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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas

Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis

Ação educativa em formação contínua


Camila Serino Lia – FAMEC, Arteducação Produções
Guilherme Nakashato – FAMEC, Arteducação Produções
Rejane Galvão Coutinho – IA/UNESP, Arteducação Produções

Resumo
O artigo apresenta reflexões sobre o processo de concepção e de formação de um
programa educativo e seus agentes-mediadores. Uma análise sincrônica da ação
educativa das exposições Morte das Casas, Manobras Radicais, Rembrandt e a Arte
da Gravura e Impressões Originais – A Gravura desde o Século XV dá conta de
revelar os vários impasses do processo, os avanços e o aperfeiçoamento advindos de
um processo coletivo de formação e autoformação.
Palavras-chaves:
Mediação cultural; formação de mediadores; formação contínua; arte/educação.

Abstract
This article presents thoughts on the process of conception and formation of an
educative program and its educators. A synchronic analysis of the educative action of
the exhibitions Morte das Casas, Manobras Radicais, Rembrandt e a Arte da Gravura
and Impressões Originais – A Gravura desde o Século XV reveals some impasses of
this process, the progresses and the improvements resulting from a collective process
of development and self-development.
Key words:
Cultural education; educators’ development; continuous formation; art/education.

Introdução
A equipe do Arteducação Produções (AEP) vem desenvolvendo projetos para
a ação educativa de algumas exposições do Centro Cultural Banco do Brasil de
São Paulo (CCBB-SP) desde 2001. Uma das fortes premissas do grupo é o
caráter reflexivo de formação e de autoformação que permeia suas práticas.
Nesse percurso, um gradativo aperfeiçoamento conceitual foi sendo gestado
pela equipe em decorrência do próprio processo de formação contínua, que faz
com que novas cabeças, com novas idéias, se incorporem ao quadro nuclear,
como conseqüência da crescente preocupação em aproximar nossos agentes-

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mediadores do processo de concepção e desenvolvimento das estratégias de


mediação para as exposições. i Apresentamos aqui uma análise sincrônica da
ação educativa, buscando revelar os aperfeiçoamentos conceituais desse
processo de formação e ressaltando os momentos de incorporação e de
participação dos agentes-mediadores. Para tanto, recorremos à descrição e à
análise de dois pares de propostas diferenciadas, que dialogam entre si seja
pelo conteúdo das propostas desenvolvidas, como é o caso das exposições
Morte das Casas, do artista contemporâneo brasileiro Nuno Ramos, e
Manobras Radicais, uma coletiva de artistas brasileiras mulheres, seja pelo
conteúdo similar da exposição em si, como é o caso das exposições
Rembrandt e a Arte da Gravura e Impressões Originais – A Gravura desde o
Século XV.
Estas reflexões, tão importantes para a nossa equipe, podem estimular o
debate acerca do processo de formação e de profissionalização dos
mediadores culturais, contribuindo para a ampliação dos horizontes teóricos e
conceituais sobre a mediação e seus interlocutores.
A ação educativa em formação
Antes de iniciar nossa análise, convém contextualizar as relações entre a
equipe do AEP e os mediadores no início do percurso, numa breve
consideração desse processo.
O primeiro projeto do AEP com o CCBB-SP ocorreu em 2001 com Metro, a
Metrópole em Você ii , evento multidisciplinar programado para a inauguração do
prédio, situado no centro histórico de São Paulo. Ao preparar a ação educativa
para a exposição Resgate,do artista pernambucano Tunga, dividimos as
tarefas entre as subequipes do AEP: a de seleção, a de formação contínua dos
mediadores e concepção geral da mediação feita pelas coordenadoras, e a de
concepção de práticas reflexivas pelos “oficineiros”. Coerentes com a Proposta
Triangular, nossas preocupações naquele momento recaíam nos três eixos da
proposta, ainda articulados de forma segmentada –a leitura e a
contextualização das obras eram desenvolvidas pelos mediadores no percurso
da visita, e a produção reflexiva, ou oficina, como chamávamos então, a cargo
dos oficineiros.
Na prática, os mediadores tinham o desafio de trabalhar nas visitas orientadas
questões sobre a contextualização da exposição e do prédio recém-

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inaugurado, criando situações de leitura das obras. Ao final do percurso, o


grupo de visitantes era encaminhado ao espaço da oficina, onde eram revistos
os conceitos e as leituras levantadas durante a visita, buscando relações com
um fazer reflexivo através de objetos do cotidiano urbano e elementos
presentes nas obras do artista. Essa fragmentação da ação educativa, apesar
de evidente hoje, não era ainda percebida à época, pois era a primeira vez que
buscávamos integrar a Proposta Triangular com o processo de mediação. Por
sua vez, os mediadores, desde o início, sentiam falta de um encerramento em
suas práticas com os grupos de visitantes, pois nem sempre participavam do
término da visita.
Havia reuniões diárias entre as coordenadoras e os mediadores, em que eram
avaliados os procedimentos com os grupos e debatidos temas e textos sobre a
exposição e sobre arte/educação. Os oficineiros não participavam de tais
reuniões, uma vez que estavam à disposição do público ininterruptamente, o
que dificultava mais uma vez a participação mais ativa dos mediadores.
Essa estrutura de funcionamento foi mantida nas demais exposições de 2001,
mas a cada avaliação fomos percebendo um maior envolvimento e interesse
dos mediadores pelo processo de formação e de conceituação. Esse interesse
adveio da relação dialética entre as necessidades de apropriação das
propostas pelos mediadores e do próprio conceito de “qualidade” da equipe do
AEP. Desde cedo os próprios mediadores começaram a refletir sobre as
perdas da mediação pela fragmentação do processo, em que uma pessoa
conduzia a visita e outra a prática reflexiva da oficina, principalmente pelo fato
de que eles construíam toda uma lógica na visita que nem sempre era
percebida pelo oficineiro. Os oficineiros, por sua vez, compreenderam essa
dificuldade e tentavam saná-la participando das visitas, mas nem sempre era
possível acompanhar todos os mediadores. Esse impasse levou a uma
reelaboração das propostas ao longo do tempo, e as transformações foram
incorporadas pelo AEP.
A ação educativa em formação contínua: a exposição Morte das Casas –
Nuno Ramos iii e Manobras Radicais iv
A partir da exposição Morte das Casas - Nuno Ramos, em 2004, surgiu uma
nova configuração na equipe de concepção e produção das propostas de
mediação, quando mediadores que já vinham atuando junto ao AEP no CCBB-

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SP foram convidados a integrar a equipe nuclear original, compondo uma


multiplicidade de olhares e experiências.
Em Morte das Casas, nos primeiros encontros de pesquisa e discussão acerca
do conteúdo da exposição e da obra do artista, os mediadores (agora não mais
apenas “oficineiros”) se defrontaram com algumas preocupações que refletiam
sua intimidade com o público e com o espaço do CCBB-SP além da
experiência com a mediação: Como abordar uma exposição de arte
contemporânea? Como conceber uma proposta que não será desenvolvida
apenas por nós?
Essa exposição apresentava dois vídeos dirigidos por Nuno Ramos e quatro
instalações inéditas concebidas para ocupar todos os espaços expositivos do
CCBB-SP, desafiando a mediação numa grande exposição. As obras eram
constituídas por materiais característicos da poética do artista, como breu, terra
e mármore, e seus nomes eram inspirados em obras literárias e musicais de
artistas brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade e Cartola. Em seu
conjunto, a exposição apresentava uma unidade de conceitos e materiais que
faziam alusão à passagem do tempo e aos ciclos de vida e morte, inclusive por
serem obras efêmeras, já que, ao término da exposição, seriam ‘destruídas’.
No período de desenvolvimento da proposta, foi necessário eleger alguns
conceitos mais amplos percebidos na poética do artista, tais como
interdependência, integração, materialidade, transmutação e apropriação.
Definidos esses conceitos, nasceu uma proposta em formato de jogo, que seria
desenvolvida durante todo o processo de visita em todos os espaços
expositivos e que possibilitaria a contextualização, a leitura e a prática reflexiva
de forma integrada e interdependente, como os próprios conceitos percebidos
na obra de Nuno Ramos sugeriam. v
Pela complexidade da proposta em termos de estratégias e materiais e pelo
fato inédito de que ela seria desenvolvida ao longo de todo o processo de
mediação, a preocupação sobre o modo como os outros mediadores iriam se
apropriar da proposta nos fez contemplar no curso de formação diversos
momentos de apresentação, aplicação, discussões e ampliação dela.
Conteúdos relativos à obra do artista, à arte contemporânea e à mediação
ampliaram o potencial de compreensão e apropriação da proposta.

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Durante o período de visitação notou-se na prática o quanto o formato da


proposta aproximava os mediadores, que precisavam se organizar
sincronicamente em relação ao tempo e à ordem dos espaços visitados. Como
algumas estratégias das etapas do jogo dependiam da criação de outro grupo,
ao final da visita eles discutiam de que modo suas visitas haviam sido
influenciadas umas pelas outras, assim como as dificuldades que encontravam.
Essas discussões e inquietações alimentavam as reuniões semanais com os
supervisores e coordenadores, potencializando-as como espaço de diálogo
sobre a prática de mediação e os conteúdos suscitados na exposição,
possibilitando a ampliação ou modificação de materiais e dinâmicas da
proposta.
Em 2006, a exposição Manobras Radicais apresentou um panorama da
produção artística feminina do Brasil, com obras datadas desde o século XIX,
passando pelo Modernismo e chegando às mais recentes produções
contemporâneas. Em função da diversidade e riqueza de associações
apresentadas pelas obras, revelou-se necessária uma reflexão sobre conceitos
como diversidade, identidade, alteridade e multiculturalidade, ampliando a
temática de gênero.
Como uma nova equipe de mediadores estava sendo formada para esta ação
educativa, houve uma preocupação em contemplar a diversidade de
experiências em mediação que esse novo grupo trazia para o processo,
geralmente experiências pautadas na leitura de imagens.
A diversidade da exposição e da equipe estimulou a concepção de uma
proposta de mediação que possibilitasse diferentes leituras das obras e da
exposição a partir de múltiplas estratégias, visando à percepção e à leitura
através de procedimentos lúdicos. Cinco atividades prático-reflexivas foram
concebidas para a mediação em forma de jogo: o jogo da percepção-
interpretação; a produção criativa através de texto; o jogo das palavras ligadas;
o jogo da curadoria; e o jogo da palavra-síntese.
O processo de apropriação das cinco propostas pelos mediadores aconteceu
gradativamente nos espaços de formação contínua, da semana de formação
às reuniões semanais, e, nesse ano, também nos acompanhamentos das
visitas feito pelos educadores-formadores e nos estudos diários.

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Assim como em Morte das Casas, as reuniões também se configuraram como


espaço de compartilhamento das experiências da semana pelos mediadores,
num continuo fluxo de idéias e dinamização de repertório. É a oportunidade de
trocar as vivências de situações e ações que os desafiam cotidianamente, com
responsabilidade e reflexão, a buscar sempre a melhor forma de atender as
necessidades dos grupos de visitantes. Assim, as estratégias de mediação são
debatidas, analisadas, experimentadas, avaliadas e compartilhadas por todos,
proporcionando o entendimento das concepções educacionais relacionadas ao
universo da exposição.
O acompanhamento das visitas feito pelos educadores-formadores surgiu da
necessidade de garantir a qualidade da mediação exercida, assim como de
propiciar um olhar externo ao trabalho do mediador e estimular o diálogo entre
as diferentes apropriações das propostas e conduções dos percursos de
mediação.
As dinâmicas propostas e integradas pelos mediadores geraram resultados
extremamente ricos por sua simplicidade e abrangência. E, o que é mais
importante, elas não se esgotavam na visita à exposição, podendo ser
exploradas na escola pelos professores.
Ao relatar os dois processos distintos que envolveram estratégias lúdicas,
procuramos ressaltar o processo de apropriação e de contribuição dos
mediadores com relação às estratégias concebidas, mostrando o quanto é
fundamental nesse processo o espaço de reflexão e de trocas entre
coordenação, educadores e mediadores.
A ação educativa em formação contínua: a exposição Rembrandt e a Arte
da Gravura vi e Impressões Originais – A Gravura desde o Século XVvii
O processo de concepção e concretização da ação educativa da exposição
Rembrandt e a Arte da Gravura já foi tema de uma comunicação viii que a
equipe do AEP apresentou no Encontro Nacional da ANPAP (Associação
Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas) de 2003. Naquele momento,
levamos a experiência de um trabalho avaliado por nós como um dos mais
completos realizados até então, com uma participação mais visível dos
mediadores em comparação com o ano de 2001.
Para a exposição de Rembrandt, realizada em 2002, foi elaborada uma prática
reflexiva em torno da experiência do desenho de observação e da passagem

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desse desenho de uma matriz para um suporte por meio de um processo de


transfer da litografia. A escolha do trabalho de desenho de observação surgiu
depois de vários debates da equipe do AEP quanto à pertinência de se propor
a prática aos grupos visitantes e pelo fato de Rembrandt ter produzido gravuras
em metal com a concepção de serem obras finalizadas, e não como “estudos
para pinturas”, utilizando-se da sintaxe do desenho, principalmente de
observação. A estratégia de se usar uma “sala de arte” (sala de coleções
variadas) inspirada na de Rembrandt diminuiu a distância do desenho de
observação, ao serem dispostos nela vários objetos do cotidiano, todos
pintados de branco para ressaltar os valores de luz e sombra. Desenhavam-se
os objetos escolhidos utilizando-se bico-de-pena, nanquim e papel preparado
com goma arábica, como o transfer. Por meio de uma prensa para gravura em
metal, o desenho umedecido era transferido para um papel-suporte mais
grosso. A estampa no papel-suporte ficava com o visitante, enquanto o papel
de transfer, encarado como uma matriz, permanecia numa pequena mostra dos
resultados em nosso espaço do educativo.
Em vista das avaliações do ano anterior, nesta dinâmica os oficineiros
passaram a supervisionar e auxiliar os mediadores no trabalho com os grupos.
Dessa maneira, os conceitos de complementaridade das propostas de visita e
da prática reflexiva da oficina foram trabalhados pelos próprios mediadores em
seus atendimentos, resultando num processo menos fragmentado e mais
envolvente. A apropriação da proposta não foi tão intensa, pois os oficineiros
acabavam por zelar pelo projeto original, evitando inconscientemente qualquer
modificação mais evidente.
Nas reuniões diárias com as coordenadoras, foram adotadas novas propostas
de discussão, sugeridas pelos próprios mediadores, principalmente com a
contribuição de textos pertinentes para serem abordados em prol do
conhecimento do grupo.
Na visita orientada, a apropriação pelos educadores foi mais aberta. Havíamos
projetado um jogo de cartões contendo informações e questionamentos sobre
os contextos de Rembrandt, buscando uma aproximação com o contexto dos
visitantes. Esses cartões foram concebidos como material de apoio para
dinamizar a leitura, trazendo o contexto dos visitantes e enriquecendo o contato
com a arte. Por outro lado, constituía-se num apoio ao mediador, devido às

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inúmeras informações referentes ao artista e às obras. Esse jogo, batizado de


arte.fatos, foi apresentado na semana de formação com o desafio de que os
mediadores discutissem, avaliassem e propusessem adequações, fazendo com
que eles participassem da concepção, ao invés de receberem o material de
mediação já elaborado. Como esperado, esse material foi utilizado e
claramente absorvido pelos mediadores durante o período de exposição.
Alguns deixaram de usar os cartões, pois a dinâmica passou a ser trabalhada
diretamente com o público, gerando novas compreensões sobre a estratégia de
mediação.
Neste momento já tínhamos a convicção de que estávamos mergulhados num
processo contínuo de aprendizado, não apenas propiciando aprendizagens ao
público visitante, mas aprendendo com os mediadores e com toda a equipe do
AEP.
Em 2006 enfrentamos novamente o desafio de trabalhar numa exposição de
gravuras de impacto histórico, porém desta vez acompanhando as pesquisas e
o desenvolvimento da técnica até os dias atuais: Impressões Originais – A
Gravura desde o Século XV.
Nos quatro anos subseqüentes à exposição de Rembrandt, a equipe do AEP
havia passado por reestruturações e ampliado seu quadro nuclear, conforme foi
citado anteriormente. Uma das preocupações da nova geração foi a inclusão
cada vez mais ativa dos mediadores no processo de apropriação das propostas.
Ciente da impossibilidade de os mediadores se dedicarem totalmente à
concepção das propostas simultaneamente ao trabalho de mediação,
precisávamos gerar dinâmicas de integração eficientes e aproximá-los das
modificações críticas e coletivas da equipe.
As modificações já ficaram evidentes na formação da equipe de concepção das
estratégias: saíram os “oficineiros” e entrou um trabalho mais integrado, no qual
a coordenação, os educadores-formadores e os próprios educadores
desenvolviam um projeto comum.
Assim, no curso de formação para as novas exposições, os mediadores foram
apresentados à estratégia de mediação, com o intuito de debater os detalhes da
proposta a fim de melhor a compreender e se apropriar dela. Passamos a
adotar a estratégia de aplicar a dinâmica com os mediadores, ao invés de
explicar seu funcionamento já de imediato. Após os debates iniciais sobre a

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proposta, sua aplicação no dia-a-dia foi revelando as reais dificuldades e suas


potencialidades. Nesse momento, as reuniões semanais proporcionaram o
espaço de troca garantido para que as diferentes maneiras de conduzir a visita
de cada educador fossem debatidas, avaliadas e compartilhadas entre todos. A
conversa franca e a participação dos educadores-formadores impulsionaram o
ímpeto pela qualidade crescente do trabalho, minimizando os períodos de baixa
de agendamento e dos finais de exposição, quando o suposto ‘domínio’ do
conteúdo poderia ameaçar uma postura mais instigante do mediador para com
o grupo visitante. Ao debater os assuntos levantados pelas exposições e o
desafio de atender adequadamente cada grupo, provocavam os mediadores a
sugerir novas estratégias, novos focos de discussão, textos das mais diversas
naturezas para serem compartilhados e pesquisas complementares que
contribuiriam para o desenvolvimento do grupo todo. A pesquisa espontânea foi
uma das evidências mais significativas da conquista da autonomia de trabalho
pelos mediadores.
Para a exposição Impressões Originais, propusemos uma estratégia de
mediação que incluía uma técnica de produção de gravura diferente da utilizada
na de Rembrandt. Com uma técnica desdobrada da “colagravura”ix , a proposta
girava em torno da criação de matrizes por cada (por cada não dá, né? Rs Use
“pelo”) visitante utilizando fios e tecidos tingidos com anilina colorida, que eram
aplicados sobre uma superfície plana do tamanho de um cartão-postal. A
colagem desse material sobre a superfície ficava por conta de uma “cola não-
permanente” – a mesma cola de fita adesiva –, que permite a desmontagem
das matrizes ao término de cada visita. Cada matriz era umedecida com água,
para soltar a anilina dos tecidos, e passada por um prelo vertical (prensa de
livros), com o papel de suporte devidamente posicionado. A impressão nesse
suporte constituía uma estampa, e os visitantes eram estimulados a traçar
semelhanças com as obras da exposição, não somente pela aparência, mas
pelo cuidado técnico, mas em relação aos procedimentos, à variação de
resultados, ao espelhamento da imagem e à possibilidade de reprodutibilidade,
ainda que limitada. Um carimbo de borracha foi desenvolvido com a estampa
das linhas do verso de um cartão-postal (o espaço para endereço e selo), com o
intuito de transformar a impressão do visitante em cartão que pudesse ser
enviado, ampliando a discussão do caráter móvel e de imagem itinerante

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propiciado pelo desenvolvimento das técnicas gráficas como meio de


comunicação, que perdura até hoje. O estímulo à composição variava de
acordo com o foco que cada educador estivesse trabalhando, e a prática era
realizada tanto no meio da visita quanto ao final dela, diversificando as
propostas de debate de cada grupo pelo mediador.
Para a visita orientada não foram criados prontamente materiais de apoio. Os
próprios mediadores, por suas necessidades, passaram a sugeri-los e
desenvolvê-los ao longo da exposição. Materiais de gravura como pontas-
secas, goivas, brunidores, raspadores, barens (ferramenta de frotagem para
impressão em relevo), pedras litográficas e placas de cobre e de madeira, além
de matrizes de gravura e suas respectivas estampas, foram pesquisados e
coletados pelos mediadores, coletivizando seu uso na visitas.
A ação educativa em contínua formação entre AEP e os mediadores
Aprender com a experiência é uma das diretrizes da equipe do AEP. A
aprendizagem é, desenvolvida tanto com os sujeitos da mediação, como com
os agentes-mediadores e com nossa própria equipe, numa interação consciente
de crescimento coletivo. A apresentação dos contextos das diferentes ações
educativas foi uma maneira de registrar e refletir sobre o processo que a equipe
vem construindo dialeticamente com os mediadores que selecionamos e com
os quais trabalhamos.
No caso destas exposições, o aumento da participação dos mediadores no
processo de apropriação e transformação das propostas de mediação vem
sendo percebido e analisado.
A autonomia e a divisão das responsabilidades fazem com que haja um
equilíbrio entre os mediadores, os supervisores, os educadores-formadores e a
coordenação, todos focados numa postura provocativa e educativa tanto com o
público quanto entre nós, do AEP. Breno Menezes, um de nossos mediadores,
quando questionado sobre a autonomia em seu relatório final da exposição,
escreveu:
Nesse ponto acho que o trabalho em equipe cresceu muito.
(…) A meu ver, quando se instala um processo desses o
melhor a fazer é pensar os problemas como problemas de
responsabilidade do grupo todo, incluindo coordenação,
supervisão e educadores. Nesse sentido achei muito bom que

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o processo tenha atingido tal maturidade. Para mim ficou bem


claro, por exemplo, que os pontos em que não estava
correspondendo às expectativas não tinham nenhuma outra
procedência que não fosse as minhas próprias limitações em
relação às ações que tinha que tomar. Em uma das reuniões
do turno 2 [verpertino/noturno, da qual ele fazia parte, grifo
nosso] na exposição passada a nossa avaliação a respeito do
nossa própria responsabilidade foi tomada como uma auto-
crítica que considerei muito positiva, em que nenhum tipo de
mal- entendido entre integrantes ocorreu.

Referências utilizadas:
COUTINHO, Rejane Galvão ; ORTENBLAD, Alberto ; LIA, Camila ; COUTINHO,
Christiane ; ONODERA, Edna ; ORLOSKI, Erick ; TREMONTE, Fábio ; NAKASHATO,
Guilherme . Estratégia de mediação para a exposição Morte das Casas - Nuno Ramos.
In: 13º Encontro Nacional da ANPAP, 2004, Brasília. Arte em Pesquisa:
especificidades. Brasília: Editora da Pós-graduação em Arte da Universidade de
Brasília, 2004. v. II. p. 166-173.
COUTINHO, Rejane Galvão ; PRODUÇÕES, Equipe Do Arteducação . O processo de
mediação na construção de conhecimentos em arte e educação: o caso da exposição
Rembrandt e a arte da gravura. In: 12º Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas, 2003, Brasília. A Arte Pesquisa 2003, 2003. v. 1.
Impressões Originais – A Gravura desde o Século XV. Catálogo da exposição sob
curadoria de Carlos Martins, Valéria Piccoli e Pieter Tjabbes. São Paulo: Art Unlimited,
2006.
MARTIN, Judy, Enciclopedia de técnicas de impresión. Buenos Aires, Argentina:
Editorial La Isla, 2001.
Rembrandt e a Arte da Gravura. Catálogo da exposição sob curadoria de Pieter
Tjabbes, Ed de Heer e Aernoud Hagen. São Paulo: Art Unlimited, 2002.

Camila Serino Lia


Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(1995) com especialização em Estudos de Museus de Arte pelo MAC/USP.
Atualmente é professora da Faculdade Montessori de Educação e Cultura e

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produtora do Arteducação Produções, empresa especializada em concepção de


projetos educativos e culturais.

Guilherme Nakashato
Licenciado em Artes Visuais pela Universidade Estadual Paulista – UNESP
(1998) e mestrando na área de Artes Visuais na mesma instituição. Atualmente
é professor da Faculdade Montessori de Educação e Cultura e atua como
pesquisador e produtor do Arteducação Produções, empresa especializada em
concepção de projetos educativos e culturais.

Rejane Galvão Coutinho


Doutora em Artes pela ECA/USP, professora do Instituto de Artes da UNESP,
onde atua na Graduação e na Pós-Graduação com formação de
arte/educadores. Coordena o Arteducação Produções, equipe que desenvolve
projetos de mediação cultural em São Paulo desde 2001. É representante da
América Latina no World Council da International Society for Education through
Art (InSEA).

i
Agentes-mediadores (ou mediadores, simplesmente) são os educadores que o AEP seleciona e forma
para desenvolver as estratégias de mediação junto ao público e para atuar de forma construtiva na
própria formação contínua, convergindo para uma autonomia responsável e coletiva.

ii
Metro, a Metrópole em Você, multi-evento de inauguração do Centro Cultural Banco do Brasil de São
Paulo de 21 de abril a 24 de junho de 2001. Incluía a exposição Resgate, de Tunga.
iii
Morte da Casas – Nuno Ramos foi realizada no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo de 21 de
abril a 20 de junho de 2004.
iv
Manobras Radicais, com curadoria de Paulo Herkenhoff e Heloísa Buarque de Hollanda, foi realizada no
Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo de 08 de agosto a 15 de novembro de 2006.
v
Mais detalhes sobre a proposta, ver o texto “Estratégia de mediação para a exposição Morte das Casas
– Nuno Ramos” (COUTINHO et.al., 2004).
vi
Rembrandt e a Arte da Gravura foi uma exposição de gravuras do acervo da Casa Rembrandt, da
Holanda, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo de 07 de setembro a 03 de
novembro de 2002.
vii
Impressões Originais – A Gravura desde o Século XV foi uma exposição de gravuras de vários acervos
nacionais e internacionais realizada no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo de 31 de outubro de
2006 a 07 de janeiro de 2007.
viii
“O processo de mediação na construção de conhecimentos em arte e educação: o caso da exposição
Rembrandt e a arte da gravura”, apresentada por Rejane G. Coutinho e equipe do Arteducação
Produções no XII Encontro Nacional da ANPAP, na Universidade de Brasília, em 2003.
ix
“Colagravura” é uma técnica de gravura em relevo cujo princípio baseia-se na criação de uma matriz por
meio da colagem de materiais variados sobre uma superfície e sua utilização num processo de
impressão, gerando a estampa. Também é conhecida por gravura de técnicas adesivas. (cf. MARTIN,
Judy, Enciclopedia de técnicas de impresión. Buenos Aires, Argentina: Editorial La Isla, 2001).

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