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XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012
1. Introdução
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Experiência Estética do XXI Encontro da
Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012.
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Professor titular e docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São
Paulo, doutor em Ciências da Comunicação, laan.barros@metodista.br
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Até porque Dufrenne não se vincula de maneira rigorosa ao pensamento de Husserl.
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grande partie des perceptions qui paraissent immédiates sont en réalité le résultat d’une
éducation dont la mémoire n’a pas gardé les traces, et qu’avant d’apprendre à penser, nous
avons dû apprendre à percevoir »4 (ALAIN, 1900, p. 747 / Ed. digital p. 4). O segundo,
articula objeto e interpretação: « Il vaut mieux conclure que le donné est le même pour tous,
mais que chacun ne sait pas également bien l’organiser et l’interpréter »5 (idem, p. 754 / Ed.
digital p. 11).
Dufrenne tomou os ensinamentos de Alain e avançou na fundamentação de uma
fenomenologia da experiência estética, que extrapola o plano da existência ao adotar a
categoria experiência em suas reflexões sobre os fenômenos estéticos. Daí o relevo que ele dá
à figura do espectador, a quem cabe a interpretação na fruição do objeto, e sua condição ativa
no processo de produção de sentidos. Estes, construídos em uma relação entre cognição e
percepção, entre representação e imaginação. Não que ele despreze a condição do artista, o
exercício da criação; mas fica evidente que entre o criador e o espectador existe uma relação
de troca, de cooperação, organizada a partir da relação de ambos com a obra, então
convertida em objeto estético. Isso já estava bem assentado na obra de 1953:
E volta a ser tema quatorze anos depois7: “O espectador não é somente a testemunha
que consagra a obra, ele é, à sua maneira, o executante que a realiza; o objeto estético tem
necessidade do espectador para aparecer.” (DUFRENNE, 1981, p. 82). Esta condição
realizadora do receptor é, para nós, ponto de destaque. Ela merece um item específico em
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Em tradução livre: “Os sentidos podem nos enganar, portanto, é razoável concluir que, em sua maioria, as
percepções que se apresentam de imediato são na verdade o resultado de uma educação da qual a memória não
reteve os traços, e que antes de aprender a pensar, nós tivemos de aprender a perceber.”
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Em tradução livre: “Pode-se, então, concluir que o objeto dado é o mesmo para todos, mas que cada um irá
organizá-lo e interpretá-lo de maneira diferente.”
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Em tradução livre: “Entendemos que um estudo exaustivo da experiência estética deveria articular, de toda
maneira, as duas abordagens. Pois, se é verdade que a arte supõe a iniciativa do artista, é verdade também que
ela espera a consagração de um público. E, mais profundamente, a experiência do criador e a do espectador não
estão sem comunicação: porque o artista se faz espectador de sua obra na medida em que a cria, e o espectador
se associa ao artista do qual reconhece o ato na obra.”
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O livro Esthétique et Philosophie teve sua primeira edição, em francês, publicada em 1967.
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Para ele a obra de arte e o objeto estético devem ser pensados de maneira concomitante,
“a obra enquanto ela tem sua finalidade no objeto estético e se compreende por ele”. Embora
reconheça sua importância, Dufrenne não traz o artista para o centro de sua reflexão. Até
porque, para ele, “o artista está sempre presente em sua obra e tanto mais presente, quanto
mais discreto” (1881, p. 55). Assim, ao invés da genialidade do artista, o que ressalta é a
obra, que pode então se converter em objeto estético.
A partir dessa articulação, interessa-nos observar como esse objeto estético se oferece
às dinâmicas de fruição, como se dá sua interação com o espectador. Do objeto estético
deslocamos a atenção à percepção estética, aos processos de recepção e de produção de
sentidos. Com isso, acompanhamos Dufrenne na caracterização da experiência estética como
experiência do espectador. Isso implica, especialmente para quem pensa a partir do universo
da Comunicação, em reconhecer no receptor uma condição ativa e criativa, que lhe permita
enxergar para além das aparências do objeto. Nas palavras de Dufrenne (1992b, p. 421),
« Percevoir n’est pas enregistre passivement des apparences en elles-mêmes insignifiantes,
c’est connaître, c’est-à-dire decouvrir, à l”interieur ou au delá des apparences, un sens
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Em tradução livre: “A distinção entre a obra e o objeto estético só poderia ser consolidada por uma psicologia
que subordinaria radicalmente o ser do objeto à consciência, que faria do objeto estético uma simples
representação, e da obra, ao contrário, uma coisa. Mas a experiência estética, que é uma experiência perceptiva,
impõe esta evidência de que o percebido não é somente o representado, e que o objeto está sempre já
constituído: consequentemente o objeto estético se refere à obra e dela é inseparável.”
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qu’elles ne livrent qu’à qui sait les déchiffrer »9. A produção de sentidos, que dá também
sustentação aos processos comunicacionais, está na essência da experiência do espectador.
A fenomenologia da experiência estética de Dufrenne é bem analisada por José Carlos
Henriques (2008), em dissertação de Mestrado que merece nossa leitura. Ele percorre as
obras do pensador francês e recupera bem suas principais idéias e ênfases. Como observa o
pesquisador, “a experiência do espectador da obra de arte é o caminho privilegiado de acesso
à compreensão da essência da experiência estética” (p. 54).
Com Dufrenne, fazemos essa transição da experiência estética: do campo do objeto
estético ao campo da percepção estética. Com isso, a produção de sentidos se dá na esfera da
fruição, que não se limita, no entanto, a um estado contemplativo – na perspectiva do
pensamento idealista – do espectador frente à obra. A fruição implica no exercício de
apropriação e de socialização da produção de sentidos, que ganha, então uma dimensão
coletiva e cultural. Em seu livro Esthétique de la communication, Jean Caune também
repassa as idéias de Dufrenne, que privilegiam a experiência estética do ponto de vista do
espectador, e nos adverte:
Il convient de distiguer réception individuelle et reception institucionnelle - celle qui
relève du monde de l’art. Il s’agit d’une distinction entre une perspective
sociologique, et Dufrenne ne manque pas de signaler que l’oeuvre d’art n’est oeuvre
que parce qu’elle est reconnue comme telle, par une instituition ou un public. La
nature de l’expérience esthétique est définie avant tout par la perception esthétique :
celle-si fonde l’objet esthétique en lui faisant droit et en se soumettant à lui.10
(CAUNE, 1997, p. 19)
Esse reconhecimento da obra pelo público e esse caráter “institucional” que ela ganha
nos levam a pensar a experiência estética no contexto social em que ela é vivenciada.
Também, sua natureza coletiva e sua existência estendida no tempo e no espaço. Algumas
pontuações de Monclar Valverde (2008, p. 3) nos ajudam a pensar essas dimensões da
experiência estética e dos processos de percepção: “a recepção é uma prática coletiva, que se
desenvolve segundo rotinas, contextos e formatações que são anteriores à criação de cada
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Em tradução livre: “Perceber não é registrar passivamente as aparências elas mesmas insignificantes, é
conhecer, isto é descobrir, internamente ou além das aparências, um sentido que elas revelam somente a quem
sabe decifrá-las”.
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Em tradução livre: “É preciso distinguir recepção individual e recepção institucional - a que diz respeito ao
mundo da arte. Trata-se de uma distinção entre uma perspectiva sociológica, e Dufrenne não deixa de fazer
notar que a obra de arte é obra somente porque é reconhecida como tal, por uma instituição ou um público. A
natureza da experiência estética é definida antes de tudo pela percepção estética: esta fundamenta o objeto
estético reconhecendo-o e submetendo-se a ele”.
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Em tradução livre: “A experiência estética não é somente experiência do sujeito, ela é experiência da relação
ao outro: ela é intersubjetividade”.
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Em tradução livre: “A experiência estética, porque ela põe em contato a intersubjetividade, se realiza em um
mundo vivido que é também um ‘horizonte de expectativas’, desenhado por uma cultura, estruturado por uma
organização social”.
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Para perceber, um espectador precisa criar sua própria experiência. E sua criação tem
de incluir conexões comparáveis àquelas que o produtor original sentiu. Não são as
mesmas, em qualquer sentido literal. Não obstante, com o espectador, assim como
com o artista, tem de haver uma ordenação dos elementos do todo que é, quanto à
forma, ainda que não quanto aos pormenores, a mesma do processo de organização
que o criador da obra experimentou conscientemente. Sem um ato de recriação, o
objeto não será percebido como obra de arte. O artista selecionou, simplificou,
clarificou, abreviou e condensou de acordo com seu desejo. O espectador tem de
percorrer tais operações de acordo com seu ponto de vista próprio e seu próprio
interesse. (DEWEY, 2010, p. 103-104)
Em suas reflexões sobre “a arte como experiência”, Dewey situa o ponto de vista do
espectador no contexto social no qual ele está inserido, marcado por uma determinada
condição situacional e por inter-relações entre as pessoas. E é nesse contexto, em que se dá a
experiência estética, que ele confronta as perspectivas do artista às do espectador e reconhece
que no campo da recepção ocorre uma nova construção estética que é, de certa maneira, uma
nova poética.
Já para Iser, entre autor e leitor ocorre como que um jogo, no qual “o texto é composto
por um mundo que ainda há de ser identificado e que é esboçado de modo a incitar o leitor a
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imaginá-lo e, por fim, a interpretá-lo” (ISER in: LIMA, 2002, p.107). Para ele, essa dupla
operação de imaginar e interpretar leva o leitor a construir novas formas e sentidos, a partir
de seu contexto, “transgredindo” as referências propostas no texto. Supera-se, assim, o
confronto entre emissor e receptor, seja na perspectiva de que o “público alvo” é manipulado
pelo aparato midiático, ou na busca de justificativas para a perda de informação no processo
comunicacional, como ocorre, por exemplo, nas discussões sobre ruídos e redundâncias,
presentes na chamada Teoria da Informação.
Nesta altura do presente texto é necessário alargarmos de vez nossa reflexão para além
dos fenômenos artísticos. Ela passa a trazer de maneira mais evidente a dimensão
comunicacional de nosso pensamento.
Como escrevemos anteriormente (2011, p. 19), na perspectiva da estética da recepção
o leitor é mais que mero destinatário das ações de comunicação. “Ele projeta na mensagem
que frui as suas expectativas, ‘concretiza’ a obra em um processo de re-criação, legitimando-
a então. Podemos, então, entender esse processo de re-criação como uma nova poética no
contexto da experiência estética”. Mais do que os sentidos produzidos no ato de concepção da
mensagem e nela contidos, próprios do exercício da poética (poiesis), interessa-nos pensar os
sentidos recriados no processo de recepção, na experiência estética (aisthesis). Se
entendermos que no campo da recepção se opera um novo processo criativo, podemos, então,
afirmar que a experiência estética se desdobra em experiência poética.
Ao reler os textos do grupo de Konstanz, em 1986, a pesquisadora portuguesa Maria
Teresa Cruz já observava a superação do isolamento da obra na crítica literária, então
estudada a partir do encontro da obra com o leitor. Ela sugere uma passagem da “poiesis”
para a “aisthesis”, quando se pretende compreender a produção de sentidos. E explica esse
deslocamento teórico-metodológico, como uma “passagem de uma problemática da produção
(...) para uma problemática da recepção e do confronto com a obra, em consonância com o
sentido original da ‘aisthesis’ grega e, mais tarde, da estética kantiana” (CRUZ, 1986, p. 57).
Neste caso, a recepção se configura como algo mais complexo que a mera decodificação da
mensagem. Trata-se de uma reelaboração dos sentidos propostos no texto. Para Cruz,
A recepção seria, portanto, também, de uma certa forma, uma produção, cujas
determinantes se trata de um novo descobrir, já não pelo lado do autor, mas pelo lado
do leitor. Um discurso, pois, que poderíamos tanto apelidar de “estética da recepção”
como de “poética da recepção”. Se num caso temos um pleonasmo, no outro teremos
algo de aparentemente paradoxal, em função do antigo dualismo, tratando-se aqui, na
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importância dos aspectos sensoriais das vivências humanas diante dos produtos da
comunicação midiática”.
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Vale registrar que, antes d’Ofício de Cartógrafo, Martín-Barbero já havia publicado o referido modelo no
prefácio à quinta edição em espanhol de sua obra clássica Dos meios às mediações, lançada em 1999.
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múltiplos contextos das interações cotidianas”, nos dizeres de Marques, é bem viável pensar
em um “sistema de interação social sobre a mídia”, como nos propõe Braga (2006).
As reflexões aqui trazidas sobre experiência estética, desde uma perspectiva
pragmática, que insere a produção de sentidos no contexto social no qual estão os
interlocutores, permitem que utilizemos também na Comunicação os conceitos e
procedimentos de análise já consolidados no campo das Artes. Seria uma boa contribuição à
pesquisa em nossa área de conhecimento se avançássemos nos estudos da comunicação e
experiência estética.
Referências
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