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DO CONHECIMENTO
Prof. Dr. Marco Antonio Santoro Salvador – UERJ - Colégio Pedro II e UNESA
Resumo
O artigo tem como proposta suscitar reflexões sobre a questão do corpo e das ações de controle
que se estabelecem no espaço escolar. Analisa o sentido do corpo nas relações construídas entre
professores e alunos permeadas pelas concepções cartesianas presentes na sociedade e
reproduzidas na escola. Aponta ações no contexto interdisciplinar escolar que possibilite
vislumbrar a superação desses paradigmas. Especificamente no campo da educação física,
elabora possibilidades no cotidiano escolar por intermédio de metodologias e conteúdos que
proporcionem alternativas de mudanças comportamentais através do corpo pelo viés cultural.
Analisa a padronização estética como um dos componentes de controle social e escolar por razão
do sentido de pertencimento de grupo e na formação das identidades, por intermédio da memória
social.
INTRODUÇÃO
Tradicionalmente a escola mantém o corpo sob controle em seu cotidiano, pois as suas
diversas estratégias metodológicas regularmente apontam para o imobilismo, para a construção
do conhecimento priorizado no aspecto cognitivo, pouco atento as expressões corporais e os
movimentos construídos pelos alunos, que traduzem um conjunto acumulado de conhecimento,
cultura, política e história.
A escola enquanto instituição social auxilia na manutenção da hierarquia de poder,
reforçando estruturas sociais pouco focadas em mudanças. Nesse sentido, o corpo e seus
movimentos, de certa forma, ameaçam o controle escolar com sua infinidade de expressões e
possibilidades, promovendo o descontrole do rígido sistema da escola que geralmente se sustenta
pela obediência de diversas regras construídas, por vezes, sem sentido e significado para os
alunos e com pouco direito a questionamentos.
Nesse sentido, os jovens ainda não tão adequados socialmente a essas regras, vivenciam
também por intermédio do corpo, relações com o mundo de uma forma mais transparente e
autêntica e, neste particular, a sua herança cultural, suas expectativas e seus anseios são
traduzidos pela expressão corporal, pelos movimentos, pela sua inquietação na busca da
descoberta de sua própria identidade com a sociedade.
“Uma das criticas que Marx fazia ao capitalismo tinha a ver justamente
com isto. O capitalismo é uma educação do corpo: o corpo que e ensinado
a se esquecer de todos os seus sentidos eróticos e que se transforma no
local de um sentido apenas: o sentido de posse.” (Alves, 1985, p 42)
A partir desse contexto, se instala no cotidiano escolar a frágil equação para encontrar o
equilíbrio entre a imposição de limites e as transgressões culturais e naturais que os jovens
vivenciam socialmente. As construções do conhecimento e das relações entre os atores sócias da
escola impõem tensões que necessitam ser superada em busca de uma educação crítica que
possibilite transformações tanto de uma repressão sem significados, quanto a total falta de limites
que desemboca no consumo e no imediatismo dos desejos dos alunos vivenciados na sociedade
contemporânea. Nesse sentido, um desafio necessita ser enfrentado pela escola: como cercear as
capacidades individuais que devem ser desenvolvidas e sem desrespeitar os limites da
convivência coletiva do bem comum?
Outro desafio se instala no espaço escolar: a cultura construída nessas bases imprime
modelos sociais em que o adulto, enquanto produtor e receptor do meio em que vive, tende a
reproduzir os valores e controles instalados na sociedade. Portanto, os professores tendem a
limitar os movimentos e expressões dos alunos, pois avaliam que essas atitudes são
desrespeitosas e desobedientes para com a “harmonia” escolar e com o planejamento que precisa
ser cumprido à risca, sem atentar para o fato de que a construção de um planejamento escolar
deve se remeter às relações com uma educação que tenha significado com a realidade cultural das
pessoas e da localidade a qual a escola se insere.
Outro fato geralmente negligenciado na cultura escolar é a construção do conhecimento
sem a percepção da importância do vínculo afetivo, das construções de cooperação entre os
grupos e do reforço da auto-estima que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem, em que o
corpo e suas possibilidades participam intensa e diretamente deste processo.
“O corpo humano e o corpo que sente, percebe, fala, chama a atenção para
o corpo que somos e vivemos. O corpo e presença concreta no mundo,
porque veicula gestos, expressões e comportamentos das ações individuais
e coletivas de um grupo, uma comunidade ou sociedade. Assim vivemos
um contexto histórico que busca fazer dos corpos maquinas de competição,
voltadas para o lucro de uma sociedade pragmatista.” (Gallo, 1997, p. 67)
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Vivemos atualmente uma padronização corporal em que o modelo estético impõe medidas
corporais inalcançáveis aos cidadãos comuns e uma ideologia individualista e de exacerbada
competitividade. A obsessão pelo corpo perfeito fatura bilhões de dólares de lucro pelo mundo e,
conseqüentemente, pessoas frustradas por buscarem por toda a sua existência este modelo
estético imposto e de, obviamente, não alcançarem êxito. Vivemos o período histórico em que o
corpo se tornou mercadoria e artigo desejado para o consumo imediato e efêmero.
A escola, enquanto um dos pilares sociais, geralmente reproduz tais concepções.
Entretanto, professores podem promover com os alunos a possibilidade de questionamentos e
mudanças, independente da disciplina que leciona e da função na escola. O corpo não pode estar
presente e atuante apenas nas aulas de educação física.
Entretanto, a educação física, por suas características corporais singulares e apelo
prazeroso que possuí em relação às outras disciplinas do cotidiano escolar, podem aproveitar tais
oportunidades para redimensionar o seu papel social e a sua função pedagógica, bem como,
auxiliar as outras disciplinas da escola com objetivos de demonstrar outras possibilidades de
construção do conhecimento além do aspecto da cognição.
A conscientização de uma concepção de ser humano unitário, não separado de forma
cartesiana, possibilita uma outra concepção de corpo e conseqüentemente, outras formas de
intervenção pedagógica em tempos de padronização de movimentos, gestos e expressões, que
geralmente auxiliam a construção do medo, da obediência inquestionável e da alienação corporal.
As ações pedagógicas de construção do Projeto Político Pedagógico, das ementas das
disciplinas, de seus objetivos, conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem podem e devem
incluir o corpo enquanto unidade, como integrante essencial da construção do conhecimento em
escolas que valorizam apenas pensamentos imobilizados, sérios e previsíveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Nilda & GARCIA, Regina Leite (orgs.) O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
ALVES, Rubem. O corpo e as palavras. In Bruhns, Heloisa turini (org.). Conversando sobre o
corpo. São Paulo: Papirus, 1985.
BOURDIEU, Pierre. A reprodução: elementos para uma teoria de ensino. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1990.
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CODO, Wanderley & SENNE, Wilson. O que é corpolatria. São Paulo: Brasiliense, 1985.
COLETIVO DE AUTORES, Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez,
1992.
DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.