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03/02/2020 A estética melancólica de W. G.

Sebald

ESCRITOS DA PESQUISAR

PROVÍNCIA DE MEU
QUARTO.
Poemas, prosas e improvisos.

A estética
melancólica
de W. G.
Sebald

novembro 04, 2016

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Dresden, German.
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A estética tem
sua origem, segundo
Eagleton (1993), nos
sentidos, no corpo.
Porém, no século
XVIII a razão tentou
mapear a percepção
deixando de lado a
sensibilidade
corporal. Isso
distanciou a estética
da vida material, o
que talvez tenha
criado o equívoco de
que o estético deve
recuar diante das
coisas concretas e
politicamente
delicadas, ou mesmo
de catástrofes em
que o sofrimento
real, sicamente
incontornável,
tornaria a estética
uma leviandade
intelectual. Porém,
di cilmente,
poderíamos
conceber a estética
fora e distanciada do
corpo, com todas as
suas dores e
miudezas sensórias.
O conceito racional
de estética nos fez
acreditar que os
sentimentos físicos
são um subproduto
da percepção. Mas
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um conceito que
cresce
negligenciando a
origem mais
imediata de todas as
sensações,
facilmente assume
um aspecto
negativamente
ideológico, no
sentido de inverter
valores, e encobrir a
realidade imediata,
em vez de mostrá-la,
algo bastante grave,
segundo Terry
Eagleton: “nada
poderia ser mais
incapacitante do que
uma racionalidade
dirigente incapaz de
conhecer o que está
além de seus
próprios conceitos;
impedida de inquirir
sobre a matéria da
paixão e da
percepção”
(EAGLETON, 1993, p.
17). A racionalidade
rei cada do
Iluminismo recusava
os sentidos, a vida
em sua dimensão
sensorial, porém,
quando precisava se
apropriar de algo
pertencente a esse
campo, mobilizava a
estética, que servia
como uma

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“subempregada
cognitiva” da razão,
que colhia e triava os
elementos da
matéria bruta da
vida, e os entregava
à razão,
devidamente
puri cados e
selecionados. Com
isso, no século XVIII,
a estética estava
submetida a uma
racionalidade
esvaziada, que se
distanciava de suas
“raízes somáticas e
perceptuais”, se
ocupando apenas de
objetos ideais, o
belo. Isso produziu
uma cegueira
perceptiva, a razão
se tornou inócua,
culminando no seu
oposto:
obscurantismo e
autoritarismo. 
Assim, a razão
universal do período
iluminista pairava
acima da
sensibilidade e do
sujeito, e quando
precisava se
comunicar com
estes, enviava a
estética, que
absorvia as
demandas dos
sentidos e da

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história. Recolhia
partículas do mundo
que deveriam ser
plasticamente
incorporadas à
razão. Tudo isso, se
desenvolvia sob um
regime absolutista,
em que o sujeito
deveria ser
submetido ao
coletivo. Em um
contexto burguês, a
estética, juntamente
com a sensibilidade
individual, passa a
ocupar uma posição
mais central. Porém,
a estética não
adentra livremente,
sem nenhuma
intermediação
ideológica, o campo
dos sentidos. Pois, a
subjetividade
continua sendo
monitorada, e a
estética, neste novo
contexto, teria a
função de interligar
subjetividades
particulares em um
todo harmônico, ou
seja, nas relações
sociais “encontra-se
a estética, fonte de
toda coesão humana.
Se a sociedade
burguesa abandona
os sujeitos à sua
autonomia solitária,

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então só através
desta troca ou
apropriação
imaginativa das
identidades uns dos
outros, podem eles
ser unidos
profundamente”
(EAGLETON, 1993,
p.25). Os
sentimentos, antes
renegados pela
razão, passam por
meio da estética a
garantir a unidade
ideológica, pois a
estética faz de uma
conduta virtuosa
individual um
arquétipo para
outros indivíduos, ao
compartilhá-la
incessantemente por
diversos
instrumentos de
representação.
Possibilitando, com
isso, uma ordenação
social mínima, ao
produzir
constantemente
uma projeção
empática entre os
sujeitos.  
Antes existia
uma força racional
absolutista que
garantia a unidade
social. No contexto
burguês, em que a
ação individual é

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incentivada, a
unidade teria que
partir de ações
individuais. Isso
poderia facilmente
produzir o caos.
Logo se tem a
necessidade de
agrupar ações
individuais em
modelos que
ordenem outros
indivíduos. Para
tanto, diversas
representações
estéticas distribuem
no imaginário
popular a gura do
herói, que pela força
da sua
exemplaridade
consegue manter a
individualidade
controlada. Isso
porque o herói e a
nação estão
relacionados. As
ações exemplares do
herói coadunam
vontades individuais
em um propósito
nacionalista. A
estética, diante
disso, teria a função
de projetar
sentimentos
exemplares, com o
intento de regular
idelogicamente os
sujeitos. Hegel em
sua  Estética  defende

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essa conformidade
de intenções entre a
nação e o herói,
alegando que as
contradições morais
do herói épico, por
exemplo, são
absolvidas pelo
“princípio da
necessidade”, com
isso, mesmo as
falhas éticas ou
violentas do herói
podem ser
sintetizadas de
maneira a rmativa
se a nalidade
dessas ações for
preservar a unidade
nacional: 
"[...] indivíduos
totais que em si
mesmos realizam
uma síntese
brilhante dos traços
dispersos e
dissociados do
caráter nacional, o
que faz deles
caracteres
essencialmente
livres, humanamente
belos, confere a
esses nobres
personagens o
direito de gurar
num plano superior

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e impõe-nos o dever
de unir o principal
acontecimento à sua
individualidade"
(HEGEL, 1993, p.
585  apud GINZBURG
, 2010, p. 177).

Segundo Jaime
Ginzburg (2010) essa
concepção hegeliana
de estética legitima
a violência ao tentar
harmonizar os
interesses
nacionalistas com a
ação do herói épico,
no qual suas ações
cam justi cadas em
nome da unidade da
forma, ou mesmo da
unidade da nação.
Assim, o
comportamento
cruel do herói
quando praticado
em defesa do
nacionalismo pode
ser interpretado,
segundo Hegel,
como um exercício
de soberania
nacional. O estético
em Hegel tenta
harmonizar os
sentimentos, as
ações individuais,
com a razão.
Procurando

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sintetizar “o
individualismo cego
e o universalismo
abstrato” em uma
totalidade. Pois,
conforme defende
Eagleton, na
sociedade burguesa
a força uni cadora
não pode se
apresentar como
algo externo e
imposto, mas se
manifestar como
uma vontade
interna:
"Como a obra
de arte de nida pelo
discurso da estética,
o sujeito burguês é
autônomo e
autodeterminado,
não reconhece
nenhuma lei externa,
mas, de algum modo
misterioso, dá uma
lei a si mesmo. Assim
fazendo, a lei torna-
se a forma que
integra numa
unidade harmônica o
conteúdo turbulento
de seus desejos e
disposições. A
compulsão do poder
autocrático é

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substituída pela
compulsão mais
grati cante da
autoidentidade do
sujeito". (EAGLETON,
1993, p.24). 

  Ou seja, a
sensibilidade, a
subjetividade, os
sentimentos, são
atualizados por
diversas
representações
estéticas, que os
sujeitos reconhecem
como
representativas.
Com isso, a
liberdade para agir é
sutilmente
coordenada pela
exemplaridade de
modelos de
subjetividade, que o
indivíduo toma para
si. Assim, a
autodeterminação já
é previamente
determinada. Diante
disso, a impressão
que ca é que a
estética obedece e
serve, de modo
incontornável, a uma
ideológica
dominante. De fato,
a princípio, a
estética não pode se
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colocar acima do
contexto social e
ideológica que a
concebe. Mas,
Theodor W. Adorno
(2008) na tentativa
de elaborar um
conceito de estética
que não seja
completamente
cúmplice com a
barbárie que
acompanha a
cultura, defende que
a estética deve
carregar em si sua
própria negação.
Para isso a forma
deveria assumir sua
incompletude, pois a
representação
envolve sempre uma
exclusão. Assim,
passar a ilusão de
harmonia e
totalidade, como a
estética hegeliana
almejava, é
contribuir para uma
farsa. Pois a estética
capta apenas uma
parte da realidade,
porém, se essa parte
se expande a m de
compensar sua
parcialidade,
invariavelmente uma
parte será ilusória. Já
para Adorno, a forma
tem que conservar o
remorso da sua

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própria insu ciência,


e por isso, confessar
recorrentemente sua
precariedade. Com
isso, a estética deve
colecionar
fragmentos
negativos, que
quando combinados
podem captar e
revelar, parcialmente
a realidade, mas
nunca se xando em
uma forma
harmônica,
conforme esclarece
Jaime Ginzburg ao
comentar Adorno:
"A inclinação à
fragmentação pode
encaminhar a forma
para um senso de
inconclusão,
con gurado como
má in nitude, em
que a atribuição de
sentido para a expe-
riência pode ser
sempre precária e
incerta. É a
melancolia da forma:
os elementos podem
se relacionar de
múltiplas maneiras
entre si e com o
todo, mas não há
uma de nitiva
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maneira, nem uma


última conclusiva".
(GINZBURG, 2010, p.
186).
     
A forma deve
possuir um elemento
opaco que impeça a
sensação de
harmonia entre ela e
o conteúdo: a
realidade, a cultura. 
Neste sentido,
percebemos uma
a nidade com
Walter Benjamin,
que
semelhantemente
vislumbrava uma
representação, que
pelo ltro da
melancolia, recolhia
fragmentos para
com eles representar
parcialmente a
realidade, pois, o
desvio é o único
caminho possível
para a verdade. A
estética,
inadvertidamente,
pode criar uma
distância. Um
sistema completo de
representação,
coerente e coeso,
pode inserir
abstrações em
demasia, falseando a
realidade. Adorno

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propõe a suspensão
desta distância por
meio de uma atitude
mimética radical, de
fusão entre o eu e o
objeto estético,
suprimindo a
distância,
suspendendo o
conceito.
Igualmente,
Benjamin, propõe
um mergulho no
teor coisal do objeto:
“o sonho de
Benjamin é o de uma
forma de crítica tão
tenazmente
imanente que se
manteria
completamente
imersa no seu
objeto” (EAGLETON,
1993, p. 239). Ambos
usam a melancolia
como chave, porque
a perda, a
incompletude passa
a incorporar a
representação. 
A estética,
neste sentido, teria
um compromisso de
assimilar os objetos,
o outro, com toda a
sua complexidade e
estranheza, (algo
semelhante ao
conceito de
metamorfose que
discutimos no

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primeiro capítulo),
exercitando a
distância estética
por meio da ética,
pois, regular a
distância signi ca
não tentar idealizar
ou mesmo adequar a
realidade a um
sistema
representacional
racional coeso, mas
ao contrário, manter
as contradições e
diferenças intactas.
Para tanto, busca-se
apreender o objeto
fora de seu involucro
idealizado ou
aplainado pela
abstração racional.
Por isso, imagens
conceituais que
privilegiam o
contato direto com a
parte mais imanente
da realidade, são
constantemente
requisitadas, dentre
elas está o
melancólico, que se
aprofunda
plenamente na
matéria das coisas,
que coleciona os
restos, os cacos, que
inverte a lógica da
autopreservação, se
entregando ao que
ninguém mais se
interessa, e neste

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percurso acidental
acaba por salvar
fragmentos
preciosos para
nuançar uma parte
não tão requisitada
da verdade. 
Acreditamos
que nos
romances  Os
emigrantes  e  Austerl
itz, W. G. Sebald
consegue ilustrar
concretamente as
concepções
estéticas de Adorno
e Benjamin, criando
uma espécie de
estética melancólica,
que a seguir
tentaremos
exempli car, além
de adensar a
discussão sobre
estética e
melancolia.  

MELANCOLIA
I: Austerlitz e Aurach
no divã

O discurso que
o rei Claudio faz a
Hamlet para
persuadi-lo a
abandonar o luto e
seguir em frente, e
evidentemente
cessar seus
questionamentos em

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relação à morte do
pai, mostra como
precocemente
Shakespeare
diferenciou luto e
melancolia, por mais
que em âmbito
ccional e intuitivo: 
"Rei - Bela e
recomendável
atitude que enaltece
teus sentimentos,
Hamlet, rendendo a
teu pai esse póstumo
tributo; mas, deves
saber que teu pai
perdeu um pai; que
este perdeu,
também, o seu e que
o sobrevivente está
comprometido, por
certo período, à
obrigação lial de
consagrar-lhe a dor
correspondente; mas
perseverar em
obstinado luto é
conduta de capricho
ímpio; é pesar
indigno do homem;
mostra uma vontade
desrespeitosa ao
céu, um coração
débil, uma alma sem
resignação, uma
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inteligência pueril e
inculta. Por que,
pois, opor-se com
estéril obstinação ao
que sabemos tão
comum quanto a
coisa mais
corriqueira?
Lamentável! É um
pecado contra o céu,
uma ofensa aos
mortos, um delito
contra a natureza, o
maior absurdo à
razão, cujo tema
comum é os pais
morrerem antes dos
lhos e que, desde o
primeiro morto até
aquele que hoje
morre, não cessou
de exclamar: “Assim
deve ser!” Rogamos
que jogues no chão
essa dor inútil e
considera-nos como
se fôssemos teu pai".
(SHAKESPEARE,
2005, pp. 21-22).   

Ou seja, o
prolongamento do
luto se mostra
intolerável porque o

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enlutado não retoma


seu interesse pela
vida, não volta às
celebrações da vida,
pois sua atenção
está com os mortos.
No caso de Hamlet
seu luto não cessa,
ultrapassando a
normalidade, e
quando isso
acontece já estamos
no campo da
melancolia. 
Obviamente o luto
de Hamlet não tem
como permanecer
na normalidade
devido às condições
de sua perda manter
uma ambiguidade
que refuta a
explicação
aparentemente
plausível do Rei
usurpador, assim a
melancolia seria este
luto que não é
vencido pela
realidade, pelas
explicações
racionais. Alguns
séculos depois luto e
melancolia seriam
sistematizados pela
psicanálise,
conservando o juízo
positivo ao luto
normal, e já tratando
a melancolia como
patologia. Assim, o

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luto, como diz Freud


(2010), é salutar e
necessário para que
os tentáculos da
libido se recolham, e
aos poucos, tateiem
em direção a um
novo objeto libidinal.
Movimento este que
não se faz sem dor e
sofrimento, visíveis
pela apatia em
relação ao mundo.
Mas por mais difícil
que seja aceitar essa
travessia pela dor, o
percurso não deve
ser encurtado, pois o
luto desde que
proporcional à perda
é um trabalho
essencial para que a
ausência do abjeto
amoroso possa ser
assimilada. Em
comparação com a
melancolia o luto
compartilha vários
sintomas em
comum:
"A melancolia
se caracteriza, em
termos psíquicos,
por um abatimento
doloroso, uma
cessação do
interesse pelo
mundo exterior,
perda da capacidade

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de amar, inibição de
toda atividade e
diminuição da
autoestima, que se
expressa em
recriminações e
ofensas à própria
pessoa e pode
chegar a uma
delirante expectativa
de punição. Esse
quadro se torna mais
compreensível para
nós se consideramos
que o luto exibe os
mesmos traços, com
exceção de um: nele
a autoestima não é
afetada. De resto é o
mesmo quadro".
(FREUD, 2010, pp.
172-173).   

A única razão
para que o luto não
seja também
considerado uma
patologia é porque
ele pode ser
explicado, seu
motivo é externo e
de nido para quem
passa por ele, e com
o tempo essa
compreensão o
permite se integrar
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novamente à vida. A
autoestima se
mantém porque o eu
visualiza fora dele o
objeto perdido, sua
condição de alguém
que foi injustiçado
pelo acaso lhe
conserva na posição
privilegiada de
vítima de uma força
maior. Além disso, o
trabalho do luto
atende a uma
programação: a
constatação da
perda obriga o
sujeito abandonar
uma posição
libidinal, ele resiste e
prolonga por algum
tempo essa ligação
por meio da fantasia,
da alucinação, até
que a realidade
gradualmente
substitua o fantasma
do objeto de luto,
devolvendo
novamente o sujeito
para uma posição
libidinal. No caso da
melancolia essa
ligação com objeto
perdido não se
desloca para outro
porque não se sabe o
que realmente se
perdeu; então a
programação do luto
não se completa.

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Freud ressalta
ainda que há casos
em que o
melancólico
sabe  quem  perdeu,
mas não  o que  deste
foi perdido. Ou seja,
a perda permanece
em um território
inconsciente: “isso
nos inclinaria a
relacionar a
melancolia, de algum
modo, a uma perda
de objeto subtraída à
consciência;
diferentemente do
luto, em que nada é
inconsciente na
perda.” (FREUD,
2010, p. 175). Mas o
mais intrigante na
melancolia é o
rápido desgaste e
empobrecimento do
eu. O melancólico
ataca
constantemente a si
mesmo, a perda de
amor próprio leva-o
a se considerar
impróprio para o
amor. Freud defende
que mesmo que
aparentemente essa
autocrítica
impiedosa se mostre
injusta, o
melancólico não
deve ser
desmentido, pois em

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algum momento essa


autodepreciação
alcançará o
verdadeiro alvo. Pois
ocorre um
desdobramento do
eu. E uma parte do
eu, armada de uma
exigente consciência
moral, ataca a outra.
Assim, o
autoenvilecimento é
discrepante na
maioria das vezes,
ou senão
incompatível com a
visão que se tem
desta pessoa, mas
para Freud essa
discrepância logo se
justi ca:
"A discrepância
mencionada pode
ser esclarecida por
meio de uma
observação que não
é difícil de fazer.
Ouvindo com
paciência as várias
autoacusações de
um melancólico, não
conseguimos, a nal,
evitar a impressão
de que
frequentemente as
mais fortes entre
elas não se adéquam

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muito a sua próprio


pessoa, e sim, com
pequenas
modi cações, a uma
outra, que o doente
ama, amou ou devia
amar".(FREUD, 2010,
p. 179).
  
O melancólico
incorpora
inconscientemente o
objeto da perda, e
ataca a si mesmo a
m de atingir a fonte
de sofrimento
recalcada: como se
tivesse sido ferido
por uma mão
invisível que lhe
golpeia por dentro.
Um golpe não
mortal, que abre
uma brecha no
corpo para que a
morte entre em gota
a gota, não a morte
biológica, pois esta
naturalmente entra
no corpo,
gradativamente
desde o nascimento.
Mas a morte da
consciência. O
melancólico precisa
saber o nome de
quem ou o que lhe
atingiu, mas esta
informação está sob

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sua consciência,
então este começa a
destruí-la para
alcançar a
informação omitida.
O problema do
melancólico é que
este usa o próprio
corpo como
munição contra um
inimigo impalpável,
como alguém
tentando ferir a
própria sombra; isso
ocorre porque a
energia retirada do
objeto da perda não
é transferida para
um novo, mas
recolhida para o
interior do eu, “mas
lá ela não encontrou
uma utilização
qualquer: serviu para
estabelecer uma
identi cação do eu
com o objeto
abandonado”
(FREUD, 2010, p. 181).
Desta forma, Freud
destaca, o eu crítico
se volta contra o eu
“modi cado pela
identi cação”. Ao
m, o objeto perdido
pode ser rastreado
no inconsciente
usando como pistas
as autoacusações,
que em parte
descreve e acusa

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objeto libidinal, para


assim explicá-lo.
Mas há situações em
que a melancolia
simplesmente cessa. 
Isso talvez aconteça
devido ao eu crítico
superar ou desistir
do objeto amoroso
identi cado à outra
parte do eu, um
desligamento
análogo ao luto, que
se faz gradualmente,
com a diferença que
esse se passa em um
nível ambivalente.
Pode ocorrer
também uma
alternância entre um
estado de depressão
e outro de mania.
Freud conjectura
algumas
possibilidades para
essa alternância.
Uma delas é que a
mania seja uma
descompressão, um
relaxamento que se
sobrepõe a um
estado de crispação.
Freud aventa para
este estado de mania
a hipótese que ao
término do
investimento
destrutivo, o eu reaja
com contra
investimentos, a m
de regenerar

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rapidamente a
imensa ferida aberta.
Mas poderíamos
complementar
dizendo que a
própria ambivalência
do objeto põe em
concorrência forças
que procuram
destruí-lo no
interior do eu, com
forças que tentam
reestabelecer um
laço libidinal com
este mesmo objeto.  
Hoje a
melancolia é tratada
como um caso de
saúde pública,
devidamente
diagnosticada e
combatida com
drogas especí cas.
Mas antes de ser
o cialmente uma
patologia, ela fez um
percurso simbólico,
desencadeando
imagens e
representações
diversas no
imaginário coletivo.
O conjunto dessas
imagens e
representações
forma uma estética.
Na literatura há
representações
clássicas de
indivíduos
melancólicos, o mais

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conhecido dele
talvez seja o já citado
Hamlet. E existem ao
menos duas grandes
estilísticas
orientadas por ela: o
romantismo e o
barroco.
Aparentemente a
melancolia é
identi cada a uma
atitude reacionária,
pela imobilidade de
seus agentes, e pelo
seu negativismo que
poderia bloquear de
antemão uma
atitude proativa. Mas
as duas estilísticas
em questão já
serviram de base
para conceitos que
despertaram um
grande uxo crítico
ao pensamento
iluminista-racional,
que durante muito
tempo se manteve
hegemônico. O
barroco serviu para
Walter Benjamin
desenvolver,
em  Origem do
drama trágico
alemão, seu conceito
de alegoria, dentre
outros, que
incentivam a atacar
tanto a
epistemologia
iluminista, ao

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criticar o símbolo,
quanto o conceito
positivo e
progressivo de
história, ao revelar
que esta é um
acúmulo de ruínas e
de cadáveres, que
não serão redimidos
em um m
transcendente.
Assim, resta apenas
voltar à imanência, e
nela medir
corporeamente o
tempo e a história. O
romantismo, por sua
vez, também foi
reavaliado sob um
ponto de vista
revolucionário, por
Michel Löwy e
Robert Sayre,
em  Revolta e
Melancolia, ao
de nirem o
romântico como
uma vítima da
modernidade, que se
torna em seguida
seu principal
opositor, por ver
nela o m de todos
os valores que
poderiam
concretizar seu
mundo ideal,
buscando assim
refúgio em um
aquém dela, no
passado, ou em um

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além, projeção para


um futuro
fantasioso. En m, os
dois exemplos
mostram como a
melancolia pode ser
utilizada como uma
constante fonte de
questionamento.
Isso é compreensível
se lembrarmos de
que Freud a rma
que o melancólico
costuma estender
seu forte juízo
crítico, sobre si
mesmo, para tudo
que o cerca. Com
isso, ao combater
seu eu, exagerando
defeitos e ignorando
suas qualidades,
desenvolve uma
intolerância moral
com ele e com o
mundo. 
Na teoria da
melancolia o caráter
positivo e negativo
em torno da
melancolia se alterna
com as
mentalidades. 
Durante a Idade
Média, por exemplo,
era descrita assim:
"A melancolia,
ou bílis negra, é
aquela cuja
desordem pode

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provocar as
consequências mais
nefastas. Na
cosmologia humoral
medieval, aparece
associada
tradicionalmente à
terra, ao outono (ou
ao inverno), ao
elemento seco, ao
frio, à tramontana, à
cor preta, à velhice
(ou à maturidade), e
o seu planeta é
Saturno, entre cujos
lhos o melancólico
encontra lugar ao
lado do enforcado,
do coxo, do
camponês, do
jogador de azar, do
religioso e do
porqueiro. A
síndrome siológica
da  abbundantia
melancholia  inclui o
enegrecimento da
pele, do sangue e da
urina, o
enrijecimento do
pulso, a ardência do
estômago, a
atulência, o arroto

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ácido, o zumbido na
orelha esquerda, a
prisão de ventre ou
excesso de fezes, os
sonhos macabros e,
entre as
enfermidades que
podem provocar,
guram a histeria, a
demência, a
epilepsia, a lepra, as
hemorroidas, as
sarnas e mania
suicida.
Consequentemente,
o temperamento que
deriva da sua
prevalência no corpo
humano é
apresentado sob
uma luz sinistra: o
melancólico
é  pexime
complexionatus,
triste, invejoso, mau,
ávido, fraudulento,
temeroso e terroso".
(AGAMBEN, 2008,
pp.33-34).

Mas a
melancolia tem uma
habilidade dialética
de se projetar de sua

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negatividade
aparente para uma
postura positiva.
Assim, se o
melancólico acumula
uma série de
características
condenáveis, este
também é associado,
desde Aristóteles, à
sabedoria, à poesia,
e ao dom profético.
Walter Benjamin
sugere que esta
dualidade resulte
das ambiguidades
das imagens que
costumam
representar a
melancolia. E cita a
própria dualidade da
imagem de saturno:
“tal como a
melancolia, também
Saturno, esse
demônio dos
contrastes, investe a
alma, por um lado
com a indolência e
apatia, por outro
com a força da
inteligência e da
contemplação” e
ainda “como ela,
também ele ameaça
os que lhe estão
sujeitos, por mais
distintos que sejam
esses espíritos, com
os perigos da
hipocondria ou da

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demência extática”
(BENJAMIN, 2011, p.
156). O mesmo
ocorre com outro
representante da
melancolia, o cão,
que tem seu
organismo movido
pelo baço e “este
órgão,
particularmente
delicado, se altera, o
cão perde a alegria e
ca raivoso. Deste
ponto de vista, o cão
simboliza o aspecto
sombrio da
complexão
melancólica”, mas
por outro lado “o
faro e a resistência
do animal
permitiram
construir dele a
imagem do
incansável
pesquisador e do
pensador
meditativo”
(BENJAMIN, 2011, p.
159). Assim, o
melancólico tem
suas qualidades
retiradas de suas
de ciências. Isso ca
claro quando vemos
que um dos dons
atribuídos ao
saturnino, o dom da
profecia, sua
capacidade

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visionária, resulta
não de uma ligação
sublime com o céu,
mas de seu olhar
xado na terra, de
sua limitação
imanente. Dessa
forma, a melancolia
fornece dons que
são acompanhadas
de uma maldição, as
vitórias são
alcançadas depois de
intensas derrotas, e
na maioria das vezes
são os fracassos do
melancólico que
ressalta sua
excepcionalidade em
relação ao seu
tempo.  
Esse é o caso
das guras
melancólicas
presentes nas obras
de W. G. Sebald. De
fato, os personagens
de Sebald são
indivíduos envoltos
em uma tristeza
permanente, que
tem sua causa
encoberta em algum
ponto em que a
história do século
XX atingiu um ápice
catastró co, e que
juntamente com o
recalque histórico
que se seguiu logo
depois, se subtraiu

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uma parte do
passado deles, ou
mesmo um objeto
amoroso (mãe, pai,
amantes, pátria,
amigos), e com isso o
destino das guras
melancólicas é
metonimicamente o
do século XX, ou
como diria Coetzee:
"Nos livros de
Sebald, as pessoas
são na maioria o que
só podemos chamar
de melancólicas. O
tom de suas vidas é
de nido por uma
sensação difícil de
articular de que não
fazem parte do
mundo, e de que os
seres humanos em
geral talvez não
devessem estar aqui.
São modestos o
su ciente para não
reivindicarem uma
sensibilidade
sobrenatural às
correntes da história
– na verdade tendem
a crer que é neles
que alguma coisa
está errada - , mas o

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teor do
empreendimento de
Sebald é sugerir que
suas pessoas são
proféticas, muito
embora no mundo
moderno o destino
do profeta seja
permanecer
obscuro, sem que
ninguém lhe dê
ouvidos". (COETZEE,
2011, p. 181).

Em seguida o
diagnóstico que os
enquadra
perfeitamente na
condição de
melancólicos: 
"Qual será a
base de tanta
melancolia? Sebald
sugere e torna a
sugerir que são
todos prejudicados
pelo peso da história
recente da Europa,
uma história em que
assoma gigantesco o
Holocausto.
Internamente,
sentem-se
dilacerados pelo

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con ito entre o


impulso
autoprotetor de
manter bloqueado
um passado sofrido
e um avanço às
cegas em busca de
alguma coisa, não
sabem bem o quê,
que se perdeu".
(COETZEE, 2011, p.
181). 

Realmente os
personagens na obra
de Sebald conservam
uma inextricável
relação com a
história no que
tange a uma parte
importante de suas
identidades, como se
ao levar em conta
que o indivíduo é
uma narrativa, os
indivíduos
sebaldianos fossem
narrativas
desprovidas de um
começo, e que este
começo foi cortado
no momento em que
editaram a história.
E mais: suas
memórias foram
penhoradas para
custear o progresso,
para patrocinar a

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superação
surpreendente,
porém precoce, de
suas nações.  O
interessante neste
caso é que as
pessoas nas
narrativas de Sebald
sofrem de uma
melancolia que,
como já vimos tem
como principal
sintoma a perda de
um objeto
inde nido, sabemos
posteriormente que
esse objeto foi
retirado por uma
interferência
traumática da
história, mas a
própria história
também sofre de
melancolia e seu
objeto perdido são
exatamente os
indivíduos que
protagonizam as
narrativas
sebaldianas, e o
cenário em ruínas
que os cerca. 
Assim, levá-los
da melancolia ao
luto, ajudá-los a
localizar no
inconsciente as
memórias
interditadas,
encontrar seus
mortos, é ajudar, por

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conseguinte, a
História a trazer
para a consciência,
para a narrativa
o cial os
sobreviventes que
ela também
interditou. E o modo
como Sebald faz isso
se assemelha ao
método
psicanalítico: a cura
pela fala, ou melhor,
pelo narrar. E isso é
estimulado pelo
ouvir paciente do
narrador. No
começo todos
resistem em falar,
pois estão
envolvidos pela
apatia da melancolia.
São necessárias
varias sessões que se
distribuem ao longo
de décadas. Talvez
as sessões mais
demoradas e que
mais exigiram tempo
de Sebald sejam os
casos de Austerlitz e
Aurach.
Austerlitz é o
que nutre uma
relação mais estreita
com a história. Por
ser ele mesmo um
historiador. E
digamos que esse
siga o preceito
benjaminiano do que

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seria o historiador
ideal. Pois este tenta
de certa forma
contar a história
pelo viés
literalmente
material, tal como
recomenda
Benjamin, ele
mergulha no teor
coisal. Mas nem
todos conseguem
fazer esse mergulho,
apenas aquele que
carrega a marca da
melancolia. Isso
porque, como
Benjamin (2011)
defende em  Origem
do drama trágico
alemão, os
melancólicos, devido
ao medo da traição e
da in delidade
humana, passa a ser
cada vez mais el às
coisas:
"À sua
in delidade aos
seres humanos
corresponde uma
delidade às coisas,
que
verdadeiramente o
mergulha numa
entrega
contemplativa. O
lugar da

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concretização
adequada do
conceito que espelha
este comportamento
só pode ser o dessa
delidade
desesperançada ao
mundo criatural e à
lei da culpa que
governa a sua vida.
Todas as decisões
essenciais na relação
com os homens
podem ofender os
princípios da
delidade, elas
regem-se por leis
superiores. Essa
delidade só está
perfeitamente
adequada à relação
dos homens com o
mundo das coisas.
Este apela
constantemente
para ela, e toda a
promessa e toda a
memória em nome
da delidade rodeia-
se de fragmentos do
mundo das coisas
como se fossem os
seus próprios, como

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objetos cujas
exigências nunca são
excessivas. De forma
desajeitada, e
mesmo injustiçada,
ela proclama a seu
modo uma verdade
por amor da qual, de
fato, trai o mundo. A
melancolia trai o
mundo para servir o
saber. Mas o seu
persistente
alheamento
meditativo absorve
na contemplação as
coisas mortas, para
as poder salvar".
(BENJAMIN, 2011, p.
164).  
  
De fato, o
melancólico tem
uma capacidade
excêntrica de
colecionar ou
simplesmente
acumular objetos em
torno de si. Algo que
Freud explica:
“deriva do erotismo
anal arrancado de
seus vínculos e
transformado
regressivamente”
(FREUD, 2011, p. 185).

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A posse compensa
uma perda ou uma
traição, o medo de
perder, ou de
empobrecer, do
príncipe barroco
vem por saber que
seu trono lhe está
constantemente
ameaçado, e até
mesmo o seu poder
resultou em algum
momento de uma
traição, por isso se
agarra aos objetos
que o legitimem em
seu poder: a coroa, o
cetro, o trono,
dentre outras coisas.
Para Benjamin esse
acumular cria um
saber porque a
história só pode ser
apreendida em
minúcias, pelas
coisas retidas no
presente, já que
acreditava no valor
testemunhal das
coisas. Para ele os
objetos mais
insigni cantes
podem acumular o
que existiu de
singular de uma
época. Pois, o que
nos parece mais
inútil hoje é porque
foi fruto de uma
forma de viver já
extinta: seu aspecto

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prescindível ao
presente só
con rma o fato de
que ele só poderia
pertencer à época
que gerou demanda
para sua existência. 
O motivo de
Benjamin acreditar
neste poder das
coisas de reter
signi cados
históricos singulares
deve-se a maneira
como reinterpretou
o conceito de
infraestrutura e
superestrutura de
Marx. Tal como
destaca Hanna
Arendt em seu texto
sobre Walter
Benjamin: “o aspecto
teórica que acabaria
por fasciná-lo era a
doutrina da
superestrutura”,
porém “o que aí o
fascinava era que o
espírito e sua
manifestação
material estavam tão
intimamente ligados
que parecia possível
descobrir, em todas
as partes,
as  correspondances 
de Baudelaire” e “se
fossem
adequadamente
correlacionadas, se

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esclareceriam e se
iluminariam uma às
outras de modo que,
ao nal, não mais
precisariam de
nenhum comentário
interpretativo ou
explicativo”.
(ARENDT, 2008,
p.176).  Essa forma
direta se associa ao
acontecimento no
campo “do espírito”
a um fator material,
sem intermediários
interpretativos, que
provocou a acusação
por parte de Adorno
a Walter Benjamin de
não ser
su cientemente
dialético em seu
artigo sobre
Baudelaire. Mas não
ser dialético era
exatamente o que
Benjamin pretendia:
“tentativa de
capturar o retrato da
história nas
representações mais
insigni cantes da
realidade, por assim
dizer em suas
raspas”.
(Apud  ARENDT, p.
176).  Benjamin
acreditava que a
recolagem das
“raspas”, dos cacos
da História, sem

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mediações
explicativas, ou
causais, tem a ver
com a intervenção
alegórica de liberar
os objetos históricos
do continuum da
história a que
tradição os relegou,
ou mesmo de “re-
signi cá-los”.
Austerlitz, tal
como Benjamin e o
príncipe melancólico
barroco, mostra uma
grande capacidade
de retenção
material: “seu
escritório atulhado,
que parecia um
depósito de livros e
papéis e no qual mal
havia espaço para ele
próprio, que dirá
para os alunos, em
meio às pilhas
amontoadas no chão
e nas prateleiras”
(SEBALD, 2008, p.
36). Além disso,
Austerlitz possui
uma teoria que se
aproxima da mesma
que Benjamin
defende em seu
projeto mais
audacioso,  As
passagens:
"Lembro-me
até hoje da facilidade
com que eu
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assimilava o que ele


chamava de suas
ideias experimentais,
quando discorre
sobre o estilo
arquitetônico da era
capitalista, um
assunto do qual se
ocupava desde a
época da faculdade,
e em particular
sobre a mania de
ordem e a tendência
à monumentalidade
que se manifestavam
em cortes de justiça
e instituições penais,
em estações de trem
e prédios da Bolsa,
em teatros líricos e
hospícios, e ainda
nas moradias para o
operariado
construídas segundo
padrões ortogonais.
Suas pesquisas,
disse-me Austerlitz
certa vez, há tempos
haviam superado seu
propósito original
como projeto de tese
de doutorado e
derramaram-se, em

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suas mãos, numa


in nidade de
trabalhos
preliminares a um
estudo, inteiramente
baseado em suas
próprias opiniões,
sobre a a nidade
existente entre
todos esses edifícios.
O motivo pelo qual
se aventurava em
campo tão vasto,
disse Austerlitz, ele
não sabia.
Provavelmente fora
mal aconselhado
quando iniciou os
primeiros trabalhos
de pesquisa. Mas a
verdade era também
que até hoje ele
obedecia a um
impulso que ele
próprio não
compreendia, que
estava ligado de
algum modo ao
fascínio precoce pela
ideia de uma
estrutura em rede,
como, por exemplo,
todo o sistema

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ferroviário. Já no
início dos estudos,
disse Austelitz, e
mais tarde, durante
sua primeira
temporada em Paris,
ele costumava visitar
quase que
diariamente uma das
grandes estações,
em geral a Gare du
Nord e a Gare de
L’Est, sobretudo de
manhã ou à noite,
para observar as
locomotivos a vapor
que ingressavam no
pátio de vidro negro
de fuligem ou o
suave deslizar dos
misteriosos vagões-
leitos,
esplendidamente
iluminados, que
rumavam noite
adentro como navios
na imensidão do
mar. Não raro ele
cara à mercê das
mais perigosas e
para ele totalmente
incompreensíveis
correntes de emoção

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nas estações
parisienses, que ele,
como dizia,
considerava lugares
a um só tempo de
felicidade e
infelicidade".
(SEBALD, 2008, pp.
37-38).

Como vemos a
mesma melancolia
do recalque é a
mesma que orienta
para o lembrar. Seu
impulso
inconsciente de
reter mais do que
precisa, de trair o
mundo pelo fascínio
às coisas, vai
dialeticamente o
aproximando de sua
parte perdida, de sua
origem. Assim, a tese
de interligação, de
que tudo se
corresponde,
permite o objeto
imanente, a
estrutura
arquitetônica, reter
vestígios de um
mundo anímico e
emocional, sua
obsessão pelos
objetos, pelas
estações
ferroviárias, provoca
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seu embarque no
trem fantasma, que
ronda
insistentemente a
consciência fechada,
até encontrar uma
abertura para sua
volta. Assim,
sabemos depois que
Austerlitz foi
enviado ainda
criança em um trem
para fora do
extermínio. E que
por uma daquelas
estações passou seu
pai, já cativo: “e no
silêncio incomum
que... reinava na
Gare d’ Austerlitz”
disse Austerlitz
“ocorrera-lhe a ideia
de que o pai deixara
Paris por aquela
estação, vizinha do
seu apartamento na
rue Barrault, logo
após os alemães
entrarem na cidade”
(SEBALD, 2008, p.
279). E examinando a
estação,
especi camente um
pátio abandonado,
mal iluminado e com
andaimes parecidos
com patíbulo, além
de ganchos e ferro
enferrujados que
deveria servir para
guardar bicicleta,

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mas que em vez


disso 
"quando no
domingo pus os pés
pela primeira vez
nesse estrado em
uma tarde de
domingo no meio do
período de férias,
não se via ali
nenhuma bicicleta, e
provavelmente por
isso, ou por causa
das penas de pomba
espalhadas por todo
o soalho de tábuas,
fui assaltado pela
impressão de que
me encontrava na
cena de um crime
não expiado".
(SEBALD, 2008, p.
281).
Impressão de
nenhuma forma
implausível, pois
como diz Benjamin
(1994): “qualquer
pista seguida pelo
âneur vai conduzi-
lo a um crime” (p.39).
O âneur,
caminhante que se
fascina com detalhes
desprezados pela
turba, deambula a

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esmo, atrás de algo


que ainda não sabe
bem, é uma das
modalidades de
melancólicos.
Austerlitz é um
âneur. E sua
investigação das
camadas
arquitetônicas da
cidade lhe faz
caminhar pelas
camadas de tempos,
retidas no concreto
e nos ferros, ao local
em que perdeu tudo
aquilo que serve
para xar, mesmo
que
ideologicamente,
uma identidade: um
nome, um pai e uma
mãe, um país. 
No caso de
Aurach o
enfrentamento com
o indizível se dá mais
frontalmente, talvez
por ser um artista,
encarna diretamente
o dilema de
representar o que
está desprovido de
qualquer
materialidade
simbólica. Mas o
processo difícil de
falar para
compreender, ou
mesmo para se
permitir o luto, se

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passa de maneira
semelhante ao de
Austerlitz. De fato,
há aquela resistência
ao dizer que o tranca
no silêncio e no
isolamento, neste
caso também o
sintoma da
melancolia é
adiantado na forma:
a residência do
artista em uma rua
abandonada, em um
subúrbio em ruínas,
além de seu ateliê
como igualmente
seu método
materializam a luta
travada no
inconsciente do
melancólico. 
O ateliê: 
"A escuridão
acumulada nos
cantos, o reboco de
cal inchado com
manchas de sal, e a
pintura descascando
nas paredes, as
prateleiras cobertas
de livros e montes
de jornais, as caixas,
bancos de o cina e
mesinhas, a bergére,
o fogão a gás, o
colchão, as
desordenadas
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montanhas de papel,
louça e material, os
potes de tinta
vermelha, verde-
folha e brancos
brilhando na
sombra, as chamas
azuladas dos dois
fornos de para na,
todo o mobiliário
move-se milímetro a
milímetro em
direção daquele
centro onde Aurach
instalou seu
cavalete, na
claridade cinzenta
que entra pela alta
janela do norte,
coberta por décadas
de poeira. Como
aplica grandes
quantidades de tinta
e sempre a raspa de
novo da tela no
curso de seu
trabalho, o chão está
coberto por uma
massa de vários
centímetros de
altura já endurecida,
com uma crosta,
misturada com pó de

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carvão e achatada
nas beiras,
parecendo um rio de
lava, que Aurach diz
ser o verdadeiro
resultado de seus
permanentes
esforços e a mais
evidente prova de
seu fracasso".
(SEBALD, 2002, p.
160).
Acumular
coisas é a marca
mais visível do
melancólico. Pois
sua relação com
mundo se dá pelos
objetos. Neste caso
Aurach adianta
materialmente sua
personalidade no
espaço em que vive.
As coisas
desordenadas, o pó
sedimentado,
ajudam a compor
seu “eu”, e são
formas de reter
signi cados do
mundo, pois o
melancólico
representa o mundo
como empilhamento
de coisas, e
transmitem sentidos
sempre por meio de
“ideias

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espacializadas”, e
como já se disse: sua
delidade às coisas
salva a história. Isso
porque as
“transações entre o
melancólico e o
mundo sempre se
dão com coisas” tal
como os barrocos e
surrealistas, que ao
colecionarem
objetos sem
utilidade prática,
criava uma nova
paisagem material
que adiantava pela
liberação de
energias destrutivas
e mórbidas, o que
mundo fabricava
secretamente em
seu interior. Disso a
visão aguçada para
decifrar ou
pressagiar do
melancólico. Só que
aqui o presságio
seria ao contrário:
prevê aquilo que já
aconteceu, mas que
permanece
indecifrável.
O método:  
"Na verdade
muitas vezes, vendo
Aurach trabalhar em
um de seus estudos
de retratos semanas
a o, pensei que ele
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desejava a
multiplicação do pó.
Seu jeito de
desenhar intenso e
devotado, quando
em pouco tempo
gastava meia dúzia
de bastõezinhos de
madeira de salgueiro
queimada, esse
desenhar e repassar
no papel grosso
parecendo couro,
bem como o
constante apagar do
desenhado com um
pano de lã já
empapado daquele
carvão, era na
realidade uma
produção de pó que
só se interrompia à
noite. Eu sempre me
espantava de ver
como pelo m de um
dia de trabalho
Aurach montara,
com as poucas linhas
e sombras que
tinham escapado da
aniquilação, um
retrato de grande
vividez. E mais me

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espantava quando na
manhã seguinte,
assim que o modelo
tomara seu lugar e
ele lhe lançara um
primeiro olhar, esse
retrato era
infalivelmente
apagado, para
escavar mais uma
vez, daquele fundo já
bastante prejudicado
pelas constantes
destruições, os
traços e olhos
incompreensíveis
como ele dizia de
seu oponente,
muitas vezes afetado
no processo de
trabalho". (SEBALD,
2002, p. 161). 

Benjamin diz
que o melancólico é
indeciso,
exatamente por ver
todas as
possibilidades se
desenrolando
simultaneamente.
Assim, a criação se
torna um torturante
processo de
decifração. Aurach
não se decide por
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xar um rosto, a
repetição e a
meticulosidade
recusa qualquer
produto nal, para
ele sua obra de arte
é o pó. Nada menos
barroco. A poeira é
um dos símbolos da
melancolia, assim
como a terra. O peso
e a lentidão também.
Aurach
compulsivamente
tenta arrancar uma
imagem encoberta,
seus retratos são
uma tentativa
fracassada de
apreender “rostos
ancestrais”, olhares
soterrados pelo
tempo; seus quadros
são palimpsestos
deliberados, que
tentam desfazer o
palimpsesto que é a
memória recalcada.
O método de
trabalho de Aurach
reproduz a repetição
compulsiva da
memória tentando
se expressar, ou
como “a rmou
Freud – na linha de
Nietzsche: ‘ o que
permaneceu
incompreendido
retorna; como uma
alma penada, não

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tem repouso até


encontrar resolução
e libertação’”
(apud  SELIGMAN-
SILVA, 2005, p. 73).  E
essa repetição
in nita da cena
traumática é que
gera a vítima
consciente da sua
própria dor, que
segundo Aurach são
as piores vítimas: 
"O horror do
sofrimento que,
partindo das guras
apresentadas,
impregna toda a
natureza para
emanar de volta das
paisagens apagadas
sobre as guras
humanas dos
mortos, agora se
agitava em mim,
subindo descendo
como as ondas do
mar. E
paulatinamente,
olhando os corpos
feridos, os corpos
das testemunhas da
execução curvados
pelo sofrimento
como juncos,
compreendi que em
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determinado
momento a dor
anula sua condição
de existir que é a
consciência, e com
isso talvez –
sabemos muito
pouco a respeito –
anula a si mesma.
Em contrapartida, a
dor da alma é
praticamente
in nita. Quando se
acredita ter chegado
à última fronteira, há
sempre novos
tormentos. A gente
cai de abismo em
abismo". (SEBALD,
2002, p.170) 

    Assim
quando os mortos e
os vivos se
confundem, quando
o sofrimento
impregna toda a
natureza, sem deixar
descanso aos olhos
dos sobreviventes,
temos o auge do
sofrimento de um
genocídio.
Tendemos a
contabilizar as
tragédias em

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números, mas há os
mortos que não
entram na conta, ou
melhor, entram
como um saldo
positivo, pois a
sobrevivência
costuma ser vista
como algo heroico.
Existe um efeito de
irradiação que
continua a mutilar
secretamente
aqueles que foram
feridos pelo
testemunho, ou pela
perda, estes herdam
a dor dos seus
mortos, e esta vem
com o invólucro do
absurdo e por isso
não pode ser
absorvida pela
compreensão, então
temos a “compulsão
de repetição” no
dizer psicanalítico,
ou o cair de abismo
em abismo a qual se
refere Aurach.
Sebald se referiu a
isso como a
masturbação sem
gozo, um ato vazio
que cancela a
tranquilidade, pois
até a imagem mais
terna, quando
repetida de maneira
ilógica e
in ndavelmente, se

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tornaria incômoda,
por isso, talvez, o
suicídio seja
praticamente
inevitável.  

MELANCOLIA
II: a estética e o
método melancólico.

Depois que
conhecemos um
pouco de como a
melancolia age no
campo individual, e
também que sua
cura ocorre quando
o objeto da perda é
redirecionado para a
consciência, para
que haja nalmente
o trabalho de luto,
tentemos imaginar a
melancolia afetando
a consciência
coletiva de um país,
e se neste caso, a
cura ocorre pela fala
e pela tentativa de
compreensão, quem
falaria em nome da
história enferma? E
como o objeto da
perda seria
representado e
devolvido à
consciência
coletiva?  Uma das
respostas para estas
questões seria,
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segundo W. G.
Sebald, a literatura. 
Algo que vemos
defendido e
ilustrado em  Guerra
aérea e
Literatura  (2011).
Ensaio no qual W. G.
Sebald se ressente
do silêncio que se
seguiu após a
pulverização das
cidades alemãs pelos
ataques aéreos dos
aliados, que engolfou
as cidades em um
imenso incêndio que
constantemente
aparece, na forma de
uma imagem
abrupta, na cção de
Sebald. A prodigiosa
recuperação das
cidades
bombardeadas
poderia até certo
ponto ser admirável,
se não tivesse
resultado de um
imposto mecanismo
de recalque,
praticado de forma
sistemática, e ao
custo da supressão
do luto aos mortos
emparedados e
varridos junto com
os escombros. 
Assim, a
energia e a
determinação alemã

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para reconstruir as
cidades ainda
maiores e mais
sólidas tiveram
como catalisador
“uma fonte
puramente imaterial:
a corrente de
energia psíquica até
hoje não exaurida,
cuja fonte é o
segredo guardado
por todos sobre os
cadáveres
amuralhados nos
alicerces de nossa
entidade estatal”
(SEBALD, 2011, p. 21).
E esse acordo tácito
de silêncio cria um
quadro psíquico
melancólico, que
pode ter entre suas
principais
consequências o
retorno sintomático
dos fantasmas dos
mortos que não
foram devidamente
enlutados. Aliás,
Sebald parece
sugerir
expressamente isso:
a vivência do luto, a
exposição dos
mortos, a tristeza e
apatia dolorosa, são
salutares à
consciência
coletiva. 

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Mas para
Sebald o mais
intrigante é ver esse
silêncio e essa
autoanestesia alemã
alcançarem a
literatura. Pois esta
tem um papel
essencial para
distribuir na
consciência coletiva
as imagens
subtraídas pela
ideologia da
superação heroica.
A nal, são raríssimas
as obras que se
referem ao tema, e
entre as que tratam
quase sempre
pertencem a autores
estrangeiros, ou
alemães há bastante
tempo exilados, e
assim a recusa de
ver e testemunhar
dos alemães “não foi
compensado pela
literatura do pós-
guerra” reforçando o
tabu sobre o tema. E
até as exceções,
como Heinrich Böll,
mostram-se
“previamente
sintonizado com a
amnésia individual e
coletiva, e guiado,
talvez, por processo
pré-conscientes de
autocensura para o

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encobrimento de um
mundo que se
tornara
incompreensível”
(SEBALD, 2011, p. 19).
Assim, a destruição
material e moral
nunca foram
completamente
mensuradas pela
representação
estética, levando a
literatura a fazer eco
ao silêncio
institucional. Devido
o modo como às
poucas obras que
trataram do tema
foram relegadas a
uma posição
marginal, publicadas
por pequenas
editoras e ignoradas
pela crítica,
podemos inferir que
a única maneira
dessa temática
entrar na
consciência coletiva
é se submetendo a
um processo de
higienização, se
apresentando
discretamente em
forma de estatísticas
e números sem
nenhum
acompanhamento
narrativo e estético,
tal como W. G.
Sebald expõe, na

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abertura de sua
palestra, a m de
ilustrar a única
maneira que essa
tragédia costuma ser
tratada:
"É certo que
consta nos  Strategic
Bombing surveys dos
Aliados, nos
levantamento do
Departamento
Federal Alemão de
Estatísticas e em
outras fontes
o ciais, que apenas a
Royal Air Force
lançou, em 400 mil
voos, 1 milhão de
toneladas de bombas
sobre a zona inimiga;
que, das 131 cidades
atingidas – umas só
uma vez, outras
repetidas vezes - ,
algumas foram quase
totalmente
arrasadas; que a
guerra aérea deixou
em torno de 600 mil
vítimas civis na
Alemanha; que 3,5
milhões de
residências foram

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destruídas; que, no
nal da guerra, havia
7,5 milhões de
desabrigados; que,
em Colônia, a cada
habitante
correspondiam 31, 4
metros cúbicos de
escombros e, em
Dresden 42, 8 – mas,
mesmo assim, não
sabemos o que tudo
isso signi cava de
verdade". (SEBALD,
2011, pp. 13-14).   
   
De fato, a mera
quanti cação da
tragédia pouco diz
sobre o sofrimento
produzido. Ao
contrário, apenas o
estanca, o encobre
como uma camada
asséptica. E todos os
relatos que se
seguiram depois
conservam a mesma
super cialidade. Até
mesmo as vítimas
diretas são
possuídas por um
senso de
desinformação, uma
incapacidade
compreensível de
narrar diante do
poder aniquilador
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dos bombardeios,
mas que tem a ver
em certo sentido
com uma cegueira
linguística, um
instinto prévio de
eliminar a
experiência
traumática da
memória. Quanto
aos relatos dos que
viram de longe, ou
do céu, há um
consenso visual de
comparar o
acontecimento a um
incêndio gigantesco,
visto a quilômetros,
e que pela sua
dimensão parece
estabelecer um uxo
contínuo de fogo
entre o céu e a terra.
Outras, como o
repórter da BBC, que
narra de um dos
aviões um ataque em
tempo real, compara
os incêndios
constantes “a mais
gigantesca exibição
de fogos artifícios”
ao qual alguém
inominável
complementa “um
show do cacete!”.
Todos estes pontos
de vista conservam
alguma distância que
bloqueia a
experiência real, o

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que faz W. G. Sebald


sugerir uma
interferência
arti cial,
esteticamente
programada: 
"Aparentement
e ileso, o
funcionamento
continuado da
linguagem normal na
maioria dos relatos
de testemunhas
oculares levanta a
dúvida sobre a
autenticidade da
experiência neles
contida.
Consumindo dentro
de poucas horas
todos os seus
prédios e árvores,
seus moradores, os
animais domésticos,
os equipamentos e
as instalações de
toda espécie, a
morte pelo fogo de
uma cidade inteira
tinha que resultar
numa sobrecarga e
paralisia da
capacidade de
pensar e de sentir

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daqueles que
conseguiram se
salvar. Os relatos de
testemunhas
individuais têm,
portanto, apenas um
valor relativo e
dependem da
complementação
por aquilo que se
revela a um olhar
sinótico, arti cial".
(SEBALD, 2011, p.
31).  

E no decorrer
ainda da sua palestra
ilustra, já se valendo
de suas qualidades
de ccionista, o que
seria a recriação
arti cial da
experiência
traumática, de um
ponto de vista o mais
próximo possível dos
que estavam dentro
do fogo:
"Dentro de
poucos minutos, em
toda a área atacada –
cerca de vinte
quilômetros
quadrados –
queimavam
fogueiras
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gigantescas que iam


se juntando em tal
velocidade que,
quinze minutos após
o lançamento das
primeiras bombas,
todo o espaço aéreo
formava um mar de
chamas contínuo,
até onde se podia
enxergar. E, cinco
minutos depois, à 1h
20, se ergueu uma
tempestade de fogo
com uma
intensidade que
nenhum ser humano
teria imaginado
possível até aquele
momento.
Chamejando por 2
mil metros céu
adentro, o fogo
arrebatava o
oxigênio com
tamanha violência
que as correntes de
ar atingiram a força
de um furacão, e
trovejavam como
órgão poderosos
cujos registros
tivessem sido

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acionados ao mesmo
tempo. Esse
incêndio durou três
horas. No seu ponto
culminante, a
tempestade levantou
frontões e telhados
de casas, revirou
pelo ar vigas e
outdoors inteiros,
arrancou árvores do
solo e açoitou as
pessoas em fuga
como se fossem
tochas vivas. Por trás
de fachadas que
desmoronavam, as
chamas atingiam a
altura dos prédios,
rolando pelas ruas
como uma torrente
numa velocidade
superior a 150 km/h,
e rodopiando em
ritmos bizarros
pelos espaços
abertos, como
cilindro de fogo. Em
alguns canais a água
incandescia. Nos
vagões dos bondes,
as janelas de vidro
derretiam; o estoque

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de açúcar fervia nos


porões das
confeitarias. Os que
fugiam de seus
abrigos caíam em
contorções
grotescas no asfalto
dissolvido, que
rompia em
volumosas bolhas".
(SEBALD, 2011, p.32).

Prosseguindo,
Sebald vai
transferindo
lentamente o foco
que passou sobre a
incineração da parte
física da cidade, para
o interior das
chamas, para focar o
material humano
que poucos lembram
ao admirar as
chamas, os fogos,
que estavam lá: 
"Por toda parte
havia corpos
terrivelmente
des gurados. Em
alguns ainda
tremulavam as
chamas azuladas do
fósforo, outros,
assados,
apresentavam uma

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cor marrom ou
púrpura e tinham
minguado a um
terço de seu
tamanho natural.
Jaziam encolhidos
nas poças de sua
própria gordura já
parcialmente
resfriado. Em agosto,
depois do
arrefecimento dos
escombros, quando
as brigadas de
prisioneiros e
internos dos campos
de concentração
puderam dar início
aos trabalhos de
desobstrução no
interior da zona da
morte – decretada
área interditada logo
nos dias seguintes ao
ataque - , foram
encontradas pessoas
que, arrebatadas
pelo monóxido de
carbono, ainda se
encontravam
sentadas à mesa ou
apoiadas na parede;
em outros lugares,

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havia pedaços de
carne e ossos ou
montes inteiros de
corpos escaldados
pela água fervente
lançada pelas
caldeiras que
explodiram. Outros,
por sua vez, foram
carbonizados e
reduzidos a cinzas
pela brasa que
atingira a
temperatura de mais
de 1000º C, a tal
ponto que os restos
mortais de famílias
inteiras podiam ser
retiradas em um
único cesto de
roupa". (SEBALD,
2011, pp. 33-34).

A interferência
estética como
podemos ver acima,
de maneira alguma
signi ca criar cenas
dramatizadas ou
inventar heróis para
circularem pelas
ruínas com os
mesmos
sentimentos
burgueses de
sempre: como já nos
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acostumamos a ver
nos inúmeros lmes
ou romances que
usam as ruínas como
pano de fundo
dramático para as
velhas histórias de
amor. Ficcionalizar,
ou cobrir
literariamente o
espaço catastró co
renegado pela
consciência coletiva,
também não pode
ser confundido com
emoldurar o
incomensurável com
oreios linguísticos,
ou inusitadas
empreitadas
imaginativas, uma
vez que Sebald não
admite nenhum
desvio do olhar,
nenhum subterfúgio
que possa tornar
digerível a
experiência
traumática. De fato,
na sua análise
criteriosa que faz
das poucas obras
que tratam da
dizimação das
cidades alemãs,
vemos abertamente
sua preferência para
as obras que
mantenham um
olhar documental.
Fazendo jus as

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testemunhas que
por estarem
dilaceradas por
dentro, não podem
testemunhar. Mas
pelos resquícios que
lhes escapam de um
relato, somados aos
poucos documentos
que cobrem o
evento, talvez possa
se corrigir o silêncio
da histogra a alemã,
e da nação como um
todo, recriando para
a nação a cena de
sofrimento que ela
insiste em apagar.
Mas que precisa
entrar na
consciência, a m
que a angústia
reprimida e os
mortos eliminados
uma segunda vez
pelo esquecimento,
obtenha, ao desfazer
a segunda morte,
uma morte humana:
única e nomeada.
Neste sentido,
Sebald ao defender o
tom documental,
não despreza o
estético, mas o
pseudoestético, pois
como aprendemos
com Kafka, a lucidez
e a impassibilidade
ante ao extremo
emocional, gera uma

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distensão que nos


aproxima mais das
sensações limites de
uma catástrofe.
Sebald exige, assim,
a mesma adequação
estética aos tempos
sombrios que
Theodor Adorno
desenvolve ao longo
de sua  Teoria
Estética  (2008). De
fato, se tivéssemos
que eleger uma
estética melancólica,
seria a de Adorno.
Isso porque ele
parece estruturar
toda a sua
concepção de
estética a partir de
uma perda,
reavaliando as
dimensões estéticas
como repostas éticas
aos extremos da
Segunda Guerra
Mundial, e por conta
disso avalia
rigorosamente a
postura da Arte,
diante de
acontecimentos
incomensuráveis,
como Auschwitz: 
"Adorno tenta
pensar juntas as
duas exigências
paradoxais que são
dirigidas à arte

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depois de Auschwitz:
lutar contra o
esquecimento e o
recalque, isto é, lutar
igualmente contra a
repetição e pela
rememoração; mas
não transformar a
lembrança do horror
em mais um produto
cultural a ser 
consumido; evitar
portanto, que “o
princípio de
estilização artístico”
torne Auschwitz
representável, isto é,
com sentido,
assimilável, digerível,
en m, transforme
Auschwitz em 
mercadoria que faz
sucesso".
(GAGNEBIN, 2006, p.
79).

Adorno
considera que a
estética clássica, tal
como a razão
iluminista tiveram
sua credibilidade
suspensas pelo
evento
incontornável do

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holocausto. Pois,
qualquer posposta
abstrata e idealista
se torna indecorosa
diante do extermínio
real, corpóreo,
exigindo que a
estética também
desça ao nível físico
e aborde seu objeto
concretamente, que
se contamine e se
integre a ele. A
distância neste caso
é suprimida. Mas
apenas um tipo de
distância, aquela que
nasceu na
renascença e se
tonou adulta no
iluminismo. Uma
outra distância deve
ser criada, mas que
crie a sensação de
uma proximidade
intolerável. Adorno
sugere que a estética
absorva a morte, que
use os ingredientes
da morte como
instrumentos de
representação.
Diante disso, caria
mais fácil cogitar a
abolição da estética
como um todo,
pensar que ela se
tornou dispensável
ante os
acontecimentos
brutais. Mas Adorno

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diz exatamente o
contrário, o evento
extremo convoca
uma maior investida
estética, pois foi
justamente a
imobilidade estética
e ética dentro da
razão automatizada,
umas das
responsáveis pelo
holocausto e todos
os outros
extermínios
anônimos. Por isso,
seu sedentarismo
deve fornecer lugar
a um esforço
exaustivo. O mesmo
vale ao pensamento,
que em vez de se
recolher na
irracionalidade, deve
combater os efeitos
da razão automática
com mais razão.  O
mesmo se aplica a
representação, ao
realismo, que deve
corrigir a cegueira
do realismo
tradicional
sacri cando a sua
estabilidade no
processo. A
melancolia na teoria
de Adorno consiste
no fato que para ele
qualquer esforço,
seja do pensamento
ou das modalidades

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estéticas, estaria
condenado ao
fracasso. Mas não se
trata de rendição, e
sim do contrário:
uma resistência
suicida. Estética
como resistência
não pressupõe um
engajamento que usa
a literatura para
transmitir ideias
revolucionárias, mas
incorporar o objeto
criticado.
Proporcionar uma
experiência negativa,
se tornando o local
onde tudo volta
acontecer mais uma
vez.  A estética como
capsula que preserva
a experiência
negativa, que se
metamorfoseia
naquilo que rejeita:
"O paradoxo de
toda a arte moderna
é adquirir ao mesmo
tempo o que rejeita,
da mesma maneira
que no início
da  Recherche  de
Proust, com o
arranjo
elaboradíssimo,
introduz no livro
sem o ru ar da

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câmara escura, sem


o caleidoscópio do
narrador
omnisciente:
renuncia ao
encantamento
mágico e só assim o
realiza. A
experiência estética
é a de algo que o
espírito não teria
nem do mundo nem
de si mesmo, a
possibilidade
prometida pela sua
impossibilidade. A
arte é a promessa da
felicidade que se
quebra". (ADORNO,
2008, p. 209).  
Assim, se
compreende a
preferência de
Sebald ao
documental no
contexto da
destruição das
cidades alemãs. Pois,
entre as descrições
feitas por
estrangeiros sobre
os alemães, o que
mais recebeu a
atenção foi a
maneira impassível
dos alemães diante
do sofrimento, da
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capacidade de seguir
vivendo
naturalmente entre
os mortos: como o
caso da funcionária
de um cinema que se
apressava em limpar
os escombros antes
da próxima sessão,
ou das pessoas
reunidas
tranquilamente para
tomar café depois de
uma cidade ter sido
completamente
destruída, algo
estranho visto de
fora da psicossocial
que orienta aquelas
pessoas:
"Não se espera
que uma colônia de
insetos que
paralisada pelo luto
diante da destruição
de uma colônia
vizinha. Da natureza
humana, no entanto,
espera-se certa dose
de empatia. Nesses
termos, a
manutenção da
ordem pequeno-
burguesa de seguir
tomando café nas
sacadas de
Hamburgo, no nal

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de julho de 1943, tem


algo de absurdo e
escandaloso".  (SEBAL
D, 2011, p. 44).  

Assim o tom
documental que
Sebald recomenda é
uma forma de
manter o ponto de
vista daquilo que se
tenta representar,
registrar
impassivelmente
contribui para
manter a estranheza
inerente à situação
extrema. Pois, tanto
Benjamin e Adorno
acreditam que o
objeto deve
conservar ao
máximo suas
singularidades
incomensuráveis. Tal
como Kafka que
alcança um realismo
impactante por
mimetizar a
linguagem da
própria vida
administrada que
criticava,
conseguindo assim
conservar uma
estranheza insolúvel
exatamente por
apreender o mais
singular de sua
época. Deste modo,

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Sebald argumenta
“adornianamente”
em favor de uma
abordagem estética
que absorva as
demandas éticas
daquela situação
extrema, neste
sentido a narrativa
ccional troca de
papel com outros
gêneros, a
historiogra a, por
exemplo. Como se
ao se esforçar tanto
em algo que não lhe
pertence,
evidenciasse o
silêncio de outros
gêneros
documentais e
narrativos, que se
omitiram. Tanto que
sua simpatia por
Kluge acontece por
este preencher sua
narrativa de relatos,
documentos e fotos,
Sebald, no m
justi ca
indiretamente suas
preferências
estéticas. E ao fazer
isso entendemos
porque documenta
tanto seus relatos.
Sebald assim como
Adorno sabe que não
se pode mais fechar
ou apreender algo
por meio de um

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conceito, ou um
esquema universal
de imagens
estéticas, pois, em
situações limites
tudo escapa para
fora dos conceitos e
da metáfora. Assim a
melhor abordagem
seria a que cercasse
o máximo possível o
objeto que resiste;
não para que esse
nalmente se
entregue, mas para
que continue a se
mover o mais
naturalmente
possível, para que
seja apreendido
ainda vivo. 
Sob esse
aspecto, em vez de
um conceito, de uma
cena dramatizada,
monta-se uma
constelação de
imagens, fotos,
depoimentos,
pequenos minúcias,
como por exemplo,
Sebald vê em um
relato técnico de um
funcionário de um
zoológico, suas
descrições da
imensidade de
triplas que escorre
dos elefantes
cozidos, como uma
imagem que

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montada com
outras, nos leva por
um deslocamento,
ao horror silenciado.
E curiosamente essa
abordagem pela
materialidade, pelo
particular só é
possível porque
“quanto mais
proximamente uma
rede de de nições
gerais cobre seus
objetos, maior será a
tendência dos fatos
individuais virem a
ser transparências
diretas de seus
universais, e maior
será o resultado que
um observador
obterá a partir de
imersões
micrológicas”
(ADORNO apud
EAGLETON, 1993, p.
251). Não é à toa que
W. G. Sebald se
identi ca tanto com
a ideia de Solly
Zuckerman, nunca
concretizada, de
construir uma
história natural da
destruição. Pois os
escombros e as
deformações que a
guerra provoca na
natureza permitem,
pela delidade às
coisas, alcançar o

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interior humano. A
grande vantagem
desse método, que já
sabemos ser o
alegórico, também
constitui seu lado
mais sombrio, pois
este se alimenta das
ruínas, e a
multiplicação de
ruínas comprova que
o aparato técnico
envolvido na
destruição se
sustenta por algo
irrefreável: 
"A elaboração
da estratégia de
guerra aérea em sua
complexidade
gigantesca, a
pro ssionalização
das tripulações dos
bombardeiros ‘em
funcionários
especializados na
guerra aérea’, a
superação do
problema
psicológico de
manter aceso o
interesse das
tripulações em sua
tarefa, apesar do
caráter abstrato de
sua função, a

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questão de garantir
o curso disciplinado
de um ciclo de
operações em que
‘duzentos parques
industriais de médio
porte’ voavam em
direção a uma
cidade, que técnica
usar para que o
efeito das bombas
acarretasse
incêndios de
superfície e
tempestades de fogo
– todos esses
aspectos, que Kluge
aborda do ponto de
vista dos
organizadores,
permitem
reconhecer que o
montante de
inteligência, capital e
força de trabalho
envolvidos no
planejamento da
destruição era de tal
ordem que, por
conta do potencial
acumulado, ele
precisava ser

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executado". (SEBALD,
2011, p. 62). 

Cada vez mais


o sopro que in a as
asas do anjo sopra
mais forte, e
diríamos que não há
como detê-lo. Mas
existe sim sempre a
possibilidade de
retornar para revirar
os escombros que se
acumulam. E como já
vimos, o melancólico
é o indivíduo mais
ligado aos objetos
rejeitados, o mais
ligado ao lado coisal
da história. Esse
narrador-sucateiro,
ou colecionador
aparece inúmeras
vezes na obra de
Walter Benjamin. Ele
persegue o rastro da
modernidade, e
recolhe os dejetos
que cam para trás.
Ele vai colhendo o
que se solta da
tradição, o que sobra
dela, pois sabe que a
modernidade
inevitavelmente
despedaçará a
tradição. Assim, seu
trabalho começa no
momento em que a
tradição morre. A
tradição mantém os
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objetos dentro de
uma unidade e uma
funcionalidade. Fora
da tradição as coisas
são limpas de
classi cação e
também de sua
utilidade. E cam a
serviço do
colecionador. 
Sebald
exempli ca
perfeitamente a
imagem deste
colecionador de
ruínas.
Sentimentalmente
deslocado de seu
tempo. E que ler as
ruínas inversamente
aos entusiastas. Pois
para ele elas são
vestígios de uma
pátria perdida, de
seu antigo lar. Há
nele uma afetação
nostálgica. Mas a
nostalgia no caso de
Sebald e Benjamin
não pode ser
interpretada no
sentido reacionário
ou fascista. Pois não
existe nenhuma
razão pela qual a
nostalgia
“consciente de si
mesma, uma
insatisfação com o
presente, lúcida e
sem remorsos,

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fundamentada em
alguma plenitude
relembrada, não
possa fornecer um
estímulo
revolucionário”.
(JAMESON, 1985, p.
69).  É essa
insatisfação análoga
a melancolia
mórbida, patológica,
que impede o
indivíduo de voltar
ao convívio feliz.
Pois sabemos, tal
como o príncipe
Hamlet, que quem
está no poder tem as
mãos sujas de
sangue e, à noite, os
fantasmas cercam o
reino clamando
vingança. Este olhar
enlutado cria uma
postura interrogativa
e descon ada,
pessimista. Tal como
a concepção barroca
de tempo e história
interpretada por
Benjamin: 
"Quando, com
o drama barroco [
trauerspiel ], a
história adentra no
palco, ela o faz como
escrita. Na face da
natureza encontra-
se a palavra

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“história”, com os
caracteres da
transitoriedade. A
sionomia alegórica
da natureza-história,
que é posta na cena
com o  Trauerspiel,  é
efetivamente
presente enquanto
ruína. [...] O que
encontra-se aí
desfeito em
escombros, o
fragmento altamente
signi cativo: esta é
matéria da criação
barroca". (BENJAMIN
apud SELIGMANN-
SILVA, 2001, p. 367).  
             
Neste ponto
poderíamos dizer
que W. G. Sebald
compartilha desta
mesma concepção
barroca de tempo e
história. O homem
barroco vê a história
como uma grande
pilha de cadáver,
pois este já não
nutre nenhuma fé
transcendental, com
isso ele se agarra na
imanência, na
superfície material
das coisas, nas
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ruínas, que é a
verdadeira
manifestação da
história, pois mesura
a transitoriedade na
gradação física de
seu corpo. O
narrador sebaldiano
também não
compartilha da visão
transcendental da
história. Por isso não
celebra o progresso
e a modernização
impressionante que
se seguiu no pós-
guerra, pois nada
disso trará os
mortos novamente.
Com isso, Sebald
olha o tempo
presente e vê nele
sempre a marca da
destruição: 
"Não sei se
insensatamente eu
esperava algo
especial de Deauville
– um resto de
passado, alamedas
verdes, passeios na
praia ou um público
mundano ou
semimundano; não
importa quais eram
minhas fantasias,
logo vi que essa
praia de mar outrora
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lendária estava
implacavelmente
decadente, como
qualquer outro lugar
que se visite hoje,
não importa em que
parte do mundo ou
em que país,
arruinada pelo
tráfego de carros,
pelo comércio de
butiques e pelo
ímpeto destrutivo
que cada vez se
espalha mais".
(SEBALD, 2002,
p.117).
  
Como vemos o
narrador se
desaponta com a
praia de Deauville,
por ver nela sinais de
decadência. Mas na
progressão de sua
descrição
percebemos que as
marcas de
decadência na
verdade é o que em
uma visão capitalista
e consumista se
chamaria de
modernização, pois
supostamente o
local estaria como
uma infraestrutura
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mais variada de
comércio e estaria
mais frequentada.
Porém, é exatamente
essa modernização,
interpretada como
“ímpeto destrutivo”,
que o desagrada. E
ao estender este
diagnóstico de
decadência para
todo o resto, o
narrador deixa claro
que o problema não
está em Deuville,
mas sim em sua
visão de mundo que
destoa da concepção
geral vigente.  Deste
modo, Sebald lê a
paisagem criada pela
ideologia vigente
como ruína. Ele
entende que a
cultura, o modo de
vida, assim como os
seus bens culturais
também fazem parte
do espólio de guerra
dos vencedores:
"Os despojos
são carregados no
cortejo, como de
praxe. Esses
despojos são o que
chamamos bens
culturais. O
materialista os
contempla com

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distanciamento. Pois
todos os bens
culturais que ele vê
têm uma origem
sobre a qual ele não
pode re etir sem
horror. Deve sua
existência não
somente ao esforço
dos grandes gênios
que os criaram,
como à corvéia
anônima dos seus
contemporâneos.
Nunca houve um
monumento da
cultura que não
fosse também um
monumento da
barbárie. E, assim
como a cultura não é
isenta de barbárie
não o é, tampouco, o
processo de
transmissão da
cultura. Por isso, na
medida do possível o
materialista
histórico se desvia
dela. Considera sua
tarefa escovar a
história a
contrapelo".

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(BENJAMIN, 1994,
p.225). 

Ler a história a
contrapelo signi ca
ir contra a corrente
do desenvolvimento
naturalizado como
se seguisse uma
ordem divinal e
incontestável, isso
pressupõe a rejeição
dos bens culturais e
das ideologias de
vidas impostas pelas
ideologias
vencedoras. Como
diz Lowy (2005)
comentando o
trecho transcrito
acima, a revolução
não acontecerá
graças ao curso
“natural das coisas”,
pois, “deixada à
própria sorte, ou
acariciada no
sentido do pêlo, a
história somente
produzirá novas
guerras, novas
catástrofes, novas
formas de barbárie e
de opressão.” (p. 74).
Neste sentido o
uxo constante da
história deve ser
interrompido. Pois, a
maneira como os
fatos são
interligados passam
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a impressão que um
acontecimento se
liga a outro por um
processo automático
e mecanicista,
encaminhando-se
para uma totalidade,
tal concepção se
embasa em uma
noção linear e
homogênea de
tempo, na qual o
passado espera
passivamente ser
resgatado palmo a
palmo. Quando na
verdade este
passado só existe
enquanto resíduos
retidos no presente.
Assim, os
acontecimentos não
possuem nada que
os liguem
intrinsecamente. Um
fato histórico
importante talvez
seja inexpressivo
para sua época, ou
sua validação seja
feita depois. Os
heróis podem ser
apenas
desorientados
vitimados pelo
acaso, que a
posteridade retoma
não pelas suas
qualidades, mas para
projetar nele seus
anseios e ideais.

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Disso, Walter
Benjamin defender
que o tempo da
escrita, o presente,
ser o mais
importante, pois
“articular
historicamente o
passado não signi ca
conhecê-lo “como
ele de fato foi”.
Signi ca apropria-se
de uma
reminiscência, tal
como ela lampeja no
momento de um
perigo.” (BENJAMIN,
1994, p. 224). Desta
forma, os objetos
devem ser retirados
do molde da
linearidade, a qual a
tradição e a
ideologia dominante
os subornou, e mais
uma vez a gura do
narrador-
colecionador
mostra-se essencial,
pois, “a história
repousa numa
prática de coleta de
informações, de
separação e de
exposição dos
elementos, prática
muito mais
aparentada àquela
do colecionador,
gura-chave da
loso a e, também

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da vida de Benjamin”
do que “àquela do
historiador no
sentido moderno
que tenta
estabelecer uma
relação causal entre
os acontecimentos
do passado.”
(GAGNEBIN, 1999, p.
10).  Com isso,
Benjamin defende o
salto para fora da
história, ou melhor,
para fora do
discurso nivelador e
conformado da
tradição. 
Os objetos da
história nas mãos do
historiador
“benjaminiano”
tornam-se “brutos”.
Ou melhor, o
narrador “alegorista-
colecionador” cata
seus objetos da
história, no
momento em que
estes se tornam
inúteis, quando são
abandonados pela
ideologia que os
gerou, passando a
valer pelo seu
sentido “material”,
perdem seu
signi cado para se
tornarem
signi cantes. Ou

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como esclarece
Benjamin: 

"Sob a
aparência
ensimesmada da
melancolia, o objeto,
uma vez que se
torna alegórico, uma
vez que a vida
correu para fora
dele, ca para trás,
morto, e no entanto
preservado para
toda a eternidade;
jaz diante do
alegorista,
completamente
entregue a ele, para
bem ou para o mal.
Em outras palavras,
o objeto é doravante
incapaz de projetar
qualquer signi cado
por conta própria;
pode tão-somente
assumir aquele
signi cado que o
alegorista lhe
conferir. Ele o instila
com seu próprio
signi cado, ele
próprio desce para
habitá-lo: e isso deve
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ser compreendido
não
psicologicamente,
mas num sentido
ontológico. Em suas
mãos, o objeto em
questão torna-se
uma outra coisa, fala
de outra coisa, passa
a ser para ele a
chave para alguns
domínio de
conhecimento
abscôndito, ao qual,
enquanto emblema
deste último, ele
presta homenagem.
Isto é o que constitui
a natureza da
alegoria enquanto
escrita".
(BENJAMIN  apud  JA
MESON, 1985, p.
62).   
            
Neste aspecto,
talvez não exista na
contemporaneidade
escritor de escrita
mais alegórica do
que W. G. Sebald.
Alegórica no sentido
esboçado acima, isto
é, de se apropriar,
pelo viés da

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melancolia, dos
objetos, no momento
em que estes
perdem quase seu
signi cado para os
outros. Tanto que
uma das imagens
mais recorrente na
obra de Sebald
contempla sempre
uma gura solitária
posicionada diante
de prédios
monumentais, que
outrora foram
importantes. Mas
que agora jazem em
ruínas, interessando
apenas aos
melancólicos. Antes
de descrevê-los
minuciosamente,
Sebald sempre faz
questão de contar a
trajetória destes, de
contextualizá-los em
seu esplendor de
ocaso, exaurindo
destas passagens
uma prosa de
matizes
decadentistas:      
"Segundo ainda
consegui descobrir,
nos anos cinquenta
ou sessenta o
Roches Noires
cessara suas
atividades e fora

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dividido em
apartamentos dos
quais só os que
tinham vista para o
mar foram vendidos.
Hoje esse que foi um
dia o mais luxuoso
hotel da costa
normanda é uma
monstruosidade
monumental,
metade já soterrada
na areia. A maior
parte das moradias
está abandonada há
muito, mortos os
seus donos. Mas
algumas damas
indestrutíveis ainda
continuam vindo
todos os verões e
são como fantasmas
na gigantesca
edi cação. Por
algumas semanas
tiram dos móveis os
panejamentos
brancos que os
cobrem, à noite
deitam-se quietas
como sobre
catafalcos em algum
lugar no meio

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daquele vazio,
perambulam pelos
amplos corredores,
atravessam salões
imensos, sobem e
descem pelas
escadarias cheias de
ecos botando um pé
cuidadosamente
diante do outro, e
cedo pela manhã
levam a passear na
calçada seus
pequineses e
poodles cobertos de
feridas". (SEBALD,
2002, p. 119).  

Sebald parece
se interessar pelas
coisas no momento
em que estas se
tornam decadentes.
É como se seu
espírito melancólico
buscasse morada em
uma paisagem que
valida e corpori ca
sua melancolia. Mas
não se trata só disso.
As narrativas de
Sebald se passam em
parte em um
contexto histórico
remoto, tendo em
vista o tempo da
escritura, mas
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mesmo assim não


vemos nenhuma
tentativa de
reconstituição deste
passado, o narrador
só tem deste
passado o que sua
erudição permite
ter. Mas a certa
altura um estranho
sopro de nostalgia é
ru ada das páginas.
E isto acontece
porque Sebald,
seguindo a técnica
alegórica, escolhe
um “fragmento
altamente
signi cativo” para
alcançar um ponto
obscuro de
determinada época.
Sebald se apropria
dos objetos
esvaziados e
desabitados de
sentido para
homenagear ou
evocar uma face
esconsa da História.
Ou como diria
Benjamin, Sebald
realiza uma releitura
da história, por meio
de uma exposição
mosaica de ruínas e
de fragmentos. Ou
ainda, uma
constelação, no
dizer de Adorno.
Neste caso a

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sensação de
completude é
evitada para mostrar
que algo foge da
narrativa ou dos
conceitos, ao evitar
a totalidade também
se evita a ilusão de
verdade, o fracasso
aqui é acompanhado
de uma pequena
vitória, que no caso
de Sebald se trata da
narrativa em si, ou
seu incrível esforço
de erudição que não
raramente o leva a
paralisia e exaustão.
Não é à toa que seus
romances parecem
terminar pela
metade, às vezes
com o narrador em
trânsito, no meio de
uma avenida. E que
as histórias narradas
quem pela metade.
Sebald parece se
interessar apenas
por narrar
uma  performance de
alguém que se
arremessa contra
algo impossível: um
imenso muro de
esquecimento.
Ninguém acredita
que ele sozinho irá
quebrar o concreto
com os punhos, mas
assistimos

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inexplicavelmente
apreensivos. Disso a
inevitável sensação
de melancolia. Mas
esse mal-estar talvez
seja o saldo positivo.
Pois como diria
Adorno, que Said
retoma para seu
ensaio “Sobre causas
perdidas”, nenhuma
causa está realmente
perdida desde que o
esforço e o ímpeto
atinja a sua
exaustão: 
"[....] o
pensador crítico
intransigente, que
não sobrescrita sua
consciência  nem se
permite ser
aterrorizado para
entrar em ação, é, na
verdade, alguém que
não desiste. Além
disso, pensar não é
reprodução
espiritual daquilo
que existe. Enquanto
não é interrompido,
o pensamento
mantém um controle
rme da
possibilidade. Sua
qualidade insaciável,

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a resistência a
saciedade trivial,
rejeita a sabedoria
tola da resignação".
(apud  SAID, 2003,
p.299).
  
Ao se manter
rme no fracasso,
intransigente em sua
crítica ao ponto de ir
contra o consenso
de silêncio, abre um
precedente de
insurgência, que
como um foco viral
pode se alastrar
rapidamente. Pois a
narração ou a
cobertura desse
pensamento dará
uma materialidade a
ele, e quando se
juntar aos
escombros, nada
impedirá que alguém
se desprenda do
cortejo que marcha
para o futuro, e na
estranha patologia
de revirar cacos e
ruínas encontre o
pensamento, ainda
vivo.

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Gerciano Maciel
Poeta, ensaísta, contista e
romancista. Formado em Letras e
Direito. Publicou o livro Fábula
dolorosa (2018). e-mail:
gercianomp@hotmail.com

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