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A Revista Café com Paulo Freire entra em seu 2º ano de vida. Em 2021,
publicamos dois volumes em meses muito próximos (setembro e dezembro),
pois assumimos este compromisso com a direção do Unicesp. No entanto, deste
ano em diante, os meses eleitos são maio e setembro. O primeiro, mês da morte
do educador (02/05/1997); o segundo, mês de seu nascimento – 101 anos
(10/09/1921).
Neste mês dedicamos a Revista aos seus 25 anos de morte, com muita
saudade do seu tom de voz, da sua postura amorosa e humilde, dos seus
ensinamentos, com a certeza de que a Rede Internacional Café com Paulo Freire
tem procurado fazer jus ao legado que nos deixou, não como modelo a ser
seguido, mas, e sobretudo, com referência teórico-prática capaz de nos ajudar a
“pensar certo”, com os pés e corações fincados na realidade do Brasil.
No final de 2021 realizamos uma avalição sobre os processos vivenciados
para a produção/elaboração/revisão das duas revistas, em especial sobre a
repercussão junto aos Cafés Locais, e uma ideia ficou explicitada no CPP: A
Revista do Café tem representado nossas práxis, nossa identidade político-
pedagógico, e até mesmo os afetos e vínculos que estabelecemos em tempos
de distanciamento social decorrentes da pandemia da Covid-19.
O Conselho Político-pedagógico (CPP) é organizado pela representação
dos Núcleos de Café Local que assumem a tarefa de proceder a análise política
e pedagógica dos materiais que comporão cada volume. Esta etapa tem uma
duração de mais ou menos 2 meses e a leitura se dá em duplas. A seguir,
enviamos para revisão final, com capacidade técnica de adequar os textos às
normas da ABNT, sendo que este trabalho também é feito por um membro do
Café da PUC RJ. Boa leitura! Contatem conosco.
E-mail: cafecompaulofreire@gmail.com
Abaixo, compartilhamos a composição do Conselho Político-pedagógico
da Revista 3.
Equipe de trabalho
Marlene Monteiro Pereira Café com Paulo Freire ICESP
Editora-chefe Professora Marluce Freire (DF)
Liana Borges Café com Paulo Freire Centro
Coordenação e Curadoria Histórico/Porto Alegre (RS)
Nacional
Priscilla Bibiano de Oliveira Café com Paulo Freire Varginha
Mendonça (MG)
Coordenação e Curadoria
Nacional
Carlos Oliveira Café com Paulo Freire PUC-Rio
Revisão (RJ)
Fernanda Poletto Café com Paulo Freire Centro
Tradução Histórico/Porto Alegre (RS)
Curadoria Nacional
Ana Paula Fraga Bolfe Café com Paulo Freire Campinas
(SP)
:Bruno Gabriel Gomes Café com Paulo Freire IFRS de
Alvorada (RS)
Dulce Angela Salviano da Silva Café com Paulo Freire RPE (RS)
Edite Maria da Silva de Faria Café com Paulo Freire Bahia (BA)
CPP
Bia Soares Mazuim - Curadoria Café com Paulo Freire Cachoeira
Nacional do Sul/Novo Cabrais (RS)
Camila Alexandrini Café com Paulo Freire Fora da
Asa/Porto Alegre (RS)
Cláudia Borges Costa Café com Paulo Freire Goiano
(GO)
Deyse Karla de Oliveira Martins - Café com Paulo Freire RN (RN)
Curadoria Nacional
Elisete Enir Bernardi Garcia Café com Paulo Freire Litoral
Norte (RS)
Elza Falkembach Café com Paulo Freire Garopaba
(SC)
Fábio Azambuja Marçal Café com Paulo Freire Alvorada
(RS)
Fernanda Aparecida Oliveira Café Paulo Freire dos
Rodrigues Silva Inconfidentes (MG)
Gislane Mattos Café com Paulo Freire Garopaba
(SC)
Inez Helena Muniz Garcia Café com Paulo Freire
Niterói/Solar da Paz (RJ)
Izailton de Oliveira Santos Café com Paulo Freire Vanguarda
Quitundense (AL)
Jocélia Barbosa Nogueira Café com Paulo Freire Manaus
(AM)
Liése Gomes Serpa Café com Paulo Freire Centro
Histórico/Porto Alegre (RS)
Luiz Gonzaga Moura Penteado Café com Paulo Freire Gramado
(RS)
Maria Isabel Raenke Ertel Café com Paulo Freire Santa Cruz
do Sul e Sinimbú (RS)
Maria Teresinha Verle Kiefer Curadoria Nacional
Neste momento (maio/22), a Rede Internacional Café com Paulo Freire está
presente em 10 estados brasileiros e no Distrito Federal (em 32 cidades), e em cinco
países - dois na América Latina e três na Europa.
Cada Núcleo de Café Local tem características e rituais próprios, sendo que é
nesta realidade diversa que reside a nossa principal marca - Uma rede colaborativa
solidária3 construída com base na Unidade-na-Diversidade freiriana. Neste contexto,
vamos criando movimentos que procuram revelar a pluralidade dos Cafés – e aqui se
insere a Revista Café com Paulo Freire.
A Revista Café com Paulo Freire é composta por oito seções; uma revista rica
em experiências, conceitos e poesias, que articula cultura, arte e escrita, numa
constante relação entre a prática e a teoria. Um caminhada longa, mas cheia de
alegrias, tanto no percurso (da elaboração do texto pelos Cafés Locais até à revisão)
como na chegada (olhar prontinha e jogar no mundo).
Sabemos dos desafios que estão em jogo na construção deste inédito-viável:
Tempo x desejo em estar na Revista; escrever com rigorosidade acadêmica, mas
garantindo a leveza das vivências dos/nos Cafés; cumprir rituais e respeitar as regras
1Liana Borges: Professora aposentada da Rede de Educação de Porto Alegre/RS, filósofa, mestre e
doutora em educação, pela PUCRS, Criadora e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire.
lianaborges@cafecompaulofreire.com.br.
2Priscilla Bibiano: Mestra em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora
do livro Educação popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com
Paulo Freire Varginha/MG e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire. E-mail:
pbibiano@gmail.com.
3Euclides Mance: A Revolução das Redes, Petrópolis, Vozes, 1999. p. 24. A Rede Colaborativa e
Solidária apresenta as seguintes características: democracia com ênfase na autogestão; colaboração
solidária entre os atores, enraizada na ética e no direito; estar voltada a expandir as liberdades públicas
e privadas; e a promoção do bem-viver de todos [...] A gestão de uma rede colaborativa solidária é
necessariamente democrática, pois a participação dos seus membros é inteiramente livre, respeitando-
se os acordos firmados entre os seus integrantes. Outros aspectos são a descentralização, gestão
participativa, coordenação e regionalização, que visam assegurar a autodeterminação e autogestão de
cada organização e da rede como um todo.
da ABNT. Mas isso faz parte e até agora estamos vencendo os limites e usufruindo
das vitórias, coletivamente.
Este volume está assim construído: A seção Ação-Reflexão-Ação contempla
dois artigos: Um trata da Educação de Jovens e Adultos como Política pública de
Educação Popular, sendo que foi escrito a partir do V Encontro Nacional Café com
Paulo Freire, que aconteceu no dia 03/12/2021. Vale dizer que os Encontros
Internacionais (EInCAFÉS), acontecem a partir da necessidade de formação da Rede
de Cafés, e são exibidos pelo canal do Youtube da rede4. A interação entre os
participantes acontece por meio de mensagens (chat). O artigo do Carlos Oliveira trará
reflexões sobre as juventudes, silenciamento e assujeitamento, desde as
compreensões de Paulo Freire.
A seção Círculo de Cultura apresenta sete relatos sobre o nascimento dos
Cafés Varginha/MG, Santa Cruz do Sul/RS, São Borja/RS, São Paulo/SP e
Goiânia/GO, e dos Cafés da Suécia/Upssala e da Grécia, sendo que estes dois
optaram por relatar através de cartas direcionadas à Paulo Freire. Assim como nos
relatos das revistas anteriores5, estas histórias apontam a boniteza, a pluralidade de
cada núcleo em sua forma de fazer acontecer os círculos de cultura.
Ainda nesta seção, apresentamos os relatos dos encontros que chamamos de
Cafés Curtos, cuja dinâmica surge do desejo de alguns Cafés Locais de desdobrarem
a temática do Café Nacional. Os Cafés Curtos aqui relatados são de Alagoas, Manaus
e uma dobradinha entre Bahia e Rio Grande do Norte e foram preparados a partir do
V Encontro Nacional dos Cafés, com o tema Educação de Jovens e Adultos –
conforme dito acima.
A seção Saber de Experiência Feito, traz o depoimento das oito curadoras
nacionais da Rede, no qual contam como é estar e contribuir em sua construção a
nível nacional e, agora, internacional. Curadoria aqui entendida e descrita como cuidar
com apreço: cuidar de Paulo Freire e de seu legado, cuidar de quem está nas
curadorias locais dos núcleos de Cafés, cuidar de cada uma das companheiras da
Curadoria Nacional.
A próxima seção traz duas Cartas Pedagógicas. Geralmente, as cartas trazem
textos de ordem sentimental e subjetiva, uma correspondência na qual se pressupõe
diálogo: se escreve a alguém contando algum fato, conversando sobre algum assunto;
4 https://www.youtube.com/c/Caf%C3%A9comPauloFreire
5 http://revistas.icesp.br/index.php/CPF/index
em Cartas Pedagógicas não é diferente. Temos a honra de ser convidados/as a
adentrar na intimidade dos Cafés MOVA-São Carlos (SP) e Bahia (BA).
Em seguida, uma seção especial no sentido de fazer memória e registrar
histórias – Ninguém sabe tudo, ninguém sabe nada. Com muita honra e carinho,
trazemos a emocionante história da curadora local do Café Garopaba (RS): Elza
Falkembach. Da educação política na família à educação dos Movimentos Sociais de
Base e à Sistematização dessas Experiências, Elza compartilha conosco sua história
de vida, com destaque para as duras experiências da ditadura militar (1964/1985) e
suas vivências no campo da Educação Popular.
A penúltima seção – Educação como Ação Política e Cultural – dialoga com
Paulo Freire através de outras linguagens – poemas, música, desenhos, entre outros,
enfatizando a sensibilidade estética dos seguintes artistas: vamos nos emocionar com
Daniel Luz (Café Bahia), numa pintura que retrata Paulo Freire nos lembrando que
não se pode falar de educação sem amor; a oficina do Café RPE (Rede Pró-educar),
trazendo os classificados Co-Moventes, um contraponto aos classificados capitalistas;
em tons poéticos, temos a releitura do poema Escola, feito pelos estudantes da turma
de “Tópicos Especiais: Leituras de Paulo Freire e Educação Popular - 2021.2” (PUC-
Rio) e o belíssimo cordel de Maria Aparecida Vieira de Melo (participante do Café
Manaus) que traduziu o V Encafé em arte.
Embelezando e convidando-nos a mergulhar para além dos riscos e rabiscos,
cores e formas, contamos com ilustrações de parceiros do Freireando POA, na série
Cartões Pedagógicos “Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes”: Natália Forcat e
Alisson Affonso que, com sua arte pungente, encantam e provocam.
A Revista fecha com um ensaio, que chamamos de Inédito-viável. Luiz Percival
Leme Britto (PA), num ousado texto, explora a compreensão da expressão leitura do
mundo, de Paulo Freire, verificando seu alcance e a razão de ser na obra desse autor
e, ao mesmo tempo, adverte para os usos simplistas e equivocados que vêm sendo
aplicados a ela.
Passados dois anos da pandemia, com alegria e esperança, fincados/as na
crença da ciência e na eficácia de suas descobertas, (vi)vemos a diminuição das
mortes e casos de COVID-19 por todo o país e, em nossas práticas, vamos nos
reencontrando nos abraços reais e, ao mesmo tempo, fortalecendo os vínculos
virtuais. Mais do que sempre, elegemos a profundidade teórico-prática como requisito
para nossos textos e hipertextos; mais do que nunca, encontramos consolo e oásis
na sensibilidade de nossas outras linguagens.
Embora felizes com a condição de saúde, no que se refere de modo mais
específico à diminuição das mortes de COVID-19, seguimos alerta às suas
decorrências: fome, desemprego e, especialmente, descaso generalizado do poder
público federal com o povo brasileiro.
Por isso, através desta publicação, ratificamos nosso compromisso com os
esfarrapados, com a rigorosidade metódica e, de modo incondicional, colocamo-nos
como RESISTÊNCIA e LUTA-ÉTICA frente a tudo que desumaniza e oprime o povo
brasileiro.
Por fim, compartilhamos a relação de Cafés Locais e te convidamos a criar um
Núcleo em sua casa, escola, sindicato e organização. Nos procure em
cafecompaulofreire@gmail.com
Boa leitura!
Liana e Priscilla, pela Curadoria Nacional.
Após a realização da live V Café com Paulo Freire nacional – 2021: Educação
de Jovens e Adultos (EJA) como Política pública de Educação Popular, em 03 de
dezembro, aceitamos o convite de Liana Borges, em nome do coletivo do Café com
Paulo Freire, para escrever sobre o mesmo tema, desafiando-nos nesta prazerosa
autoria coletiva – por meio de um texto dialogal onde as falas se entrelaçam e se
complementam, a partir da generosa transcrição feita por Lucas Martins Avelar,
mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
gestora de EJA na Secretaria Municipal de Maceió, militante do Fórum Alagoano de EJA, membra do
Café com Paulo Freire em Alagoas. E-mail: naide12@hotmail.com
(PPGECM) da Universidade Federal de Goiás (UFG), um dos coordenadores do
Fórum Goiano de EJA e coordenador do Café com Paulo Freire Goiás. Consideramos
necessário destacar que, em função desse texto ter sido elaborado, a partir da
mencionada transcrição da live, para maior aprofundamento dos seus pressupostos
conceituais, registramos as referências como fontes de consulta aos leitores
interessados em continuar o debate, mais que oportuno e necessário!
Desafiamo-nos, porque ao pensar e refletirmos juntas, nesse contexto atual,
em que o neoliberalismo segue de uma forma ampla em sua relação com a
globalização e o quanto que nos impõe e instiga a construção de alternativas.
Desvelar essa realidade é fundamental para que a compreensão do sistema
capitalista seja feita em sua totalidade, o que revela a existência de injustiças e
violências estruturais. As desigualdades sociais são uma realidade que acompanha
os trabalhadores estudantes da EJA e, sobretudo, aqueles trabalhadores que estão
fora da escola. Nessa direção, pensar a EJA e sua relação com a Educação Popular
é marcar o debate da humanização e, consequentemente, a politização das relações,
que se faz necessária para a superação desse contexto de desigualdade,
perversidade e ameaça fascista em que nos encontramos.
Apresentamo-nos como Cláudia Borges Costa, professora aposentada da
Rede Municipal de Educação de Goiânia, doutora em Educação pela Universidade
de Brasília, militante do Fórum Goiano de EJA e membra do Café com Paulo Freire
GO; Maria Luiza Pinho Pereira, militante desde a época de secundarista, professora
mestra aposentada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, membra
do GTPA/ Fórum EJA do Distrito Federal, desde 1989, e representante dos Fóruns
de EJA do Brasil no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE); Marinaide Freitas,
professora da Universidade Federal de Alagoas, doutora em Linguística, foi gestora
de EJA na Secretaria Municipal de Maceió, militante do Fórum Alagoano de EJA,
membra do Café com Paulo Freire em Alagoas.
Estamos escrevendo, numa conjuntura de agravamento das desigualdades
sociais pela sindemia4, quando mais de 670.000 brasileiros morreram por
4
Compreende-se que as proporções da covid -19 foram de intensa repercussão para a humanidade,
nesse sentido registramos aqui a opção pelo termo sindemia, já que este compreende essa dimensão
de danos para o planeta. Aqui registramos os dois termos pesquisados em dois sites. Pandemia é a
disseminação mundial de uma nova doença que se espalha por dois ou mais continentes
com transmissão sustentada de pessoa para pessoa. O termo sindemia (um neologismo que combina
sinergia e pandemia) não tão novo assim. Foi cunhado pelo antropólogo médico americano Merrill
Singer na década de 1990 para explicar uma situação em que “duas ou mais doenças interagem de
contaminação da COVID-19, vítimas de um governo genocida, motivando um
sentimento de indignação, por nós transmutado em resistência propositiva do
esperançar de Paulo Freire. Somos seres inacabados, por isso, o diálogo é nosso
alimento para continuar na estrada e poder compartilhar o que nosso poeta repentista
e cordelista pernambucano e alagoano de coração, nos trouxe na sextilha, a seguir:
Maria Luiza: Sabem que não somos indivíduos isolados e, sim, construções
sociais de toda a militância até aqui, inspiradas nas máximas defendidas por Paulo
Freire ao conceber a Pedagogia do oprimido: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE,1987, p. 52).
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,1987. p. 68). “A educação autêntica,
repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados
pelo mundo” (FREIRE,1987, p. 84). Em síntese, da liberdade somente exercida em
comunhão, as pessoas se educam mediatizadas pelo mundo histórico e pelas
relações que aí se estabelecem construímos o diálogo, não de A para B, nem de A
tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças”. Disponíveis em:
link: https://www.migalhas.com.br/coluna/leitura-legal/335379/pandemia-ou-sindemia / 'Covid-19 não
é pandemia, mas sindemia': o que essa perspectiva científica muda no tratamento | CEE Fiocruz
Acesso: 22/05/2022
sobre B, diríamos, nem de A por B, mas de A com B. A liberdade no chão da luta, do
lugar que a gente pisa para construir o “inédito viável”.
Vale ressaltar que o Manuscrito da Pedagogia do oprimido (FREIRE,1921-
1997) permaneceu inédito até 2018, encontrando-se uma página omitida nas
sucessivas publicações brasileiras, na qual Paulo Freire, afirmando o “diálogo como
essência da ação revolucionária”, demonstra em texto e esquema gráfico uma “teoria
da ação revolucionária” em oposição a uma “teoria da ação opressora”. Nesta
leitura, é possível compreender que Paulo Freire traz, sim, uma proposta de ruptura
com o modo de produção capitalista e, portanto, com a sua inviabilidade em dar uma
resposta humana.
Ele, na pele, em sua existência, sofreu as consequências do golpe de 1964
que o levou a um autoexílio de dezesseis anos. Então, é muito importante que
voltemos ao manuscrito para incluir esta teoria e entendermos, afinal de contas, o que
é o princípio revolucionário de Paulo Freire na dialogia, na possibilidade de
construção coletiva e, portanto, trazemos aqui um conceito que para nós é muito caro
e que queremos discutir. Trata-se do conceito de consciência.
Este conceito de consciência que Paulo Freire transformou em verbo, quando
ele falava de conscientização como substantivo e conscientizar a partir da realidade
concreta e objetiva, a partir de suas contradições. Após Paulo Freire, temos
contribuições importantes de outros como Pierre Lévy (1998, p.181) francês, filósofo
e sociólogo, que sinaliza uma etapa agora chamada de período “noolítico” e um físico
teórico Peter Russell que escreveu “Um buraco branco no tempo” e, indagando-se,
identifica esse novo tempo finito da “noosfera” (RUSSELL, 1992, p. 253) – “era da
consciência” que, como resultado da espiral evolutiva contínua no percurso histórico
do Homo Sapiens, da experiência humana com a Revolução Agrícola, com a
Revolução Industrial e a Revolução Informacional, para que chegássemos a essa
etapa da experiência da consciência de humanidade como totalidade.
Figura 1: O tempo da noosfera-noolítico
Cláudia: Pensando nessa aceleração cultural que Luiza trouxe, advinda desse
mundo da tecnologia em que nós nos encontramos, o emaranhado que a imagem
acima nos mostra, sugere o emaranhado da conexão que nos mostra os efeitos de
todos os tipos de microcircuitos na terra.
Ele foi formado por e a partir de milhões de celulares, telefones televisores e
retransmissores. Uma mutação do capitalismo que utiliza a imensurável quantidade
de dados que usuários fornecem gratuitamente a empresas de tecnologias, como as
que detêm redes sociais e buscadores, transformando-a em matéria-prima e produto
final altamente lucrativos. O processo é conhecido: em seu navegar habitual, o
usuário recheia a web com zilhões de informações sobre si mesmo como gostos
(comida, música, cinema, roupas, viagens etc.); sentimentos (medo de saltar de
paraquedas, alegria por adotar um gato, ansiedades etc.); projetos (comprar uma
casa, fazer faculdade, morar fora etc.); hábitos on-line (assistir a vídeos na plataforma
x, ouvir podcasts na y etc.) e off-line (ir para o trabalho de bike, ser onívoro, frequentar
teatro etc.); posições políticas, sociais, religiosas e tudo o mais que couber. Todas
essas ondas e micro-ondas estão sinalizando para a gente esse contexto que
evidencia que nós estamos vivendo, aliás, sobrevivendo, nesse “capitalismo de
vigilância”, que é uma mutação do capitalismo que utiliza uma imensurável
quantidade de dados que os próprios usuários fornecem, gratuitamente, para as
empresas e acaba transformando isso em produto bem lucrativo.
Essas entradas de certa forma vão sugando as relações humanas e nos levam
muito para o automatismo e a produtividade. O psicólogo Joseph Chilton Pearce
(2009), que coloca sobre essa questão, a partir de pesquisas mais recentes da
neurociência, da neurocardiologia, da antropologia cultural e do desenvolvimento
cerebral, nos traz a ideia de que a inteligência do coração precisa ser buscada e, se
permitirmos que ela se manifeste plenamente, poderemos reverter essa perda
inconsciente da nossa verdadeira natureza.
Diante desse contexto, precisamos pensar e buscar uma visão estratégica,
para que sobrevivamos. E nós não estamos sozinhos! Estamos, enquanto
movimentos sociais e populares, nesta unidade com a classe trabalhadora para se
colocar em uma dimensão do contraponto, contraposição.
Lembro-me aqui, dessa visão estratégica (imagem abaixo), onde tem
individual, coletivo, capital e trabalho, conforme a música do Caetano Veloso em que
ele fala assim: Onde queres revólver sou coqueiro; onde queres dinheiro sou paixão;
onde queres descanso sou desejo.5 Ou seja, onde o capitalismo manifesta que é
individual, nós vamos mostrar que nós podemos fazer um trabalho com a consciência
coletiva, uma ação coletiva; onde tem o capital, nós vamos trazer a ideia do mundo
do trabalho nas suas dimensões amplas; onde está o capitalismo, nós vamos trazer
a ideia do socialismo democrático ;onde há essa visão do mercado, a gente vem com
a ideia do ecossocialismo e do bem-viver que tem se constituído na América Latina
como um todo.
N UA E
AP A SM
ME A
5Música do Caetano Veloso – O queres – Álbum: Velô, 1984. Disponível em: (934) O Quereres –
YouTube Acesso: 22/05/2022
(KORYBKO, 2018). Essa guerra está muito presente e, há todo um histórico,
através do qual podemos compreender esta visão estratégica. Afinal, ela traz um
conjunto de elementos para explorar setores vulneráveis da sociedade, a partir de
ações que são realizadas com foco nos segmentos econômicos, psicológicos,
militares e políticos relacionados com toda a população, sobretudo a empobrecida.
Trata-se de uma guerra que não é convencional e atua por meio de infiltrados que
exploram exaustivamente o território escolhido e desestabilizam governos
internamente.
O golpe de 2016 na Presidenta Dilma, que começou desde 2013, foi uma
forma de atingir esse objetivo. A espionagem cibernética realizada por grandes
órgãos de inteligência tem sido utilizada neste sentido. Ocorrem, muitas vezes,
invasões de e-mails, celulares e bancos de dados de empresas privadas e estatais.
E não podemos esquecer, também, que a prisão de Lula fez parte desse arquétipo
consistente, completando a estratégia do lawfare.6 Enfim, toda essa tecnologia
digital, que tem trazido a visão da guerra híbrida, nos impõe nessa condição de se
colocar, de fato, como oposição a esse contexto. Para fazer nossa resistência nós
precisamos uns dos outros da consciência de SER, SERMOS. Luiza vai nos contar
como se dá a formação desse povo brasileiro.
Maria Luiza: Na verdade, o que a gente traz aqui é algo que está muito
presente entre nós. Todo esse percurso que chega, agora, na forma de guerra
híbrida, vem de longe, porque a própria formação do nosso povo brasileiro é
marcada pelo embate entre um projeto que vem sob a direção do povo, com o povo
e pelo povo, e aquele que vem desde o capitalismo comercial, na sua fase superior
de imperialismo, intervindo na formação desse nosso povo brasileiro.
E aqui estamos chamando a atenção para o fato que o nosso povo foi
formado por três civilizações ou três povos ou pelo encontro de três culturas
fundamentais: os povos indígenas, o povo lusitano e os povos africanos, estes
últimos dilacerados já, na condição de escravos. Então a riqueza desses povos,
dessas civilizações é que conformam e formam o nosso povo brasileiro.
6 Conforme a autora, Patrícia Jorge da Silva (2021, p. 22), escreve “A expressão la fare é a junção
das palavras law, que significa lei, e warfare, que significa guerra, conflito armado. Então, em tradução
literal, guerra jurídica seria a utilização da lei como instrumento de guerra. [...] trata-se de uma guerra
assimétrica, travada a partir do uso ilegítimo dos órgãos estatais, inclusive do sistema de justiça, com
a intenção de perseguir e eliminar o oponente, com os mais diversos objetivos: militares, políticos,
comerciais e até mesmo geopolíticos.” Disponível em: lawfare-como-ameaca-aos-direitos-humanos-
ebook-96171310.pdf (oabgo.org.br) Acesso em: 22/05/2022.
Trago para visionamento um “transvídeo – História escrita, história vivida
Proeja” (You tube, 2008) produzido, coletivamente, por professores e trabalhadores
estudantes de EJA, da rede pública do Distrito Federal, no segundo segmento do
ensino fundamental, na disciplina de História sobre o tema “golpe militar de 1964”
(TELES, 2012).
Mas o que fica para a gente? Qual é a noção de história que nos interessa?
A história escrita é a que tomamos conhecimento pela leitura ou pela referência aos
demais que registraram os acontecimentos, como os documentários e da história
vivida resulta o “relato”, que vem da vida de cada um. Falar das três civilizações
que constituem o povo brasileiro é falar também de como isso se encontra presente
em uma turma de EJA, que se propõe freiriana, libertadora.
É que ali tem pessoas que, na sua ancestralidade, tiveram escravos, indígenas
ou lusitanos. E esses três povos constituem as pessoas que ali estão, para que elas
também tragam sua história, não só no sentido individual, mas para que contribuam
para a compreensão libertadora da história humana e brasileira.
Trago, também, uma revista que é fruto do Fórum Nacional de Redução da
Desigualdade Social (FNRDS), que foi elaborada após o golpe de 2016 e é um esforço
de trazer a bandeira e a luta contra a desigualdade social no sentido da justiça social,
que é o nome da sua revista. Na 1ª edição, após um seminário, escrevi um artigo, sob
o título “Educação e ultura Popular” (PE E A, 2019), tentando situar os povos
nativos indígenas, mostrando como eles eram em torno de 5 milhões de pessoas no
ano de 1500, quando da invasão portuguesa, e, hoje, são em torno de 900 mil, fruto
de muita luta e de resistência. Isso nos traz como desafio nos voltamos para estas
referências, para a identidade da cosmovisão indígena, que tem muito a ver com
consciência, no pensamento de Paulo Freire, mesmo sendo anterior a ele.
Na tradição oral Guarani há uma expressão muito interessante que diz
assim: “O ser humano é percebido como alma-palavra [...] como corpo-vida [...]
princípio dinâmico da luz cuja forma denominamos consciência [...] O ser emerge
do Todo, mas não se desfaz do Todo” (JE UPÉ,2001, p. 56-57), e isso é para a
gente ver a essencialidade da cosmovisão de um dos povos indígenas brasileiros.
Se formos para o povo lusitano há o culto popular do Espírito Santo, que se
iniciou na Ilha de Açores, ainda no século 13 d.C, uma cosmovisão, hoje conhecida
como Festa ou Folia do Divino, que tem como princípios básicos: a comida para
todos, a liberdade para todos, que significa uma sociedade sem prisões e uma
governança de criança, enquanto ser em criação. Tem um pouco, o sentido de
Paulo Freire, quando propõe o “ser mais” - esse sentido de consciência evolutiva.
E dentre os afro-brasileiros, na expressão de Milton Santos, que é
polêmica, alguns se colocam como afro-descendentes, temos, também, uma
cosmovisão muito forte do chamado Ubuntu (palavra zulique). Ela traz uma
perspectiva e a compreensão de que as forças na natureza têm vida espiritual e
nessa cosmovisão, sinteticamente,
Mas para isso nós precisamos entender o que é que nós tivemos de avanço,
no que se chama de ciclos vitais, entendendo cada ser humano, e aqui realmente é
uma provocação, como um campo eletromagnético que produz energia psíquica.
Nesse momento, é essa energia que está sendo atacada brutalmente pelo sistema
capitalista, que atinge e nos atinge não só no físico, porque exclui, porque mata, mas
também no emocional, no sentido dos conflitos, que nos levam muitas vezes, nesta
necropolítica, a sentimentos tóxicos (ódio, raiva, vingança), que não queremos ter e,
no plano mental, desafiados no sentido de nós irmos, além do cognitivo.
Esses ciclos vitais na compreensão do, já citado por Cláudia, Joseph Chilton
Pearce (2009), psicólogo de formação inicial piagetiana, explica como cada cérebro
vai se tornando o lugar do desenvolvimento humano, a partir do sistema reptiliano,
depois do sistema límbico até os sete anos, a idade da razão, mas também, das
“mentiras”, das primeiras rebeldias. Precisamos acolher bem as crianças de 6, 7, 8
anos, mantendo a imaginação criativa. Em seguida, mostra como o hemisfério direito
vai tomando seu espaço, o hemisfério esquerdo e por aí a síntese de todos os nossos
três cérebros, até os 21 anos, que se diz da “maioridade”! Esse é, também, um desafio
para nós compreendermos como chegamos às nossas possibilidades de pesquisa na
universidade e fora dela.
É importante sabermos que, na contramão da proposta do Novo Ensino Médio
e na contramão da proposta da BNCC, nós precisamos transformar nossas salas de
aula nas escolas públicas, nossos sindicatos e suas reuniões, nossos partidos
políticos cuja base é o socialismo democrático e/ou ecossocialismo, movimentos
populares ou de segmentos emancipadores, como espaços de pesquisa. Uma
pesquisa em que todos somos convocados a produzir conhecimento que possa, de
fato, a partir da ação, gerar possibilidades estratégicas e táticas de luta, porque nós
somos movimento social ou a sociedade em movimento na luta de classes.
escrito em 2017.
9 Disponível em: (935) VIDEO História escrita, história vivida Proeja - YouTube
Figura 7: Disputa de
SP Projetos
A E PR E S de Brasil:
E RAS L: P V povo
RAS LE R brasileiro x Aelite capitalista
EL E CAP AL S
R E S R S EE A RAS L
E P VC EA H -A
E A
Legenda 1: Origem dos Fóruns de EJA do Brasil. Encontros Preparatórios da V CONFINTEA – 1997
(Hamburgo – Alemanha). 25 anos de luta coletiva pela EJA.
Legenda 2: Abril de 1963: Paulo Freire explica ao presidente e a políticos nordestinos a sua pedagogia
dos oprimidos. Sentados, da esquerda para a direita: Miguel Arraes, Clóvis Mota, Seixas Dória, Virgílio
Távora, Aluísio Alves e João Goulart.
Fonte:
Ainda sobre essa disputa, que nos coloca como condição primeira a
organização de nosso movimento dos Fóruns estaduais e distrital de EJA, é
importante perceber que a pauta da Educação Popular é o norte de nossa luta, por
isso, chamamos atenção para essa imagem, acima, fotografia da década de 1960, de
1963, onde Paulo Freire está com João Goulart e todos os governadores do nordeste,
discutindo o Plano Nacional de Alfabetização. Eles discutiram a educação nacional,
nesta perspectiva da Educação Popular.
A Educação Popular tem marcado nessas discussões e se assenta no debate
da formação humana, traz o seu caráter emancipatório e democrático, que traduz na
construção da educação ao longo da vida. Ela pauta uma Educação que esteja
articulada nos vários espaços, seja escolar ou não-escolar. Outra questão que é
importante trazer sobre a Educação Popular é que ela encarna na história pelo olhar
do oprimido e se propõe com ele tornar-se emancipadora, sujeito da história. Há uma
fala do Frei Betto (live 16/08/2021), em que ele diz que: “o tecido do poder popular
não existiria sem Paulo Freire. Ele plantou as sementes contra a ditadura e nós
seguimos nos colocando também contrários a essa atual forma de ditadura”.
Outro dado dessa foto, que é importante trazer, é a questão da tecnologia que
está posta e Paulo Freire já trabalhava. Não podemos descartar essa tecnologia, já
que nós estamos aqui hoje por conta dela. Ou seja, foi mediada por ela que nos
encontramos e, por meio deste encontro, das suas reflexões, que chegamos a este
texto. Em Pedagogia da Indignação (2013) Freire atenta para a compreensão crítica
da tecnologia, da qual a educação não pode prescindir, mas ela tem que ser,
necessariamente, submetida ao crivo político e ético.
Figura 8: Cartografia dos Fóruns EJA Brasil
Trago a imagem do Portal dos Fóruns de EJA10 para marcar que, de um lado,
nós temos os vários segmentos que constituem os fóruns de EJA: universidades,
estudantes, educadores, movimento popular, poder legislativo, Sistema S, governo,
enfim, toda essa contradição que nos constitui. E do outro, os temas que são
importantes e que nos perpassam, que também nos constituem no movimento:
ambiental, do campo, indígena, etnico-racial, mulheres. Todos esses temas hoje,
muito mais encarnados nessa visão da classe trabalhadora, continuam a nos
constituir enquanto classe trabalhadora. Além disso, imagem objetiva dar a todos nós
uma ideia do nosso portal e da nossa construção coletiva, que segue na conquista da
organização e luta.
O problema que nos une é estrutural, é da sociedade capitalista. É a discussão
por moradia, trabalho, saúde, educação. É a discussão pelas escolas, para que elas
não fechem. Enquanto há escolas sendo militarizadas do dia para a noite, as escolas
da Educação de Jovens e Adultos estão sendo fechadas. As escolas estão sendo
transformadas em integrais no diurno e à noite não há EJA. Essas são discussões
que têm nos unido no movimento.
Na 40ª Reunião Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação - ANPED, dois pesquisadores do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, Robson dos Santos e Ana
10Portal dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: A Construção Coletiva | Fóruns
EJA (forumeja.org.br). Acesso em: 7 abr.2022.
Elizabeth Albuquerque, nos brindaram com dados que trazem as dissonâncias entre
a demanda potencial e o acesso à Educação dos Jovens e Adultos. Eles fizeram uma
análise de nove anos, de 2012 a 2021. São dados muito importantes e nós
conseguimos organizar uma discussão e refletir sobre os mesmos nos Fóruns de EJA,
que contou com a presença dos referidos pesquisadores. .
Eles nos mostraram que temos um dado de 8.893.636 de pessoas que
declararam não saber ler e escrever. Passamos de 8,4% em 2012 para 5,4% em
2021. Uma redução mínima para nove anos. Na faixa entre 16 e 85 anos há 52
milhões de pessoas que não completaram o Ensino Fundamental. Na faixa entre 19
e 85 anos há 72,5 milhões de pessoas que não terminaram o Ensino Médio. Em suma,
nós temos um contexto em que atingir as metas previstas pelo Plano Nacional de
Educação (2013-2024) se mostra algo muito longínquo.
Gráfico 1:
Fonte: Elaborado pelo Professor Thiago Alves FACE/UFG com base nos microdados
da Pnad contínua/IBG referente ao 2º semestre de 2018.
Este gráfico, elaborado por Thiago Alves com dados do IBGE-2018, mostra-
nos o déficit (em vermelho) e a frequência (em azul). Até a faixa dos 17 anos
percebemos uma boa frequência, ainda que na faixa entre 0 e 3 anos haja uma
pequena faixa em vermelho. A partir dos 18 anos começa a aparecer a discrepância,
a falta de atendimento. Isso mostra o tamanho do nosso desafio e o quanto temos
que lutar pelo direito à defesa dos trabalhadores terem acesso a sua formação.
Em outro dado que a Ana e o Robson trazem, compreendemos a ocupação
desses sujeitos. Dentre as pessoas que realizam trabalhos braçais, no enfrentamento
das roças há um número maior do déficit de escolaridade. Vamos agora pensar quais
os caminhos das lutas que teremos de travar. Luiza está com você!
Maria Luiza: A primeira questão que está em nossa pauta da política pública
com foco na Educação Popular, portanto libertadora, é o entendimento que nós
temos, por exemplo, um Sistema Único de Saúde – SUS, que não resolveu a disputa
do privado e do público na saúde. Nós temos um Sistema Único de Assistência Social
- SUAS, que hoje inclusive não tem sido respeitado e podemos depois discutir sobre
isso. Mas, nós não conseguimos até hoje um Sistema Nacional de Educação que
regule a relação público-privado e fortaleça a educação pública. É muito importante a
gente colocar esse rumo, porque estamos a caminho exatamente dessa possibilidade
se assim continuarmos, da resistência propositiva. Esse gráfico nos traz uma questão
para EJA que é o entendimento, já colocado por Cláudia, de que o que nos move é a
compreensão de uma consciência de classe trabalhadora.
Uma turma de EJA, na verdade, é um diálogo entre trabalhadores, sejam os
estudantes trabalhadores, seja o(a) professor(a) trabalhador(a). Portanto, uma turma
de EJA é um lugar para construir lutas, para construir possibilidades. Não é um lugar
para, simplesmente, reproduzir a “educação bancária”. Nesse sentido, o conceito de
trabalho para nós é um princípio formador que vai na direção de tomar desses dois
senhores, Karl Marx e Paulo Freire, que estão abaixo, o que aprendemos com eles.
Figura 9:
Quando Paulo Freire diz que quanto mais se aproximava dos mangues e do
trabalho precarizado, do trabalho do oprimido, de pessoas que estavam vivendo a
opressão, como cristão, se aproximava da camaradagem marxista. Isso é muito
importante para saber que nós estamos cada vez mais chamados por Paulo Freire a
compreender. E sem entender a luta de classes, dificilmente nós vamos sair do buraco
e do abismo em que estamos colocados.
Há aí um componente novo. Aqui, os tempos modernos de Charles Chaplin, e
quem não viu o filme, a gente recomenda que veja, não responde às questões atuais:
por quê? Porque nós estamos seguindo na direção da automatização do
conhecimento e ela traz para os educadores emancipadores, libertadores, freirianos,
um desafio imenso que é o entendimento, colocado por Renato Dagnino, um doutor
militante da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, do fato de termos hoje
170 milhões de brasileiros e brasileiras por idade aptos ao trabalho, dos quais 80
milhões não têm emprego, nem terão.
Então o desemprego estrutural é o nosso grande desafio, porque não dá para
fazer EJA integrada à Educação Profissional, pensando que todo mundo com
certificado de profissionalização vai conseguir emprego. Não vai! Então a Economia
Solidária entra de cheio naquilo que nós fomos atacados por esse atual governo, de
destruir a Secretaria de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, além de acabar
com esse ministério, que só ressuscitou para dar cargo à turma do Centrão. Assim, é
importante que retomemos o que é que estamos chamando de trabalho e o que é
que, neste trabalho, podemos criar possibilidades de tentativas de, inclusive,
organizar a produção.
Esta figura nos remete à lei que conquistamos em 2013, do Plano Nacional de
Educação. Essa é a meta 10 e tudo o que está em verde são os acréscimos. Tudo o
que está aí está acontecendo na Rede Federal, nos Institutos Federais. Não está
acontecendo nem nas redes estaduais, nem municipais, e olha que nós estamos há
três anos da Meta 10 ser concluída, que é 25% das matrículas de Educação de
Jovens e Adultos no Fundamental e Médio na forma integrada à Educação
Profissional. Não vamos atingir essa meta “nem que a vaca tussa!”. amos atingir se
a gente mudar a correlação de forças políticas. E essa correlação de forças nos exige
que tenhamos muito claro, entre nós, e bem compreendida, a diferença entre
educação emancipadora e educação mercadoria, em informação emancipadora e
informação mercadoria e em comunicação emancipadora e comunicação mercadoria.
Nós convidamos vocês todos para tomar um café quente com muita
possibilidade de conversa, para nós construirmos o Sistema Nacional de Educação,
garantindo gestão democrática, participando dos conselhos, participando dos fóruns
criados em leis estaduais, municipais e distrital de Educação. E engrossemos a
preparação da nossa II Conferência Nacional Popular de Educação – CONAPE-2022,
que estamos planejando e preparando nos Municípios, nos Estados, no Distrito
Federal para acontecer em Natal, no estado do Governo da Fátima Bezerra, nossa
companheira professora militante, hoje governadora, ex-senadora, para que,
abrigando e acolhendo essa conferência, a gente possa avançar na construção desse
Sistema Nacional de Educação.
Até lá, e após essa nossa conferência, estamos e estaremos nos Encontros
Regionais de EJA – EREJA, construindo o nosso XVII Encontro Nacional de
Educação de Jovens e Adultos – ENEJA. E aqui está um convite de todxs nós, para
que vocês participem intensamente dos fóruns de cada estado e de cada município e
possamos nos fóruns de EJA construir nossa pauta de luta nos EREJA, ENEJA e na
II Conape.
Já estamos concluindo. Trago a vocês uma lista de experiências coletivas, para
que possam consultar e vai, desde a Economia Solidária até o Cine Popular e todas
as nossas criatividades, inclusive cordelistas. Vamos ao final para a nossa Flor do
Cerrado.
Estamos aqui duas pessoas. Eu sou baiana, mas estou a mais de 40 anos no
Centro-Oeste, então eu já tenho dois lugares.
Cláudia: Eu nunca saí daqui do Centro-Oeste.
Figura 11: Calliandra – Flor símbolo do Cerrado
Últimas Palavras....
Marinaide: Com todos os problemas vividos, podemos dizer que estamos em
estado de graça nesta noite, pois vivenciamos uma significativa experiência humana.
As falas dessas mulheres em cada tópico dariam um curso de aprendizado de mão
dupla. A sintonia e como dialogam forma um movimento dinâmico do passado,
presente perspectivando o futuro e sempre conjugando o verbo “esperançar”
(FREIRE, 1987). Maria Luiza expressa a presença de uma “teoria revolucionária” em
oposição a “uma teoria opressora” com implicações para a ruptura do modo de
produção capitalista – que caracteriza muito bem o seu lugar de fala –,no manuscrito
original da Pedagogia do oprimido, o que me faz relembrar emocionada dessa escrita
de Freire, no referido manuscrito, que apesar de datada, isto é, dentro de um contexto,
é muito atual. Esse foi o primeiro ponto que me desmontou. Quando a Cláudia traz o
capitalismo de vigilância e as contradições capital e trabalho e, na sequência, Maria
Luiza enfatiza que é na sala de aula em um processo dialético, que o diálogo se
estabelece com estudantes num processo de desvelamento da realidade.
Compreendemos que é disso que o atual governo ultraconservador tem medo.
Ao reconstruir historicamente a guerra híbrida e a questão da linguagem oral,
Maria Luiza nos lembrou do filme Narradores de Javé.11 Não tinha como não lembrar
que, além da linguagem oral, caso tivéssemos tempo a colega falaria sobre a
importância das memórias, a exemplo da memória subterrânea, da memória
individual, da memória afetiva e da memória coletiva. Naturalmente isso daria mais
um curso. Ao retratar as falas dos/as alunos/a em uma aula de história, esse evento
de letramento ganha sentido e provoca Cláudia a destacar que trata-se do currículo
vivido. O que nos faz lembrar os currículos como práticas cotidianas que permitem
aos/as alunos/as vivenciarem o tempo da escola no compasso da vida. Meu
sentimento dialoga com o de Benjamim (1994, p.245), da necessidade de ”escovar a
história a contrapelo”.
E nesse sentido, os Currículos pensados-praticados (OLIVEIRA, 2012), ganha
importância porque permitem a busca do “ser mais”, considerando que estudantes
são seres inconclusos/as e sócio-históricos, ansiosos/as para saberem cada vez mais
à medida que tomam consciência. É o “ser mais” freiriano dito na maioria das vezes,
sem consciência evolutiva e, dessa forma, usado equivocadamente. Maria Luiza, ao
retomar a fala traz também o movimento de 1986, com a autoformação, que implica
em cada pessoa ir além de si, na busca do “formar-se/informar-se” e
“instruir/despertar”, rompendo com a linearidade conteudista. Acrescenta
categoricamente de forma coerente a necessidade de revogar-se a BNCC. E diria:
junto revogar a Resolução nº 1 de 29 de maio de 2020, que não cabe em uma EJA
como política de Educação Popular.
Nesse pensar, Maria Luiza refere-se ao fazer a pesquisa acadêmica, e alerta
que deverá ser com os sujeitos, e demonstra que isso implica em diálogo horizontal
e nunca sobre os sujeitos. Afinal, produzir conhecimento juntos na nossa
compreensão se traduz na atuação de Pesquisa-formação, onde os/as envolvidos/as
se formam e são formados/as.
Ao retomar o diálogo, Cláudia traz para o debate dados preocupantes, tendo
como fonte o INEP, e destaca que existem 74 milhões de pessoas que não concluíram
11 Filme brasileiro em coprodução com a França de 2003, do gênero drama, dirigido por Eliane Caffé,
cineasta brasileira.
a Educação Básica. E, nesse contexto, apenas 3,5 milhões estão com acesso às
escolas, o que sugere uma incógnita em relação à permanência que implica não só
que estudantes “fiquem” no ambiente escolar, mas além de “ficarem” e se
transformem. O que não tem acontecido nas experiências escolares que não
avançam do instituído para serem instituintes.
Outra informação, também do INEP, é que se “tem um mar de pessoas sem
educação básica e a ilustração vem por meio de um gráfico que mostra sombreado
um mar que é azul com uma linha pontilhada, tímida, com esses 3,5 milhões”, que
estão tendo a cesso a escolarização. Fica explícito que há uma demanda nas
instituições escolares ainda distante da demanda escolarizável da população
brasileira, que é exorbitante. Esse é um momento, que na sequência Maria Luiza
agrega a questão do trabalho, destacando que há no Brasil 170 milhões de pessoas
em idade produtiva e 80 milhões não terão emprego e nem mesmo ocupações. E
destaca a importância da Economia Solidária – forma de produção em que existe a
participação de todos/as, trabalho cooperativado como objetivo de produzir, vender,
comprar e produzir, sem que haja exploração das pessoas e desgaste ao meio
ambiente –, fato esse ainda um grande desafio diante dessa realidade perversa.
Sobreviver a essa conjuntura faz com que as pessoas se tornam heroínas anônimas
(DE CERTEAU, 1994).
Maria Luiza e Cláudia nos seus percursos de fala aportam na Educação
Popular, tão necessária à política educacional. E nesse sentido, deve ser
compreendida com toda grandeza que os termos carregam: uma Educação para
todos/as. Novamente com grande emoção lembro Pedro Pontual, doutor em
Educação, que enquanto educador popular desde 1970 atuou em muitos Movimentos
Sociais, Organizações Governamentais (ONG) sempre considerando os princípios da
Educação Popular.
Nesse cenário, abrimos um parêntese para registrar a nossa preocupação com
a VII Conferência Internacional de Educação de Adultos (VII Confintea), que é o único
evento global da nossa área que se realiza de 12 em 12 anos e acontecerá em 2022
em Marrocos. Registramos que ainda no momento da live, não havia acesso à
discussão da VII Confintea e aos diálogos freirianos com os nossos pares, em outras
palavras, sem mobilização da sociedade civil organizada e também do próprio
Ministério da Educação que silencia sobre a organização e os debates necessários
preparatórios para referida Conferência Internacional. Realidade tão diferente das
mobilizações vividas na preparação da V Conferência – realizada em 1997 em
Hamburgo na Alemanha – e a VI, acontecida no Brasil, em 2009, na cidade de Belém
do Pará. Preocupação, porque dessas Conferências saem documentos norteadores
para a política da Educação de Adultos para os países signatários e até a última o
Brasil se inseria nela e foi na mobilização da V Confintea que os Fóruns de EJA do
Brasil foram surgindo e permanecem na luta.
Infelizmente, nosso tempo acabou e lembro que esses escritos advieram de
uma live e aproveitamos para agradecera possibilidade de dialogar com mulheres
militantes – que nos emocionaram e me fizeram aprender muito –, e às demais
pessoas presentes que tiveram a paciência histórica da escuta sensível, demonstrada
por meio das perguntas no chat. Vocês fizeram essa noite acontecer. Agradecimentos
também à Luana e ao Danilo, esses dois alagoanos que estão atuando enquanto
intérpretes de Libras e que nos honram neste V Café Nacional com Paulo Freire.
Lembrando a nossa querida Edite Faria, professora da Universidade do Estado da
Bahia (Uneb) e membra do Café com Paulo Freire da Bahia, que sempre em
momentos como esse nos diz que “o Café está quente”. Sim Edite, muito quente!
Concluo com Manoel de Barros (2018, n.p. 20) no poema “A didática da
invenção” quando diz que “ epetir, repetir até ficar diferente” e acreditamos que ficará
diferente. A “última” palavra é GRATIDÃO.
Referências
BARROS, Manoel de. A Didática da Invenção. Revista Bula, online, 2018. Disponível
em: <https://www.revistabula.com/2680-os-10-melhores-poemas-de-manoel-de-
barros/> Acesso em: 07.04.2022.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da escrita. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 – (obras Escolhidas v.1).
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
PEREIRA, Maria. Luiza. Pinho. Educação e Cultura Popular. Revista Justiça Social.
Fórum Nacional de Redução da Desigualdade Social. Ano 1. Edição 01, agosto, 2019.
Disponível em: https://fnpe.com.br/wp-
content/uploads/2019/10/revista_justica_social_25102019.pdf Acesso: 03/04/2022
RUSSELL, Peter. O buraco branco no tempo: nossa evolução futura e o significado
do agora. Tradução Merle Scoss. São Paulo: Aquariana, 1992.
Live. Frei Beto: Paulo Freire e a Pedagogia da Vida (00:39:08 – 01:18:26) 16/08/2021.
Disponível em: (707) Paulo Freire e a Pedagogia da vida - YouTube Acesso:
16/08/2021
PAULO FREIE E AS JUVENTUDES: ABRINDO CAMINHOS
PARA UM DIÁLOGO MAIS QUE NECESSÁRIO
1Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio;
Bolsista CAPES/PROEX; Educador Popular, com ênfase em Pré-Vestibular Popular; Revisor
de Texto; Membro do Café Paulo Freire – PUC Rio. E-mail: carlosoliveira.prof@gmail.com
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.
“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”.
realidade, de valorizar as vozes e experiências juvenis no processo ensino-
aprendizagem.
Diante dessas inquietações (ou preocupações), neste exercício de
pensamento que é a escrita (de reflexão e sistematização), a primeira questão
que levanto (assim como em algumas atividades escolares) centrou-se em três
temas geradores: “educação”, “política” e “democracia”. Como eles se
relacionam e de que forma podem contribuir para pensarmos práticas
educativas com as juventudes? Ao trazer esta questão, trago as vozes dos
estudantes:
“– Prof.! É para responder?”
“– Quantas linhas?”
“– Vale nota?” “Isso não cai no ENEM?”.
As perguntas realizadas no âmbito da sala de aula (ou até mesmo da
escola) muitas vezes param na “nota”, no resultado. Por quê? Muitas vezes ela
acaba inibindo uma prática de educação democrática e dialógica, visto que o
seu foco é meramente o resultado, esquecendo-se do processo. Mas, a
aprendizagem se dá no processo, nas trocas de saberes, na experimentação,
na re-criação e reflexão. “É preciso, finalmente, que os educandos (e as
educandas), experimentando-se cada vez mais criticamente na tarefa de ler e
de escrever percebam as tramas sociais em que constitui e se reconstitui a
linguagem, a comunicação e a produção de conhecimento” (FREIRE, 1997, p.
31).
Ainda em relação à questão acima, não anseio buscar respostas.
Todavia, é um convite a pensarmos neste tripé, conforme anunciei inicialmente,
e em como ele pode contribuir para o trabalho com juventudes. Tripé porque
são indissociáveis, inclusive no pensamento de Paulo Freire. Assim, foi sob a
ótica do pensamento freireano que me propus ensaiar esta escrita – “A teoria
emerge molhada da prática vivida” (FREIRE, 1997, p. 22) – sobre o papel das
escolas na formação das/os jovens, tendo em vista que o que deveria ser um
espaço de diálogos, de troca de saberes, acaba, muitas vezes, se tornando um
espaço de silenciamento, de transmissão e assimilação de conhecimentos,
típicos da “concepção bancária” (FREIRE, 1987) de educação.
Apesar de voltar a minha atenção para a Educação Básica, sobretudo
para o Ensino Médio, conforme sinalizei acima, adianto que o silenciamento
das juventudes ocorre, também, nas relações acadêmicas, onde muitas vezes
“os detalhes do dia a dia” (FREIRE, 1979), ou seja, o cotidiano é desconectado
da teoria, impossibilitando uma ação reflexiva, problematizadora, re-criadora.
Pensando estas questões, a relação dialética entre o local e o global, “a
formação como um processo permanente que se funda na análise crítica sobre
a prática” (FREIRE, 1997, p. 19), num exercício teórico-prático, curioso, me
propus a colocar em diálogo as minhas leituras freireana (revisão bibliográfica 2)
e algumas vivências com juventudes. Ressalto, porém, que a escrita deste
texto resultou em um re-fazer, ou como dissera Freire (1997, p. 23), em uma
“experiência de tomar distância”, posto que o primeiro ensaio de escrita se deu
em 2019, por ocasião de uma fala sobre o pensamento de Paulo Freire na
Semana de Pedagogia de uma instituição de ensino superior da rede privada,
situada no município do Rio de Janeiro. Portanto, o texto que ora ganha forma
estava a espera de um re-encontro, de uma re-escrita. Hoje ele ganhou uma
nova forma. Amanhã, certamente, uma outra forma a partir das leituras.
Freireanamente, que ele possa ser re-pensando, re-inventado.
Quero destacar que se naquele contexto (debate), em junho de 2019,
pós golpe de 2016 (resultou no impeachment da presidenta Dilma Roussef) e
eleição de 2018, a discussão sobre “educação-política-democracia” já era
pertinente, atualmente, após os cortes de verbas na educação e nas ciências, a
precarização do trabalho docente e a perseguição a professores/as, além da
pandemia da Covid-19, fazer esta discussão se torna cada vez mais urgente e
necessário. Afinal, como formar as/os jovens, sobretudo das classes populares,
para uma educação crítico-cidadã?
Atento a isso, este trabalho foi organizado em cinco momentos: um de
apresentação, outro de reflexão, de achados, ao final, e três momentos onde
me pauto no tripé, nos temas-geradores já elencados. Para tanto, afirmo que
um tema-gerador foi puxando outro, como os tijolos em uma construção: no
segundo momento, educação-esperança, ou a educação enquanto esperança;
2 Parte da pesquisa bibliográfica foi realizada no decorrer do Mestrado em Educação,
Processos Formativos e Desigualdades Sociais, cursado na faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ, espaço onde começo
um reencontro como Paulo Freire, refletindo a respeito da minha prática docente. Afinal, “como
não há pessoas2 sem mundo, nem mundo sem pessoas, não pode haver reflexão e ação fora
da relação pessoas-realidade” (FREIRE, 2018, p. 20). À época, contava com a Bolsa CAPES,
que muito contribuiu para os meus estudos.
no terceiro, política-conscientização, refletindo sobre a dimensão política da
educação; e, no quarto, democracia-mudança, onde discuto o papel da
participação juvenil nas transformações sociais. Qual tem sido, efetivamente, a
nossa contribuição para com a formação das/os jovens, no sentido da
construção de um diálogo e de uma escuta efetiva? Paulo Freire (1997) nos
lembra da importância da dimensão do afeto, da dimensão corpórea, de jamais
dicotomizar o cognitivo do emocional. Como ele mesmo disse, “o espaço da
escola não é só cognitivo, é relacional, é afetivo, é social” (p. 13). Será que
estas dimensões vêm sendo trabalhadas no contexto das práticas educativas
com as/os jovens?
Legenda: trata-se de um dos slides apresentados por ocasião da mesa que participei em 04
jun. 2019.
Fonte: Autoria própria, 2019.
3Entendo que Freire aqui emprega um sentido generalista: educando e educanda, professora e
professora. Ao realizar a leitura de textos não podemos cair no risco do anacronismo, deixando
de lado o contexto, a época em que a obra foi escrita. Vale ressaltar que em Pedagogia da
Autonomia, por exemplo, Freire emprega os termos conforme aqui descrevo.
exemplo claro disso ao tratar da educação dos camponeses, quando afirma
que eles têm conhecimento “o que lhes falta é um saber sistematizado”.
Entretanto, a ideia de sistematização, que também é defendida por Jara
(2021), muitas vezes é confundida com transmissão, ou com doação,
principalmente no âmbito da sala de aula o que é reverberado por meio da
bitransitividade do verbo dar (dar o que?/a quem?), expressão que,
implicitamente, remete à concepção bancária de educação, visto que a/o
educanda/o é tratada/o como mero/a receptor/a. Além disso, trata-se de uma
expressão que suprime a capacidade de diálogo e, por conseguinte, de
construção de um ambiente democrático.
Mas, e quando não é possível ser dado? O que fazer? Este talvez seja o
grande desafio enfrentado por professores – especialmente os de Língua
Portuguesa, posto que sou desta área – quando se propõem a trabalhar
produção textual com estudantes silenciados/as ao longo de anos de
escolarização e que, num dado momento, em função das seleções como
vestibular ou ENEM precisam do domínio de algo que a escola da deu conta –
norma culta –, e que diferentemente de outras disciplinas precisa ser
representado, expresso, por meio da escrita. Olhando para essa realidade, as
palavras de Freire (2018, p. 34) reforçam a minha crítica e me instigam a
pensar que “o ser humano deve ser sujeito de sua própria educação. Não pode
ser o objeto dela”, pois sendo objeto, as/os estudantes acabam
desestimulando-se, desacreditando do processo e, assim, mantendo uma
condição de subalterno na sociedade.
E a “educação bancária”, enquanto uma educação fundamentada na
resposta, o/a professor/a pergunta e a/o estudante responde sob pena de não
errar. Nota-se que o mesmo acontece com as próprias produções escritas,
onde o “processo de escrita” do texto muitas vezes é colocado em segundo
plano em detrimento do produto, isto é, do texto final que é entregue. Quero,
portanto, destacar que o texto também pode silenciar e excluir. A não
compreensão de sua processualidade pode levar o estudante a concluir: “eu
não sei escrever” ou “sou péssimo em redação, desacreditando de si”, entre
tantas outras expressões que se houve no cotidiano escolar. Pois bem, esta
talvez seja outra discussão (futura), quis apenas abrir um parêntese para falar
da sensação de impotência diante dos bloqueios ou as formas de exclusão
ainda provocadas pela linguagem escrita.
Nesse sentido, venho apostando numa educação da pergunta, curiosa,
processual, construída coletivamente e capaz de valorizar as múltiplas
linguagens. Nesta, a pergunta abre caminho para o diálogo e não para a
punição ou para a promoção: “se não responder, tiro um ponto”, ou ao
contrário, “dou um ponto”.
4 Por uma questão ética, não faço referência ao nome do pré-vestibular e emprego nomes
fictícios para as/os estudantes.
A partir desta breve discussão sobre democracia na escola, uma aluna
concluiu: “na escola não tive o hábito de debater. Era mais copiar os assuntos
no caderno e estudar para a prova” (Lays). Vale lembrar que a proposta desta
dinâmica em uma aula de produção de um texto buscou explorar a metáfora do
texto enquanto um tecido, que fio a fio vai sendo costurado, de uma ação
coletiva. À medida que as/os estudantes foram falando, suas respostas foram
sendo anotadas, demonstrando a processualidade do texto: ele nunca nasce
pronto e está sempre em construção, basta revisitá-lo.
Ou seja, através da fala e da escuta, da pergunta como estratégia de
ensino, foi possível romper um pouco o silenciamento e ouvir suas percepções
sobre a escola. Confesso que fiquei curioso, estaria faltando escuta na escola?
Seria este um caminho? No momento foi. E possibilitou a compreensão de que
primeiro vem as indagações sobre o tema, depois a tempestade de ideias,
seguindo-se da organização e sistematização e das constantes leituras
realizadas no decorrer do processo. Em face desta experiência, passo a crer
que a esperança implica nesse agir coletivamente, nessa posição de escuta e
de diálogo, a fim de re-pensar a realidade, o contexto histórico-político-social
no qual estamos inseridos. Afinal, os/as jovens são o presente. É no presente
que eles/as são formados/as.
Ao que parece, a ação proposta incitou-os a pensar que “não é possível
fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio ser
humano (...) sobre a sua própria experiência existencial” (FREIRE, 2018, p. 33),
e a refletir sobre si mesmo e sobre a sua realidade, numa espécie de
“autorreflexão” (FREIRE, 2018, p. 34). Isto porque eles/as passaram a refletir
sobre as suas experiências na escola, bem como sobre as suas práticas na
escrita, enquanto estudantes que já concluíram ou estão em fase de conclusão
da Educação Básica (cerca de 12 anos) e que estão recorrendo a um pré-
vestibular social em preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) ou para prestar vestibular. Esta é, portanto, mais uma contradição do
sistema de ensino brasileiro. Afinal, por que se preparar para um exame que
mede a “qualidade” do ensino médio? Ora, ao se preparar para o mesmo, o
seu resultado não será fiel à realidade das escolas brasileiras. Enfim, talvez
esta discussão não caiba neste texto, mas resolvi pontuá-la porque ela mexe
com os sonhos de muitas/os jovens.
Em diálogo com Regis (1988, p. 7), afirmo que “a sala de aula”, assim
como a escola, “contém muitas realidades” [...] “Esta pode ser pensada em
termos do que é, bem como em termos do que dever ser”. O mesmo pode ser
pensado em relação às juventudes. Logo, uma visão homogeneizadora,
unilateral, acaba contribuindo para este silenciamento das/os jovens na escola,
muitas vezes justificado pela lógica mercadológica que defende uma educação
para o futuro, esquecendo-se do presente: do papel social das/os jovens
estudantes.
Vale lembrar que a discussão sobre “democracia na escola” e o diálogo
estabelecido com as/os estudantes me levaram a pensar nesta relação entre a
educação e a esperança, com vista na ação mobilizadora das/os estudantes.
Uma ação que, freireanamente falando, implica “fazer com”, ou seja, uma
prática educativa com as/os jovens. Será que é por esse motivo as aulas de
“empreendedorismo” têm chamado tanto a atenção de alguns deles/as? Este é
mais um convite a reflexão.
Sobre a relação educação-esperança, Streck (2016, p. 161) destaca que
a esperança “é uma categoria central na obra de Freire, ligada a outros
conceitos como utopia, inédito viável ou sonho possível”. Este mesmo autor
acrescenta que em “Pedagogia do Oprimido a esperança se faz presente como
condição para o diálogo, junto com o amor, a humildade, a fé nos homens e
nas mulheres” (STRECK, 2016, p. 161).
Apesar de Freire discutir sobre a esperança em várias de suas obras,
sobretudo na Pedagogia da Esperança, optei por discuti-la a partir das obras
que elegi como suleadoras para este estudo. Em Conscientização o termo é
utilizado 11 (onze) vezes e, em Educação e Mudança, 10 (dez) vezes. No
entendimento de Freire, “a educação crítica é portadora de esperança”, pois
corresponde “à natureza histórica do ser humano” (1997, p. 42).
Por meio da educação crítica o ser humano é capaz de questionar a
realidade, na busca por transformá-la, conforme observei na paralização em
defesa da educação realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 15 (quinze) de
maio de 2019. Na ocasião, exercendo a sua condição de sujeitos e a sua voz,
um grupo de estudantes de uma escola pública do Rio de Janeiro me instigou a
pensar no papel da educação crítica e libertadora (FREIRE, 1979; 1987 e
2018) dentro das escolas, o que, de certo modo, parece justificar o porquê da
perseguição ao autor pelo atual governo brasileiro.
Ressalto, ainda, que ao associar a esperança com a educação crítica
em Conscientização, Freire nos lembra que os seres humanos
são seres que se superam, que vão para a frente e olham para o
futuro, seres para os quais a imobilidade representa uma ameaça
fatal, para os quais ver o passado não deve ser mais que um meio
para compreender claramente quem são e o que são, a fim de
construir o futuro com mais sabedoria (1997, p. 42).
6Grifos meus.
papel formativo e elevam a capacidade de pensar, de questionar, de
problematizar a realidade, constituindo-se como espaços propícios para a
formação do pensamento ou da consciência crítica. Enfim, para o exercício da
cidadania.
Desse modo, ao compreender a “conscientização” como um “despertar
de nossa capacidade crítica e criadora” (LORA, 1979, p. 7), busquei mapear
este conceito nas duas obras que elegi como centrais para este estudo. Em
Educação e Mudança o mesmo é citado 12 (doze) vezes, já em
Conscientização, é empregado 67 (sessenta e sete) vezes.
As referências feitas ao referido conceito ensejam uma crítica à
“concepção bancária” (FREIRE, 1987), ao mesmo tempo em que defendem
uma “educação libertadora”, capaz de problematizar a realidade a fim de
transformá-la. Na visão de Freire,
7 Grifos do autor.
dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os seres humanos (FREIRE,
1979, p. 15)
Atentando para as questões e para a figura acima, recorro mais uma vez
a Freire para destacar que “a única maneira de ajudar o ser humano a realizar
sua vocação ontológica (Ser-Mais), a inserir-se na construção da sociedade e
na direção da mudança social, é substituir esta captação principalmente
mágica da realidade por uma captação mais e mais crítica” (1979, p. 28).
Assim, ao trabalhar democraticamente e em diálogo com as/os educandas/os,
eles/as “adquirem uma capacidade de conhecimento crítico – muito além da
simples opinião – ao “desvelar” suas relações com o mundo histórico-cultural
no qual e com o qual existem (FREIRE, 1979, p. 45, grifo do autor).
Em suma, trazer a questão da mudança na educação associando-a à
democracia implica compreender que a mudança é resultante de um
movimento interior por parte do sujeito. Um movimento que necessita de uma
educação problematizadora, instigadora, mas que não depende somente da
escola. Reafirmo que a escola assume um papel importantíssimo no processo
de mudança, mas reconheço que ela é uma instituição social e, se não houver
apoio ou colaboração de outras instituições como a família, os movimentos
sociais, os coletivos, terá mais dificuldade de mudar/reverter os retrocessos por
que vem passando a educação brasileira. Mas a quem interessa essas
mudanças? Que forças estão por trás delas? São perguntas que deixo
inacabada. Um exercício de pensamento!
REFERÊNCIAS
_______. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
_______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Olho d’Água, 1997.
FREIRE, Paulo; ARAÚJO FREIRE, Ana Maria de. À sombra desta
mangueira. – 14ª ed. – Rio de Janeiro/São Paulo: paz e Terra, 2021.
GADOTTI, Moacir. Educação e ordem classista – Prefácio. In: FREIRE, Paulo.
Educação e Mudança. 38ª Ed. São Paulo: Paz & Terra, 2018, p.7-16.
GIROUX, Henry A. Democracia (Reconexão do pessoal e do político). In:
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.).
Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016, p.
112-115.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. – 8. Ed. – São
Paulo: Cortez, 2012. – (Coleção questões da nossa época; v. 37).
8
Referência ao título do livro escrito por Paulo Freire e Myles Horton.
JARA, Oscar. A sistematização de experiências: refletindo criticamente para
enriquecer os processos desde as práticas. Revista do Café Paulo Freire. v.
1, n. 1 (2021), p. 1-8. Disponível
em: http://revistas.icesp.br/index.php/CPF/article/view/1718/1279
LORA, Cecílio de. Prefácio. In: FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e
prática da libertação. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 7-10.
MATOS, Junot Cornélio. Professor reflexivo? – Apontamentos para o debate.
In: GERALDI, Corinta Maria Grisolia; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete
Monteiro de A. (orgs). Cartografias do trabalho docente: professor(a)-
pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998, p. 277-306 (Coleção
Leituras no Brasil)
MORAIS, Regis de. Apresentação. In: MORAIS, Regis de (org.). Sala de aula:
Que espaço é esse? – 3ª ed. – Campinas, SP: Papirus, 1988, p. 7-10.
OLIVEIRA, Carlos César de. Pastoral da Juventude do Meio Popular
“cirandando” em formação: aproximações entre a pedagogia pastoral e a
pedagogia libertadora. 2020. 251f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de
Professores, 2020.
O Café com Paulo Freire nasceu nos sonhos de Liana Borges e Ana Felícia,
nas andarilhagens das frias madrugadas de Porto Alegre, aquecidas pela esperança
de um país e um mundo menos desigual e melhor para todos. Nascia ali, na
essência dos encontros, os cafés com Paulo Freire: com sabor de saber ler o
mundo. Partilhado entre companheiros e companheiras que acreditam e lutam por
“sonhos possíveis” e que juntos caminham para o horizonte das utopias, do “inédito
viável” em tempos sombrios, de pouca esperança e nenhuma certeza, em tempos
de verdade solúveis e mentiras sólidas, tempos líquidos que evaporam com o
esquecimento político das políticas públicas de verdade, contra as políticas que nos
roubam sonhos, ferem almas e matam vidas.
O nosso Café com Paulo Freire de Santa Cruz do Sul (RS) nasceu no solo
fecundo da luta sindical dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, em
assembleia do Centro dos Professores do Estados do Rio Grande do Sul (CPERS),
sindicato com um histórico de lutas que serve de referência a muitos outros. Foi no
dia 12 de abril de 2021, em Porto Alegre, que encontramos a companheira Bia
1Maria Isabel Raenke Ertel é professora da rede municipal de Sinimbu/RS e Santa Cruz do Sul/RS.
Graduada em Pedagogia Séries Iniciais pela Universidade de Santa Cruz do Sul e Pós-graduada em
Supervisão Escolar pela mesma universidade. Foi vereadora de Sinimbu na legislatura 2001 a 2004
pelo Partido dos Trabalhadores. Integrante do Café com Paulo Freire Santa Cruz do Sul. É militante
política de esquerda. Escreve poesias no seu Blog Poesias de Vida, disponível para acesso e leitura
no link: http://poemasmariaisabel.blogspot.com/. E-mail: mariaisabelertel@gmail.com
Mazuim do Café com Paulo Freire de Cachoeira do Sul, amiga pessoal de nossa
Curadora do Café Santa Cruz do Sul, Tânia Coletto da Silva.
Na ocasião, conversávamos sobre o Café e a abordagem política em torno
das leituras e do legado do mestre Paulo Freire, da sua imortalidade enquanto
patrono da educação brasileira e notoriedade internacional de um educador que
ganhou o mundo através da amorosidade expressiva que tinha pelas classes
oprimidas para que pudessem agir em favor da própria libertação.
Foi dentro deste contexto permeado pela indignação latente no que diz
respeito às reivindicações feitas em assembleia, sacolejando em um ônibus lotado
de professores e professoras, servidores do Estado do Rio Grande do Sul, que por
sete anos não tiveram nenhum reajuste, e nem aumento salarial, um solo
impregnado de frustração e indignação, que nasceu o Café com Paulo Freire Santa
Cruz do Sul, regado com as mais doces palavras da nossa madrinha Bia Mazuim, de
Cachoeira do Sul. Como afirmou o mestre Paulo Freire, no livro Pedagogia da
Autonomia, “a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a
briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles” 2.
Outro fato que impulsionou a formação e a organização do Café foi a conjuntura
política que o país estava vivenciando na época: o sentimento de tristeza e de
impotência pelo golpe midiático parlamentar consolidado em 17 de abril de 2016
contra a presidente Dilma Rousseff, eleita democraticamente, onde se percebeu
uma tragédia anunciada sobre o povo brasileiro.
Neste momento de incerteza, à procura de uma luz para iluminar os caminhos
difíceis a serem percorridos, surgiu a ideia de ler e discutir em grupo o legado de
Paulo Freire, pois além de manter e fortalecer a memória do mestre, ainda
estaríamos nos fortalecendo com suas certezas e práticas dos tempos em que Freire
as efetivou. Sua história nos motivou a resistir com amorosidade, competência e
inteligência.
A partir desse dia marcamos o nosso primeiro encontro do Café com Paulo
Freire de Santa Cruz do Sul para o dia quinze de maio de dois mil e dezenove. Em
uma noite gostosa de outono realizamos o nosso primeiro café com sabor de saber.
Éramos um grupo de seis mulheres e dois homens aglutinados em torno do mesmo
objetivo, apaixonados pelo mesmo “homem mestre da educação brasileira”. O seu
2FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra:
São Paulo, 1996, p. 74.
legado nos provoca inquietude e nos compromete a viver as causas dos
injustiçados, fragilizados e miseráveis do mundo, que vivem na angústia da
inexistência humana, às margens da sociedade excludente, seletiva por natureza, e
ganância de poder.
No encontro do primeiro café, realizado na casa de Elisângela Wisenteimer
Mees, assistimos o vídeo do Cordel Paulo Freire, por Bráulio Bessa Uchoa, vídeo de
Mario Sergio Cortella, explicando a origem da palavra idiota. E como não poderia ser
diferente, foram feitas leituras – diálogos de textos escritos por Paulo Freire, entre
eles o seu livro Pedagogia do oprimido que foi tomado como leitura quase que
obrigatória pelos membros do Café. Nos deliciamos com a leitura de Casa e o
mundo lá fora, de Nathércia Lacerda, livro este que é uma compilação de cartas que
Paulo Freire escreveu, no tempo em que esteve no exílio, para Nathercinha, filha de
sua prima, uma menina de 9 anos que muito pouco ou quase nada sabia da ditadura
militar no Brasil e suas atrocidades para com aqueles que pensavam diferente ou
então eram vistos como subversivos. Tempos difíceis de se viver no silêncio do
anonimato e colecionar lágrimas na longa e triste espera pelos exilados e
desaparecidos políticos que até hoje não retornaram.
Durante o compartilhamento dos sentimentos que foram provocados pela
leitura das cartas de Paulo Freire para Nathercinha, puxamos os fios de nossa
memória daqueles tempos de espera pelo carteiro. Tempos de trocas, de escrever e
receber cartas, que revelam nossa intimidade com as cartas e que muitos de nós
guardamos até hoje no baú de recordações. Inspiradas nas cartas de Paulo Freire
para Nathercinha, as integrantes do Café com Paulo Freire de Santa Cruz do Sul
também escreveram cartas que foram enviadas para reaproximar integrantes ao
Café durante o período da pandemia.
E assim nos reunimos em mais seis encontros presenciais no decorrer do ano
de 2019 e mais sete encontros virtuais entre 2020 e 2021. Encontros inusitados e
ricos de leituras, trocas de bons livros, rodas de conversa e muita abordagem
política: assuntos pertinentes que não poderiam fugir dos nossos debates por um
imperativo de consciência das mazelas que aniquilam com a nação brasileira. E com
o projeto político atualmente hegemônico, a fome, a miséria, a violência e o
desemprego, e destruição do patrimônio público estão no palco do cenário político
de nosso país, situação essa que não compactua com os princípios freireanos,
situações que nos envergonham aqui e perante o mundo.
Promovemos pequenos encontros culturais com música que traduz nas
entrelinhas os sentimentos que habitam nossa alma, sentimentos esses que tornam
homens e mulheres mais próximos na busca de sonhos possíveis e que provocam a
justa e santa ira. As músicas que aguçaram os nossos sentimentos foram compostas
por Belchior, Mercedes Sosa (Solo Le Pido a Dios), Além do Arco-íris, Horizontes e o
imortal “Menestrel das Alagoas” em tributo a Teotônio Vilela, grande exemplo de
conversão a causa do povo e da democracia nos movimentos das “Diretas Já” de
1984, letras que estão em sintonia com a visão freireana do mundo.
Em virtude das medidas sanitárias de isolamento e distanciamento social no
ano de 2020, as reuniões do Café com Paulo Freire Santa Cruz do Sul passaram a
ser realizadas de forma remota por meio da plataforma do Google Meet. Lembrando
que a partir de 19 de março de 2020 o Brasil passou a usar os protocolos de
prevenção da Covid-19 sugeridos pela Organização Mundial da Saúde.
Um vírus que primeiro foi identificado na China, país mais populoso do
planeta, fazendo vítimas de continente a continente, de Norte a Sul, de Leste a
Oeste, causando dor e morte, resultando em 5 milhões de mortes no mundo e, entre
elas, mais de 670 mil de vidas brasileiras (além das que não foram contabilizadas)
vestiram as vestes da morte, sem ao menos dizer adeus. Portanto, a Covid-19
instalou a maior crise sanitária de todos os tempos, uma pandemia mundial que nos
separou pelos riscos de contágio, mas que nos uniu e nos fortaleceu em gestos de
solidariedade, humanismo e empatia. E que por outro lado nos desafiou a fazer uso
das tecnologias e conviver com medo de perder a vida.
Dentro da realidade de isolamento social imposta pela pandemia, a tecnologia
nos possibilitou participar virtualmente de Reuniões de Curadoras do Café com
Paulo Freire, de reuniões compartilhadas com o Café da cidade de Cachoeira do Sul
e do primeiro Café Nacional em Comemoração ao centenário do Nascimento do
nosso inspirador e mestre Paulo Freire. Houve, ainda, a participação especial de
Oscar Jara, presidente CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e
Caribe) que nos levou a pensar sobre a urgência e importância do pensamento de
Paulo Freire no contexto da pandemia, o avanço do neoliberalismo e do fascismo
que está em curso no nosso país.
O novo normal que vem sendo abordado e afirmado, principalmente pelos
meios de comunicação hegemônicos, não está na direção daquilo que desejamos e
sonhamos. Portanto, precisamos reconstruir um novo país com soberania, trabalho,
renda, qualidade em educação, saúde e ascensão social para todos.
Dentro de uma visão poética, tomaríamos a Canção Óbvia de Paulo Freire
como pano de fundo para nossas reflexões e envolvimento com os movimentos
sociais e sindicais. Embora nos anos de 2020 e de 2021, nossas ações estivessem
limitadas por respeito à preservação da vida de todos, devido à necessidade de
isolamento social para evitar a propagação da pandemia, foram realizados encontros
online, o que também nos possibilitou reinventarmos como Café. Usamos de toda a
nossa criatividade para tornar cada encontro virtual um momento único, recheado de
leituras e músicas de conteúdo inspirador que nos levam a esperançar na educação,
como ensina Paulo Freire. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na
palavra, no trabalho, na ação reflexão"3.
Nossos encontros foram marcados no terreno da luta sindical e nos encontros
de mobilização e contestação política. Nesse clima de luta e de mobilização sindical
e política, entre leituras, aprendizagens e trocas de saberes que nossos Cafés foram
acontecendo, intercalando o presencial e o virtual, lembrando que a maioria dos
membros prefere encontros presenciais.
No dia 27 de novembro de 2021 fizemos a reunião de encerramento do ano
no nosso Café. Um sábado à tarde, ensolarado, com uma leve brisa e o que tornou
nosso encontro ainda mais encantador ao som de violinos, flauta transversal e
violão, executados por jovens e adolescentes (meus filhos) que conhecem de berço
a pedagogia freireana. Considerando que o Café Nacional tem entre seus objetivos
a Educação de Jovens e Adultos (EJA), nesta mesma reunião de encerramento
tivemos a participação especial das professoras de EJA, Ana Maria Rezende e
Silvana Budde.
Tivemos uma tarde de estudos sobre a EJA e a tomada de consciência da
importância da Educação nesse segmento da sociedade, que mudou a história de
homens e mulheres de trabalhadores e trabalhadoras que foram em busca da
escolarização e que por diferentes motivos não a tiveram na idade certa.
Nos relatos de suas experiências as professoras convidadas compartilharam
conosco um breve histórico da educação brasileira, que teve seu início com a
chegada dos jesuítas que iniciaram o processo educacional com uma total
3FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.78.
aculturação dos povos nativos do território brasileiro e o direito à educação era
camuflado, quando só os filhos dos senhores recebiam educação em casa.
Apenas no século XX, com a constituição de 1934, é que a educação passou
a ser gratuita para todos, porém o acesso não se universalizou nas décadas
seguintes. Nesse contexto, a história freireana configura-se na segunda metade do
século XX, onde o mestre Paulo Freire coordenou o Plano Nacional de Educação
(1964) no governo de João Goulart (sugiro rever), Jango. Após o retorno do exílio,
que permaneceu durante quase todo o período da ditadura civil-militar, Paulo Freire
retomou as atividades de apoio à criação e execução de políticas públicas pela
educação brasileira.
A professora Silvana Budde relatou a experiência que teve com detentos do
sistema prisional do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, por um período de seis
anos, juntamente com a psicóloga da Superintendência de Serviços Penitenciários –
RS (SUSEPE).
Nesse curto relato tivemos a nítida certeza do comprometimento dos
governos populares com políticas públicas para favorecer especialmente os mais
fragilizados e excluídos da sociedade; e que, infelizmente, a educação na sociedade
brasileira se consolidou num caminho tardio, desigual e insuficiente. Neste caminho
está a educação de muitos jovens e adultos que tiveram o direito à educação
negado ao longo dos anos pelas políticas neoliberais, bem como a perda do plano
de carreira lento e gradual dos trabalhadores em educação. A universalização mais
efetiva do direito à educação foi reforçada com a constituição promulgada em 1988,
porém o acesso efetivo para todos aconteceu a partir do início do Século XXI com os
governos populares de Lula (2002-2010) e Dilma (2010-2016).
Na oportunidade foi degustado um saboroso café colonial, preparado pelos
anfitriões com muito amor e carinho, e também visitamos no pequeno sítio: os
canteiros com mudinhas de árvores frutíferas e nativas que foram produzidas em
homenagem ao centenário de Paulo Freire. As sementes de pitanga, cereja, abacate
e Guabijú foram coletadas em nossas casas. Destacamos o Guabijú por ser uma
árvore nativa do Rio Grande do Sul.
As mudas estão prontas para serem transplantadas no inverno de dois mil e
vinte e dois. Parte delas serão distribuídas entre alunos de uma turma de 4º ano da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Christiano João Smidt, de Rio Pardinho,
Santa Cruz do Sul/RS, onde farão parte da paisagem da área de lazer e jardinagem
da escola. Portanto, essa proposta de arborização nasce com o projeto “Pequeno
Cidadão Ecológico” que tem por objetivo despertar nos adultos e nas crianças a
consciência ecológica para que sintam e percebam o Planeta Terra como uma
unidade na diversidade com interdependência entre todos os biomas e para tanto
devemos cuidar da nossa “Casa Comum”.
Além da ação do plantio de árvores, o Café com Paulo Freire de Santa Cruz
do Sul confeccionou xícaras, máscaras e sacolas retornáveis personalizadas com o
nome do Café e a imagem de Paulo Freire. Ainda, ao longo de 2021, participamos
das manifestações de rua pela vacina, pela vida e contra o (des)governo genocida
atual.
RESUMO: Este texto apresenta a trajetória do Café com Paulo Freire, que acontece
na cidade de Varginha/MG, desde agosto/2018. Traz o desejo e a alegria do
encontro e os desafios de continuar andarilhando.
PALAVRAS-CHAVE: Esperança. Partilha. Mudança.
INVERNO DE 2018
Uma coceira nas lembranças de Liana 2 , faz memória a um grupo que ela
havia participado, chamado Café com Morin. Em uma conversa com sua amiga, Ana
Felícia3, a memória do patrono da educação brasileira - Paulo Freire - une o vivido à
utopia. Liana e Ana lançam em suas redes sociais um sonho: o sonho de ver o
legado de Paulo Freire sendo pensado e repensado. Neste processo de reinventar
Freire, nasce uma esperança, um inédito viável, chamado Café com Paulo Freire,
que teve como primeiro objetivo pensar e transformar o mundo. Para Ana Felícia,
este é um dos modos de resistir aos processos políticos de ataque às lutas
populares e criminalização dos movimentos sociais e, em especial, à defesa legítima
e imprescindível da imagem e trajetória de Paulo Freire.
Liana e Ana, "mães biológicas" da ideia, ao experienciarem a boniteza do
fruto que estava sendo gestado em seu coração, como todo bom(a) freiriano(a), não
conseguiram ficar com o tesouro só para elas. Ao ser compartilhada, a proposta foi
sendo amada por tantos outros corações freirianos e, assim, - desde julho/2018, o
Café com Paulo Freire vem cooptando assento em outros colos (que agora
entendemos como solo) amorosos.
O objetivo deste relato de experiência é contar sobre a vida do Café com
Paulo Freire - Varginha/MG, desde o seu nascimento. Para além de registrar a
trajetória de um coletivo(que iniciou como grupo de estudos), vislumbramos a
expansão deste sonho coletivo de ter Paulo Freire reinventado. O Café com Paulo
1Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora do livro Educação
popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com Paulo Freire
Varginha/MG e curadora nacional da rede de Cafés com Paulo Freire. E-mail: pbibiano@gmail.com
2 Doutora em Educação. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre, aposentada. Cocriadora do
ESTRUTURAÇÃO
Mas, o que estudar neste contexto? O que fazer? Como fazer? Onde fazer?
Com quem fazer? A proposta exige organização e rigorosidade metódica, a fim de
não cair em mero verbalismo ou ativismo. Para tanto, foi estabelecido coletivamente
que os encontros aconteceriam da seguinte maneira:
Legenda: Gladis Prado, Margarette Catarina Mendes Matte, Eva Teresinha Ferreira Jornada, Maria
Teresinha Kaefer (Tere), Thais Costa Moura e Taniamara Vizzotto Chaves.
Fonte: Taniamara Vizzotto Chaves. 08 de outubro de 2021.
De maneira geral, é possível afirmar que o Café com Paulo Freire de São
Borja (RS) vem desempenhando um papel de suma importância enquanto espaço
de ação-reflexão e resistência frente aos retrocessos vivenciados no âmbito político
e cultural do país. Durante as edições acima elencadas, foram realizados
aproximadamente quinze encontros, presenciais ou virtuais, onde foram discutidos
conceitos como “amorosidade”, “conscientização”, “esperança”, “diálogo”,
“transformação” e “resistência”. Neste espaço, mesmo que muitas vezes fisicamente
distantes, professores e futuros professores trocaram e construíram saberes,
refletiram sobre suas ações e, acima de tudo, mantiveram acesa a chama da
esperança freiriana. A partir da leitura de obras como Pedagogia da Esperança,
Política e Educação, À sombra desta Mangueira, além da realização de
2 Contato: mtksbg@gmail.com
transmissões ao vivo com estudiosos e pesquisadores da linha freiriana, foi possível
construir pontes de saberes conjuntos, partilhados e criticamente refletidos.
Atualmente, o Café com Paulo Freire de São Borja (RS) conta com
aproximadamente vinte professores de escolas da rede pública do município e se
encontra em processo de recadastramento enquanto projeto de Extensão do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, campus São Borja
(RS). Neste ano que se inicia, encontram-se à frente da ação, exercendo o papel de
curadoras do Café Local, as professoras Barbara Karina Gonçalves Panciera3 e
Taniamara Vizzotto Chaves4. A partir das experiências vivenciadas até então,
propõe-se:
[...] (re) ler as obras de Paulo Freire a partir da conjuntura atual com vistas à
problematização e a compreensão da realidade, constituindo-se em um
espaço de construção de mecanismos para a resistência e luta e para a
formação continuada de professores (CHAVES, 2022, n.p.).
3
E-mail: barbarapanciera77@gmail.com
4
E-mail: taniamara.chaves@iffarroupilha.edu.br
A partir da estruturação da ação, os encontros se darão por meio de rodas de
conversas, pautadas no estudo e na discussão de referências relacionadas a
conceitos/temas como “diálogo”, “esperança”, “indignação”, “autonomia”,
“amorosidade” e “conscientização”. As ações desenvolvidas pelo projeto Café com
Paulo Freire seguirão pautadas na não-hierarquização cultural, onde o diálogo
acontece no mesmo nível de compartilhamento de saberes, tendo como ponto de
partida as leituras de mundo que cada indivíduo possui até o momento.
Dessa maneira, o Café com Paulo Freire de São Borja-RS conservará sua
metodologia de ação pautando-se no diálogo, na construção coletiva de saberes, a
reflexão e (re) leitura das obras de Freire – bem como autores da linha freiriana –,
ampliando, assim, os seus horizontes. A busca por novos voos pressupõe a procura
pela construção coletiva de um futuro pautado na equidade e na autonomia. Um
futuro onde os saberes são construídos e desconstruídos coletivamente, de maneira
crítica e autônoma. Este foi e será o papel do Café com Paulo Freire de São Borja-
RS: contribuir na/com a formação inicial e continuada de profissionais da educação
pautada no humanismo, na criticidade, na autonomia e na esperança. Uma
contribuição construída coletivamente, sem desconsiderar as leituras individuais ou
as esperanças coletivas de mundo.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
CAFÉ COM PAULO FREIRE SÃO PAULO
RESUMO: A história do Café com Paulo Freire São Paulo é muito linda! Nasce
antes do Café, inclusive. A militância pulsava nos corações de pessoas que
não se cansam de defender seu legado: Luiza Erundina (autora da lei que
concedeu o título de Patrono da Educação brasileira), Daniel Cara,
LiseteArelaro e Nita Freire. Neste contexto, Nitapediu que abríssemos um Café.
E assim aconteceu.
PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire. Práxis Freireana. Educação Libertadora.
Sou Lilian Contreira, trabalhei com Paulo Freire, como sua secretária,
até o último dia de sua vida, e tive uma convivência com ele muito próxima e
amorosa, por isso decidi que, a partir daquele momento, para onde eu fosse eu
levaria o nome dele comigo e tentaria colocar em prática o seu legado e tudo o
que aprendi com ele.
Minhas memórias do Café são um pouco mais longínquas que as do
Prof. Martinho, pois, em2017, quando houve um movimento para ‘retirar’ de
Paulo Freire o título de Patrono da Educação no Brasil, foi criado também um
outro movimento para resposta, chamado Coletivo Paulo Freire, onde, com
vários manifestos, criamos uma rede encabeçada pelas profas. Ana Maria
Araújo Freire, Lisete Arelaro, a Dep. Federal Luiza Erundina, Prof. Daniel Cara,
entre outros educadores e simpatizantes da causa em defesa do educador.
Realizamos vários encontros no escritório da Dep. Luiza Erundina e, além de
manifestações nas Câmaras Legislativas de São Paulo, e dos sete municípios
do Grande ABCDMR e em vários outros estados do Brasil.
Legenda: O Grande ABCDMR está inserido à sudeste da Região Metropolitana de São Paulo
e é composto por sete municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Fonte: https://consorcioabc.sp.gov.br/o-grande-abc, 2022.
Figura 2: Café com Paulo Freire São Paulo Escola Municipal Amorim Lima
Figura 3: Boneco de Paulo Freire que foi feito na Escola Amorim Lima,
para o Centenário de Paulo Freire.
Fonte: Acervo do Café com Paulo Freire São Paulo, 31 de outubro de 2021.
RESUMO: Esta carta conta a história do Café com Paulo Freire, em Uppsala,
Suécia, e de que forma se insere no Programa que homenageou Paulo Freire
em seu centenário, bem como o empenho em apoiar a internacionalização
deste movimento.
Caro Paulo,
1Azril
Bacal Roij, Agric. Engenheiro, Doutor em Sociologia e professor universitário em
Uppsala. Nas suas palavras “una combinación de académico, viajero y bohemio”.
2 www.cemus.uu.se
se expandiu para Lima (Peru) e Atenas (Grécia), desde outubro do ano
passado (2021).
Em suma, este texto mistura o estilo pessoal de uma carta entre amigos
com um relato resumido de nossa experiência no CEMUS -, e com perguntas
geradoras sobre o Café de Uppsala: Como começou? Por e com quem? Como
é construído/organizado? Quais são nossos objetivos, visão e missão? Qual é
o significado do legado de Paulo Freire em Uppsala/Suécia, Lima/Peru e
Atenas/Grécia no contexto internacional, nacional e local, de hoje? Sempre
tendo em mente sua premissa freiriana: aprender a "ler" o contexto para
transformá-lo!
À medida que nos aproximamos de 2 de maio deste ano, dia de sua
morte há 25 anos – eceteris paribus3, a mesma data que completarei 81 anos,
retomo a pergunta que levantamos entre os painelistas no evento
comemorativo de seu centenário: Como vocês se conheceram e/ou conheceu
Paulo Freire e sua obra?
É desafiador iniciar este texto cruzando a dimensão pessoal com a
organizacional, que remonta a 1969, há 53 anos, quando assessorei
pessoalmente o programa de alfabetização idealizado por Augusto Salazar
Bondy, Ministro da Educação, durante o governo transformador de Juan
Velazco Alvarado (1968-1974) no Peru, meu país natal. A reforma educacional
peruana da época incorporou grande parte dos princípios do seu projeto
pedagógico-crítico Paulo, e foi considerada um dos projetos educacionais mais
importantes da década de 1970, pela UNESCO.
Depois que a Reforma Agrária foi declarada no Peru, em 24 de junho de
1969, por Velazco usando as palavras vibrantes de Tupac Amaru: "Campesino,
el Patrón no comerá más de tu Pobreza", recebemos o apoio de uma missão
da FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura) para apoiar o desafio de treinar agentes agrários, camponeses e
agricultores para apoiar ativamente o processo de Reforma Agrária.
Nesse sentido, contamos com o apoio técnico do ICIRA (Instituto de
Investigación y Capacitación para la Reforma Agrária) no Chile, onde você
trabalhou após o sangrento golpe militar de 1964 que o obrigou a deixar seu
3É uma expressão em latim que significa “todo o resto constante”, muito utilizada na ciência
econômica.
país natal, exilando-se no Chile. Dessa missão, lembro-me em particular de
Paulo Tarso, Paulo Sampaio e Antônio García, de quem fui amigo até
falecerem.
Oportunamente, criamos no Peru o CENCIRA (Centro de Investigación y
Capacitación para la Reforma Agraria), inspirados no ICIRA do Chile.
Poderíamos escrever um livro desse período, talvez destacando o projeto
Rádio Camponesa-Fórum que criamos depois que você nos instigou a usar os
meios de comunicação de massa de forma dialógica. Esse projeto durou de
1969 a 1976, e seus aprendizados aguardam por publicação, e que seja em um
futuro próximo, dado seu valor potencial para combater a guerra cultural e o
poder destrutivo das mídias convencionais e sociais, hoje apoiando regimes
autoritários e corruptos como Bolsonaro, no Brasil, agravando, por exemplo, a
situação de emergência climática mundial, devastando a terra e a vida das
populações indígenas na região do Amazonas.
A referência ao diálogo me levou ao seu trabalho em Extensão ou
Comunicação? (1970), onde você contrasta conceitualmente a comunicação
monológica (persuasiva), como publicidade/propaganda e uma educação para
a conformidade, com a comunicação dialógica, inspirada em Sócrates
(Maiêutica) e o trabalho seminal de Martin Buber sobre comunicação
libertadora e emancipatória ("Eu e Tu", 1974) – que também infunde sua obra-
prima sobre a Pedagogia do oprimido, onde defendo que você propõe uma
resposta teórica e prática à teoria da Alienação de Marx, por sua vez
respondendo pela operação e como neutralizar os efeitos da opressão social
internalizada como o inimigo interno ("el enemigo interno").
Diante do pano de fundo acima descrito, há muito mais para contar. Mas
voltemos ao nosso início: CEMUS, em setembro de 2021, quando eu recém
havia me filiado a este programa acadêmico dirigido por estudantes e orientado
e supervisionado por professores seniores, no contexto das comemorações de
seus 30 anos (jubileu).
Na ocasião, contamos com Daniel Mossberg, responsável pela
divulgação e relações internas, e estabelecemos uma relação de trabalho
frutífera desde o início. Iniciamos a série de diálogos Outono de 2021, intitulada
"Paulo Freire e a sobrevivência humana no século XXI", destinada a informar e
engajar alunos e professores, global e localmente, sobre a relevância do seu
legado educacional potencialmente transformador para o atual contexto de
crise local, nacional e internacional, caracterizado, sobretudo, pela situação de
emergência climática, pela devastação ambiental (a sexta extinção em massa
de espécies), bem como pelo retorno do fascismo que produziu uma crise
humanitária (cerca de 70 milhões de refugiados, entre eles três milhões da
Ucrânia em apenas 6 semanas desde a invasão russa de Putin), após o
fracasso da diplomacia internacional e das Nações Unidas em encontrar
soluções políticas em tempo hábil para evitar esta guerra feia, como todas as
guerras!
Após os quatro primeiros encontros com perspectiva Global/local (Glo-
cal), adotamos o formato do Café com Paulo Freire, como já mencionado.
Organizamos os encontros dos Cafés à medida que avançávamos como um
processo, como sugere o poeta espanhol Antônio Machado: "Haciendo Camino
al Andar...", organizamos nossas sessões. O Café Uppsala é híbrido, pois
conta com participação física na biblioteca CEMUS e digitalmente com nossos
palestrantes e ilustres convidados – Leonardo Boff, Chico Whitaker, além de
outros colegas como Frans Lenglet, René León, Fernanda Polleto, Alicia
Cabezudo, Beatriz Bissio, Erik Lindhult, além de alunos e professores
universitários.
Tivemos participantes de Uppsala, Noruega, Lima, Brasil e Atenas,
estabelecendo, assim, uma ponte entre pessoas e grupos de diferentes cantos
do mundo, inspirados em ti (Paulo) e em teu legado. Assim, com o intuito de
contribuir com o crescimento da Rede realizamos quatro reuniões preparatórias
em Lima para criar uma “filial peruana”, esperando ainda para se cristalizar em
seu próprio modo de autogestão.
Foi criado, também, um Café com Paulo Freire em Atenas, Grécia,
sendo que seus membros estão em processo de definição dos objetivos, da
organização e de uma agenda futura, com a professora Christina Marouli como
coordenadora.
Saltando para a organização e atividades recentes, no dia 6 de abril de
2022 tivemos uma reunião produtiva para lançar o Café com a Paulo Freire
como uma rede Internacional que contou com a presença de outros Cafés (as
gravações estão no site do CEMUS).
No último Café antes da Páscoa deste ano (2022), tivemos um encontro
de muito sucesso intitulado "Rebelião da Comunidade Científica pelo Clima",
com participantes de Lima (Dra. Liliana Miranda, peruana, membro da
Comissão do IPCC da ONU), Uppsala (Hedvig Ekerwald, professora emérita
em Sociologia), Estocolmo (Jonathan Feldman, professor em História
Econômica) e Sevilla, Espanha (Dr. Vicente Manzano-Arrondo, professor em
Psicologia), entre outros participantes como: Christina Marouli em Atenas, Ulla
Tengblad (Física) em Uppsala, Dr. Ricardo Giesecke (Físico Nuclear, ex-
Ministro do Meio Ambiente do Peru).
À medida que avançamos com os encontros dos Cafés, decidimos com
Daniel Mossberg diminuir a quantidade de sessões por mês (de semanal para
quinzenal, mantendo algumas sessões localmente, alternando os locais e,
assim, engajando novos públicos locais, mantendo um sessão Glo-clal híbrida
(presente e digital), já que nosso objetivo básico continua sendo o de permitir
que um número crescente de alunos, professores e cidadãos locais se juntem a
nós e leiam criticamente o contexto – para transformá-lo!
Caro Paulo, há muitas outras lições de nossa humilde experiência para
compartilhar com você, mas os limites de tempo e espaço me fazem parar
neste ponto. Gracias por tu inspiración e legado de conscientização, esperança
e empoderamento para transformar nossas universidades e sociedades.
Abraços fraternos!
Dear Paulo
Abrazos fraternales!
CAFÉ COM PAULO FREIRE GOIÂNIA:
memórias de luta que atravessam as pelEJAs de Goiás
RESUMO: Este relato objetiva abordar a constituição do Café com Paulo Freire
Goiânia. Em 2019, o coletivo surge, incentivado por sua primeira curadora, a
querida e generosa professora Maria Emília de Castro Rodrigues. Os encontros
presenciais no primeiro ano realizaram-se em locais marcados por
representatividade sócio-histórico-política. Após um período turbulento e pausa
em 2020 para adaptações ao contexto online, em função da pandemia da COVID-
19, retornamos com os encontros em 2021. Entre idas e vindas, perdas e ganhos,
pelEJAs, o Café Goiânia tem se fortalecido e se constituído como espaço
dialógico e movimento de luta e resistência no Estado de Goiás.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Trajetória. Transformação.
Universidade Federal de Goiás, Membro do Fórum Goiano de EJA e Curador do Café com Paulo
Freire Goiânia. E-mail: lucasmavelar@gmail.com
O nosso Café nasceu em junho de 2019, numa manhã de sábado,
motivado pela professora Maria Emília de Castro Rodrigues, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás. Com sua generosidade, Emília
sempre partilhou com todos seus conhecimentos sobre a Vida e Obra de Paulo
Freire. As análises das interfaces entre os referenciais da Educação Popular, tão
vivenciadas por Freire, foram para nós a confirmação de que precisávamos fazer
do espaço de nosso Café a vivência do diálogo, da dialogicidade, da escuta
sensível como princípios fundantes para a constituição do “inédito viável”.
Com intenção de afirmar nossa disposição em pensar a sociedade com o
pé na realidade, fomos estabelecendo nosso jeito de fazer-nos café. Por isso, não
poderíamos perder de vista a cultura, também evidenciada na história de Paulo
Freire, que por meio dos Círculos de Cultura nos falava de um lugar em que a
unidade de aprendizado era a referência, o homem em sua realidade, sua cultura,
tudo junto e misturado!
Dessa forma, a busca de espaços diversificados para nossos diálogos foi
tornando-se concreta: Faculdade de Educação da Universidade Federal da Goiás
(UFG), Praça Universitária, Cine Ouro (espaço de cinema, de shows, uma casa
de cultura), depois o Centro Cultural Martim Cererê, espaço composto por dois
pequenos teatros ("Ygua" e "Pygua"), um Teatro de Arena, uma área aberta.
Esses teatros eram antigas caixas d’água da empresa de Saneamento do Estado
de Goiás.
A história marca esse local das antigas caixas d’água como lugar em que
ocorriam as torturas durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1979). Tomar esse
espaço para discutir a memória de Paulo Freire, sua amorosidade pela
humanidade, a vida, a natureza e a liberdade foi expressar a resistência em
consolidar espaços democráticos e de cultura, o que vai contribuindo para a
construção da justiça social. Vivenciar o Café com Paulo Freire no referido
espaço, com a presença da Maria Emília, foi inspirador e confirmou a
humanização daquele lugar, que já há alguns anos é um Centro Cultural que
acolhe diversos festivais de música alternativa da cidade, dança, teatro, e
exposições.
Ainda não sabíamos que aquele seria o nosso último encontro presencial
com a doce e forte presença da companheira Maria Emília. Em 2020 veio a
pandemia e tudo que ela trouxe, inclusive a dor de ver a partida desta
companheira, vítima da Covid-19, em março de 2021. Na figura 1, podemos
observar algumas fotos dos encontros realizados no decorrer do ano inicial de
constituição do grupo, com destaque para a imagem na qual o coletivo está
reunido à sombra de uma árvore. A ocasião se refere ao primeiro encontro,
momento em que Maria Emília discorre sobre a vida do patrono da educação
brasileira.
REFERÊNCIAS
Saudações da Grécia!
Christina Marouli
Athens, Greece
PEDAGOGICAL LETTER ADDRESSED to PAULO FREIRE
Greetings fromGreece!
Our Cafes with Paulo Freire – discussions around your work and
insights – in Greece started unexpectedly, seemingly by accident in Deree –
American College of Greece. One of us, Christina, participated in the original
meetings to commemorate you that were organized by CEMUS in Uppsala,
Sweden in fall 2021. (That was not by accident, but due to the long-standing
friendship and a recent collaboration with Azril Bacal around transformative
education.)
Then, after a choir meeting, Christina brought up your name and her
experience with the Cafes in Sweden; Despina and Effi both were excited to
hear that and expressed interest in common meetings. These were the
coincidences that led to the initiation of Cafes with Paulo Freire in Athens,
Greece.
Our first meeting was in early February 2022, where we discussed how
got in contact with your work and what triggered our interest in it. All of us are
concerned about the existing ‘banking’ educational model, which numbs
students’ curiosity and natural interest in learning and averts them from
seeking uneasy questions and alternative approaches.
Our group is still formulating our vision and goals for our Cafes. In any
case, as we are all educators, we are focusing on education and how it can
become empowering and socially relevant to the important challenges
contemporary societies face. We are interested in identifying which concepts
and practices we find useful in your work for our setting today, so that we can
make our educational praxis empowering, and then which insights we wish to
communicate to the whole College setting. We have decided that for the next
months, we will remain a closed group, until we clarify our vision and goals
and how these can be served better.
Christina Marouli
Athens, Greece
A FORMAÇÃO DO/A EDUCADOR/A DA EDUCAÇÃO DE PESSOAS
JOVENS E ADULTAS EM QUESTÃO:
Café Curto com Paulo Freire, Alagoas
Síntese: Este CaféCurto com Paulo Freire foi preparado a partir do tema do V
Encontro Nacional dos Cafés - A EJA como política pública de Educação
Popular, pauta recorrente em vários Núcleos, haja vista que muitos
participantes são professoras e professores desta modalidade em redes
públicas, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior.
O Café de Alagoas discutiu “A Formação do/a Educador/a da Educação
de Pessoas Jovens e Adultas em Alagoas”, com foco nas (in)visibilidades e
silenciamentos destes sujeitos. Inicialmente, a professora Marinaide agradeceu
a presença dos convidados, saudou o público e explicou o porquê da
denominação Café Curto, que antecedeu ao Café Longo do V Encontro
Nacional, com o tema A EJA como política de Educação Popular.
Na sequência, a profa. Valéria Campos expôs que o sistema
educacional de Alagoas impõe uma política generalista para o público da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) e que as especificidades dos sujeitos são
1
Professora da Universidade Federal de Alagoas, doutora em Educação, na Cedu/UFA.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação, Currículo e Diversidades, vinculada ao grupo
de pesquisas Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos. Membro da Curadoria Café
com Paulo Freire de Alagoas. E-mail: valeria.cavalcante@penedo.ufal.br
ignoradas. Essa política generalista explicita a ausência do Estado diante da
modalidade, que permanece há décadas num patamar de invisibilidade, no
tocante a garantia de direitos, seja de estudantes e ou professores. Sendo
assim, longe de estar servindo à democratização das oportunidades
educacionais, a EJA em Alagoas se conforma como educação compensatória,
como lugar dos que podem menos e também como quem obtêm menos.
Ela também ressaltou que há um total abandono em relação à formação
do continuada do/a professor/a que atua na modalidade e que, nos anos
2020/2021, houve um agravamento da pouca importância que os governantes
alagoanos outorgam à EJA, quando da pandemia da Covid-19.Sem deixar de
destacar, antes, a diminuição progressiva dos orçamentos e da convocação de
professores/as leigo/as contratados/voluntários para atuarem na EJA, ou seja,
em muitos municípios alagoanos qualquer um que saiba ler e escrever pode
“se transformar em professor da modalidade”.
Observa-se o descaso com os profissionais que atuam na Educação de
Jovens e Adultos, que permanece como educação compensatória, sem a visão
de superação da sua condição marginal. O mínimo é oferecido para esses
sujeitos, sem a possibilidade de que saiam da condição de subalternidade.
Em sua fala, o prof. Raildo Ferreira trouxe reflexões sobre a realidade da
EJA do Campo em Alagoas, problematizando o descaso para com as escolas
campesinas. Nesse sentido, afirmou que as ações oferecidas para os jovens,
adultos e idosos do campo configuram-se como pontuais, desprezam-se as
especificidades, expectativas e necessidades do público da EJA do campo.
Constatou-se, portanto, a grande dificuldade de se implementar em
Alagoas políticas específicas para o público da EJA do campo, seguindo na
perspectiva do que afirma Caldart (2012, p. 255):
REFERÊNCIAS
Síntese: No decorrer de nosso Café com Paulo Freire ecoaram várias vozes que
nos afirmam quem é Paulo Freire. A nossa mesa virtual foi composta por
professores militantes na defesa do educador, com destaque para a voz que veio do
Rio Grande do Norte, Maria Aparecida Vieira de Melo, trazendo-nos quem são os
sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), enfatizando os eixos da Educação
Popular (EP) na EJA e o recado de Paulo Freire quanto à autenticidade exigida na
prática de ensinar-aprender, inclusão social e combate às desigualdades sociais.
1
Professora do Departamento de Administração e Planejamento da Faculdade de Educação
e do Programa de Pós-Graduação - PROF-FILO - da Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal do Amazonas. E-mail: jocelia.bnogueira@hotmail.com
prioridade aos excluídos e oprimidos.
Dando continuidade ao debate, o professor José Alcimar de Oliveira destacou
que Paulo Freire é um pensador do oprimido como classe. Assim, faz uma reflexão
importante acerca do livro mais difundido de nosso Patrono da Educação Brasileira –
Pedagogia do oprimido2. E, neste ano (2021), de acelerado retrocesso político, o
Brasil que se recusa a entregar o futuro às forças do ódio organizado como forma de
governo, celebra o centenário de nascimento de seu maior educador, Paulo Freire,
nascido em 19 de setembro de 1921.
Quase 40 anos depois de sua vinda a Manaus, há pelo menos cinco anos do
golpe jurídico, parlamentar e empresarial, de 2016, atribuído à Dilma Roussef, fomos
submetidos a mais retrógrada campanha de desqualificação que já se fez a um
pensador brasileiro. Paulo Freire é vítima de um duplo exílio no Brasil: em vida, em
1964; e pós-morte, a partir dos ataques advindos do governo federal. Enquanto seus
leitores, estudiosos e militantes de sua práxis educativa e libertadora sentem-se
intimidados - e muitos nem ousam pronunciar seu nome -, seus opositores andam à
solta, nas instituições de ensino e fora delas, a atacá-lo sem que jamais tenham tido
contato com o seu legado pedagógico.
Vítima do ódio e da ignorância de gente reacionária, Paulo Freire é Brasil da
amorosidade, da alegria e do esperançar; o Brasil de Paulo Freire, o nosso Brasil, é
o país da educação como prática de liberdade. Em Paulo Freire, método não é
procedimento técnico, é, antes, teoria do conhecimento. Paulo Freire não criou um
método, mas uma teoria dialética (porque dialógica) da educação, na qual o
oprimido se reconhece como classe e assume para si, como sujeito social, a tarefa
de construir um mundo sem opressão e feito para todas e todos.
Esteve também em foco, neste Café com Paulo Freire, na voz aguerrida da
professora Francimar Júnior, a discussão em torno da educação popular, afirmando
que ela é um método educacional que valoriza o conhecimento que os/as alunos/as
já possuem, que trazem na bagagem suas realidades culturais, na busca da
possibilidade de construir novos saberes, novos caminhos, novas formas de
fomentar o conhecimento.
A EP nasce do anseio dos movimentos de base de potencializar o
trabalhador/trabalhadora, a partir de suas necessidades, a realizar uma leitura crítica
2
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.
da sociedade, dos espaços políticos, da formação propriamente dita. A EP nos
mostra caminhos diversos, possibilidades da partilha do conhecimento, em ciclo, em
todos os espaços possíveis, onde encontramos nosso povo.
Importantes indagações ecoam:
3
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ajuda a enxergar os caminhos possíveis para uma sociedade alfabetizada
politicamente.
Para o professor Nilton Carlos é importante pontuar que a pandemia trouxe
problemas para toda a educação, sobretudo, para as escolas públicas, mais
especificamente aquelas localizadas nas periferias e nas zonas rurais. Porém, ao
focarmos a EJA, a situação se acentua mais, porque, em geral, os alunos das
escolas que atendem a modalidade da EJA são oriundos da população mais pobre e
em situação de vulnerabilidade. Portanto, é preciso de estímulos e políticas públicas
de EJA. Precisamos pensar em um programa, uma política voltada para os
estudantes desta modalidade de ensino, pois a maioria das alunas e alunos não têm
acesso a informática. Muitos, inclusive, têm dificuldade de manusear um aparelho
eletrônico ou responder um e-mail. Um dos maiores problemas com o ensino remoto
é justamente a questão do acesso e uso da internet. Em se tratando da região Norte,
mais especificamente do Amazonas e das Amazônias mais profundas, a falta de
acesso é ainda maior.
O destaque feito pela companheira Ana Grijó, nos faz refletir acerca da
temática em questão e da importância do Café com Paulo Freire. A partir de nossas
experiências com a proposta pedagógica da educação para a emancipação humana,
podemos afirmar o nosso compromisso com um processo educativo que rompe com
a tradição educacional, que apenas oportunizava a uma minoria social, para conferir
à educação um conteúdo diferente, comprometido com uma dimensão ativamente
social e política. Em se tratando da Amazônia, lugar de minha fala, digo que Paulo
Freire não a deixou de pensar, pois defendeu sempre a cultura, o meio ambiente e a
vida dos povos indígenas, dos rios e das florestas. Sua pedagogia foi pensada a
partir da realidade dos educandos, reflexão sobre si mesmo, reflexão sobre o ser
humano e sua relação com o mundo.
As contribuições do doutorando Edilson Albarado trazem sua trajetória na
militância com a EP e com a EJA, por uma educação libertadora e de muita
superação, pois, as canoas, os barcos e os navios que navegam nos Rio Amazonas,
que banha a ilha de Parintins, não cessam suas trajetórias em busca do
conhecimento para esperançar por dias melhores.
A EJA É UM DIREITO: NINGUÉM FECHA O QUE NÃO ABRIU
Número de participantes: 70
1
Professora do Departamento de Educação da UERN – Campus de Assu, Pedagoga,
Mestre em Educação, Membro do Projeto de Extensão da UFRN EJA em Movimento,
Curadora do café com Paulo Freire RN – dkomartins@gmail.com
2
Pedagoga, mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Educação de
jovens e Adultos – MPEJA/UNEB, Membro do Fórum EJA/BA, membro do Café com
Paulo Freire BA – katiafilardi@yahoo.com.br
3
NASCIMENTO, José Mateus; MELO, Kátia Simone Filardi; MARTINS, Deyse Karla
de Oliveira. A EJA é um direito: ninguém fecha o que não abriu. Google Meet. 23
nov. 2021. Disponível em: https://youtu.be/M2hrNhjI3dA
vidas ceifadas pelo vírus. Salientou, ainda, que mudanças de comportamento e
convivência foram adotadas como medida de segurança e, neste contexto, os
encontros e estudos online foram se articulando: assim, o Café com Paulo
Freire RN inicia suas rodas de conversas.
A professora Deyse fez apresentação dos convidados e seguiu com a
reflexão da temática A EJA É UM DIREITO: NINGUÉM FECHA O QUE NÃO
ABRIU! Ressalte-se que esta temática emergiu do tema do Café com Paulo
Freire Nacional: A EJA como política pública de Educação Popular, evento que
aconteceu no dia 03 de dezembro de 2021 às 18h30. A ciranda girou e a
professora Edite foi convidada para seguir neste momento histórico dos dois
Cafés, saudando os convidados e provocando a todos e todas que militam na
EJA, na formação de coletivos de resistência. Antes da pandemia/pandemônio
haviam denúncias graves a respeito do fechamento de escolas e turmas de
EJA, a ausência de formação de professores(as) e concursos específicos para
atuação na EJA, como se a EJA fosse espaço do amadorismo. A professora
Edite seguiu denunciando a gravidade em que se encontra a EJA no Brasil e
chama atenção para a importância de quem está na EJA realize suas
atividades como espaço de possibilidades com compromisso, com rebeldia e
com responsabilidade.
Em seguida, o Prof. José Mateus, ao ressaltar a luta pela EJA,
denunciando e anunciando, trouxe uma reflexão acerca do direito do estudante
da EJA ao retorno escolar. Fez uma reflexão da EJA como espaço de inclusão
social e ilustrou com a metáfora da rodovia – que traz a possibilidade de
retorno, de destino – e destacou que muitos dos sujeitos da EJA precisam
interromper os seus itinerários, visto que o sistema capitalista não considera
esse processo e culpabiliza os estudantes pela evasão e desistência. Estes
estudantes compreendem a semântica das palavras e as corrigem, dizendo
que interromperam temporariamente, mas que vão retornar em breve. Muitos
se matriculam no início do ano e, ao longo do processo, interrompem por
questão de sobrevivência. E, como não há aproveitamento do que cursaram,
eles retornam no início do ano seguinte na expectativa de concluírem o ano
letivo.
O professor Mateus ressaltou a importância da restauração deste
itinerário, deste ato ser reatado, humanizado, pois está dentro da dimensão do
“inédito viável”. Afirma que a EJA é a via que possibilita o recomeço,
estabelecendo o diálogo entre a cultura e os conhecimentos sistematizados.
Ele exemplificou com o Projeto TARRAFAS que articula os conhecimentos
sistematizados com base na tradição pesqueira, participação dos estudantes,
as palavras geradoras, a Matemática, a História e a Biologia.
Em seguida, a professora Kátia narra a experiência do Coletivo de Pirajá
2011, em todo contexto de desgastes e interferências dos governos para a
fechamento de escolas. Relatou também sobre o processo de luta do bairro por
direitos essenciais para seus moradores e, por fim, afirmou que a educação
dos sujeitos da EJA é um direito, e que essa luta tem sido um desafio em
tempos tão hostis na política educacional de Salvador. Momento de reflexão!
Assim, a ciranda voltou a girar e a palavra retornou para Deyse que
ressaltou a importância da participação popular na conquista dos direitos. Além
disso, destacou alguns conceitos freirianos como conscientização, busca por
outros caminhos, espírito de luta, resistência, importância do coletivo.
Mais uma vez a ciranda girou para os elogios e os comentários. Os
destaques foram o potencial da EJA, a importância de se lutar pelas escolas de
EJA (espaço formal único que a cada dia está sendo cerceado e fechado) e a
necessidade de se construir resistência, construir pontes... daí a importância de
estarmos no coletivo. A professora Edite lembrou da importância da resistência
e da esperança. Que sejamos capinzinhos teimosos!
ENTRE O MEDO E A OUSADIA VAMOS TECENDO A REDE INTERNACIONAL
CAFÉ COM PAULO FREIRE
RESUMO: Esse texto conta a história de 8 mulheres, sendo que nem todas se
conhecem pessoalmente, mas se conhecem graças a encontros nos caminhos da vida
freiriana. Cada uma vem de uma parte do Brasil e hoje compõem a Curadoria do Café
com Paulo Freire, cuja tarefa central é tecer a Rede Nacional e Internacional do Café
com Paulo Freire. Os relatos apresentados são sucintos e relevantes, pois trazem
elementos da criação do Café e as motivações pessoais e coletivas que tecem os fios
desta Rede. Conclui-se que as mulheres curadoras atuam na perspectiva de manter
a vivacidade dos princípios, práticas e conceitos de Paulo Freire, no sentido de recriá-
lo. A alegria de observar o Café Com Paulo Freire, alçando voos cada vez mais
distantes, é o que potencializa as ações destas 8 mulheres, na certeza de que os
princípios freireanos podem transformar vidas.
popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com Paulo Freire
Varginha/MG e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire. E-mail: pbibiano@gmail.com
3Disponível em: https://www.marciafernandes.com.br/site/sejamos-como-os-girassois-o-ano-todo/
algumas já se conheciam). Neste encontro, elegeram 10 “ideias-força” e começaram,
por elas, a dialogar com Paulo Freire: Diálogo, Esperança, Conscientização,
Humildade, Transformação, Ser Mais, Inédito viável, Alegria, Humanização e
Libertação.
Aquele diálogo reverberou (e reverbera) país e mundo afora, e isso nos levou
(éramos 30 Cafés em fevereiro de 2021), em reunião do Fórum de Curadorias Locais,
a decidir pela construção da Rede Nacional Café com Paulo Freire, acompanhada da
estruturação de um Plano de Ação Político e Pedagógico e da construção da
Curadoria Nacional.
A implementação da Rede exige organização, sistematização e articulação
entre os Cafés. Exige que a costura das ideias locais possa garantir a unidade na
multiplicidade, como uma colcha de retalhos...na qual o alinhavo dos retalhos compõe
a grandeza e a beleza da colcha. Para tanto, há necessidade de divisão de tarefas,
de pensar coletivo, de tomada compartilhada de decisões.
Por isso, a Curadoria Nacional passa de 2 para 8 curadoras4: oito mulheres, de
diferentes regiões e localidades, costureiras-tecelãs, dispostas a costurar, fiar, tecer –
juntamente com as curadorias locais – a Rede Internacional Café com Paulo Freire.
Sim, Internacional! Se, uma das bonitezas da Rede Café com Paulo Freire, e um dos
maiores desafios, é tecer esta rede a partir de movimentos que abraçam cada núcleo
com suas especificidades, agora temos, também, o desafio de alinhavar, costurar e
bordar, um processo que passou a ter uma dimensão internacional, desde fevereiro
deste ano de 2022.
Nossas tarefas são muitas, mas são duas as centrais: a interna, ou seja,
garantir que o diálogo entre e com os núcleos de Cafés seja o instrumento de
organização da Rede; e a externa, quando, por exemplo, estabelecemos parcerias
freirianas para a realização de ações formativas.
4Curadoria Nacional: Ana Paula Fraga Bolfe, Café com Paulo Freire Campinas (SP); Bia Soares
Mazuim, Café com Paulo Freire Cachoeira do Sul (RS); Dulce Angela Salviano da Silva, Café com
Paulo Freire RPE (RS); Edite Maria da Silva de Faria, Café com Paulo Freire Bahia (BA); Liana Borges,
Café com Paulo Freire Centro Histórico POA (RS); Maria Alice Zacharias, Café com Paulo Freire
MOVA-São Carlos (SP); Maria Teresinha Verle Kaefer (Tere), Café com Paulo Freire UFSC, e Priscilla
Bibiano de Oliveira Mendonça, Café com Paulo Freire Varginha (MG). Importante: Depois que
escrevemos este depoimento, mais 4 companheirxs chegaram: Bruno Gabriel Gomes, Café com Paulo
Freire IFRS de Alvorada (RS); Dayse Karla Martins, Café com Paulo Freire UFRN (RN); Lucas Avelar,
Café com Paulo Freire Goiânia (GO) e Renato Pontes, Café com Paulo Freire PUCRJ (RJ). Neste meio
tempo, Edite Faria se licenciou.
O objetivo deste depoimento é apresentar, brevemente – mas, nem por isso,
superficialmente, as curadoras nacionais. Sendo assim, passamos a nos apresentar.
Sou Ana Paula, do Café com Paulo Freire de Campinas/SP, curadora desde
2020. Minha relação com a Curadoria tem bem mais que 20 anos, e ela nem existia!
É que essa história, no meu entendimento, começa quando conheci a experiência da
Educação Popular de Freire na Educação Pública em Porto Alegre, naquele momento
pela voz da Liana, memória que ainda me acelera o coração e que me despertou a
curiosidade de conhecer mais e mais a obra de Paulo Freire, e trazê-la para o meu
trabalho e para minha vida.
Embora tenha vivenciado experiências freirianas, em muitos momentos, ao
longo do período profissional – na graduação, no mestrado, na sala de aula, também
em assentamentos rurais e em diferentes locais, nas mais diversas comunidades –,
foi somente em 2020 que o encontro com Liana, que para mim foi um reencontro, (pois
ela não sabia que a conhecia, visto que eu era uma, entre tantas estudantes, que
conhecia a experiência de POA, lá nos anos 1990) que lembrou aquela garota que se
encantou um dia pela proposta de Paulo Freire e que fez com que me questionasse:
cadê aquela paixão? Aquela força? Por que não participar agora de um coletivo que
fale e viva e experiência de Paulo Freire? E rapidamente tudo veio à tona, com a
mesma força da juventude, mas com muito mais intensidade que minha trajetória até
aqui me permitiu somar, na compreensão da educação que humaniza, que trabalha e
problematiza com pessoas, e que por mais difícil que pareça, acredita que outro
mundo é possível... e daí em diante foi um passo para fazer parte desse grupo de oito
mulheres, na Curadoria Nacional, agora Internacional, da Rede Café com Paulo
Freire.
A Curadoria Nacional nos reuniu e nos uniu em torno de uma pauta que fala de
vida, de cuidado, de amorosidade, de resistência e de esperança, e que dentre tantas
outras atividades que temos, nos fez escolher estarmos juntas, na parceria em prol do
coletivo, de pensar a Rede, propor possibilidades de discussão, organização e
sistematização, de aprender.
Como tem sido um aprendizado, que talvez ainda não tenhamos e confesso
que nem sei se um dia teremos como mensurar. No entanto, posso afirmar que a
Curadoria Nacional, e a própria Rede, nesse mundo de incertezas, têm sido aquele
lugar que acolhe, que fala da humanização da educação e que nos ensina e nos
fortalece para pensar, problematizar e transformar o mundo.
Sou a Bia Soares Mazuim, do Café com Paulo Freire de Cachoeira do
Sul/Novo Cabrais (RS), curadora desde 2018, do segundo núcleo formado. Estar na
Curadoria Nacional tem me trazido aprendizagens (muitas!), crescimento enquanto
mulher, cidadã, educadora, graças aos momentos fortes que eu já não imaginava
viver.
Pertinho da aposentadoria (onde eu queria viver outras coisas), a vida me
presenteou vivenciar o movimento da Rede de Cafés, conhecer pessoas
comprometidas com a educação popular e a construção de outro mundo possível,
com a amorosidade e rigor freirianos. É um aprendizado imensurável e encantador.
Estar na Curadoria com essas mulheres, tecendo a Rede com cada Café. Tem dado
trabalho, mas tem sido de uma boniteza sem fim!
Sou a Dulce Angela Salviano da Silva, do Café com Paulo Freire da Rede
Pró-Educar (RPE com sede em Porto Alegre/RS), curadora desde 2020. A RPE é
uma Rede de instituições no Brasil que tem como foco o direito à educação em suas
diversas dimensões, tendo o pensamento de Paulo Freire como nossa inspiração.
Por incrível que pareça, tudo começou em 2006, quando conheci Oscar Jara e
Liana, ainda descrita pelos olhos e pelo coração do Oscar, pois ele sempre me dizia:
“Você precisa conhecer Liana Borges”.
Os anos e décadas se passaram e então chegou o dia que finalmente conhecei
Liana Borges: era novembro de 2019, quando já morava em Porto Alegre, visto que
em junho do mesmo ano mudei para Porto Alegre com o propósito de mobilizar e
organizar a RPE.
Somente um esperançar incrivelmente “freireano”5 para nos oferecer um
encontro inimaginável de tamanha boniteza. Pensem! Lá estávamos nós 3: Liana,
Oscar e eu. O coração que nos conectou. Era uma tarde de sábado, no Campus da
UFRGS em POA. Me percebi andando pela feira que acontecia como uma das
atividades do lançamento da Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do
Legado de Paulo Freire, quando avistei uma barraquinha denominada Café com Paulo
Freire. Confesso que fiquei intrigada com o que seria um Café com Paulo Freire.
O ano de 2020 chegou e com ele a pandemia e o pandemônio. Entramos em
isolamento social e, por incrível que pareça, as conexões virtuais com Oscar e Liana
foram se intensificando, até que em setembro de 2020 inauguramos nosso Café da
6 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. (48ª reimpressão).
me acrescentam e me fazem ser quem eu sou..." - Poema de Cris Pizziment7. A
palavra é gratidão! Ubuntu!
Sou Liana Borges, do Café com Paulo Freire do Centro Histórico de Porto
Alegre/RS – onde tudo começou – 2018. A vida tem sido generosa comigo, mesmo
no contexto da pandemia da Covid-19 e das políticas necrófilas que estão em curso
no Brasil. Tenho pensado, inclusive, que foi esta realidade que impulsionou freirianas
e freirianos espalhados pelo mundo a se (re)encontrarem.
Sabes aquela ideia “estava no lugar certo e na hora certa”? É isso que acontece
com o Café com Paulo Freire. Nos tornamos, entre outras tantas experiências, um
“inédito viável”, um espaço que acolhe pessoas que insistem em sonhar, estudar,
refletir e recriar o pensamento de Paulo Freire como suporte para um novo mundo
possível.
Finalizo meu depoimento com duas histórias. A primeira, sobre o nome; a
segunda, sobre a escolha da palavra-conceito “Curadoria”.
Quanto ao nome de batismo – que passamos, de imediato, a chamar de Café
com Paulo Freire –, a inspiração decorreu de uma experiência que tive, em meados
dos anos 2000, na Palavraria – livraria e editora de Porto Alegre, em um grupo de
estudos que se reunia aos sábados para estudar as obras de Edgar Morin e que se
chamava “Café com Morin”. Contei para Ana Felícia sobre aquela experiência e que
no primeiro encontro a professora nos presenteou com uma caneca que continha o
nome do curso.
Ana Felícia e eu ficamos imaginando Paulo Freire tomando café (tempos
depois me disseram que ele não tomava café!). Ana falou com Aline Daka, ilustradora,
e pediu a ela que fizesse um desenho que contemplasse a nossa imaginação. E assim
surgiu a logomarca que passou a ilustrar todos os núcleos de Café com Paulo Freire.
A segunda, sobre as razões que nos levaram a escolher a palavra-conceito
“Curadoria” para denominar as companheiras(os) que são responsáveis pelos
núcleos. Ela surgiu da necessidade impulsionada por Bia (Cachoeira do Sul), pois o
segundo Café já estava a caminho (logo depois o 3º e 4º, e assim por diante).
Como vamos nominar, amorosa e freirianamente, quem cuida de um Café?
Esta foi a pergunta que fizemos a nós mesmas. Recordo-me que não nos agradava
as palavras coordenadora, mediadora ou facilitadora, pois achávamos incompatíveis
1
Débora Camargo é educadora popular no MOVA-São Carlos desde 2018. Atualmente, é
graduanda em letras pela UFSCar e participante do Café com Paulo Freire MOVA São
Carlos.:debora.mova@gmail.com.
2
Sandra Martello é educanda do MOVA-São Carlos, escritora de cartas do esperançar,
cabeleireira/manicure por formação e participante do Café com Paulo Freire MOVA São Carlos.
E-mails das autoras: martello.sandramk@gmail.com.
extrapole os limites da sala de aula e que os(as) possibilite alçar voos, isto é,
novos rumos em prol dos outros sonhos e objetivos como cidadãos(ãs).
3 Ver: https://www.niase.ufscar.br/equipe/tertulias-dialogicas
(SESC – São Carlos) e puderam conhecer os companheiros e companheiras
de correspondência. Alguns desses homens e mulheres entravam pela primeira
no SESC, bem como em um Anfiteatro, para assistirem na “tela grande do
cinema”, o filme Central do Brasil4 (1998) que, entre outras temáticas,
apresenta um recorte da vida de homens e mulheres, jovens e adultos, que
driblam o pouco conhecimento na escrita, levando suas demandas pessoais a
uma professora que cobra para escrever cartas na Estação Central do Brasil,
localizada no Rio de Janeiro.
A adesão de educandas e educandas na elaboração das cartas, bem
como na participação integral no evento da Semana da Alfabetização,
consagrou ambas as práticas pedagógicas no interior do MOVA São Carlos:
tanto as práticas com as Tertúlias Dialógicas, realizadas entre educadoras e
educadores com as leituras de Freire, quanto a prática de mobilizar o Projeto
Cartas Pedagógicas, anualmente, visando a alfabetização e letramento de
educandas e educandos.
Espero que esta carta ao chegar até você o(a) encontre bem.
Como você ainda não me conhece, vou me apresentar. Meu nome é
Sandra Martello. Eu sou educanda do MOVA – São Carlos (SP), escritora de
cartas de esperança, nas horas vagas, cabeleireira e manicure por formação.
Talvez você esteja se perguntando porque estou escrevendo essa carta.
Atualmente, vivemos em tempos difíceis da história da humanidade, a exemplo
da pandemia da Covid-19, que afetou todo o mundo, da guerra na Ucrânia
(Europa), da depressão, entre outras mazelas. Em 2020, ano de início da
Covid-19, tomei a iniciativa de começar a escrever cartas encorajadoras. A
minha intenção inicial era levar uma palavra de amor e esperança às pessoas
ao meu redor, impactadas pela pandemia, fosse com a falta de esperança em
dias melhores, fosse com a perda de amigos e entes queridos. Mas esse hábito
me levou a querer aperfeiçoar cada vez mais a minha escrita, pois passei a
observar que quanto melhor uma pessoa escreve, melhor consegue transmitir
uma mensagem de esperança ao próximo. Nesse período, senti um súbito
desejo de voltar à escola para aperfeiçoar a minha leitura de mundo e da
palavra e, assim, conseguir alcançar cada vez mais pessoas por meio das
minhas cartas.
No final de 2021, busquei escolas e fiquei sabendo das atividades do
MOVA–São Carlos, momento em que retomei os estudos. No MOVA-São
Carlos, entrei em contato com a obra Pedagogia da Esperança de Paulo Freire
(2011). Você já leu sobre Paulo Freire? Ele foi um educador brasileiro que
nasceu em Pernambuco, Recife (1921 – 1997). Ele também foi o responsável
por uma proposta inovadora de alfabetização de jovens e adultos,
alfabetizando 300 pessoas (Angicos – Rio Grande do Norte, na década de
1960) em 40 horas. Sua proposta dialógica foi implementada em vários países.
Freire reconhecia o próximo como sujeito e não como objeto, e defendia que
sem diálogo não há amor pelas pessoas. Também defendia que não é preciso
abrir mão da rigorosidade para ter amorosidade. Aprendo com Paulo Freire que
“a liberdade é a consciência da situação real vivida pelo educando” (FREIRE,
2011 Apud ROSSETO, 2015, p. 78). Ele enfatiza que “os que se lançam na
marcha da liberdade não se acomodam, não se ajustam à sociedade, mas a
transformam e nessa transformação educam-se e, dessa maneira, emancipam-
se” (FREIRE, 2011 Apud ROSSETO, 2015, p. 78).
Apropriando-me das leituras de Freire, percebo que o ato de escrever
me oferece liberdade de estar e existir no mundo. Quando escrevo para
transformar a realidade de outras pessoas, transformo a mim mesmo, revisito a
minha humanidade, exercito a minha própria esperança por dias melhores.
Referente ao aspecto da aprendizagem instrumental, essencial à
ampliação do exercício da plena cidadania, no MOVA-São Carlos aprendemos
que, a solidariedade, o diálogo e o amor ao próximo são elementos essenciais
ao conhecimento, porém, devem caminhar juntos com a aprendizagem
instrumental. Por isso, busco nas aulas práticas do MOVA melhorar a minha
escrita, ampliar o meu vocabulário, trabalhar os textos e contextos da minha
produção textual, pois aprendi que é por meio da aquisição instrumental que
conseguimos acessar outros espaços culturais e de aprendizagem, como por
exemplo: um concurso, um curso técnico, a universidade, entre outras
possibilidades que oportunizam a prática de uma liberdade emancipatória.
Nas aulas do MOVA, notei que alguns escritores, preocupados em
passar palavras de conforto ou reflexivas, escreveram várias cartas no decorrer
dos séculos. Um exemplo que gosto muito foi uma das correspondências da
atriz Fernanda Montenegro5 (1964) à escritora Clarice Lispector, questionando
os retrocessos da sociedade brasileira com a instauração dos anos de chumbo
no país (1964 a 1985). Curiosamente, Paulo Freire, pressionado pela censura
governamental, retirava-se do país após proclamar o amor à democracia e à
igualdade no acesso a uma educação de qualidade social, voltada para
pessoas adultas.
Outra carta que chamou minha atenção foi a que Graciliano Ramos
enviou ao artista Candido Portinari6, em um momento de crise existencial.
“Será que seríamos bons artistas sem as misérias do mundo? Seríamos tão
bons no que fazemos se o mundo fosse de felicidade?”, questionava o escritor.
Eu gostaria de ter feito parte desse círculo de gente que escrevia para se
libertar; e de ter me correspondido com eles para responder a essas
necessárias inquietações e indagações.
Agora, amiga(o) leitor(a), questiono-me: quantas cartas mais podem
salvar-nos e causar reboliços em nossas vidas?
Aqui, no meu tempo, sigo escrevendo as minhas cartas de esperança,
lendo outras cartas de esperança, escrevendo a minha história, educando-me
para a prática da liberdade.
E você amiga(o) leitora(o), também acredita no poder da escrita de
cartas para a prática da liberdade? Eu espero ouvir de você.
Escreva-me: martello.sandramk@gmail.com.
5
Acesso em:https://www.revistaprosaversoearte.com/carta-da-atriz-fernanda-montenegro-a-
escritora-clarice-lispector/)
6Acesso em: 29/03/2022. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2017/05/graciliano-ramos-questiona-portinari-
sobre-o-sentido-da-arte.html
REFERÊNCIAS
_____. Cartas à Cristina: Reflexões sobre minha vida e minha práxis. São
Paulo: Editora UNESP, 2003.
_____ Pedagogia do Oprimido. 50ª Ed. rev. e atual. –Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011.
file:///C:/Users/debin/Downloads/COMO%20PRINCIPIO%20A%20LIBERDADE
%20APONTAMENTOS%20E%20CONTROVERSIAS-1.pdf. Acesso em: 29.
mar. 2022.
MEDO E OUSADIA: DESAFIOS PARA UMA PEDAGOGIA LIBERTADORA
Maria das Graças Auxiliadora F. Barboza, Café com Paulo Freire Bahia1
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos D. Sentimento do mundo. 4ª. Ed. São Paulo: Record, 2004.
Acesso em: 19 abr. 2021.
BARBOZA, M. G. A. F. A Aula Universitária: Coreografias de Ensino. Curitiba:
CRV, 2015.
BARBOZA, M. G. A. F.; TEIXEIRA, I. A. C.; COSTA, Maria do P.S do L. (Org.)
Territórios da Docência no Ensino Superior. Curitiba: CRV, 2017.
FREIRE, P.; SHÖR, I. Medo e Ousadia. Tradução Adriana Lopes. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Conhecimento Prudente para uma vida
Decente: Um discurso sobre as ciências. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2006.
TEIXEIRA, I.A.C. et al. Telas da Docência: Professores, professoras e cinema. 1ª.
ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017
NINGUÉM SABE TUDO, NINGUÉM SABE NADA
RESUMO: Esta é uma entrevista-diálogo com Elza Falkembach (77 anos). Uma
mineira nascida na cidade de Três Corações, mãe, mulher, avó, pesquisadora e
militante, curadora do Café com Paulo Freire de Garopaba, que nesta entrevista-
diálogo compartilhou sua história de vida, com destaque para as duras
experiências da ditadura militar (1964/1985) e suas vivências no campo da
Educação Popular.
PALAVRAS-CHAVE: Elza Falkembach. Movimento Social de Base.
Sistematização em Educação Popular.
1Dulce Angela Salviano da Silva, Café com Paulo Freire da RPE, mestre em Avaliação de
política social pela UFF, pedagoga e psicopedagoga pela UNESA e professora pelo IERJ. Possui
mais de 30 anos de experiência em gestão pública e privada em projetos de educação nacionais
e internacionais. Curadoria do Café Rede Pró-Educar- RS e integrante da Curadoria da Rede
Internacional Café com Paulo Freire. E-mail: dulceangela16@outlook.com.
Maria Teresinha Verle Kaefer, Café com Paulo Freire UFSC, mestre e Especialista em
Educação. Professora Aposentada da Rede Pública. Integrante da Curadoria da Rede
Internacional Café com Paulo Freire. Educadora Popular. E-mail: mtksbg@gmail.com
Rosalva Soares Mazuim (Bia), Café com Paulo Freire Cachoeira do Sul e Novo Cabrais,
pedagoga e orientadora educacional pela UNIVALE, psicopedagoga pela UCB. Professora
aposentada da Rede Pública Estadual do RS. Curadora do Café com Paulo Freire Cachoeira do
Sul/Novo Cabrais e integrante da Curadoria da Rede Internacional Café com Paulo Freire.E-
mail:biasoaresmazuim@gmail.com
35), escolheu para a entrevista-diálogo Elza Falkembach, pela relevância e a
singularidade da sua biografia como mulher, mãe de Maria e Tiago, esposa do
Jorge, avó de Joana, Joaquim, Gonçalo e Marco Antônio, sogra de Leandro
Maia, e também como militante dos Movimentos Sociais de Base no Brasil. Uma
boniteza sem fim compartilhada na Revista 3 Café com Paulo Freire.
No dia 12 de abril de 2022, nos reunimos virtualmente com Elza
Falkembach (77 anos), uma mineira nascida na cidade de Três Corações.
Realizamos uma entrevista-diálogo com duas horas de duração, um convite que
carinhosamente ela atendeu com sua luz e carisma. Ou seja: Elza Falkembach
por ela mesma.
A elaboração deste registro tomou um rumo diferente daquele que
adotamos nas Revistas 1 e 2, pois deliberamos pela transcrição quase literal do
diálogo com Elza, e não pela produção de um texto que contaria o encontro com
“Elza Maria Fonseca Falkembach”, como se apresentou.
Mais conhecida como Elza Falkembach, Elza atuou junto aos Movimentos
Sociais de Base desde Minas Gerais, passando entre os anos do seu nascimento
até os dias atuais, pelas Universidade Federal de Viçosa (UFV); pelo Rio de
Janeiro, em Seropédica, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ); Rio Grande do Sul, na Universidade Federal (UFRGS), passando por
Porto Alegre e chegando a Ijuí, na Universidade do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ).
Elza compartilhou histórias e memórias do período duro de 1964 até os
dias atuais ao falar de sua militância. Enfim, esta entrevista-diálogo nos
proporcionou (e proporciona) uma viagem nas suas histórias e memórias.
Quem é Elza?
Elza, em tom amoroso, disse-nos: “Elza é
também Maria Fonseca Falkembach. Para as pessoas
que me conhecem há muito tempo, e meus familiares,
eu sou Zaia – o final de Elza e o final de Maria. É o meu
apelido de criança que perpassou Universidade, início
de trabalho, etc. Depois que eu comecei a escrever
alguma coisa é que meu nome virou Elza Falkembach”.
Eu tive uma infância muito feliz porque eu nasci e
já me esperavam três irmãs e um irmão. A minha casa em Minas Gerais (a gente
alternava: fazenda e cidade), era uma casa sempre cheia: cheia de gente, de
visitas, visitas até temporárias, não só passageiras. Meu pai e minha mãe eram
muito relacionados com a comunidade rural do nosso município e com a cidade
também.
Papai era uma pessoa que tinha uma ética de atuação que chamava
atenção, ele chegou a ter postos políticos no município. Mamãe também fazia
um trabalho político interessante, mesmo dentro de casa (pois nunca trabalhou
fora de casa) ela tinha um espectro de relações muito grandes que nos ensinou
muito. Essa história assim, de que na vida a gente vai se construindo com os
outros, e a vida se apresenta de um jeito, mas a gente pode mudá-la.
Desde que eu comecei a estudar no ginásio, eu passei a ter um trabalho
de base também. Nós tínhamos aqueles grupos de JEC2, atuávamos nos
Grêmios Estudantis e fazíamos também um trabalho de base nos bairros, na
periferia das nossas cidades.
Foi interessante o início desse trabalho. Conversando com um grupo de
mulheres que não tinham emprego, mulheres pobres realmente, nós
construímos com elas uma fábrica de vassouras. Então era um grupo muito
interessante, muito atuante no colégio, fora do colégio e muito festeiro. A gente
fazia piquenique e reunião dançante. A gente era alegre, curtia a vida!
Isso marcou muito a minha vida: a relação familiar que era gostosa, que
era cheia de gente, as casas dos meus avós também eram cheias de amigos e
parentes, os cafezinhos sempre na mesa, as rodas de conversa e a minha
2
JEC- Juventude Estudantil Católica.
militância no colégio. Depois, no Ensino Médio, continuamos aprofundando essa
militância até ir para a Universidade.
Em minha ida para a Universidade tive uma conversa muito forte com
meus pais, porque eu queria fazer Sociologia e na minha cidade não tinha
Universidade, visto que morávamos em Três Corações, Minas Gerais. Minhas
alternativas seriam o Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. para morar com parentes
- porque eu tinha 18 anos, mas eu era uma garota, muito menina realmente - e
eu falei: não vou morar com parentes. Meu irmão já fazia Agronomia na UFV.
Ele falou: – Vem fazer Ciências Domésticas aqui, a Universidade é muito
gostosa, você vai ter um amplo espectro de atuação com esse curso, vai
trabalhar com gente, como você quer. E eu fui fazer Ciências Domésticas, em
Viçosa. Já pensando em trabalhar com mulheres de agricultores (porque antes
não eram mulheres agricultoras, eram mulheres DE agricultores, aquelas
mulheres que, diziam, ajudavam o marido e não mulheres que trabalhavam
com o marido).
Esse período foi muito forte, foi em 1963. Logo em seguida veio 1964, o
golpe, e a gente dentro da Universidade. Era a UFRRJ, a gente morava no
campus, era fácil para a repressão atuar naquele espaço. Na época, eu era
secretária do meu Centro Acadêmico e, logo em seguida, fui para a presidência
do Centro Acadêmico. Meu irmão também era atuante no Movimento Estudantil.
Existia um Movimento de JUC3 muito forte por lá, a AP4, PCdoB5 e grupos
outros de Luta Armada, dessas coisas que foram sendo criadas no âmbito da
esquerda.
O nosso trabalho no Centro Acadêmico visava pensar a aliança estudantil,
operária e camponesa, e nós trabalhávamos mais com as pontas: o ensino na
Universidade era eminentemente bancário. As Universidades Rurais foram
precursoras do acordo MEC-USAID6, com influência muito grande dos Estados
Unidos na pesquisa e na extensão. Vocês vão entender como era essa extensão
rural, era extensão de fato, justamente aquilo que foi criticado pelo Paulo Freire:
o regime militar brasileiro, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for
International Development (USAID).
era uma extensão persuasiva, que fazia cursos para agricultores no sentido da
adoção de técnicas modernas, modificação da estrutura da propriedade, das
mulheres jogarem a mesa de madeira fora e comprarem uma de fórmica e assim
por diante. Esse era o ambiente da Universidade.
O golpe de 1964 nos pegou de sola. Tivemos gente presa. E todos nós
que tínhamos uma atuação política maior fomos responder os Inquéritos Político-
Militares, os IPM’s. Quando ia um, a gente já sabia (pela lista que ficava sobre a
mesa dos inquiridores) que logo iria outra pessoa e que todos e todas iriam.
Então, essa foi a minha formação (formal e informal): com estudo (sempre
estudei bastante e aproveitei as oportunidades que tive), mas sempre com
militância. Fui aprendendo a ser educadora de base ao longo da vida.
Durante o período de faculdade e ditadura, meus pais morriam de medo,
exigiam que telefonássemos todos os domingos. Não tinha celular na época.
Para um telefonema acontecer tinha uma espera de três, quatro horas, na
Telefônica. Tínhamos que sair da Universidade e ir à cidade fazer a ligação. Eu
lembro do meu pai presentear as telefonistas da nossa cidade com uma caixa
de champanhe todos os Natais, pela gentileza delas em servi-lo.
Elza como você teve acesso à Educação Popular? Como se deu sua
inserção nesse movimento?
7
João Bosco Guedes Pinto foi sociólogo atuante nos movimentos de defesa dos trabalhadores
urbanos e rurais e da reforma agrária.
começaram a mostrar que estávamos em perigo. Resolvemos dissolver aquele
grupo de professores jovens: um foi fazer mestrado, outro foi fazer doutorado e
assim por diante. Outras pessoas mudaram de emprego também. Isso já era
idos de 1967, início de 1968. Quando se intensificaram as grandes mobilizações,
aquelas passeatas enormes, eu já estava em Porto Alegre.
Cheguei a Porto Alegre e logo percebi que o curso de Sociologia Rural,
que fui fazer na UFRGS, tinha a mesma orientação da minha graduação na UFV,
com uma influência norte-americana muito grande, dos acordos entre
Universidades brasileiras e Universidades norte-americanas, muitos professores
americanos, vinculados à Universidade de Wisconsin.
Era um curso que a gente tinha que se cuidar. Cuidar o que falava, cuidar
o que escrevia e assim por diante. Um curso muito exigente na área técnica.
Aprendi muita Matemática, Estatística, Administração Rural, o que
posteriormente me serviu bastante.
No Rio de Janeiro, eu trabalhava na área da habitação, Sociologia da
Habitação, naquela visão: habitação é mais do que um teto, ela é um teto, mas
é mais do que um teto. É escola, é lazer, é saúde, é transporte. A minha
dissertação no Curso de Sociologia Rural foi justamente sobre “As funções
sociais da habitação do operário de origem rural”. Minha pesquisa empírica
eu fiz na periferia de Porto Alegre e trabalhei basicamente com Fals Borda8.
Cheguei ao Fals Borda antes de chegar a Freire, ambos por intermédio do João
Bosco no trabalho de desenvolvimento de comunidades, na UFRRJ.
Fiz o meu mestrado, defendi minha dissertação, conheci o meu marido,
me casei e aí eu ainda tinha bolsa de pesquisa por mais um tempo e um dos
meus professores me convidou para trabalhar com a pesquisa dele no Centro de
Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE), da UFRGS. Então, ainda fiquei um
período em Porto Alegre trabalhando como pesquisadora, até que o Jorge, meu
marido, foi convidado pelo Frei Matias9, que foi um grande educador (vocês
devem conhecer algumas obras dele), para trabalhar em Ijuí. Na época, Mario
8
Orlando Fals Borda, acadêmico colombiano, professor emérito da Universidade Nacional da
Colômbia, estudioso do campo e da situação dos trabalhadores rurais, ficou internacionalmente
conhecido como um dos principais teóricos do método de pesquisa ação participativa.
9
Que se tornou Mário Osório Marques, foi um sacerdote franciscano, pedagogo e professor
brasileiro. Era formado em Filosofia, pós-graduado em Teologia, doutor em educação, educador,
sociólogo.
Osório ainda era Frei Matias, capuchinho, e conhecia o Jorge por causa da JUC.
Ele era um dos assessores da JUC e o Jorge era um militante da JUC. O Jorge
nunca militou em partido como eu, ele militava na JUC e tinha um trabalho muito
grande também com Antônio Cecchin10 (que vocês devem conhecer também),
amigo do Leonardo Boff e do Frei Betto. Era esse pessoal que se reunia na casa
do Cecchin, em um núcleo de JUC muito atuante.
O Frei Matias precisava de professores de Física e Matemática em Ijuí, e
fez a cabeça do Jorge para trabalhar lá. Jorge era engenheiro da Prefeitura de
Porto Alegre, onde fazia um trabalho rotineiro. Foi, então, ser professor e
trabalhar como engenheiro na Cooperativa Regional de Trigo Serrana -
COTRIJUI, de Ijuí.
Quando cheguei em Ijuí eu não tinha trabalho, mas conversando com o
Frei Matias contei que tinha acabado de fazer meu mestrado. Ele falou: – Então,
imediatamente você vai ser contratada para trabalhar conosco. No mesmo dia
me contrataram para trabalhar no Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPP),
que era mantido pela Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do
Noroeste do Rio Grande do Sul (FIDENE), Mantenedora dos Cursos Superiores,
do Museu Antropológico, desse Instituto de Pesquisa e Planejamento e de outro,
o Instituto de Educação Permanente - IEP. O IEP era responsável pela educação
comunitária orientada pelos freis capuchinhos, desde a década de 1950,
acompanhava o Movimento Brasileiro de Educação de Base, de Alfabetização
de Adultos, e envolvia tanto professores como estudantes.
Fomos para Ijuí em 1971. Neste mesmo ano, comecei a trabalhar com
pesquisa e extensão, neste Instituto, IPP. Fazíamos planos diretores, Projetos
Pedagógicos para escolas, estudos de viabilidade, mais prestação de serviços
do que pesquisa em si. Em seguida, comecei a trabalhar com ensino também,
Metodologia da Pesquisa e Estatística. Depois fui trabalhar em um programa de
Contabilidade Agrícola, com agricultores familiares, mas ainda não com
Educação Popular. A gente usava a Contabilidade Agrícola para fazer análise de
10 Irmão Marista, conhecido como um profeta da Ecologia, ele ajudou a fundar inúmeros grupos
ligados à ação pastoral e ecológica. Era formado em Letras Clássicas e em Ciências Jurídicas e
Sociais.
conjuntura. As contas dos agricultores que eles guardavam em caixas de sapato,
eram os registros. Eram agricultores familiares, ligados à COTRIJUI e aos
Sindicatos Rurais da região. Fazíamos a análise de conjuntura, mostrando onde
é que estavam indo os recursos deles, porque eles estavam ficando mais pobres,
mesmo aumentando a produtividade de seus cultivos. Por que estavam tendo
lucro menor?
Esse foi um trabalho muito interessante. A minha parte era fazer a análise
estatística dos dados e mostrar: Óh, o senhor está acima da média ou abaixo da
média em produtividade. E o resultado financeiro? O que está havendo na sua
propriedade, que o senhor consegue mais produtividade do que este que está lá
embaixo, no gráfico? A gente fazia esse tipo de discussão, que era uma forma
de Educação de Base.
Na minha vida, tinha pouco de Paulo Freire, mas a FIDENE respirava
Paulo Freire, porque os freis capuchinhos liam Freire. Paulo Freire estava
presente desde os anos 1950 na Educação de Adultos, Alfabetização de Adultos,
havia um grupo lá que estudava Paulo Freire.
Depois do trabalho da Contabilidade Agrícola eu migrei para outro
Programa que era “Movimento para o Desenvolvimento Regional”, isso já
era década de 1980. Ditadura terminando, abertura democrática. Os municípios
que tiveram eleições e que houve uma tendência mais para a esquerda
chegaram a nós na FIDENE/UNIJUÍ (em 1985 a FIDENE transformou-se em
UNIJUÍ), para pedir que os assessorássemos, para entenderem onde estavam
indo os recursos da região, tanto recursos humanos, quanto recursos materiais.
Estava havendo uma saída de recursos daquela região. Com a modernização
da agricultura, que usava muito insumo moderno, muito crédito bancário, estava
havendo uma grande fuga de recursos.
Os municípios estavam ficando bonitos, agricultura verdinha e, de certa
forma disciplinada, mas ao mesmo tempo, os recursos indo embora. Então,
fizemos um trabalho muito interessante com cerca de quinze municípios, desde
um diagnóstico geral e depois diagnósticos setoriais. Trabalhamos com as áreas
de saúde, educação, agricultura, micro barragens, coisas do tipo, o que começou
a fazer valer uma Educação Popular, que ainda não era chamada de Educação
Popular, mas baseada em seus princípios e métodos.
Até que esse Movimento para o Desenvolvimento Regional nos deu a
oportunidade de criar uns Seminários Internacionais de Planejamento
Participativo. E aí as cabeças da Neyta Belato, do Dinarte Belato11 e de outros/as
companheiros da Universidade – UNIJUÍ, passaram a atuar à milhão na
organização desse trabalho. A Neyta era quem coordenava esse Movimento, eu
ficava junto da Neyta trabalhando mais com a pesquisa e com a formação.
Esses Seminários Internacionais de Planejamento Participativo foram a
nossa ponte para a Educação Popular. Começamos a trazer para Ijuí, gente do
Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (CEAAL). Uma das
primeiras pessoas foi o Orlando Fals Borda. O João Colares, fazendo a sua tese
de doutorado, encontrou cartas a punho da Neyta e minhas para o Fals Borda,
e as respostas dele para nós. Por essa via, nós fizemos um laço latino-americano
muito grande, chegamos ao CEAAL, chegamos à Educação Popular e criamos
o Seminário Permanente de Educação Popular – SPEP que foi nosso grande
Programa na Universidade. Esse Seminário foi criado em um dos Seminários
Internacionais de Planejamento Participativo. Nós nos filiamos ao CEAAL em
1980.
A constituição do SPEP aconteceu porque os primeiros integrantes
desses Seminários Internacionais que eram também ligados ao Movimento para
o Desenvolvimento Regional – Professores de Rede Pública, Movimentos
Populares, Instituições de Assessoria, Setores de Igrejas – começaram a nos
demandar uma formação mais continuada. No momento em que criamos os
Seminários Internacionais houve um contato da nossa parte com todos os
Movimentos Sociais organizados naquela região de Ijuí, e alguma coisa em Porto
Alegre. Assim, começamos a articular contatos na Argentina, na região das
Missiones, no Uruguai e no Paraguai, por causa dos indígenas no Paraguai, dos
agricultores na região das Missiones e do movimento urbano no Uruguai.
O pessoal que era do Movimento Social e que começou a participar
desses Seminários Internacionais nos disse o seguinte: As nossas práticas são
permanentes, portanto, nós precisamos de um Seminário permanente, e aí foi
constituído o SPEP12. O SPEP era uma coisa muito estranha dentro da
Universidade, porque ele era um Seminário de Educação Popular e Permanente,
11
Professores da Universidade- UNIJUÍ
12Seminário Permanente de Educação Popular.
que tinha uma gestão compartilhada com os Movimentos Sociais e com as suas
Instituições de assessoria.
Então, o MST tinha dois representantes, um de liderança e outro de base;
o Movimento de Atingidos por Barragens tinha dois representantes, um de
liderança e outro de base; o Movimento de Mulheres, idem, e assim por diante.
Tinha um assessor do MST, uma Assessora do Movimento de Barragens, uma
Assessora do Movimento de Mulheres, do Movimento Urbano a mesma coisa,
do Movimento Indígena também. Isso configurava um Conselho Político que
planejava, tomava decisões e avaliava. Fazíamos umas quatro reuniões desse
Conselho Político por ano, o que dava conta de fazer todo o planejamento,
organização e avaliação das nossas ações. E a Universidade era representada,
neste Conselho Político, na mesma proporção dos Movimentos.
Realizávamos Seminários Setoriais também. Aí foi que nós entramos pra
valer no trabalho com Freire, no trabalho com Tema Gerador. Eram os Núcleos
Temáticos, como denominávamos, porque esse Tema Gerador era sempre uma
composição de temas confluentes para poder contribuir com todos os
Movimentos.
O tema da Terra foi o primeiro a ser tratado por esse SPEP, mas com
desmembramentos ao redor dele para que professor pudesse trabalhar, para
que o agricultor pudesse trabalhar, as mulheres e os urbanos também. No
Seminário Internacional, que era geral, nós definíamos o Tema. Nos Seminários
Setoriais (que aconteciam entre um Seminário Internacional e outro), esse Tema
era adequado à singularidade de cada movimento e trabalhado em cursos,
oficinas, atividades de pesquisa, de assessoria.
Fazíamos os Seminários Setoriais por movimento: um do Movimento
Indígena, outro dos Sem Terra, e assim por diante. E não fazíamos na UNIJUI,
mas nos espaços de formação dos Movimentos. Teve um ano que a gente fez o
Setorial dos Indígenas no Paraguai, o dos Urbanos no Uruguai, mas a maior
parte deles era realmente no Brasil.
Nos Seminários Setoriais tivemos um acontecimento muito interessante
que foi com as mulheres, foi a primeira vez que vários Movimentos de Mulheres
se reuniram em um mesmo Seminário, e nossa assessora, para esse trabalho
foi a Moema Viezzer13 que sempre trabalhou com Movimentos de Mulheres, e
continua trabalhando com feminismo e meio ambiente, continua escrevendo,
uma “figura” a Moema.
Nós tivemos no SPEP uma configuração muito interessante que
relativizou os “poderes” na Universidade, pois os Movimentos tinham poder para
definir um planejamento e fazer avaliação. Era um trabalho que produzia reflexos
nos Cursos da Universidade.
Foi no SPEP que estudei de fato a obra de Freire. E foi, também, quando
eu tive contato com Oscar Jara e com outras pessoas do CEAAL. O Oscar foi
trabalhar conosco sobre Educação Popular e também Sistematização, em razão
de uma demanda dos Movimentos Sociais. Queriam conhecer, saber se as
“teorias que eles diziam abraçar” estavam presentes nas suas práticas, se
nessas práticas que eles desenvolviam essas teorias estavam contidas, se havia
coerência entre a teoria e a prática deles. Foi então que chegamos à
sistematização.
Primeiro, com a colaboração de Félix Cadena, um mexicano que integrava
o CEAAL, depois com o pessoal da Universidade Metodista de Piracicaba –
UNIMEP, mas foi Oscar Jara que abriu perspectivas para que assumíssemos a
Sistematização associada à Educação Popular em nossas práticas no SPEP. E
quando dizemos nossas práticas falamos na Universidade – UNIJUÍ, nos
Movimentos Sociais e em Instituições de Assessoria desses Movimentos. Oscar
foi a Ijuí pelo CEAAL e pela Rede ALFORJA, em que ele trabalhava e
coordenava na Costa Rica.
Havia uma brasileira, Mara Luz, que trabalhava no Centro de Educação
Popular do Instituto Sedes Sapientiae – CEPIS, e depois atuou no CIMI14,junto
a populações indígenas, que também colaborou conosco, na área da
sistematização. E também Conceição Paludo, que atuava como educadora
popular no Campo, no Centro de Assessoria Multiprofissional, antes de iniciar
carreira acadêmica.
Cada projeto que a gente desenvolvia havia um local de experimentação,
uma comunidade Rural, uma escola, um assentamento. No caso do SPEP, nós
13Moema Libera Viezzer, escritora, socióloga e militante feminista brasileira. Ficou exilada no
período do regime militar.
14Conselho Indigenista Missionário.
prestamos assessoria ao Assentamento Nova Ramada, na cidade de Júlio de
Castilhos, no Rio Grande do Sul – RS. Minha tese de doutorado é sobre esse
trabalho que desenvolvemos lá. Trabalhamos em torno de dez anos com este
assentamento. Ali foram assentadas 100 famílias, eles criaram uma cooperativa
e nós fazíamos a assessoria na área agrícola, contábil, educativa, das artes
(minha filha Maria, que vocês conhecem, deu curso de teatro neste
assentamento e o meu filho Tiago nos ajudou em entrevistas às famílias em um
trabalho diagnóstico que fizemos lá. Essas vivências foram fundamentais na
formação de ambos).
Elza, e aí damos um salto nessa história com você. Como você se percebe,
se reconhece, atuando na Rede Internacional dos Cafés com Paulo Freire
e no Café de Garopaba?
Então, antes de chegar aos Cafés, quero falar rapidamente sobre os
projetos de sistematização que eu assumi, porque foram muito importantes na
minha vida. Sempre trabalhei em equipe na educação popular e na
sistematização. Trabalhamos com escolas, com instituições de apoio aos
movimentos sociais como a Associação de Estudos, Orientação e Assistência
Rural – ASSESOAR, do Paraná; a Fundação para o Desenvolvimento da
Educação e da Pesquisa – FUNDEP, no RS e com os próprios Movimentos. Com
o MST, trabalhamos a sistematização tanto no assentamento que
assessorávamos, como em projetos de formação de professores do Movimento.
Depois, aconteceu um trabalho muito interessante nas 7 escolas de
formação da CUT que resultou na produção de livros (Formação de Formadores
para Educação Profissional e Formação de Conselheiros das Comissões de
Trabalho e Emprego – 1998-99) e revistas.
A seguir, assumimos uma assessoria junto ao Ministério do Meio
Ambiente – quando foi realizada a sistematização das 11 experiências de
produção, organização e formação – na Mata Atlântica e Amazônia (A publicação
desta “Série Sistematização” é muito linda e didática). Foi aí, como resultado da
teorização dessas 11 experiências, que concluí que a “SISTEMATIZAÇÃO é
uma arte de ampliar cabeças”.
Depois disso eu passei a trabalhar coma ENFOC15 e já temos vários livros
publicados, acho já são 9 (nove) os livros publicados, de 2008 até hoje.
Na sistematização, eu passei a participar do Programa de Apoio a
Sistematização – PLAS que é do CEAAL, que teve Oscar Jara como
coordenador desde sua criação. Assim, me integrei ao Programa, tinha também
João Francisco de Souza, outro brasileiro, que desenvolvia este trabalho com
sistematização no CEAAL. O PLAS tem promovido cursos de formação, e com
isso, tem dado um grande impulso à sistematização e a Educação Popular em
nossa América e Caribe. Iara Duarte Lins nos representa hoje no Programa.
Agora, eu já estou em condições de dizer: estou encerrando este ano o
trabalho com sistematização, porque em cada processo desenvolvido podemos
identificar gente com autonomia para criar outros. Tem muita gente que passou
por formação nesses processos, inclusive nos cursos do PLAS, como ocorreu
com várias pessoas da ENFOC/CONTAG16. Já me sinto dispensada das minhas
tarefas na sistematização, pois sempre trabalhei em equipe, e nessas equipes
(com gente mais jovem do que eu) estão desenvolvendo trabalhos de grande
relevância.
1 Nascida na Argentina, começou sua carreira de desenhista com colaborações para as revistas
Fierro e Cerdos & Peces y El Tajo. Em 1992, imigrou para o Brasil, fixando-se primeiro em São
Paulo. Criou a personagem Tininha Hortelã para a revista Carícia; para a Revista da Folha de
São Paulo desenhou a Clô. Até o final dos anos 1990 realizou ilustrações para as revistas Caros
Amigos, Playboy, Brazilian Heavy Metal, Pense Leve, Isto É, Minas e Terra. A partir de 1998,
morando em Fortaleza, trabalhou no caderno regional da Gazeta Mercantil. Fixou residência em
Brasília, entre 2001 e 2003, ano em que retornou definitivamente para São Paulo. Desde então,
tem colaborado com a revista Viração, na área da educação e comunicabilidade. Elaborou mapas
ilustrados para revistas de turismo e desenvolveu um trabalho para livros infantis e infantojuvenis
para as editoras Ática, Moderna, Atual, Editora do Brasil, Saraiva e Escala. E-mail:
nataliaforcat@yahoo.com.br
Série Cartões Pedagógicos - "Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes”
1 Bacharel em Artes Visuais, Ilustrador, cartunista, desenhista e artista rio-grandino (RS), Alisson
Affonso já foi premiado diversas vezes. Foi um dos escolhidos para ilustrar o livro de 85 anos do
Ziraldo, que conta também com trabalhos de outros artistas como, por exemplo, Maurício de
Souza. Alisson é modesto, e prefere se autointitular ilustrador. Foi precursor com a obra
“Plataforma HQ” no qual foi editor, a revista ilustrava o cotidiano rio-grandino. Também editou o
“Peixe Frito” que fazia críticas sociais e foi editor da Revista Ideia. Ele faz da arte o seu sustento
e nos conta um pouco dessa história. Alisson fala que sempre foi caseiro, seu esporte era mesmo
desenhar. O dom foi descoberto logo na infância, com apenas 5 anos de idade já ousava traços
mais elaborados e “já elencava o desenho como algo mais importante”. Fonte: Alisson Affonso:
Ilustrando Rio Grande - RIO GRANDE TEM
NÃO SE PODE FALAR EM EDUCAÇÃO SEM AMOR
1 Daniel Luz, Graduado pela UFBA. Busco participar de oficinas, encontros, cursos... sou
inquieto! Um artista visual onde o desenho, a pintura e a ilustração fazem parte dessa minha
narrativa que busca refletir sobre os tempos e as transformações que a Arte nos apresenta.
Técnica: Acrílica sobre antena de tv. Ano: 2021. E-mail: @luzdanielluz
CLASSIFICADOS CO-MOVENTES
EM PAULO FREIRE1
Mediação: Mauro Lopez Rego2, Valéria Rôças3 e Dulce Angela Salviano
Convite Desafio
Povos originários convidam Desafio pessoa corajosa a compor círculos de filosofia
pessoas a co-habitar em um da diferença em presídios, junto a famílias, em hospitais
ambiente que já existia. e em espaços de educação regular.
1
Estes Classificados Co-Moventes em Paulo Freire são resultados da Oficina Virtual de Poesia e Imaginação, que
aconteceu no dia 09/04/2022. "Cada pessoa, em seu próprio universo, tem potencial para mover e fazer mover", cujo
propósito é o de invenção e trocas de movimentos afetivos e sensíveis inspirados em Paulo Freire, assim como expressar a
potência de criar poeticamente o intercâmbio de bens simbólicos ou concretos, acionando imaginação e criatividade. Esta
oficina integra o Projeto Andarilhagens com Paulo Freire, que acontece com apoio da Editora Paz & Terra, Associação
Madre Tierra e Rede de Cafés com Paulo Freire. Realização: Confluência Desenvolvimento Humano
Café com Paulo Freire Rede Pró Educar. Apoio:
Instituto Conhecimentos para todos – IK4T
2
Arte educador e gestor de projetos sociais. Email: maurolopezrego@uol.com.br
3
Odontóloga clínica, educadora em saúde e professora. Email: vrocas@gmail.com
Assinam conjuntamente a obra Conversa & Cura - desfiando e desafiando histórias (Editora Kiron, 2016).
Recompensa Doação
Oferece-se recompensa de 1000 Alunos doam sabedorias para
reais em troca da alegria das professores aprendizes.
interações afetivas.
Educador se oferece:
Ensino crianças a
compreender a integralidade
do ambiente.
Trocas Urgentes!
Troco imediatamente educação padronizada e de poda do encontro consigo mesmo com a filosofia
do profundo saber e a poesia do verdadeiro sentir.
Oferta
Oferece-se resiliência para aqueles que sofrem violência e precisam superá-la.
______________________________________________________
1 A autoria do poema Escola é comumente atribuída a Paulo Freire, porém, no site do Instituto Paulo
Freire está registrado que: “De acordo com os filhos de Paulo Freire, esse poema não foi escrito por ele
e sim por uma educadora que estava assistindo a uma palestra dele. Com base no que ouvia, ela foi
escrevendo o poema utilizando frases e ideias de Freire. No final da palestra aproximou-se dele e lhe
entregou o papel, sem se identificar. Freire nunca publicou esse poema em nenhum de seus livros,
embora suas ideias sobre a escola tenham sido captadas pela autora e traduzidas no poema”.
Disponível em: < https://www.paulofreire.org/perguntas-frequentes >, Consulta em: 09 abr. 2022.
O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente, (v.5)
O aluno é gente,
Cada funcionário é gente. (v.6)
E merece ser tratado com dignidade, sem nenhum tipo de
discriminação.
(Leticia Vitória Diniz Pereira da Silva)
Ora é lógico...
Numa escola assim vai ser fácil! Estudar, trabalhar, crescer,
Fazer amigos, educar-se, ser feliz. (v.15)
É essa escola que almejo trabalhar! Uma escola humana, capaz de
compreender os desafios de seu tempo e na luta pelo melhor viver, na
intensa busca de ser feliz e de se sentir à vontade. Nas boas relações
humanas, no convívio com os diferentes gestos, no respeito às
variadas opiniões, enfim, uma escola que considera a escuta de
todos, os conhecimentos de cada um que nela vivem e trabalham.
(Isabelle Oliveira Corrêa)
Que ninguém se iluda nem diminua: Paulo Freire é – sempre foi – um radical,
nas ideias e nas ações. Daí todo o ódio que lhe confere a truculência fascista. Freire
é a expressão mesma da liberdade, da luta contra as injustiças e as discriminações.
E havemos de permanecer vigilantes para que o horror não prevaleça.
Mas também é necessário dizer que a interpretação amaneirada e
domesticadora que às vezes se quer fazer de sua pedagogia, interpretando ingênua
ou maliciosamente o princípio da dialogicidade, não combina nem com a biografia
nem com a obra do educador. São muitos os equívocos, não importa se bem-
intencionados que se fazem por esse motivo.
E um dos muitos equívocos em torno do pensamento de Freire está na ideia
de que a leitura do mundo é uma forma de leitura. Neste pequeno artigo, trato de
Paulo Freire não tem a importância que lhe reconhecemos por acaso. Ele –
sua ideia – destacou-se no cenário político e educacional mundial dos anos
sessenta, época dos conflitos leste-oeste e norte-sul, em que a marca da América
Latina (e todo o terceiro mundo) era a da profunda desigualdade social e
autoritarismo de estado, com uma proposta de educação de adultos – alfabetização
– em que o ensino e a aprendizagem da escrita ganhava sentido na medida em que
implicasse a tomada de consciência pelo “educando” de si e do mundo.
Nessa perspectiva, o sentido de aprender algo – no caso, alfabetizar-se –
está intrinsecamente vinculado com o propósito de agir no mundo, de modificá-lo. A
uma educação para a submissão à ordem constituída (“educação bancária”),
contrapunha uma educação para a libertação, a qual necessariamente se faria para
e com os oprimidos.
Não há nos textos iniciais de Freire nenhuma alusão a leitura do mundo, mas
já está claro que só faz sentido aprender (e ensinar) se for para interpretar a
realidade, o mundo, e transformá-la. “‘Quero aprender a ler e a escrever para mudar
o mundo’ [é] a afirmação de um analfabeto paulista para quem, acertadamente,
conhecer é interferir na realidade conhecida” (FREIRE, 1967, p. 112). Na Pedagogia
do oprimido (FREIRE, 1968), há 355 ocorrências da palavra “mundo”, 208, da
palavra “realidade”, e 242 da palavra “consciência”. Este é a síntese freireana que
prevalecerá em toda a sua produção de quase quatro décadas: mundo – realidade
– consciência. E não para a simples afirmação subjetiva ou o sucesso individual,
mas em conexão com ação transformadora revolucionária.
A expressão “leitura do mundo”, sempre como metáfora (o discurso freireano
é pródigo em metáfora criativas e muito expressivas), só aparecerá em Cartas a
Guiné Bissau (FREIRE, 1977). Nesta obra há já um uso abundante de “leitura” (e
“re-leitura”) no sentido de percepção, interpretação, mas completada com a
expressão “realidade”, (são 12 ocorrências, todas demarcadas com aspas),
evidenciando o uso conotativo da palavra.
Na reflexão sobre a relação entre alfabetização e conscientização, o educador
enfatiza que a alfabetização de adultos é uma ação cultural, de modo que o ensino
das letras (a alfabetização) deve ser compreendido, necessariamente, como o
“esforço de ‘leitura’ e de ‘re-leitura’ da realidade, no processo de sua transformação”.
Daí porque “o domínio dos signos linguísticos escritos [...] pressupõe uma
experiência social que o precede – a da ‘leitura' do mundo” (FREIRE, 1977, p. 68).
É particularmente relevante a discussão que Freire entabula sobre a
compreensão do que, na proposta de alfabetização daquele país por ele
assessorada, chamava-se pós-alfabetização.
Esse percurso que fazemos, que começa ainda nos anos sessenta do século
XX e se estende até o início dos anos 90 – período de experiências mudanças
tremendas no mundo e na vida do autor – põe em evidência que, para Freire, só faz
sentido a aprendizagem da leitura-escrita se for para servir à ampliação da
compreensão crítica da realidade e atitude objetiva para sua transformação radical.
Em termos exatos, aprender (e ensinar) a ler e a escrever é parte de um movimento
(uma ação educativa) que promove a “curiosidade epistemológica” dos educandos,
sempre levando em conta (e aqui está outro fundamento da proposta freireana de
educação) o seu conhecimento anterior, dialeticamente respeitando e tensionando
sua percepção de mundo, a qual é constitutiva de sua “experiência vital”. Daí porque
Freire desenha, assim, uma atitude pedagógica e política que se realiza com
base na subjetividade e na individualidade de cada pessoa, de modo que, cada um
(e também todos, coletivamente) volta-se para sua vivência e, fazendo a “leitura do
seu mundo” e sua “leitura do mundo”, reconhece a condição objetiva de ser num
mundo a um tempo particular e histórico-social.
É com essa visada essencialmente fenomenológica, que Freire reconhece a
indissociabilidade sujeito-mundo, individual-social, particular-universal, que evitamos
o erro subjetivista e o erro mecanicista e percebemos “o papel da consciência ou do
‘corpo consciente’ na transformação da realidade” (1976, p. 108).
A tensão entre ser sujeito no mundo e sujeito do mundo, ser em sua história
inserida História sem deixar de ser a história de cada um, é basilar no princípio da
dialogia. Na Pedagogia da autonomia, livro declaradamente escrito para ser uma
conversa com o professor e a professora, Paulo Freire sublinha que a “explicação do
mundo do(a) educando(a) faz parte da compreensão de sua própria presença no
mundo” e que ela está explicita, sugerida ou escondida na “leitura do mundo” que
precede sempre a “leitura da palavra”. Assim, “a leitura de mundo revela a
inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela
também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da
inteligência do mundo” (FREIRE, 1996, p. 42; p. 63).
Dialeticamente, contudo, essa forma de ser e de perceber a si e ao mundo de
cada um (mais uma vez: “o saber da experiência feito” – o senso comum, a que já
nos referimos na primeira parte deste artigo) não é a da uma consciência absoluta,
mas algo que resulta da condição de ser de cada pessoa (e de todos, em ação
comum). Por isso, o educador deve ter clareza de que o respeito à “leitura de mundo
do educando não é um jogo tático com que o educador ou educadora procura tornar-
se simpático ao educando”, nem se confunde com “concordar com ela ou a ela se
acomodar, assumindo-a como sua” (FREIRE, 1996, p. 63). A atitude de docência
comprometida com a educação para a libertação deve confrontar constante e
respeitosamente