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INTRODUÇÃO
Na aula 181 nós usamos o texto “Paradoxos da arte política", de Jacques Rancière, para
pensar sobre algumas definições de arte e política.
Agora, iremos partir dessas reflexões para pensar sobre a relação entre o cinema e a
política. Iremos pensar, principalmente, sobre como aspectos da forma do cinema podem
dialogar com um aspecto político.
UM MODELO MODERNO
Eu acredito que o cinema moderno, a partir dos anos 30 e anos 40, apresenta alguns
modelos de subversão, apresenta formas de tratar a linguagem de modo mais político e
contestador. Essas formas são utilizadas até os dias de hoje e, em vários casos, não foram
renovadas.
Essa forma de subversão foi, em grande parte, o advento do realismo. Tanto uma forma
realista de se fazer cinema a partir do neorrealismo italiano e de outros contextos, como
também de um pensamento realista a partir de André Bazin.
O realismo dos movimentos modernos e até mesmo a forma como eles desconstroem a
linguagem se transforma na base de um cinema político a partir de então.
O problema surge quando esse realismo não busca uma renovação ou não está submisso a
um olhar particular do cineasta. Muito de um cinema político ultrapassado trabalha com o
realismo de modo genérico ou até apelativo.
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Entretanto, o longa faz isso de modo bastante apelativo quando mostra aspectos urgentes
desse tema em um tom distante. É como se a câmera não estivesse interessada naquela
realidade, mas apenas em captar imagens chocantes e exóticas de uma distância segura.
Esse filme foi bastante criticado por ter esse tom apelativo e exótico. Alguns críticos
colombianos até passam a usar o termo “pornô-miséria” para falar de filmes que tratam a
miséria como um espetáculo.
UM REALISMO ESTILIZADO
Seja por um realismo mais cru e apelativo que usa a câmera na mão apenas para passar
uma sensação realista de modo mais artificial. Ou, ainda, seja uma por uma estilização
publicitária dos elementos em cena.
Em algumas aulas passadas, falamos sobre a cosmética da fome. Um termo pensado por
Ivana Bentes que critica alguns filmes brasileiros da retomada que tratam de temas sociais
assim como os filmes brasileiros dos anos 60, mas que fazem isso a partir de uma
estilização vazia.
Isso não se adequa a todos os filmes dessa fase ou desses cineastas, o próprio Central do
Brasil (1998) vai usar do seu drama e até da sua vocação para um cinema mais clássico
para construir um retrato delicado e específico da realidade que retrata.
Para usarmos um termo parecido com o de Jacques Rancière, podemos chamar esse
realismo que depende muito da representação do seu tema de um realismo ficcional.
Seriam trabalhos que geram os seus efeitos políticos através de uma representação mais
tradicional do seu tema e não tanto através de uma subversão direta da forma
Ainda assim, existem bons exemplos dentro disso. O cinema dos irmãos Dardenne e o
longa Parasita (2019) lidam bem com essas dinâmicas.
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Se de um lado temos esse cinema político ficcional que depende diretamente de uma
representação mais tradicional e realista de seu tema. O que teríamos do outro lado?
Rancière, em seu artigo, fala sobre uma certa lógica da experiência em obras de arte
política. Uma lógica que iria priorizar uma experiência estética e não tanto uma experiência
de representação. Podemos fazer o mesmo paralelo no cinema.
Pedro Costa é um cineasta português que, em alguns dos seus filmes, mostra imigrantes de
Cabo Verde que vivem em uma situação de fragilidade em Lisboa. Mas diferente dos
cineastas de olhar mais publicitário, Costa tem um método bem específico.
Ele enquadra tudo de modo rigoroso e até mais plástico, usa o contraste e as áreas escuras
pra deixar os planos parecidos com pinturas. Além disso, lida tanto com ações mais
espontâneas dos personagens, como também com ações mais rigorosas e bressonianas.
O cineasta não apenas registra a realidade. Ele media tudo através de uma forma estética
própria. Rancière fala que Costa está mais interessado nessa arte política de uma
experiência estética do que em uma arte política que vá explicar o seu tema.
Ele não deseja representar aquela realidade fielmente, ele sempre media isso por esse
rigor da câmera justamente porque reconhece a impossibilidade do cinema em construir um
registro genuíno. O cineasta assume essa “superfície” e traduz a experiência daqueles
personagens em uma outra figura poética.
Wang Bing é um cineasta chinês que faz documentários que partem de registros muito
diretos de pessoas ou de situações. Ele expressa ideias políticas não através de uma
explicação dessas situações, mas através da experiência cotidiana que os filmes
apresentam.
Um dos seus melhores filmes é o seu longa de estreia, A Oeste dos Trilhos (2003). O
trabalho mostra vários aspectos da decadência de um polo industrial na China.
Ele registra tanto os trabalhadores como também os moradores desse pólo sem nunca
evidenciar muito o seu tema. O tema fica implícito nos acontecimentos do cotidiano das
pessoas, em como as pessoas vivem as suas vidas, como elas comem, como elas se
vestem e sobre o que elas conversam.
Wang Bing consegue captar uma intimidade desses entornos. Ele consegue captar as
pessoas desarmadas pelo modo como sua câmera integra os ambientes de modo natural.
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Ainda assim, ele não vai registrar aquilo com toda a fidelidade possível. Ele vai se limitar a
essa, digamos, superficialidade de uma experiência cotidiana das pessoas.
Esses trabalhos políticos me soam mais autênticos porque são obras que respeitam uma
certa distância. Não digo uma distância “física”, mas uma distância no sentido de não tentar
explicar tudo o que se mostra e evidenciar aquilo de modo indireto.
Pedro Costa e Wang Bing evidenciam os seus temas a partir de uma vivência das pessoas
e situações que mostram.
Esse respeito a uma outra realidade é essencial, já que a câmera, querendo ou não, terá as
suas limitações. O cineasta, na maioria dos casos, será um agente estranho ali. Sendo
assim, ele trabalha com as limitações dessa “superficialidade” que consegue captar.
CONCLUSÃO
Uma forma política de cinema é uma abordagem que se utiliza das possibilidades da
linguagem audiovisual, e não só das possibilidades de narração, para refletir sobre um
tema.
O que define a potência dos filmes de Wang Bing e Pedro Costa são as suas escolhas de
linguagem. Costa busca um rigor que concebe novas figuras poéticas a partir da realidade
que evidencia, enquanto que Bing se foca em um registro mais direto e minucioso do
cotidiano.
ARTIGO CITADO
FILMES CITADOS