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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
DISCIPLINA DE TÓP. ESP. EM PSICOLOGIA SOCIAL E EDUCAÇÃO
DOCENTE: JANE TERESINHA DOMINGUES COTRIN
DISCENTES: GABRIELLY FELIX TOLEDO E ISA MARIA GERVASIO SILVA
LIMA

A RELAÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR COM O DESENRAIZAMENTO, A


INVISIBILIDADE PÚBLICA E A HUMILHAÇÃO SOCIAL: uma percepção à partir
da psicologia nos contextos educacionais

Nos contextos educacionais, as queixas escolares são as principais demandas para a


psicologia, especialmente o fracasso escolar. De acordo com a fala das colegas Camila Maria
e Gabriela Alves na atividade 1, o fracasso escolar é entendido como:

“A ideia de um ‘fracasso escolar’ transmite uma suposta falta de


aptidão e habilidade do/a aluno/a em cumpir com as expectativas,
normas e papéis socialmente determinados do que se entende por
‘bons alunos’, que seriam aqueles que apresentam bom
comportamento e desempenho nas matérias, boa frequência,
obediência as regras institucionais, etc, o que produz processos de
exclusão e discriminação. Entretanto, com estudos na área, houve uma
ampliação do que se compreende por fracasso escolar e o que o
produz” (CARDOSO & COTRIN, 2020; XAVIER & COTRIN,
2018; MOREIRA & COTRIN, 2016).

Nesse viés, segundo Moreira e Cotrin (2016) o profissional de psicologia deve atuar
com foco nos fenômenos sociais, nas quais possuem uma perspectiva que englobe
contextualização histórica, cultural e a uma transformação possível. Diante disso, a
problematização abordada pelas autoras passa pelo encaminhamento desfreado e errôneo de
profissionais, nos quais os alunos são encaminhados pelas próprias escolas, pela família, pelo
Conselho Tutelar e pelos juízes a unidades de saúde.
De acordo com esse agravante é importante apontar o significado que alguns
profissionais de psicologia atribuem ao fracasso escolar, considerando como um fenômeno
oriundo de questões individuais ou problemas biológicos da criança; ausência de
acompanhamento dos pais e/ou familiares no processo de escolarização; baixa condição
financeira para custear os estudos e, ainda, falta de técnica adequada dos professores.
Conforme Moreira e Cotrin (2016), alegam a contribuição da psicologia para o enfrentamento
do fracasso escolar deve percorrer por um esforço comum, se dando na construção de projetos
coletivos, que rompam com as explicações que situam as origens dos problemas educacionais
no aluno e/ou em sua família, a fim de que o profissional possa prestar um serviço que não
tenha como finalidade a patologização da queixa e que o atendimento clínico não aconteça
para as demandas escolares.
Para atuar diante das queixas escolares é essencial considerar os contextos sociais,
econômicos, étnicos, políticos e culturais presentes na demanda, dado que a invisibilização e
o desenraizamento são fatores historicamente presentes no Brasil. Segundo Bosi (2003), “o
desenraizamento é a mais perigosa doença que atinge a cultura”, para além disso, ela afirma
também que a colonização causa a supressão das tradições. Nesse contexto, sabe-se que esse
processo é marcado pela morte e imposição de uma cultura europeia sobre os povos nativos,
além da apropriação das terras e exploração deles, e também do desenraizamento dos
imigrantes. Outrossim, o período dispõe poderes aos europeus sobre os pretos escravizados e
o abandono destes às margens da sociedade mesmo após a abolição da escravatura. Desse
modo, é válido ressaltar que diversas problemáticas do país se perpetuam desde então, como o
racismo, inclusive de forma estrutural e institucional, o qual infere na vivência das pessoas
pretas e dos povos indígenas, dado que a escola também é um ambiente reprodutor de
discriminações.
De tal maneira, os povos são distanciados de suas culturas e forçados a se adequar às
outras tradições, o que corrobora com a perda de suas raízes, a tentativa de branqueamento e a
não aceitação de sua presença na sociedade. Nesse ponto, Chimamanda Ngozi Adichie (2012)
aponta sobre o perigo da repercussão de uma história única, que não contempla todas as
versões, fatos ou envolvidos, assim, uma história contada de uma única forma resulta na
repetição dela como verdade absoluta e na invisibilidade desses povos, que não são ouvidos,
vistos e pensados como parte da sociedade. Contudo, esses fatores repercutem desde a
infância no ambiente escolar, à medida que a escola pretende encaixar os alunos em um
padrão comportamental único, desconsiderando a subjetividade de cada pessoa e rotulando
aqueles que se distanciam ou apresentam dificuldade em seguir a determinação.
Segundo Gonçalves Filho (2013), a invisibilidade pública está associada à humilhação
crônica social, a qual quebra o sentimento do indivíduo de possuir e pertencer. Com isso, a
escola passa a contribuir com a segregação do aluno e este a se sentir violado, além de ser
tratado como invisível também nesse espaço. Logo, é importante levar em conta que o
sofrimento decorrente do racismo e da frequente perda de direitos influenciam no emocional
do indivíduo e que muitas questões precisam ser combatidas para além dos muros da escola e
do tratamento individual do aluno “problema”.
De acordo com o CRP/SP (2016), no que diz respeito à atuação dos profissionais da
psicologia em relação aos povos indígenas, é fundamental que se compreenda os aspectos
culturais e emocionais que englobam a população que será atendida, visto que cada etnia
possui tradições e experiências próprias. Dessa forma, é necessário que os profissionais se
capacitem adequadamente para a execução das políticas de saúde e educação, ademais, os
povos indígenas precisam ser ouvidos e também participar das formulações e planejamentos.
A colega Bruna Mota trouxe na atividade 4 a experiência da antropóloga Vanessa Caldeira na
Terra Indígena Kaxixó:

“PGTA Kaxixó: Mais uma experiência de diálogo entre povos


indígenas, psicologia e antropologia por Vanessa Caldeira (p. 199).
Antropóloga e colaboradora do subnúcleo Psicologia e Povos
Indígenas do CRP, Vanessa atuou na elaboração de um plano de gestão
territorial e ambiental para a Terra Indígena Kaxixó, localizada em
Minas Gerais, com o objetivo de garantir e promover a proteção, a
recuperação e a conservação de suas terras, bem como assegurar a
melhoria da qualidade de vida desse povo. Os Kaxixó são etnicamente
constituídos pela “mistura” e desde o século XVIII lutam pelo direito
de suas terras. Ademais, por não terem uma imagem que se associa ao
senso comum de “índio”, os Kaxixó foram e ainda são continuamente
impelidos a provarem quem são. Além disso, toda a história desse
povo está permeada por um intenso sofrimento físico e emocional,
visto que foram expropriados, violentados, invisibilizados e
silenciados. Nessa perspectiva, a Psicologia se coloca ali propiciando
espaços de escuta e cuidado a esses indígenas.” (MOTA, 2022)

Nesse contexto, a Psicologia precisa atuar não somente com a disponibilização do


espaço de escuta e cuidado, mas também em prol do combate ao racismo e da visibilidade e
garantia de direitos, sem se silenciar diante das desigualdades políticas. De acordo com o CFP
(2017), é importante que desde a graduação, as teorias e as reflexões sobre as questões raciais
“devem fornecer elementos para uma leitura crítica da realidade que permita formular e
subsidiar as práticas interventivas.” Desse modo, com a formação adequada o psicólogo no
contexto educacional pode atuar contra os preconceitos e práticas discriminatórias no âmbito
escolar. Portanto, é fundamental que os profissionais da instituição incentivem a reflexão
acerca das questões raciais, coloquem em prática nas disciplinas, a fim de desconstruir o
racismo e promover a igualdade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Bruno. Chimamanda Adichie: O perigo da história única. YouTube, 28 de abril de


2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc.

BOSI, Ecléa. O que é o desenraizamento/ Cultura e desenraizamento. En: BOSI, E. O tempo


vivo da memória: ensaios de psicologia social. 2ª. Ed. Ateliê editorial, 2003. P. 175-193

BRASÍLIA (DF) CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relações raciais: referências


técnicas para a atuação de psicólogas(os). Brasília: CFP, 2017. Disponível em
http://site.cfp.org.br/publicacao/relacoes-raciais-referencias-tecnicas-para-pratica-dao-psicolo
gao/.

GONÇALVES FILHO, J.M. A invisibilidade pública. Em: COSTA, F.B. Homens invisíveis:
relatos de uma humilhação social. 4ª. Reimp. São Paulo: Globo, 2013 . p.9- 47

MOREIRA, GERCIMEIRE RAMOS e COTRIN, JANE TERESINHA DOMINGUES.


Queixa escolar e atendimento psicológico na rede de saúde: contribuições para debate.
Psicologia Escolar e Educacional [online]. 2016, v. 20, n. 1 [Acessado 15 Dezembro 2022] ,
pp. 117-126. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2175-353920150201938>;. ISSN
2175-3539. https://doi.org/10.1590/2175-353920150201938.

SÃO PAULO (ESTADO). CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO.


Povos indígenas e psicologia: a procura do bem viver. São Paulo: CRP 06, 2016. Disponível
em<https://www.crpsp.org/uploads/impresso/110/RLAg_HX8E6bm0fVjb2gpqCkreIBkTy0W.
pdf>. Acesso em: 15 dez 2022.

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