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Para uma mediação cultural de aproximação

For a cultural mediation of approximation

Jovani Dala Bernardina


UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

João Wesley de Souza


UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

Resumo:

A arte contemporânea com a popularização do conceito do Campo Expandido ampliou horizontes,


proporcionando ao artista diversos meios de produção, circulação e interação entre o público e as
imagens artísticas. Anteriormente, a comunicação relacional entre obra e fruidor fazia uso de uma
estratégia toda voltada para um observador passivo, após os anos sessenta, esta observação passiva
foi rompida abrindo assim espaços para outras formas de convívio onde a interação relacional é
enfatizada. Sendo assim a presente escrita objetivará apontar para novas dinâmicas relacionais entre
autor, intermediador e frequentador.

Palavras-chave: Mediação cultural; arte contemporânea; aproximação.

Abstract:

Contemporary art with the popularization of the Expanded Field concept broadened horizons, providing
the artist with various means of production, circulation and interaction between the public and artistic
images. Previously, the relational communication between the work and the viewer made use of a
strategy aimed at a passive observer, after the sixties, this passive observation was broken, thus opening
spaces for other forms of conviviality where relational interaction is emphasized. Therefore, the present
writing will aim to point to new relational dynamics between author, intermediary and visitor.

Keywords: cultural mediation; contemporary art; approximation.


Introdução

A arte contemporânea a partir da popularização do conceito do Campo Expandido


ampliou horizontes para criação de novas ações estéticas, proporcionando ao artista da
atualidade os mais diversos meios de produção, circulação e interação entre o público e as
imagens artísticas, permitindo assim, realizar obras tanto no mundo real quanto no virtual. Posto
que anteriormente a comunicação relacional entre obra e fruidor fazia uso de uma estratégia
toda voltada para um observador passivo, após os anos sessenta, estes observadores são
convidados a intensificar sua relação com as imagens artísticas rompendo então com a
observação passiva e abrindo espaços para outras formas de convívio onde a interação
relacional é enfatizada. Frente a crescente liberdade expressiva do público, já incorporado
destas novas possibilidades de fruição artística, a demanda por novas formas de intermediação
centradas na aproximação que incorpora os mais diversos modos de recepção do público no
âmbito da cultura contemporânea torna se imperioso. No sentido de entender e incorporar novas
estratégias de comunicação com este novo observador, a presente escrita objetivará apontar
para novas dinâmicas relacionais entre autor, intermediador e frequentador. Tal triangulação
relacional e indicações de novas formas de relação entre estes distintos sujeitos da arte, deverá
estar amparada por uma tríade semiótica, onde o fluxo de comunicação entre um autor, um
interpretante e os possíveis modos de recepção do público sejam intensificados.
Para ilustrar estas possibilidades hipotéticas, vamos fazer uso da experiência que o
presente autor acumulou durante a observação das visitas guiadas realizadas na Exposição Ato
Falho, Casa Porto das Artes Plásticas, Vitória - ES entre o período de 28/04/22 a 28/07/22,
sendo nosso objeto de investigação uma experiência exclusiva de Vitória, partimos deste
particularismo, objetivando saltar deste limite fenomenológico do presente autor, para
conclusões com alcance universal.

1. Mediação cultural
Em se tratando de mediação cultural, podemos verificar que Mariana Ratts Dutra, em
Curdoria compartilhada na experiência de mediação cultural do Museu de Arte Contemporânea
do Ceará, 2014 conceitua que “O mediador cultural é, sim, aquele que está entre a produção
artística e o público, sendo responsável pelas diversas formas de se relacionar com ele, indo
além da prática de apenas receber o público por visitas guiadas de maneira informativa (pag
50). Partindo desta primícia seguimos para o artigo “Curadorias educativas a consciência do
olhar: Percepção imaginativa perspectiva fenomenológica aplicadas à experiência estética,
1996”, de Luiz Guilherme Vergara que nos aponta as ações de Mary Jane Jacob como curadora
de arte pública atuando em Nova York, em comparação com as ações realizadas pelos museus
Metropolitan Museum of Art e The New Museum of Contemporary Art, onde o mesmo nos
aponta:
O que existe em comum entre estes casos são os seus esforços para expandir
os conceitos de curadoria para tornar suas exibições aquilo que Mary Jane
Jacob aponta como foco de uma Ação Cultural. Tornar arte acessível a um
público diversificado é torná-la ativa culturalmente. Esse é um ponto que tem
sido crucial de debates e simpósios internacionais sobre museus de arte e sua
redefiniçõ. Ação Cultural da Arte implica em dinamização da relação
arte/indivíduo/ sociedade – isto é, formação de consciência e olhar. [...] Neste
sentido, ao se propor a exibição de arte como ação cultural – se tem como
objetivo criar uma perspectiva de alcance para a arte ampliada como
multiplicadora e catalizadora dentro de um processo de concientização
cultural. Sem dúvida, é preciso fundamento teórico/prático para transformar a
experiência estética junto as exposições em um centro de interações
multidisciplinar e diversificado acessível para vários níveis de público.
(VERGARA, 1996, 243)

Entendemos assim que o mediador era instruído com informações sobre os artistas e as
obras e assim, transmitia este conhecimento adquirido para o público em um modelo
verticalizado, de certa forma, sendo colocado como fonte de conhecimento e saber estético,
seguindo a ordem imagem/mediador-interpretante/público-receptor passivo.
Assim como o Demiurgo1 media o processo como inteligência capaz de vincular os
diferentes modos de um ser, onde a relação homem-mundo é mediada por ele, o papel do
mediador seria, em tese, fazer -metaforicamente- essa ponte entre os âmbitos distintos, entre
espectador e a obra, fazendo uma interlocução, trazendo o seu conhecimento, fazendo
indagações e provocações, estimulando o visitante a trazer suas experiências restritas ao seu
modo de recepção da mensagem do mediador, para assim, gerar possíveis novos entendimentos
que nascem deste confronto. O mediador, agindo como um demiurgo, na primeira fase deste
processo de entendimento e comunicação, entra em contato com um conhecimento e traduz, a
seu modo, aos visitantes que por sua vez, filtram a informação que recebem, segundo seus
modos exclusivos de recepção.
Entretanto, Stuart Hall, em Da diáspora: identidades e mediações culturais, nos aponta
sua ideia de codificação/ decodificação, onde nem sempre, no caso da relação entre obra e
interpretante, o que está descrito é o recebido pelo espectador:

1
Platão discorre em Timeu - “O demiurgo empreende uma actividade mimética. Ao criar o mundo sensível por
meio da imitação do arquétipo, assemelha-se em grande medida a um artífice, que, antes de produzir alguma coisa,
tem em conta uma forma da qual assimilará as propriedades que fará corresponder no material que trabalha.”
Então, a primeira tomada de posição de "Codificação/ Decodificação" é, em parte, a
de interromper esse tipo de noção transparente de comunicação para dizer: "Produzir
a mensagem não é uma atividade tão transparente como parece." A mensagem e uma
estrutura complexa de significados-que não é tão simples como se pensa. A recepção
não é algo aberto e perfeitamente transparente, que acontece na outra ponta da cadeia
de comunicação. E a cadeia comunicativa não opera de forma unilinear. (HALL, 2003,
p. 354).

A partir do conceito de codificação e decodificação, entendemos que tudo tem um nível de


compromisso, no sentido de que é uma experiência daquele que cria, daquele que frui e daquele
que transmite. Porém, cada sujeito que está nesse jogo relacional -de uma experiência guiada
em uma exposição- também tem essas possibilidades, onde a realidade é sujeita ao seu
particular modo de recepção. Dessa forma, tanto o artista, o mediador e o observador podem
ser imprecisos, isto é, suas interpretações e ideias, porém, a experiência que cada um trás, nesse
jogo relacional, acaba surgindo um outro conhecimento que toca nessa experiência. O que faz
justificar todo o esforço de tentar fazer obras interpretadas.

2. Mediação Cultural de aproximação

Durante a observação do autor nas visitas guiadas relizadas na exposição Ato Falho, foi
possível verificar em loco estes sinais de mudança, pois o mediador em um primeiro momento
solicitava que o público observa-se as obras, para que o mesmo fizesse sua própria análise tendo
como base suas próprias experiências, e após este primeiro momento, iniciava a apresentação
de seu próprio entendimento, obtido à partir de estudos sobre os artistas e as obras, como
podemos visualizar nas figuras 1 e 2.

Figuras 1 e 2. À esquerda: Mediador apresentando a obra e solicitando que cada observador fizesse uma
observação inicialmente passiva da obra “Mimordi”, 2015 do artista Marcelo Gandini, na exposição Ato Falho,
Casa Porto das Artes Plásticas, 2022. À direita: Mediador apresentando seu entendimento da obra “Mimordi”,
2015 do artista Marcelo Gandini, na exposição Ato Falho, Casa Porto das Artes Plásticas, 2022 (Fonte: Acervo
do autor)
Observamos ainda que na sequência da comunicação entre mediador e visitante ocorreu
uma resposta (compreensão) do visitante, iniciando assim um quiproquó um diálogo bilateral,
onde os diferentes atores culturais estabeleceram uma dialética que teoricamente abriu também,
uma possibilidade de novas sínteses, para ambos, como podemos visualizar nas figuras 3 e 4:

Figuras 3 e 4. À esquerda: Mediador recebendo a análise deste observador, dando início ao quiproquó,
Exposição Ato Falho, Casa Porto das Artes Plásticas, Vitória, 2022. À direita: Mediador dando continuidade ao
quiproquó, Exposição Ato Falho, Casa Porto das Artes Plásticas, Vitória, 2022. (Fonte: Acervo do autor)

Sendo este processo de entendimento da obra é individual, porém visualizamos o


aparecimento de novos significados oriundos desse quiproquó, visto que, através do diálogo
entre mediador e visitante, novas questões e respostas sempre são apresentadas. Vale lembrar
que a captação deste entendimento é única e nem sempre vai corresponder com a intenção
apresentada pelo artista em sua obra. Deste diálogo construtivo, agora existente na mediação
cultural, surgem novas interpretações que podem ser em tese, apresentadas como conhecimento
adquido através desta transmissão de conhecimentos sobre as imagens artísticas.

5. Conclusão
Entendemos assim que a forma de atuação do mediador cultural vem sofrendo
mudanças, visto que a transmissão de conhecimentos do mediador passou a sofrer intervenções
dos visitantes através do diálogo, onde podemos observar a tríade entre: dois sujeitos (mediador
e visitante), um objeto (imagens artísticas) e dois interpretantes.
Sanders Peirce nos apresenta o encantamento e a qualidade estética, que no caso da
exposição, é metaforicamente realizada entre mediador e visitante, e a busca desse
encantamento se vem justamente a partir dessa bagagem visual única de cada indivíduo.
Quando tratamos da questão do encantamento estético que um observador é submetido como
sujeito diante de uma imagem artística, Sanders aponta em seu livro Semiótica,2005:
Um Signo, ou Representâmen, é um primeiro que se coloca numa relação triádica
genuína tal com um segundo, denominado seu Objeto, que é capaz de determinar um
Terceiro, denominado seu Interpretante, que assume a mesma relação triádica com
seu objeto na qual ele próprio está em relação com o mesmo objeto. (PEIRCE, 2005,
p 64)

Então, podemos entender que a interação mediador-obra-indivíduo é realizada a partir


da visualização e entendimento do objeto, da forma que o interpretante – no caso o mediador e
o espectador- assume a sua relação, ou entendimento, com a obra de arte. A qualidade estética
é alimentada pelo desenvolvimento de hábitos de sentimentos, estando as obras de arte como
aquelas que compõem qualidades de sentimento, essas qualidades só podem ser cultivadas
através do nosso contato, e consequentemente, a sensibilidade às obras de arte.
Ao fim do período expositivo, no último encontro com os artistas, o mediador relatou
que através do seu contato com este novo observador-ativo, novas formas de interpretação das
obras foram acrescentadas em seu próprio repertório, tal comentário nos remete a uma citação
realizada por Stuart Hall em Da Diaspora, “...estou falando do processo contínuo de significação
do mundo cultural e ideológico, que está sempre significando e ressignificando — esse é um
processo sem fim.(HALL, 2003)”, sendo neste caso em específico, a resignificação dos
simbolos através da troca de experiência realizada durante os quiproquós que surgiram em cada
mediação realizada por este mediador durante o percursso da exposição Ato Falho.

4. Referências

DUTRA, Mariana Ratts Curadoria compartilhada na experiência de mediação cultural no


Museu de Arte Contemporânea do Ceará. / Mariana Ratts Dutra. – Recife: O Autor, 2014.
Disponivel em:
https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/17184/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20_
%20Mariana%20Ratts%20Dutra%20_%20__.pdf, acessado em 02/10/2022.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais, Tradução Adelaine La Guardia
Resende. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
PEIRCE, Charles Sanders. - Semiótica, Tradução José Teixeira Coelho Neto. 3 ed.- São Paulo:
Editora Perspectiva, 2005.
PLATÃO. – Timeu – Críticas, Tradução Rodolfo Lopes. 1 ed. – Coimbra: CECH, 2011.
VERGARA, Luiz Guilherme. - Curadorias educativas a consciência do olhar: Percepção
imaginativa perspectiva fenomenológica aplicadas à experiência estética - ANPAP 10 Anos.
In: Anais do 8° Encontro Nacional da ANPAP. Ana Mae Tavares Bastos Barbosa ; Anna Maria
de Carvalho Barros. (Org.). São Paulo, v. 3, páginas 240 – 247, 1996. Disponivel em
http://www.anpap.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Anais-ANPAP-1996-v3.pdf, acessado
dia 03/10/2022.

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