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.descolonizar o olhar fotográfico1 .

conforme Grada Kilomba, Narcisista é esta


sociedade branca que inventa identidades-Outras para
esconder sua fragilidade-indentidade e, porque nada veem
além da autoimagem, pouco contemplam para além da
rômulo-silva2 branca-imagem-branca refletida nas relações, nas
instituições, no conhecimento… na fotografia. Uma selfie
.olhar pode ser para alguns um ato “natural”. permanentemente atualizada, retroalimentada pelas
Inicialmente esbarramos em uma questão central: a teleobjetivas, angulares, macro, olho de peixe, olho por
naturalização esmagadora e enclausuradora do olhar. A olho… Por isso pouco veem e pouco sabem.
quem é autorizado direcionar o nervo óptico em sua .a cegueira-inumerável que invisibiliza e, em seu
capacidade de quase 180 graus para frente? Estes reverso permanente, fixa e emoldura o Outro, é um dos
dificilmente tremem ou desviam ao olhar. Aliás, nas cancros coloniais mais dormentes e espetacularizados. O
palavras de Achille Mbembe, “ver não é a mesma coisa que desejo de enclausuramento vem acompanhado pelas
olhar. Podemos olhar sem ver”. Narciso olhava para si diferentes justificativas que transitam entre o “mostrar a
mesmo, contemplava a própria beleza, acreditava-se o realidade” e torná-la “visível”. É, sem dúvidas, uma
ideal, a verdade, a referência, o enquadramento do real e tentação-heroica tornar o Outro existente congelando-o
do Universal. nesta selfie. Nas palavras de Frantz Fanon, “é o racista que
1 cria o inferiorizado”, jamais o contrário! Pois, a experiência
Texto criado e publicado em uma zine-coletiva organizada e composta por
fotografias de coletivos, fotógrafos e fotógrafas das periferias de Fortaleza vivida do Negro será sobretudo dada pelo olhar do branco.
(CE) e lançada e distribuída na Festa do Dia Mundial da Fotografia que O corpo-Outro-marginalizado é “coisificado”, portanto,
aconteceu na Escola Porto Iracema das Artes em 23 de agosto de 2019.
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Rômulo Silva, 32 anos. Morador do Pantanal. Mestre em Sociologia pelo objeto de observação. Paradoxalmente ao ver o corpo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do negro, este se torna invisível.
Ceará (PPGS-UECE) e Bacharel em Comunicação Social, Jornalismo pela
Estácio FIC. Tem interesses nas áreas de Sociologia e Antropologia da .a “descolonização” do olhar começa de dentro para
Literatura, Escrita, Performance e Oralidade; Sociologia da Ação Coletiva e fora. Sair da condição de objeto ou “coisa” observada, olhar
dos Movimentos Contemporâneos de Juventudes; além dos Estudos
Decoloniais, das Subalternidades e da Pós-Colonialidade. Doutorando no no olho do Outro sem tremer é um ato de resistência e
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do cura. Isso demanda um duplo movimento: inventar
Ceará (UECE) e integrante do Núcleo de Estudos sobre Conflitualidade e
Violência (COVIO) da UECE. Trabalhou como Educador Social no CUCA estruturas não somente de fala, mas sobretudo de escuta,
Jangurussu, como Professor no Centro Cultural do Grande Bom Jardim isto é, não somente de visibilidade, mas de criação. Criar é
(CCGBJ) e no Porto Iracema das Artes (Dragão do Mar), foi um dos
diretores da ONG Zinco – Centro de Estudo, Produção e Documentação em re-existir. Inventar estruturas, neste sentido, é romper com
Mídia Alternativa e escreve a zine “Máquina de Escrever”.
a manutenção desta selfie-branquíssima. Interrogar o olhar
branquíssimo do Outro, “mas também olhar para trás, e
para nós mesmos, nomeando o que vemos”, conforme bem
nos lembrou bell hooks. Significa lutar pelo direito de
olhar.
.as fotopoéticas aqui contidas são o exercício
cotidiano de um olhar opositivo, pois descolonizar o olhar
fotográfico é aprender a contemplar de uma forma re-
existente.
Fortaleza, CE | Agosto de 2019

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