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Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a relação entre racismo, emoção e cotidiano
escolar a fim de ampliar o debate sobre educação e relações etnicorraciais . Ainda que
vivamos em uma sociedade culturalmente plural, percebemos que nem sempre as origens
étnicas presente no dia a dia são percebidas como parte desta sociedade, mas acabam
deixando alguns grupos à margem pela falta de reconhecimento social. Um dos primeiros
lugares onde podemos encontrar esta falta de “reconhecimento” é a escola. E a escola é
justamente um espaço onde precisamos trabalhar aspectos não só relacionados ao cognitivo,
mas também ao afetivo, ao emocional. A partir desta premissa podemos nos questionar: a
origem étnica de um aluno faz com que ele seja mais ou menos inteligente? Como a emoção
pode influenciar o processo de ensino-aprendizagem? Como tem sido o cotidiano escolar de
tantos alunos e alunas de origem negra? A discussão será feita através de alguns aportes
teóricos e também com base em pesquisas já realizadas nesta área.
Abstract: This article aims to discuss the relationship between racism, emotion and school
life in order to broaden the debate on education and ethnic-racial relations. Although we live
in a culturally plural society, we realize that not all the ethnic origins present in everyday life
are perceived as part of this society, but end up leaving some groups outside the lack of social
recognition. One of the first places where we find this lack of „recognition‟ is the school, for it
is the place where we must work not only aspect related to the cognitive, but also the affective
and the emotional. From this premise we can ask ourselves: the ethnicity of a student makes
him/her more or less intelligent? How emotion can influence the teaching-learning process?
How‟s been the school life of many boys and girls of African origin? The discussion will be
done through some theoretical contributions an also based on previous studies on this area.
Introdução
O homem é um ser integral. Não há como separar seu lado racional do seu lado
emocional. Vygotsky afirma que o pensamento é gerado pela motivação, por nossos desejos e
necessidades, nossos interesses e emoções (VYGOTSKY, 1991). Desta maneira, para
entender o processo de aprendizagem de nossos alunos é imprescindível que também
entendamos a base afetiva construída a partir do entorno sociocultural em que vivem. O
processo ensino-aprendizagem tanto envolve aspectos como metodologia didática, sistema de
ensino, currículo, formação do professorado, quanto envolve os diferentes tipos de relações
estabelecidas entre aluno e comunidade escolar (professor, colegas, funcionários, diretivos,
etc.). Nesse sentido, o tipo de vínculo estabelecido entre alunado-escola pode influenciar de
grande maneira nesse processo.
Um dos objetivos das ações afirmativas propostas pelo governo é que os grupos
minoritários tenham seu devido reconhecimento através de sua valorização como sujeito
social. No entanto, sabemos que muitas vezes no cotidiano escolar os alunos não têm este
“reconhecimento” por parte da escola ou por parte dos colegas por pertencerem a grupos
“excluídos socialmente”.
Tanto o consenso social como o escolar costumam ter mais interesse nos resultados
finais dos alunos, nesse caso a aprovação do ano letivo, que interesse no seu estado emocional
para chegar a produzir tais resultados. No entanto, teorias como as de Piaget (1972), Vygotsky
(1991) e Wallon (1989) afirmam que a emoção tem um papel muito significativo no processo
de desenvolvimento humano. Nesse sentido, Piaget destaca que nunca os indivíduos
produzem ações totalmente intelectuais nem tampouco atos puramente afetivos, senão que em
todas as condutas relativas aos objetos ou as pessoas, ambos os elementos se combinam entre
si (PIAGET, 1972). Já Wallon, citado por Almeida, caracteriza a emoção como manifestações
da vida afetiva, entendido como formas corporais de expressar o estado de espírito da pessoa,
estado este que pode ser penoso ou agradável ( ALMEIDA,1999).
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Tendo em vista estas perspectivas, deveríamos nos perguntar porque muitas vezes se
questiona a capacidade intelectual de uma pessoa como base em seu pertencimento étnico ou
mesmo social. Com exceção dos alunos que não podem aprender porque apresentam algum
caso clínico específico, todas as pessoas, todos os alunos são capazes de realizar um processo
de aprendizagem eficaz. Agora, os alunos que não desenvolvem um processo de
aprendizagem efetiva não é porque façam parte de um grupo marginado socialmente. Não
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aprendem, muitas das vezes, porque, além das consequências de pertencerem a estes grupos,
também estão mais suscetíveis a atravessar conflitos emocionais que podem influenciar em
tal aprendizagem escolar. Sendo assim, ainda que pareça “incoerente” numa primeira
proposição, a afetividade pode se apresentar como uma grande ferramenta no combate ao
racismo ainda vivido em muitas escolas.
Des-afetividades
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Esta internalização social marcada pelos “lugares de poder” que nos foi imposta onde
negros e brancos possuem um lugar distinto na sociedade é o que temos que combater pelo
viés da educação. Todo trabalho é digno e cada um, independente da sua origem étnica, pode
ser o que quiser se estudar, é o que falo sempre para os meus alunos e alunas. Mas,
infelizmente, sabemos que nem sempre é assim, porque muitas das vezes a escola através das
“des-afetividades”, ao invés de combater os estereótipos, acaba reforçando os “lugares de
poder”. Parece que constantemente nos esforçamos para não ver que:
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De acordo com um estudo realizado em São Paulo, as crianças negras (pretas e pardas)
estão mais suscetíveis a repetir o ano (com uma frequência maior que as crianças brancas),
são excluídas mais cedo do sistema escolar, apresentam uma trajetória escolar menos
constante com afastamentos e retornos , indicando assim uma interação complexa entre o
sistema escolar e o alunado negro (ROSEMBERG, 1986). Deveríamos realmente repensar se
os alunos pobres e negros não aprendem porque não são “capazes” de aprender ou porque
pensam ou sentem que não são suficientemente capazes de alcançar tal aprendizagem.
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Racismo e des-afetividade no cotidiano escolar
outros, mostram um pouco das experiências escolares de alunos negros nos distintos
segmentos escolares. No que diz respeitos aos resultados, Cavalleiro (2000), por exemplo,
afirma que a existência do racismo no cotidiano escolar produz como consequência nos
alunos negros: auto-rejeição, timidez, pouca participação em sala de aula, dificuldades no
processo de aprendizagem, falta de estímulo para frequentar as aulas, o que termina por
acarretar evasão escolar. O estudo de Maggie (2006) por sua vez, ressalta que os alunos que
se autodeclaram brancos e pardos parecem ter uma maior expectativa quanto aos estudos que
os alunos que se autodeclaram negros. Podemos assim perceber que os aspectos emocionais
estão fortemente presentes nas experiências escolares destes alunos causando diferentes
“efeitos colaterais”.
Os estudos também indicam que a medida que os alunos vão superando as etapas
escolares, vão encontrando novos desafios e novos preconceitos por superar. No estudo de
Candau (2002) que retrata em uma de suas linhas de pesquisa a prática pedagógica dos cursos
de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), foi encontrado nestas práticas uma
estratégia de apoio para reduzir o preconceito, promover a autoestima racial e despertar os
alunos para uma visão crítica sobre a situação do negro no Brasil. Segundo o estudo, nesses
cursos os alunos são motivados a lutarem apesar de sua condição de “negro” e “carente”,
assim como enfrentar a realidade competitiva e preconceituosa que seguirá existindo mesmo
que eles aprovem o vestibular (CANDAU, 2002).
Morin em suas teorias sobre os sete saberes necessários para a educação do futuro
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afirma que “os indivíduos conhecem, pensam e procedem de acordo com os paradigmas
inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2001). Se queremos fomentar uma sociedade
igualitária em todos os aspectos, temos que começar a “inscrever” outros paradigmas culturais
em nossos alunos. E esta “inscrição” só pode ser feita a partir do reconhecimento e da
valorização da diversidade cultural existente em nossa sociedade.
Dessa maneira, ao se trabalhar lado a lado como nossos alunos e alunas e descobrir
possíveis efeitos que o emocional pode ter sobre o cognitivo, a partir de experiências racistas
e discriminatórias vividas por eles no cotidiano escolar, pode-se encontrar elementos que
ajudem no “fortalecimento” do cognitivo e não em sua “asfixia”, como destacou Morin.
Em vias de conclusão...
Este artigo é uma “reflexão em voz alta” sobre a necessidade de se tentar compreender
o cotidiano escolar de tantas crianças, adolescentes e jovens que, por pertencerem a um grupo
étnico diferente do grupo étnico dominante, sofrem situações constrangedoras que, muitas
vezes, influenciam diretamente em sua aprendizagem.
O slogan do governo federal Brasil um país de todos é muito bonito, mas ainda pouco
funcional, apesar das tentativas de equiparação social da população brasileira. Ter os mesmos
“direitos legais”, nem sempre quer dizer ter os mesmos “direitos sociais”. Ou seja, o racismo,
a discriminação e a desigualdade, infelizmente, continuam existindo. Mas enquanto estas
práticas estiverem presentes na nossa sociedade, ainda que sejamos uma sociedade
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racialmente diversa, temos que lutar para combater estas práticas maléficas e devemos fazê-lo
desde a escola, peça fundamental neste processo de transformação.
Desconstruir o panorama social existente na escola, para construir outro cenário com
oportunidades igualitárias para todos e todas é o dever de cada brasileiro e brasileira. Não
podemos permitir que a discriminação e o racismo permeados pelas “des-afetividades”
vividas no cotidiano escolar, de uma maneira em geral, possam influenciar no estado moral,
emocional e intelectual dos alunos de origem negra, reduzindo assim suas chances de inclusão
social significativa.
Bibliografia:
Almeida, Ana Rita Silva Emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.
Candau, Vera Maria. “Sociedade, Cotidiano escolar e Cultura (s): uma aproximação”.
Educação & Sociedade, ano XXIII, nº 79, Agosto/2002.
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Davidson, Ann Locke. Making and molding identity in schools: Student narratives on race,
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Gibson, Margareth e Jonh Ogbu U.. Minority status and schooling: A comparative study of
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Morin, Edgar. Los siete saberes necesarios para la educación del futuro. Barcelona: Paidós,
2001.
Munanga, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e
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Piaget, Jean. Inconsciente afetivo e inconsciente cognitivo. In.: Piaget. Rio de Janeiro:
Forense, 1972.
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Silva Jr., Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasilia:
UNESCO, 2002.
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