Você está na página 1de 4

CURSO ONLINE DE CINEMA - MATERIAL EXCLUSIVO

cursodecinema.com.br

PARADOXOS DA ARTE POLÍTICA


Curso Online de Cinema - AULA 181

INTRODUÇÃO

Nessa aula, iremos partir de um texto de Jacques Rancière, intitulado Paradoxos da arte
política, para começarmos a pensar sobre a relação entre arte e política,
consequentemente sobre a relação entre cinema e política.

De algum modo, já tratamos sobre aspectos de filmes políticos quando comentamos sobre
filmes modernos. E, pensando por um lado mais abrangente, falar de arte é falar de política.

Entretanto, ainda não temos uma aula focada apenas nesse tema. Nessa aula, eu irei
apresentar algumas definições a partir do texto e das referências de Rancière e, em uma
próxima, irei analisar diretamente alguns filmes a partir dessas ideias.

DEFINIÇÃO DE ARTE POLÍTICA

No começo do texto, o autor traz uma definição bem básica do que é arte política. Ele diz:

“A arte é considerada política porque mostra os estigmas da dominação, porque ridiculariza


os ícones reinantes ou porque sai de seus lugares próprios para transformar-se em prática
social.”

Se pensarmos nos trabalhos de Banksy, ele faz uma arte política bastante didática em um
sentido mais ilustrativo dessa definição. Ele ridiculariza e critica o capitalismo, a dominação
norte-americana. Ele pega ícones culturais e relocaliza esses ícones para gerar essas
críticas.

Já um artista como Artur Barrio produz uma arte política que vai para um lado oposto.
É uma arte anti-estética que se baseia em materiais muito efémeros ou até mesmo
orgânicos para falar sobre uma degradação da produção artística no terceiro mundo.

Essa arte pode ser política, também, porque sai do seu lugar próprio e se transforma em
uma prática social. A arte como prática social pode ser pensada como uma iniciativa que
leva arte para pessoas que não tem acesso a ela, ou através de uma prática direta em que
a obra se apresenta como uma ação social.

MODELOS ULTRAPASSADOS

Na visão de Rancière, os modelos de subversão da arte foram pouco renovados. Umas das
grandes críticas que o texto traz é quando diz que os artistas sempre querem situar as suas
práticas em um contexto novo, mas continuam validando um modelo de eficácia de arte
política de séculos atrás.
CURSO ONLINE DE CINEMA - MATERIAL EXCLUSIVO
cursodecinema.com.br

Os temas mudam, mas as formas são as mesmas. Esse é um paradoxo apontado pelo
autor.

A CONTESTAÇÃO DE UM MODELO MIMÉTICO

Essa forma de arte política que busca uma vivência maior que irá afetar o mundo para além
da arte parte, segundo Rancière, de uma tendência que surgiu na europa no século 18
quando um modelo de representação mimética foi contestado.

Um modelo teatral clássico que supõe uma relação de continuidade entre as formas
sensíveis da arte e o modo que o espectador é afetado por isso.

Segundo Rancière, esse modelo foi contestado a partir de uma demanda mais política
por Jean-Jacques Rousseau em seu ensaio Carta a D'Alembert sobre os Espetáculos.

Rousseau demanda uma posição “política” mais evidente do teatro, demanda um laço
entre a representação do espetáculo e a resposta ética dos espectadores.

Ao questionar isso, segundo Rancière, Rousseau coloca em xeque essa eficácia da arte
porque opõe ao teatro uma arte sem representação. Uma arte que não separa a cena da
ação política.

Rousseau substitui a duvidosa pretensão da representação teatral que corrige costumes


por um modelo arquiético. Arquiético no sentido de que os pensamentos não são objeto de
lições dadas pelos personagens, mas estão diretamente encarnados em costumes, em
modos de ser da comunidade.

No artigo, Rancière dá exemplos de uma arte política que prioriza uma experiência estética
ao invés de uma experiência de representação.

ARTE POLÍTICA COMO UMA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

O autor fala, por exemplo, do texto Le travail à la journée, de Louis Gabriel Gauny, sobre
um marceneiro que estava trabalhando em um casa e, em um certo momento, olha pela
janela e se aproveita daquele aposento como se fosse dele.

Esse é um exemplo de uma experiência estética política porque isso gera uma
possibilidade do trabalhador se dissociar dessas maneiras de ser do trabalho.

Rancière também cita o projeto Je et Nous que, em um subúrbio violento de Paris, construiu
um local protegido para que as pessoas pudessem ficar sozinhas. O ato de contemplar a
própria solidão, naquele contexto, é uma vivência quase impossível. A ação artística era
propor essa possibilidade.
CURSO ONLINE DE CINEMA - MATERIAL EXCLUSIVO
cursodecinema.com.br

UMA POLÍTICA DA ARTE QUE PRECEDE A POLÍTICA DOS ARTISTAS

Rancière vai defender uma política da arte que precede as políticas dos artistas. Uma
política da arte como recorte singular dos objetos da experiência comum que funciona por si
mesma.

A partir dessas ideias, ele também define algumas lógicas de arte política. Existe a lógica da
experiência, uma lógica que produz efeitos pela suspensão da representação tradicional.
Existe a lógica ficcional, a lógica que quer produzir efeitos pela representação.

E também existe uma lógica ética que quer que as formas da arte e as formas da política se
identifiquem mais diretamente.

O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Em relação ao contexto contemporâneo, Rancière diz que essa arte crítica era mais forte
quando existia uma relação dissensual da arte com o mundo. Hoje, com governos que
concordam (ou fingem concordar) com as ideias do artista, existe uma relação mais
consensual.

Nessas condições, o choque crítico das obras perde um pouco de força. Até porque,
segundo ele, as estratégias de uma arte crítica atual não variam há décadas..

Rancière vai criticar uma arte política ilustrativa. Uma arte que se reduz a paródias, a
elementos da cultura de massa desvirtuados, a personagens da Disney transformados em
perversos polimorfos.

A ELIMINAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ESPECTADORA

Uma das soluções que o autor apresenta para esse cenário seria a eliminação de uma certa
consciência espectadora. Isso significa eliminar uma noção da arte como produto para
espectadores. Nesse caso, os dispositivos da arte se apresentam diretamente como
propostas de relações sociais.

Nesse ponto, Rancière também cita as ideias de uma estética relacional de Nicolas
Bourriaud.

DAMMI I COLORI (2003) - Anri Sala

Um outro exemplo interessante que o autor dá de uma arte política que se confunde como
ação social e, nesse caso, funciona como crítica a isso, é um vídeo do artista albanês Anri
Sala.
CURSO ONLINE DE CINEMA - MATERIAL EXCLUSIVO
cursodecinema.com.br

Neste trabalho, o artista registra o momento em que o prefeito de Tirana mandou pintar os
prédios da cidade para que o local causasse uma impressão visual mais viva e também
criasse um senso estético de apropriação coletiva em relação ao espaço da cidade.

Porém, quando vemos as imagens dos prédios coloridos, também percebemos um aspecto
muito precário da cidade. Tirana é uma das capitais mais pobres da europa, existem vários
outros problemas muito mais essenciais nesse lugar

O vídeo, de algum modo, expõe esse contraste entre um pseudo discurso artístico do
prefeito e a realidade concreta das ruas. O prefeito quer construir um projeto de arte mais
abrangente e relacional, mas deixa de lado aspectos básicos de uma política pública..

CONCLUSÃO

Jacques Rancière, ao defender experiências estéticas que funcionam como propostas de


relações sociais, questiona tanto as modalidades de uma arte política contemporânea como
também o lugar do espectador nesse contexto.

ARTIGO CITADO

Paradoxos da arte política (do livro O espectador emancipado) - Jacques Rancière,

FILMES CITADOS

Dammi i Colori (2003) - Anri Sala

Você também pode gostar