, se não houvesse essa
ajuda, a situação de saúde e educação das crianças seria muito pior, já que
as exigências solicitadas para receber o recurso do Programa Bolsa Família
são o acompanhamento médico e a frequência das crianças na escola.

36
Segundo o MDS, O Bolsa Verde é um programa de transferência de renda do Governo Federal sob a
gestão do Ministério do Meio Ambiente e que tem a Caixa como agente operador, fazendo parte do plano
maior Brasil Sem Miséria. O objetivo é atender famílias em situação de extrema pobreza, inscritas no
Cadastro Único do Governo Federal, que desenvolvam atividades de conservação de recursos naturais no
meio rural.
37
Sob responsabilidade do MDS, o programa foi lançado em 2007 sendo destinado a jovens de 15 a 17
anos em situação de risco social ou atendidos pelo Bolsa Família. Segundo o MDS, o programa: “(...)
integra serviço e transferência de renda, exigindo esforço de integração de todos os gestores (municipais
estaduais e federal). Os objetivos são fortalecer a família, os vínculos familiares e sociais”.
38
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O programa objetiva assegurar o direito humano
à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional, e contribuindo para a
conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome (MDS, 2011).

133
Os Guajajara da TI Rio Pindaré têm participado também do PRONAF
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) por meio do
Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, financiando suas atividades
produtivas, como aquisição de animais e cultivo de mandioca. Porém,
alguns indígenas estão inadimplentes e estão sendo chamados para
renegociarem suas dívidas com os bancos, o que impede o funcionamento
normal da Associação Comunitária Maynumi, que realizou o cadastro dos
Guajajara no PRONAF.

No atual cenário, observa-se que poucas ações governamentais de proteção


social, como o Programa Bolsa Família, e o fomento para atividades
agrícolas de pequenos produtores, como o Funrural, chegam às
comunidades indígenas.

Em relação aos seguros sociais garantidos pelo Governo Federal, verificou-


se que a maioria dos mais velhos são aposentados pelo INSS, havendo
aposentados por idade ou invalidez. Esse recurso é a principal ou única
fonte de renda de algumas famílias.

O Salário-Maternidade concedido pelo INSS também atende as gestantes,


sendo o valor do benefício de R$ 1.200,00, pagos como auxílio para as
mulheres de baixa renda e idade superior a 14 anos. Segundo a Sesai,
todas as mães indígenas recebem esse benefício.

Com relação à documentação civil, constatou-se que há muitos indígenas


que não possuem documentos, devido à dificuldade de locomoção para as
cidades próximas e pela falta de recursos para tirar fotos e cópias. Os
Guajajara defendem a necessidade de uma campanha maciça por parte dos
órgãos competentes para resolver essa situação.

Cenários de articulação política e governança

Na perspectiva dos Guajajara, os espaços de monitoramento das políticas


públicas são suas associações comunitárias, a saber: Associação
Comunitária Maynumi, Associação das Aldeias Tabocal e Areião, Associação
de Pais e Mestres Indígenas e ainda a Associação de Pescadores de
Araguanã, da qual os pescadores Guajajara participam. Estas associações
estão politicamente baseadas nas aldeias e articulam-se, cada qual com seu
foco específico, para reivindicar melhorias das condições de vida, atuando
junto aos órgãos governamentais, como Funai, Sesai e Funasa. Também se
observou a articulação dos Guajajara da TI Rio Pindaré junto à equipe da
Vale, seja através de suas lideranças seja através das associações.

Em relação às atribuições do Ministério Público Federal na questão indígena


que, de acordo com a Lei Complementar nº 75/1993, assumiu o
compromisso de atuar na defesa das comunidades indígenas, tornando-se
um importante instrumento para o monitoramento das ações que envolvem
o desenvolvimento dos programas de políticas públicas por agentes do

134
governo, ou mesmo, aplicando sanções nas implantações de
empreendimentos de cunho público ou privado que possam afetar as
condições de vida e de segurança dos povos indígenas.

Nesse contexto, as atuações das instituições jurídicas, principalmente o


Ministério Público, asseguram às comunidades indígenas direitos básicos
como educação, alimentação, saneamento básico, habitação, trabalho
digno, e devem ser tutelados nas comunidades indígenas com a mesma
operosidade que é dispensada aos demais membros da sociedade brasileira.
Em relação às comunidades indígenas da TI Rio Pindaré, foi relatado por
algumas lideranças a importância do Ministério Público como um
instrumento que possibilita reivindicar os direitos dos povos indígenas,
inclusive os dos Guajajara.

Já a inserção dos Guajajara da TI Rio Pindaré nas organizações indígenas é


realizada através da participação desse grupo na Coordenação dos Povos
Indígenas do Maranhão (COAPIMA), que é a organização indígena de maior
destaque no Maranhão. A COAPIMA organizou em Santa Inês, entre 14 e 17
de setembro de 2003, a primeira Assembleia dos Povos Indígenas do
Maranhão, que versou sobre a situação das terras indígenas, da educação e
saúde indígenas e dos programas de autossustentação dos povos indígenas
deste estado. Os caciques das aldeias e mais alguns representantes das
comunidades participam de algumas reuniões com lideranças de outras
etnias, mas avaliou-se que a inserção das lideranças da TI Rio Pindaré na
política indígena regional e nacional é modesta.

Os Guajajara da TI Rio Pindaré já participaram de interdições da BR 316, e,


junto aos Guajajara da TI Caru, das paralizações da Estrada de Ferro
Carajás, tanto em função da não entrega das programações do Acordo de
Cooperação Vale/Funai, quanto como forma de reivindicar e obter,
principalmente, os serviços de saúde e educação.

Ao longo da pesquisa das fontes secundárias e de relatos de funcionários da


Funai, da Funasa e da Vale, verificou-se que estas interdições algumas
vezes resultaram nas detenções de funcionários desses órgãos nas aldeias,
provocando situações de extrema tensão. Segundo o cacique Chileno, da
aldeia Areião, esses atos são realizados porque os Guajajara não veem
outra forma de ter suas reivindicações atendidas, seja quando se trata de
resolver a questão da inadimplência com a Cemar, seja para forçarem a
entrega da programação do Acordo de Cooperação Vale/Funai, ou, ainda,
para conseguirem a construção de uma escola.

135
9. A Estrada de Ferro Carajás e a TI Rio Pindaré

Durante a pesquisa de campo em novembro e dezembro de 2011,


observou-se que é muito difícil para os Guajajara distinguirem diferentes
graus de aproximação com o tema, como: (i) relação com a ferrovia
existente; (ii) relação com a Vale; (iii) posicionamento sobre o Acordo de
Cooperação Vale/Funai; (iiii) percepção sobre a duplicação da ferrovia.
Estes temas estão imbricados e, na medida do possível, tentar-se-á
distingui-los.

Compete ressaltar que os capítulos 2.4. A instalação da EFC e os povos


indígenas da região e 2.5. O termo de acordo entre Vale e Funai, abordaram
estes temas de forma geral, cabendo a este capítulo o registro da memória
oral dos Guajajara da TI Rio Pindaré sobre a EFC, o que, inevitavelmente,
condiciona sua percepção sobre a duplicação da ferrovia.

De forma geral, os Guajajara, que vivem nas aldeias Januária, Areião,


Tabocal, Novo Planeta, Aldeia Nova e Piçarra Preta, atribuem à construção
da EFC o aparecimento dos inúmeros povoados próximos da ferrovia e às
margens do rio Pindaré. Cabe lembrar que, nos capítulos 3.2. Histórico da
demarcação e 3.3. Demanda de revisão de limites há informações que
indicam que grande parte das pessoas que invadem a TI Rio Pindaré moram
nestes povoados.

De fato, os povoados de Lajes, Bambu e Pimentel são ocupações recentes,


localizados às margens do rio Pindaré. A cidade de Tufilândia obteve
expressivo crescimento na última década, situada às margens do rio
Pindaré, distando apenas 260 metros da TI Rio Pindaré, na região onde a
ferrovia encontra-se mais próxima dos limites dessa Terra Indígena, a
2.070,35 m (Mapa 3 – TI Rio Pindaré com o projeto de duplicação da
EFC).

9.1. Relação com a ferrovia existente

Pedro Nicolau Gomes Guajajara, cantador das festas da Mandiocaba e do


Moqueado, conta que “a ferrovia passou em 1985, lá do outro lado da
Maçaranduba era só mata, agora é só pasto”. Esta percepção relaciona-se
com a alteração da paisagem em lugares onde ainda havia mata nativa na
época da construção da EFC, como é o caso do entorno da TI Caru.
A comparação estabelecida pelos Guajajara entre regiões já antropizadas à
época da construção da EFC, como é o caso da TI Rio Pindaré, com regiões
que ainda preservavam suas características físico-bióticas, foi muito citada
pelas pessoas mais velhas da TI Rio Pindaré, que relacionam a construção

136
da EFC ao crescimento demográfico com consequente ocupação e alteração
socioeconômica da região a oeste da TI Rio Pindaré. A comparação entre
diferentes estados de conservação ambiental da bacia do rio Pindaré e seus
afluentes baseia-se na memória oral destas pessoas, que compreendem que
a transformação radical da TI Rio Pindaré deu-se com a abertura da rodovia
BR 316 em 1964, e, da TI Caru, com a construção da EFC nas décadas de
1970 e 1980. Cabe lembrar que os Guajajara mais velhos da TI Rio Pindaré
têm relações de parentesco na TI Caru e transitam entre as duas Terras
Indígenas.

Os Guajajara também avaliaram o barulho do trem, traçando um paralelo


entre o ruído do trem nas aldeias da TI Rio Pindaré e na aldeia
Maçaranduba na TI Caru, que dista 1500 metros da ferrovia, sendo o
barulho ainda mais forte.

Os Guajajara da TI Rio Pindaré usam a ferrovia para viajar para São Luís e
para aldeia Maçaranduba, e acham que o vagão de passageiros é um
aspecto positivo da EFC porque facilita as viagens na região, sendo mais
seguro e mais barato do que viajar de ônibus.

9.2. Relação com a Vale

Nas entrevistas, observou-se que as lideranças indígenas possuem um bom


relacionamento com os funcionários da Vale locados em Santa Inês,
mantendo relações cordiais, apesar do descontentamento com o atraso nas
entregas das programações do Acordo de Cooperação Vale/Funai.

Alguns Guajajara relataram para equipe técnica que já foram chamados


pelos parentes da aldeia Maçaranduba na TI Caru para participarem da
“greve” (termo utilizado pelos Guajajara para se referirem à interdição da
ferrovia), e que, quando mobilizados, participam porque concordam com as
reivindicações da Maçaranduba.

9.3. Posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai

As informações sobre os acordos da Vale com a Funai para alterar o


funcionamento do Acordo de Cooperação já foram apresentadas no item
2.5. O termo de Acordo entre Vale e Funai, cabendo neste item o registro
histórico deste Acordo do ponto de vista dos Guajajara, bem como a análise
que fazem para explicar sua inoperância.

137
Na apresentação deste estudo ficou registrada a indignação dos Guajajara
com relação ao atraso da entrega das mercadorias do Acordo de
Cooperação, situação que interferiu na pesquisa de campo (novembro e
dezembro de 2011), quando a equipe técnica precisou abrir espaço para
ouvir todas as críticas e reivindicações relativas ao Acordo de Cooperação,
em cada uma das seis aldeias, para então realizar as entrevistas
necessárias para elaboração deste Componente Indígena.

Para os Guajajara, o Acordo de Cooperação Vale/Funai, chamado por eles


de Convênio, passou por diferentes momentos, e seu histórico está
intrinsecamente relacionado aos períodos de administração dos chefes de
posto da Funai. Francisco Caragiu Ipikó Guajajara, ex-chefe de posto da
Funai, ditou o histórico:

- Mais ou menos de 1976 até 1989, o chefe foi o Benvindo. Nesse


tempo fez a ferrovia e a demarcação.

- Domingos Farias ficou de 1989 a 1996. Tinha o Convênio da Vale


com a Funai, e foi quando fizeram casas de alvenaria aqui na
Januária. A pavimentação das aldeias também é desta época. Nós
não tínhamos nenhum acesso às informações deste Convênio.

- De 96 até 98, teve mais de dez funcionários da Funai. Ficavam de


dois meses a um ano e iam embora ou a própria comunidade punha
para fora.

- De 98 até 2006, ficou o Edvan, filho do Domingos Farias. Em 2002,


teve uma reunião com a comunidade e ficou firmada esta
programação até 2006. Aí começamos a ter acesso a algumas
informações do Convênio, mas a gente não podia opinar – eles
resolviam pela gente. De 2002 até 2008, recebemos certo as coisas
do Convênio, demorava, mas chegava. Aí entrou uma mulher na
Funai de São Luís (referindo-se a Claudia Lobo), do PT, e aí ela falou
que estava tudo errado e aí não deu mais certo, depois que passou
para Imperatriz, aí não deu mais certo mesmo.

- Eu fiquei de chefe de posto de 2007 até a reestruturação da Funai.

- De 2009 até 2016 vem o GT (Grupo de Trabalho) nas comunidades


e vê o que as comunidades estão precisando. Chegou recurso em
2010, mas tem coisa de 2009, 2010 e 2011 que falta. O pessoal do
GT veio, fez a programação e não chegou nada. Eu liguei para
Imperatriz e eu queria falar com o Rubinho, que é o coordenador do
GT, mas ele não atende. Da Januária ficou faltando um recurso de
2009 de 32 mil que não veio tudo e eles falam: “mas o recurso é de
vocês, está lá e fica para outro ano”.

138
Eu acho que o recurso deveria ficar em Santa Inês porque aí a gente
acompanhava. Na primeira administração da dona Maria Douro
chegava o recurso em Santa Inês e a gente fazia as compras junto
com ela. Agora eles falam que tem que fazer licitação.

Nós conversamos com o Venâncio (referindo-se ao funcionário da


Vale que anteriormente era responsável pelo relacionamento da Vale
com os povos indígenas) em Santa Inês, ele falou: “Vocês correm
atrás de legalizar a associação de vocês, vamos fazer o aditivo”. Aí
veio o Fábio da Funai de Brasília e disse que isso não vai acontecer de
jeito nenhum. Nós também colocamos para o Venâncio que a Vale
poderia comprar tudo e nos entregar se não pudesse vir para as
associações. Porque sabemos que tem problemas com as associações
indígenas. Em Barra do Corda, Arame, Amarante e Grajaú abriram
uma associação só para pegar o recurso.

O que a gente sabe é que o que fica para Funai desse recurso, que é
20%. Quando nós vamos à Funai e pedimos um facão, eles mandam
por na programação do Convênio da Vale, aí a gente fala que não,
que nós queremos o facão da Funai mesmo e eles falam que não, que
só tem este recurso do Convênio. Para a Rio Pindaré até 2009 era
260 mil por ano, aí reduziu para 120 mil em 2009 e 2010. Por que
será que reduziu tanto assim, ninguém explicou.

O fato é que em novembro 2011 não chegavam mercadorias da


programação do Acordo de Cooperação nas aldeias desde 2009, levando a
Vale a solicitar providências do então presidente da Funai, Márcio Meira, em
carta de 28 de novembro de 2011 (Anexo 8 - Carta da Vale para o
presidente de Funai).
Compreendeu-se que o funcionamento precário deste Acordo é um impacto
constante no cotidiano das comunidades, que ficam aguardando a chegada
das mercadorias necessárias ao desenvolvimento de suas atividades
produtivas, o que não ocorre. Além da demora, observou-se que,
historicamente, alguns funcionários da Funai administraram o Acordo de
Cooperação sem critérios claros de funcionamento, havendo períodos em
que o Acordo de Cooperação funcionou nos moldes do sistema econômico
do “barracão”, com o administrador local da Funai ocupando a posição de
“patrão”. Como exemplo, transcreve-se o depoimento do cacique Gerson,
da aldeia Novo Planeta:

Quando a administração do Convênio era em São Luís, era a Helenice


Viana Barbosa. Lá, eles mesmos preparavam uma planilha com o
nome das lideranças e aldeias, e, aí, quando o dinheiro chegava lá,
era dividido pelas aldeias. Aldeia grande mais dinheiro e aldeia
pequena menos dinheiro para as mercadorias. Antes, quando chegou
esta ferrovia, quem era chefe de posto aqui era o Benvindo (chefe de

139
posto da Funai), ele pegou muito dinheiro, as casas de alvenaria
foram construídas com o dinheiro do primeiro Convênio. Ele
formalizou uma cantina para os índios, ele falava: “O teu valor é esse
x, você retira em mercadoria, faz roça depois vende a produção”. Aí
ele descontava do que tínhamos tirado. Nós não sabíamos como isso
funcionava, então concordamos.

Outra questão levantada pelos Guajajara é a disparidade entre os valores


das mercadorias que são entregues pela Funai, como parte da programação
do Acordo de Cooperação, e o valor real destas mercadorias no comércio de
Santa Inês. Como exemplo, há o depoimento do cacique Luciano da Aldeia
Nova:

A Funai tem um tipo de burocracia que a gente fica pensando se a


gente não faz uma greve (para os Guajajara greve quer dizer parar a
ferrovia ou a BR 316), porque o rolo de arame é R$ 70,00 e chega
rolo aqui por R$ 170,00. O bezerro chega para nós por R$ 1.500,00 e
sabemos que custa R$ 400,00. Olha só esse Convênio, o Sr. Manoel,
recebeu gado de R$ 3.000,00, isso é gado para ficar no ar
condicionado.

Cacique Luciano Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

A qualidade das mercadorias também é questionada pelos Guajajara.


Segundo seu Manoel Pacífico, pai do Cacique Gerson:

140
Chega carroça, gado, arame, cavadeira tudo de qualidade muito
ruim, estraga rápido. Tem que comprar coisas de qualidade. Eles
pensam que o índio não sabe de nada.

Outra crítica relaciona-se aos prejuízos que o atraso da entrega das


programações traz para a produção familiar. Domingos, morador da
pequena comunidade Areinha, que fica na frente da aldeia Areião, do outro
lado da BR 316, explica:

Nós, que trabalhamos na roça, sabemos o tempo certo do plantio, e,


por causa do atraso, nossa produção nunca vai para frente porque as
sementes chegam muito tempo depois.

Durante estes relatos, os Guajajara fizeram algumas perguntas para equipe


técnica deste estudo: para onde vão os recursos que a Vale deposita na
conta da Funai? Estes recursos são aplicados? Por que demora tanto
tempo para as mercadorias chegarem às aldeias?

No final de 2011, os funcionários da Vale, Daniela Ferraro e Ilzon Costa da


Paixão, avisaram os Guajajara que a empresa estava em contato com a
Funai para propor um aditivo ao Acordo de Cooperação para reverter esta
situação. Diante desta conjuntura, os Guajajara mostraram-se divididos:
alguns queriam que os recursos viessem para a Funai de Santa Inês e as
compras fossem feitas pela funcionária dona Maria Douro, como já havia
acontecido no passado; outros queriam que os recursos entrassem direto
nas associações indígenas da TI Rio Pindaré; alguns preferiam que os
recursos não fossem depositados mais na conta da Funai e, neste caso, a
Vale faria as compras e entregaria as mercadorias nas aldeias,
acompanhada pelos indígenas e fiscalizada pela Funai. Este último arranjo
nos pareceu que agradava a maioria.

Constatou-se que a maioria dos Guajajara da TI Rio Pindaré não querem


que os recursos continuem sendo depositados na conta da Funai – seja
porque as aldeias ficaram sem receber as mercadorias de 2009 até
dezembro de 2010; seja porque eles estão convencidos de que, além dos
20% destinados à Funai, o dinheiro vai diminuindo nas várias etapas da
burocracia; seja porque não há transparência no funcionamento
administrativo do Acordo de Cooperação.

Segundo informações da Vale, em agosto de 2012, houve uma reunião na


sede da Funai para discussão técnico-jurídico-operacional do Termo Aditivo
ao Acordo de Cooperação. Nesta reunião, ficou acordado entre as partes
que a Funai continuaria sendo responsável pela elaboração das
Programações Anuais junto às comunidades indígenas, e que a
operacionalização dos recursos ficariam a cargo da Vale, incluindo a compra
e a entrega das mercadorias. O conteúdo do Termo Aditivo foi encaminhado
à Procuradoria Especializada da Funai para avaliação final.

141
9.4. Percepção sobre a duplicação da ferrovia

O fato de a Vale e Funai terem feito uma comunicação formal sobre o


processo de licenciamento da duplicação da ferrovia em 27 de junho de
2011 na aldeia Januária (Anexo 9 - Ata da Reunião sobre a duplicação
da EFC na aldeia Janúaria), apresentando o projeto da duplicação da
ferrovia e explicando da necessidade da realização da pesquisa de campo,
foi um ponto positivo para os caciques Guajajara.

A equipe técnica compreendeu que as percepções dos Guajajara sobre a


duplicação da EFC são fruto da reflexão que os indígenas fazem sobre as
transformações ocorridas na região a partir da instalação da EFC nas
décadas de 1970 e 1980, elegendo parâmetros que são utilizados para
antever as possíveis transformações na região, caso a duplicação se
concretize. Neste sentido, não cabe à equipe técnica selecionar as
percepções indígenas sobre o empreendimento, mas sim resumi-las, uma
vez que as preocupações suscitadas pela possibilidade da duplicação da
ferrovia repetiram-se nas seis aldeias da TI Rio Pindaré.

É importante salientar que as lideranças Guajajara têm plena ciência do


impacto cotidiano que é a convivência com a BR 316, que corta
integralmente seu território, bem como do desenvolvimento regional que
vêm transformando o município vizinho de Santa Inês, prevendo que a
duplicação da ferrovia intensificaria este quadro.

Segundo Pedro Nicolau Gomes Guajajara: “A Funai informou para nós que
vai passar outro trem. Para mim, na minha ideia, tem que conversar bem
conosco, já tem povoado aí do outro lado do rio que traz muitos problemas.
Eles vão crescer, vão ajuntar mais gente na beira do trilho, vão precisar de
mais madeira. Esse povoado Borges na beira do rio, eles atravessam e vêm
aqui tirar pau, pescar, caçar. Eu penso que o trem vai aumentar o problema
– vão tirar mais paus, vem caçar, pescar” (01/12/2011, Januária).

O cacique Júlio César Brito Guajajara e Francisco Caragiu Ipikó Guajajara,


ex-chefe de posto da Funai, acham que: “Com a estrada nova do trem vai
desenvolver mais as cidades próximas das áreas indígenas. Nosso medo é
ter essa evolução, nós já temos hoje esses invasores nas áreas e pode
aumentar. Eles têm que nos beneficiar. Nossas terras estão registradas nos
cartórios da região e, mesmo o presidente assinando, entram aqui. Mesmo
tendo o limite, eles entram. De uma forma ou de outra, a Terra Indígena
está sendo invadida. Já sabemos que na Tufilândia têm vários moradores
que vivem caçando, pescando e tirando madeira daqui. Era um povoado e
agora é uma cidade” (01/12/2011, Januária).

Além das preocupações com as invasões de seu território, os Guajajara


também demonstraram preocupação com relação ao agravamento das

142
condições socioambientais do entorno da TI Rio Pindaré e com a
insegurança de suas famílias. Conforme Domingos, chefe da família extensa
da comunidade Areinha: “Todos esses povoados jogam todo o esgoto no rio
Pindaré, os matadouros jogam no rio Pindaré, então a gente banha nesse
rio, acho que deve afetar os peixes. A duplicação vai aumentar tudo, vai
perturbar a gente, o pessoal vem pescar, caçar, entram por aqui. Eu acho
que está tudo errado. Os brancos chegam, pegam as nossas filhas, enchem
a barriga delas. Eu acho que enche de gente, traz invasão, acaba com tudo.
Nós não temos mais ninguém por nós. A Funai não é mais para cuidar de
nós. A Vale vai fazer mais trem e vão fazer mesmo, e eu não acho bom,
porque é muita zoada, gente que quer invadir, não acho bom, não. A Vale
tem esse Convênio e o dinheiro vai ficando por aí, fica para os caciques, fica
para a Funai, aqui não chega nada não” (29/11/2011, Areinha).

Alguns Guajajara têm dúvidas que os impactos da duplicação tragam


compensações reais, como é o caso da professora Áurea Nascimento
Guajajara: “Essa estrada de trem nova vai ser boa para os karawya, vai ter
muito emprego para os karawya, mas eles não vão querer dar trabalho para
os índios (...) Eu acho que deveria ter oportunidade dos índios trabalharem
na ferrovia. Depois que fizerem a duplicação, não sei o que vai acontecer,
eu não sei se vai duplicar o dinheiro, se vai ter ajuda na saúde, na
educação, se vai ter algum emprego para a gente, ao menos para varrer a
casa deles” (28/11/2011, Aldeia Nova).

Áurea Nascimento Guajajara, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

143
Patrimônio cultural e arqueológico

Não encontramos referências nas fontes secundárias e primárias indicando


localizações específicas que tenham importância cultural para os Guajajara,
e sítios arqueológicos com material pré-colonial no alto e médio rio Pindaré,
região de ocupação tradicional dos Guajajara.

Exceção feita à região onde foi construído o Engenho Central de São Pedro,
em Pindaré Mirim, nas margens do rio Pindaré, onde originariamente
localizava-se a Colônia de São Pedro, habitada pelos índios Guajajara no
século XIX. O edifício do Engenho Central foi tombado pelo IPHAN.

A equipe de arqueologia do Estudo Ambiental e Plano Ambiental do


empreendimento realizou um levantamento pericial na Área Diretamente
Afetada pela duplicação da ferrovia, na faixa de domínio da ferrovia, fora
das Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru. Como a Área de Influência Direta
(AID) da duplicação da ferrovia sobrepõe-se à região de ocupação
tradicional dos Guajajara, é possível que em alguns sítios pesquisados
encontrem-se peças filiadas à tradição Tupi-guarani, mesmo considerando o
impacto já produzido pela implantação da EFC nas décadas de 1970 e 1980.

No Estudo Ambiental e Plano Ambiental, v. 4, p. 422, encontra-se descrita a


metodologia adotada pela equipe de arqueologia do EA/011: “para os
levantamentos periciais foram delimitadas as unidades amostrais ao longo
da Estrada de Ferro Carajás, usando como critérios os compartimentos
geomorfológicos atravessados pela ferrovia, e as drenagens por ela
cortadas ou acompanhadas. As unidades amostrais delimitadas por 10 km
da ferrovia, na extremidade da faixa de domínio. Em cada lateral foi
percorrido um transecto, ao longo do qual foram efetuadas verificações de
material arqueológico aflorado no solo e realizadas sondagens de 1m x 1m
x 1m, a cada 100m. Quando da presença de sítios, para realizar sua
delimitação, a malha foi estreitada para 25 m, de modo a assegurar maior
confiabilidade aos dados. Além disso, realizaram-se sondagens testes com
cavadeira”.

Analisando a região de ocupação Guajajara na calha do rio Pindaré, vide


Mapa 2 – Ocupação Territorial dos Guajajara, elaborado a partir das
fontes primárias e secundárias deste Estudo, sistematizados nos itens 2.4.
Histórico do contato e 3.1. Formação da TI Rio Pindaré segundo seus
moradores, avaliou-se que as unidades de amostragem: 16, 17 e 18 – Alto
Alegre do Pindaré, 14 – Bom Jesus das Selvas, e 8 e 9 – São Pedro podem
conter material arqueológico filiado à tradição Tupi-guarani de interesse
para os Guajajara das TIs Rio Pindaré e Caru, uma vez que nestas unidades
amostrais foi encontrado material cerâmico colonial e pré-colonial. As
unidades de amostragem constam da Tabela 5.3-106: Informações Sobre

144
os Sítios Arqueológicos Identificados no Maranhão, do Estudo Ambiental e
Plano Ambiental, v. 4, p. 430-431.

Com base no material contido nas unidades de amostragem citadas e no


mapa de ocupação territorial Guajajara, apesar das unidades de
amostragem encontrarem-se fora dos limites das TIs Rio Pindaré e Caru,
sugere-se a realização de resgate arqueológico dos sítios citados. É
provável que o resgate arqueológico encontre peças da cultura material dos
antepassados dos Guajajara, o que beneficiaria o trabalho dos professores
das escolas da TI Rio Pindaré, atualmente mobilizados em resgatar o
patrimônio cultural de seu povo.

145
146
TOMO IV - A Terra Indígena Caru

147
148
1. Localização, extensão, limites
A Terra Indígena Caru situa-se às margens do rio Pindaré, entre os rios
Caru e Água Branca. Todas as aldeias da TI Caru encontram-se próximas da
EFC, que corre paralela ao rio Pindaré, limite natural desta Terra Indígena
(Mapa 5 - TI Rio Caru com o Projeto de duplicação da EFC).
A TI Caru constitui-se em uma área de 172.667 hectares, situada nos
municípios de Bom Jardim e São João do Caru, homologada em 22/11/1982
para posse permanente dos Guajajara e dos Awá-Guajá, ressaltando que,
na época, os Awá-Guajá estavam sendo contatados pela Frente de Atração
da Funai. A TI Caru faz parte da porção maranhense da Amazônia Legal.

Os Guajajara e Awá-Guajá compartilham o mesmo território, estando os


primeiros baseados na aldeia Maçaranduba e, os segundos, nas aldeias Awá
e Tiracambu. Este capítulo traz informações sobre as duas etnias, que
convivem com forte pressão externa, devido às riquezas naturais deste
território, prioritariamente os recursos madeireiros.

Segundo informações dos Awá-Guajá da aldeia Awá e dos funcionários


locais da Funai, existem indícios da existência de um grupo Awá-Guajá em
isolamento voluntário, movimentando-se dentro da TI Caru (ver item 1.8.
Índios isolados).

Tabela 1.1 - Caracterização geral da Terra Indígena Caru

TERRA INDÍGENA CARU

Área (ha) 172.667

Município Bom Jardim (MA), São João do Caru (MA)

Situação jurídica Demarcada e homologada


Reg. CRI e SPU (22/11/1982)
Documento: Decreto nº. 87.843

DSEI/Funasa Maranhão (MA)

Funai Administração Regional de Imperatriz (MA)

Presença de isolados Awá-Guajá


Fonte: ISA, 2002.

149
2. Acessibilidade e transporte
O acesso terrestre para as aldeias Maçaranduba, Awá e Tiracambu é feito a
partir da cidade de Alto Alegre do Pindaré através da estrada de servidão da
Vale, utilizada para a manutenção e segurança da ferrovia. Esta estrada
acompanha toda a extensão da ferrovia, de São Luís a Marabá, porém, no
trecho entre Santa Inês e Açailândia, é a principal via de acesso para os
pequenos povoados, e a única ligação entre a cidade de Alto Alegre do
Pindaré e os povoados que margeiam a TI Caru, até o povoado de Presa do
Porco. Ressalta-se que estes povoados surgiram depois da construção da
ferrovia, ou seja, a estrada de servidão da Vale é mais antiga que os
povoados (Mapa 5 - TI Rio Caru com o Projeto Duplicação da EFC).

Para chegar a aldeia Maçaranduba percorre-se o trecho de Alto Alegre do


Pindaré até o povoado de Mineirinho, que é asfaltado, e, em seguida, um
ramal até as margens do rio Pindaré, que é de terra e encontra-se em bom
estado de conservação, resultado do trabalho de melhoria do acesso
realizado pela Vale em parceria com a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré.
A distância de Alto Alegre do Pindaré até o ramal de acesso para
Maçaranduba é de aproximadamente 30 km. Para chegar à Maçaranduba é
necessário atravessar a linha férrea, no km 289, e o rio Pindaré, sendo a
travessia feita em canoa, rabeta ou voadeira.

O transporte para Alto Alegre do Pindaré e os povoados próximos é


realizado por carros particulares e motocicletas de alguns moradores da
Maçaranduba, e por uma camionete que pertence à comunidade. O trem de
passageiros da EFC também é utilizado pelos moradores da Maçaranduba,
principalmente nas viagens até São Luís e Santa Inês, a partir da estação
no povoado de Mineirinho. Os percursos da aldeia Maçaranduba até os
centros de produção dos Guajajara podem ser feitos a pé ou pelos rios
Pindaré e Caru, de rabeta e voadeira.

Para chegar até as aldeias Awá e Tiracambu também se utiliza a estrada de


serviço da Vale desde Alto Alegre do Pindaré, sendo esta, após o povoado
de Mineirinho, estrada de terra, apresentando dificuldades na época das
chuvas. A entrada para a aldeia Awá localiza-se 4 km após o povoado de
Auzilândia, onde há um pequeno ramal que desce até o rio Pindaré. Para
chegar à aldeia é necessário atravessar o rio Pindaré de canoa, rabeta ou
voadeira, e depois andar aproximadamente 2 km até a aldeia.

Para chegar à aldeia Tiracambu percorre-se a mesma estrada até o povoado


de Roça Grande, em seguida, atravessa-se o rio Pindaré de canoa ou rabeta
e, depois, caminha-se 1 km até a aldeia.

O transporte terrestre dos moradores das duas aldeias até os povoados da


região é feito a pé ou nas motos das jovens lideranças. Estes percursos
apresentam riscos para os Awá-Guajá, porque nem sempre a estrada
apresenta-se em bom estado de conservação, porque a maioria da
150
população Awá-Guajá desconhece a língua portuguesa, além da fragilidade
das relações interétnicas, considerando-se tratar-se de um povo de contato
recente.

De modo geral, a cidade de Alto Alegre do Pindaré é mais procurada pelos


indígenas para a venda da produção agrícola e também para o atendimento
à saúde. Os demais povoados localizados ao longo da ferrovia, também são
acessados pelos indígenas, são eles: Arapapá, Mineirinho, Três Bocas,
Auzilândia, Boa Vista, Altamira, Roça Grande, Presa do Porco e Buriticupu.
(Mapa 5 - TI Rio Caru com o Projeto Duplicação da EFC).

3 Processo de demarcação territorial

3.1. Formação da aldeia Maçaranduba, segundo seus moradores

Os mais velhos da comunidade, Manoel Guajajara, Pedro Guajajara e seu


irmão Antônio Guajajara (conhecido por Antoninho) pai da primeira cacique,
Marcilene, relataram que a Maçaranduba surgiu há aproximadamente 40
anos. Segundo os informantes, as aldeias de seus pais e avós localizavam-
se do outro lado do rio Pindaré, onde hoje se encontra a EFC, a estrada de
serviço da Vale e vários povoados (Mapa 5 - TI Caru com o Projeto de
Duplicação da EFC).

A aldeia do bisavô dos irmãos Manoel e Chiquinho Mariano localizava-se


onde hoje é o povoado de Buriticupu, e eles moravam com os pais onde
atualmente é o povoado de Boa Vista. A aldeia dos avós e pais de Antônio e
Pedro Guajajara situava-se onde é hoje o povoado de Altamira. Segundo os
entrevistados, a aldeia do capitão Camirang localizava-se em Auzilândia. Os
informantes moraram nestas aldeias e, em 16/03/2012, contaram como era
a região antes da demarcação da TI Caru (Mapa 2 – Ocupação Territorial
dos Guajajara).

Cada aldeia tinha um cacique. Nosso lugar era aqui no município


mesmo, lá para o lado de Altamira. Nós visitávamos o pai dele
(referindo-se ao Manoel Guajajara). Avisavam: “Vai ter brincadeira de
moqueado”, aí íamos todos nós. Quando eu era rapaz, eu matava
porcão de flecha. Meus pais se acabaram. Naquela doença do
sarampo, os velhos se acabaram porque comiam surubim e paca e
não pode com sarampo. Mas não sabíamos. Não tinha Auzilândia,
Altamira, Boa Vista – eram as aldeias dos nossos pais. Eu alcancei só
um morador aqui, papai só via pescador no rio Pindaré. Tem dia que
eu vou para Altamira e ponho a cabeça para fora do carro e vejo só
pasto. Dói. O Manoel Viana tinha um forno grande e, para não morrer
dos Ka’apor, ele desceu o rio no forno e foi parar lá na Januária.
Antônio Guajajara

151
Teve um tempo que ninguém podia comer e dormir sossegado. Os
Ka’apor mataram muito Guajajara e Guajá. Meu avô levava todos os
produtos de canoa para vender em Pindaré Mirim e trazia o
necessário para aldeia. Era um perigo – os Ka’apor matavam mesmo.
Nós vivíamos por nossa conta. Nós somos do tempo que não tinha
gente por aqui não, morávamos aqui do outro lado, Boa Vista era do
nosso avô. Nós nem conhecíamos fósforo, nós tínhamos o nosso fogo,
cacau seco, esfregávamos e fazíamos o fogo, e aí os nossos avós
foram se acabando. Ninguém usava roupa não. Nós tínhamos a nossa
tanga feita de tucum. Estava chegando saúva que vai levando tudo
(referindo-se aos brancos). Primeiro eu morava em Boa Vista e
chegou uma voadeira, nós corremos para o mato. Nós tínhamos os
nossos remédios. Quando chegou essa voadeira, eu era
pequenininho, mamãe correu conosco para o mato. Era o tempo do
finado Berniz do SPI39. Aí viemos para o igarapé Porco Morto do outro
lado do Pindaré (referindo-se ao lado da TI Caru).
Aí quando inventaram os PIs (referindo-se aos Postos Indígenas), já
foi no tempo da Funai. Aí já passava muito peão fazendo a picada
que era para fazer a ferrovia. Nesse tempo, o finado papai, Luiz
Guajajara, disse para nós: “Vamos sair daqui, o formigueiro está
vindo para cá, vamos entregar para eles e viemos para o lado de cá,
era muito porco, muito peixe, aí era a primeira aldeia”, aldeia União –
nosso primeiro lugar aqui desse lado (referindo-se ao lado da TI
Caru). Teve uma primeira abertura daqui, que foram dos brancos, e
nós pusemos eles para fora. Papai conta que viu uma flecha na beira
do rio, aí o Guajá deu mutum para o papai. O meu sogro, Luiz
Guajajara, apelido Marrau, também viu os Guajá, aí nós falamos para
Funai.
Manoel Guajajara

Os Guajá mesmo não têm casa, eles iam de um lugar para outro.
Fizeram aquela abertura e aquela estrutura para eles, mas eles não
gostam de ficar ali. No tempo de papai, a gente se dava com eles,
dava farinha para eles. Eu vi o pessoal colocando esses pauzinhos
para essa ferrovia passar. Perguntei: Rapaz, será que é uma roça?
Respondiam: Não, vai passar a estrada de ferro. Primeiro vimos
colocar os pauzinhos, depois queimaram tudo, depois veio os homens
construindo a estrada.
Antônio Guajajara

Do lado deles (referindo-se aos karawya) não tem mais nada. Se não
tivesse essa nossa terra aqui, não tinham todos esses povoados. Nós
pagamos o que compramos e eles entram aqui, caçam, e não é para
comer não, é para vender. Nossos bisavós lutaram, nossos avós
lutaram e nós reclamamos para Funai.
Manoel Guajajara

39
Wagley e Galvão (1961, p. 14 e 19) fizeram duas expedições que resultaram no clássico “Os Índios
Tenetehara”. A primeira expedição vai de 11/1941 a 03/1942 e a segunda de 02/1945 a 05/1945, sendo
que nas duas expedições o chefe do Posto Gonçalves Dias, do SPI, era Helio Mendes Berniz, a quem se
refere Manoel Guajajara. Calcula-se, portanto, aproximadamente que nossos informantes da aldeia
Maçaranduba eram crianças na década de 1940.

152
Manoel Guajajara, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Antônio Pereira, morador da Maçaranduba, conta que antes desta aldeia


havia a aldeia União, que era o lugar de Luís Guajajara, pai de Manoel e
Chiquinho Mariano, subindo o rio Pindaré, acima de Auzilândia.

Segundo fontes primárias e secundárias, um grupo Guajajara da região do


Grajau na década de 1950 migrou para a região do rio Pindaré onde
moravam os avós de nossos informantes. Dona Socorro, moradora da
Maçaranduba, casada com Raimundo Nonato Guajajara (que tem
aproximadamente 70 anos), conta que seu marido nasceu em uma aldeia
Guajajara do Grajaú e veio pequeno com os parentes para o rio Pindaré.
Segundo Gomes (2002):

“A região do Alto Pindaré se esvaziou em meados de 1950 e, a partir


de 1966, foi repovoada quando o cacique Marcelino, proveniente da
aldeia Tira Couro, na região do baixo rio Grajaú, subiu o Rio Pindaré e
assentou uma aldeia na beira do rio, alguns quilômetros abaixo da
embocadura do rio Caru. Nesta época, o Posto Indígena Gonçalves
Dias prestou algum auxílio aos índios que vinham de Tira Couro à
procura de terras livres, que eram o motivo da migração de muitos
brasileiros que também passaram a subir o Pindaré.”

Provavelmente, o esvaziamento no alto Pindaré na década de 1950,


relaciona-se com a epidemia de sarampo e com os ataques dos Ka’apor,
mas, no início desta década, ainda havia aldeias e sítios de família extensa
na região, e os Guajajara tinham contatos esparsos com os regionais e os
regatões. Zequinha Guajajara, morador da Maçaranduba, conta que morava
no alto Pindaré e “dos brancos só víamos o avião passando”.

153
Rio Pindaré a jusante da aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

3.2. Histórico da demarcação

De acordo com Gomes (2002), a aldeia União contava com a população de


quarenta pessoas, em 1970, ano em que a Funai estabeleceu ali o Posto
Indígena Caru para dar assistência aos Guajajara e iniciar a demarcação da
área. Ao mesmo tempo em que os Guajajara marcavam presença na área,
sendo legitimados pelo Posto, não paravam de chegar migrantes na região,
abrindo novos povoados ao longo do rio Pindaré, tais como Mineirinho,
Ipueira e Boa Vista, e, Escada e São João do Caru, no rio Caru, aumentando
a pressão sobre o território Guajajara.

Em 1972, a Funai já tinha intensão de demarcar terras para os Ka’apor,


Tembé e Guajá, que viviam entre os vales do Pindaré e Gurupi. É
importante ressaltar que, de início, a TI Caru, assim como a TI Alto Turiaçu,
eram parte da Reserva Florestal do Gurupi, criada pelo Decreto 51026, de
25/07/1961, do presidente Jânio Quadros. Consta do artigo 4º. desse
decreto:

“Dentro do polígono constituído da Reserva Florestal, serão


respeitadas as terras dos índios, de forma a preservar as populações
aborígenes, de acordo com o preceito constitucional e a legislação
específica em vigor, bem como os princípios de proteção e assistência
aos silvícolas, adotados pelo serviço de proteção aos índios”.

A Reserva Florestal do Gurupi foi recriada em um novo decreto em 1988,


como Reserva Biológica do Gurupi. Atualmente, esta área está invadida por

154
várias fazendas e povoados, que contribuíram para sua degradação
ambiental.

Em 1977, foram criadas duas áreas indígenas distintas, a TI Alto Turiaçu e a


TI Caru, criando-se um corredor entre elas, no qual se instalaram posseiros
e povoados. Os grupos Awá-Guajá que ocupavam essa região ficaram
imprensados no meio dos invasores, alguns grupos foram contatados por
acaso, e acabaram morrendo ou fugindo (Gomes, 2002).

Os limites da TI Caru ficaram sendo o curso do rio Caru, a nordeste e


noroeste; o curso do rio Pindaré, a sudeste; o igarapé Água Branca e os 70
km de linha seca até as cabeceiras do rio Caru, ao sul e a sudoeste. Os
Guajajara mais velhos, que moram na aldeia Maçaranduba, acompanharam
a demarcação da TI Caru com a Funai. Embora não compreendendo todo o
alto curso do rio Pindaré, região de ocupação tradicional dos Guajajara, a TI
Caru é parte importante deste território, ponto de partida das migrações
dos Guajajara para oeste, leste e sul entre 1850 e 1950 (Mapa 2 –
Ocupação Territorial dos Guajajara).

Desde 1973, o território da TI Caru foi palco das operações da Frente de


Atração da Funai, destinada a contatar os Awá-Guajá. Em 1982, ano da
homologação da TI Caru, a Frente de Atração recebeu novo impulso com a
criação do Convênio entre a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Funai,
face aos impactos gerados pela implantação do Projeto Ferro Carajás e da
construção da Estrada de Ferro Carajás. Segundo Oliveira (2004):

“No Maranhão, os processos e os impactos decorrentes da abertura


da EFC não seriam diferentes do Pará. Desfraldando uma região até
então isolada, formada pela antiga Reserva Florestal do Gurupi, o
leito da EFC criou condições para a invasão dessa reserva por
posseiros, garimpeiros e grileiros. A ocupação atingiu os limites da TI
Caru, margeada ao sul pela ferrovia, assim como a Terra Indígena
Pindaré, habitada por grupos Guajajara e Guajá. Um ramal da
ferrovia vindo de Paragominas margeou ainda, a leste e ao norte o rio
Caru, colocando à mercê de invasores um território ainda não
demarcado habitado pelos índios Awá-Guajá, um grupo tido como
isolado constituído pelos últimos caçadores e coletores itinerantes da
Amazônia oriental. Relatórios produzidos por pesquisadores naquele
momento previam consequência desastrosas dessa exposição dos
territórios e grupos indígenas situados ao longo da EFC: o uso do leito
da ferrovia como acesso para invasores estabelecendo um processo
de tensão junto aos grupos indígenas, com riscos de conflitos e
massacres dessas populações, e de ocupação permanente de seus
territórios” (Coelho, 1987 in Oliveira 2004).

155
Em 1983, foi criado o Posto Indígena Awá, nas margens do Igarapé
Presídio, tendo como função receber e assistir um grupo de vinte Awá-
Guajá, recém-contatados pela Frente de Atração, transferidos do igarapé
Timbira para este posto (vide Tomo II, capítulo 2.4 Histórico do contato).
Esta ocupação originou a aldeia Awá. Na mesma época, nas margens do
igarapé Bandeira, funcionava um Posto de Vigilância da Funai40, que
recebeu em 1994 um grupo proveniente da aldeia Awá, passando a
funcionar como Posto Indígena Tiracambu.

3.3. As invasões na TI Caru

Desde 1992, são muitas as notícias na mídia sobre as invasões na TI Caru,


seja para abertura de fazendas de gado, seja para extração de madeira e
plantio de maconha. Os Guajajara vivem a contradição de ora participarem
de operações para desbaratar as invasões, ora negociarem com as
madeireiras. Optou-se por relatar as notícias mais recentes e alguns
depoimentos dos índios.
Nós ficamos dois anos na Caru e voltamos porque o acesso era muito
ruim, não tinha estrada, ainda tem gente da Maçaranduba por lá.
Fomos para fazer uma ocupação de um lugar que a federal tirou 1500
famílias, aí ficou bananal, abacaxi, mandioca, que era tudo dos
projetos dos brancos. Fui em 1999 e voltei em 2001. Nós fomos em
sessenta famílias e ninguém ficou lá, todos voltaram para Pindaré
(referindo-se a TI Rio Pindaré). Fomos da Maçaranduba até São João
do Caru. Muitas pessoas falaram que a gente estava arriscando a vida
porque tinham muitos posseiros que estavam armados. Aí
convocamos a lei. O que era mais explorado era a venda de madeira,
ia tudo para Buriticupu, às vezes ia para Paragominas. A gente
conheceu os madeireiros. Fui com Cipriano da Piçarra Preta41 e
Paraipé da Januária42.
Cacique Luciano, Aldeia Nova, TI Rio Pindaré, nov. de 2011

40
Dois indígenas, Awré e Awrá, moraram no Posto de Vigilância Tiracambu, mais tarde partilhando a
infraestrutura da Funai e da Funasa com os Awá-Guajá. Desses homens não se sabe quase nada.
Provavelmente, são os únicos sobreviventes do massacre de um povo indígena no Pará, sendo
encontrados em 1992 nas proximidades de Marabá. Segundo informações da antropóloga Regina Müller,
a Funai levou-os para morar com os Asurini do Xingu, onde permaneceram em torno de um ano,
precisando ser removidos após um conflito. Foram então transferidos para o Posto de Vigilância
Tiracambu, antes da chegada do grupo Awá-Guajá. Alguns linguistas estiveram com Awré e Awrá e
tentaram descobrir sua língua, sem sucesso. Segundo informações do funcionário da Funai, Bruno
Fragoso, em dezembro de 2011: “Eles falam uma língua Tupi que ninguém entende. São dois homens
velhos que estão numa situação muito ruim. Devem ter vivido um massacre, são traumatizados, porque
quando se pergunta de onde vieram, eles se fecham”. Awré e Awrá e os Awá-Guajá não estabeleceram
nenhum tipo de convívio. Os dois homens desenvolveram algum tipo de doença que deformou seus
corpos, sendo alimentados pelos funcionários da Funai e Funasa. Awré faleceu em setembro de 2012 e
Awrá não retornou à aldeia Tiracambu.
41
Referindo-se ao filho mais velho do cacique Manoel Viana, fundador da aldeia Januária, na TI Rio
Pindaré, e irmão de Francisco Guajajara, o Pita.
42
Manoel Paraipé, que já foi cacique da aldeia Januária e é pajé.

156
Nós subimos o Caru, faz uns quatro anos. Passamos por todos
lugares de rabeta, de carro. É um perigo para nós, nós arriscamos
muito a vida, nós fomos para lá, queimamos o carro deles e aí o
pessoal avisou: “Olha vocês não voltam mais aqui não, que eles estão
esperando vocês”. Aí a Federal combinou conosco: “Não é para vocês
fiscalizarem não, é para nós fazermos isso, vocês estão arriscando a
vida”.
Pedro Guajajara, morador da Maçaranduba, mar. de 2012

A reportagem publicada em O Globo em 20 de fevereiro de 201143, afirma


que, além do escoamento de madeira ilegal, a região formada pelo mosaico
da Reserva Biológica do Gurupi (MA), área de preservação permanente já
bastante devastada, e três terras indígenas sofre com a produção ilegal de
maconha44.

Segundo Raimundo Nonato dos Santos Guajajara, que tem seu “centro” no
rio Caru:

São necessários três postos de vigilância só no Caru, só o avião


sobrevoando não adianta, não. Os invasores, é pessoal que vem de
São João do Caru. Lá para o fundo da área, para o lado da REBIO
(referindo-se a Reserva Biológica do Gurupi), lá tinham muitas
fazendas. Esse pessoal que trabalha com negócio de droga é muito
perigoso. Nós não podemos ir até lá, eles estão muito armados. Um
queria matar meu filho, mas o pessoal de Nova Caru conhece o meu
filho desde pequeno e seguraram. Nós púnhamos os índios em vários
lugares para cuidar do nosso território. No igarapé Água Branca do
lado da REBIO que entram os fazendeiros.

Uma serraria, já desativada, foi embargada pelo Ibama em agosto de 2010,


por funcionar sem licença ambiental. Ao chegar à empresa na manhã do dia
31 de agosto de 2011, os fiscais do Ibama encontraram o lacre do órgão
ambiental rompido e o pátio cheio com 70 m³ de madeira nativa já serrada
(cerca de quatro caminhões cheios). Além de multada em R$ 120,00 mil,
por armazenar o produto florestal sem licença e desrespeitar o embargo
federal, a empresa teve a madeira, uma serra-fita, duas serras-circulares e
uma destocadeira apreendidas. O maquinário desmontado saiu da empresa

43
Ver: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?uf=UF&id_arp=3645#98490>. Acesso em:
set. 2011.
44
Faz-se a ressalva que a maconha é consumida tradicionalmente pelos Guajajara. Calcula-se que a
diamba, como é chamada a maconha no oeste maranhense, tenha sido introduzida pelos escravos. O
fato é que ela vem sendo consumida pelos Guajajara há pelos menos 150 anos, com diferentes fins,
conforme foi relatado pelos mais velhos da aldeia Tabocal/TI Rio Pindaré para equipe técnica deste
estudo, em novembro de 2011. Fuma-se diamba para trabalhar; toma-se chá de diamba para dor de
cabeça, diabete e para dormir bem; batem-se as folhas n’água para banho de cabeça.

157
fortemente escoltado pelo Ibama e pela Força Nacional, e será doado a uma
entidade social da região45.

Em 1º. de setembro de 2011, O Ibama desmontou a primeira serraria


acusada de explorar madeira vinda da Reserva Biológica do Gurupi46 e das
Terras Indígenas Awá, Caru, Araribóia e Alto Turiaçu, todas na região de
Buriticupu, a 420 km de São Luís, no oeste do Maranhão. Durante três dias,
o instituto realizou a operação Maurítia no polo madeireiro do município,
com apoio da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional.
Até esta data, ainda havia seis madeireiras à espera do desmonte.

A matéria publicada em 20 de novembro de 2011, no jornal O Globo on


line47, exibe fotos aéreas mostrando a extração ilegal de madeira da TI
Caru. Segundo a matéria, as fotografias foram feitas por integrantes da
ONG Greenpeace registrando caminhões carregados de toras em um
acampamento improvisado no meio da selva. Segundo o Greenpeace, a TI
Caru já teve pelo menos 9% de sua vegetação derrubada (um total de 15
mil hectares) e, do alto, é possível ver estradas abertas na mata para a
retirada da madeira. A ONG teria encaminhado a denúncia para a Funai e
para o IBAMA.

Segundo informações de ex-membro da Frente de Atração Guajá 48,


existem madeireiras trabalhando entre as aldeias Awá e Tiracambu, usando
tratores para abrir estradas e tirando madeira da área indígena com
voadeiras.

O funcionário da Funai, que trabalha na aldeia Awá, Adelino Meireles, avalia


que o grupo Awá-Guajá em isolamento voluntário que se movimenta na
cabeceira do igarapé Presídio, está correndo grande risco devido às
invasões. Segundo Meireles: “Se houver fiscalização e impedir a entrada
dos caçadores e das madeireiras, é até capaz de achar esses índios, senão
os invasores vão achar e matar, e aí ninguém fica sabendo”. 49

45
Fonte: Ver: http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#105833. Acesso em
setembro de 2011.
46
A REBIO do Gurupi foi Criada em 1988, com 272.379 hectares, a REBIO do Gurupi é a única unidade
de conservação desta categoria em área amazônica a leste do Rio Xingu, tendo fundamental importância
na conservação ambiental do estado do Maranhão, por estar entre os domínios da Amazônia, Cerrado e
Caatinga. Localiza-se na divisa dos municípios de Centro Novo do Maranhão e Bom Jardim (MA) e abriga
várias espécies de animais endêmicos – encontrados apenas na região - e ameaçados de extinção.
Segundo o pesquisador Tadeu Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) cerca
de 70 a 80% da área já foram alterados pela extração da madeira. Fonte: site da Conservação
Internacional Brasil: http://www.conservation.org.br/noticias/noticia.php?id=128
47
Ver:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:NzfoEOARoF0J:oglobo.globo.com/cidades/mat
/2010/11/20/fotos-aereas-mostram-extracao-ilegal-de-madeira-em-terra-indigena-no-maranhao-
923062701.asp+Terra+ind%C3%ADgena+Caru+e+a+EFC+mapa&cd=2&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a. Acesso em setembro de 2011.

48
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 12/2011.
49
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 03/2012.

158
Segundo Patriolino Garreta Viana, funcionário da Funai que trabalha na
aldeia Juriti/TI Awá, atualmente, os maiores focos de invasão na TI Caru
são em São João do Caru, onde já houve um Posto de Vigilância da Funai, e
na entrada do igarapé Água Branca, onde existe um centro de trabalho dos
Guajajara. Segundo o informante, seria necessário reativar os postos de
vigilância da Funai. Outra providência urgente para conter as invasões seria
aviventar a linha seca, limite da TI Caru que une o igarapé Água Branca ao
rio Caru (Mapa 5 – TI Caru com o projeto de Duplicação da EFC).
Outro fator que aumenta a falta de segurança para os Awá-Gajá é a
precariedade da infraestrutura e comunicação nas aldeias, faltando rabeta,
rádio, telefone etc. Ainda segundo Patriolino: 50

“Em 99, a Vale deu dinheiro para retirada dos posseiros na linha
seca. Vieram quinze da Polícia Federal, dez da Funai e cinco do
Ibama, tudo na linha seca. Depois disso, nada. As três terras
(referindo-se às Terras Indígenas com populações Awá-Guajá do
Maranhão que são contínuas: Alto Turiaçu, Awá e Caru) estão muito
devastadas. A Awá ainda está presa na justiça, ainda não tiraram os
posseiros lá de dentro. Acho que na Caru não tem tanto posseiro
como na Awá. Tem povoados dentro da TI Awá – Povoado do Caju e
Vitória da Conquista. Os Awá da Caru falam que têm uns três ou
quatro grupos de isolados andando. Tem muita invasão nas três TIs.
Atualmente, as invasões funcionam assim: primeiro abrem uma
estrada com trator, põe piçarra e aí começam a tirar madeira.
Depois, colocam um colono na frente, que põe uma roça e, aí, depois
de um ano, o fazendeiro compra do colono bem baratinho. Nós
avisamos o Ministério Público Federal, a Funai de Brasília, a Polícia
Federal. Quando vão, apreendem a madeira, mas os trabalhadores
ficam lá porque já estavam lá quando houve a demarcação. Agora já
existem outras madeireiras que invadem. Os Awá já queimaram
trator, já mataram um lavrador, está perigoso para os dois lados.”

3.4. Territorialidade

3.4.1. Padrão Guajajara


Os Guajajara da TI Caru mantêm o mesmo padrão de ocupação territorial
dos Guajajara da TI Rio Pindaré. No entanto, há grande diferença entre o
estado de conservação ambiental das duas Terras Indígenas, uma vez que a
TI Caru ainda apresenta grande extensão de mata nativa, enquanto a TI Rio
Pindaré já se transformou em paisagem antropizada.

50
Informação obtida durante a pesquisa de campo da equipe deste Estudo em 10/2011.

159
A aldeia Maçaranduba é o eixo central da ocupação Guajajara na TI Caru,
concentrando as decisões políticas e as residências familiares. As famílias
extensas possuem uma segunda residência nos centros de produção e para
lá se deslocam para cuidar de suas atividades econômicas. Os centros de
produção também cumprem a função de ocupação das fronteiras da Terra
Indígena. Não foi possível aprofundar a pesquisa sobre a ocupação
territorial dos Guajajara devido às ligações de alguns indígenas com as
atividades de extração de recursos naturais na TI Caru.

3.4.2. Adaptação dos harakwá Awá-Guajá à realidade pós-contato


Os Awá-Guajá mais velhos, que moram nas aldeias Awá e Tiracambu, são
sobreviventes de massacres, como é o caso de Karapiru, ou de epidemias
pós-contato, como Kamairu, Txibohá, Tataikamahá e Ipatxi’á. É provável
que estes caçadores tenham vivido na infância e na juventude o padrão
tradicional de ocupação territorial Awá-Guajá, quando os grupos locais
ainda mantinham um conjunto de harakwá51 na floresta amazônica oriental,
que desapareceram com a abertura de estradas, com a construção da EFC e
com a chegada dos migrantes.

Como exemplo deste padrão seminômade, há o relato de Txiami, que mora


na aldeia Awá, cujo harakwá situava-se na cabeceira do igarapé Presídio,
vizinho do harakwá do grupo de Amapãranoim, situado no médio curso do
Presídio. Txiami relatou que os dois grupos se encontravam de tempos em
tempos no interior da TI Caru. Ambos os grupos procuraram contato com os
Awá-Guajá do PIN Awá, optando pela segurança da Funai, constrangidos
pelos riscos que estavam correndo em seus territórios de perambulação.

Segundo informações de Geir Guajá, existe uma partilha dos territórios que
circundam as aldeias Awá e Tiracambu, aproximando-se do que foram os
harakwá antes do contato. No caso da aldeia Tiracambu, a família de
Kamairu circula no território compreendido pelo igarapé Traíra e o wutyry
(terra firme, serra) do entorno. Já o grupo de Amapãranoim, segue o curso
do igarapé Bandeira. Chegando aos seus harakwá, cada família nuclear faz
o seu tapiri e se divide para caçar, ficando de dois a três dias num mesmo
lugar, depois levantam acampamento e seguem em frente.

51
Temos o conjunto de ambientes compostos pelas terras firmes – wutyry (1º) associado às zonas de
várzea e aos cursos dos rios, ou simplesmente "água" - 'ya, correspondendo ao complexo de alagados
que se forma durante os meses de chuva (2º). A soma destes ambientes resulta em um conglomerado
de áreas de caças identificadas por diferentes topônimos, e composta por uma infinidade trilhas e
clareiras que constituem o território tradicional (3º). A esse conjunto territorial os Awá-Guajá
denominam haka'a ("minha floresta") de forma genérica, e mais especificamente, harakwá ("meu lugar",
"meu domínio"). São essas as expressões que marcam a relação dos Awá-Guajá com o território ou com
os territórios.

160
Marakutxa’á, vice-cacique da aldeia Tiracambu, relata como funcionam as
expedições de caça, que já indicam a adaptação que os Awá-Guajá vêm
fazendo no modelo de territorialidade anterior ao contato.

Nós vamos para mata e ficamos mais ou menos dez dias. Vai toda a
minha família – mamãe, criança pequena, todos. Vai perto do igarapé
para as crianças beberem água. Quando acaba a farinha, voltamos
para aldeia. Primeiro torra meia saca de farinha e aí vai para mata.
Aí, quando vamos, Karapiru e Kamairu ficam na aldeia. No
amanhecer, saímos e mata oito ou dez capelão. Duas horas da tarde
volta para tirar a tripa. Quando escurece, faz o tapiri – é só para
dormir. Traz muito macaco, veado para o tapiri. Cada família fica
num tapiri. Quando está na mata escuta, o capelão canta e aí pegam
o bando inteiro. Vamos no rumo do igarapé Bandeira. Outro dia vai
mais para frente.

A realidade pós-contato, além da nova condição de sedentarismo, traz


alterações no manejo dos estoques de caça. O ruído do trem e a invasão de
caçadores levam os Awá-Guajá a deslocamentos maiores. Marakutxa’á
explica que, devido ao barulho do trem, eles precisam caminhar
aproximadamente dois dias para disporem de caça conforme seus
parâmetros. Os caçadores mais velhos da aldeia Tiracambu, Kamairu e
Karapiru, contam que muitas vezes esbarram com os caçadores do povoado
de Roça Grande na região entre os igarapés Traíra e Água Branca, sendo
necessário ir mais longe.

4. Organização social e política

4.1. Organização social e política Guajajara

Os Guajajara da aldeia Maçaranduba atualmente são chefiados por três


jovens caciques – Marcilene, Rosilene e Antônio Filho – fugindo ao padrão
tradicional dos caciques Guajajara, no qual os caciques são escolhidos entre
os chefes de família extensa de maior projeção na comunidade. No entanto,
Antoninho Guajajara, pai da primeira cacique, Marcilene, tem grande
ascendência na condução da política interna da Maçaranduba. Observou-se
que as lideranças políticas Guajajara têm acentuado contato comercial com
a sociedade envolvente, tanto os jovens caciques como as lideranças mais
velhas.
A alternância política na aldeia Maçaranduba é frequente, havendo caciques
que permaneceram pouco tempo no comando político da comunidade.
Antônio Pereira, morador da Maçaranduba, ditou a lista dos caciques da
Maçaranduba: 1° cacique – Tomazinho Guajajara; 2° cacique – Clementino

161
Guajajara (era cacique da Maçaranduba em 1989); 3° cacique – Merco
Guajajara; 4° cacique – Pedro, irmão do Antoninho Guajajara; 5° cacique –
Manoel Guajajara; 6° cacique – Marcilene, Rosilene e Antônio Filho.

Algumas famílias Guajajara possuem centros de produção localizados nas


proximidades dos rios Pindaré, Caru e Água Branca, onde, em função das
atividades produtivas, residem temporariamente, sempre retornando à
Maçaranduba. Os chefes de família extensa possuem grande independência
na condução dos assuntos familiares e nas relações comerciais com os
karawya.

Atualmente, há um grande número de casamentos interétnicos na


Maçaranduba, predominando esposa Guajajara com marido karawya.
Assim, alguns centros de produção estão sendo conduzidos por pessoas de
fora, que possuem relações comerciais constantes com as cidades da
região, sendo as mais citadas: Paragominas, Buriticupu, Auzilândia, Boa
Vista, São João do Caru, Alto Alegre do Pindaré.

Não foi possível investigar de que forma os caciques e as lideranças mais


velhas da Maçaranduba interferem na autonomia dos chefes de família e em
suas relações comerciais. O que ficou claro nas entrevistas com os mais
velhos da Maçaranduba – os irmãos Pedro e Antoninho Guajajara e Manoel
Guajajara – é que eles percebem que o grande número de casamentos
interétnicos tem contribuído para desestabilizar a vida tradicional, dando
como exemplo o reduzido número de falantes da língua Guajajara na
Maçaranduba.

Há uma única associação indígena na TI Caru, a Associação Indígena


Wirazu, da qual participam os indígenas da Maçaranduba e dos centros de
produção Água Branca, Canaã, Santa Rita e Nova Vida. Segundo a cacique
Rosilene Guajajara, a associação tem atuação limitada, devido à falta de
participação da comunidade.

4.2. Organização social e política Awá-Guajá


É possível visualizar nas aldeias Awá e Tiracambu as características da
organização social Awá-Guajá – coligação de famílias nucleares articuladas
em torno do chefe de família, que geralmente é o caçador mais velho do
grupo, formando um grupo local que funciona tanto para as atividades da
aldeia como para as expedições de caça.

162
Amapãranoim cuidando do moquém, aldeia Tiracambu, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Apesar dos inúmeros fatores desestabilizadores, as preferências nas regras


de matrimônio vêm se mantendo, como o decréscimo demográfico ocorrido
com os grupos locais devido às epidemias após o contato, e o fato de a vida
social nas aldeias ter propiciado o contato entre grupos locais que não se
conheciam, ou eram rivais antes do contato.

Observou-se a ausência de qualquer tipo de segmentação social (metades,


clãs etc.) em favor de uma articulação política fluída, onde as questões são
tratadas de forma equânime, sem distinção de gênero e idade, desde que
prepondere a ótica dos caçadores. Os caçadores mais velhos continuam
sendo respeitados pelos mais novos e pelos funcionários da Funai.

Atualmente, já existem caciques e vice-caciques nas duas aldeias.


Denominações políticas emprestadas dos seus vizinhos Guajajara, no
entanto, estas jovens lideranças funcionam mais para o trato com os não
indígenas, especialmente em função de um certo domínio do português.
Perguntou-se como são escolhidos os caciques – os Awá-Guajá explicaram
que antes não havia chefe e que agora eles se reúnem para escolhê-lo.

Há um fluxo constante de pessoas entre as aldeias Awá e Tiracambu, uma


vez que existem relações de cognatismo, tanto na relação entre germanos
(irmãos/irmãs reais ou classificatórios) que vivem em ambas as aldeias,
quanto nas relações entre afins próximos (cunhados, sogros, genros –
muitos dos quais primos cruzados ou sobrinhos cruzados que ocupam as

163
posições de cunhado ou sogro/genro)52. Não há hostilidade entre as duas
aldeias, e, devido à proximidade genealógica entre os dois grupos, observa-
se uma relação de colaboração e trocas constantes (de bens, serviços de
caça e roça, e casamentos), sendo que alguns indivíduos dividem a vida
entre as duas aldeias.

Cacique Txiparentxa’á e família, aldeia Tiracambu, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Comparativamente com os outros grupos tupi-guarani que dispõem de


elaborada cultura material, destacam-se três aspectos da vida social
minimalista dos Awá-Guajá: a tecnologia da caça com seus artefatos, a
complexa cosmologia, e a coleção de cantos usados nos rituais da takája.
Estes cantos realizam uma síntese da cultura Awá-Guajá, unindo a
predileção pela caça com a invocação dos heróis míticos que habitam os
patamares celestiais. O ritual da Takája é realizado nas aldeias Awá e
Tiracambu, no tempo do verão (da seca), de junho a novembro, com maior
ênfase em setembro e outubro. Atualmente, o ritual não é mais realizado
nos acampamentos na mata, e apenas nas aldeias.

O canto tem grande importância para as relações sociais dos Awá-Guajá,


tanto nos rituais da takája como na vida cotidiana, no espaço das aldeias e
nas expedições de caça. Os Awá-Guajá têm prazer em cantar – cantam

52
O sistema de parentesco Awá-Guajá descrito por Cormier, cuja análise comprova a ênfase oblíqua nas
preferências matrimoniais (2003, p. 57-84). A pesquisa de Cormier foi realizada na aldeia Awá/TI Caru
(Garcia, 2011).

164
para ninar os filhos, saudar o dia, comemorar uma grande caçada, ou,
simplesmente, pelo prazer de cantar. Avalia-se que o incômodo que o
barulho do trem causa à população das aldeias Awá-Guajá da TI Caru53,
deve-se não só à proximidade da EFC das aldeias (2.200 metros da ferrovia
até a aldeia Awá e 1.300 metros da ferrovia até a aldeia Tiracambu), mas
também a esta peculiaridade da sociedade Awá-Guajá.

Segundo informações dos funcionários da Funai, até aproximadamente


quatro anos atrás os Awá-Gajá não saíam da TI Caru. O movimento
crescente dos Awá-Guajá para os povoados de Roça Grande, Altamira, Boa
Vista e Auzilândia é recente, e além dos riscos que os indígenas sofrem
transitando de moto e a pé na estrada de servidão da Vale, a intensificação
do contato interétnico traz uma série de desdobramentos para a vida social
dos Awá-Guajá, por vezes gerando conflitos entre gerações. São exemplos
dos resultados desta movimentação os casos de consumo de bebida
alcoólica; um casamento interétnico que ocasionou a saída do rapaz da
aldeia; um caso recente de doença venérea; assédio das madeireiras locais
às jovens lideranças. Segundo os funcionários da Funai, a desmobilização
da estrutura nas aldeias após a Reestruturação da Funai e a inoperância do
Acordo de Cooperação Vale/Funai contribuíram para esta nova etapa do
contato dos Awá-Guajá com o entorno.

A relação dos Awá-Guajá com os Guajajara da Maçaranduba é por vezes


tensa, e, dependendo das circunstâncias, os Guajarara referem-se aos Awá-
Guajá como “parentes” ou como ocupantes indevidos de suas terras.

5 Dados populacionais

5.1 Dados populacionais dos Guajajara


A população Guajajara está distribuída nos centros de trabalho nas margens
dos rios Pindaré e Caru e na aldeia Maçaranduba. Para análise populacional
dos Guajajara que habitam a TI Caru foram considerados os dados
fornecidos pela Funasa, referentes aos anos de 2008 e 2010. Analisando
este período, a população Guajajara em 2008 era de 258 pessoas, e, em
2010, subiu para 329 pessoas, com aumento populacional de 71 pessoas,
sendo composta de 171 homens e 158 mulheres, distribuídos em 84
famílias. A aldeia Maçaranduba concentra 67% da população, perfazendo
230 pessoas. Os demais centros possuem pequenos contingentes
populacionais.

53
Em dezembro de 2011 a equipe técnica dormiu no povoado de Roça Grande, e em março de 2012 a
equipe técnica dormiu na aldeia Tiracambu. Contou-se a passagem de 08 trens no período do dia e 08
trens no período da noite na EFC.

165
O acentuado aumento da população em um curto espaço de tempo pode
estar vinculado aos hábitos migratórios da população Guajajara, sendo os
deslocamentos geralmente realizados por toda a família. Durante a pesquisa
de campo, foram identificados indígenas recém-chegados de outras Terras
Indígenas, como a TI Rio Pindaré.

Tabela 5.1.1. População total – por gênero, nº de famílias e etnia.

População
Unidade Etnia total Homens Mulheres Famílias

Água Branca Guajajara 18 11 7 4


Guajajara 23 14 9 6
Canaã
Não indígena 1 0 1 1
Guajajara 6 4 2 1
Escada
Não indígena 1 0 1 1
Guajajara 14 11 3 3
Nova Vida
Não indígena 3 1 2 3
Santa Rita Guajajara 25 9 16 7
Guajajara 222 113 109 48
Não indígena 8 4 4 8
Maçaranduba
Tembé 1 1 0 1
Timbira 7 3 4 1
Total 329 171 158 84
Fonte: Funasa, 2010.

A composição étnica da aldeia Maçaranduba e dos centros de produção


Guajajara compõe-se majoritariamente por esta etnia, perfazendo 93% da
população total. Os não indígenas somam treze pessoas, representando 4%
do total. O gráfico mostra a distribuição étnica da população das
comunidades Guajajara na TI Caru.

Os Guajajara possuem intensa relação com as cidades próximas, ampliando


as possibilidades de casamentos interétnicos. Nas entrevistas em campo, os
Guajajara relataram que os casamentos interétnicos são frequentes desde a
formação da aldeia Maçaranduba, podendo-se observar in loco uma forte
miscigenação nesta aldeia.

166
Gráfico 5.1.1. Composição étnica – porcentagem de cada etnia em relação à
população total da aldeia Maçaranduba.

0,30% 2,10%
4%

Tembé
Não Indígena
Timbira
Guajajara
93,60%

Fonte: Funasa, 2010.

O perfil etário é predominantemente jovem, estando 66% da população da


Maçaranduba abaixo dos 20 anos de idade. A faixa etária entre 5 e 9 anos é
a maior parcela, perfazendo 24% do total.

Tabela 5.1.2. Distribuição por faixa etária da população da aldeia


Maçaranduba, 2010.

Faixa etária Masculino Feminino Total % da pop. total

75 + 4 0 4 2
70 a 74 1 0 1 0
65 a 69 1 0 1 0
60 a 64 1 0 1 0
55 a 59 0 3 3 1
50 a 54 4 0 4 2
45 a 49 1 1 2 1
40 a 44 6 6 12 5
35 a 39 2 4 6 3
30 a 34 6 8 14 6
25 a 29 8 6 14 6
20 a 24 8 12 20 8
15 a 19 17 18 35 15

167
Faixa etária Masculino Feminino Total % da pop. total

10 a 14 17 15 32 13
05 a 09 29 28 57 24
00 a 04 16 16 32 13
Total 121 117 238 100
Fonte: Funasa, 2010.

Analisando a Tabela 11.8.2, observa-se um número reduzido de adultos


acima de 45 anos e ausência de mulheres idosas, com idade superior a 60
anos, o que aponta para uma baixa expectativa de vida entre os Guajajara.
Por outro lado, altas taxas de fertilidade podem ser indicadas pelo grande
número de indivíduos com idade inferior a 9 anos. Vale ressaltar o número
reduzido de jovens adultos em idade reprodutiva, principalmente entre as
faixas etárias entre 35 e 39 anos e 25 e 29 anos. Tal característica pode
estar relacionada à saída dos jovens adultos para centros urbanos da
região, à procura de emprego.

Gráfico 5.1.2 Pirâmide etária da aldeia Maçaranduba, 2010.

75 +
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44 Masc
35 a 39 Fem
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
05 a 09
00 a 04
40 20 0 20 40

Fonte:Funasa, 2010.

Considerado o índice razão de sexo – que indica o número de homens para


cada grupo de 100 mulheres –, na população residente, por aldeia,
observa-se que a população masculina é ligeiramente superior à feminina
na aldeia Maçaranduba, com índice de 103 homens/mulheres. Em geral, a
relação de masculinidade (IBGE) à nascença costuma ser de 105, ou seja,
para 105 crianças do sexo masculino nascem 100 do sexo feminino. No
caso da aldeia Maçaranduba, esse índice está abaixo do parâmetro citado, o
que reflete o equilíbrio entre a população masculina e feminina.

168
5.2 Dados populacionais dos Awá-Guajá
Para a análise demográfica é importante considerar a falta de dados
históricos sobre a população Awá-Guajá desde os primeiros contatos com a
população local até então, o que inviabiliza estabelecer o padrão evolutivo
da demografia desse povo desde o contato com a sociedade nacional.

De acordo com a bibliografia e segundo relato dos Awá-Guajá entrevistados


em março de 2012, os primeiros contatos com a população local eram
esporádicos e, na maioria das vezes, ocorria apenas contato visual, não
havendo estimativas do número de indígenas e de grupos locais até os
contatos iniciados pela Frente de Atração da Funai, em meados da década
de 1970.

Outro ponto importante é o modelo de territorialidade dos Awá-Guajá, que


persistiu até as décadas de 1970 e 1980, quando vários grupos locais foram
contatados pela Frente de Atração da Funai. Segundo Garcia (2010), os
Awá-Guajá organizavam-se em grupos locais que não passavam de vinte
pessoas, no máximo, divididas em duas ou três famílias nucleares. Esses
grupos locais estavam dispersos territorialmente, evidenciando um baixo
crescimento populacional que é característico de povos nômades,
caçadores-coletores.

Também é importante considerar-se o reordenamento territorial ocorrido


nas últimas quatro décadas na região do Oeste Maranhense, ocasionando
pressões sobre a população dos Awá-Guajá, advindas do avanço das áreas
de pastagem e de empreendimentos de grande porte, incluindo a Estrada
de Ferro Carajás. Estes eventos provocaram um grande crescimento
demográfico na região, com a chegada de contingentes de migrantes e o
surgimento de inúmeros povoados, sobrepondo-se à região de ocupação
territorial Awá-Guajá.

Não foram encontrados censos populacionais dos Awá-Guajá que


abrangessem décadas anteriores a 2000. Somente a partir de 2008, a
Funasa iniciou a contagem populacional, levando em conta critérios como a
distribuição por faixa etária, relação de gênero e índice de envelhecimento.

A contagem populacional dos Awá-Guajá teve início efetivamente com os


primeiros contatos da Funai, que objetivava fixá-los nos Postos Indígenas,
que originaram as atuais aldeias: Guajá, na TI Alto Turiaçu, Awá e
Tiracambu, na TI Caru e Juriti na TI Awá. Como exemplo, segundo Gomes
(2002), em 1976, o PIN Guajá recebeu 91 indígenas, e, devido às doenças
contraídas com o contato, em 1980, a população Awá-Guajá foi reduzida a
apenas 25 índios.

Consequentemente, a queda demográfica ocasionada pelo contato trouxe


disparidades no perfil demográfico atual dos Awá-Guajá, com reduzidos

169
números de indivíduos em idade reprodutiva, alto índice de masculinidade,
e uma proporção de dois homens para uma mulher em idade reprodutiva.

Para a análise populacional, foram considerados os dados oficiais


disponibilizados pela Funasa e os dados primários apurados em março de
2012 pela equipe técnica deste Estudo. No entanto, a elaboração de
projeções populacionais tornou-se inadequada, devido à falta de
regularidade na coleta de dados nas décadas anteriores e, também, à
diversidade das fontes, tornando a pesquisa incompleta na mensuração do
grau e da causa do crescimento atingido pelo grupo.

Devido ao baixo contingente populacional dos Awá-Guajá, optou-se


inicialmente pela inclusão dos dados populacionais das aldeias Guajá e
Juriti, respectivamente situadas nas TIs Alto Turiaçu e Awá, além das
aldeias da TI Caru, para realização de uma análise conjunta dos indicadores
populacionais, disponibilizados pela Funasa. Posteriormente, elaborou-se a
análise populacional das duas aldeias da TI Caru – Awá e Tiracambu –, com
base na pesquisa de campo de março de 2012.

Considerando 2010, que foi o último ano do censo realizado pela Funasa,
disponibilizado no site da SIASI/Funasa, o número de Awá-Guajá que estão
fixados nas três TIs (Alto Turiaçu, Awá e Caru), perfaziam 354 indígenas.

Tabela 5.2.1. Distribuição da população Awá-Guajá por aldeia e Terra


Indígena, 2010.

Terra Indígena Aldeia População

Awá-Guajá Juriti 39

Alto Turiaçu Guajá 93

Awá 173
Caru
Tiracambu 49

Total 4 354
Fonte: Funasa, 2010.

Como já foi dito, a população da aldeia Guajá chegou a apenas 25 pessoas


em 1980, e, atualmente, têm 93 habitantes, com crescimento de 68
pessoas nas últimas três décadas. Para as demais aldeias, não há registros
precisos do número de indígenas contatados no período da Frente de
Atração da Funai, fixados nos PIN Juriti, Awá e Tiracambu, dificultando a
elaboração de um panorama demográfico.

170
A distribuição da população por faixa etária indica que o conjunto das
quatro aldeias possui uma população predominantemente jovem, com
quase 60% da população com idade menor a 15 anos. A faixa etária de 0 a
4 anos representa 16% da população Awá-Guajá, indicando alta taxa de
natalidade nas aldeias.

Ao analisar o perfil etário dos grupos indígenas é importante considerar os


fatores exógenos que determinaram sua evolução demográfica. No caso dos
Awá-Guajá, o contato recente, de aproximadamente trinta anos, com
relatos de alta mortalidade nesse período, foi decisivo para o processo de
alteração do padrão demográfico, apresentando perdas irreparáveis na
composição populacional atual desse povo.

Para analisar a taxa de fecundidade/natalidade, seria importante avaliar as


taxas de mortalidade infantil do grupo, no entanto, estes dados são
precários, impossibilitando o cruzamento das informações.

De acordo com os relatos dos profissionais de saúde da Funasa, atualmente


ocorre uma alta taxa de natalidade, com a idade reprodutiva da mulher
começando em torno dos 13 anos de idade, sucedendo também um
aumento no número de filhos por mulher. Segundo a enfermeira Darliene,
já é comum jovens de 20 anos terem três filhos. Portanto, verifica-se uma
mudança no comportamento na taxa de fecundidade, e, segundo alguns
estudos, a taxa de fecundidade verificada em povos seminômades é
considerada baixa, com uma média de 3 a 4 filhos ao longo da vida
produtiva da mulher, como se supõe ter sido o padrão Awá-Guajá até o
contato. Talvez o principal fator dessa mudança esteja relacionado à
formação das aldeias promovida pela Funai, com a introdução de práticas
agrícolas, resultando no maior tempo de permanência dos Awá-Guajá nas
aldeias. A presença constante de invasores nas áreas demarcadas e a
redução do território de caça também contribuíram para esta alteração.
Observa-se a prevalência de homens, com 53% da população total.

Tabela 5.2.2. Distribuição da população por faixa etária dos Awá-Guajá por
gênero e total, 2010.

Faixa etária
Masculino Feminino Total
75 + 0 2 2
70 a 74 2 1 3
65 a 69 2 1 3
60 a 64 10 2 12
55 a 59 2 4 6
50 a 54 8 2 10
45 a 49 5 5 10
40 a 44 8 7 15

171
35 a 39 9 10 19
30 a 34 8 5 13
25 a 29 8 11 19
20 a 24 13 20 33
15 a 19 18 16 34
10 a 14 26 26 52
05 a 09 35 31 66
00 a 04 31 26 57
Total 186 169 354
Fonte: Funasa, 2010.

A pirâmide etária indica que a faixa etária de adultos entre 30 a 34 anos é


menor que as faixas etárias mais avançadas. Tal situação pode indicar que
o período do inicio do contato dos Awá-Guajá com a sociedade envolvente,
entre 1970 e 1980, foi determinante para a interrupção do processo
evolutivo do crescimento demográfico, ocasionado talvez pelo alto índice de
mortalidade, inclusive de mortalidade infantil, quando a baixa taxa de
natalidade comprometeu a recuperação demográfica dos Awá-Guajá nas
décadas posterior.

Outra característica é a baixa ocorrência de idosos, principalmente mulheres


acima de 50 anos, o que indica uma baixa expectativa de vida durante o
período do contato até os dias de hoje. De acordo com relatos dos
sertanistas da Funai entrevistados na pesquisa de campo, Adelino Meirelles
e Patriolino Garreta Viana, e da bibliografia levantada, durante o período
dos vários contatos da Frente de Atração da Funai, ocorreram muitas
mortes ocasionadas principalmente por severas epidemias de gripe. Desta
forma, para análise futura da expectativa de vida dos Awá-Guajá, deverá
ser levado em conta o comportamento da evolução da taxa de mortalidade
nos parâmetros sociais atuais dos Awá-Guajá, podendo indicar um aumento
na expectativa de vida deste povo.

A composição da pirâmide etária apresentou características de uma


população jovem com uma base alargada, decorrência de altos níveis de
fecundidade, a qual vai se estreitando na medida em que a idade aumenta,
com a diminuição do peso relativo das populações adulta e idosa. Se
considerarmos a taxa de mortalidade indígena associada à taxa de
fecundidade, temos mais uma vez um indicador, condicionando o aumento
no ritmo de crescimento populacional em decorrência também do declínio
da mortalidade.

172
Gráfico 5.2.1 Pirâmide etária da população Awá-Guajá, 2010.

75 +
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44 Masc
35 a 39 Fem
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
05 a 09
00 a 04
40 20 0 20 40

Fonte: Funasa, 2010.

Considerando apenas os dados populacionais das aldeias Awá e Tiracambu,


coletadas junto aos profissionais da Funasa residentes nas aldeias citadas,
apurou-se que, para o ano de 2012, a população da aldeia Awá é de 183
pessoas e, a da aldeia Tiracambu, de 53 pessoas.

A população das duas aldeias é predominantemente jovem, a faixa etária


com idade inferior a 15 anos representando 53% da população da Awá e
50% da Tiracambu. Por outro lado, o conjunto de faixas etárias de pessoas
acima de 55 anos representam apenas 5% na Awá e 4% na Tiracambu.

Já a relação por gênero, indica maior número de homens em ambas as


aldeias, com um maior desequilíbrio na Awá, com 17 homens a mais do que
mulheres. Por faixa etária, nota-se que tal característica é condicionada pelo
grande número de meninos entre 1 a 4 anos em relação ao número de
meninas.

Observa-se que o número de mulheres em algumas faixas etárias é muito


reduzido, principalmente nos grupos de idade reprodutiva. Entretanto, não
é possível afirmar que o reduzido número de mulheres na população de 236
pessoas de ambas as aldeias, que possui então elevado índice de
masculinidade, poderá comprometer a reprodução do grupo, o que alertaria
para problemas na reposição populacional futura das novas gerações.
Segundo dois informantes que estão em contato constante com os Awá-
Guajá das TIs Awá e Caru, o antropólogo Uirá Felippe Garcia e o funcionário
da Funai Patriolino Garreta Viana, os Awá-Guajá estabelecem relações de
poligamia e poliandria no caso de falta de esposas ou maridos, ajudando na
reposição populacional dos grupos.

173
Tabela 5.2.3. Distribuição da população Awá-Guajá da aldeia Awá por
gênero e total, 2012.

Faixa etária Masculino Feminino Total

0a1 6 8 14
1a4 17 7 24
5a9 17 15 32
10 a 14 16 11 27
15 a 19 8 10 18
20 a 24 10 7 17
25 a 29 8 5 13
30 a 34 1 3 4
35 a 39 5 6 11
40 a 44 4 2 6
45 a 49 0 2 2
50 a 54 3 3 6
55 a 59 0 2 2
60 a 64 4 2 6
Acima de 64 0 1 1
Total 99 84 183

Tabela 5.2.4. Distribuição da população Awá-Guajá da aldeia Tiracambu por


gênero e total, 2012.

Faixa etária Masculino Feminino Total

0a1 1 2 3
2a4 7 4 11
5a9 7 3 10
10 a 14 1 2 3
15 a 19 2 2 4
20 a 24 2 4 6
25 a 29 1 3 4
30 a 34 2 0 2
35 a 39 1 3 4
40 a 44 0 1 1
45 a 49 0 0 0
50 a 54 2 0 2
55 a 59 0 0 0
60 a 64 1 0 1
Acima de 64 1 1 2
Total 28 25 53
Fonte: Funasa, 2012.

174
De acordo com profissionais de saúde da Funasa, a taxa de mortalidade nas
aldeias é muita baixa, sendo que a última ocorrência foi em 2009, na aldeia
Awá, com um óbito de um indígena com idade superior a 50 anos,
provocado por causas naturais.

A ocorrência de mortalidade entre as crianças menores de 1 ano também é


baixa, tendo sido registrados três casos em três anos, um em 2009, na
aldeia Awá, outro em 2010, na aldeia Tiracambu, e mais outro em 2012, na
aldeia Awá. Segundo a enfermeira Darliene, as causa mortis estavam
relacionadas a problemas de pós-parto.

No entanto, a recuperação demográfica da população Awá-Guajá ainda


possui grande vulnerabilidade, já que as quatro aldeias possuem um
contingente populacional reduzido, de apenas 354 pessoas (total de índios
nas TIs Awá, Alto Turiaçu e Caru). Segundo relatos dos indígenas e do
sertanista da Funai, Patriolino Garreta Viana, atualmente já estão faltando
futuras esposas nas aldeias. Para a resolução da falta de esposas, já
ocorreram arranjos de casamento entre as aldeias das Terras Indígenas,
sendo que, em 2010, quatro mulheres da aldeia Awá mudaram-se para a
aldeia Juriti para se casarem.

Outro fator importante é a introdução de casamentos interétnicos. Apesar


desse tipo de arranjo matrimonial ainda não ser aceito pelos Awá-Guajá, já
ocorreram três relações matrimoniais entre os Awá-Guajá da aldeia Awá e
os Guajajara da aldeia Piçarra Preta/TI Rio Pindaré, e uma união de um
Awá-Guajá da aldeia Awá com uma mulher não indígena. Ressalta-se que a
união matrimonial interétnica só verificou-se com homens Awá-Guajá, que
precisaram deixar suas comunidades.

A atual tendência de reorganização socioambiental dos Awá-Guajá – em que


vários grupos locais e mesmo famílias nucleares passaram a viver em
aldeias, sem as constantes fugas que caracterizaram os períodos anteriores
ao contato, e a dispor de atendimento de saúde – pode estar contribuindo
para o aumento da população, após perdas irreparáveis ocorridas no
período das Frentes de Atração da Funai, nas décadas de 1970 e 1980.

Entretanto, o aumento da população jovem entre os Awá-Guajá,


considerando a alta vulnerabilidade social enfrentada por este povo, aponta
para inúmeros desafios, como, por exemplo, a garantia da segurança
alimentar, o atendimento de saúde para as novas gerações, e o cuidado
com o aumento da frequência do contato dos jovens indígenas com os
povoados localizados próximos às aldeias, especialmente no que tange às
doenças sexualmente transmissíveis.

175
6. Características físico-bióticas

Na descrição das características físico-bióticas da TI Caru, considerou-se as


categorias científicas e as classificações indígenas, levando em conta as
informações disponibilizadas pelas duas etnias que compartilham este
território, que, por sua vez, possuem perspectivas diferenciadas sobre o
tema.

Clima

De acordo com o IBGE (1979), o município de Bom Jardim, onde se situa a


TI Caru, apresenta uma oscilação na temperatura média anual de 24 a
27°C. Considerando-se o regime de temperatura, o clima é classificado
como quente. De acordo com o regime de umidade, o clima é considerado
semiúmido. Na classificação indígena, o clima está relacionado diretamente
à estação seca e chuvosa, períodos que definem os ciclos da vida cotidiana
nas aldeias, nos seus aspectos sociais, culturais e econômicos. Estes
períodos determinam a prática da agricultura, da pesca, da caça e dos
rituais da takája, no caso dos Awá-Guajá.

Área de transição de floresta e coco babaçu no Centro de Produção Guajajara


Canaã, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

Vegetação

Um dos últimos remanescentes da floresta ombrófila densa (floresta pluvial


tropical), no Maranhão, situa-se na TI Caru, com presença de árvores de

176
grande porte, com estrutura de dossel mais uniforme, com semelhanças
florísticas e maior adensamento de plantas.

Nas áreas antropizadas, principalmente às margens do rio Pindaré e Caru,


ocorre a modificação da vegetação com o surgimento de clareiras oriundas
de desmatamento para agricultura, pecuária ou retirada de madeira. Estas
aberturas na vegetação permitem a maior incidência de luz, favorecendo o
surgimento de novas espécies adaptadas a luz, tendo como espécies
dominantes as palmeiras, especialmente o babaçu (attalea speciosa Mart.).

Hidrografia

A Terra Indígena Caru apresenta grande relação com os corpos hídricos da


região, em especial, com os rios Pindaré e Caru e seus respectivos igarapés.
O rio Pindaré tem suas nascentes na serra do Gurupi, no município de
Amarante, no Maranhão, em altitudes da ordem de 300 metros, enquanto
sua foz localiza-se na Baía de São Marcos, em São Luís. Em seu percurso de
aproximadamente 720 km, recebe as contribuições de seus principais
afluentes, os rios Buriticupu e Zutíua, pela margem direita, e, o rio Caru,
pela margem esquerda.

A rede hídrica fornece alimento para o consumo e o pescado para


comercialização, influenciando a agricultura no plantio de vazante, que
aproveita a riqueza de nutrientes e a umidade do solo nas margens dos rios
e igarapés.

Os rios Pindaré e Caru formam a principal rede fluvial da área indígena, e


são fundamentais para o transporte da produção, atendimento à saúde,
deslocamento da população indígena para suas áreas de trabalho.

Relevo

A TI Caru está localizada na unidade geomorfológica regional dos tabuleiros


maranhenses, formada por um conjunto de colinas suaves, modeladas em
rochas sedimentares das formações Barreiras e Itapecuru. Representa uma
faixa de transição entre a planície flúvio-marinha da Baixada Maranhense e
os níveis mais elevados dos tabuleiros dos rios Gurupi-Grajaú. Apresenta
altitudes de 130 a 20 metros com colinas e vales pouco encaixados,
modelados em mesa e grupos de mesas, formados a partir da dissecação
pelos rios Gurupi, Turiaçu, Pindaré, Mearim e Itapecuru (RADAMBRASIL,
1981), citado no EA/EFC, 2011 (Diagnóstico do Meio Físico, v. 2, p. 120).

A partir do município de Santa Inês em direção ao município de Alto Alegre


do Pindaré, margeando o município de Bom Jardim, já são perceptíveis
modificações no relevo, que se apresenta suavemente ondulado na região
da TI Caru. Na descrição indígena sobre o relevo da TI Caru há uma citação
sobre a localização da serra da Desordem, situada aproximadamente no
centro da Terra Indígena e zona do nascedouro do igarapé Presídio. O

177
indígena Awaratain relatou que: “Na cabeceira do igarapé Presídio, local de
caça dos Awá, existe uma lagoa com muitos peixes, e foi visto um animal
com aparência de homem e cobra – os índios temem esta lagoa e não
chegam perto”.

Solos

O EA/EFC, 2011(Diagnóstico do Meio Físico, v. 2, p. 260), que trata do


trecho da localização 19 e 20 da EFC, situado na região da TI Caru, cita a
existência de ambientes com vertentes dissecadas em morros e colinas com
densidade de drenagem média, localmente fina, e aprofundamento entre 30
e 60 m, apresentando declividade moderada das encostas, com valores de 8
a 20%, e, forte, com valores de 20 a 48% (IBGE 1997). Há ocorrência de
diferentes tipos de solos. Nas áreas em que a dissecação é moderada,
ocorrem os solos plintossolos pétricos concrecionários associados aos solos
plintossolos háplicos quando dispostos próximos às drenagens, ambos
distróficos e com vulnerabilidade alta a processos erosivos, apresentando
escoamento superficial concentrado. O relevo é mais movimentado e a
densidade das drenagens atinge valores de 48% – os solos latossolos
amarelos distróficos associado aos solos argissolos vermelho-amarelos
dominam a paisagem.

O manejo do solo na TI Caru é diferenciado. Nas áreas ocupadas pela etnia


Guajajara, há uso intensivo do solo para agricultura, com desmatamento,
uso do fogo e posterior formação de pastagem. Este manejo dá origem a
modificações e formações de novas tipologias de solo. Já os Awá-Guajá,
com maior aptidão para a caça e coleta, ocorre pouca intervenção no solo
local, apresentando apenas pequenas áreas de cultivo agrícola conduzidas
pela Funai, que não se configuram como aspecto significativo para mudança
da tipologia de solo.

Flora e fauna

As características dos ecossistemas terrestres e aquáticos foram


pesquisadas, entre outras fontes, no EA/PBA da duplicação da Estrada de
Ferro Carajás (2011), documento complementar da Duplicação da Estrada
de Ferro Carajás/EFC (2012), Apêndice V, Relatório Consolidado do
Monitoramento de Fauna das Locações 19 E 47 (Terra Indígena Caru e
entorno da Terra Indígena Mãe Maria), complementadas pelas informações
fornecidas pelos Guajajara e Awá-Guajá para a equipe técnica deste Estudo,
em março de 2012. Durante a pesquisa de campo, as espécies da flora e
fauna foram descritas segundo relatos e apresentações dos espécimes no
meio natural.

O EA/PBA da EFC, 2011(Diagnóstico do Meio Biótico, v. 3, p. 27) registra


que, entre os municípios de Pindaré Mirim e Alto Alegre do Pindaré (do km
252 ao 321 da EFC), encontram-se fragmentos de floresta ombrófila entre

178
áreas de pastagem, principalmente na margem direita do rio Pindaré. A TI
Caru, localizada nos municípios de Bom Jardim e São João do Caru,
destaca-se pelo bom estado de conservação. Pode-se afirmar que a TI Caru
é uma “ilha” de cobertura vegetal com remanescente de floresta densa,
tendo em seu entorno áreas antropizadas que exercem pressão negativa
sobre a área preservada. Ainda acompanhando a margem direita do rio
Pindaré, entre os municípios de Alto Alegre do Pindaré, Buriticupu e Bom
Jesus das Selvas, todos no Maranhão (do km 336 ao 419 da EFC), ocorre o
predomínio das áreas de pastagens, sendo encontrados remanescentes
expressivos de floresta ombrófila à esquerda da ferrovia. Considerando a
existência de remanescentes florestais que podem estabelecer relações
ecológicas entre si, é importante ressaltar que, a menor distância entre
estes fragmentos possibilita a conectividade, sendo um fator que
proporciona de forma positiva e direta a preservação e a perpetuação das
espécies da fauna e da flora.

A literatura científica indica que a região de floresta aberta é um


subconjunto da floresta densa, onde as áreas mais naturais de floresta
densa e aberta apresentam similaridade florística, diferindo principalmente
no espaçamento das grandes árvores, com presença maior de espécies
semidecíduas e grande quantidade de lianas e palmeiras. No interior da TI
Caru, a composição dominante é a floresta ombrófila densa, e as áreas
antropizadas localizam-se nas proximidades dos rios e igarapés.

O EA/PBA da duplicação da EFC, 2011 (Diagnóstico do Meio Biótico, v. 3, p.


141), identificou e registrou quase novecentas espécies vegetais no
levantamento botânico nesta região. Nos levantamentos quantitativos e
qualitativos, os resultados mostraram gêneros e espécies característicos de
áreas alteradas ou abertas, como Solanum, Miconia, Cyperus e Mimosa,
embora muitas espécies sejam ruderais, exóticas ou invasoras.

Registrou-se um conjunto com 89 plantas citadas pelos indígenas na TI


Caru, com diferentes tipos vegetacionais e de utilização, descritas no Anexo
10 (Anexo 10 – Lista de espécies vegetais citadas na TI Caru). No
entanto, é importante considerar que este levantamento tomou como base
apenas o conhecimento tradicional, e as evidências de campo demonstram
uma flora de ampla e variada riqueza, ainda carente de estudos específicos
e mais detalhados. Como a TI Caru compreende um único território com
características ambientais semelhantes, as informações citadas atendem à
percepção ambiental e relatos análogos dos povos Guajajara e Awá-Guajá.
O EA/PBA da duplicação da EFC, 2011 (Diagnóstico do Meio Biótico, v. 3, p.
511) ampliou as informações sobre a fauna na área de influência da
ferrovia, ampliando o registro de espécies da região e constatando a
elevada riqueza da biota. Os levantamentos primários de avifauna
resultaram em 345 espécies, o que representa 74% do total da avifauna da
AID (a Área de Influência Direta para os meios físico, biótico e

179
socioeconômico compreende a faixa de 500 metros de largura para cada
lado da ferrovia a partir de seu eixo) e 53% da AII (a Área de Influência
Indireta para os meios físico e biótico contempla uma faixa de 1.500 metros
a partir do eixo da ferrovia ou de 1.000 metros de largura a partir do limite
da AID), distâncias estas consagradas no EA/PBA (2011). Estes
levantamentos adicionaram 26 espécies de avifauna não registradas na
literatura consultada para a região, bem como a presença de onze espécies
ameaçadas de extinção e uma quase ameaçada (Machado et al, 2008;
IUCN, 2010; Resolução 054/2007). Destaca-se a locação 51, na qual foram
registradas seis espécies ameaçadas regionalmente, sendo duas exclusivas
da lista do Pará: a tiribade-barriga-vermelha (Pyrrhura perlata) e o
papagaio-campeiro (Amazonaochrocephala), e quatro em nível nacional: a
mãe-de-taoca (Phlegopsisnigromaculata), o arapaçu-da-taoca (Dendrocincla
merula) e o mutum-de-penacho(Crax fasciolata), e uma espécie listada pela
IUCN, a arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus).

O relatório consolidado do monitoramento de fauna das locações 19 e 47 da


Terra Indígena Caru e entorno da Terra Indígena Mãe Maria, duplicação da
Estrada de Ferro Carajás (EFC), realizado em julho de 2012, demonstrou
que a espécie mais abundante foi o japu (Psarocolius decumanus), com
densidade de 2,03 ind/ha, seguido por jandaia-verdadeira (Aratinga
jandaya), com 0,79 ind/ha. Tal diferença ocorreu devido ao registro de um
bando contendo oitenta indivíduos de japu (Psarocolius decumanus).

Relacionando o relatório consolidado com a pesquisa de campo deste


Estudo, foi encontrada apenas uma espécie em comum, o inambu
(Crypturellus soui), citado em ambos os estudos, e que constam no Anexo
11 (Anexo 11 - Lista de espécies da fauna da TI Caru).
O diagnóstico de mamíferos terrestres de médio e grande porte para a área
de estudo aponta a ocorrência de 25 espécies, número este menor do que o
esperado para o bioma amazônico na região, entretanto maior do que o
encontrado em áreas próximas à Terra Indígena, mas não protegidas. Das
espécies registradas, cinco são oficialmente ameaçadas de extinção e
podem ser consideradas dependentes do ambiente florestal para sobreviver.
Além disso, a reserva ainda apresenta conectividade com outras áreas, o
que favorece a sobrevivência de espécies mais sensíveis e com maiores
requerimentos ecológicos. Ou seja, a comunidade de mamíferos de médio e
grande porte, na TI Caru, encontra-se em melhores condições do que nas
áreas próximas, mas não protegidas (Relatório consolidado do
monitoramento de fauna das locações 19 e 47 da Terra Indígena Caru e
entorno da Terra Indígena Mãe Maria – Duplicação da Estrada de Ferro
Carajás/EFC, 2012).

Neste Estudo, 37 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte


foram citadas em seu nome vulgar pelos indígenas da TI Caru como

180
presentes na área. Deste total, dezessete espécies também constam na
lista de mamíferos do último Relatório consolidado de monitoramento de
fauna feita na TI Caru, comprovando a veracidade das informações
coletadas. A tabela completa, com todas as espécies, encontra-se no Anexo
11.

Na pesquisa deste Estudo, identificou-se um conjunto com 42 espécies da


ictiofauna (treze peixes de couro e 29 peixes de escama), que estão
descritos no Anexo 11.

Na pesquisa de campo sobre a herpetofauna deste Estudo, foi identificado


um conjunto de 22 espécies de répteis e anfíbios. Doze espécies da
herpetofauna estão identificadas nos dois estudos, comprovando que o
conhecimento empírico dos indígenas apresenta significativo nível de
veracidade. No Anexo 11 está a lista completa das espécies.

Na pesquisa de campo deste Estudo, coletou-se um conjunto de


informações sobre a presença em Terra Indígena de diferentes tipos de
insetos da ordem Himenóptera. A seguir estão descritos, através do nome
vulgar, 28 tipos de abelhas e maribondos: abelha-boca-de-barro, abelha-
de-purga, abelha-mosquito, abelha-italiana, abelha-tiúba, arapuá, abelha-
boca-piranha, boca-preta, canudo, chupé, inxu, maribondo (beija-moça),
maribondo (tatu), maribondo (vaqueiro), maribondo (tapiu), maribondo-de-
carne, maribondo (asa-branca), maribondo (três-sete), maribondo
(foguete-asa-branca), maribondo (chapéu), maribondo (casa-de-barro),
maribondo (caneco), moça-branca, sanharol, tataíra, tubim, vira-olho.
Ainda neste trabalho, foram citados 26 nomes de insetos de ordens
variadas, descritos a seguir, através de seu nome vulgar: aranha, aranha-
caranguejeira, aranha-macaco, barata-d'água, cigarra, escorpião, formiga-
de-fogo, formiga-de-porção, formiga-rabo-quente, formiga-saúva,
formigão, gafanhoto, grilo, grilo-soldadinho, lagarta-de-arroz, lagarta-de-
fogo, lagarta-de-mandioca, lagarta-do-tomate, lagarta-janaúba, mangangá,
muriçoca, potó, pulgão-de-arroz, rola-bosta, serra-pau.

Como não houve identificação taxonômica, esta informação vale como


registro para posterior estudo com uso de metodologias consagradas para a
comprovação científica.

A TI Caru é uma das poucas áreas protegidas no Estado do Maranhão que


mantém a caracterização de floresta pré-amazônica, guardando no interior
de seu território espécies da fauna e da flora que desapareceram nas áreas
circunvizinhas à Terra Indígena devido à forte pressão antrópica. A
paisagem natural foi totalmente modificada pela ocupação desordenada de
fazendas de pecuária, áreas agrícolas e pelo aumento da população de
pequenas comunidades, povoados e cidades. A degradação ambiental do
entorno avança sobre a TI Caru (Mapa 12 – Situação do desmatamento
da TI Caru), podendo alterar o estado de conservação da fauna e da flora,

181
que dependem de ações planejadas a curto, médio e longo prazo, centradas
em programas de fiscalização de fronteiras, etnomapeamento e manejo
ambiental.

7. Caracterização ambiental e produtiva

7.1. Etnomapeamento territorial participativo

A elaboração do etnomapeamento territorial da TI Caru é resultado da


somatória de informações colhidas nas oficinas de trabalho nas três aldeias
e nas expedições realizadas com guias da aldeia Maçaranduba e das aldeias
Awá e Tiracambu. A ferramenta participativa denominada “mapa da
comunidade” foi elaborada nas três aldeias, antes das saídas para as trilhas
na mata, para as áreas de cultivo e para as viagens pelos rios. Devido ao
tempo de contato e ao padrão de territorialidade entre as duas etnias ser
diferenciado, o uso compartilhado da TI Caru é de extrema complexidade,
destacando-se que o manejo, o uso do solo e os modos de produção por
vezes são contraditórios, indicando diferentes interesses destes dois povos
sobrepostos a um único território, situação que pode gerar conflitos.

Além dos fatores diferenciados entre as duas etnias, o etnomapeamento


territorial preliminar foi construído na interface das temáticas científicas e
do conhecimento tradicional dos Guajajara e Awá-Guajá. Com base na
percepção e categorização do espaço natural pelos indígenas, buscou-se
entender como se dá a distribuição da área pelos dois povos, com o
agravante de a TI Caru sofrer invasões constantes dos moradores da região
ao redor em busca de recursos naturais.

Esta Terra Indígena apresenta uma profusão de riquezas: água, terras


agricultáveis, madeira, caça, frutos silvestres, o que a torna vulnerável a
ações e interesses externos que colocam em risco a segurança e a
qualidade de vida da população indígena. Neste aspecto, a elaboração do
etnomapeamento territorial participativo é uma ferramenta importante para
visualização, por parte das duas etnias, da ocupação territorial da TI Caru,
com a devida sinalização das áreas degradadas e de maior incursão dos
invasores, possibilitando processos de gestão territorial compartilhados no
futuro.

Este processo de trabalho utilizou mapas da TI Caru e seu entorno,


facilitando a visualização deste território pelos moradores das três aldeias,
distinguindo para as duas etnias as áreas de agricultura, pesca, caça,
desmatamento, localização das aldeias e dos centros de produção.

Para melhor compreensão do estudo, identificou-se cada zona da TI Caru,


tomando-se o cuidado de distinguir, quando pertinente, os aspectos

182
específicos da cada povo. Por abrigar duas etnias em seu território, a
definição das áreas da TI Caru é complexa, certamente ocorrendo
interseção de áreas e interesses conjuntos e também distintos dos povos
Guajajara e Awá-Guajá, o que transforma TI num mosaico, com zonas de
uso e ocupação diferenciadas.

Considerando as especificidades desta Terra Indígena, ocasionadas


principalmente pela ameaça constante de diferentes conflitos, estabeleceu-
se um etnozoneamento hipotético, com a delimitação de zonas divididas por
limites imaginários dentro do território, de acordo com a percepção dos dois
povos, considerando as áreas de maior segurança e insegurança, as áreas
de cultivo agrícola, de pastoreio de animais, de caça e pesca, e de reserva.

A ocupação geral do território destaca duas grandes áreas distintas,


classificadas como Zona de Conflito e Zona de Reserva.

A Zona de Conflito: compreende as atividades ilícitas realizadas no interior


da Terra Indígena – invasão de madeireiros, plantio de espécie
entorpecente (maconha) com invasão de traficantes, invasão de não índios
para caça, pesca e furtos. Esta Zona ocorre principalmente nos limites da TI
e nas regiões menos habitadas.

A Zona de Reserva: compreende a área de uso geral, ocupada pelas duas


etnias, onde ocorre maior ocupação e são realizadas todas as atividades
produtivas e sociais. Devido à constante ameaça dos invasores e ao avanço
territorial da Zona de Conflito, os indígenas estão sendo obrigados a reduzir
cada vez mais sua atuação na Zona de Reserva (Mapa 10 –
Etnozoneamento da TI Caru).

De acordo com o estudo, o território pode ser assim definido:

Aldeia: área onde são construídas as habitações, casas de farinha, escolas


e áreas de lazer, como campo de futebol. Não apresentam organização
espacial bem definida, tendo, porém, suas habitações construídas ao redor
da habitação do chefe familiar. As casas, em sua maioria, são construídas
de taipa (barro e madeira) e cobertura de palha. Quando a aldeia se localiza
em região de predominância de coco babaçu, utilizam-se muito seus
subprodutos, como varas para a estruturação das paredes e palha para a
cobertura.

As edificações da Funai e de outros espaços públicos, como escolas e postos


de saúde, são construídas em alvenaria e cobertas por telhados
convencionais. No caso das duas aldeias Awá-Guajá, este conjunto de
edificações encontra-se a certa distância das aldeias Awá e Tiracambu.

Os Awá-Guajá dividem seu tempo entre estadias nas aldeias e nos


“acampamentos” na mata, realizando expedições de caça e coleta e

183
desfrutando dos seus harakwá, que correspondem a uma área utilizada e
manejada por uma família ou grupo local, de conhecimento dos demais
grupos familiares Awá-Guajá. Já os Guajajara passam a maior parte do
tempo na aldeia Maçaranduba, deslocando-se sempre que necessário para
seus centros de produção.

Aldeia Tiracambu, março de 2012 (Foto: Manoel Jorge).

Centro: são áreas de ocupação tradicional Guajajara, definidas pelos


caciques para a implantação das atividades produtivas das famílias,
contendo áreas para plantio e criação animal. O centro busca contemplar
coletivamente a agricultura, a pecuária, a pesca, a caça, apresentando
plantios de mandioca, milho, arroz-de-alto (sequeiro), macaxeira, batata-
doce e inhame. Ao redor das casas, são cultivadas espécies frutíferas, como
manga, caju, jaca e banana.

Encontram-se nas áreas dos centros, igarapés e rios, que são utilizados
para a pesca de consumo e de comercialização. Geralmente, os centros
localizam-se em áreas distantes da aldeia, cumprindo a função estratégica
de ocupação territorial e fiscalização de fronteiras.

No etnomapeamento, não houve ocorrência de centros para os Awá-Guajá,


uma vez que a agricultura e pecuária são realizadas sob a coordenação da
Funai, com a participação inconstante dos Awá-Guajá.

184
Centro Escada – Casa de Erivaldo dos Santos Guajajara, 2012 (Foto: Manoel
Jorge).

Rio/igarapés: as margens dos rios Pindaré, Caru e dos igarapés servem


de área para pesca das famílias Guajajara. São utilizados também para
captação de água para as atividades produtivas, como o manejo da
mandioca para fabricação da farinha, para limpeza de frutos coletados,
lavagem de roupas e lazer.

Igarapé Presídio, Aldeia Awá, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

185
No caso específico dos Awá-Guajá, os igarapés são fundamentais para o
deslocamento e orientação das famílias nos períodos de caça, pois são
utilizados como caminhos naturais. São importantes para a definição do
local do “acampamento” na mata, e são utilizados para consumo de água,
para o banho, para pesca e preparação de alimentos.

Pastagem: as áreas de pastagem representam pequenas manchas em


relação ao território integral da TI Caru. A peculiaridade das áreas de
pastagem é serem mais intensas para os Guajajara, devido à relação já
estabelecida desta etnia com a pecuária. Para os Awá-Guajá, a pecuária é
uma atividade secundária, realizada principalmente por intermédio da Funai
e apenas na aldeia Awá.

As áreas de pastagem, normalmente, são cercadas quando localizadas em


áreas mais próximas das aldeias e dos centros de produção, e abertas
quando localizadas mais distantes das áreas habitadas e das áreas de
cultivo agrícola. Na região de ocupação dos Guajajara, a aldeia
Maçaranduba e alguns centros de produção utilizam cercados para pastejo e
cultivo de capins de maior aceitação para o gado bovino, como o colonião e
a brachiária.

Vista geral de área de pasto, aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

186
Reserva: esta área tem grande importância para as duas etnias, tanto em
seus aspectos produtivo, alimentar, medicinal quanto cosmológico. A área
de floresta fechada é utilizada pelos Guajajara para caça, coleta de frutos
silvestres, plantas medicinais e madeira para construção de casa e móveis.

Para os Awá-Guajá, a floresta representa o ambiente por excelência da


vida, com maior permanência das famílias durante os períodos de caça e
coleta, quando constroem acampamentos, que são espaços familiares
denominados tapiri.

Vista geral da mata, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

A elaboração do etnozoneamento participativo permitiu estabelecer as


relações de interação e de conflitos entre os diferentes participantes dos
processos internos da TI Caru, constatando-se que aproximadamente 1/3
do Território Indígena apresenta ocupação limitada decorrente da
insegurança e do risco de violência na área; do consequente encolhimento
da área de ocupação dos povos Awá-Guajá e Guajajara; da pressão sobre
os recursos naturais na TI Caru, com focos evidentes de desmatamento e
redução da biodiversidade; bem como do agravamento dos conflitos entre
estes povos e os diferentes tipos de invasores.

187
7.2. Uso dos recursos naturais para subsistência e geração de renda

A caracterização ambiental e produtiva da TI Caru merece um olhar


particular, por abrigar os Awá-Guajá, etnia com aproximadamente 30 anos
de contato, que são caçadores e coletores, sem domínio da língua
portuguesa e conhecimento incipiente das relações comerciais com a
sociedade envolvente, como o valor das mercadorias e a utilização da
moeda. A complexidade amplia-se pela convivência dos Awá-Guajá com os
Guajajara, que são agricultores e mantêm um longo histórico de contato
com a sociedade nacional.

A caracterização ambiental foi elaborada considerando-se o uso dos


recursos naturais para subsistência e geração de renda com base em duas
óticas etnoambientais, verificando-se o uso tradicional e as atividades
econômicas dos dois povos.

7.2.1. Contexto Guajajara


Os Guajajara que moram na aldeia Maçaranduba e deslocam-se para os
centros de produção, desenvolvem as atividades relacionadas à agricultura,
pecuária, pesca e caça. Há também a retirada de madeira para construção
de casas e uso doméstico, sob a forma de acordos familiares, incluindo a
autorização de corte para os karawya, e dividindo-se a produção da madeira
no sistema “de meia”.

Agricultura

Observa-se o modelo de agricultura de desmatamento-broca-queima para,


em seguida, realizar-se o plantio de mandioca, milho, arroz, feijão, fava,
abóbora, abobrinha, batata-doce, melancia, abacaxi, melão, e, em alguns
casos, de pequenas áreas de olerícolas, como tomate, coentro e cebolinha.
Todas estas culturas são plantadas no período das chuvas.

Uma questão a destacar na produção agrícola é a dificuldade e o custo do


transporte nos rios Pindaré e Caru, verificando-se o aumento do custo da
mão-de-obra e do combustível, aumentando o preço final da produção ou
diminuindo o lucro.

Os produtos são comercializados no mercado local, nos povoados vizinhos a


TI Caru, como Altamira, Auzilândia, Mineirinho ou na sede do município de
Alto Alegre do Pindaré. Os preços dos produtos comercializados no mercado
no ano de 2011 tiveram variação de R$ 20 a 30 a saca de 60 kg de milho,
de R$ 40 a 90 por saca de 50 kg de farinha de mandioca, e R$ 20 por saca
de 32 kg de arroz pilado.

188
Cultivo consorciado de mandioca, arroz e milho, aldeia Maçaranduba, 2012
(Foto:Manoel Jorge).

Para compreender esta unidade de medida regional, utilizada para plantios


agrícolas, considera-se que: uma (01) linha é equivalente a 625m², que,
convertido em hectare (ha), equivale a aproximadamente 0,06 ha; um (01)
hectare (10.000 m²) de área plantada tem aproximadamente 16 linhas.

A medida de uma (01) linha é aproximadamente 0,06 hectares (ha)

25 m² 25 m² 25 m² 25 m²

1 5 9 13
25 m²

25 m²

2 6 10 14
25 m²

25 m²

3 7 11 15
25 m²

25 m²

4 8 12 16
25 m²

25 m²

25 m² 25 m² 25 m² 25 m²

189
De acordo com o levantamento de campo, atualmente existem dez centros
de produção dos Guajajara na TI Caru, localizados estrategicamente ao
longo dos limites da Terra Indígena, usados também como modo de
ocupação territorial e de vigilância de fronteiras.

A dificuldade de deslocamento devido à distância entre os centros e a aldeia


Maçaranduba, ao risco de conflitos com invasores e à sensação de
insegurança faz com que as famílias abandonem os centros, ocasionando a
diminuição da vigilância das áreas e favorecendo a entrada de invasores.

Quadro 7.2.1 - Relação dos centros de trabalho e respectivos responsáveis


pela área de produção na TI Caru – povo Guajajara.

Nome do centro de Família responsável


trabalho

Centro Escada Erisvaldo e família

Centro Porto Seguro Fátima e Sr.Claudionor, e família

Centro São Pedro Denir e Sr. João, e família

Centro Boa Esperança Desabitado

Centro São Raimundo Eliane e um filho casado

Centro Bom Jesus Desabitado

Centro São João do Caru Cleide

Centro Acampamento Jessé Viana Guajajara e família

Centro Água Branca Newton e família

Centro Jussaral Cláudio e esposa indígena

A pesquisa de campo identificou que a maioria dos centros de trabalho


possui infraestrutura e equipamentos para beneficiamento da mandioca. O
estado das casas de farinha e equipamentos é variável, dependendo do
cuidado do responsável e da carga de trabalho desenvolvida pelos
equipamentos. No entanto, para melhor aproveitamento da produção, estes
equipamentos teriam que ser reformados e, alguns, substituídos por novos.

Pesca

A pesca é um elemento básico para a segurança alimentar, com prioridade


para o consumo, sendo apenas o excedente comercializado para gerar
renda para as famílias. A pesca faz parte do cotidiano das famílias

190
Guajajara da TI Caru, realizada durante o ano todo, com redução no
período reprodutivo dos peixes.

Caça

A maior parte da área da TI Caru possui uma formação florestal bem


constituída, com regiões de floresta preservada, favorecendo a riqueza da
fauna e flora, excetuando apenas as manchas de desmatamento em áreas
mais periféricas e ao longo dos rios. Para os Guajajara, a caça é um evento
importante, e, segundo seu Raimundo Nonato dos Santos Guajajara: “Se
caça o ano todo para alimentação. Para [a] festa do moqueado, faz uma
coivara de fogo e um jirau por cima e assa inteiro capelão, macaco, caititu.
Mais ou menos uns 60 kg de carne é caçada de uma a duas semanas”.

As espécies mais procuradas pelos Guajajara são: anta, veado, caititu,


porco-queixada, paca, cutia, tatu, vários tipos de macacos, sendo o
“capelão” bastante citado e apreciado.

Criação animal – pecuária bovina e pequena criação

A região onde se localiza a TI Caru vem passando por um forte processo de


crescimento populacional desde a implantação da EFC e das novas rodovias
que atravessam a região. Várias cidades, povoados e fazendas de pecuária
bovina cresceram e têm surgido nos limites da TI Caru. O município de
Bom Jardim, onde fica localizada a maior parte desta área indígena, é
predominantemente agropecuário, com a pecuária bovina atingindo cerca
de 60% do PIB municipal. Este contexto também influencia e é incorporado
à cultura indígena.

Rebanho bovino, Centro Escada, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

191
Em levantamento realizado na aldeia Maçaranduba e nos centros de
produção Guajajara, o rebanho animal é relativamente pequeno, com
aproximadamente setenta cabeças de bovinos, vinte animais de
transporte/tração e animais domésticos, como suínos, aves e caprinos,
encontrando-se em números variáveis e inconstantes devido ao consumo e
à comercialização diária.

Parte da aquisição de animais e estrutura de apoio à criação foi adquirida


através do Acordo de Cooperação Vale/Funai. Segundo os informantes
Guajajara, não há referência de assistência técnica e extensão rural oficial,
e verificou-se questões conflituosas entre agricultura e pecuária.

Plantas de uso tradicional

Com a ampla diversidade biológica da TI Caru, há abundância de espécies


vegetais de uso tradicional. Das 89 plantas citadas no inventário indígena
da TI Caru, 43 apresentam fins medicinais, alimentares, e são usadas para
a confecção de utensílios para caça, como arcos e flechas; de utensílios e
produtos domésticos, como jacás (cestos de cipós), sabão, óleo; e de
utensílios para o transporte, como canoas e remos.

O jenipapo é utilizado para a pintura dos corpos. Já a mandioca-branca, tipo


de mandioca-mansa utilizada para a fabricação de uma bebida, um mingau
branco, usado de forma tradicional nos rituais de passagem de meninos e
meninas para a fase adulta.

Segundo Raimundo Nonato dos Santos Guajajara:

Quando a menina fica moça, de regra, chega em casa e fica pintada


de preto com jenipapo. Fica de saia e nua da cintura pra cima. Os
rapazes e moças ficam trancados uns oito dias. Terminando o
moqueado, começa a festa da Mandiocaba, feita com mandioca-
mansa-branca.

São variados os tratamentos realizados com plantas medicinais. De acordo


com Claudionor Silva Luz, descendente dos Ka’apor e casado com uma
Guajajara:

A planta Juruparana corta o veneno de cobra – raspa a casca,


mastiga e engole. Tem o açoita cavalo, que combate a anemia; a
carqueja, que você tira a batata para usar em inflamação; [o] cipó de
mucunã, quando a comida faz mal e fica com a barriga ruim, usa
também.

As espécies nativas, como açaí, bacaba, bacuri, pequi e cupuaçu, fazem


parte da dieta alimentar, enquanto a venda do excedente nos povoados da
região gera renda para as famílias indígenas.

192
7.2.2. Contexto Awá-Guajá

Os Awá-Guajá possuem uma relação intrínseca com os recursos naturais de


seu território, detendo um elaborado conhecimento da floresta e uma
grande afinidade com os animais. Esta relação é mediada por classificações
etnoambientais, cuja unidade primordial é o harakwá, domínio territorial de
um grupo local, contendo todos os elementos naturais (como terra firme,
várzea, cursos d’água, fauna e flora) necessários à reprodução da maneira
de ser Awá-Guajá. Neste universo, a caça ocupa lugar central, direcionando
o cotidiano das famílias e mantendo-as conectadas com as questões
materiais e imateriais de sua cultura: comida, técnicas de caça, artefatos,
coleção de cantos e presença dos karawara (entidades celestes).

Caça

Segundo Garcia (2010):

“A caça é a principal atividade praticada pelos Awá, e todas as outras


(pesca, coleta de mel e frutos) tributárias dela ou, quando não,
postas em segundo plano. Todas as atividades encontram a caça:
extrair mel, coletar frutos (pequis, cupuaçu, bacuri, bacaba, inajá,
dentre outros) e até mesmo “trabalhar” com a Funai, estão sujeitas a
serem abandonadas ou transformadas em caçada ao menor
surgimento de um rastro, indicação de um sonho ou mesmo a pura
vontade de caçar...
Antes de tudo, os Awá são exímios caçadores. A caça é a principal
atividade – o tema que mais interessa a todos – e é sobre ela que os
Awá depositam boa parte de seus interesses. Caçam dezenas de
espécies de aves e mamíferos, e possuem uma técnica extremamente
apurada para a caça de quatro tipos de macacos (macaco-prego,
cuxiú, capelão/guariba e cairara). A caça, em geral, e a caça de
macacos, especificamente, é uma atividade que mobiliza toda a
aldeia: homens, mulheres e crianças”.

Segundo Iwaratain, que transita entre as aldeias Awá e Tiracambu, e mora


no povoado de Altamira:

A caça é feita com a família, mãe, filhos, netos. Cada família faz seu
tapiri, sempre perto do igarapé para tomar água e banho. Passa um
dia num lugar e monta o tapiri. Quando acaba a caça num lugar, vai
para outro. A mulher se ocupa da caça menor.

Atualmente, as caçadas desenvolvem-se em regiões mais distantes das


aldeias, onde o estoque de caça é maior e as possibilidades de encontro
com os invasores, menores. As expedições de caça duram em torno de duas
semanas e os grupos locais alternam-se, de modo a sempre permanecer

193
um grupo na aldeia. Uma parte da caça é trazida para aldeia e outra é
consumida durante estadia do grupo na mata.

Segundo Marakutxa’á da aldeia Tiracambu:

A caça é feita com espingarda, quando é feita de espera no local onde


os animais comem. Caça veado, capelão, cutia, paca, tatu. Caçam
também de varrido, quando vê vestígios de tatu fazem barulho nas
plantas, folhas e procuram pegar o animal. A caça sente o cheiro se
tiver embaixo, o Guajá fica em cima das árvores para esperar a caça.

O período do verão (seco) é ideal para a caça, pois a locomoção é facilitada


pelas trilhas na mata. Os Awá-Guajá identificam o melhor local de caça a
partir da presença de comida para os animais, por exemplo, o bacuri, a
bacaba, pequi, açaí. Segundo os indígenas, os locais de maior abundância
de caça são as cabeceiras dos igarapés.

Os caçadores Awá-Guajá explicaram para a equipe técnica deste Estudo que


o ruído dos trens afugenta os bichos, e, consequentemente, eles precisam
andar pelo menos dois dias para ter uma condição de caça melhor. A aldeia
Awá dista 2.300 km da ferrovia, enquanto a aldeia Tiracambu, 1.600 km.

De acordo com as informações de Kamairu, considerado o melhor caçador


da aldeia Tiracambu, confirmadas pelo antropólogo Uirá Felippe Garcia, o
barulho frequente dos trens interfere na técnica da caça de espera. Dentre
as várias técnicas utilizadas pelos Awá-Guajá, a técnica de espera se dá do
seguinte modo: de noite, os indígenas ficam em cima da árvore, de lanterna
desligada, e só a ligam na hora de atirar. A técnica da espera é usada,
sobretudo, para os veados e as pacas, que comem os frutos embaixo das
árvores, preferencialmente, jatobá, tanajuba, pequi e maçaranduba. Neste
momento crucial, se o trem passa, os caçadores não escutam o barulho do
animal e perdem a caça. Como grande parte das técnicas de caça na
floresta tropical baseiam-se mais na escuta do que na visão, os Awá-Guajá
sentem-se prejudicados pelo barulho frequente dos trens.

Os caçadores das aldeias próximas da ferrovia (diferente dos caçadores da


aldeia Juriti, na TI Awá) fazem distinção entre caça mansa e caça brava,
devido à interferência do barulho do trem. A caça mansa é aquela
encontrada após dias de caminhada para o interior da TI Caru, e que não
tem medo do barulho do trem e nem dos caçadores. Este tipo de animal
ainda pode ser caçado de arco e flecha, esta é a situação de caça que os
Awá-Guajá mais velhos conheciam até o contato, antes da construção da
ferrovia. Já a caça brava está relacionada com a situação atual. Os Awá-
Guajá atribuem a braveza desses animais à proximidade da ferrovia, ao
ruído frequente dos trens. Esta caça só pode ser abatida com tiro de
espingarda.

194
Em março de 2012, elaborou-se nas oficinas participativas nas aldeias Awá
e Tiracambu uma lista dos animais caçados. Cruzando esta lista com a lista
citada por Forline, 1997 (apud Garcia, 2010 ), percebem-se diferenças que
podem indicar mudanças de hábitos alimentares, aparecendo alguns
animais que não eram consumidos em 1997 e que agora o são. Este tema
merece um estudo aprofundado.

195
Quadro 7.2.2 - Lista de animais caçados pelo Awá-Guajá, com informações da aldeia Tiracambu, março de 2012.

Nome em Nome em Awá- Nome científico Consumo em Consumo em Observação dos


português Guajá 1997 na TI Awá 2012 na TI Caru indígenas
Macaco-da-noite Aprikí Aoutus sp. Não Sim
Macaco-mão-de-ouro Japajú Saimiri sciureus Sim Sim

Macaco-prego Ka'í Cebus apella Sim Sim

Cairara Kaihú Cebus kaapori Sim Sim

Cuxiú Kitxiú Chiropotes satanas Sim Sim

Cuxiú Kitxiú Chiropotes sp. Sim Sim

Guariba/capelão Warí Alouatta belzebul Sim Sim

Tamarim/sagui Atamari'í Saguinos midas Não Sim

Preguiça A'y Bradypus variegatus Não Sim A preguiça-carneiro


(peluda) é comida, mas a
Preguiça A'y Choloepus didactylus Não Sim que tem uma lista não, pois
sua carne fede

Tamanduá-bandeira Tamanõ Mymecophaga Não Sim


tridactyla

Tamanduá-mambira amanoa Tamandua Não Sim


tetradactyla

Quati Nasua nasua Sim Sim

196
Jupará aipatx Potos flavus Não Sim

Ariranha/lontra Jawatrá Lutra longicaudis Não Não A carne é ruim, tem


caatinga

Papa-mel Hairá Eira Barbara Não Não

Papa-mel Hairá Galictus vittata Não Não

Maracajá Jawarataí Felis wiedii Não Não

Maracajá Jawarataí Felis pardalis Não Não

Sussuarana/onça- Jawarapõn Felis concolor Deixaram de comer Não


parda

Onça-preta Hairá jawara Panthera onca Não Não

Onça-pintada Jawarahú Panthera onca Não Não

Veado-foboca Arapoha'í Mazama rufina Somente homens Somente homens


(além das mulheres (além das mulheres
antes da menstruação antes da menstruação
ou na menopausa) ou na menopausa)

Veado-mateiro Arapohá Mazama americana Somente homens Sim


(além das mulheres
antes da menstruação
ou na menopausa)

Capivara Kapiwá Hydrochaeris Não Sim


hydrochaeris

Queixada Txahó Tayassu pecari Sim Sim

Caititú Matã Tayassu tacaju Sim Sim

Anta Tapira Tapirus terrestris Sim Sim

197
Quandú/ouriço- K ãn Coendou prehensilis Sim (principalmente Sim
caixeiro homens velhos)

Paca Kararuhú Agouti paca Sim Sim

Cutia Akutxí Dasyprocta Sim Sim


prymnolopha

Cutia Akutxí Dasyprocta agouti Sim Sim

Tatu canastra Tatú Priodontes maximus Sim Sim

Tatu Tatú Dasypus novemcintus Sim Sim

Tatu-rabo-de-couro Tatú Cabassous unicintus Sim Sim

Tatu Tatú Tatu septemcintus Sim Sim

Tatu Tatú Dasypus kappleri Sim Sim

Jaboti-amarelo Kamytxiá Geochelone sp. Sim Sim

Jaboti-vermelho/ Kamytxiá-tú Geochelone sp. Sim Sim


jabota

Jacaré Jakaré Cayman sp. Sim Sim

Carangueijo-do-rio Uahá Trichodactylus Na aldeia Tiracambu, Na aldeia Tiracambu,


fluviatilis comem amassado comem amassado
com um mingau de com um mingau de
inajá inajá

Fonte: Animais caçados (Tabela baseada em Forline, 1997, citado por Garcia, 2010).

198
Agricultura

A prática da agricultura é algo novo para os Awá-Guajá e vem sendo


trabalhada a partir da dinâmica de produção dos funcionários dos postos da
Funai nas aldeias Awá e Tiracambu. Segundo Garcia (2010):

“Os Awá-Guajá, pelo menos durante todo o século XX não


domesticaram nenhum cultivar e não há menção de contato com a
agricultura em sua história; nem mesmo os velhos se lembram de um
dia seus ‘avós’ terem sido horticultores. As pessoas hoje em dia estão
sendo instruídas pelos funcionários dos Postos Indígenas para
plantarem, principalmente roças de mandioca para fazerem farinha,
alimento a que os Awá têm muito apreço, e não conheciam até o
contato. Todos contam que, os mais velhos, ao se aproximarem da
Funai à época do contato se recusaram a comer farinha (tyrymy),
pois pensavam ser terra (wy), dado ao desconhecimento total desse
alimento. Mesmo as aldeias plantando hoje em dia, sempre com a
ajuda de mão-de-obra contratada pela Funai, não podemos pensar
ainda em um processo de transição da caça e coleta para a
agricultura. A lógica de ação humana ainda é baseada na caça e, pelo
menos na aldeia Juriti (TI Awá), as pessoas ainda estão dispostas a
trocar uma colheita coordenada pela Funai, pela mera suspeita da
existência de uma vara de porcos, ou, ainda menos, um bando de
guaribas; muitas vezes acarretando perdas significativas na produção
agrícola.”

As entrevistas com os funcionários da Funai nas aldeias Awá e Tiracambu,


demonstraram que a realidade relatada acima é válida para estas duas
aldeias. No entanto, enfatizaram que a farinha já tem grande importância
na dieta alimentar dos Awá-Guajá, e, atualmente, é comum a prática de
torrar farinha para levar nas expedições de caça.

A pesquisa de campo identificou que as aldeias Awá e Tiracambu possuem


infraestrutura e equipamentos para beneficiamento da mandioca, havendo
equipamentos quebrados nas duas aldeias que estavam sendo reformados
ou sendo substituídos por novos.

O modelo de produção agrícola é o modelo tradicional da região –


desmatamento, queimada e plantio, seguido do repouso da terra para
posterior plantio. A unidade de plantio utilizada é a linha, que corresponde
a 0,06 ha (hectare).

O cultivo é feito de forma coletiva sob a coordenação da Funai. Planta-se


mandioca, milho, batata, abóbora, arroz-de-alto (sequeiro), abacaxi e
feijão, sendo a produção destinada apenas para o consumo das famílias.
Recentemente, duas famílias indígenas da aldeia Awá realizaram plantio
individual fora da área coletiva, sendo prematuro afirmar se esta ação

199
poderá se transformar nos centros de produção, modelo adotado pelos
Guajajara.

É importante registrar que, no período da pesquisa de campo


(março/2012), os funcionários da Funai, Adelino Meireles (aldeia Awá),
Ribamar Rocha (aldeia Tiracambu) e Patriolino Garreta Viana (aldeia Juriti),
avaliaram que havia risco de insegurança alimentar para a população das
aldeias Awá (173 habitantes, Funasa, 2010) e Tiracambu (49 habitantes,
Funasa, 2010), a partir da metade do ano de 2012. Segundo os
funcionários, a abertura das roças é uma tarefa da Funai, realizada com os
recursos do Convênio Vale/Funai, e a falta de recursos fez com que o
plantio de 2011 ocorresse depois da época certa, não ocorrendo em 2012,
podendo levar a uma quebra de produção. O quadro abaixo demonstra a
redução da área plantada na aldeia Awá, de 2007 a 2011.

Tabela 7.2.1. Relação de área de produção por ano na TI Caru – aldeia Awá.

Ano Área plantada (linha) Área plantada (ha)

2007 30 1,8

2008 50 3,0

2009/2010 45 2,7

2011 09 0,5

Roça de mandioca e arroz, aldeia Tiracambu, 2012 (Foto: Manoel Jorge).

200
Em 2010, na aldeia Tiracambu, foram plantadas doze linhas de mandioca e
arroz. Em 2011, com o atraso dos recursos, o preparo do solo e o plantio da
roça foram realizados em dezembro, quando o correto seria preparar o solo
entre junho e setembro e plantar no começo das chuvas, por volta de
novembro e dezembro. Mesmo assim, plantou-se dezesseis linhas. Avaliou-
se que, como a aldeia Tiracambu é menor que a Awá, o risco da falta de
alimentos por baixa produção agrícola seja menor.

Pesca

Segundo Garcia (2010):

“Os Awá também, durante o período pré-contato, em que viviam na


floresta, consumiam muito pouco peixe, passando a consumi-los com
mais frequência após sua redução aos postos da Funai (inclusive com
o auxílio de linhas, anzóis e tarrafas fornecidos pela administração do
posto). Embora os peixes não figurassem no topo das preferências
alimentares, os rios e igarapés abasteciam as pessoas com a carne
de uma espécie jacaré (jakaré) e poraquês (manaky), além desses, a
capininga (jatxaihúa), um quelônio que vive escondido nos lodos dos
igarapés, é muito apreciado. No geral, os peixes eram pegos com
timbó ou flechas no auge da estação seca.”

Atualmente, nas aldeias Awá e Tiracambu a pesca já é uma atividade


importante, participando de forma efetiva na dieta alimentar das famílias,
sendo realizada durante o ano todo. No inverno (período das chuvas), com
a cheia dos rios e igarapés, há a redução da pesca, ocorrendo o contrário no
verão.

Os Awá-Guajá pescam nos igarapés Bandeira, Presídio ou no rio Pindaré,


utilizando anzol, tarrafas e engancho. Segundo Marakutxa’á, que mora na
aldeia Tiracambu:

Pesco também em noite de lua cheia – com o claro da lua, se usa


flecha. Os peixes mais pescados são traíra, sardinha, lírio, piranha,
piau, mandí, tucunaré e curimatã.

Criação animal – pecuária bovina e pequena criação

Diferentemente dos Guajajara da aldeia Maçaranduba, os Awá-Guajá não


possuem o mesmo “interesse” pela pecuária, apesar da influência externa,
tendo uma vez que os limites da TI Caru encontram-se com fazendas de
pecuária bovina.

Na aldeia Awá, o rebanho é de apenas 07 (sete) cabeças de gado bovino,


ficando sob a responsabilidade da Funai, com apoio e manejo dos indígenas.
Segundo informações do funcionário da Funai, Adelino Meireles, “quando a
necessidade aperta, tem que recorrer aos animais – abate para comer,

201
vende para comprar algum mantimento. Ainda bem que tem esse gado”. Na
aldeia Tiracambu não existe criação de bovinos.

Na aldeia Awá há também animais de transporte e a criação de pequenos


animais no posto da Funai, o mesmo não acontece na aldeia Tiracambu.
Nas duas aldeias é comum a criação de animais silvestres como diferentes
tipos de macacos, quatis, caititus etc.

Uso tradicional dos recursos da fauna e da flora local

Conforme citado anteriormente, a riqueza da biodiversidade da terra


indígena Caru a torna ao mesmo tempo fonte de saberes, tradições e
alimentos. Os Awá-Guajá citam as espécies nativas que os alimentam e que
são preferências das caças. Segundo o informante Makeré:

Tem bacuri, pequi, bacaba, cupuaçu, açaí. Cajá, o jabuti gosta! O


coco de inajá faz o leite e como com o caranguejo do igarapé. Tem a
abelha-de-fogo, tiúba, italiana e do-chão”.

Há aproximadamente dois anos, os Awá-Guajá iniciaram a venda esporádica


de frutos e animais silvestres para os moradores dos povoados mais
próximos das aldeias: Roça Grande, Altamira, Boa Vista e Auzilândia. Esta
intensificação do contato dos Awá-Guajá com a sociedade envolvente é
recente e vem sendo impulsionada por vários fatores interligados, como:
(a) de modo geral, pela curiosidade dos jovens; (b) devido ao assédio das
madeireiras às jovens lideranças; (c) porque falta munição e os caçadores
mais velhos saem para vender seus produtos nos povoados, onde compram
o que precisam; (d) os Awá-Guajá já compram algumas mercadorias que
lhes agradam, como café, açúcar etc.

Soma-se a isso o fato de que, nos últimos dois anos, não foram entregues
os produtos do Acordo de Cooperação Vale/Funai (em dezembro de 2011
estavam sendo entregues os produtos relativos às programações de 2009 e
2010), que contribuíam para manter os Awá-Guajá dentro da TI Caru. O
fato é que os Awá-Guajá já iniciaram relações comerciais com os povoados
do entorno da TI Caru com a venda de frutos nativos e de caça. Segundo o
cacique da aldeia Awá, Maná Guajá:

Vendo as frutas em Auzilândia. A bacaba vende dois litros por R$


1,00; bacuri, quatro unidades por R$ 1,00; pequi, três unidades por
R$1,00; açaí, dois litros por R$1,00. Os índios mais velhos vendem
caça fora – uma paca, vende por R$ 60,00. A venda das coisas, tanto
a fruta como a caça, é mais para comprar munição.

202
7.3. Calendário anual de atividades produtivas

Durante a pesquisa de campo com as três comunidades da TI Caru,


elaborou-se o calendário anual das atividades produtivas de cada aldeia,
através de ferramentas participativas, análise de cartografia e elaboração
dos “mapas das comunidades”. Realizaram-se caminhadas de observação
nos “domínios” das três comunidades (Maçaranduba dos Guajajara, Awá e
Tiracambu dos Awá-Guajá) onde foi manifestada a percepção indígena
sobre os ambientes, suas práticas de manejo, sazonalidade e condições de
conservação.

As categorias do espaço natural para os Guajajara e Awá-Guajá utilizadas


no etnomapeamento preliminar da TI Caru apontaram ambientes
socioambientais legítimos, elaborados dentro de uma compreensão coletiva,
distintas para as duas etnias. O etnomapeamento preliminar, compreendido
pelos indígenas como visão macro da TI Caru (Mapa 10 – Etnomapeamento
da TI Caru), possibilitou a elaboração do calendário anual de atividades
produtivas por aldeia.

O calendário anual indígena traduz o uso e ocupação dos espaços nos


diferentes períodos do ano, representando atividades individuais e coletivas,
abarcando, desta forma, todas as atividades desenvolvidas na TI Caru.

203
Quadro 7.3.1. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Guajajara

TI Meses

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

*Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca

Cultivos Limpeza Início da Colheita Colheita Colheita Colheita do Finalização Queima Plantio de Plantio Início do
agrícolas, da roça – colheita do milho, do arroz do milho milho e da broca da roça mandioca de plantio de
plantio de limpa da de arroz abóbora, e feijão feijão das roças solteira primeiras todas as
mandioca, mandioca batata- Caça nova Caça (se chuvas: culturas de
macaxeira, e do arroz Colheita doce, Limpa da Início de chover) milho, roça de
milho, das feijão, Manejo mandioca preparação Caça Manejo arroz, sequeiro:
Guajajara

abóbora, Colheita frutas arroz do gado da roça do Caça mandioca arroz,


batata das frutas nativas Caça nova/broca Manejo do gado e capim mandioca,
doce, feijão nativas Festa do gado Manejo macaxeira
Caça índio Manejo Caça do gado Caça etc.
Caça Caça do gado
Manejo Caça Manejo do Manejo Caça
Manejo do Manejo do gado gado do gado
gado do gado Manejo Manejo do
do gado gado

*A pesca é realizada durante todo o ano, no entanto, diminui no início do período chuvoso por ser a época de reprodução dos peixes. De janeiro a abril, o Ibama proíbe a
pesca. Segundo Raimundo Nonato Guajajara: “Com as mudanças na enchente, os peixes sobem o rio e procuram o lugar mais espraiado e os igarapés para desovar”.
A caça também é realizada durante o ano todo, destinada para alimentação e para os rituais.
No manejo do gado dos Guajajara é comum a existência de pequenas criações de bovinos, que fazem parte da atividade econômica familiar.

204
Quadro 7.3.2. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Awá-Guajá com a
introdução das atividades agrícolas e da pecuária pela Funai.

TI Meses

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Cultivo Limpeza Início da Colheita Colheita Colheita Colheita do Finalização Queima Plantio de Plantio de Início do
agrícola: da roça – colheita do milho, do arroz do milho milho e da broca da roça mandioca primeiras plantio de
plantio de limpa da de arroz abóbora, e feijão feijão das roças solteira chuvas: todas as
mandioca, mandioca batata- novas (se milho, culturas de
macaxeira, e do arroz Colheita doce, Limpa da Início da chover) arroz, roça de
milho, das feijão, mandioca preparação mandioca sequeiro:
Awá-GuajA

abóbora, Colheita frutas arroz da roça e capim arroz,


batata das frutas nativas nova/broca mandioca,
doce, feijão nativas Festa do macaxeira,
índio Manejo outras
Manejo Manejo do do
Manejo do do gado Manejo Manejo Manejo Manejo gado Manejo do gado Manejo Manejo Manejo do
gado do gado do gado do gado do gado gado do gado do gado gado

*A pesca e a caça são realizadas durante todo o ano, no entanto, no início de período chuvoso, a atividade da pesca é diminuída, por ser a época de reprodução dos peixes.
Ficaram de fora da tabela por ser uma atividade anterior à Funai.
O manejo do gado nas aldeias Awá-Guajá é coletivo e coordenado pela Funai.

205
Quadro 7.3.3. Percepção do ambiente e calendário anual de atividades produtivas dos Awá-Guajá, excluindo as
atividades produtivas exógenas.

TI Meses

Tempo da chuva Tempo do sol

Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov

*Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca Pesca

Colheita Colheita Colheita Colheita Floração Floração


bacuri bacuri bacuri bacuri do bacuri do bacuri

Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Floração Floração


de pequi de pequi de pequi de pequi de pequi do pequi do pequi
Rio Caru – Awá-Guajá

Colheita Colheita Floração Floração


de do açaí da da
bacaba bacaba bacaba

Colheita Floração Floração


de do do
cupuaçu cupuaçu cupuaçu

Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita Colheita
de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel de mel

*Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça Caça

*A caça é a principal atividade;as demais atividades se tornam secundárias.


*A pesca é realizada durante todo o ano. No entanto, no início do período chuvoso, a atividade diminui, por ser a época de reprodução dos peixes, pela dificuldade de
pescar na cheia dos rios e igarapés.

206
8 Caracterização socioeconômica

8.1. Condições gerais para a população Guajajara

8.1.1. Condições de saúde e infraestrutura social

Para o levantamento dos dados de saúde, foram entrevistados os agentes


de saúde da aldeia Maçaranduba – a técnica de enfermagem, Maria
Auxiliadora de Oliveira, e, o dentista, Ocir de Araújo.

As condições de atendimento a saúde na Maçaranduba são ruins. O


atendimento é realizado, provisoriamente, no antigo prédio da Funai, que
está em péssimas condições de uso e visivelmente deteriorado. Os
profissionais relataram que faltam materiais essenciais para o pronto-
atendimento aos doentes, além de o armazenamento dos medicamentos ser
inadequado.

Segundo o dentista Ocir, o seu tempo de permanência na aldeia é muito


curto, não dando para atender a todos, uma vez que sua vinda à aldeia
ocorre apenas uma vez a cada dois meses.

Sala de atendimento à saúde, no antigo Posto da Funai, 2012 (Foto: José Ferreira).

A deficiência na remoção e transporte de pacientes para os hospitais da


região é um dos maiores problemas enfrentados pela comunidade. Faltam
meios seguros de remoção dos pacientes, sendo necessário transportá-los
da aldeia até as margens do rio Pindaré, descer a barranca do rio,

207
atravessar o rio Pindaré, e atravessar a EFC para chegar à estrada que leva
até Alto Alegre do Pindaré e Santa Inês.

A construção do novo Posto de Saúde está paralisada desde agosto de


2011, e, segundo informações dos agentes de saúde, a Funasa ainda não
avisou quando será entregue o prédio. A equipe técnica considerou
inadequado o local onde está sendo construído o Posto de Saúde, devido à
distância da margem do rio Pindaré.

As principais doenças relatadas pelos profissionais de saúde são: diabetes,


pressão alta, verminoses, diarreias e gripe.

De acordo com o depoimento de Maria Auxiliadora, auxiliar de enfermagem,


a desnutrição infantil acomete muitas crianças, e, quando identificada,
encaminha-se a criança para acompanhamento médico no Hospital de Alto
Alegre do Pindaré.

A situação do saneamento na Maçaranduba é precária. O abastecimento de


água é feito pela captação em poço artesiano e distribuída nas casas, mas,
segundo o agente de saneamento, Carlos Sérgio Tembé, não há controle
periódico da qualidade da água e a limpeza da caixa d’água não é realizada
com a frequência, apesar de ser atribuição da Funasa.

Banheiro improvisado, aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: José Ferreira).

Não há sistema de esgotamento sanitário – as residências não possuem


banheiros nem fossas. A população utiliza o mato para necessidades
fisiológicas. Atualmente, esta situação traz risco para a saúde da população,

208
devido ao aumento do adensamento populacional da aldeia. Algumas
residências possuem banheiros improvisados, feitos com palhas, utilizados
exclusivamente para banhos.

Foi verificada grande quantidade de lixo nos arruamentos da aldeia e esgoto


vindo das casas. Não há planejamento em relação ao destino do lixo e
apenas alguns moradores queimam os resíduos que produzem.

No que tange a energia elétrica, todas as residências são atendidas por esse
sistema.

8.1.2. Educação escolar

A Maçaranduba conta com uma escola sob a responsabilidade da Secretária


Estadual de Educação (Seduc), oferecendo apenas o Ensino Fundamental
com alunos até o 5º ano. O quadro de profissionais é composto por cinco
professores e um administrador escolar. A escola atende oitenta alunos, de
5 a 14 anos de idade, estando 23 na educação infantil. Há salas
multisseriadas e as aulas são dadas apenas no período da manhã.

O prédio escolar está em ótimo estado de conservação, tendo sido


construído em 2011, após atos de protesto e reivindicações da comunidade
em 2010. A construção da escola foi realizada em parceira entre a Vale e a
Seduc.

Apesar de a escola ter sido inaugurada como escola bilíngue, não são
oferecidas aulas na língua guajajara. Os professores estão aguardando
decisão da Seduc sobre a situação, e relataram que alguns indígenas
demonstraram interesse em ensinar a língua materna.

A nova escola possui salas amplas e com boa iluminação. Porém, segundo
os professores, ainda falta realizar alguns acabamentos para o bom
funcionamento da escola, como construir um jardim nas áreas livres e uma
área com mesas e cadeiras para as crianças se servirem da merenda.

Segundo os professores, há falta de material didático e físico, como


carteiras, cadeiras e armários, fazendo com que algumas crianças estudem
sentadas no chão.

Para prosseguir os estudos após a 5ª série, os alunos deslocam-se para os


povoados de Auzilândia e Três Bocas. Os professores estimam que
aproximadamente vinte alunos estudem em escolas fora da aldeia. O
transporte dos alunos para essas escolas é feito por uma camionete cedida
pela prefeitura de Alto Alegre do Pindaré. No período das chuvas, o
transporte é prejudicado ou até paralisado, devido à cheia do rio Pindaré.

209
As famílias que moram nos centros de produção nas margens do rio Caru,
afastados da aldeia Maçaranduba, tem como única opção o acesso às
escolas do povoado Novo Caru, e, neste caso, o transporte fica por conta
das famílias e é realizado em rabetas ou canoas.

Interior da Escola Indígena da aldeia Maçaranduba, 2012 (Foto: José Ferreira).

Povoado de Auzilândia, no limite da TI Caru, 2012 (Foto: José Ferreira).

210
8.1.3. Assistência e políticas públicas

A Funai é o principal agente social, cabendo a ela o desenvolvimento de


ações para fomentar as atividades produtivas a fim de garantir a segurança
alimentar das comunidades indígenas Guajajara da TI Caru, bem como
facilitar o acesso à saúde e à educação. A Funai também é responsável pelo
gerenciamento da infraestrutura, dos possíveis conflitos com a sociedade
envolvente e dos recursos provindos do Acordo de Cooperação Vale/Funai.

Entre os programas de políticas públicas do Governo Federal, apenas o


Programa Bolsa Família atende a todas as famílias Guajajara da TI Caru.
Segundo o agente de saúde Newton Guajajara, esse recurso é a principal
fonte de renda das famílias. Já o Programa Habitação Rural está em fase de
cadastramento e atenderá a todos os moradores. Alguns moradores
possuem aposentadoria através do Funrural.

8.2. Condições gerais para a população Awá-Guajá

8.2.1. Condições de saúde e infraestrutura social

A assistência à saúde para os Awá-Guajá está a cargo da Sesai de Santa


Inês. A equipe de profissionais de saúde é formada por uma enfermeira, um
dentista e duas auxiliares de enfermagem. O atendimento à saúde é feito
através de visitas mensais da enfermeira Darliene Marcela da Silva às
aldeias, para o acompanhamento principalmente de gestantes e crianças. O
atendimento odontológico também é realizado uma vez por mês. Apenas as
auxiliares de enfermagem residem nas aldeias, cabendo a elas o
atendimento imediato à saúde e o acompanhamento dos pacientes aos
hospitais da região.

Com a reestruturação do quadro de profissionais da Sesai, realizada em


fevereiro de 2012, ocorreu uma redução no número de auxiliares de
enfermagem – a aldeia Awá, que contava com duas profissionais, ficou com
apenas uma profissional.

Para o atendimento de pacientes fora das aldeias, a Sesai mantém a Casa


de Saúde dos Índios de Santa Inês (Casai), onde funciona a administração e
uma residência de apoio aos indígenas que necessitam de hospedagem,
abrigando, além daqueles que vão utilizar o serviço de saúde, os familiares
que os acompanham. Segundo a enfermeira responsável, o imóvel é
inadequado para hospedagem dos indígenas, apresentando pouca
iluminação, ventilação, espaço e mobiliário. Segundo a informante, os Awá-
Guajá não conseguem adaptar-se ao espaço da Casai, preferindo ficar fora
dali durante o dia, além da dificuldade em dividir o espaço com outras
etnias.

211
A vacinação atende os indígenas de todas as idades, com índice de
cobertura de 100% da população. As campanhas de vacinação infantil são
regulares, como também o acompanhamento das crianças que estão abaixo
do peso ideal.

Segundo os profissionais de saúde, a saúde infantil requer maiores


cuidados, apesar de o número de mortalidade infantil ser baixo, com o
registro de três casos em quatro anos. A desnutrição infantil é comum entre
as crianças Awá-Guajá, sendo as principais causas apontadas a mudança
dos hábitos alimentares e o aumento do número de filhos por mulher.

A enfermeira Darliene, que há cinco anos é responsável pelo atendimento


dos Awá-Guajá das aldeias Awá e Tiracambu, ressaltou que o
comportamento deles está mudando. Ela observou que, em geral, os Awá-
Guajá estão mais agressivos e muitos jovens já fazem uso de bebidas
alcoólicas.

Aldeia Awá

As condições de atendimento de saúde na aldeia Awá são de extrema


precariedade. O Posto de Saúde da Funasa está em estado de total
abandono e o atendimento está sendo realizado de forma precária no Posto
da Funai, localizado a 1 km da aldeia.

Posto de Saúde da Sesai abandonado, aldeia Awá, 2012 (Foto: José Ferreira).

212
Interior do Posto de Saúde da Sesai, na aldeia Awá, 2012 (Foto: José Ferreira).

Segundo a auxiliar de enfermagem, faltam materiais para prestar


atendimento adequado aos indígenas, como geladeira para armazenar
medicamentos, macas, e medicamentos de primeiros-socorros.

O transporte de pacientes para atendimento fora da aldeia é deficiente – a


Sesai possui um único veículo para atender quatro Terras Indígenas: Alto
Turiaçu, Awá, Caru e Rio Pindaré. Desse modo, o socorro demora a chegar,
além de o telefone do Sivan funcionar de forma intermitente.

Outro problema relatado pelos indígenas é o translado dos pacientes da


aldeia até o outro lado do rio Pindaré, principalmente no período de chuvas,
quando a travessia torna-se perigosa, e não há motores para uso nas
canoas, o que tornaria a travessia mais segura.

As doenças mais frequentes são verminose, pediculose, gripe, tosse,


amigdalite e diarreias. Em 2011, houve seis casos de leishmaniose, que
foram tratadas. As picadas de cobra são muito frequentes, principalmente
no período de chuvas, e não havia soro antiofídico nem geladeira no posto
indígena.

O Hospital de Alto Alegre do Pindaré é procurado em primeiro lugar, e,


apenas em situações muito graves, os pacientes são levados para
tratamento em Santa Inês, São Luís ou Teresina.

As condições de saneamento básico na aldeia são precárias. A captação de


água é feita através de um poço artesiano localizado na aldeia, e há uma
rede de distribuição da água até as torneiras instaladas na parte externa
das casas. Na ocasião da pesquisa de campo, em março de 2012, apenas
duas torneiras estavam funcionando e a bomba d’água estava quebrada.

213
Não há sistema de esgotamento sanitário. Observou-se lixo espalhado e,
segundo relatos, os resíduos são queimados, e cada família cuida da
limpeza do seu quintal. A construção de banheiros é uma reivindicação dos
indígenas.

A energia elétrica atende todas as casas localizadas no núcleo principal da


aldeia, estando as mais distantes desprovidas de energia elétrica.

Aldeia Tiracambu

Não há Posto de Saúde nesta aldeia, sendo o atendimento realizado


precariamente em um galpão, onde anteriormente funcionava uma usina de
beneficiamento de arroz. Os equipamentos para atendimento médico e os
remédios estão armazenados de forma inadequada.

O transporte dos pacientes da aldeia até os hospitais é realizado nas


mesmas circunstâncias que na aldeia Awá, com agravante de não existir
rádio e Sivam na aldeia Tiracambu. Os hospitais utilizados são os mesmos
mencionados na aldeia Awá.

As principais doenças relatadas são gripe, tosse, verminoses, diarreias e


pneumonia. Não foram relatados casos de leishmaniose.

As condições de saneamento básico na aldeia são precárias. A captação de


água é feita através de poço artesiano, estando o abastecimento de água
para as casas interrompido por causa da bomba d’água quebrada. Em
março de 2012, os indígenas buscavam água para o consumo no Posto da
Funai.

Local de atendimento à saúde da aldeia Tiracambu, 2012 (Foto: José Ferreira).

214
8.2.2. Condições de educação

A educação não indígena é realizada de forma informal por missionários do


Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que ensinam a língua portuguesa
para alguns indígenas, especificamente para as jovens lideranças das
aldeias Awá e Tiracambu, que são os Awá-Guajá que possuem maior
contato com os povoados próximos a TI Caru.

O vice-cacique Marakutxa’á, da aldeia Tiracambu, expressou a necessidade


de a aldeia contar com uma escola do governo, que seja voltada para a
cultura Awá-Guajá e onde se aprenda a língua portuguesa. Para ele, a
educação escolar formal na aldeia evitaria a saída das crianças para estudar
fora, além de ajudar a manter a cultura Awá-Guajá para as novas gerações.
Marakutxa’á ressaltou que já existe a necessidade de as crianças Awá-
Guajá aprenderem a educação oferecida pelo governo para ajudá-las a
compreender o mundo dos karay.

A necessidade de introduzir o ensino formal nas aldeias Awá-Guajá pode ser


respaldada pelo aumento do crescimento da população jovem. As jovens
lideranças compreendem que os Awá-Guajá entraram em nova etapa de
contato com a sociedade envolvente, que a proximidade dos povoados
intensifica o contato interétnico demandando assim outras ferramentas para
contracenar com os karay, sendo a escola imprescindível neste aspecto.

Escola do Cimi, na aldeia Awá, 2012 (Foto: José Ferreira).

215
8.2.3. Assistência e políticas públicas

A Funai é o principal agente social presente nas aldeias Awá-Guajá,


cabendo a ela todo o gerenciamento da infraestrutura, a mediação dos
possíveis conflitos com a sociedade envolvente, e o gerenciamento dos
recursos provindos do Acordo de Cooperação Vale/Funai, que incluem a
abertura e manejo das roças e tratos com a pecuária. Devido às péssimas
condições de infraestrutura nas duas aldeias, os Awá-Guajá já reivindicam
melhorias nas condições de vida de seu povo – transporte, comunicação,
água corrente e potável, ensino formal, atenção à saúde completa e
diferenciada etc. –, utilizando a Funai como principal meio de comunicação
para cobrar ações emergenciais das autoridades governamentais.

Durante a pesquisa de campo, foi observado o descontentamento das


lideranças Awá-Guajá com o trabalho da Funai e da Funasa. Os indígenas
relataram se sentir abandonados por esses órgãos, e, como em muitas
ocasiões há grande tensão nas aldeias, os funcionários dos dois órgãos
correm risco em permanecer nas aldeias.

Os Awá-Guajá da TI Caru não possuem nenhuma forma de organização


comunitária para discussões políticas e de controle social das ações
governamentais que os atingem. Essa situação é condicionada pelo baixo
grau de inserção junto à sociedade nacional e outros povos indígenas. O
maior contato é com os Guajajara da aldeia Maçaranduba em função de
compartilharem o mesmo território. No entanto, de acordo com os relatos
dos Awá-Guajá, a relação entre os dois povos é distante, ocorrendo alguns
impasses relativos às questões de territorialidade.

Não existem programas governamentais nas aldeias Awá e Tiracambu,


como o Programa Bolsa Família, que já atende os Guajajara da TI Caru.
Também não há aposentados e nem pensionistas. Segundo os funcionários
da Funai, já existe uma preocupação para realizar o cadastramento desta
população para obter o RG, para, posteriormente, cadastrar as famílias nos
programas sociais do governo.

9 A Estrada de Ferro Carajás e a TI Caru

9.1 A EFC a partir da perspectiva dos Guajajara

No caso específico dos Guajajara da Maçaranduba, não é possível distinguir


o tipo de relacionamento que a comunidade mantém com a ferrovia
existente do relacionamento travado com a Vale. O relacionamento é tenso
e ambíguo, devido a um histórico de conflito. Observa-se que os mesmos
funcionários locais da Vale que tratam os Guajajara com cordialidade e que

216
colaboram em seu cotidiano, levando doentes para São Luís, por exemplo,
podem ficar retidos na aldeia, sendo usados como moeda de troca nas
reivindicações dos indígenas junto ao governo e a Vale.

Os Guajajara da TI Caru lembram-se da implantação da ferrovia do outro


lado do rio Pindaré. Segundo Zequinha Fonseca Guajajara:

Eu tinha os meus 10 anos quando o helicóptero aterrissou. Eles


vieram perguntando onde era Empueira, perto do Centro dos Paulos
em Santa Luzia, para deixar rancho para os trabalhadores da
ferrovia, foi em 1978. Eles desciam pedindo informação. Aqui era
mata.

Com base no trabalho de Mércio Gomes (2002) é possível obter um


histórico das transformações da TI Caru, a partir da construção da ferrovia.
Segundo o autor, entre 1983 e 1988, a TI Caru passou por um período de
agitação grande parte em decorrência dos recursos financeiros postos à
disposição da Funai pelo convênio firmado com a CVRD, que atraiu
população Guajajara de outras regiões, interessada no usufruto desses
recursos. Assim, em pouco tempo, novas aldeias se formaram às margens
dos rios Pindaré e Caru, e cada uma delas em busca de infraestrutura.
Cinco postos de vigilância foram criados e, por pressão política, acabaram
sendo entregues aos líderes Guajajara que não eram da região, mas sim da
Terra Indígena Bacurizinho, no município de Grajau, no Maranhão. O
indígena João Madrugada, monitor bilíngue da aldeia Bananal, da TI
Bacurizinho, tornou-se a figura mais importante deste período.

A TI Caru despontou como um lugar da nova força política do povo


Guajajara. Ainda segundo Gomes (2002), até por volta de 1989, data do
fim do desembolso dos recursos do Convênio CVRD, os líderes da
administração da TI Caru viveram com muitos recursos, tanto de seus
salários, quanto de empréstimos a fundo perdido que recebiam para
financiar lavouras de arroz e a criação de gado bovino. Grande parte desse
montante era gasto na cidade de Santa Inês, e João Madrugada chegou a
ter, em pouco tempo, mais de cem cabeças de gado e mais de quarenta
hectares de roças de arroz. A mão-de-obra para esta produção compunha-
se tanto pelos Guajajara como pelos lavradores que viviam do outro lado do
rio. Os povoados de Auzilândia e Impueira aumentavam suas rendas com os
gastos dos Guajajara.

De acordo com Gomes (2002), quando os recursos cessaram, os Guajajara


que não eram da TI Caru retornaram às suas terras. No final da década de
1980, o então cacique Clementino, da aldeia Maçaranduba, parente de João
Madrugada e de seu filho, Marcelino, não segurou a pressão dos Guajajara
após o término dos recursos do Convênio, e permitiu a entrada de
moradores do outro lado do rio para quebrar coco babaçu em troca de

217
pagamento.

Nos anos 1990, alguns Guajajara arrendaram áreas da TI Caru para


lavradores, quebradores de coco babaçu, e até para madeireiros da região,
prática que vinha sendo utilizada pelos Guajajara de outras regiões. Diante
dessa situação, outro grupo de Guajajara de outras regiões se posicionou
contra os arrendamentos realizados pelos indígenas da TI Caru, e acionou a
6ª Delegacia da Funai, em São Luís, para que tomasse providências. Nesta
época, um grupo de indígenas da TI Rio Pindaré, movidos pelo receio de
perder parcelas de terra na TI Caru, mudaram-se para lá, tomaram conta
do Posto Indígena da Funai e expulsaram os invasores (Gomes, 2002).

Em fevereiro de 2007, foi firmado um novo Acordo de Cooperação entre a


empresa Vale e a Funai, com vigência até 2016. Neste convênio, os
recursos continuam sendo depositados na conta da Funai, que é
responsável pela realização das programações anuais junto às comunidades
indígenas, para contribuir para o desenvolvimento sustentável das
atividades produtivas das etnias partícipes deste acordo.

Segundo informações da Vale, em fevereiro de 2010, os Guajajara


interditaram a ferrovia em protesto a não entrega de mercadorias e serviços
previstos pelo Acordo de Cooperação Vale/Funai. Além dessa questão os
Guajajara exigiram um posicionamento da Funasa sobre o Posto de Saúde
na aldeia Maçaranduba, e da Seduc sobre a contratação de professores
indígenas.

Desde então, os Guajajara perceberam que esta estratégia produzia mais


resultados para suas reivindicações do que as conversas diretas com a
Funai e com as autoridades locais.

Em fevereiro de 2011, os Guajajara voltaram a interditar a ferrovia no


mesmo local, o km 289, entre os povoados de Mineirinho e Auzilândia,
contando com a participação dos Awá-Guajá. Nesta interdição, criticaram o
atraso na entrega das mercadorias das programações do Acordo de
Cooperação Vale/Funai, reclamaram do sucateamento do posto de saúde da
aldeia, e das condições da educação escolar. Reivindicaram a construção de
um posto de saúde, de uma nova escola e de uma ponte.

Neste episódio, os indígenas mantiveram reféns seis funcionários da Vale,


além do prefeito de Alto Alegre de Pindaré, Altemir Botelho (PT). O prefeito
teria sido sequestrado enquanto tentava negociar a libertação dos seis
funcionários da Vale. Os reféns foram mantidos dentro da Terra Indígena
Caru, na aldeia Maçaranduba. Nesta ocasião, a empresa informou por nota
que as reivindicações indígenas não dizem respeito à empresa, que está em
dia com as obrigações acordadas com a Funai em 2007, e que iria

218
responsabilizar civil e criminalmente os autores da invasão54. Em
consequência deste episódio, os caciques da aldeia Maçaranduba estão
respondendo processos judiciais por sequestro, cárcere privado e interdição
de via férrea federal.

Segundo a notícia “Funai negocia impasse com índios Guajajaras55”,


publicada no dia 10 de fevereiro de 2011, o então administrador da Funai
em Imperatriz, José Leite Piancó, afirmou que a entrega de alguns produtos
agrícolas e cabeças de gado estava realmente atrasada, em razão do atraso
na entrega dos fornecedores.

Em 2 de outubro de 2012, a ferrovia foi novamente interditada no mesmo


local, no Km 289, entre os povoados de Mineirinho e Auzilândia. Segundo
informações da imprensa56, cerca de duzentos Guajajara e Awá-Guajá
interditaram a EFC em protesto contra a Portaria 303. Conforme decisão da
Advocacia Geral da União (AGU), a Portaria 303 foi prorrogada e entrará
vigência após votação, no Supremo Tribunal Federal (STF), das
condicionantes da TI Raposa Serra do Sol. A Portaria 303 restringe o
usufruto das comunidades sobre seus territórios, permitindo a instalação de
obras de infraestrutura e postos militares sem a consulta às comunidades
indígenas; altera as regras de demarcação das Terras Indígenas; e abre a
possibilidade de revisão de territórios já demarcados e homologados para
adequação à Portaria.

A estadia da equipe técnica deste Estudo na aldeia Maçaranduba (distante


1.500 m da ferrovia), em março de 2012, transformou-se em um
observatório privilegiado para analisar as reivindicações feitas pelos
Guajajara durante as interdições da EFC, bem como para verificar outros
problemas apontados pelos indígenas nas entrevistas. Os temas citados a
seguir dividem-se em questões não resolvidas pelo poder público e os
impactos gerados pela EFC:

- falta de professores na língua guajajara;


- abandono do posto de saúde;
- atraso das entregas das mercadorias da programação do Acordo de
Cooperação Vale/Funai;
- aparecimento e crescimento demográfico dos povoados do entorno,
aumentando as invasões na TI Caru;
- afugentamento da caça devido ao ruído dos trens;
- questões de segurança para travessia da linha férrea.

54
Fonte: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#98102>. Acesso em: set de
2011.
55
Fonte: <http://pib.socioambiental.org/caracterizacao.php?id_arp=3645#98154>. Acesso em: set de
2011.

56
Fonte: <http://www.viasdefato.jor.br/index2/index.php>. Acesso em: out de 2012.

219
As questões de saúde e educação traduzem a indignação dos Guajajara com
relação ao atendimento da Funasa, Sesai, Seduc, e, com base no
diagnóstico, foi possível comprovar a precariedade destes serviços para a
população Guajajara da TI Caru.

O fato de a Funai atrasar por aproximadamente dois anos a entrega das


programações do Acordo de Cooperação Vale/Funai57, prejudica as
atividades produtivas das famílias Guajajara, e foi citada como uma das
causas para os Guajajara buscarem outras alternativas de renda, como a
venda ilegal de madeira. Segundo Manoel Pacífico Pereira, pai do cacique
Gerson da aldeia Novo Planeta, na TI Rio Pindaré:

Saímos uma época para a Maçaranduba. O Pita58 era o chefe da Funai


lá na Caru e chamou para morar lá. Moramos na Caru II um ano, lá
onde a Federal foi colocar para fora os fazendeiros. Lá tem mata,
caça, e os índios dão tudo para os brancos. Acho que a Caru vai ficar
igual aqui na Pindaré. Eu acho que pau d’arco e cedro já tiraram tudo
da Caru.

O aparecimento e o crescimento demográfico de povoados após a


implantação da EFC na região da TI Caru é evidente. Os Guajajara mais
velhos recordam-se que, antes da construção da EFC e da estrada de
serviço da Vale, os comerciantes chegavam pelo rio Pindaré às aldeias
Guajajara localizadas onde é hoje Auzilândia, Boa Vista e Altamira. A
estrada de servidão da Vale permite maior acessibilidade entre estes
povoados e a TI Caru.

O afugentamento da caça em decorrência do barulho frequente dos trens foi


citado por todos os chefes de família entrevistados. Segundo Manoel
Guajajara, ex-cacique da Maçaranduba:

Depois que a ferrovia passou, espantou muito a caça para longe.


Com a zoada do trem, as caças vão para muito longe. Para caçar,
tem que andar dois a três dias.

A questão de segurança para travessia da ferrovia também mobiliza os


Guajajara e a Vale. Segundo Maurício Cunha, da equipe de Relacionamento
Institucional com Comunidades, da Vale:

57
Segundo informações da Vale, em 2012, foram executadas ações e entregues mercadorias referentes
às programações do Convênio Vale/Funai anteriores: entrega de gado para Maçaranduba, relativo à
programação de 2011; conserto e travessia de trator da aldeia Maçaranduba, referente ao saldo de
recursos em 2011; entrega de tijolo, cimento, arame, motor, roçadeira, referentes à programação de
2011.

58
Referindo-se a Francisco Viana, filho do cacique Manoel Viana, que fundou a aldeia Januária na TI Rio
Pindaré.

220
“Desde 2007, a empresa tem uma Coordenação de Relacionamento
Institucional, dedicando-se à EFC, que tem aproximadamente
duzentas vilas em todo percurso da ferrovia. Estamos jogando pesado
na parte de segurança da duplicação da ferrovia. Quando a ferrovia
foi feita, não existiam tantas comunidades. Também mudou muito a
economia, então a empresa está pensando nos próximos trinta anos
– vedações, viadutos, passagens etc.”

Avalia-se que a pressão sobre os recursos naturais pode ser considerada


um impacto indireto da EFC sobre a TI Caru. Já o afugentamento da caça e
a falta de segurança para travessia da linha férrea são impactos diretos da
operação da ferrovia sobre a população da aldeia Maçaranduba.

9.1.1 O posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai

Segundo informações da equipe de Relacionamento com Povos Indígenas e


Comunidades Tradicionais da Vale, em outubro de 2011, a forma de
repasses de recursos previstos no Acordo de Cooperação manteve-se a
mesma do Convênio 059/82, ou seja, os recursos aplicados nas
comunidades indígenas são depositados na conta da Renda Indígena da
Funai, que executa as ações. Em 2007, na renovação do Acordo de
Cooperação, foi mantido este formato. A princípio a Funai de São Luís era
responsável pela gestão do Acordo, posteriormente, com a Reestruturação
da Funai, a coordenação passou para Imperatriz. Segundo os Guajajara, a
partir deste momento, as entregas começaram a falhar.

Em 28 de janeiro de 2011, foi emitida portaria no. 169 pela presidência da


Funai com o intuito de:

“Constituir Grupo de Trabalho com o objetivo de manter diálogo com


as comunidades beneficiadas, identificar demandas, elaborar
programação orçamentária e financeira, elaborar relatório de gestão,
propor mudanças no modelo de programação e/ou aplicação dos
recursos e discutir novos projetos para a região de abrangência, além
de outras atividades correlatas, referente ao acordo de cooperação
celebrado entre esta Fundação Nacional do Índio (Funai), e a
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), para o auxílio no
autodesenvolvimento das comunidades das Terras Indígenas Caru
(Guajajara), Awá (Guajá) e Alto Turiaçu (Urubu Ka'apor), todas
jurisdicionadas à Coordenação Regional de Imperatriz/MA.”59

59
Nesta data não existia mais CVRD, mas sim Vale S.A.; a TI Caru abriga duas etnias, os Guajajara e
os Awá-Guajá; a TI Alto-Turiaçu abriga os Urubu Ka’apor e os Awá-Guajá.

221
A recomendação de mudanças no modelo de programação e aplicação de
recursos nas comunidades indígenas não ocorreu, e, além do atraso na
entrega das mercadorias, as programações elaboradas por grupos de
trabalho junto às comunidades indígenas continuaram funcionando de
acordo com o modelo agropecuário vigente na região – de criação de gado e
plantio de arroz – sem considerar a necessidade de um etnozoneamento
das regiões de domínio territorial dos Guajajara na TI Caru, que indicaria
outras perspectivas para as atividades produtivas da comunidade,
alternadas com a recuperação ambiental das áreas desmatadas da TI Caru.

Nas campanhas de campo de outubro, novembro e dezembro de 2011, e


em março de 2012, observou-se que o atraso da entrega das mercadorias
do Acordo de Cooperação estava chegando a um ponto insustentável,
colocando em risco, inclusive, a realização deste Estudo na TI Caru, uma
vez que os indígenas não queriam abrir espaço para a discussão da
duplicação da ferrovia, já que o referido Acordo não funcionava.

Em 25 de agosto de 2011, a Vale protocolou oficío DIFV/GACTV/21-2011


com notificação extrajuducial sobre Acordo de Cooperação entre Vale e
Funai, uma vez que a mesma não estava cumprindo o cronograma de
entrega das programações do referido acordo.

Na apresentação da equipe do Componente Indígena da duplicação da EFC


na Maçaranduba, em 15 de março de 2012, a funcionária da Vale, Daniela
Ferraro, da equipe de Relacionamento com Povos Idígenas e Comunidades
Tradicionais, informou os Guajajara que a Vale tinha se reunido com a Funai
em Brasília, em 6 de março de 2012, propondo uma alteração no
funcionamento do Acordo de Cooperação:

“A Funai vai estudar o termo e dar uma resposta à nossa


proposta para a Vale fazer as compras junto com vocês. A
dona Douro (referindo a coordenadora da CTL de Santa Inês)
vai estar junto conosco nas compras. Vamos contratar uma
empresa para fazer isso conosco. Vamos torcer para ser mais
rápido lá dentro da Funai, a parte jurídica, a procuradoria.”

9.1.2 Percepção sobre a duplicação da ferrovia

Na reunião de abertura da pesquisa de campo na aldeia Maçaranduba, a


segunda cacique, Rosilene, entregou um documento para a funcionária da
Vale, Daniela Ferraro, do departamento de Relacionamento com Povos
Indígenas e Comunidades Tradicionais, com uma série de reivindicações da
comunidade “por motivo da duplicação”. Naquela data, tanto os funcionários
da Vale quanto a equipe técnica do Componente Indígena se
comprometeram em analisar o documento com cuidado (Anexo 12 -

222
Documento com as reivindicações da Aldeia Maçaranduba entregue
a empresa Vale).
A entrega de um documento com as exigências dos Guajajara da TI Caru a
propósito da duplicação da ferrovia, antes mesmo da conclusão do
Componente Indígena da duplicação da EFC, aponta para o tipo de
relacionamento que a aldeia Maçaranduba estabelece com a empresa Vale,
pautado pela pressão.

O documento entregue parte do princípio de que a duplicação da ferrovia


será realizada, independentemente do processo de licenciamento em curso,
e que, além dos recursos advindos do Acordo de Cooperação Vale/Funai,
que terminam em 2016, a comunidade solicita que a empresa invista
recursos em um conjunto de ações e programas de amplo espectro, como:
vigilância territorial; atenção à saúde; educação escolar; apoio ao ensino da
língua materna; construção de uma casa de cultura; capacitação para
gradear o solo para agricultura; e construção de uma ponte sobre o rio
Pindaré.

A construção da ponte é a reivindicação que mais mobiliza os Guajajara,


apontando para a conjunção de forças dos Guajajara dentro da TI Caru, que
vem sendo fortemente pressionada pelo entorno, correndo risco de
desmatamento progressivo, uma vez que se trata de um dos últimos
fragmentos de mata nativa do estado do Maranhão. O depoimento de
Zequinha Fonseca Guajajara dá uma noção da complexidade do tema:

Estão pedindo para fazer a ponte. Os brancos estão falando que, se


fizer a ponte, essa mata vai se acabar. Só se nós quisermos. Você
não está vindo aqui só para ver se estamos desmatando? Não veio
para ver se os índios estão cortando madeira? Se a Vale colocar tudo
aqui dentro para nós – escola para os índios não irem para
Auzilândia, aí pode fazer outro trem. Se não faz a ponte e leva um
doente e passa dois trens enormes, o doente morre até passar os
dois trens. Se colocar tudo bom aqui dentro, eu não vou para fora
vender pau e pegar cem contos para comprar remédio. Olha, está
todo mundo aqui fazendo coisa errada, mas se tivermos aqui
enfermeira, remédio, professor, ponte, nós vamos parar. Se tiver
professor aqui dentro, o pai não vai se preocupar em levar os
meninos para escola lá fora. Por acaso, eu estou na beira do rio e
estou cruzando madeira e aí o Ibama e a Funai chegam e falam –
Rapaz, você não disse que ia parar com isso? E eu prometi parar, aí
eles têm que me prender. Se o Ibama resolve que é para ter essas
coisas para os índios para passar outro trem, aí nós temos que parar
de fazer coisa errada.

223
Além do documento entregue com as reivindicações da comunidade “por
motivo da duplicação”, um pequeno grupo de indígenas da aldeia de
Maçaranduba posicionou-se contra a duplicação. Na percepção dos mais
velhos, aqueles que viram a EFC ser construída, como é o caso de
Antoninho, Pedro e Manoel Guajajara, a ferrovia contribuiu para o
aparecimento de inúmeros povoados, cujos habitantes têm invadido
constantemente seu território em busca de recursos naturais. Segundo
Manoel Guajajara:

Agora eles querem pôr outro trem aí, vai ter mais barulho. O trem
solta muita fumaça, é a diesel, dá doença dessa poeira quando passa
o trem. Passando esse outro trem, eu fico perturbado do juízo, é
muito barulho. A água do rio, com esses povoados todos não presta,
jogam cachorro morto no rio, lixo dos povoados, lixo do hospital.

E, de acordo com Pedro Guajajara:

Entra gente por tudo quando é lado aqui – a destruição é muito


grande. No verão, o pó do ferro fica do lado do trilho e nós
respiramos este pó. No inverno, o pó desce para o rio Pindaré e nós
podemos beber água do rio e passar mal por causa desse pó.

Observou-se um ponto em comum na percepção dos Guajajara da TI Rio


Pindaré e dos da TI Caru – aqueles que vivenciaram a construção da EFC e
as transformações ocorridas nas Terras Indígenas e em seus entornos, com
base em sua memória, estabeleceram parâmetros que servem para prever
e avaliar os possíveis impactos advindos da duplicação da EFC. A memória
oral desses indígenas auxiliaram na formulação das matrizes de impacto
deste Estudo.

9.2 A EFC e os Awá-Guajá

9.2.1 Relação com a ferrovia existente

Em setembro de 2002, foi apresentado para a Funai, para a Companhia


Vale do Rio Doce (CVRD) e para a Secretaria da Amazônia do Ministério do
Meio Ambiente o Relatório Awá-Guajá-2002, de José Carlos Meirelles 60 e
Mércio Gomes 61, encomendado pela Secretaria da Amazônia do Meio
Ambiente, para “servir tanto à Funai como à Companhia Vale do Rio Doce,
que tem obrigações de compensação com o povo Awá-Guajá”. Este relatório

60
Sertanista, fez o primeiro contato com um grupo Awá-Guajá em 1973, na Frente de Atração da Funai.
61
Antropólogo e ex-presidente da Funai, que contatou um grupo Awá-Guajá em 1980, na Frente de
Atração da Funai.

224
lançava as bases para a elaboração de um novo Programa de Proteção,
Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá. Cabe lembrar que o
primeiro convênio entre a CVRD e a Funai funcionou de 1982 até 1989, e o
Acordo de Cooperação iniciou-se em 2007 com término em 2016.

Este documento foi escrito com base em uma pesquisa de campo sobre a
situação dos Awá-Guajá, considerando as populações que já viviam nas
aldeias, bem como os grupos isolados, contendo recomendações em sua
conclusão voltadas para a proteção dos Awá-Guajá. Dez anos depois, por
ocasião da pesquisa de campo do Componente Indígena da duplicação da
EFC, verificou-se que estas recomendações ainda se mostram atuais,
muitas delas não tendo sido colocadas em prática 62.

De acordo com os autores:

“A viagem de campo e o presente relatório foram motivados pelo fato


de que a supervisão administrativa do Serviço de Apoio aos Guajá em
Santa Inês (SASI) havia sido transferida em junho de 2002 da
Administração de Belém para a Administração de São Luís. Tal
mudança havia sido motivada por um grave problema administrativo

62
Transcreveu-se as recomendações gerais sobre os Awá-Guajá e as específicas sobre a TI Caru:
1. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a condição dos Guajá é a de povo indígena autônomo, ou
isolado, na terminologia da Funai. Essa condição foi abolida em abril de 1995, provavelmente com a
ideia de que os postos que estavam em funcionamento davam conta da situação global. Com isso as
ações que estavam sendo executadas ficaram desguarnecidas de uma figura mais importante, como a
do sertanista, e de recursos necessários para desenvolver um programa adequado. Igualmente, é
preciso regularizar a situação administrativa da base de Santa Inês, que deve ser ligada à Administração
de São Luís, com supervisão de Brasília.
(...) 4. Retirar os arrendatários da T. I. Caru. Para isso é preciso a ajuda da Polícia Federal e um diálogo
franco com os Guajajara que lideram e dirigem o P. I. Caru para que seja terminantemente
desautorizado qualquer ato de arrendamento por parte de índios.
(...) 8. Há que se elaborar um plano de médio e longo prazo para a economia Guajá. É preciso estar
atento e monitorar a maneira como está se processando a transição da economia de diversos grupos
que vivem ao lado de postos indígenas. Se é que o uso da agricultura vai se tornar uma parte
substancial da economia Guajá, é preciso que esta venha de uma forma mais racional, mesclando as
tradições da agricultura maranhense com outros métodos e plantios. Deve-se incentivar o cultivo de
certos tipos de legumes de alto poder nutritivo, como feijões, milho, abóboras e jerimuns, o uso de
frutas e, talvez, em algum momento, algum tipo de criação. Jamais deve-se incentivar os Guajá a
plantar para ganhar dinheiro, como parece ter acontecido entre 1993 e 1996 no P. I. Guajá. É certo que
alguns grupos Guajá podem ser incentivados a ter recursos próprios, mas a obtenção de dinheiro deve
ser tentada através da economia de coleta de produtos da floresta, como óleo de copaíba e cipó titica,
muito abundantes naquela região. Por outro lado, não se deve tentar apressar o processo de adaptação
às condições de auto-sustentação, nem querer se relacionar com os Guajá como se fossem índios de
longo contato. Não cabe ser paternalista, no sentido comumente dado à palavra, mas também não cabe
tratar os Guajá como se fossem índios Guajajara. Alguns itens de necessidade atual dos Guajá devem
ser supridos gratuitamente até que chegue um tempo em que eles próprios possam obtê-los.
9. Por fim, as três instâncias a que este Relatório se dirige – a Fundação Nacional do Índio, o Ministério
do Meio Ambiente e a Companhia Vale do Rio Doce – devem se unir para formular um novo Programa de
Proteção, Assistência e Consolidação Étnico do povo Awá. As bases desse programa podem advir das
recomendações acima. Seu prazo deve ser até o ano 2020. Seu orçamento deve ser compartilhado
conforme a melhor negociação. Para o presente, é preciso que disponibilizem um montante seguro para
preencher as urgências referidas acima.

225
criado pelo então chefe do SASI, assunto que sofrera um inquérito
administrativo em agosto p.p., cujo resultado já se encontra na
presidência da Funai. O presente relatório não vai analisar esse
assunto, que tem a ver com desvios de recursos e inépcia de
contabilidade do SASI com a Companhia Vale do Rio Doce. De todo
modo, a nova administração de São Luís sentiu a necessidade de
obter uma avaliação antropológica e indigenista sobre a situação dos
índios Guajá, bem como dos instrumentos de ação com que poderia
contar daí por diante.”

O relatório informa que a TI Caru é a Terra Indígena onde vive a maioria


dos Awá-Guajá contatados, e que, desde 1992, tem sofrido grandes
invasões na parte sudoeste, onde se situa a linha seca que liga os igarapés
Água Branca às cabeceiras do rio Caru (Mapa 12 – Situação do
Desmatamento da TI Caru).

O relatório informa também que, no início da década de 1990, uma equipe


do Banco Mundial visitou por duas vezes o Posto Indígena Juriti, localizado
na confluência do igarapé Água Preta com o rio Caru, onde havia sido
encontrado um grupo Awá-Guajá em 1989. A equipe estava fiscalizando o
compromisso da Companhia Vale do Rio Doce de garantir a integridade dos
territórios indígenas, pelo empréstimo que fizera em 1981 para a
construção da EFC. Atualmente, o PIN Juriti é uma aldeia na TI Awá, e a
região citada faz limite com a TI Caru.

Além da intensificação da pressão sobre os Awá-Guajá na época da


implantação da EFC, os programas de saúde concomitantes ao trabalho das
Frentes de Atração da Funai não observaram os cuidados necessários e,
calcula-se que entre 1976 e 1980, morreram aproximadamente dois terços
da população Awá-Guajá contatada.

As informações consolidadas no relatório Relatório Awá-Guajá-2002 expõem


a fragilidade dos Awá-Guajá naquela época e relatam a transformação que
este povo sofreu a partir do contato com as Frentes de Atração da Funai,
passando da condição de caçadores-coletores seminômades para o
sedentarismo nos Postos Indígenas. Após uma década, os riscos persistem
para os Awá-Guajá, agora maximizados pela nova etapa de contato
interétnico, quando os Awá-Guajá saem da TI Caru para comercializarem
seus produtos nos povoados do entorno.

9.2.2 Relação com a Vale

Até março de 2012, o relacionamento dos Awá-Guajá com a Vale restringia-


se ao acompanhamento dos trabalhos do Componente Indígena da
duplicação da EFC. O recente contato dos Awá-Guajá e as dificuldades
impostas pela língua devem contribuir para o distanciamento da empresa,

226
comparando-se com o contato mais frequente que ela tem com os
Guajajara.

9.2.3 Posicionamento sobre o Acordo de Cooperação Vale/Funai

Em dezembro de 2011, com base nas informações dos Awá-Guajá da aldeia


Tiracambu, dos funcionários locais da Funai e na visita da equipe técnica à
aldeia Tiracambu, constatou-se que a infraestrutura das aldeias Awá-Guajá
não funcionava63. Apesar dos recursos do Acordo de Cooperação Vale/Funai
terem sido depositados na Renda Indígena na Funai, os mesmos não
chegaram nas aldeias Awá e Tiracambu desde 2009, ocasionando o
sucateamento da infraestrutura mínima para garantir condições de
segurança e bem-estar destas populações.

Em outubro de 2011, Bruno Fragoso, então coordenador da Frente de


Proteção Etnoambiental dos Awá-Guajá, da CGIIRC/Funai, informou a
equipe técnica deste Estudo que a situação na aldeia Awá estava muito
tensa, e que os indígenas haviam se posicionado no sentido de impedir a
entrada da Frente de Proteção da Funai na aldeia, enquanto não chegassem
as programações do Acordo de Cooperação Vale/Funai. Explicou também
como funcionava o Convênio nas aldeias Awá-Guajá:

“O GT (grupo de trabalho) percorre as aldeias e faz os projetos. Em


seguida, o Piancó (referindo-se ao então coordenador da CRI –
Coordenação Regional Indígena – de Imperatriz, na época), analisa,
passa para a procuradoria que, dando um parecer favorável, vai para
a Renda Indígena. Os Awá não aceitaram o GT visitá-los enquanto
não chegarem os recursos de 2009. Aí, como o GT não chegou até os
Awá, faz uma cópia e cola e fica só roupa, sandália, rede de pesca
etc.”

Em dezembro de 2011, Avelino Meireles, funcionário da Funai que mora no


Posto Indígena na aldeia Awá, informou que havia tensão com os indígenas
da aldeia Awá, uma vez que não chegavam as programações do Acordo de
Cooperação Vale/Funai desde 2009, inviabizando a entrada de equipe
técnica desse estudo.

Sabe-se, através de informações dos Awá-Guajá e dos Guajajara, que os


Awá-Guajá participaram da interdição de ferrovia em fevereiro de 2011,

63
Segundo Heimõkõma’á, da aldeia Tiracambu, “o motor de arroz está quebrado, o motor de ralar
mandioca está quebrado, o motor de encher a caixa d’água está quebrado, o motor de 15 hp está
quebrado. Tem 1 rabeta que foi para Santa Inês e voltou sem consertar, a roçadeira estragou, tudo que
chega para nós é ruim, é de má qualidade”. Além disso, não havia comunicação nem por rádio e nem
pelo SIVAM.

227
liderada pelos Guajajara da aldeia Maçaranduba, criticando o atraso da
entrega das mercadorias das programações do Acordo de Cooperação
Vale/Funai, e as condições de atenção à saúde.

9.2.4 Percepção sobre a duplicação da ferrovia

Durante visita de reconhecimento do entorno da TI Caru, em 6 de


dezembro de 2011, com os funcionários da Vale, Ana Edithe S. Costa,
Daniela Ferraro e Ilzon Paixão, fomos surpreendidos pela implantação de
um canteiro de obras entre os povoados de Altamira e Roça Grande,
próximo da aldeia Tiracambu (Mapa 8 – Aldeia Tiracambu com projeto
de Duplicação da EFC).

Na época os técnicos responsáveis Sérgio Travassos, da Ductor, e Renato


Garcez, da Odebrecht, informaram que a licença ambiental do canteiro
estava sendo esperada para o início de 2012, e o processo de licenciamento
corria entre a Odebrecht e a Secretaria do Meio Ambiente (Sema). Estes
técnicos contaram que, em Altamira, tinham ouvido falar da existência dos
índios, que traziam carne de caça para vender no povoado.

A localização do canteiro de obras em Altamira trouxe grande apreensão


para a equipe técnica do Componente Indígena, dada a proximidade da
aldeia Tiracambu, com uma população de 53 pessoas com 30 anos de
contato face aos novecentos trabalhadores morando no canteiro de obras a
menos de 2 km da aldeia. Esta problemática foi levada para análise da Vale.

Em março de 2012, quando a equipe técnica retornou para a TI Caru, o


canteiro de obras estava fechado. Durante a pesquisa de campo na aldeia
Tiracambu, o cacique Txiparentxa’á falou que: “não pode ter canteiro em
Altamira, só lá depois do igarapé Água Branca”. Em maio de 2012, a Vale
informou que o canteiro da duplicação da ferrovia no trecho da TI Caru não
seria mais em Altamira.

Em dezembro de 2011, no primeiro contato com os Awá-Guajá na aldeia


Tiracambu, foram mostrados mapas com o projeto da duplicação e os
indígenas posicionaram-se radicalmente contra a duplicação. O cacique
Txiparentxa’á disse que os Awá-Guajá não queriam a duplicação porque o
barulho dos trens espanta os bichos, fazendo-os caçar longe. O jovem Amirí
explicou:

A gente tem que ir longe para caçar. Nós não sabíamos o que era
essa ferrovia quando fez. O branco tem outra língua, nós temos que
aprender a língua dele. No mato, as crianças pequenas ficam com
medo quando passa o trem, perguntam se é onça, a gente fala que
não, que é o trem. Os velhos falam que só tinha uma casa em Roça
Grande. Depois da estrada, tem muita casa, é ruim. Os velhos

228
andavam no trilho e não sabiam o que era. Tinha muita mata do
outro lado do trem, agora nada. Para pegar caça, tem que ir longe –
sai da Tiracambu, anda um dia todo, dorme no tapiri, anda até 13h,
outro dia chega outro tapiri, pra lá vai caçar.

Marakutxa’á e Amirí, 2011 (Foto: Sônia Lorenz).

Posteriormente, em março de 2012, a equipe técnica retornou para as


aldeias Awá e Tiracambu, e, nesta época, foi possível realizar a pesquisa de
campo, e apresentar o projeto da duplicação da ferrovia com auxílio de
cartografia e do tradutor Geir Guajá. Nas duas comunidades, os Awá-Guajá
participaram intensamente das apresentações, fizeram perguntas e
localizaram-se nos mapas. A apresentação do projeto de duplicação da
ferrovia não foi fácil, por motivos distintos, uns relacionados à operação da
EFC, outros às condições gerais de assistência dos Awá-Guajá, que
resumimos a seguir: (i) o barulho dos trens é um impacto direto na vida
cotidiana dos Awá-Guajá; (ii) a ineficiência do Acordo de Cooperação
Vale/Funai, com atraso das entregas desde 2009, gerava revolta entre os
Awá-Guajá e monopolizava as conversas com a equipe técnica, como já
havia acontecido nas aldeias da TI Rio Pindaré; (iii) a Reestruturação da
Funai deixou os Awá-Guajá desguarnecidos da proteção e infraestrutura
necessárias para um povo recém-contatado, diferentemente da situação dos
Guajajara.

Sempre com auxílio do tradutor, explicou-se o passo-a-passo do processo


de licenciamento: o Componente Indígena é uma exigência da lei devido ao
projeto de duplicação estar próximo de Terras Indígenas; faz parte de um
estudo maior de toda a região de influência da duplicação da EFC; o

229
Componente Indígena deve ser elaborado ouvindo os indígenas; seus
resultados devem ser apresentados para as comunidades indígenas; o
relatório final é analisado pela Funai, que envia parecer para o Ibama, que é
o órgão licenciador.

O projeto de duplicação da ferrovia foi apontado nos mapas, possibilitando


que os Awá-Guajá visualizassem suas aldeias, a aldeia Maçaranduba, o
limite da TI Caru, o rio Pindaré e os igarapés, os povoados do entorno, a
estrada de serviço da Vale, a ferrovia existente e sua duplicação proposta
(Mapas 5, 6 e 7). Registrou-se a conversa com os Awá-Guajá nas duas
aldeias, traduzidas simultaneamente por Geir Guajá.

Aldeia Awá

Reunião sobre o Projeto de Duplicação da EFC na aldeia Awá, 20 de mar. de 2012


(Foto: Sônia Lorenz).

Nesta apresentação, os mais velhos Txiami, Tataicamarrá e Txiborrá


contaram como haviam chegado ao Posto Indígena Awá, como era a região
antes da construção da ferrovia, sendo possível traduzir e registrar apenas
o essencial da reunião.

Como era antes de construírem a ferrovia?


Era só mata. Tinha muito capelão. Ali, para baixo da farmácia, foi uma moradia
deles, agora fizeram muita roça. Aqui por perto não tem mais caça.

230
Eles viram construir a ferrovia?
Alguns viram construir a ferrovia, antes não tinha essa estrada, os karawya vinham
numa picada de jumenta, vinham botar roça, ainda não tinha esses povoados, só
tinham umas casinhas de moradia de caboclos.

Antes de ter a Frente de Atração da Funai os diferentes grupos se


encontravam, se comunicavam na mata?
O grupo do Txiami encontrava outro grupo do pai do Geir. Txiami também
encontrava com outra família, do Taquari.

Cada grupo, cada família tinha um território?


A família do Geir gostava de viver no cocal, gostava de matar poraquê no Caru. A
família do Txiami também gostava de coco e de um tipo de batata maratãn.

Como foi para eles o tempo da Frente de Atração da Funai?


Txiami contou que tinha um karay que andava no mato caçando de cachorro e vendo
eles no mato. Aí gente que não era da Funai começou a dar farinha para ele e eles
foram se acostumando. O contato do Txiami com os karay foi antes da Frente.
Tataicamarrá contou que Geir foi o primeiro contato dele. Os karay que entravam na
mata viam o grupo dele. Agora ele acha bom morar na aldeia, é mais seguro. Antes,
eles corriam de lá para cá e não paravam. Eles não paravam por causa dos Ka’apor e
dos karay.

Quais são as vantagens de estar na aldeia?


A segurança da Funai.

O que vocês acham que acontece construindo uma ferrovia do lado da


outra?
Txiami acha que não é bom pôr outro trilho porque é muito barulho. Os trens já
passam muitas vezes e aí vai aumentar, e aí as caças vão para mais longe. Os
caçadores estão falando que não querem que faça mais ferrovia, não querem
mesmo. Um caçador foi de noite caçar capelão e aí o trem passou bem naquela hora
e o bando de capelão foi embora.

Mas e se o Ibama deixar a Vale construir outro trem, mesmo eu falando que
vocês não querem, precisamos pensar nisso.
Eles estão falando que, se a Vale quer fazer outra estrada, a Vale tem que fazer uma
casa boa para cada família, casa bem feita de telha, construir uma enfermaria, escola
como tem nas outras aldeias, tirar os invasores.

Iracatacô falando por todos após grande discussão.


Precisamos de transporte, ninguém resolve nada por nós. Nós queremos escola para
os meninos aqui dentro, nós precisamos de quatro rodas para a estrada, enfermaria,
rabeta 25, enfermeira, a farmácia está estragada de cupim.

Os jovens Samiã e Amirí explicando para os velhos.


Isso deveria ser dado por esse convênio que não funciona.

231
Iracatacô e esposa, 2012 (Foto: Sônia Lorenz).

Aldeia Tiracambu

Nesta aldeia, após a apresentação do projeto de duplicação, Kamairú


lembrou que: “Antigamente, tinham poucas casas nos povoados. Depois
aumentou – eu não sei de onde vem tanto karay. Antigamente, só tinha
uma casa na comunidade de Roça Grande”.

Quando os Awá-Guajá entenderam que poderia passar outro trem, e que


haveria um período de obras nos povoados de Roça Grande e Altamira,
falaram:

Vai ter muito barulho. A gente não aceita, mas a Vale fala com o
Ibama. Primeiro tem que fazer determinadas coisas para o índio e só
depois pode fazer a ferrovia. O irmão mais velho do cacique está
dizendo que precisam fazer tudo antes das obras, para eles liberarem
a duplicação. Se não acontecer isso, não pode fazer.

Constatou-se que apenas Geir Guajá e alguns jovens conseguiram avaliar a


escala do projeto de duplicação da EFC. Estas mesmas pessoas explicaram
para seus parentes que havia uma distinção entre a lista de tudo que
estavam precisando, que deveria ser coberta pelo Acordo de Cooperação
Vale/Funai, e pelas ações da Seduc e Sesai, das medidas e programas
necessários, caso o empreendimento fosse licenciado.

232
Reunião sobre o Projeto de Duplicação da EFC na aldeia Tiracambu, 22 de ma. de
2012 (Foto: Sônia Lorenz).

233
234
Tomo V - Avaliação dos Impactos Ambientais

235
236
1. Identificação e avaliação dos impactos socioambientais

Este capítulo articula as informações necessárias à elaboração das matrizes


de impacto e sua análise, contendo:

- método adotado para construção e avaliação das matrizes de


impacto;

- definição da área de influência direta do empreendimento para o


Componente Indígena;

- matriz de impactos da TI Rio Pindaré;

- duas matrizes de impacto da TI Caru, a dos Guajajara e a dos Awá-


Guajá;

- matriz-síntese, consolidando os impactos similares e distintos


contidos nas três matrizes;

- análise dos impactos.

1.1 Método adotado para a construção e avaliação das


matrizes de impacto

Após a conclusão do diagnóstico das duas Terras Indígenas, a partir desta


visão de conjunto, a equipe técnica definiu o número de matrizes de
impacto deste Estudo, considerando as TIs Rio Pindaré e Caru, e o fato da
TI Caru abrigar duas etnias. As três matrizes de impacto – TI Rio Pindaré,
TI Caru/Guajajara e TI Caru/Awá-Guajá – apontam características
disjuntivas entre estes três grupos, mas, permanecem ancoradas às
especificidades das duas unidades de análise deste Estudo – as Terras
Indígenas Rio Pindaré e Caru. O que se destaca entre as duas Terras
Indígenas – suas condições ambientais diferenciadas e as especificidades do
contato interétnico de cada grupo analisado – foi determinante para a
análise dos impactos.

A eleição dos critérios para classificação dos impactos é resultado de vários


fatores, como: a compreensão do projeto executivo da duplicação da
ferrovia; as etapas da obra; a utilização constante das informações
sistematizadas nos diagnósticos da TI Rio Pindaré e TI Caru, que, sem
desconsiderar as fontes secundárias, foram organizadas privilegiando a
observação de campo e as respostas dadas pelos Guajajara e Awá-Guajá,
em atendimento aos itens do Termo de Referência da Funai.

237
A convivência dos Awá-Guajá e dos Guajajara das duas Terras Indígenas
com a EFC, desde sua construção, é uma experiência amplamente
vivenciada por estas comunidades indígenas. Esta convivência possibilita
que os indígenas utilizem a ferrovia existente como protótipo para os
possíveis impactos que a duplicação da mesma poderá suscitar. As
percepções indígenas sobre os impactos foram consideradas pela equipe
técnica na elaboração das matrizes de impacto.

As matrizes de impacto foram estruturadas de acordo com o cronograma da


obra apresentado no estudo “Duplicação da Estrada de Ferro Carajás – EFC.
Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental – EA/PBA”, Anexo 4, v. 1.
Elaborou-se um resumo deste cronograma geral (Anexo 4 - Cronograma
Físico das Atividades de Pátio e Duplicação da EFC), focando as
atividades que acontecem nas locações próximas da TI Rio Pindaré e TI
Caru. Este cronograma já está superado, porém, considerando que as
etapas da obra serão as mesmas, independentemente da data do início das
atividades, e que elas ocorrem de forma sequencial nas locações próximas
das duas Terras Indígenas, considerou-se as etapas deste cronograma para
avaliação dos impactos.

A seguir, aparecem as figuras com os seguimentos da obra de duplicação da


ferrovia nas proximidades da TI Rio Pindaré e Caru. Estas figuras foram
apresentadas pela Vale aos Guajajara da aldeia Januária/TI Rio Pindaré em
27/06/2011, e aos Guajajara da aldeia Maçaranduba/TI Caru em
28/06/2011, durante comunicação sobre o empreendimento e a
necessidade legal da realização do Componente Indígena.

238
Figura 1.1.1 – TI Rio Pindaré e segmentos da EFC

Fonte: Vale, 2011.

Figura 1.1.2 – TI Caru com os segmentos da duplicação da EFC, 2011.

Fonte: Vale, 2011.

239
Outra questão a ser considerada na elaboração das matrizes de impacto é o
fato de o cronograma da duplicação não incluir os canteiros avançados e os
canteiros principais, em função do licenciamento dos canteiros-de-obra
fazer parte de outro processo de licenciamento, entre as empresas
parceiras da Vale e a Sema. Avaliando a falta de informações relativas às
localizações dos canteiros principais e avançados64, e as características dos
canteiros principais, a equipe técnica reportou-se à Vale antes do
fechamento deste Estudo, obtendo o seguinte posicionamento da empresa:

“A Engenharia do projeto está realizando uma série de análises e


reformulações, inclusive na questão dos canteiros. Isto está em
processo e não temos condições de encaminhar informações
atualizadas neste momento, até porque estas informações ainda não
estão definidas e consolidadas. As informações válidas são aquelas
disponibilizadas até o momento. A empresa deverá informar para a
Funai e indígenas sobre eventuais alterações no projeto que sejam
relevantes”.

Analisando o cronograma da obra (Anexo 4 - Cronograma Físico das


Atividades de Pátio e Duplicação da EFC) optou-se por adotar as etapas
da obra de forma compacta, evitando assim a repetição de impactos dentro
de uma mesma etapa da duplicação da ferrovia. Por exemplo, na fase de
Instalação ocorrem várias etapas: mobilização de mão-de-obra;
desmatamento, limpeza e destocamento; bueiros; diversos tipos de
terraplanagem; pátios; construção de obras-de-arte, como pontes;
instalação do canteiro principal e dos canteiros avançados; construção de
prédios, como base de emergência e prédio administrativo; instalação da
supraestrutura; desmobilização da mão-de-obra. Desta forma, esse
conjunto de atividades foi resumido como Instalação na matriz de impacto.

Portanto, as matrizes de impacto subdividem-se em apenas três etapas –


Planejamento, Instalação e Operação – sendo apontados e avaliados os
impactos de acordo com as características de cada uma destas três etapas
da duplicação da EFC.

A avaliação dos impactos dividiu-se entre meio físico-biótico e antrópico. A


denominação “meio socioeconômico”, comumente utilizado nos Estudos de
Impacto Ambiental (EIA) foi substituída por meio antrópico, já que,
conceitualmente possui um significado mais amplo, abarcando tanto os
impactos relacionados à cultura material e imaterial do grupo (como, por
exemplo, a transmissão dos conhecimentos tradicionais dos rituais), como

64
Segundo informações da Vale, o canteiro principal localiza-se em área urbana, possuindo alojamento
para mão-de-obra, refeitórios, oficinas, áreas administrativas etc., funcionando como base para
implantação da infraestrutura e supraestrutura de um conjunto de segmentos da obra. O canteiro
avançado localiza-se dentro da faixa de domínio da ferrovia, servindo como frente de obra para a
instalação da supraestrutura e para a construção das obras-de-arte daquele trecho.

240
os impactos sobre as condições socioeconômicas da comunidade (como, por
exemplo, a infraestrutura de saúde nas aldeias).

Um dos critérios para avaliar os impactos diz respeito à sua reversibilidade,


tendo grande importância para a próxima fase do Componente Indígena, a
elaboração do Programa Básico Ambiental (PBA). Esta pontuação registra
que os impactos adversos só serão reversíveis, caso as medidas mitigadoras
ou compensatórias indicadas na matriz de impactos e desenvolvidas na fase
do PBA, de fato sejam implantadas.

Ficou registrado na matriz de impactos a responsabilidade da


implementação dos programas, cabendo à ressalva que, mesmo
considerando aspectos que são responsabilidade do poder público, como é o
caso da atenção à saúde indígena, a mitigação e a compensação dos
impactos são responsabilidade do empreendedor.

O Quadro 1.1.1 resumiu os critérios adotados para mensurar e avaliar os


impactos.

Quadro 1.1.1: Classificação e critério dos atributos dos impactos.

Classificação Critério Descrição Legenda

Planejamento: divulgação do
empreendimento e realização dos serviços P
de campo
Instalação: mobilização e contratação de
Etapas da
mão-de-obra; operação dos canteiros de
Etapa implantação do
obras (principais e avançados); construção
empreendimento I
da infraestrutura; construção da
superestrutura; desmobilização de mão-de-
obra
Operação O
Ocorrência dos impactos nos traços
Meio antrópico MA
socioculturais e econômicos
Meio Incidente
Ocorrência dos impactos no meio físico e nos
Meio físico-biótico MFB
ecossistemas aquáticos e terrestres
Regional: extrapolam os limites da Área de
Influência Indireta (AII) – os impactos
Locais onde os R
ocorrem de forma disseminada
efeitos dos espacialmente
impacto são
Abrangência Entorno: o impacto se reflete inclusive na
sentidos,
Área de Influência Direta (AID), na área E
incidindo sobre a
circunvizinha a TI
TI
Localizada – a área de ocorrência é bastante
L
clara e restrita a TI
Efeitos do Benéfico BE
Natureza
impacto Adverso AD
Como o impacto Impacto direto D
Forma
se manifesta Impacto indireto I

241
Tempo de Permanente P
Duração persistência do
Temporário T
impacto
Irreversível IV
Se o impacto
pode ser evitado,
Reversibilidade
mitigado ou Reversível RV
compensado

Descreve a Alta A
intensidade de
transformação da
Magnitude situação pré-
existente do fator Média M
socioambiental
impactado Baixa
B

Instância Empreendedor EMP


responsável pela
implantação das Governo: Funai; Incra; Sesai; Seduc/MA; Utilização
Responsabilidade prefeituras e governo do Estado do das siglas
medidas
mitigadoras e Maranhão
compensatórias

Em resumo, as matrizes de avaliação de impactos foram construídas com


base no diagnóstico das Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru, e, no caso da
TI Caru, elaborou-se duas matrizes, a TI Caru/Guajajara e a TI
Caru/Awá-Guajá. Avaliando o resultado das três matrizes, observou-se
que alguns impactos se repetem, induzindo a uma nova classificação com
base nas seguintes regularidades:

- impactos que incidem em apenas um dos três grupos;

- impactos que incidem em dois ou três grupos de forma similar;

- impactos que incidem nos três grupos, mas com especificidades;

Procedeu-se então à numeração dos impactos, de 01 a 22, descartando-se


os impactos repetidos, gerando uma matriz-síntese: Relação e
intersecção das três matrizes de avaliação de impactos. Mantiveram-
se as três matrizes de impacto neste capítulo, porque elas são a memória
do conjunto de impactos incidente em cada um dos três grupos: TI Rio
Pindaré, TI Caru/Guajajara e TI Caru/Awá-Guajá.

É importante registrar que a matriz de impactos TI Caru/Awá-Guajá não


pode ser usada como parâmetro para estimar-se os possíveis impactos da
duplicação da EFC com relação ao grupo Awá-Guajá em isolamento
voluntário dentro da TI Caru.

242
1.2. Definição da área de influência direta (AID) do
empreendimento para o Componente Indígena

O estudo Duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) – Estudo Ambiental


e Plano Básico Ambiental (EA/PBA) definiu a Área de Influência Direta (AID)
do empreendimento com critérios de análise que não se adequam ao Estudo
do Componente Indígena. Esta constatação levou a equipe técnica a
redefinir a Área de Influência Direta considerando a localização das duas
Terras Indígenas com relação ao empreendimento.
Para o EA/PBA citado, a Área de Influência Direta (AID) compreende a faixa
de 500 m de largura a partir do eixo da ferrovia para os dois lados.
Verificando a plotagem de 500 metros utilizada no EA/PBA, constatou-se
que em vários pontos o limite da AID sobrepõe o limite da TI Caru,
conforme fica claro no Mapa 5 – TI Caru com o projeto de Duplicação
da EFC. Esta visualização levou a outras verificações, como são os casos da
legislação e das características antropológicas dos Awá-Guajá e Guajajara.

A Portaria Interministerial nº 419, de 26/10/2011, dispõe sobre a


interferência de empreendimentos em Terra Indígena:

“§ 2º Para fins do disposto no caput deste artigo, presume-se a


interferência:
I – em Terra Indígena, quando a atividade ou empreendimento
submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em Terra Indígena
ou apresentar elementos que possam gerar dano socioambiental
direto no interior da Terra Indígena, respeitados os limites do Anexo
II;”

Segundo o Anexo II, para a implantação de ferrovias na Amazônia Legal


consta à distância de 10 km. Não há uma indicação precisa se esta distância
corresponde à área que deve ser estudada ou a distância mínima entre o
empreendimento e o limite da Terra Indígena. De qualquer forma, não é
possível analisar os impactos da duplicação da EFC nas duas Terras
Indígenas restringindo-se aos 10 km, e descartando a maior parte de seus
territórios.

Verificou-se quais são as menores distâncias entre a ferrovia e o limite das


Terras Indígenas, dando 2.070 m para a TI Rio Pindaré, na região do
município de Tufilândia (Mapa 3 – TI Rio Pindaré com o projeto de
Duplicação da EFC), e, aproximadamente, 300 m em vários pontos para a
TI Caru (Mapa 6 – Aldeia Maçaranduba com Projeto de Duplicação da
EFC, Mapa 7 – Aldeia Awá com Projeto de Duplicação da EFC, Mapa 8
– Aldeia Tiracambu com Projeto de Duplicação da EFC).

243
O levantamento georeferenciado do entorno das duas Terras Indígenas,
bem como os relatos dos indígenas sobre suas atividades produtivas e sobre
o contato interétnico travado nestas regiões, indicam que há intensa
movimentação dos indígenas na faixa existente entre a ferrovia e os limites
das TIs Rio Pindaré e Caru.

No caso da TI Rio Pindaré, o rio Pindaré é constantemente acessado pelos


Guajajara para pesca, locomoção entre as aldeias e os centros de produção.
Nesta região, entre o rio Pindaré e a ferrovia, localizam-se os povoados
Colônia Pimentel, Bambu, Lajes, bem como a cidade de Tufilândia, cujos
habitantes invadem constantemente a TI Rio Pindaré para pescar e caçar,
como foi informado pelos Guajajara.

A conformação geográfica da TI Caru em relação à EFC traz outras


complexidades para esta análise, dado à sua maior proximidade da ferrovia,
da estrada de servidão da Vale e dos povoados da região. Além da pequena
distância da ferrovia com relação ao limite desta Terra Indígena, as aldeias
da TI Caru são acessadas pela estrada de serviço da Vale, conforme foi
visto no Tomo IV, item 2. Acessibilidade e transporte, e estão distantes da
ferrovia respectivamente: Maçaranduba 1.500 m, Awá 2.200 m, e
Tiracambu 1.300 m.

A faixa existente entre a estrada de serviço da Vale e o limite da TI Caru,


que vem a ser o rio Pindaré, é uma região de crescente movimentação para
os Awá-Guajá, como foi visto no diagnóstico da TI Caru, no Tomo IV. A
foto abaixo ilustra a condição geográfica desta faixa, onde aparece a
ferrovia, o rio Pindaré e a mata da TI Caru ao fundo. Esta foto foi tirada da
estrada de serviço da Vale, um pouco antes da entrada para a aldeia Awá,
numa região onde é possível encontrar os Awá-Guajá nas praias do rio
Pindaré, andando pela estrada de serviço da Vale, no acesso para a aldeia,
e nas vicinais que acessam os povoados mais próximos, como Boa Vista e
Auzilândia.

244
A EFC, o rio Pindaré, e a TI Caru, 2011 (Sônia Lorenz).

Da mesma forma como ocorre na TI Rio Pindaré, os habitantes dos


povoados da região da TI Caru – Roça Grande, Altamira, Boa Vista,
Auzilândia, Três Bocas, Mineirinho, invadem constantemente esta área
indígena em busca de recursos naturais, como caça, pesca, madeira, frutos
etc., transpondo a faixa entre os povoados e a TI Caru.

Analisando o cenário da duplicação da EFC no entorno das duas Terras


Indígenas, considerou-se a Portaria Interministerial nº 419 e as informações
contidas nos diagnósticos da TI Rio Pindaré e TI Caru, que incluem as
percepções dos Guajajara e Awá-Guajá sobre a duplicação da EFC, para
delimitar a Área de Influência Direta (AID) específica para avaliar os
impactos no meio físico-biótico e no antrópico, do Estudo do Componente
Indígena das Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru. Para análise dos
impactos da duplicação da EFC na TI Rio Pindaré, estipulou-se a área que se
estende do leito da atual ferrovia até o limite desta área indígena, incluindo
a área total da TI Rio Pindaré; e para análise dos impactos na TI Caru,
definiu-se a área que se estende da estrada de serviço da Vale até o limite
desta área indígena, mais sua área total.

Desta forma, as áreas de influências diretas estipuladas para esse estudo


compreendem o território integral da TI Caru e da TI Rio Pindaré, havendo
uma diferenciação na pontuação dos impactos entre as duas Terras
Indígenas, em função de a TI Caru encontrar-se mais próxima da região da
duplicação da ferrovia, e devido ao contato recente dos Awá-Guajá.

245
Cabe lembrar que as três Terras Indígenas com populações Awá-Guajá
contatadas são áreas contínuas – Terras Indígenas Caru, Awá e Alto Turiaçu
(Anexo 1 - Carta Imagem das Terras Indígenas: Alto Turiaçu, Awá e
Caru - MA).

Geir Guajá com família no povoado Roça Grande, próximo à aldeia Tiracambu, a
poucos metros da EFC, 2012 (Foto: José Ferreira).

Retorno da família de Kamairú de uma expedição de caça para aldeia Tiracambu,


2012 (Foto: Sônia Lorenz).

246
Cabe ainda analisar os atributos da área das obras propriamente dita da
duplicação da ferrovia, definidas no v. 1, p. 319, capítulo 3.2 Alternativas
locacionais, do estudo Duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) –
Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA):

“- A linha tronco da EFC e sua respectiva faixa de domínio, cuja


largura em média é de 40 metros para cada lado da linha, que já
estão em operação;

- A distância média entre a linha tronco e a linha de duplicação objeto


deste estudo será de 5 metros, de modo que a duplicação se manterá
quase que totalmente restrita à atual faixa de domínio;

- Em alguns trechos da ferrovia será necessária a ampliação dessa


faixa de domínio, configurando em cerca de 213 hectares de área,
distribuídos em 256 polígonos.”

Com base nestas informações conclui-se que as obras de infraestrutura e


supraestrutura ocorrem paralelamente ao trilho da atual ferrovia, a
aproximadamente 5 m da linha existente, entre a ferrovia e a estrada de
serviço da Vale, quase sempre dentro dos 80 m da faixa de domínio da EFC.

Segundo informações dos funcionários da Vale, que trabalham no projeto de


engenharia da expansão da ferrovia em São Luís, as obras da duplicação se
manterão totalmente restritas à faixa de domínio da ferrovia. No entanto,
havendo percorrido a região da TI Caru com os indígenas, em março de
2012, observou-se que a faixa de domínio de 80 m da ferrovia não é
cercada, que algumas obras-de-arte (pontes, viadutos) serão construídas
nas proximidades dos acessos para as aldeias65, e que a estrada de serviço
da Vale corre paralela à ferrovia. Analisando estes fatores e observando que
é uma região de trânsito dos indígenas, conclui-se que a realização das
obras de duplicação da ferrovia podem trazer inúmeros riscos para os
indígenas da TI Caru, mesmo que realizadas dentro da faixa de domínio da
EFC.

Recomenda-se que o canteiro principal localize-se fora da região onde o rio


Pindaré é limite da TI Caru, a partir do povoado de Presa do Porco (no
sentido Carajás) e depois da cidade de Alto Alegre do Pindaré (sentido São
Luís).

Recomenda-se também que os canteiros avançados, que são responsáveis


pela implantação da superestrutura e das obras-de-arte das locações 18, 19

65
É exemplo a ponte sobre o igarapé Igarapá, situado a poucos metros do rio Pindaré e do acesso para
aldeia Awá.

247
e 20, conforme Figura 1.2.2, sejam instalados distante dos acessos para as
aldeias Maçaranduba, Awá e Tiracambu (vide Mapas 6, 7, e 8).

Registra-se que, até a conclusão deste Estudo, não foi possível esclarecer
as falhas de continuidade da linha de duplicação da ferrovia da região
limítrofe a TI Caru que aparecem no projeto executivo, no sentido Carajás-
São Luís, antes do povoado de Três Bocas; depois da ponte do igarapé
Igarapá; e entre os povoados de Roça Grande e Altamira (Vide Mapas 6, 7
e 8). Possivelmente, essas falhas correspondem aos trechos da ferrovia que
já foram duplicados, ou, aos pátios de manobra.

248
1.3. Matrizes de Avaliação de Impactos Ambientais

Matriz de Avaliação de Impactos – TI Rio Pindaré

Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente

REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

de
Apresentação do Componente Indígena e
1 P MA Expectativas em relação ao empreendimento L B/ A D T R B Programa Comunicação Social para os EMP
Guajajara

EMP
2 I MA Alteração da renda das famílias indígenas L B D T R M Programa de Fortalecimento Institucional
FUNAI

Programa de Saúde para os Trabalhadores com


controle de endemias EMP
3 I MA Alteração no quadro nosológico
L/E A D T R M Programa de Educação Sexual para os SESAI
Trabalhadores

Aumento da pressão sobre a infraestrutura de


Programa de Saúde para os Trabalhadores com EMP
4 I MA saúde E A I T R M
controle de endemias

Programa de Comunicação Social para os


Insegurança social com a intensificação da Trabalhadores
exposição dos indígenas ao alcoolismo, Programa de Comunicação Social para os
5 I MA drogas, prostituição e violência Guajajara EMP
L/E A D T I/R M
Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores

249
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Rio Pindaré

Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente

REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

de
FUNAI
Programa de Fiscalização de Fronteiras
6 I MA Aumento da pressão fundiária no entorno da E A I T R A INCRA
Regularização Fundiária
TI

EMP
Intensificação da pressão sobre o patrimônio Programa de Valorização Cultural e
7 I MA L A I T R M SEDUC
cultural fortalecimento linguístico

Redução da renda das famílias indígenas EMP


8 I MA L A D T R M Programa de Fortalecimento Institucional
com a desmobilização da mão-de-obra FUNAI

Alteração da qualidade da água do rio Programa de Monitoramento da Qualidade da


9 I MFB E/ L A D T R A EMP
Pindaré, igarapés e lagos da TI Água

Programa de Comunicação Social para os


Intensificação da pressão sobre o ambiente Trabalhadores EMP
10 I MFB L A D/I T R M
natural pela invasão de não indígenas Programa de Fiscalização de Fronteiras FUNAI
Programa de Recuperação Ambiental

Programa de Comunicação Social para os


Intensificação da pressão sobre a mastofauna Trabalhadores EMP
11 I MFB L A D T R A
e ictiofauna pela invasão de não indígenas Programa de Fiscalização de Fronteiras FUNAI
Programa de Recuperação Ambiental

250
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Rio Pindaré

Responsabilida
ABRANGÊNCIA
Meio incidente

REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

de
Realização de Estudo da dinâmica da caça
Intensificação da pressão sonora sobre a
12 I MFB L/E A D T I M terrestre associado a emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental

Intensificação da pressão sobre a mastofauna FUNAI


11 O MFB L A I P R A Programa de Fiscalização de Fronteiras
e ictiofauna pela invasão de não indígenas

Intensificação da poluição dos recursos Políticas públicas na área de saneamento básico Gov. MA
13 O MFB R A I T R A
hídricos devido ao crescimento demográfico Prefeituras

Descarrilamento e outros tipos de acidentes Medidas emergenciais de redução de impactos


14 O MFB E A I T R B EMP
ferroviários

Realização de Estudo da dinâmica da caça


Aumento da pressão sonora sobre a
15 O MFB E A D P I M terrestre associado à emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental

251
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Apresentação do Componente Indígena
1 P MA Expectativas em relação ao empreendimento L A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
Guajajara

Programa de Sinalização
Aumento das restrições na acessibilidade às
16 MA L/E A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
I aldeias
Guajajara

Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os
Riscos de acidentes decorrentes das obras Trabalhadores, específico sobre os Guajajara
21 I MA E A D T R/I A EMP
civis da duplicação Programa de Comunicação Social para os
Guajajara
Indenização caso haja acidentes

Programa de Saúde para os Trabalhadores


com controle de endemias EMP
3 I MA Alteração no quadro nosológico L/ E A D T R M
Programa de Educação Sexual para os SESAI
Trabalhadores

Aumento da pressão sobre a infraestrutura de Apoio do empreendedor ao atendimento de


4 I MA E A I T R M EMP
saúde saúde da Sesai na TI Caru

252
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores
Insegurança social com a intensificação da
Programa de Comunicação Social para os
5 I MA exposição dos indígenas ao alcoolismo, L/ E A D T I A EMP
Guajajara
drogas, prostituição e violência
Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores

Aumento da pressão fundiária no entorno da Programa de Fiscalização de Fronteiras FUNAI


6 I MA E A I T R A
TI Regularização Fundiária INCRA

Intensificação da pressão sobre o patrimônio Programa de Valorização Cultural e EMP


7 L A I T I A
I MA cultural fortalecimento linguístico. SEDUC

Alteração da qualidade da água do rio Pindaré Programa de Monitoramento da Qualidade da


9 I MFB E/ L A D T R A EMP
e igarapés da TI Água

Programa de Comunicação Social para os


Trabalhadores
Intensificação da pressão sobre a mastofauna Programa de Fiscalização de Fronteiras EMP
11 I MFB L A D T R A
e ictiofauna pela invasão de não indígenas Programa de Recuperação Ambiental FUNAI

253
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Intensificação da pressão sobre a mata nativa Programa de Fiscalização de Fronteiras EMP
17 I MFB L A I T R A
da TI Caru com supressão de vegetação Programa de Recuperação Ambiental FUNAI

Realização de Estudo da dinâmica da caça


Intensificação da pressão sonora sobre a
12 I MFB E/ L A D T I A terrestre associado à emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental

Realização de Estudo da dinâmica da caça


18 O MA Aumento da geração de ruídos L A D P I A terrestre associado à emissão de ruídos EMP
Recuperação Ambiental

Intensificação da pressão sobre a mastofauna


11 O MFB L A D T R A Programa de Fiscalização de Fronteiras FUNAI
e ictiofauna pela invasão de não indígenas

Intensificação da pressão sobre a mata nativa Programa de Fiscalização de Fronteiras EMP


17 O MFB L A I T R A
da TI Caru com supressão de vegetação Programa de Recuperação Ambiental FUNAI

Intensificação da poluição dos recursos Políticas Públicas na área de Saneamento Gov. MA


13 O MFB R A I P R A
hídricos devido ao crescimento demográfico Básico Prefeituras

254
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Guajajara

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Descarrilamento e outros tipos de acidentes Medidas emergenciais de redução de impactos
14 O MFB E A D I R A EMP
ferroviários

Realização de Estudo da dinâmica da caça


15 O MFB Aumento da pressão sonora sobre a L/E A D P I M terrestre associado à emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna Programa de Recuperação Ambiental.

255
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Apresentação do Componente Indígena
Expectativas em relação ao empreendimento, L A D T R A EMP
1 P MA Programa de Comunicação Social para os
incluindo rejeição à duplicação da EFC
Awá-Guajá

Intensificação da busca de alternativas de


MA EMP
19 I renda, ocasionando pressão sobre o modo de L A D P R A Programa de Etnozoneamento
FUNAI
vida tradicional

Risco para a integridade física dos Programa de Comunicação Social para os


20 I MA E A D T I/R A EMP
trabalhadores da duplicação da EFC Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá

Programa de Sinalização
Aumento das restrições na acessibilidade às Le
16 I MA A D T R A Programa de Comunicação Social para os EMP
aldeias E
Awá-Guajá

Programa de Sinalização
Riscos de acidentes decorrentes das obras E/L A D T R/I A Programa de Comunicação Social para os EMP
21 I MA
civis da duplicação da EFC Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
Programa de Comunicação Social para os
Awá-Guajá
Indenização em caso de acidentes

256
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
Insegurança social com a intensificação da Programa de Comunicação Social para os
5 I MA E/L A D/I T R/I A EMP
exposição dos indígenas ao alcoolismo, Awá-Guajá
drogas, prostituição e violência Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores

Programa de Saúde para os Trabalhadores


com controle de endemias EMP
3 I MA Alteração no quadro nosológico L/ E A D T R A
Programa de Educação Sexual para os SESAI
Trabalhadores

Apoio do empreendedor ao atendimento de


Aumento da pressão sobre a infraestrutura de EMP
4 I MA E/ R A I T R M saúde da SESAI na TI Caru
saúde

Aumento da pressão fundiária no entorno da Programa de Fiscalização de Fronteiras FUNAI


6 I MA E A I T R A
TI Regularização Fundiária INCRA

Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em


Intensificação da pressão sobre a cultura
22 I MA L A D/I P I A busca de medidas compensatórias EMP
imaterial e material

257
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Alteração da qualidade da água do rio Pindaré Programa de Monitoramento da Qualidade da
9 I MFB E/ L A D T R A EMP
e igarapés da TI Água

Programa de Comunicação Social para os


Trabalhadores
Intensificação da pressão sobre a mastofauna EMP
11 I MFB L A D T R A Programa de Fiscalização de Fronteiras
e ictiofauna pela invasão de não indígenas FUNAI
Programa de Recuperação Ambiental
Programa de Etnozoneamento

Programa de Fiscalização de Fronteiras


Intensificação da pressão sobre a mata nativa EMP
17 I MFB L A I T R A Programa de Recuperação Ambiental
da TI Caru com supressão da vegetação FUNAI
Programa de Etnozoneamento

Intensificação da pressão sonora sobre a Realização de Estudo da dinâmica da caça


12 I MFB E/ L A D T I A terrestre associado à emissão de ruídos EMP
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental

Realização de Estudo da dinâmica da caça


terrestre associado à emissão de ruído
EMP
18 O MA Aumento da geração de ruídos L A D P I A Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em
FUNAI
busca de medidas compensatórias
Programa de Recuperação Ambiental

258
Matriz de Avaliação de Impactos – TI Caru/Awá-Guajá

ABRANGÊNCIA
Meio incidente

Responsabilid
REVERSÍVEL

MAGNITUDE
NATUREZA

DURAÇÃO
Nº Medida mitigadora ou compensatória
Impactos

FORMA
Etapa

ade
Intensificação da pressão sobre a cultura Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em
22 O MA L A D P I A EMP
imaterial e material busca de medidas compensatórias

Intensificação da pressão sobre a mastofauna Programa de Fiscalização de Fronteiras


11 O MFB L A I T R A FUNAI
e ictiofauna pela invasão de não indígenas Programa de Etnozoneamento

Intensificação da busca de alternativas de L A I T R A Programa de Etnozoneamento EMP


19 O MFB
renda, ocasionando pressão sobre o modo de FUNAI
vida tradicional

Intensificação da poluição dos recursos Políticas públicas na área e saneamento


13 O MFB R A I T R A Gov. MA
hídricos devido ao crescimento demográfico básico

Descarrilamento e outros tipos de acidentes E A I T R A EMP


14 O MFB Medidas emergenciais de redução de impactos
ferroviários FUNAI

Realização de Estudo da dinâmica da caça EMP


Aumento da pressão sonora sobre a L/E A D P I A
15 O MFB terrestre associado à emissão de ruídos FUNAI
mastofauna e a ictiofauna
Programa de Recuperação Ambiental

259
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos

Responsa
incidente

bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa

Impactos compensatória
Meio

Rio Pindaré Apresentação do Componente Indígena


1 P MA Expectativas em relação ao empreendimento Caru/Guajajara Comunicação Social para os Guajajara e para EMP
Caru/Awá-Guajá os Awá-Guajá

EMP
2 I MA Alteração da renda das famílias indígenas Rio Pindaré Programa de Fortalecimento Institucional
FUNAI

Rio Pindaré Programa de Saúde para os Trabalhadores,


EMP
3 I MA Caru/Guajajara com controle de endemias
Alteração no quadro nosológico SESAI
Caru/Awá-Guajá Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadores

Rio Pindaré Programa de Saúde para os Trabalhadores,


com controle de endemias
EMP
4 I MA Aumento da pressão sobre a infraestrutura de saúde

Caru/Guajajara Apoio do empreendedor ao atendimento de


Caru/Awá-Guajá saúde da SESAI na TI Caru

Programa de Comunicação Social para os


Trabalhadores
Insegurança social com a intensificação da exposição Rio Pindaré
Programa de Comunicação Social para os
5 I MA dos indígenas ao alcoolismo, drogas, prostituição e Caru/Guajajara EMP
Guajajara e os Awá-Guajá
violência Caru/Awá-Guajá
Programa de Educação Sexual para os
Trabalhadore

260
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos

Responsa
incidente

bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa

Impactos compensatória
Meio

Rio Pindaré
Programa de Fiscalização de Fronteiras, com FUNAI
6 I MA Aumento da pressão fundiária no entorno da TI Caru/Guajajara
regularização fundiária da TI Rio Pindaré
Caru/Awá-Guajá

Rio Pindaré
Programa de Valorização Cultural e EMP
7 I MA Intensificação da pressão sobre o patrimônio cultural
fortalecimento linguístico SEDUC
Caru/Guajajara

Redução da renda das famílias indígenas com a Rio Pindaré EMP


8 I MA Programa de Fortalecimento Institucional
desmobilização da mão-de-obra FUNAI

Rio Pindaré
Alteração da qualidade da água do rio Pindaré, Programa de Monitoramento da Qualidade da
9 I MFB Caru/Guajajara EMP
igarapés e lagos das Tis Água
Caru/Awá-Guaja

Programa de Comunicação Social para os


Intensificação da pressão sobre o ambiente natural Rio Pindaré EMP
10 I MFB Trabalhadores
pela invasão de não indígenas FUNAI
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Programa de Recuperação Ambiental

261
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos

Responsa
incidente

bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa

Impactos compensatória
Meio

Rio Pindaré Programa de Comunicação Social para os


Caru/Guajajara Trabalhadores
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Programa de Recuperação Ambiental
I/ Intensificação da pressão sobre a mastofauna e EMP
11 MFB
O ictiofauna pela invasão de não indígenas FUNAI
Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores
Caru/Awá-Guajá
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Programa de Recuperação Ambiental
Programa do Etnozoneamento

Rio Pindaré Realização de Estudo da dinâmica da caça


Intensificação da pressão sonora sobre a mastofauna e
12 I MFB Caru/Guajajara terrestre associado à emissão de ruídos EMP
a ictiofauna
Caru/Awá-Guajá Programa de Recuperação Ambiental

Rio Pindaré Políticas públicas na área de saneamento Gov.


Intensificação da poluição dos recursos hídricos devido Caru/Guajajara básico MA
13 O MFB
ao crescimento demográfico Caru/Awá-Guaja Prefeit
uras

Rio Pindaré Medidas emergenciais de redução de


Descarrilamento e outros tipos de acidentes
14 O MFB Caru/Guajajara impactos EMP
ferroviários
Caru/Awá-Guajá

262
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos

Responsa
incidente

bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa

Impactos compensatória
Meio

Rio Pindaré Realização de Estudo da dinâmica da caça


Aumento da pressão sonora sobre a mastofauna e EMP
15 0 MA Caru/Guajajara terrestre associado à emissão de ruídos
ictiofauna FUNAI
Caru/Awá-Guajá Programa de Recuperação Ambiental

Programa de Sinalização
Caru/Guajajara
16 I MA Aumento das restrições na acessibilidade às aldeias Programa de Comunicação Social para os EMP
Caru/Awá-Guajá
Awá-Guajá e Guajajara

Programa de Fiscalização de Fronteiras


Caru/Guajajara
Programa de Recuperação Ambiental
I/ Intensificação da pressão sobre a mata nativa da TI EMP
17 MFB
O Caru com supressão da vegetação FUNAI
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Caru/Awá-Guajá
Programa de Recuperação Ambiental
Programa de Etnozoneamento

Realização de Estudo da dinâmica da caça


Caru/Guajajara terrestre associado à emissão de ruído
18 O MA Aumento da geração de ruídos Caru/Awá-Guajá Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em EMP
busca de medidas compensatórias
Programa de Recuperação Ambiental

MA Intensificação da busca de alternativas de renda, Caru/Awá-Guajá EMP


19 I Programa de Etnozoneamento
ocasionando pressão sobre o modo de vida tradicional FUNAI

263
Relação e Interseção das Três Matrizes de Avaliação de Impactos

Responsa
incidente

bilidade
Medida mitigadora ou
Nº Terra Indígena
Etapa

Impactos compensatória
Meio

Risco para a integridade física dos trabalhadores da Caru/Awá-Guajá Programa de Comunicação Social para os
20 I MA EMP
duplicação da EFC Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá

Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os
Caru/Guajajara
Risco de acidentes decorrente das obras civis da Trabalhadores, específico sobre os Awá-Guajá
21 Caru/Awá-Guajá EMP
I MA duplicação Programa de Comunicação Social para os
Awá-Guajá
Indenização em caso de acidentes

I/ Intensificação da pressão sobre a cultura imaterial e Caru/Awá-Guajá Ciclo de oficinas participativas nas aldeias em
22 MA EMP
O material busca de medidas compensatórias

264
1.4. Avaliação dos impactos ambientais

Nº1 – Expectativas em relação ao empreendimento

TI: Rio Pindaré;


Etapa: Planejamento Meio antrópico Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá
As expectativas começam quando as comunidades indígenas são
informadas sobre o empreendimento. Este impacto perdura até a fase de
implantação do empreendimento, quando as comunidades se deparam com
as obras e se dão conta da irreversibilidade da duplicação da ferrovia.
Trata-se de um período conturbado para as comunidades, quando vários
fatores podem alterar a natureza e a magnitude deste impacto, como é o
caso da falta de informações completas sobre o projeto executivo da
duplicação da ferrovia.

Faz parte do trabalho da equipe técnica apresentar o projeto executivo do


empreendimento para as comunidades, para que as mesmas conheçam as
características da obra nas proximidades de suas aldeias, e para dar a
possibilidade de as comunidades posicionem-se a respeito do
empreendimento. Na época da pesquisa de campo, nas duas Terras
Indígenas, a equipe técnica não dispunha das informações necessárias
sobre o projeto da duplicação, como, por exemplo, a localização dos
canteiros de obras principais e avançados.

As expectativas com relação ao empreendimento têm efeito sistêmico


sobre as comunidades atingidas, porque dependem da conjuntura na qual
as comunidades estão imersas no momento em que a notícia do
empreendimento é veiculada. Como é exemplo o fato das comunidades
haverem sido informadas sobre a duplicação da ferrovia, entre junho e
dezembro de 2011, quando as entregas das programações do Acordo de
Cooperação Vale/Funai estavam atrasadas desde 2009.

Os Guajajara da TI Rio Pindaré apresentaram posições diferentes. Por um


lado, a notícia trouxe expectativas positivas para os que vislumbraram
perspectivas de parceira com empreendedor para o desenvolvimento
socioeconômico, principalmente voltado à melhoria de saúde e da
infraestrutura das aldeias, e, para alguns, a esperança de conseguirem
trabalho nas obras da duplicação da ferrovia. Por outro lado, para outros, a
notícia da duplicação da ferrovia trouxe insegurança, fazendo-os lembrar
da construção da EFC quando surgiram povoados próximos da área
indígena, e já antevendo o aumento populacional na região, que pode
intensificar as invasões da Terra Indígena em função da procura de
recursos naturais, com o consequente aumento da insegurança social na
região.

265
Para os Guajajara da TI Caru, a notícia do empreendimento fez com que as
lideranças se antecipassem a qualquer processo de análise deste estudo, e,
por ocasião da abertura da pesquisa de campo na aldeia Maçaranduba, os
caciques entregaram um documento para a Vale com suas reivindicações
em relação à duplicação da ferrovia (Anexo 12 - Documento com as
reivindicações da Aldeia Maçaranduba entregue a empresa Vale).
Entretanto, nesta aldeia, os mais velhos expressaram as mesmas
incertezas registradas nas aldeias da TI Rio Pindaré a propósito da
duplicação da ferrovia: aumento populacional, invasão da área indígena,
extração de madeira, poluição da água do rio Pindaré etc.
Os Awá-Guajá, desde a comunicação sobre o empreendimento feita por
Bruno Fragoso, então coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental da
CGIIRC/Funai, e pela equipe técnica deste estudo em dezembro de 2011,
numa conjuntura desfavorável porque os indígenas estavam revoltados
devido ao atraso das entregas dos produtos do Acordo de Cooperação
Vale/Funai desde 2009, posicionaram-se contra a duplicação da ferrovia,
alegando vários fatores como: o incômodo gerado pelo barulho dos trens, o
afugentamento da caça devido ao mesmo motivo, o temor de aumentarem
as invasões na TI Caru em função da chegada de um novo contingente
populacional à região.
A notícia da duplicação da ferrovia trouxe insegurança para os Awá-Guajá
que vivenciaram o período de contato e construção da EFC em seu
território de ocupação. As incertezas geradas por estas memórias podem
atingir a vida social dos Awá-Guajá em sua totalidade: o conjunto de
harakwá da TI Caru (áreas de domínio territorial dos grupos familiares) e
suas concepções cosmológicas (o mundo subterrâneo, a terra, e as várias
camadas celestiais onde vivem os karawara66).
É um impacto localizado, direto, de duração temporária e reversível. De
natureza benéfica para os Guajajara da TI Rio Pindaré uma vez que pode
trazer melhoria na infraestrutura da região, ao mesmo tempo adverso,
caso intensifique-se as invasões na TI Rio Pindaré. Para os Guajajara e
Awá-Guajá da TI Caru é um impacto adverso, de alta magnitude, porque
traz transtornos para os cotidianos destas comunidades devido a um
conjunto de sentimentos suscitados pela possibilidade da duplicação da
ferrovia.

Recomenda-se a apresentação do projeto executivo completo da duplicação


da EFC nos trechos próximos das duas Terras Indígenas, de forma a nivelar
as informações entre as comunidades indígenas. Como medidas
mitigadoras, recomenda-se a apresentação deste estudo, com discussão
das propostas de mitigação e compensação devido à duplicação da EFC, e

66
Entidades que vivem nos patamares celestes – o Iwá – incluindo caçadores sobrenaturais infalíveis,
espíritos dos mortos, espíritos de cura que auxiliam o xamanismo. Em Garcia, Uirá Felippe - “Karawara –
a caça e o mundo dos Awá-Guajá”. FFLCH/USP, SP, 2010.

266
de um Programa de Comunicação Social para os Guajajara das duas Terras
Indígenas e um específico para os Awá-Guajá, este último contando com
um tradutor.

Nº 2 – Alteração da renda das famílias indígenas

Etapa: Instalação Meio antrópico TI: Rio Pindaré


No período da duplicação da ferrovia ocorrerá aquecimento econômico na
região do entorno da TI Rio Pindaré, em consequência do aumento de
circulação de pessoas e capital, causando o crescimento na demanda de
consumo por produtos alimentícios.
Os Guajajara da TI Rio Pindaré já comercializam o pescado e a farinha de
mandioca com a sociedade envolvente. Com a duplicação da ferrovia, pode
aumentar a demanda por estes produtos, tanto por parte dos trabalhadores
da obra quanto pela população em geral, o que pode gerar um aumento da
comercialização da produção indígena, e, consequentemente, da renda das
famílias indígenas.
Segundo alguns Guajajara, o pescado já é a principal fonte de renda de
algumas famílias indígenas. A venda acontece, geralmente, na BR 316 e no
centro comercial de Santa Inês, e, em alguns casos, os compradores já
vêm procurar o produto nas aldeias.
O arroz e a farinha de mandioca são beneficiados pelas famílias indígenas,
porém, a maior parte de sua produção é para subsistência das aldeias. O
aumento da demanda desses produtos poderá impulsionar uma maior
produção por parte dos Guajajara.
Trata-se de um impacto benéfico; direto; temporário; reversível se não
houver ações de fortalecimento da organização produtiva da população
indígena; de abrangência local; e de média magnitude, proporcionando a
melhoria nas condições de vida das famílias indígenas das aldeias da TI Rio
Pindaré.
Recomenda-se, como medida mitigadora, o Programa de Fortalecimento
Institucional.

267
Nº 3 – Alteração no quadro nosológico

Etapa: Instalação Meio antrópico TI: Rio Pindaré;


Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá
O aumento do fluxo migratório e as precárias condições de saneamento
básico da região onde estão inseridas as TIs Rio Pindaré e Caru, somado às
alterações ambientais devido às obras de infraestrutura para a duplicação
da ferrovia, e as instalações dos canteiros principais e avançados,
provocarão condições favoráveis para a alteração no quadro nosólogico da
população indígena, com a possibilidade do surgimento de endemias de
natureza não autóctones, principalmente doenças de veiculação hídrica e
doenças sexualmente transmissíveis.
Em consonância com o capítulo de Avaliação de Impactos do EA (v. 6), que
avalia que: “o possível aumento populacional causado pelo fluxo de
pessoas para os municípios da área de influência (AII) do empreendimento
poderá gerar incremento de patologias vinculadas às incipientes condições
de saneamento somadas àquelas de natureza endêmica”; é previsto
aumento vulnerabilidade da população indígenas das TIs no tocante à
saúde, decorrente do impacto relacionado à possibilidade na disseminação
de doenças.
Segundo o diagnóstico de campo, as condições de assistência à saúde da
população indígena das TIs são inadequadas, indicando que a situação
poderá ser agravada com a chegada de um contingente populacional que
circulará na região. Desta forma, com a realização das obras de duplicação
no entorno das TIs, os indígenas ficarão mais expostos à disseminação de
doenças como a dengue, malária, febre amarela, DSTs, infecções
intestinais, etc.
Atualmente, a população indígena é acometida por algumas enfermidades,
principalmente de causas sanitárias. De acordo com os profissionais de
saúde da Sesai, há casos confirmados de hanseníase, leishmaniose e
hepatites virais, requerendo uma maior atenção à toda população indígena.
Os Awá-Guajá da TI Caru são acometidos por algumas enfermidades,
ocorrendo casos confirmados de hanseníase e hepatites virais. A
leshiminiose tem alta prevalência entre os Awá-Guajá, com doze casos
confirmados em 2011. Em 2012, foram relatados dois casos de gonorreia
entre os índios da aldeia Tiracambu. É importante ressaltar que os Awá-
Guajá ainda são muito vulneráveis a doenças comuns à sociedade
envolvente, como gripe, dengue, cólera. Assim, epidemias deste tipo
poderão trazer efeitos desastrosos à população Awá-Guajá.
Esse impacto é adverso; direto; temporário; reversível se forem aplicadas
medidas preventivas; localizado e no entorno, considerando o risco de

268
endemias nas áreas circunvizinhas; e de média magnitude.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação do Programa de
Saúde para os Trabalhadores com controle de endemias e do Programa de
Educação Sexual para os Trabalhadores.

Nº 4 – Aumento da pressão sobre a infraestrutura de saúde

TI: Rio Pindaré;


Etapa: Instalação Meio antrópico Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá

A chegada dos trabalhadores para a obra de duplicação da ferrovia e o


possível aumento de pessoas em busca de trabalho, direta ou
indiretamente relacionada ao empreendimento, poderão ocasionar pressão
sobre a rede hospitalar, provocando queda na qualidade do atendimento à
saúde nas cidades de Santa Inês e Alto Alegre do Pindaré, ocasionando
maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde para os indígenas. No
entanto, desde que se cumpra a prioridade da Vale de contratar
trabalhadores da região de Santa Inês para os diversos serviços de
duplicação da EFC, o atendimento de saúde para os Guajajara da TI Rio
Pindaré pode-se manter nas condições atuais.
Os serviços de saúde atualmente ofertados apresentam deficiência e
sobrecarga no atendimento à população regional. Segundo dados do EA
(v. 4), a rede hospitalar e o quadro de profissionais de saúde de Alto
Alegre do Pindaré e Santa Inês estão abaixo dos parâmetros recomendados
para o adequado atendimento à saúde da população geral, inclusive a
população indígena, atendida nestes municípios.
Como já foi dito, trata-se de uma região endêmica para algumas doenças,
como dengue, malária, febre amarela, leishmaniose, hanseníase, tornando
necessário considerar a possibilidade de um grande impacto nos serviços
públicos de saúde do município de Santa Inês e Alto Alegre do Pindaré,
caso haja a proliferação dessas enfermidades.
Esse impacto é adverso; direto; temporário; reversível, se forem aplicadas
medidas preventivas; ocorrendo no entorno das Terras Indígenas; e de
média magnitude.
Recomenda-se, como medida mitigadora para a TI Rio Pindaré, caso
cumpra-se a prioridade de contratação de mão-de-obra regional para a
duplicação da EFC, o Programa de Saúde para os Trabalhadores com
controle de endemias. Para a TI Caru recomenda-se o apoio do
empreendedor ao atendimento de saúde da SESAI na TI Caru.

269
Nº 5 – Insegurança social com a intensificação da exposição dos
indígenas ao alcoolismo, drogas, prostituição e violência
TI: Rio Pindaré;
Etapa: Instalação Meio antrópico Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá

A inserção de aproximadamente 1.100 trabalhadores no pico da obra 67,


alojados nos canteiros principais em regiões próximas das duas Terras
Indígenas68, deslocando-se em grupos e trabalhando nos canteiros
avançados ao longo dos vários segmentos onde ocorrem as obras de
duplicação da ferrovia, e vivendo na região aproximadamente durante três
anos, poderá trazer insegurança social para a população indígena.
O afluxo de operários, somado a população que será atraída pela obra,
pode ser maior que a população da TI Rio Pindaré (1.050 pessoas), e bem
maior que a população dos Guajajara da TI Caru (329 pessoas) e das duas
aldeias Awá-Guajá da TI Caru (266 pessoas), tornando-se um fator de
desequilíbrio para as comunidades indígenas, com risco para a integridade
física dos indígenas, incluindo violência sexual (especialmente contra
crianças e adolescentes), exposição à bebida alcoólica e consumo de
drogas, e interferência na organização social dos Guajajara e Awá-Guajá
destas duas Terras Indígenas.
As atividades da vida cotidiana dos Guajajara das duas Terras Indígenas, e,
mais recentemente, dos Awá-Guajá, ultrapassam os limites das Terras
Indígenas, territorial e socialmente falando, devido a vários fatores, como:
venda de produtos, compra de alimentos, atendimento médico, escolas,
visita a parentes, procura de trabalho, dentre outros, que poderão ser
alteradas devido à presença deste contingente populacional na Área de
Influência Direta das duas Terras Indígenas.

O afluxo populacional pode intensificar o aumento de violência nas cidades


e povoados do entorno, principalmente nos lugares que são mais
frequentados pelos indígenas, como os povoados às margens do rio
Pindaré, onde é previsto o surgimento de tensões sociais envolvendo os
indígenas. Ressalta-se que o rio Pindaré é muito procurado para lazer,
principalmente nos fins de semana, tanto na região da TI Rio Pindaré
quanto da TI Caru.
Do ponto de vista geográfico, a TI Caru é facilmente acessada através dos
povoados que estão localizados ao longo da EFC Carajás e da estrada de
serviço da Vale, paralela à ferrovia e ao rio Pindaré, limite natural desta

67
Segundo a apresentação da Vale na aldeia Januária em 27/06/2011, “Expansão da EFC – Terra
Indígena Rio Pindaré/Índios Guajajara”, para os segmentos da duplicação da ferrovia nesta região está
previsto no pico da obra 1.115 trabalhadores. Segundo a apresentação da Vale na aldeia Maçaranduba
em 28/06/2011, “Expansão da EFC – Terra indígena Caru/Índios Guajá e Guajajara” está previsto no
pico da obra 1.130 trabalhadores para os segmentos da duplicação que margeiam a TI Caru.
68
Os quais a Vale prontificou-se a fornecer suas localizações e características para a Funai.

270
Terra Indígena, estando a apenas 300 m da EFC em alguns trechos. Vale
ressaltar a proximidade das aldeias da ferrovia, sendo facilmente
alcançadas por trilhas após a travessia do rio Pindaré (Maçaranduba 1.500
m; Awá 2.200 m; Tiracambu 1.300 m).
O afluxo de trabalhadores e população flutuante será um fator de forte
pressão para os 266 Awá-Guajá que vivem nas aldeias Awá e Tiracambu,
uma vez que este grupo já é extremamente vulnerável ao contato com a
sociedade envolvente, sendo que a maioria não fala a língua portuguesa e
tem pouco contato com não índios, principalmente as mulheres e as
crianças.
É um impacto de abrangência localizada e no entorno, direto, de duração
temporária enquanto duram as obras duplicação da ferrovia, e adverso
para as Guajajara das duas Terras Indígenas, e para os Awá-Guajá da TI
Caru.
Trata-se de um impacto irreversível, e as ocorrências podem ser atenuadas
caso as medidas de mitigação sejam eficientes.
Diferenciou-se a magnitude deste impacto considerando dois fatores
distintos entre as duas Terras Indígenas: a proximidade das aldeias da TI
Caru das obras da duplicação da ferrovia e a fragilidade dos Awá-Guajá.
Portanto, trata-se de um impacto de alta magnitude para os Awá-Guajá e
os Guajajara da TI Caru e de média magnitude para os Guajajara da TI Rio
Pindaré.

De modo a conter as intercorrências deste tipo de impacto, recomenda-se


os seguintes programas:
- Programas de Comunicação Social para os Trabalhadores, específico
sobre os Awá-Guajá e os Guajajara;
- Programa de Educação Sexual para os Trabalhadores;
- Programa de Comunicação Social específico sobre os Guajajara e para os
Awá-Guajá. A comunicação Social para os Awá-Guajá deve contar com a
assessoria antropológica de um especialista e de um tradutor para
implementar o programa nas aldeias Awá e Tiracambu.

271
Nº 6 – Aumento da pressão fundiária no entorno da Terra Indígena

TI: Rio Pindaré;


Etapa: Instalação Meio antrópico Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá

A intensificação da pressão fundiária no entorno das Terras Indígenas Caru


e Rio Pindaré é um dos desdobramentos indiretos provocados pela possível
dinamização da economia da região, advinda da duplicação da ferrovia,
podendo ocasionar o aumento de conflitos agrários nas áreas limítrofes às
TIs, devido ao crescimento populacional e à especulação imobiliária.
Ainda na fase anterior à instalação da obra, os comentários sobre o
empreendimento já poderão provocar especulações sobre o aumento da
valorização de terras da região, porém esse impacto terá maior intensidade
a médio e longo prazo, caso ocorram transformações significativas na
estrutura fundiária da região, estimulada indiretamente pela duplicação da
EFC.
Com relação a TI Rio Pindaré, a intensificação da pressão fundiária poderá
favorecer o aumento da exploração dos recursos naturais por novos
posseiros, e a intensificação do uso do rio Pindaré e do lago Bolívia para a
pesca pelos não indígenas.
Em relação a TI Caru, esse impacto poderá provocar o crescimento do
desmatamento, estando os principais focos de retirada de madeira nas
bordas da Terra Indígena, evoluindo para seu interior (Mapa 12 –
Situação do Desmatamento da TI Caru). Observando o cenário atual, o
crescimento econômico da região e a valorização de terras no entorno da
TI Caru, prevê-se a intensificação das invasões que já existem nesta Terra
Indígena e os conflitos entre indígenas e posseiros.
Esse impacto é adverso; indireto; temporário; reversível; no entorno; e de
alta magnitude, já que poderá potencializar as invasões nas duas Terras
Indígenas.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação do Programa de
Fiscalização de Fronteiras e a regularização fundiária das áreas de conflitos
de terra pelo INCRA.

272
Nº 7 – Intensificação da pressão sobre o patrimônio cultural
TI: Rio Pindaré;
Etapa: Instalação Meio antrópico
Caru/Guajajara
Constatou-se no diagnóstico da TI Rio Pindaré que, apesar de
aproximadamente 390 anos de contato, os Guajajara souberam preservar
sua língua e rituais importantes, como a Festa da Mandiocaba e do
Moqueado. No entanto, os Guajajara apontaram alguns fatores que vêm
dificultando a preservação de seu patrimônio cultural, citando o grande
número de casamentos interétnicos, a excessiva facilidade de acesso às
aldeias pela BR 316 e o encanto crescente dos jovens pela sociedade de
consumo e cultura de massa dos karawya.

Na TI Caru, verificou-se que os Guajajara mais velhos estão apreensivos


com o número cada vez menor de falantes do Guajajara, que, segundo
eles, é ocasionado por um número cada vez maior de casamentos
interétnicos. Ao contrário das escolas das aldeias da TI Rio Pindaré, que
têm professoras ministrando as aulas na língua guajajara, o mesmo não
acontece na aldeia Maçaranduba. Nesta aldeia, a educação escolar termina
na 4ª série, e, para prosseguir os estudos, os jovens dirigem-se às escolas
de Auzilândia e Três Bocas.

O aumento populacional na região das TIs Rio Pindaré e Caru, ocasionado


pelas obras de duplicação da ferrovia, durante aproximadamente três anos,
pode incidir de forma prejudicial nestas áreas sensíveis da cultura imaterial
dos Guajajara. Devido ao reduzido número de falantes do Guajajara na TI
Caru, trata-se de um impacto de alta magnitude para os Guajajara da TI
Caru, e de média magnitude para a população da TI Rio Pindaré.

É um impacto adverso, indireto, que perdurará durante o período da obra,


de caráter localizado e reversível. Este impacto pode ser mitigado por um
Programa de Valorização Cultural e Fortalecimento Linguístico como o que
vem sendo realizado pela Associação de Pais e Mestres da TI Rio Pindaré.
Na aldeia Maçaranduba deve ter início um Programa de Fortalecimento da
língua guajajara.

273
Nº 8 – Redução da renda das famílias indígenas com a
desmobilização da mão-de-obra

Etapa: Instalação Meio Antrópico TI: Rio Pindaré

Devido à intensificação das trocas comerciais entre os indígenas da TI Rio


Pindaré e os mercados locais (Santa Inês e Tufilândia), durante o período
de duplicação da ferrovia, com a venda de produtos (pescado, farinha de
mandioca, arroz e artesanato) para os trabalhadores da obra de duplicação
e população geral, prevê-se que no final da fase de instalação, com a
desmobilização da mão-obra, haverá desaquecimento econômico da região,
podendo causar a redução da demanda pelos produtos citados, e a
consequente queda da renda das famílias indígenas.

Esse impacto é adverso; direto; reversível, se forem aplicadas medidas


para o fomento econômico; localizado e de média magnitude, caso ocorra
queda na renda familiar dos indígenas da TI Rio Pindaré com o
desaquecimento do comércio de Santa Inês, devido à desmobilização da
mão-de-obra.

Recomenda-se, como medida mitigadora, o Programa de Fortalecimento


Institucional.

Nº 9 - Alteração da qualidade da água do rio Pindaré, igarapés e


lagos das Terras Indígenas

Etapa: Instalação Meio físico-biótico TI: Rio Pindaré;


Caru/Guajajara;
Caru/Awá-Guajá

O EA/PBA da EFC 2011 (v. 2, p. 320) descreve que o traçado da EFC segue
pelo divisor de águas dos rios Pindaré e Grajaú até a cidade de Santa Inês,
já com predomínio de drenagens perenes e de água doce. Posteriormente,
a ferrovia acompanha o curso do rio Pindaré por cerca de 200 km, pela
margem direita em sua maior extensão, cortando diversos afluentes.
Segundo o EA/PBA da EFC 2011 (v. 2, p. 457) em termos qualitativos, os
cursos d’água apresentam em geral condição satisfatória, tendendo a ter
comprometimento sanitário em função do aporte de efluentes domésticos
gerados nos centros urbanos, e de dejetos de animais, provenientes dos
criadouros e de pastagens.
A partir da análise dos dados existentes, é possível concluir que, em geral,
não existe um padrão espacial para os parâmetros analisados nas amostras
de água. Constata-se que a maior parte dos corpos d’água que são

274
transpostos pela ferrovia ou estão em conformidade com o estabelecido na
resolução CONAMA 357/2005, ou apresentam não conformidades em
apenas alguns parâmetros (oxigênio dissolvido, turbidez e pH) e
normalmente com pequenas diferenças em relação aos limites
estabelecidos na citada norma (EA/PBA 2011, v. 2, p. 533).
Nos segmentos que compreendem a TI Rio Pindaré e Caru serão edificadas
obras de arte como: viadutos, passagem ferroviária, bueiros, que poderão
provocar alterações da qualidade da água do rio Pindaré e seus afluentes.
Este impacto tem natureza adversa porque pode trazer riscos de alteração
das condições hidrológicas do rio Pindaré e hidrogeológicas das áreas
inundadas de lagos e igarapés da microbacia do referido rio, influenciando
também o sistema natural de drenagem.
Dada a complexidade da microbacia do rio Pindaré, bem como sua inter-
relação com as Terras Indígenas, formando lagos e campos de
aproveitamento produtivo e de lazer, com plantio de arroz, pesca e banho,
qualquer alteração na qualidade da água apresentará impacto direto na
área indígena.
Tendo em vista o período de três anos previsto para a instalação da
ferrovia, este impacto é temporário e reversível, desde que mitigado por
um programa de monitoramento da qualidade da água, incluindo pontos de
coleta dos corpos hídricos no rio Pindaré.
É um impacto localizado, já que o rio Pindaré inunda a área indígena, e
também tem abrangência no entorno, uma vez que os tributários deste rio
percorrerem áreas urbanas e rurais dos municípios das TIs Rio Pindaré e
Caru, onde se desenvolvem as obras de duplicação da ferrovia. É
reversível, se forem aplicadas medidas preventivas. É considerado um
impacto de alta magnitude devido ao tratamento deficiente dado aos
corpos d’águas da região, com ausência total de saneamento básico, coleta
e deposição adequada de resíduos sólidos.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação do Programa de
Monitoramento da Qualidade da Água e Programa de Monitoramento de
Efluentes Industriais, sendo que os resultados desses monitoramentos
deverão receber linguagens adequadas e ser compartilhados com os
indígenas.

275
Nº 10 – Intensificação da pressão sobre o ambiente natural pela
invasão dos não indígenas

Etapa: Instalação Meio físico-biótico TI: Rio Pindaré

Segundo o EA/PBA da EFC – 2011, v. 3, p. 142: “toda a região ao longo da


EFC é bastante alterada pela ocupação antrópica. As áreas mais
intensamente ocupadas por atividades humanas representam 68,6% da
área total de influência ou 85,4% da ADA (pastagens diversas, agricultura,
babaçual, eucaliptos, edificações, estradas, áreas urbanas e industriais,
agrupamentos arbóreos, solo exposto e estrutura ferroviária). Existe um
montante de 50 mil ha (19,4%) de fragmentos florestais e manguezais na
área de influência total do Projeto, sendo apenas 434 ha de fragmentos
florestais e 7,8 ha de manguezal na ADA, denotando pouca importância do
empreendimento propriamente dito na conservação dos remanescentes
florestais regionais. Na área de influência como um todo, os remanescentes
encontram-se isolados e, em sua maioria, são de regeneração após corte
raso, apresentam históricos de retirada de madeira ou perturbações
causadas pelo fogo.”
Atualmente, a TI Rio Pindaré apresenta seu ambiente natural bastante
degradado, com fragilidade ambiental para os aspectos do solo, fauna,
flora e degradação de recursos hídricos. Os Guajajara têm o ambiente
como fonte de sobrevivência, mantendo a prática da agricultura, da
pecuária, da medicina natural e construindo habitações com uso de
materiais naturais, como madeira, barro e palha. A facilidade de acesso
através da BR 316, que corta a TI Rio Pindaré, e a pressão dos povoados
localizados entre a ferrovia e o rio Pindaré vem contribuindo para a
degradação ambiental da TI Rio Pindaré.
Considerando que no entorno da TI Rio Pindaré haverá mobilização de
mão-de-obra para execução das obras da duplicação da ferrovia nos
segmentos 13 – 14 – 15 – 16 (Figura 1.1.1 – TI Rio Pindaré e segmentos
da EFC, Tomo IV), com consequente chegada de população flutuante, há
risco de intensificação das invasões na TI Rio Pindaré.
Trata-se de um impacto adverso – direto, se ocasionado pelos
trabalhadores contratados para as obras da duplicação da ferrovia, e
indireto – caso os invasores da TI Rio Pindaré venham da população
instalada nos povoados do entorno da Terra Indígena. A duração deste
impacto é temporário, considerando que o empreendimento atrai, de forma
desordenada, atividades de produção, serviços e moradia ao longo da
ferrovia, favorecendo, portanto, a busca de alimentos, madeiras e lenhas
na área indígena, que ainda mantêm pequenas manchas de ambiente
natural preservado (Mapa 11 – Situação do Desmatamento da TI Rio
Pindaré).
É um impacto de abrangência localizada, tendo em vista que as possíveis

276
invasões ocorrem no ambiente da TI, principalmente em regiões de menor
ocupação, distantes das aldeias e, consequentemente, de menor vigilância
indígena. A magnitude do evento é considerada média, devido à
possibilidade de mitigação dos impactos com adoção de medidas de
fiscalização e conservação ambiental do território.
Há condição de reversibilidade para o referido impacto considerando a
adoção dos seguintes programas: Programa de Comunicação Social para os
Trabalhadores; Programa de Fiscalização de Fronteiras; Programa de
Recuperação Ambiental.

Nº 11 – Intensificação da pressão sobre a mastofauna e ictiofauna


pela invasão de não indígenas
TI: Rio Pindaré,
Etapa: Instalação e
Meio físico-biótico Caru/Guajajara,
operação
Caru/Awá-Guajá

Este impacto ocorre nas duas Terras Indígenas de forma diferenciada,


devido às condições ambientais distintas entre a TI Rio Pindaré e a TI Caru.
Contextualizando as características da TI Rio Pindaré, um dos seus limites
é o rio Pindaré, com suas feições lacustres representadas por meandros
abandonados ou canais de rio abastecidos por cheias anuais. Nos outros
limites o que se observa é a intensa remoção da cobertura vegetal florestal
e a abundância de terrenos ocupados por pastagens e/ou colonizados por
extensos babaçuais, caracterizados como áreas antropizadas (Mapa 4 –
Etnomapeamento da TI Rio Pindaré).
A pesquisa de campo identificou, através de relatos dos indígenas, a
presença de 23 espécies da ictiofauna e da mastofauna. Para os Guajajara
da TI Rio Pindaré, a caça e a pesca são determinantes para segurança
alimentar de suas famílias, e, com o atual estágio de degradação do
território, estas atividades estão ameaçadas pela diminuição do estoque
animal e pela invasão de não índios em busca de caça e pesca.
Considerando que o empreendimento gera um afluxo de trabalhadores e de
população flutuante para a faixa entre a EFC e o rio Pindaré (Mapa 3 – TI
Rio Pindaré com o Projeto de duplicação da EFC), ponderou-se que as
invasões com fins de caça e pesca na Terra Indígena tendem a intensificar-
se durante as obras de duplicação. Trata-se de um impacto de natureza
adversa sobre a mastofauba e ictiofauna da TI Rio Pindaré, de alta
magnitude devido à pressão exercer-se sobre recursos naturais deficientes
e dada à importância da caça e da pesca para a segurança alimentar das
comunidades da TI Rio Pindaré, sendo ainda uma fonte de renda gerada
pela comercialização do pescado.

277
Ao contrário da TI Rio Pindaré, a TI Caru encontra-se preservada, com
ampliada cobertura vegetal e presença de espécies da fauna e flora
regional, diferenciando-se das demais paisagens da região, que se
encontram com elevado grau de degradação. As áreas circunvizinhas à
Terra Indígena, pelas características produtivas da região e pela forte
tradição da pecuária bovina, têm como principal formação vegetal
pastagens variadas e babaçual. Diante deste entorno, a mata da TI Caru
configura-se como um refúgio das espécies, tornando-se vulnerável a
pressão sobre a mastofauna e ictiofauna. A importante riqueza das
espécies desta área torna-se um elemento atrativo para população do
entorno, e, algumas regiões da Terra Indígena, já se encontram
pressionadas por invasores, afetando o estoque de caça e pesca, e
provocando a degradação do ambiente natural. Não é raro os Awá-Guajá
relatarem que, durante suas expedições de caça, encontram caçadores dos
povoados vizinhos.
Além disso, a TI Caru vem enfrentando invasão por parte de madeireiros e
traficantes de drogas, apresentando regiões em seu território “proibidas”
para o acesso dos indígenas, com relatos de violência. Esta realidade foi
explicitada pelos Awá-Guajá e pelos Guajajara durante a elaboração do
mapa de etnozoneamento da TI Caru (Mapa 10 – Etnozoneamento da
TI Caru).
As principais vias de acesso da região da TI Caru, além dos rios Pindaré e
Caru, são a Estrada de Ferro Carajás e a estrada de serviço da Vale. Estas
vias são responsáveis pela veiculação das atividades socioeconômicas,
contribuindo para o crescimento populacional, econômico, e, também,
facilitando as invasões da TI Caru. Segundo documentos consultados e
relatos dos Guajajara e Awá-Guajá, a EFC tem contribuído para a ocupação
da região circunvizinha à TI Caru desde sua construção, nas décadas de
1970 e 1980.
Segundo Raimundo Nonato Guajajara, morador da aldeia Maçaranduba,
nascido na região de Barra do Corda:
Eu vim para cá em 1961. Nesta época, não tinha muito branco. Em
Alto Alegre do Pindaré, só tinha 38 casas. Só tinha o rio e a mata
virgem. Nesta época, vinha de canoa, era três dias de viagem na
canoa, tinha muito caça, tinha arara azul.
Segundo relatos dos mais velhos Awá-Guajá da aldeia Awá, traduzidos por
Geir Guajá:
Alguns viram construir a ferrovia. Antes não tinha essa estrada, os
karay vinham numa picada de jumento, vinham botar roça, ainda
não tinha esses povoados, só tinham umas casinhas de moradia de
caboclos.
As obras da duplicação da EFC irão ocorrer na região entre a estrada de

278
serviço da Vale e o rio Pindaré, limite natural da TI Caru (Mapas 6, 7 e 8),
trazendo um contingente de trabalhadores e população atraída pelo
empreendimento, que poderão maximizar a pressão sobre a mastofauna e
a ictiofauna da TI Caru, de grande importância para as duas etnias que
compartilham este território.
Para os Guajajara, a caça na área de floresta densa e a pesca nas margens
dos rios Pindaré e Caru são atividades permanentes e fazem parte de sua
tradição, envolvendo costumes alimentares, além de rituais de passagem
dos rapazes e moças para a vida adulta.
A caça e a pesca são essenciais para a dieta alimentar dos Awá-Guajá, e a
caça é a atividade por excelência deste povo. Qualquer pressão sobre esta
atividade atinge estruturalmente os Awá-Guajá das aldeias Awá e
Tiracambu, em todos os planos de sua vida social, afetando inclusive suas
concepções cosmológicas.
Da extensa lista de espécies de caça elaborada junto aos Awá-Guajá na
pesquisa de campo deste estudo, a mastofauna é prioritária, com a grande
preferência por macacos, antas, queixadas, tatus e caititus.
Além das invasões contribuírem para alterar o estoque de caça e pesca dos
harakwá (áreas de domínio de grupos locais Awá-Guajá), causam situações
de medo, tensão, podendo gerar confrontos dentro da mata.
Trata-se de um impacto adverso, localizado, direto, temporário e de alta
magnitude, para os dois grupos que compartilham a TI Caru, considerando
para esta mensuração suas peculiaridades culturais.
É um impacto reversível, caso seja implantado um conjunto de programas
interligados desde o início das obras: Programa de Comunicação Social
para os Trabalhadores, Programa de Fiscalização de Fronteiras, Programa
de Recuperação Ambiental, e, especificamente para os Awá-Guajá, um
Programa de Etnozoneamento.

279
Nº12 - Intensificação da pressão sonora sobre a mastofauna e
ictiofauna

Etapa: Instalação Meio físico-biótico TI: Rio Pindaré,


Caru/Guajajara,
Caru/Awá-Guajá
No decorrer da etapa de instalação ocorrerá a geração de ruídos e
vibrações decorrentes das obras civis, ligadas às atividades como:
sondagem, execução de serviços topográficos, operação das máquinas,
terraplanagem, aumento da circulação de veículos pesados e supressão da
vegetação, podendo ocasionar o afugentamento e distúrbio de algumas
espécies da fauna terrestre e aquática.
No entanto, deve-se considerar que poderá ocorrer uma acomodação de
algumas espécies da fauna às perturbações sonoras, com a possibilidade
das mesmas voltarem a colonizar as áreas afetadas, mesmo com
perturbações ainda ocorrendo.
Em relação às afetações desse impacto nas Terras Indígenas, observa-se
maior intensidade na TI Caru, devido a sua proximidade com as obras de
duplicação (aproximadamente 300 m, em alguns trechos). Para os Awá-
Guajá, esse impacto é de grande relevância, já que a caça, além de ser sua
principal fonte de alimento, centraliza todas as atividades de sua vida
social.
A natureza deste impacto é adversa e tem ação direta. Terá duração
temporária, pois este efeito será atenuado após a fase de instalação da
obra. O impacto tem abrangência dupla, sendo localizada e no entorno da
Terra Indígena, apresentando-se com alta magnitude para TI Caru e média
magnitude para TI Rio Pindaré, devido à maior distância das obras da
duplicação.
Recomenda-se, como medida mitigadora, a realização de Estudo da
Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos, de caráter
interdisciplinar e com a participação de indígenas, de forma a aferir como e
com qual intensidade o aumento da pressão sonora poderá afugentar as
espécies. Recomenda-se também a aplicação do Programa de Recuperação
Ambiental.

280
Nº 13 – Intensificação da poluição dos recursos hídricos devido ao
crescimento demográfico

Etapa: Operação Meio físico-biótico TI: Rio Pindaré,


Caru/Guajajara,
Caru/Awá-Guajá
Este impacto relaciona-se diretamente com o provável crescimento
demográfico impulsionado pela dinamização da economia regional,
correlacionada, além da duplicação da ferrovia, a outros vetores de
desenvolvimento, como as melhorias das rodovias, o aumento da
circulação de pessoas e mercadorias, e a implantação de novos
empreendimentos, que já foram abordados no Tomo I, 2.3 - Sinergia dos
empreendimentos projetados para região.
Considerando os aspectos de interferência direta na poluição dos recursos
hídricos, devido à precariedade dos serviços de infraestrutura da região,
como a coleta de lixo domiciliar e o acesso à rede geral de esgoto
domiciliar, observa-se que estes serviços apresentam-se inadequados nas
áreas urbanas dos municípios do entorno das Terras Indígenas.
Em relação aos aspectos regionais, dados coletados pelo censo
demográfico de 2010 (IBGE) revelam que, em números percentuais, a taxa
de lixo coletado por serviço de limpeza em domicílio chega ao percentual
médio no Maranhão de 47%. No município de Bom Jardim, a taxa média de
coleta é de 6-12%, e, nos municípios do entorno da TI Rio Pindaré, o
percentual médio é bastante baixo: em Tufilândia 2-5%; em Pindaré Mirim
23-52%; em Alto Alegre do Pindaré 13-22%. O município de Santa Inês
apresenta a maior taxa de coleta de lixo pelo serviço de limpeza, variando
entre 69 e 79%, taxa superior à média estadual (EA/PBA – EFC 2011, v. 4,
p. 210).
No caso das Terras Indígenas Rio Pindaré e Caru, ambas têm forte ligação
com o rio Pindaré, que fornece água, alimento, lazer, enriquecimento da
terra, possibilitando a realização de atividades produtivas, como:
agricultura, pesca, coleta de alimentos, madeiras etc. O crescimento
demográfico do entorno das Terras Indígenas poderá agravar as condições
ambientais com a poluição dos recursos hídricos. Segundo o cacique
Djacyr, da aldeia Tabocal da TI Rio Pindaré: “O esgoto dos municípios de
Santa Inês, Alto Alegre do Pindaré, do povoado de Bambu, município de
Pindaré Mirim, caem dentro do rio Pindaré”.
O impacto da poluição dos recursos hídricos tem efeito adverso e indireto
por se originar fora das Terras Indígenas. Tem duração temporária,
abrangência regional, magnitude alta, e caráter reversível desde que sejam
adotadas políticas públicas como a melhoria do saneamento básico e
instalação de estações de tratamento de esgoto.

281
Nº 14 – Descarrilamento e outros tipos de acidentes ferroviários

TI: Rio Pindaré,


Etapa: Operação Meio físico-biótico Caru/Guajajara,
Caru/Awá-Guajá
Os acidentes e descarrilamento são eventos possíveis de ocorrer na fase de
operação das ferrovias, havendo acidentes ambientais com cargas em
movimentação que podem causar contaminação da água, do ar e do solo.
São exemplos disso os acidentes de vazamento de combustíveis e cargas
contaminantes. Há ainda os acidentes de atropelamento de pessoas e
animais.

Alguns Guajajara da aldeia Maçaranduba ressaltaram as dificuldades de se


atravessar pessoas doentes quando o trem está passando naquele trecho,
já que o trem tem 4 km aproximadamente.

De acordo com informações dos caciques da aldeia Tiracambu,


Txiparentxa’á e Marakutxa’á, houve um caso de contaminação da água do
rio Pindaré devido a um vazamento de combustível na EFC, que provocou
cheiro de combustível na água do rio Pindaré. Este acidente afetou
temporariamente o consumo de peixes na aldeia Tiracambu, e os caciques
informaram que a carne do pescado se apresentava escurecida e com forte
odor de produto químico. Não souberam informar e data da ocorrência e
nem o período de duração deste impacto ambiental.

Com a duplicação da ferrovia, a possibilidade de descarrilamento e de


outros tipos de acidentes ferroviários permanece, podendo aumentar em
função do aumento de trens. É um impacto adverso por expor o entorno
das duas Terras Indígenas e o rio Pindaré a acidentes ambientais; é
indireto porque está fora da delimitação das duas Terras Indígenas, tendo
baixa magnitude com relação a TI Rio Pindaré e alta magnitude com
relação a TI Caru, dada a proximidade da ferrovia com o limite da Terra
Indígena, o rio Pindaré. O impacto tem duração temporária porque já são
previstas medidas emergenciais e de redução do impacto pelo
empreendedor, que possui medidas de contenção de acidentes ferroviários.

282
Nº 15 – Aumento da pressão sonora sobre a mastofauna e a
ictiofauna
TI: Rio Pindaré,
Etapa: Operação Meio físico-biótico
Caru/Guajajara,
Caru/Awá-Guajá

Na operação, além da geração de ruído e vibração, a geração de material


particulado e de tráfego ferroviário constituem os aspectos ambientais que
contribuem para a possibilidade de ocorrência do afugentamento e
distúrbio da fauna. O aumento da frequência da circulação de trens,
passando de 34 para 54 vezes/dia após a duplicação da EFC, acarretará a
intensificação da pressão sonora na fauna terrestre e aquática. Os efeitos
desse impacto são mais sensíveis na TI Caru, onde o efeito dos ruídos e
vibrações do tráfego ferroviário é bastante perceptível in loco.
No entanto, considerando a ferrovia já existente desde a década de 1980,
pode-se imaginar que algumas espécies da fauna do entorno da ferrovia já
estejam acomodadas ao impacto, principalmente quanto à geração de
ruído e vibração da circulação de trens e geração de tráfego rodoviário,
pela estrada de serviço da ferrovia.
Esse impacto terá maior relevância para os Awá-Guajá da TI Caru. A
propagação do som é um dos aspectos relacionados à EFC que mais
causam perturbações para o povo Awá-Guajá, especialmente na aldeia
Tiracambu, pela proximidade da ferrovia da aldeia. Segundo as entrevistas
com as lideranças das aldeias Tiracambu e Awá, o afugentamento de
animais provoca alteração nas áreas propícias para a caça, além de trazer
desdobramentos para vida social dos Awá-Guaja. Segundo o antropólogo
Uirá Felippe Garcia, especialista nos Awá-Guajá: “a produção do som é algo
central para o Awá-Guajá, de noites há a narrativa da caça, dos sons e dos
detalhes da caçada, imitações (...). O som do trem prejudica a
sensibilidade sonora para a caça – a caça tem um componente acústico”.
Esse impacto tem efeito adverso, irreversível, permanente, localizado para
TI Caru e no entorno para TI Rio Pindaré. Possui alta magnitude para os
Awá-Guajá da TI Caru, e média magnitude para os Guajajara das duas
terras indígenas.
Recomenda-se, como medida mitigadora, a realização de Estudo da
Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos, de caráter
interdisciplinar e com a participação de indígenas, de forma a aferir como e
com qual intensidade o aumento da pressão sonora poderá afugentar as
espécies. Recomenda-se também a aplicação do Programa de Recuperação
Ambiental.

283
Nº 16 - Aumento das restrições na acessibilidade às aldeias

TI: Caru/Guajajara,
Etapa: Instalação Meio Antrópico
Caru/Awá-Guajá

A estrada de serviço da Vale, que corre paralela à ferrovia na região da TI


Caru, é o único acesso para as aldeias Maçaranduba, Awá e Tiracambu,
além do rio Pindaré. Esta estrada é usada em situações de emergência
para o transporte de indígenas que precisam ser atendidos nos hospitais da
região, é a principal via de acesso dos jovens que frequentam as escolas de
Auzilândia, além de via de circulação para a população indígena em direção
aos povoados vizinhos e a cidade de Alto Alegre do Pindaré.
Prevendo a movimentação de operários, máquinas e veículos durante a
instalação da supraestrutura e da construção das obras de arte (viadutos,
pontes, etc.), verifica-se que a acessibilidade às aldeias da TI Caru será
diretamente afetada. As obras de duplicação da ferrovia podem
interromper alguns trechos da estrada, inclusive nas áreas que dão acesso
às aldeias, dificultando os deslocamentos dos índios, e podendo provocar,
inclusive, a interrupção dos acessos para as aldeias. Analisando a
cartografia deste estudo, observa-se que serão construídas pontes perto
dos acessos para as aldeias da TI Caru (Mapa 6 – Aldeia Maçaranduba
com projeto de duplicação da EFC; Mapa 7 – Aldeia Awá com
projeto de duplicação da EFC; Mapa 8 – Aldeia Tiracambu com
projeto de duplicação da EFC).
Esse impacto é adverso; direto; temporário; reversível; no entorno e
localizado, e de alta magnitude, se não forem aplicadas medidas
mitigadoras. É prioridade não interromper os acessos para as aldeias,
devendo ser construídos novos acessos, caso necessário, além da
implantação de Programa de Sinalização e de Comunicação Social
específica para os dois grupos indígenas.

284
Nº 17 - Intensificação da pressão sobre a mata nativa
da TI Caru com supressão da vegetação
Etapa: instalação e TI: Caru/Guajajara;
Meio físico e biótico
operação Caru/Awá-Guajá

A floresta ombrófila densa ainda é dominante na área de 172.667 ha da TI


Caru, tendo em sua composição várias espécies vegetais de interesse
ecológico, social, econômico. Há ocorrência de 89 plantas citadas pelos
indígenas de importância alimentar, medicinal, forrageiras, para fabricação
de utensílios, móveis e madeira para a indústria.
O mapa do desmatamento da TI Caru (Mapa 12 – Situação do
desmatamento da TI Caru) elaborado por este Estudo, apresenta
manchas de supressão da mata nativa e regiões de maior incidência de
invasão e exploração ilegal de madeira. Estas regiões também se
caracterizam pela perda da biodiversidade vegetal e animal, decorrente do
efeito cascata do desmatamento, degradação e perda de solo, mudança
brusca de espécies no ambiente, redução da variabilidade alimentar da
cadeia alimentar de variadas espécies. Este conjunto de fatores, atuando
de forma direta e intensa, pode levar à diminuição e/ou extinção de
espécies vegetais e animais, ou seja, à perda da biodiversidade.
O depoimento de Raimundo Nonato dos Santos Guajajara, morador da
aldeia Maçaranduba, com centro de produção no rio Caru, situa esta
problemática do ponto de vista dos indígenas:
Há invasão da área do lado do São João do Caru pelos brancos da
cidade, com desmatamento e plantio de roça para os brancos. Ao
lado da reserva do Gurupi, tem muito capim situado, com invasão
dos fazendeiros com capim, café, caju, abacaxi. Tem branco tirando
madeira, roça e plantando droga.
As áreas invadidas para atividades ilegais somadas à presença constante
de caçadores invasores, como já foi relatado na avaliação do impacto Nº 11
– Intensificação da pressão sobre a mastofauna e ictiofauna pela invasão
de não índios, criaram bolsões dentro da TI Caru que os Guajajara e Awá-
Guajá têm evitado adentrar por questões de segurança. Cabe lembrar que
há indícios de um grupo Awá-Guajá em isolamento voluntário deslocando-
se entre as cabeceiras do igarapé Presídio e o rio Caru.
Os Guajajara da aldeia Maçaranduba relataram que realizavam vistorias
aos limites do território como forma de prevenir as invasões, no entanto,
com as repetidas situações de risco contra sua integridade física, eles
pararam de realizar estas vistorias. Contribui para esta situação o fato de
não haver fiscalização de fronteiras, aviventação da linha seca da TI Caru e
falta de placas sinalizando os limites da Terra Indígena.
O período de obras da duplicação da ferrovia e sua operação poderão

285
gerar, mesmo que indiretamente, o aumento populacional da região, a
melhoria das estradas, a chegada de novos investidores na região,
principalmente do setor madeireiro e agroindustrial, sinergicamente
relacionadas aos outros projetos previstos para região (Tomo I, 2.3.
Sinergia dos empreendimentos projetados para região) intensificando a
atual condição de desmatamento ilegal da mata nativa da TI Caru.

Este impacto tem natureza adversa, atuando sobre a cobertura vegetal da


TI Caru; de alta magnitude, considerando o histórico de invasões, conflitos
e atividades ilegais na TI Caru. Há condição de reversibilidade do impacto,
caso sejam adotados programas de fiscalização de fronteiras e recuperação
ambiental, e um programa específico de etnozoneamento para os Awá-
Guajá.

Nº 18 – Aumento da geração de ruídos

TI: Caru/Guajajara,
Etapa: Operação Meio antrópico
Caru/Awá-Guajá

Segundo o EA/PBA, 2011, v.1, p. 262, a duplicação irá provocar o aumento


significativo no movimento de trens, passando de 34 composições por dia
com intervalo 40,8 minutos em 2012, para 54 composições por dia em um
intervalo de 26,3 minutos em 2016, aumentando o ruído dos trens no
interior da TI Caru.
O monitoramento das alterações nos níveis de ruído e de vibrações,
decorrentes do aumento na frequência da passagem dos trens, que consta
no EA/PBA, 2011, e pode ser pesquisado em estudos técnicos relativos a
este tema, não é suficiente para equacionar os transtornos que o aumento
do barulho dos trens com a ferrovia duplicada poderá trazer para as
comunidades indígenas da TI Caru, cabendo, portanto, a realização de um
estudo técnico específico, realizado com a participação indígena.
Trata-se de um impacto da ferrovia existente que será incrementado com a
duplicação. O barulho da movimentação dos trens é fortemente percebido
nas três aldeias da TI Caru, e, segundo os indígenas, o ruído dos trens
incomoda a todos. Especialmente os Awá-Guajá das aldeias Awá e
Tiracambu posicionaram-se contra a duplicação da EFC alegando o
incômodo com o ruído dos trens, citando a afetação de vários aspectos de
sua vida cotidiana: afugenta a caça, amedronta as crianças, atrapalha as
conversas e o ritual da takája.
Segundo informações do antropólogo Uirá Felippe Garcia, “o ritual da
takája acontece a partir de junho/julho e vai até novembro/dezembro, a
depender das chuvas. Os Awá-Guajá cantam regularmente, podendo cantar

286
por três dias seguidos e pararem o canto por dez dias. Depois retomam
mais um ou dois dias e param uma semana. É regular, porém variável. Os
rituais da takája são rituais de cura e de comunicação entre dois mundos.
Devem realizar o ritual entre dez e quinze vezes durante o verão. Sempre
construindo novas takájas para cada ritual”.
Além do transtorno trazido pelo ruído dos trens durante o ritual da takája,
os Awá-Guajá, como outros povos da floresta, desenvolveram técnicas de
caça sofisticadas, porém passíveis de desmobilização instantânea com o
ruído dos trens. Para dar uma noção da magnitude do impacto do ruído dos
trens durante uma caçada dos Awá-Guajá, transcreveram-se alguns
trechos da pesquisa recente do antropólogo Uirá Felippe Garcia 69,
“Dificilmente caçam os guaribas no final da tarde, hora que os
animais estão ‘cantando'. Ao contrário, ao perceberem os guaribas
cantando param para ouvi-los, e conseguem distinguir pelas vozes
quantos são fêmeas ou machos; adultos ou filhotes; e traçam planos
para o dia seguinte, quando o caçarão. Sentenças como “vamos
caçar amanhã, pois alguém os ouviu cantar naquela direção!”, ou
“vamos sair para escutar os guaribas!”, dentre tantas outras formas,
associam o som-canto do guariba com a busca pelo animal, ou, em
outras palavras, é precisa saber escutar os guaribas para poder
caçá-los. Do “canto” dos guaribas sabe-se a quantidade e
diversidade do bando, tal como a pegada de um animal terrestre
revelará seu peso, idade, sexo e outras informações relevantes.”
Trata-se, portanto, de um impacto adverso, localizado, direto, permanente,
irreversível e de alta magnitude. Recomenda-se a realização de um Estudo
Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos, conforme
citados nos impactos 12 e 15, e Oficinas Participativas nas aldeias Awá e
Tiracambu, visando buscar medidas compensatórias para o aumento dos
ruídos com a duplicação da ferrovia, com a participação de tradutor e
antropólogo especialista. Recomenda-se o Programa de Recuperação
Ambiental com a recuperação das matas ciliares do rio Pindaré.

69
“Entre o rastro e o som: a poética da predação Awá-Guajá”. Garcia, Uirá Felippe. Projeto de Pós-
Doutorado encaminhado à FAPESP, São Paulo, junho de 2011.

287
Nº 19 – Intensificação da busca de alternativas de renda,
ocasionando pressão sobre o modo de vida tradicional

Etapa: Instalação Meio antrópico TI: Caru/Awá-Guajá

Conforme foi visto no diagnóstico dos Awá-Guajá no Tomo IV – A Terra


Indígena Caru, observado pela equipe técnica durante a pesquisa de campo
e de acordo com depoimentos de funcionários locais da Funai e da Sesai, já
são frequentes as saídas dos Awá-Guajá das aldeias para vender produtos
– animais silvestres e frutos – nos povoados de Auzilândia, Roça Grande e
Altamira. Para os Awá-Guajá, povo recém-contatado, essa movimentação
relativamente recente, já traz alterações na vida social das aldeias Awá e
Tiracambu.
O aumento da circulação de pessoas na região da TI Caru, a partir das
obras para a duplicação da ferrovia, aumenta a demanda por produtos
ofertados pelos índios, levando os Awá-Guajá a intensificar a busca de
alternativas de renda fora da Terra Indígena. A pouca inserção dos Awá-
Guajá no comércio local e o aumento do comércio ilegal (caça e madeira),
poderão acelerar as mudanças na vida tradicional dos Awá-Guajá,
principalmente da nova geração, podendo ocasionar choque entre
gerações.
Esse impacto é adverso; direto; permanente; reversível; localizado e de
alta magnitude, por comprometer o modo de vida tradicional dos Awá-
Guajá.
Como medida mitigadora é importante à adoção de um Programa de
Etnozoneamento que possibilitará delinear diretrizes para aplicação de
ações que visam o fomento do desenvolvimento sustentável das
comunidades indígenas e que garantirá a segurança alimentar dos Awá-
Guajá, podendo minimizar a saída dos indígenas da TI Caru à procura de
alternativas de renda.

288
Nº 20 – Risco à integridade física dos trabalhadores da duplicação
da EFC

Etapa: Instalação Meio antrópico TI: Caru/Awá-Guajá

Esse impacto deve-se a um conjunto de percepções e posicionamentos


expressados pelos Awá-Guajá a partir da notificação do empreendimento,
sendo observados pela equipe técnica durante a pesquisa de campo nas
aldeias Awá e Tiracambu em março de 2012, e na reunião na Tiracambu,
em dezembro de 2011, quando não foi possível permanecer devido às
condições de segurança. Soma-se a esta observação as informações
disponibilizadas pelos funcionários locais da Funai, que trabalham com os
Awá-Guajá desde a década de 1980, havendo participado das Frentes e
Atração da Funai.
Serão registrados os fatores que deixaram os Awá-Guajá transtornados
naquela época, alguns diretamente relacionados à possibilidade da
duplicação da ferrovia, e outros conjunturais, que, no entanto,
maximizaram a rejeição ao empreendimento por parte dessa etnia. De
modo geral, já se trabalhou estas questões no decorrer do diagnóstico e na
avaliação dos impactos, porém, cabe alinhá-las, uma vez que o impacto
incide sobre a segurança dos trabalhadores da duplicação da ferrovia e dos
funcionários da Vale:
- atraso na entrega dos produtos das Programações do Convênio
Vale/Funai;
- demora na resolução de um novo funcionamento para esse Convênio;
- sucateamento da infraestrutura das aldeias Awá e Tiracambu;
- precariedade no atendimento à saúde;
- invasões constantes de caçadores dos povoados vizinhos;
- aumento da população do entorno – relativo à duplicação da ferrovia;
- aumento do barulho do trem – relativo à duplicação da ferrovia.
Cabe lembrar que nas duas aldeias Awá-Guajá há pessoas mais velhas,
sobreviventes de massacres e de epidemias na década de 1980, quando
estava sendo construída a EFC na região da TI Caru. Estas memórias foram
expressas nas reuniões para apresentação do projeto da duplicação da
EFC. Com base nesta observação, é importante considerar que poderá
haver risco para a integridade física dos trabalhadores durante a
implantação das obras de duplicação no entorno das aldeias.
Esse impacto é adverso; direto; temporário; irreversível, caso haja alguma
ocorrência mais grave; no entorno, durante a execução das obras de
duplicação; e de alta magnitude. Como medida preventiva cabe
implementar um programa de Comunicação Social para os Trabalhadores,
específico sobre os Awá-Guajá.

289
Nº 21 – Risco de acidentes decorrente das obras civis da duplicação
da EFC

Etapa: Operação Meio antrópico TI: Caru/Guajajara,


Caru/Awá-Guajá

Além da implantação de uma segunda linha férrea paralela à já existente, a


duplicação da ferrovia consiste na construção de inúmeras obras-de-arte,
como viadutos, pontes, passarelas, passagens de nível.
Prevê-se que a intensa movimentação de trabalhadores e veículos pode
ocasionar transtornos e riscos de acidentes para os Guajajara e Awá-Guajá,
como atropelamentos de indígenas nas vias de acesso as aldeias e na
estrada de serviço da Vale.
Durante a construção do empreendimento, as atividades de escavação,
aterro, construção de trilhos e o tráfego de veículos provocarão dispersão
de poeira e ruído no ar, podendo incomodar os moradores das aldeias Awá,
Tiracambu e Maçaranduba.
Esse impacto é adverso; direto; temporário; no entorno e localizado e de
alta magnitude.
Recomenda-se, como medidas mitigadoras, a aplicação dos seguintes
programas: Programa de Sinalização; Programa de Comunicação Social
para os trabalhadores, com especificidade para as duas etnias; Programa
de Comunicação Social para as duas etnias; e indenização, no caso de
acidentes.

290
Nº 22 - Intensificação da pressão sobre a cultura imaterial e
material

Etapa: Instalação e Meio antrópico TI: Caru/Awá-Guajá


Operação

Diferentemente dos Guajajara, para quem o cuidado com a língua é a


principal preocupação, no caso específico dos Awá-Guajá, o período das
obras de duplicação e a operação da ferrovia duplicada, podem trazer
impactos diretos e indiretos para a preservação de sua cultura,
considerando, além da língua guajá, o ritual da takája, a coleção de cantos,
a coleção de técnicas de caça, entre outros, que podem sofrer alterações.
O impacto direto sobre este conjunto de aspectos da cultura imaterial vem
do ruído contínuo dos trens, como já foi avaliado no impacto Nº 20 –
Aumento da geração de ruídos, e o impacto indireto resultam do aumento
populacional e das transformações socioeconômicas que podem ocorrer na
região da TI Caru a partir da duplicação da EFC.
Sabe-se que os Awá-Guajá possuem um conjunto de cantos de caça e reza,
utilizados nas caçadas, no ritual de takája, nas práticas de cura e no
cotidiano. Há também uma coleção de técnicas de caça utilizadas nas
caçadas, transformadas em pantominas nas conversas noturnas sobre as
caçadas e ritualizadas no ritual da takája.
A pressão sobre a cultura dos Awá-Guajá vem se processando a partir do
momento que vários grupos locais foram contatados e passaram a viver
em aldeias, onde, atualmente, alternam o modelo sedentário com suas
expedições para os harakwá, onde ainda podem usufruir da maneira de ser
Awá-Guajá.
Alterações muito profundas no entorno e barulho muito intenso podem
desestabilizar as práticas da takája, desarticulando a conexão entre a vida
na terra e os diversos patamares celestes, só para citar um exemplo da
gravidade da pressão externa incidindo sobre a cultura imaterial Awá-
Guajá.
Trata-se, portanto, de um impacto adverso, localizado, direto e indireto,
permanente, de alta magnitude e irreversível, difilmente mitigado por
ações e programas. Recomenda-se a realização de um ciclo de oficinas nas
aldeias Awá e Tiracambu durante a elaboração do PBA, com a participação
de tradutor e antropólogo especializado nesta etnia, para, conjuntamente
com os Awá-Guajá, vislumbrar ações e programas capazes de compesar
este impacto.

291
292
1.5. Prognóstico ambiental da região de inserção das TIs Rio
Pindaré e Caru

O prognóstico ambiental analisa, qualifica, e, quando possível, quantifica as


interferências causadas pelo empreendimento no ambiente, apresentando
os impactos decorrentes desde o planejamento do empreendimento até a
sua construção, operação e desativação, tendo como cenário a configuração
socioeconômica e territorial da região que será afetada com a incidência
desses impactos.

Para tanto, entende-se que o efeito de um impacto sobre um determinado


ambiente, decorrente de um empreendimento, poderá sofrer maior
intensidade caso haja outros empreendimentos que também exerçam
pressão, mesmo de forma indireta, sobre esse mesmo ambiente.

Entre os pontos mais importantes para construir o prognóstico ambiental,


está à análise da vulnerabilidade socioambiental da região afetada,
apresentada e, também, as potencialidades de desenvolvimento econômico
que essa região poderá desenvolver na implantação de novos
empreendimentos.

Em seguida, são considerados os efeitos sinérgicos da duplicação da EFC


somados a outros empreendimentos de infraestrutura econômica previstos
em curto e médio prazo (até 2016) que contribuirão, de forma direta ou
indireta, na configuração do prognóstico ambiental da área de influência da
ferrovia.

Nesse panorama estão previstos, para um cenário de curto e médio prazo,


investimentos significativos do governo federal e do setor privado na
implantação de infraestruturas econômicas na Amazônia Oriental, onde está
inserida a região de estudo.

Nesse arcabouço está a modernização das cadeias produtivas da mineração


e, em segundo plano, a dos produtos agrícolas que visam à expansão e
melhoria dos sistemas logísticos de transporte de mercadorias, de
infraestrutura energética e do sistema de comunicações.

Do ponto de vista territorial, a duplicação da EFC é caracterizada como um


importante corredor de transporte de carga e passageiros, articulando-se
com os sistemas marítimos e rodoviários, caracterizando uma grande
estrutura intermodal, que interliga a área de estudo às demais regiões do
país e do mundo.

No que tange a outros empreendimentos, que, de certa maneira poderão


influenciar na dinâmica socioambiental da região de estudo, estão previstas
ações envolvendo a construção, pavimentação e recuperação de rodovias, a
expansão e modernização de portos e hidrovias; a melhoria do sistema de

293
comunicação; e a expansão do sistema de distribuição de energia elétrica
por linhas de transmissão, como apresentado no Tomo I, item 2.3 Sinergia
dos empreendimentos projetados para região.

A implantação dos empreendimentos supracitados poderá agir como vetor


de desenvolvimento, gerando o aumento da arrecadação de impostos dos
municípios, e, consequentemente, o aumento da renda das populações
envolvidas direta e indiretamente com as obras.

Entre os pontos mais vulneráveis, resultados dessa nova interferência na


organização sócio territorial, estão a atração de migrantes que tentarão um
vínculo empregatício nesses empreendimentos. Nesse caso, o afluxo
populacional para os municípios que possuem uma infraestrutura social
deficiente de políticas públicas para o planejamento territorial, poderá
provocar o aumento de problemas socioeconômicos, como a favelização de
alguns centros urbanos, pressão sobre o sistema de saneamento básico, e a
pressão sobre a infraestrutura social.

Assim, poderão surgir novos núcleos urbanos, desprovidos de qualquer


infraestrutura, que abrigarão os recém-chegados que não terão ocupação
profissional de imediato e de novos pequenos empreendedores que poderão
estar ligados direta ou indiretamente com as obras. Nesse aspecto, haverá
pressão demográfica sobre o território, com a introdução de novos atores
sociais, podendo gerar conflitos sociais e fundiários.

Em relação aos efeitos sinérgicos dos empreendimentos sobre as


comunidades indígenas para um cenário futuro estão relacionados com o
aumento da pressão sobre as TIs, principalmente no que diz respeito ao uso
e ocupação do solo no entorno das mesmas, exploração discriminatória dos
recursos naturais e o aumento das invasões por posseiros.

A duplicação da ferrovia, prevista para um cenário próximo, trará novas


mudanças na economia regional com a possibilidade de introdução de novos
segmentos econômicos. Apesar de os Guajajara já estarem inseridos nesse
mercado, seu perfil produtivo ainda é caracterizado pela sua baixa
produtividade de excedentes. Por outro lado, se houver incentivos voltados
ao aprimoramento técnico das atividades produtivas indígenas, haverá
estímulo ao desenvolvimento econômico nas comunidades Guajajara das
TIs Rio Pindaré e Caru.

Com a intensificação da circulação de pessoas devido às obras e ao ingresso


de novos moradores, aumentará a suscetibilidade das comunidades
indígenas às doenças epidêmicas ou endêmicas, além de implicar na
pressão sobre o sistema municipal de saúde de Santa Inês e Alto Alegre do
Pindaré, atualmente utilizado pelos indígenas.

Cabe ressaltar que as comunidades indígenas da TI Rio Pindaré e TI Caru


são marcadas por conflitos, principalmente por disputas territoriais. Desta

294
forma, prevê-se que a maior circulação de pessoas na região, como
também a presença de trabalhadores nos períodos de instalação e
operação, poderá ser percebida pelos indígenas como uma ameaça
potencial, aumentado as tensões entre indígenas e a população do entorno
das Terras Indígenas.

295
Considerações finais

O Componente Indígena da Duplicação da EFC nas TIs Caru e Rio Pindaré


teve como objetivo realizar um diagnóstico capaz de prever os impactos que
a duplicação da ferrovia poderá trazer para os Guajajara e Awá-Guajá,
criando um lastro para elaboração futura da 2ª etapa do Componente
Indígena, o Programa Básico Ambiental (PBA).

Cabe lembrar que durante a pesquisa de campo nas Terras Indígenas Rio
Pindaré e Caru, tanto na apresentação da duplicação da ferrovia, como nas
demais atividades realizadas para compor o diagnóstico deste Estudo,
conviveu-se com a insatisfação constante dos Awá-Guajá e dos Guajajara
com o funcionamento do Acordo de Cooperação Vale/Funai. A resolução
desta problemática é imprescindível para o avanço do processo de
licenciamento da duplicação da EFC.

Avalia-se que a duplicação da ferrovia requer o cumprimento estrito das


medidas de mitigação e compensação, dada à magnitude da obra, à
vulnerabilidade das condições socioeconômicas da região e ao histórico da
EFC com relação às Terras Indígenas estudadas, desde sua implantação nas
décadas de 1970 e 1980 até a presente data, registradas neste Estudo.

Cabe menção especial aos Awá-Guajá, porque, mesmo procedendo à


implementação dos programas indicados na Matriz de Avaliação de
Impactos – TI Caru/Awá-Guajá, avaliou-se que a duplicação da EFC poderá
trazer riscos para as populações Awá-Guajá das aldeias Awá e Tiracambu,
considerando que estas populações já vivem situações de risco dentro dos
limites da TI Caru, que poderão intensificar-se com as transformações
trazidas pelo empreendimento face ao atual momento das relações
interétnicas dos Awá-Guajá.

Sistematizou-se, a seguir, os programas indicados para mitigar e


compensar os impactos causados pela duplicação da ferrovia que incidem
nos três grupos: TI Rio Pindaré, TI Caru/Guajajara e TI Caru Awá-Guajá,
recomendando os períodos de sua implementação: curto, médio e longo
prazo.

Curto prazo - ações e programas que devem ser implementados em


caráter emergencial.

Médio prazo - ações e programas elaborados pelo PBA-CI, devendo ser


implantados no inicio das obras da duplicação da ferrovia.

Longo prazo – ações e programas elaborados pelo PBA-CI para a fase de


operação, uma vez que, seus resultados são imprescindíveis para assegurar
segurança para os Guajajara e os Awá-Guajá em função das transformações
que a operação da ferrovia duplicada poderá trazer para a região.

296
TI TI Caru/Awá-
TI Rio Pindaré
Caru/Guajajara Guajá
Curt Médi Long Curt Médi Long Curt Médi Long
Medidas mitigadoras ou compensatórias
o o o o o o o o o
Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz Praz
o o o o o o o o o
Apresentação do Componente Indígena
Programa de Comunicação Social para os Guajajara
Programa de Fortalecimento Institucional
Programa de Saúde para os trabalhadores com controle de endemias
Programa de Educação Sexual para os trabalhadores
Apoio do empreendedor ao atendimento de saúde da SESAI na TI Caru
Programa de Comunicação Social para os trabalhadores sobre os Guajajara e Awá-
Guajá
Programa de Fiscalização de Fronteiras
Regularização Fundiária da TI Rio Pindaré
Programa de Valorização Cultural e Fortalecimento Linguístico para os Guajajara
Programa de Monitoramento da Qualidade da Água
Programa de Recuperação Ambiental
Realização de Estudo da Dinâmica da Caça Terrestre Associado à Emissão de Ruídos
Parceira do Empreendedor com as Prefeituras na área de saneamento básico
Medidas emergenciais de redução de impactos de acidentes ferroviários
Programa de Sinalização
Programa de Comunicação Social para os Awá-Guajá
Programa de Etnozoneamento para os Awá-Guajá
Ciclo de oficinas participativas nas aldeias Awá e Tiracambu em busca de medidas
compensatórias para: desconforto com o aumento do ruído dos trens e intensificação da
perda de cultura material e imaterial.

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