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FACULDADE LUCIANO FEIJÃO

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO

MANOEL VIEIRA ARAÚJO NETO

RESENHA CRÍTICA
“DOCUMENTÁRIO MENINO 23 - INFÂNCIAS PERDIDAS NO BRASIL”

ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS E SOCIOLÓGICOS


PROF.ª ME. ALANA ARAGÃO

SOBRAL
2023
O historiador Sydney Aguilar dava aulas sobre nazismo alemão para uma turma de
ensino médio em 1998, quando uma de suas alunas relatou que havia grandes quantidades de
tijolos estampados com a suástica, o símbolo nazista, na fazenda de sua família. Tal
informação despertou a curiosidade do historiador que se propôs a pesquisar sobre que
eventos poderiam ter ocorrido naquela região. Pouco a pouco Sidney avançou com a sua
investigação, que revelou que, além de fatos, também havia vítimas.

"Menino 23" é um documentário brasileiro dirigido por Belisario Franca lançado em


2016 que investiga a história de 50 crianças negras que foram escravizadas e exploradas
como mão-de-obra na fazenda Santa Albertina de Osvaldo Rocha Miranda em Campina do
Monte Alegre, interior de São Paulo, por empresários ligados ao pensamento eugenista (
integralistas e nazistas), nos anos 1930. O filme se concentra na história de um dos garotos,
conhecido como "Menino 23", Sr. Aloísio, que foi adotado por uma família que o obrigou a
trabalhar como escravo em sua propriedade. O documentário utiliza imagens de arquivo,
depoimentos de familiares das crianças e de especialistas para mostrar como a escravidão foi
praticada no Brasil até meados do século XX e como as consequências dessas práticas ainda
afetam a sociedade brasileira hoje em dia.

O documentário é dividido em vários segmentos que constituem a sua estruturação


com o objetivo de organizar de forma clara e direta as temáticas e os acontecimentos
abordados. Logo na abertura o documentário traz imagens aéreas da fazenda que foi cenário
para os trabalhos forçados, enquanto nos é narrada brevemente sobre a história. Ele se utiliza
de entrevistas com pessoas que foram importantes para a descoberta do que havia ocorrido na
região em 1930, como o próprio Sidney Aguilar Filho, para relatar seu ponto de vista e
contribuir para o desenvolvimento do documentário.

A narrativa usa reconstituições dramatizadas para mostrar como os meninos foram


levados à fazenda e apresentados aos trabalhos que então iriam exercer, dessa forma
aproximando o espectador da história e trazendo mais contribuições para que fosse possível
entender os eventos que embasaram a produção. Os depoimentos de descendentes dos
meninos que foram escravizados mostram como a história afetou a vida não só dos próprios
meninos, mas também das pessoas envolvidas e dos que vieram a ser seus descendentes. O
documentário apresenta mais entrevistas com especialistas, como o antropólogo Kabengele
Munanga, que associa a história ao contexto social e histórico do Brasil.

O trabalho desenvolvido por Sidney, bem como toda a produção do documentário,


busca mostrar ao espectador os envolvimentos, até então reprimidos, entre as elites brasileiras
e crenças nazistas, refletidos em um projeto eugênico implementado no Brasil. Tendo em
vista o contexto social da época e a forma precária como toda a população negra era vista e
tratada, nos faz “compreender” os motivos pelo qual crianças serem retiradas de um orfanato
no Rio de Janeiro e postas para trabalhar de forma exacerbada não era visto como algo
negativo ou até mesmo prejudicial, pela sociedade branca brasileira. Aloísio Silva, lembra a
terrível experiência que escravizou os meninos ao ponto de privá-los do uso de seus nomes,
transformando-o no “23”.
Em entrevista seu Aloísio relata que foram levados do orfanato sob o falso pretexto de
que seriam direcionados para um local onde estudariam, brincariam, e aprenderiam sobre a
importância do trabalho. Porém, este lugar que educa e permite o lazer não durou mais do que
um ano. Depois disso, as crianças foram apenas escravizadas para prestar trabalhos à família
nazista dos Rocha Miranda.
À vista disso Sidney e outros historiadores e especialistas, que se introduziram no
estudo e desenvolvimento do caso, destrincharam os contextos históricos, políticos e sociais
do Brasil no período dos anos 20 e 30, explicando assim, como seria possível um país com
tamanha diversidade étnica como o Brasil adotar e pôr em prática as teorias de eugenia e
pureza racial, de modo a chegar a incluí-las em sua Constituição de 1934. Dessa forma a
eugenia na época era então um “dever constitucional” do Estado brasileiro, onde pregava que
o homem branco era superior e do homem negro que era trabalhador braçal, logo inferior.
Esse era o ensinamento que era passado às crianças negras e brancas, para que, desde sempre,
aquelas se sentissem inferiores a estas.
O desenvolver da análise culmina com a descoberta outro então sobrevivente do
projeto nazista na fazenda Santa Albertina, seu Argemiro. Sua trajetória reforça ainda mais
como os conceitos de “supremacia branca” e as tentativas de “branqueamento da população”
marcaram nossa sociedade deixando sequelas devastadoras e por muitas vezes irreparáveis
até os dias de hoje. Sendo o racismo e ainda mais a negação de sua existência, as mais
pertinentes.
Mesmo tendo se passado tanto tempo desde os acontecimentos retratados no
documentário, a presença de atos de tentativa de rebaixamento da população negra ainda são
fortes na nossa sociedade, o que nos faz refletir que não há tanto distanciamento entre as
elites brasileiras de 1930 e as atuais. Diante disso entende-se que o Brasil como um país
historicamente racista é composto por uma parcela enorme da população que flerta com os
ideais nazistas, fascistas e de supremacia racial, e, portanto, está avesso a políticas públicas
que garantem mínimos direitos à população negra.
Esta produção é uma importante contribuição para o debate sobre a escravidão no
Brasil e ajuda a conscientizar o público sobre um período sombrio da história do país que
ainda é pouco conhecido e compreendido.
O documentário conclui com uma reflexão sobre a importância de preservar a
memória histórica e combater o racismo e a discriminação apresentando uma narrativa
emocionante sobre a luta contra a injustiça e a violência, que inspira a reflexão e o debate
sobre os problemas sociais do Brasil.

(Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, BRA, 2016)


Documentário| Direção: Belisário Franca | Roteiro: Belisario Franca, Bianca Lenti

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