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O PENSAMENTO DE RUDOLF ARNHEIM


Curso Online de Cinema - AULA 116

INTRODUÇÃO

Seguindo uma possível linha cronológica dos principais teóricos do cinema (já tivemos uma
aula sobre o pensamento de Hugo Münsterberg - aula 108), vamos examinar o pensamento
de Rudolf Arnheim. Como sua teoria não é simples, focaremos em suas ideias centrais de
forma sintetizada.

BREVE BIOGRAFIA

Rudolf Arnheim foi um autor alemão com formação em psicologia e filosofia que escreveu
principalmente sobre a relação entre a arte e a percepção humana.

Na Alemanha, ele foi aluno de alguns autores que contribuíram para a formação da teoria
da Gestalt, um ramo da psicologia que defende que nossa percepção não é resultado
apenas do que os nossos olhos veem, mas que existem vários processos mentais
envolvendo associações e memórias que nos ajudam a compreender as formas do mundo.

ARNHEIM E MÜNSTERBERG

O pensamento de Arnheim lembra muito o de Münsterberg, principalmente no sentido de


não ser uma teoria realista, mas sim formativa. Uma teoria que não acredita que o cinema é
uma espécie de revelação da realidade, mas sim uma manipulação dela.

O efeito do cinema e da arte em geral, portanto, se daria através de processos de


linguagem que se assemelham a processos mentais.

FILM AS ART

Apesar do cinema não ser a área principal de Arnheim, em 1932 ele lança o livro Film as art
sobre a linguagem cinematográfica a partir da sua teoria sobre a arte. Diferente do livro de
Münsterberg, essa obra foi bem mais relevante em sua época.

Arnheim dá início a sua obra dizendo que irá refutar a ideia que diz que o cinema não pode
ser uma forma de arte porque ele é a reprodução mecânica da realidade, o que era um
pensamento comum nas primeiras décadas de seu surgimento. Ele argumenta que os
elementos da linguagem do cinema não reproduzem a realidade, mas a manipulam.

Para construir este argumento, Arnheim monta um esquema bem interessante:


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Em uma seção de seu livro chamada Film and reality, o autor fala sobre as diferenças da
realidade e do cinema. No mundo real, segundo ele, a percepção do ser humano em
relação à profundidade de campo é uma e no cinema é outra. Na realidade nós vemos em
cores, no cinema em preto e branco. Na realidade, nossa relação com o tempo e espaço é
contínua, no cinema tudo é montado. Ele descreve essas e outras diferenças entre a
realidade e o cinema.

Em outra seção chamada The making of a film, Arnheim aponta os mesmos elementos já
citados e mostra como eles são usados de modo artístico pelo cinema. Se na realidade a
percepção do olho humano sobre a profundidade é diferente, o cinema se apropria de tal
diferença de forma expressiva. Se nosso olho enxerga em cores, o cinema se apropria do
preto e branco para remodelar essa percepção. Para cada limitação da nossa assimilação
natural, existe um ganho de percepção estética da qual o cinema se aproveita.

Do mesmo modo que, segundo a teoria da Gestalt, nós reinterpretamos o mundo através
dos padrões do nosso entendimento, a linguagem do cinema também apresenta um mundo
de novos padrões de assimilação.

A PROFUNDIDADE DA IMAGEM

Na vida real, quando vemos dois objetos separados por uma determinada distância, nós
percebemos esse espaço através da nossa visão tridimensional.

Como a imagem do cinema simula uma percepção tridimensional, a disposição desses


objetos pode gerar algumas distorções que serão, no entanto, aproveitadas de modo
artístico.

O objetivo é transformar uma limitação da percepção natural em um ganho visual. Essa é a


chave da teoria de Arnheim.

CORES E LUZ

Quando Arnheim escreveu seu livro, o cinema era apenas em preto e branco, fato que o
teórico reconhece como algo que o distancia da realidade.

Sendo assim, além de o cinema não captar as cores, a câmera pode não captar muito bem
nem o brilho de certas tonalidades (o vermelho, por exemplo, pode ficar muito claro ou
muito escuro dependendo do tipo de revelação da película). Porém, através do uso do preto
e branco e de suas graduações, o cineasta pode criar imagens mais expressivas usando luz
e sombras.

É por isso que a cor e a luz são mais dois elementos que, na tradução para a câmera, criam
ganhos de percepção estética, porque podem ser manipulados. Alguns efeitos expressivos
nunca poderiam ser atingidos com cores realistas que, segundo Arnheim, iriam estragar o
cinema. Para ele, um filme colorido seria muito óbvio e não possuiria a elegância do irreal
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do preto e branco. Ele rejeita, portanto, qualquer coisa que envolva uma representação
mais realista.

ENQUADRAMENTO

Nossa visão também não possui um enquadramento definido. Ela é contínua e ampla, ou
seja, nós não enxergamos o espaço de forma decupada como em um filme. No cinema, é
preciso limitar o olhar numa composição. Essa possibilidade é uma outra vantagem estética.

Segundo Arnheim, a limitação do olhar no cinema torna mais fácil para o cineasta deixar os
elementos do plano em equilíbrio. Inclusive, ele se opõe às telas mais estreitas
(widescreen). Ele diz que a tentação de aumentar a tela acompanha a tentação de fazer um
filme em cores, o que afastaria o cinema da arte.

Sobre essa questão do enquadramento, o autor cita alguns exemplos, como o filme O
Homem das Novidades (Edward Sedgwick, Buster Keaton, 1928), em que, em um plano
aparentemente vazio, a câmera se movimenta para mostrar Keaton sentado em um canto,
esperando, o que dá a impressão de que ele estava ali há muito tempo.

Em The Docks of New York (Josef von Sternberg, 1928) há um plano que mostra o reflexo
na água de uma mulher ao lado de um barco. De repente, ela pula e não a vemos mais.
Com esse enquadramento na água, o diretor conseguiu dar um efeito dramático muito mais
interessante.

The Docks of New York (Josef von Sternberg, 1928)


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Close

Arnheim também comenta sobre o close que, para ele, é um grande recurso irreal do
cinema. Um elemento que pode ampliar uma coisa que, na realidade, é apenas um detalhe.
Além de ser um recurso utilizado para revelar novas situações dramáticas de modo gradual.

Nesse caso, ele cita o exemplo de uma cena de Diário de uma Garota Perdida (Georg
Wilhelm Pabst, 1929), em que um reformatório é apresentado através dos closes de uma
inspetora no momento da refeição das garotas. O trabalho mostra pedaços dessa inspetora
até entendermos melhor o que se passa naquela cena.

TEMPO E ESPAÇO

Outra diferença comentada é a que existe entre o tempo e o espaço na realidade e no


cinema. Na realidade, se você quer sair do seu quarto e ir até a rua, é necessário tempo até
você sair de casa, passar pela calçada e chegar a seu destino. O cinema pode
magicamente cortar para um plano em que você vai direto do quarto para a rua, e não é
preciso nem mesmo existir uma linearidade.

O fato dos espectadores considerarem a montagem e a decupagem como algo natural


provaria a natureza irreal do cinema. Arnheim argumenta que uma sequência normal de
saltos no espaço e no tempo em um filme raramente é sentida como algo arbitrário.

Ele também afirma que o que torna a montagem possível é o fato de que cada plano possui
uma perspectiva limitada.

SENTIDOS PARA ALÉM DA VISÃO

Mais para o final do livro, o autor fala sobre como a ausência dos outros sentidos para além
da visão também impossibilita a mediação pura da realidade.

Detalhes como a ausência da força da gravidade em um plano filmado com um ângulo


voltado para cima e até a falta de percepção de equilíbrio tornam a experiência do cinema
positivamente irreal.

O SOM

Arnheim também se posiciona contra o som (filmes falados). Para ele, quando um ator fala,
todas as suas expressões e linguagem corporal se tornam muito secundárias e tudo fica
muito literal. O valor artístico das expressões faciais é perdido com o cinema falado.

ARNHEIM X BASIN
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Algo que reforça ainda mais a tendência anti-baziniana da teoria do autor, é que Arnheim
vai se posicionar sempre contra o que o Basin viria a chamar de “cinema total”. No livro ele
cita algo como “filme completo”, que seria um filme em widescreen, falado e colorido, com
um avanço tecnológico que o faz se aproximar mais da realidade, ou seja, um filme que
renuncia a toda a ilusão artística do cinema.

Segundo Bazin, o cinema vai evoluir naturalmente para a busca cada vez maior da
realidade, embora jamais vá registrá-la, capturando somente a aparência do real. Para
Bazin, a natureza da linguagem é realista, mas Arnheim discorda, indo para o sentido
totalmente oposto. Para ele, a natureza da linguagem do cinema é ilusionista.

CONCLUSÃO

Como diz Dudley Andrew, a teoria de Arnheim é uma teoria negativa, baseada na
supressão, ou seja, deve-se suprimir o processo do cinema da representação em favor do
processo artístico da expressão.

O autor não consegue ver como as duas coisas podem trabalhar juntas porque, segundo
ele, para o cinema desenvolver seu lado artístico, ele deve necessariamente rejeitar seu
lado realista.

Portanto, para Arnheim, o cinema atingiu seu ápice nos anos 20 e, depois disso, com o
advento do som, jogou fora a sua forma ideal, porque passa a se aproximar demais da
realidade.

FILMES CITADOS

Velho e Novo (1929) - Grigoriy Aleksandrov, Sergei Eisenstein


Docas de Nova York (1928) - Josef von Sternberg
O Fim de São Petersburgo (1927) - Vsevolod Pudovkin, Mikhail Doller
O Homem das Novidades (1928) - Edward Sedgwick, Buster Keaton
The Docks of New York (1928) - Josef von Sternberg
Diário de uma Garota Perdida (1929) - Georg Wilhelm Pabst
A Mãe (1936) - Vsevolod Pudovkin

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