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na Educação
Introdução
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A Cia de Jesus, órgão da Igreja Católica, mantém um projeto de Educação Popular Integral,
chamado Fé e Alegria. Desde 1981, Fé e Alegria Brasil ampliou seu trabalho e atende,
atualmente, mais de 13 mil pessoas, entre crianças, jovens e adultos, em 20 cidades de 14
estados. No mundo, são 1,5 milhões de pessoas, em 21 países da América Latina, Europa e
África, em cerca de 4.000 centros educativos e sociais, em 3.000 pontos geográficos.
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uma forma de pensar, educar e formar pessoas tendo como centralidade apenas uma
visão de mundo, e neste caso a visão eurocêntrica.
Acredito que se referir ao modo de produção e reprodução de conhecimento dos
indígenas como “tradição” não é necessariamente o mais adequado por não considerar
a ideia de saberes que se vivenciam e de “memória viva”, conceito citado por Jerá
Guarani, professora e uma das lideranças da aldeia tekoa Kalipety, em São Paulo 3.
Para essa discussão, acho importante pontuar os motivos dessa minha indagação,
baseada em “A invenção das Tradições” (1983), onde a ideia de tradição está
diretamente ligada a um passado, Hobsbawm propõe classificar as tradições em três
categorias superpostas, que são: a) as que estabelecem ou simbolizam a coesão social
ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) as
que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de autoridade e c)
aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de ideias, sistemas de
valores e padrões de comportamento.
Tendo isso em mente, acredito que a categoria mais adequada seria a c), mas
deixo em aberto para a realização de uma futura pesquisa e conversas, que acredito
serem necessárias para compreender qual a visão de povos indígenas sobre essa
questão. Minha hipótese é que há uma contradição e talvez uma facilitação do discurso
ao usarmos nossos termos para descrever relações que são diferentes das nossas e
talvez não tenhamos vocabulário para expressá-las.
A discussão de Ecléa Bosi em “O tempo vivo da memória” nos traz reflexões
importantes sobre como a “memória oral” é um instrumento essencial para
compreendermos e notarmos a sensibilidade e as subjetividades daqueles que contam
suas histórias. “A fonte oral sugere mais que afirma, caminha em curvas e desvios
obrigando a uma interpretação sutil e rigorosa” (BOSI, 2006. p 20).
A autora nos mostra que a ideia que está estabelecida na nossa sociedade é a
de uma narrativa coletiva, criada por um grupo específico e disseminada como legítima
e verdadeira, que coloca como inválidas ou menos importantes aquelas que estão fora
da considerada oficial. Ecléa nos traz um ponto muito importante para a discussão que
proponho que é o esquecimento. Quais são as histórias que escolhemos não contar?
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Durante o curso de pós-graduação citado anteriormente, no dia 29 de junho de 2019, fizemos
uma visita à aldeia tekoa Kalipety e fomos recepcionados por Jerá Guarani. Nesta visita, entre
outras atividades, Jerá nos recebeu na casa de rezas da aldeia e lá nos contou sua trajetória
como mulher indígena, educadora e militante. Sua fala foi um dos fatores que me motivaram a
pensar este trabalho.
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Fala realizada no dia 29 de junho de 2019, no encontro citado anteriormente.
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O conceito “Giro decolonial” foi cunhado por Nelson Maldonado-Torres em 2005 e se baseia
em um movimento de resistência, como um terceiro elemento, que se contrapõe à dualidade
modernidade/colonialidade.
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Para além disso, Boaventura discorre sobre os contratos sociais dos séculos
XVII e XVIII, concepções que silenciam diversas questões humanas e cria categorias
problemáticas como “homem metropolitano” e “estado de natureza”, colocando nesta
segunda categoria tudo que é deplorável na humanidade e criando uma linha abissal,
aqueles que fazem parte do estado de natureza são condenados a nunca escapar
dessa condição por via da criação de uma sociedade civil.
A partir de Simas e Rufino, com “A ciência encantada das macumbas” e
“Pedagogia das encruzilhadas”, podemos abordar a ideia de como o pensamento
ocidental e colonizador se estrutura no racismo epistêmico, a partir de um projeto de
morte e de precarização de potências de qualquer epistemologia e de formas de viver
que não estejam “deste lado da linha”. Os autores nos apresentam uma nova
possibilidade conceitual, neste caso através da macumba. Esta possibilidade
epistemológica, pode nos ajudar a dialogar com as mais diversas cosmologias que
também existem nas frestas e nos vazios deixados pela colonização, já que estas
visões de mundo não pensam na eliminação e no extermínio epistemológico, pelo
contrário, elas promovem a coexistência, valorização dos sujeitos e suas
ancestralidades.
Considero essas reflexões relevantes pois meu ponto é discutir sobre como a
formação da identidade “do outro lado da linha”, a partir de epistemologias que são
desvalorizadas e constantemente sofrem com seu apagamento na nossa sociedade,
tem resistido através de diversas formas, seja da contação de histórias, mitos,
alimentação (como é o caso dos Guarani em São Paulo) e também pela educação
formal ocidental. Uma questão que me faz pensar sobre esse tema foi uma afirmação
absurda do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em que ele diz que “os indígenas
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querem ser o que nós somos e querem ter o que nós temos”6, tirando dessa população
a validação da afirmação de identidade e indicando que esses povos, para ter acesso
“ao que nós temos”, devem deixar de “ser o que são”.
Considero importante discutir essa afirmação ao abordar esse tema pois isso é
muito comum no imaginário brasileiro, o que gera ainda mais preconceito e exclusão
por não considerarmos a importância da conservação da cultura indígena através da
oralidade e da vivência, tentando incluí-los na nossa sociedade fazendo-os se separar
de quem são e de sua origem.
Uma questão a se apontar é a ideia da tutela do indígena pelo homem branco e
como isso gera uma ideologia que prega que os povos indígenas precisam de auxílio
para se organizarem enquanto sociedade, ignorando suas instituições políticas
originárias.
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Fala do dia 17 de dezembro de 2018. Fonte:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/12/19/As-falas-de-Bolsonaro-sobre-
ind%C3%ADgenas.-E-o-que-ele-pode-fazer. (Acesso em 24/03/2020). No link
https://survivalbrasil.org/artigos/3543-Bolsonaro é possível encontrar outras falas racistas de Jair
Bolsonaro em relação aos povos indígenas brasileiros.
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Fonte: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=neGVl
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A instituição das Letras como área de conhecimento.
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A partir de documentos encontrados no portal do MEC, podemos ver quais são as definições e
orientações para a educação que engloba a pluralidade cultural, tendo o bilinguismo como um
dos focos. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf ,
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=636-vol-28-
educdiv-elet-pdf&category_slug=documentos-pdf&Itemid=30192
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Um dos pontos mais importantes levantados a partir de toda a reflexão feita até
aqui é a compreensão de que a valorização da memória, da tradição e da história em si
não representa estagnação ou atraso. A tradição, por ser viva, é um símbolo da
atualização e da dinâmica cultural, porém não podemos desconsiderar o que se
mantém e o porquê destas determinadas permanências. Compreender tradição como
dinâmica e movência é também considerar tudo que se movimenta, mas não é apagado
ou esquecido, mas sim ressignificado nas suas mais diversas potências. É importante
pontuar que a tradição é essencial para o senso de comunidade e ancestralidade,
sendo parte fundante das organizações sociais.
Considerações finais
Referências
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São Paulo, Autonomia Literária, Elefante, 2016
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HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. 6. ed. Rio de
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