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CONSELHO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA REVISTA

CAFÉ COM PAULO FREIRE

A Revista Café com Paulo Freire entra em seu 2º ano de vida. Em 2021,
publicamos dois volumes em meses muito próximos (setembro e dezembro),
pois assumimos este compromisso com a direção do Unicesp. No entanto, deste
ano em diante, os meses eleitos são maio e setembro. O primeiro, mês da morte
do educador (02/05/1997); o segundo, mês de seu nascimento – 101 anos
(10/09/1921).
Neste mês dedicamos a Revista aos seus 25 anos de morte, com muita
saudade do seu tom de voz, da sua postura amorosa e humilde, dos seus
ensinamentos, com a certeza de que a Rede Internacional Café com Paulo Freire
tem procurado fazer jus ao legado que nos deixou, não como modelo a ser
seguido, mas, e sobretudo, com referência teórico-prática capaz de nos ajudar a
“pensar certo”, com os pés e corações fincados na realidade do Brasil.
No final de 2021 realizamos uma avalição sobre os processos vivenciados
para a produção/elaboração/revisão das duas revistas, em especial sobre a
repercussão junto aos Cafés Locais, e uma ideia ficou explicitada no CPP: A
Revista do Café tem representado nossas práxis, nossa identidade político-
pedagógico, e até mesmo os afetos e vínculos que estabelecemos em tempos
de distanciamento social decorrentes da pandemia da Covid-19.
O Conselho Político-pedagógico (CPP) é organizado pela representação
dos Núcleos de Café Local que assumem a tarefa de proceder a análise política
e pedagógica dos materiais que comporão cada volume. Esta etapa tem uma
duração de mais ou menos 2 meses e a leitura se dá em duplas. A seguir,
enviamos para revisão final, com capacidade técnica de adequar os textos às
normas da ABNT, sendo que este trabalho também é feito por um membro do
Café da PUC RJ. Boa leitura! Contatem conosco.

Marlene Monteiro Pereira, Editora chefe e


Curadora do Café Unicesp - Profa. Marluce Freire

E-mail: cafecompaulofreire@gmail.com
Abaixo, compartilhamos a composição do Conselho Político-pedagógico
da Revista 3.

Equipe de trabalho
Marlene Monteiro Pereira Café com Paulo Freire ICESP
Editora-chefe Professora Marluce Freire (DF)
Liana Borges Café com Paulo Freire Centro
Coordenação e Curadoria Histórico/Porto Alegre (RS)
Nacional
Priscilla Bibiano de Oliveira Café com Paulo Freire Varginha
Mendonça (MG)
Coordenação e Curadoria
Nacional
Carlos Oliveira Café com Paulo Freire PUC-Rio
Revisão (RJ)
Fernanda Poletto Café com Paulo Freire Centro
Tradução Histórico/Porto Alegre (RS)
Curadoria Nacional
Ana Paula Fraga Bolfe Café com Paulo Freire Campinas
(SP)
:Bruno Gabriel Gomes Café com Paulo Freire IFRS de
Alvorada (RS)
Dulce Angela Salviano da Silva Café com Paulo Freire RPE (RS)

Edite Maria da Silva de Faria Café com Paulo Freire Bahia (BA)

Lucas Avelar Café com Paulo Freire Goiânia


(GO)
Maria Alice Zacharias Café com Paulo Freire MOVA-São
Carlos (SP)
Renato Pontes Café com Paulo Freire PUCRJ
(RJ)

CPP
Bia Soares Mazuim - Curadoria Café com Paulo Freire Cachoeira
Nacional do Sul/Novo Cabrais (RS)
Camila Alexandrini Café com Paulo Freire Fora da
Asa/Porto Alegre (RS)
Cláudia Borges Costa Café com Paulo Freire Goiano
(GO)
Deyse Karla de Oliveira Martins - Café com Paulo Freire RN (RN)
Curadoria Nacional
Elisete Enir Bernardi Garcia Café com Paulo Freire Litoral
Norte (RS)
Elza Falkembach Café com Paulo Freire Garopaba
(SC)
Fábio Azambuja Marçal Café com Paulo Freire Alvorada
(RS)
Fernanda Aparecida Oliveira Café Paulo Freire dos
Rodrigues Silva Inconfidentes (MG)
Gislane Mattos Café com Paulo Freire Garopaba
(SC)
Inez Helena Muniz Garcia Café com Paulo Freire
Niterói/Solar da Paz (RJ)
Izailton de Oliveira Santos Café com Paulo Freire Vanguarda
Quitundense (AL)
Jocélia Barbosa Nogueira Café com Paulo Freire Manaus
(AM)
Liése Gomes Serpa Café com Paulo Freire Centro
Histórico/Porto Alegre (RS)
Luiz Gonzaga Moura Penteado Café com Paulo Freire Gramado
(RS)
Maria Isabel Raenke Ertel Café com Paulo Freire Santa Cruz
do Sul e Sinimbú (RS)
Maria Teresinha Verle Kiefer Curadoria Nacional

Marinaide Freitas Café com Paulo Freire em


Alagoas (AL)
Martinho Condini Café com Paulo Freire São Paulo
(SP)
Sônia Maria Alves de Oliveira Reis Café com Paulo Freire Bahia (BA)

Viviane M. Machado Maurente Café com Paulo Freire São Luiz


Gonzaga (RS)
ANDARILHANDO COM PAULO FREIRE – VOA, CAFÉ!
Paulo Freire, hoje e sempre

Liana Borges1, Café com Paulo Freire Centro Histórico-POA/RS


Priscilla Bibiano2, Café com Paulo Freire Varginha/MG

Neste momento (maio/22), a Rede Internacional Café com Paulo Freire está
presente em 10 estados brasileiros e no Distrito Federal (em 32 cidades), e em cinco
países - dois na América Latina e três na Europa.
Cada Núcleo de Café Local tem características e rituais próprios, sendo que é
nesta realidade diversa que reside a nossa principal marca - Uma rede colaborativa
solidária3 construída com base na Unidade-na-Diversidade freiriana. Neste contexto,
vamos criando movimentos que procuram revelar a pluralidade dos Cafés – e aqui se
insere a Revista Café com Paulo Freire.
A Revista Café com Paulo Freire é composta por oito seções; uma revista rica
em experiências, conceitos e poesias, que articula cultura, arte e escrita, numa
constante relação entre a prática e a teoria. Um caminhada longa, mas cheia de
alegrias, tanto no percurso (da elaboração do texto pelos Cafés Locais até à revisão)
como na chegada (olhar prontinha e jogar no mundo).
Sabemos dos desafios que estão em jogo na construção deste inédito-viável:
Tempo x desejo em estar na Revista; escrever com rigorosidade acadêmica, mas
garantindo a leveza das vivências dos/nos Cafés; cumprir rituais e respeitar as regras

1Liana Borges: Professora aposentada da Rede de Educação de Porto Alegre/RS, filósofa, mestre e
doutora em educação, pela PUCRS, Criadora e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire.
lianaborges@cafecompaulofreire.com.br.
2Priscilla Bibiano: Mestra em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora
do livro Educação popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com
Paulo Freire Varginha/MG e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire. E-mail:
pbibiano@gmail.com.
3Euclides Mance: A Revolução das Redes, Petrópolis, Vozes, 1999. p. 24. A Rede Colaborativa e
Solidária apresenta as seguintes características: democracia com ênfase na autogestão; colaboração
solidária entre os atores, enraizada na ética e no direito; estar voltada a expandir as liberdades públicas
e privadas; e a promoção do bem-viver de todos [...] A gestão de uma rede colaborativa solidária é
necessariamente democrática, pois a participação dos seus membros é inteiramente livre, respeitando-
se os acordos firmados entre os seus integrantes. Outros aspectos são a descentralização, gestão
participativa, coordenação e regionalização, que visam assegurar a autodeterminação e autogestão de
cada organização e da rede como um todo.
da ABNT. Mas isso faz parte e até agora estamos vencendo os limites e usufruindo
das vitórias, coletivamente.
Este volume está assim construído: A seção Ação-Reflexão-Ação contempla
dois artigos: Um trata da Educação de Jovens e Adultos como Política pública de
Educação Popular, sendo que foi escrito a partir do V Encontro Nacional Café com
Paulo Freire, que aconteceu no dia 03/12/2021. Vale dizer que os Encontros
Internacionais (EInCAFÉS), acontecem a partir da necessidade de formação da Rede
de Cafés, e são exibidos pelo canal do Youtube da rede4. A interação entre os
participantes acontece por meio de mensagens (chat). O artigo do Carlos Oliveira trará
reflexões sobre as juventudes, silenciamento e assujeitamento, desde as
compreensões de Paulo Freire.
A seção Círculo de Cultura apresenta sete relatos sobre o nascimento dos
Cafés Varginha/MG, Santa Cruz do Sul/RS, São Borja/RS, São Paulo/SP e
Goiânia/GO, e dos Cafés da Suécia/Upssala e da Grécia, sendo que estes dois
optaram por relatar através de cartas direcionadas à Paulo Freire. Assim como nos
relatos das revistas anteriores5, estas histórias apontam a boniteza, a pluralidade de
cada núcleo em sua forma de fazer acontecer os círculos de cultura.
Ainda nesta seção, apresentamos os relatos dos encontros que chamamos de
Cafés Curtos, cuja dinâmica surge do desejo de alguns Cafés Locais de desdobrarem
a temática do Café Nacional. Os Cafés Curtos aqui relatados são de Alagoas, Manaus
e uma dobradinha entre Bahia e Rio Grande do Norte e foram preparados a partir do
V Encontro Nacional dos Cafés, com o tema Educação de Jovens e Adultos –
conforme dito acima.
A seção Saber de Experiência Feito, traz o depoimento das oito curadoras
nacionais da Rede, no qual contam como é estar e contribuir em sua construção a
nível nacional e, agora, internacional. Curadoria aqui entendida e descrita como cuidar
com apreço: cuidar de Paulo Freire e de seu legado, cuidar de quem está nas
curadorias locais dos núcleos de Cafés, cuidar de cada uma das companheiras da
Curadoria Nacional.
A próxima seção traz duas Cartas Pedagógicas. Geralmente, as cartas trazem
textos de ordem sentimental e subjetiva, uma correspondência na qual se pressupõe
diálogo: se escreve a alguém contando algum fato, conversando sobre algum assunto;

4 https://www.youtube.com/c/Caf%C3%A9comPauloFreire
5 http://revistas.icesp.br/index.php/CPF/index
em Cartas Pedagógicas não é diferente. Temos a honra de ser convidados/as a
adentrar na intimidade dos Cafés MOVA-São Carlos (SP) e Bahia (BA).
Em seguida, uma seção especial no sentido de fazer memória e registrar
histórias – Ninguém sabe tudo, ninguém sabe nada. Com muita honra e carinho,
trazemos a emocionante história da curadora local do Café Garopaba (RS): Elza
Falkembach. Da educação política na família à educação dos Movimentos Sociais de
Base e à Sistematização dessas Experiências, Elza compartilha conosco sua história
de vida, com destaque para as duras experiências da ditadura militar (1964/1985) e
suas vivências no campo da Educação Popular.
A penúltima seção – Educação como Ação Política e Cultural – dialoga com
Paulo Freire através de outras linguagens – poemas, música, desenhos, entre outros,
enfatizando a sensibilidade estética dos seguintes artistas: vamos nos emocionar com
Daniel Luz (Café Bahia), numa pintura que retrata Paulo Freire nos lembrando que
não se pode falar de educação sem amor; a oficina do Café RPE (Rede Pró-educar),
trazendo os classificados Co-Moventes, um contraponto aos classificados capitalistas;
em tons poéticos, temos a releitura do poema Escola, feito pelos estudantes da turma
de “Tópicos Especiais: Leituras de Paulo Freire e Educação Popular - 2021.2” (PUC-
Rio) e o belíssimo cordel de Maria Aparecida Vieira de Melo (participante do Café
Manaus) que traduziu o V Encafé em arte.
Embelezando e convidando-nos a mergulhar para além dos riscos e rabiscos,
cores e formas, contamos com ilustrações de parceiros do Freireando POA, na série
Cartões Pedagógicos “Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes”: Natália Forcat e
Alisson Affonso que, com sua arte pungente, encantam e provocam.
A Revista fecha com um ensaio, que chamamos de Inédito-viável. Luiz Percival
Leme Britto (PA), num ousado texto, explora a compreensão da expressão leitura do
mundo, de Paulo Freire, verificando seu alcance e a razão de ser na obra desse autor
e, ao mesmo tempo, adverte para os usos simplistas e equivocados que vêm sendo
aplicados a ela.
Passados dois anos da pandemia, com alegria e esperança, fincados/as na
crença da ciência e na eficácia de suas descobertas, (vi)vemos a diminuição das
mortes e casos de COVID-19 por todo o país e, em nossas práticas, vamos nos
reencontrando nos abraços reais e, ao mesmo tempo, fortalecendo os vínculos
virtuais. Mais do que sempre, elegemos a profundidade teórico-prática como requisito
para nossos textos e hipertextos; mais do que nunca, encontramos consolo e oásis
na sensibilidade de nossas outras linguagens.
Embora felizes com a condição de saúde, no que se refere de modo mais
específico à diminuição das mortes de COVID-19, seguimos alerta às suas
decorrências: fome, desemprego e, especialmente, descaso generalizado do poder
público federal com o povo brasileiro.
Por isso, através desta publicação, ratificamos nosso compromisso com os
esfarrapados, com a rigorosidade metódica e, de modo incondicional, colocamo-nos
como RESISTÊNCIA e LUTA-ÉTICA frente a tudo que desumaniza e oprime o povo
brasileiro.
Por fim, compartilhamos a relação de Cafés Locais e te convidamos a criar um
Núcleo em sua casa, escola, sindicato e organização. Nos procure em
cafecompaulofreire@gmail.com
Boa leitura!
Liana e Priscilla, pela Curadoria Nacional.

Brasil Café com Paulo Freire


1 POA/Centro Histórico
2 POA/Rede Pró-Educar
3 Arroio do Sal
4 Cachoeira do Sul
5 Canoas
6 Gramado
7 Santa Cruz do Sul
RS
8 São Borja
9 Litoral Norte/UFRGS e UERGS
10 Alegrete
11 IFRS Alvorada
12 Fora da Asa POA RS
13 São Luiz Gonzaga
14 Santo Antônio da Patrulha
15 Maceió - UFAL
AL
16 São Luiz do Quitunde
AM 17 Manaus
BA 18 Bahia
DF 19 ICESP/Guará Marluce Freire
GO 20 Café Goiânia
21 Belo Horizonte
MG
22 Ouro Preto
23 Varginha/MG
24 Niterói - Solar da Paz
RJ
25 PUC RJ
RN 26 UFRN
27 Garopaba
SC 28 UFSC
29 IFSC
30 São Paulo
SP 31 MOVA - São Carlos
32 Campinas
Outros países
33 Suécia
34 Argentina
35 Grécia
36 Lima
37 Londres
V CAFÉ COM PAULO FREIRE NACIONAL – 2021:
Educação de Jovens e Adultos como Política pública de Educação Popular

Cláudia Borges Costa,


Café com Paulo Freire Goiás1
Maria Luiza Pinho Pereira, GTPA e Fórum EJA DF2
Marinaide Freitas, Café com Paulo Freire Alagoas3

RESUMO: O presente escrito objetiva registrar um diálogo ocorrido na live do V


Encontro Nacional dos Cafés com Paulo Freire, realizada em três de dezembro de
2021. O diálogo pautou-se na Educação de Jovens e Adultos como política pública e
seu entrelace com a Educação Popular. O contexto atual norteou a totalidade dos
debates, pois os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos são trabalhadores/as que
encarnam a realidade da luta pela sobrevivência no dia a dia. Os dados e pesquisas
que comprovam a distância do direito à educação para os trabalhadores/as desse
país convida-nos a refletir o quanto é necessário a organização dos movimentos
sociais na defesa desse direito. Dentre os autores e o aporte teórico utilizado,
destacamos Paulo Freire, que muito contribui para pensar a educação pública, bem
como, demonstra que, a Educação Popular deve ser compreendida historicamente, a
partir do olhar dos oprimidos e, nesse sentido, propõe a libertação da opressão
capitalista como sujeitos da história.

PALAVRAS-CHAVE: EJA- Política pública – Educação Popular – Movimento Social

Após a realização da live V Café com Paulo Freire nacional – 2021: Educação
de Jovens e Adultos (EJA) como Política pública de Educação Popular, em 03 de
dezembro, aceitamos o convite de Liana Borges, em nome do coletivo do Café com
Paulo Freire, para escrever sobre o mesmo tema, desafiando-nos nesta prazerosa
autoria coletiva – por meio de um texto dialogal onde as falas se entrelaçam e se
complementam, a partir da generosa transcrição feita por Lucas Martins Avelar,
mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática

1 Professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Goiânia, doutora em Educação pela


Universidade de Brasília, militante do Fórum Goiano de EJA e membra do Café com Paulo Freire GO.
E-mail: cbc2111@gmail.com
2 Militante desde a época de secundarista, professora mestra aposentada da Faculdade de Educação

da Universidade de Brasília, membra do GTPA/Fórum EJA do Distrito Federal, desde 1989, e


representante dos Fóruns de EJA do Brasil no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) E-mail:
mlpp1242@gmail.com
3 Marinaide Freitas – professora da Universidade Federal de Alagoas, doutora em Linguística foi

gestora de EJA na Secretaria Municipal de Maceió, militante do Fórum Alagoano de EJA, membra do
Café com Paulo Freire em Alagoas. E-mail: naide12@hotmail.com
(PPGECM) da Universidade Federal de Goiás (UFG), um dos coordenadores do
Fórum Goiano de EJA e coordenador do Café com Paulo Freire Goiás. Consideramos
necessário destacar que, em função desse texto ter sido elaborado, a partir da
mencionada transcrição da live, para maior aprofundamento dos seus pressupostos
conceituais, registramos as referências como fontes de consulta aos leitores
interessados em continuar o debate, mais que oportuno e necessário!
Desafiamo-nos, porque ao pensar e refletirmos juntas, nesse contexto atual,
em que o neoliberalismo segue de uma forma ampla em sua relação com a
globalização e o quanto que nos impõe e instiga a construção de alternativas.
Desvelar essa realidade é fundamental para que a compreensão do sistema
capitalista seja feita em sua totalidade, o que revela a existência de injustiças e
violências estruturais. As desigualdades sociais são uma realidade que acompanha
os trabalhadores estudantes da EJA e, sobretudo, aqueles trabalhadores que estão
fora da escola. Nessa direção, pensar a EJA e sua relação com a Educação Popular
é marcar o debate da humanização e, consequentemente, a politização das relações,
que se faz necessária para a superação desse contexto de desigualdade,
perversidade e ameaça fascista em que nos encontramos.
Apresentamo-nos como Cláudia Borges Costa, professora aposentada da
Rede Municipal de Educação de Goiânia, doutora em Educação pela Universidade
de Brasília, militante do Fórum Goiano de EJA e membra do Café com Paulo Freire
GO; Maria Luiza Pinho Pereira, militante desde a época de secundarista, professora
mestra aposentada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, membra
do GTPA/ Fórum EJA do Distrito Federal, desde 1989, e representante dos Fóruns
de EJA do Brasil no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE); Marinaide Freitas,
professora da Universidade Federal de Alagoas, doutora em Linguística, foi gestora
de EJA na Secretaria Municipal de Maceió, militante do Fórum Alagoano de EJA,
membra do Café com Paulo Freire em Alagoas.
Estamos escrevendo, numa conjuntura de agravamento das desigualdades
sociais pela sindemia4, quando mais de 670.000 brasileiros morreram por

4
Compreende-se que as proporções da covid -19 foram de intensa repercussão para a humanidade,
nesse sentido registramos aqui a opção pelo termo sindemia, já que este compreende essa dimensão
de danos para o planeta. Aqui registramos os dois termos pesquisados em dois sites. Pandemia é a
disseminação mundial de uma nova doença que se espalha por dois ou mais continentes
com transmissão sustentada de pessoa para pessoa. O termo sindemia (um neologismo que combina
sinergia e pandemia) não tão novo assim. Foi cunhado pelo antropólogo médico americano Merrill
Singer na década de 1990 para explicar uma situação em que “duas ou mais doenças interagem de
contaminação da COVID-19, vítimas de um governo genocida, motivando um
sentimento de indignação, por nós transmutado em resistência propositiva do
esperançar de Paulo Freire. Somos seres inacabados, por isso, o diálogo é nosso
alimento para continuar na estrada e poder compartilhar o que nosso poeta repentista
e cordelista pernambucano e alagoano de coração, nos trouxe na sextilha, a seguir:

Paulo Freire: um transformador da realidade

Sofreu demonização do mundo neoliberal


fez seu nome no Brasil, fez fama internacional
quanto mais o tempo passa, mais seu nome é atual
O intelectual, destaque da humanidade
referência da primeira, da segunda e terceira idade
que a ideia quando é boa, nunca perde a validade
Paulo Freire no Brasil a nossa história engrandece
quem lembra suas ideias, seu nome jamais esquece
que o tempo leva o homem, mas a obra permanece
há 100 anos se conhece esse grande educador
nos ensinou que ao próximo, se não conheço a dor
serei mais um oprimido querendo ser opressor
o papel de um professor vai além de um giz na mão
não só se encaixar no mundo, mas fazer transformação
de um país tão educado, para não ter educação
quis alfabetização sem exclusões sociais
ensinou as minorias a indagar as maiorias
que apesar das diferenças, todos nós somos iguais.
José Nogueira Netto

Maria Luiza: Sabem que não somos indivíduos isolados e, sim, construções
sociais de toda a militância até aqui, inspiradas nas máximas defendidas por Paulo
Freire ao conceber a Pedagogia do oprimido: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE,1987, p. 52).
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,1987. p. 68). “A educação autêntica,
repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados
pelo mundo” (FREIRE,1987, p. 84). Em síntese, da liberdade somente exercida em
comunhão, as pessoas se educam mediatizadas pelo mundo histórico e pelas
relações que aí se estabelecem construímos o diálogo, não de A para B, nem de A

tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças”. Disponíveis em:
link: https://www.migalhas.com.br/coluna/leitura-legal/335379/pandemia-ou-sindemia / 'Covid-19 não
é pandemia, mas sindemia': o que essa perspectiva científica muda no tratamento | CEE Fiocruz
Acesso: 22/05/2022
sobre B, diríamos, nem de A por B, mas de A com B. A liberdade no chão da luta, do
lugar que a gente pisa para construir o “inédito viável”.
Vale ressaltar que o Manuscrito da Pedagogia do oprimido (FREIRE,1921-
1997) permaneceu inédito até 2018, encontrando-se uma página omitida nas
sucessivas publicações brasileiras, na qual Paulo Freire, afirmando o “diálogo como
essência da ação revolucionária”, demonstra em texto e esquema gráfico uma “teoria
da ação revolucionária” em oposição a uma “teoria da ação opressora”. Nesta
leitura, é possível compreender que Paulo Freire traz, sim, uma proposta de ruptura
com o modo de produção capitalista e, portanto, com a sua inviabilidade em dar uma
resposta humana.
Ele, na pele, em sua existência, sofreu as consequências do golpe de 1964
que o levou a um autoexílio de dezesseis anos. Então, é muito importante que
voltemos ao manuscrito para incluir esta teoria e entendermos, afinal de contas, o que
é o princípio revolucionário de Paulo Freire na dialogia, na possibilidade de
construção coletiva e, portanto, trazemos aqui um conceito que para nós é muito caro
e que queremos discutir. Trata-se do conceito de consciência.
Este conceito de consciência que Paulo Freire transformou em verbo, quando
ele falava de conscientização como substantivo e conscientizar a partir da realidade
concreta e objetiva, a partir de suas contradições. Após Paulo Freire, temos
contribuições importantes de outros como Pierre Lévy (1998, p.181) francês, filósofo
e sociólogo, que sinaliza uma etapa agora chamada de período “noolítico” e um físico
teórico Peter Russell que escreveu “Um buraco branco no tempo” e, indagando-se,
identifica esse novo tempo finito da “noosfera” (RUSSELL, 1992, p. 253) – “era da
consciência” que, como resultado da espiral evolutiva contínua no percurso histórico
do Homo Sapiens, da experiência humana com a Revolução Agrícola, com a
Revolução Industrial e a Revolução Informacional, para que chegássemos a essa
etapa da experiência da consciência de humanidade como totalidade.
Figura 1: O tempo da noosfera-noolítico

Fonte: RUSSELL, Peter,1992 p.253. LÉVY, Pierre,1999, p122.

Nesta “era da consciência”, vamos compreender que há um espaço novo, não


vivido em sua plenitude por Paulo Freire, mas que já havia começado a ser sinalizado,
em seu tempo histórico. Vivenciamos a live de 03/12/2022, ou seja, o ciberespaço
que é um percurso de construção humana, iniciado com a linguagem oral, lá atrás,
mas ainda presente para os povos indígenas e para 11 milhões de brasileiros não
alfabetizados.
E dessa linguagem oral, articulada com a lógica de capacidade comunicativa
humana, ocorre uma aceleração cultural, isto é, criamos as artes (pintura e desenho)
rupestres, a escrita, a imprensa, o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e, hoje,
tudo isso interconectado, em redes de redes. Isso é muito importante, porque é um
espaço mais novo e, também, marca mais implicações para os nossos processos de
informação, de comunicação e de educação libertadora. Aqui, a gente fez uma
dobradinha e passo para a companheira Cláudia.
Figura 2: Capitalismo de Vigilância
magem de satélite que mostra
os
,
formados a partir de milhões de
celulares, telefones fixos,
televisores que transmitem ou
recebem, estações
retransmissoras, centrais de
polícia, sistemas de
rastreamento por satélite,
aparelhos de radar, fornos
micro-ondas, etc. udo isso gera
uma massa de estática não se
vê sinal de coerência no
conjunto.
CAP AL S EV L CA
Fonte: PEARCE, Joseph, 2009, p.194
PEA E, J. . SP: ultrix, 009.

Cláudia: Pensando nessa aceleração cultural que Luiza trouxe, advinda desse
mundo da tecnologia em que nós nos encontramos, o emaranhado que a imagem
acima nos mostra, sugere o emaranhado da conexão que nos mostra os efeitos de
todos os tipos de microcircuitos na terra.
Ele foi formado por e a partir de milhões de celulares, telefones televisores e
retransmissores. Uma mutação do capitalismo que utiliza a imensurável quantidade
de dados que usuários fornecem gratuitamente a empresas de tecnologias, como as
que detêm redes sociais e buscadores, transformando-a em matéria-prima e produto
final altamente lucrativos. O processo é conhecido: em seu navegar habitual, o
usuário recheia a web com zilhões de informações sobre si mesmo como gostos
(comida, música, cinema, roupas, viagens etc.); sentimentos (medo de saltar de
paraquedas, alegria por adotar um gato, ansiedades etc.); projetos (comprar uma
casa, fazer faculdade, morar fora etc.); hábitos on-line (assistir a vídeos na plataforma
x, ouvir podcasts na y etc.) e off-line (ir para o trabalho de bike, ser onívoro, frequentar
teatro etc.); posições políticas, sociais, religiosas e tudo o mais que couber. Todas
essas ondas e micro-ondas estão sinalizando para a gente esse contexto que
evidencia que nós estamos vivendo, aliás, sobrevivendo, nesse “capitalismo de
vigilância”, que é uma mutação do capitalismo que utiliza uma imensurável
quantidade de dados que os próprios usuários fornecem, gratuitamente, para as
empresas e acaba transformando isso em produto bem lucrativo.
Essas entradas de certa forma vão sugando as relações humanas e nos levam
muito para o automatismo e a produtividade. O psicólogo Joseph Chilton Pearce
(2009), que coloca sobre essa questão, a partir de pesquisas mais recentes da
neurociência, da neurocardiologia, da antropologia cultural e do desenvolvimento
cerebral, nos traz a ideia de que a inteligência do coração precisa ser buscada e, se
permitirmos que ela se manifeste plenamente, poderemos reverter essa perda
inconsciente da nossa verdadeira natureza.
Diante desse contexto, precisamos pensar e buscar uma visão estratégica,
para que sobrevivamos. E nós não estamos sozinhos! Estamos, enquanto
movimentos sociais e populares, nesta unidade com a classe trabalhadora para se
colocar em uma dimensão do contraponto, contraposição.
Lembro-me aqui, dessa visão estratégica (imagem abaixo), onde tem
individual, coletivo, capital e trabalho, conforme a música do Caetano Veloso em que
ele fala assim: Onde queres revólver sou coqueiro; onde queres dinheiro sou paixão;
onde queres descanso sou desejo.5 Ou seja, onde o capitalismo manifesta que é
individual, nós vamos mostrar que nós podemos fazer um trabalho com a consciência
coletiva, uma ação coletiva; onde tem o capital, nós vamos trazer a ideia do mundo
do trabalho nas suas dimensões amplas; onde está o capitalismo, nós vamos trazer
a ideia do socialismo democrático ;onde há essa visão do mercado, a gente vem com
a ideia do ecossocialismo e do bem-viver que tem se constituído na América Latina
como um todo.

Figura 3: Visão Estratégica: processo de transição

N UA E

AP A SM

ME A

,Andre . H : . radução de h ago Antunes.1.ed. São


Paulo:Expressão Popular, 01 .

Fonte: Elaborado pela autora.

Esse ecossocialismo é uma alternativa de civilização radical, naquilo que


Marx sempre chamou atenção, que é o progresso destrutivo do capitalismo. Nós
nos colocamos então, nessa condição de estarmos contrários a essa guerra híbrida

5Música do Caetano Veloso – O queres – Álbum: Velô, 1984. Disponível em: (934) O Quereres –
YouTube Acesso: 22/05/2022
(KORYBKO, 2018). Essa guerra está muito presente e, há todo um histórico,
através do qual podemos compreender esta visão estratégica. Afinal, ela traz um
conjunto de elementos para explorar setores vulneráveis da sociedade, a partir de
ações que são realizadas com foco nos segmentos econômicos, psicológicos,
militares e políticos relacionados com toda a população, sobretudo a empobrecida.
Trata-se de uma guerra que não é convencional e atua por meio de infiltrados que
exploram exaustivamente o território escolhido e desestabilizam governos
internamente.
O golpe de 2016 na Presidenta Dilma, que começou desde 2013, foi uma
forma de atingir esse objetivo. A espionagem cibernética realizada por grandes
órgãos de inteligência tem sido utilizada neste sentido. Ocorrem, muitas vezes,
invasões de e-mails, celulares e bancos de dados de empresas privadas e estatais.
E não podemos esquecer, também, que a prisão de Lula fez parte desse arquétipo
consistente, completando a estratégia do lawfare.6 Enfim, toda essa tecnologia
digital, que tem trazido a visão da guerra híbrida, nos impõe nessa condição de se
colocar, de fato, como oposição a esse contexto. Para fazer nossa resistência nós
precisamos uns dos outros da consciência de SER, SERMOS. Luiza vai nos contar
como se dá a formação desse povo brasileiro.
Maria Luiza: Na verdade, o que a gente traz aqui é algo que está muito
presente entre nós. Todo esse percurso que chega, agora, na forma de guerra
híbrida, vem de longe, porque a própria formação do nosso povo brasileiro é
marcada pelo embate entre um projeto que vem sob a direção do povo, com o povo
e pelo povo, e aquele que vem desde o capitalismo comercial, na sua fase superior
de imperialismo, intervindo na formação desse nosso povo brasileiro.
E aqui estamos chamando a atenção para o fato que o nosso povo foi
formado por três civilizações ou três povos ou pelo encontro de três culturas
fundamentais: os povos indígenas, o povo lusitano e os povos africanos, estes
últimos dilacerados já, na condição de escravos. Então a riqueza desses povos,
dessas civilizações é que conformam e formam o nosso povo brasileiro.

6 Conforme a autora, Patrícia Jorge da Silva (2021, p. 22), escreve “A expressão la fare é a junção
das palavras law, que significa lei, e warfare, que significa guerra, conflito armado. Então, em tradução
literal, guerra jurídica seria a utilização da lei como instrumento de guerra. [...] trata-se de uma guerra
assimétrica, travada a partir do uso ilegítimo dos órgãos estatais, inclusive do sistema de justiça, com
a intenção de perseguir e eliminar o oponente, com os mais diversos objetivos: militares, políticos,
comerciais e até mesmo geopolíticos.” Disponível em: lawfare-como-ameaca-aos-direitos-humanos-
ebook-96171310.pdf (oabgo.org.br) Acesso em: 22/05/2022.
Trago para visionamento um “transvídeo – História escrita, história vivida
Proeja” (You tube, 2008) produzido, coletivamente, por professores e trabalhadores
estudantes de EJA, da rede pública do Distrito Federal, no segundo segmento do
ensino fundamental, na disciplina de História sobre o tema “golpe militar de 1964”
(TELES, 2012).
Mas o que fica para a gente? Qual é a noção de história que nos interessa?
A história escrita é a que tomamos conhecimento pela leitura ou pela referência aos
demais que registraram os acontecimentos, como os documentários e da história
vivida resulta o “relato”, que vem da vida de cada um. Falar das três civilizações
que constituem o povo brasileiro é falar também de como isso se encontra presente
em uma turma de EJA, que se propõe freiriana, libertadora.
É que ali tem pessoas que, na sua ancestralidade, tiveram escravos, indígenas
ou lusitanos. E esses três povos constituem as pessoas que ali estão, para que elas
também tragam sua história, não só no sentido individual, mas para que contribuam
para a compreensão libertadora da história humana e brasileira.
Trago, também, uma revista que é fruto do Fórum Nacional de Redução da
Desigualdade Social (FNRDS), que foi elaborada após o golpe de 2016 e é um esforço
de trazer a bandeira e a luta contra a desigualdade social no sentido da justiça social,
que é o nome da sua revista. Na 1ª edição, após um seminário, escrevi um artigo, sob
o título “Educação e ultura Popular” (PE E A, 2019), tentando situar os povos
nativos indígenas, mostrando como eles eram em torno de 5 milhões de pessoas no
ano de 1500, quando da invasão portuguesa, e, hoje, são em torno de 900 mil, fruto
de muita luta e de resistência. Isso nos traz como desafio nos voltamos para estas
referências, para a identidade da cosmovisão indígena, que tem muito a ver com
consciência, no pensamento de Paulo Freire, mesmo sendo anterior a ele.
Na tradição oral Guarani há uma expressão muito interessante que diz
assim: “O ser humano é percebido como alma-palavra [...] como corpo-vida [...]
princípio dinâmico da luz cuja forma denominamos consciência [...] O ser emerge
do Todo, mas não se desfaz do Todo” (JE UPÉ,2001, p. 56-57), e isso é para a
gente ver a essencialidade da cosmovisão de um dos povos indígenas brasileiros.
Se formos para o povo lusitano há o culto popular do Espírito Santo, que se
iniciou na Ilha de Açores, ainda no século 13 d.C, uma cosmovisão, hoje conhecida
como Festa ou Folia do Divino, que tem como princípios básicos: a comida para
todos, a liberdade para todos, que significa uma sociedade sem prisões e uma
governança de criança, enquanto ser em criação. Tem um pouco, o sentido de
Paulo Freire, quando propõe o “ser mais” - esse sentido de consciência evolutiva.
E dentre os afro-brasileiros, na expressão de Milton Santos, que é
polêmica, alguns se colocam como afro-descendentes, temos, também, uma
cosmovisão muito forte do chamado Ubuntu (palavra zulique). Ela traz uma
perspectiva e a compreensão de que as forças na natureza têm vida espiritual e
nessa cosmovisão, sinteticamente,

Essa força coletiva de trabalho de irmãos oprimidos no cativeiro com a


vontade e a alegria de viver de cada um, somando-se aos ancestrais e
aos que ainda virão, nesse conjunto resulta no ser com, em ritos de
cantos, tambores, enredos e movimentos (FUENTES, 2014, p.192).

Com estas cosmovisões ancestrais de consciência de totalidade, presentes


na formação do povo brasileiro graças aos povos indígenas e africanos, cabe a
abordagem transdisciplinar. Vale lembrar que existia um movimento iniciado após
a II guerra mundial, consolidado, em 1986, com a Declaração de Veneza, que
orientava e fazia um questionamento profundo à epistemologia positivista da lógica
formal e trazia toda a discussão que nos levava ao questionamento de como
produzir conhecimento e se transformar, enquanto produzimos conhecimento,
sobretudo coletivo. Em 2003, no seu manifesto esse movimento fez um
reconhecimento público que Paulo Freire tinha um pensamento transdisciplinar,
ainda que esta expressão não esteja nos seus escritos (LINHARES; TRINDADE,
2003).

Figura 4: A Autoformação, uma perspectiva transpessoal,


transdisciplinar e transcultural

Fonte: GALVANI,Pascal, 2002, p.103


Pascal Galvani (2000), francês, atualmente em Quebec-Canadá, contribui com
essa proposta bem sintética, nesta perspectiva freiriana, da autoformação
transpessoal. É, pois, a possibilidade de cada pessoa ir além de si mesma. Então, a
história de vida não é história do indivíduo, e sim, aquilo que o indivíduo se constituiu
histórica e socialmente. Por isso, não é história de vitimação, não é de queixa! É de
gratidão às oportunidades que teve na vida de se rever como ser humano.
A transdisciplinaridade, portanto, é uma perspectiva que vai além dessa
organização do conhecimento muito presente na academia e reproduzida no sistema
educacional. Temos como exemplo a Base Nacional Comum Curricular - BNCC,
documento que devemos revogar e retirar de nossas pautas. Há também, a
transculturalidade, o ser transcultural. Ir além da cultura na qual você foi formado.
Olha em que nível nós estamos chegando a essa compreensão de uma
autoformação, de uma heteroformação e de uma ecoformação (Ver Fig. 6), portanto,
o ecossocialismo ao qual Cláudia se referiu. Ele também está nesse chão desse
triângulo formativo, no qual estamos todos inseridos, nessa visão mais sintética do
processo.

Figura 5: Ciclos vitais: picos de crescimento do cérebro


e mudanças de concentração do desenvolvimento

Fonte: PEARCE, Joseph, 2009, p.114

Mas para isso nós precisamos entender o que é que nós tivemos de avanço,
no que se chama de ciclos vitais, entendendo cada ser humano, e aqui realmente é
uma provocação, como um campo eletromagnético que produz energia psíquica.
Nesse momento, é essa energia que está sendo atacada brutalmente pelo sistema
capitalista, que atinge e nos atinge não só no físico, porque exclui, porque mata, mas
também no emocional, no sentido dos conflitos, que nos levam muitas vezes, nesta
necropolítica, a sentimentos tóxicos (ódio, raiva, vingança), que não queremos ter e,
no plano mental, desafiados no sentido de nós irmos, além do cognitivo.
Esses ciclos vitais na compreensão do, já citado por Cláudia, Joseph Chilton
Pearce (2009), psicólogo de formação inicial piagetiana, explica como cada cérebro
vai se tornando o lugar do desenvolvimento humano, a partir do sistema reptiliano,
depois do sistema límbico até os sete anos, a idade da razão, mas também, das
“mentiras”, das primeiras rebeldias. Precisamos acolher bem as crianças de 6, 7, 8
anos, mantendo a imaginação criativa. Em seguida, mostra como o hemisfério direito
vai tomando seu espaço, o hemisfério esquerdo e por aí a síntese de todos os nossos
três cérebros, até os 21 anos, que se diz da “maioridade”! Esse é, também, um desafio
para nós compreendermos como chegamos às nossas possibilidades de pesquisa na
universidade e fora dela.
É importante sabermos que, na contramão da proposta do Novo Ensino Médio
e na contramão da proposta da BNCC, nós precisamos transformar nossas salas de
aula nas escolas públicas, nossos sindicatos e suas reuniões, nossos partidos
políticos cuja base é o socialismo democrático e/ou ecossocialismo, movimentos
populares ou de segmentos emancipadores, como espaços de pesquisa. Uma
pesquisa em que todos somos convocados a produzir conhecimento que possa, de
fato, a partir da ação, gerar possibilidades estratégicas e táticas de luta, porque nós
somos movimento social ou a sociedade em movimento na luta de classes.

Figura 6: Tipos de Pesquisa-Ação

Fonte: BARBIER, René, 2002, p.75


É nesse sentido que René Barbier (2002), francês, sociólogo clínico, nos traz
essas quatro possibilidades de pesquisa-ação. Não dá para nos aprofundarmos nos
limites deste artigo, mas quero chamar a atenção que, em cima estão “os outros”, em
baixo está “o mundo”. Portanto a heteroformação e a ecoformação e no meio o
processo de “autoformação” com mais ou menos implicação desse sujeito no seu ato
de agir, produzindo conhecimento, coletivamente. Isso aí é só para provocar, pois não
aprofundaremos muito. Passo agora a palavra novamente à Cláudia.
Cláudia: Ainda nessa constituição do povo brasileiro é preciso refletir sobre a
realidade social brasileira, suas contradições historicamente constituídas nas
disputas e nos conflitos tecidos no sistema capitalista, bem como no emaranhado
desenvolvimento econômico pautado na desigualdade social e como essas
contradições interferem na educação.
Na opinião de Florestan Fernandes, no Capitalismo dependente e classes
sociais na América Latina (1975) tratou da condição de economia dependente e de
desenvolvimento desigual historicamente constituído no Brasil, a desigualdade social
nas várias dimensões faz-se presente de forma marcante ao longo da história da
sociedade brasileira. Ou seja, nós vivemos um longo processo de disputa de projetos
de rasil: popular versus elite.
Propomo-nos a refletir sobre esse longo processo de disputa de projetos que
tem nesse país. Desde a colonização portuguesa a gente tem invasão de terra e não
foi descobrimento foi invasão mesmo com saques de todas as nossas riquezas
naturais. Houve também a dominação de indígena, de africanos, a perseguição ao
povo lusitano, o povo que veio de Portugal com aquele caráter de que eram “os
piores”.
A história também nos mostra as lutas e resistências dos indígenas,
quilombolas, dos caboclos. Ou seja, a resistência começa também nesse período.
Nós continuamos nesse projeto e processos de disputa de projetos. De um lado nós,
a nossa resistência popular e, do outro lado, a elite. E, nessa atualidade, há a
colonização imperialista dos Estados Unidos pela guerra híbrida, com uma invasão
cultural e ideológica. Uma invasão que, sabemos, tem refletido nas nossas escolas
por meio de grupos que a acusam de defender a “ideologia de gênero”, como é o caso
do “escola sem partido” e tantos projetos de violência e ódio que foram, como diz o
Olívio Dutra, “criando lodo no fundo do mar7”. Há também toda essa dominação
econômica, cooptação da “elite do atraso”8
Outra marca é o desmonte do Estado Democrático de Direito e dos serviços
públicos. Nesse desmonte, se formos pensar no todo colocado para a Educação,
observa-se que nós viramos os inimigos do poder e dos que estão no poder. A
Educação de Jovens e Adultos está no limbo, desde 2018. Em 2016 começamos a
sentir isso com o golpe e a partir de 2019 coloca-se a EJA na Educação Básica, mas
desloca-se a alfabetização para Secretaria de Alfabetização, que tem atuação mais
voltada para as crianças, para o público mais novo em detrimento ao da Educação de
Jovens e Adultos.
Vivemos esse duro contexto. Por outro lado, nós seguimos com a resistência.
A mesma resistência dos indígenas por terra no Brasil Colônia. A gente segue com
essa resistência e, hoje, temos o marco temporal nessa defesa indígena pela terra,
que não é a terra só para eles, mas é a terra pensada para a vida no planeta e de
toda a humanidade. Em conjunto com os trabalhadores do campo e da cidade,
mulheres, negros, jovens estudantes, pessoas com deficiência. Todos nós nessa
defesa contra o desmonte do Estado democrático de direito Esse ano, por exemplo,
nós vivenciamos a ação de nos colocarmos contrários ao alinhamento da EJA à
BNCC, Luiza já comentou sobre isso. Seguimos na nossa defesa de sempre buscar
um currículo que dialogue com a história escrita com a história de vida, colocado pelo
professor do vídeo9 que vimos hoje.

7 Publicado em 23/11/2019 - Disponível em: OLÍVIO E O LODO DO REACIONARISMO – Moisés


Mendes – Jornalista – Porto Alegre – Rio Grande do Sul (blogdomoisesmendes.com.br) Acesso:
22/05/2022
8 Termo cunhado por Jessé de Souza, livro intitulado: A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato

escrito em 2017.
9 Disponível em: (935) VIDEO História escrita, história vivida Proeja - YouTube
Figura 7: Disputa de
SP Projetos
A E PR E S de Brasil:
E RAS L: P V povo
RAS LE R brasileiro x Aelite capitalista
EL E CAP AL S
R E S R S EE A RAS L
E P VC EA H -A
E A

Legenda 1: Origem dos Fóruns de EJA do Brasil. Encontros Preparatórios da V CONFINTEA – 1997
(Hamburgo – Alemanha). 25 anos de luta coletiva pela EJA.
Legenda 2: Abril de 1963: Paulo Freire explica ao presidente e a políticos nordestinos a sua pedagogia
dos oprimidos. Sentados, da esquerda para a direita: Miguel Arraes, Clóvis Mota, Seixas Dória, Virgílio
Távora, Aluísio Alves e João Goulart.
Fonte:

Ainda sobre essa disputa, que nos coloca como condição primeira a
organização de nosso movimento dos Fóruns estaduais e distrital de EJA, é
importante perceber que a pauta da Educação Popular é o norte de nossa luta, por
isso, chamamos atenção para essa imagem, acima, fotografia da década de 1960, de
1963, onde Paulo Freire está com João Goulart e todos os governadores do nordeste,
discutindo o Plano Nacional de Alfabetização. Eles discutiram a educação nacional,
nesta perspectiva da Educação Popular.
A Educação Popular tem marcado nessas discussões e se assenta no debate
da formação humana, traz o seu caráter emancipatório e democrático, que traduz na
construção da educação ao longo da vida. Ela pauta uma Educação que esteja
articulada nos vários espaços, seja escolar ou não-escolar. Outra questão que é
importante trazer sobre a Educação Popular é que ela encarna na história pelo olhar
do oprimido e se propõe com ele tornar-se emancipadora, sujeito da história. Há uma
fala do Frei Betto (live 16/08/2021), em que ele diz que: “o tecido do poder popular
não existiria sem Paulo Freire. Ele plantou as sementes contra a ditadura e nós
seguimos nos colocando também contrários a essa atual forma de ditadura”.
Outro dado dessa foto, que é importante trazer, é a questão da tecnologia que
está posta e Paulo Freire já trabalhava. Não podemos descartar essa tecnologia, já
que nós estamos aqui hoje por conta dela. Ou seja, foi mediada por ela que nos
encontramos e, por meio deste encontro, das suas reflexões, que chegamos a este
texto. Em Pedagogia da Indignação (2013) Freire atenta para a compreensão crítica
da tecnologia, da qual a educação não pode prescindir, mas ela tem que ser,
necessariamente, submetida ao crivo político e ético.
Figura 8: Cartografia dos Fóruns EJA Brasil

Fonte: forumeja.org.br, 2022.

Trago a imagem do Portal dos Fóruns de EJA10 para marcar que, de um lado,
nós temos os vários segmentos que constituem os fóruns de EJA: universidades,
estudantes, educadores, movimento popular, poder legislativo, Sistema S, governo,
enfim, toda essa contradição que nos constitui. E do outro, os temas que são
importantes e que nos perpassam, que também nos constituem no movimento:
ambiental, do campo, indígena, etnico-racial, mulheres. Todos esses temas hoje,
muito mais encarnados nessa visão da classe trabalhadora, continuam a nos
constituir enquanto classe trabalhadora. Além disso, imagem objetiva dar a todos nós
uma ideia do nosso portal e da nossa construção coletiva, que segue na conquista da
organização e luta.
O problema que nos une é estrutural, é da sociedade capitalista. É a discussão
por moradia, trabalho, saúde, educação. É a discussão pelas escolas, para que elas
não fechem. Enquanto há escolas sendo militarizadas do dia para a noite, as escolas
da Educação de Jovens e Adultos estão sendo fechadas. As escolas estão sendo
transformadas em integrais no diurno e à noite não há EJA. Essas são discussões
que têm nos unido no movimento.
Na 40ª Reunião Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação - ANPED, dois pesquisadores do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, Robson dos Santos e Ana

10Portal dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: A Construção Coletiva | Fóruns
EJA (forumeja.org.br). Acesso em: 7 abr.2022.
Elizabeth Albuquerque, nos brindaram com dados que trazem as dissonâncias entre
a demanda potencial e o acesso à Educação dos Jovens e Adultos. Eles fizeram uma
análise de nove anos, de 2012 a 2021. São dados muito importantes e nós
conseguimos organizar uma discussão e refletir sobre os mesmos nos Fóruns de EJA,
que contou com a presença dos referidos pesquisadores. .
Eles nos mostraram que temos um dado de 8.893.636 de pessoas que
declararam não saber ler e escrever. Passamos de 8,4% em 2012 para 5,4% em
2021. Uma redução mínima para nove anos. Na faixa entre 16 e 85 anos há 52
milhões de pessoas que não completaram o Ensino Fundamental. Na faixa entre 19
e 85 anos há 72,5 milhões de pessoas que não terminaram o Ensino Médio. Em suma,
nós temos um contexto em que atingir as metas previstas pelo Plano Nacional de
Educação (2013-2024) se mostra algo muito longínquo.

Gráfico 1:

Fonte: Elaborado pelo Professor Thiago Alves FACE/UFG com base nos microdados
da Pnad contínua/IBG referente ao 2º semestre de 2018.

Este gráfico, elaborado por Thiago Alves com dados do IBGE-2018, mostra-
nos o déficit (em vermelho) e a frequência (em azul). Até a faixa dos 17 anos
percebemos uma boa frequência, ainda que na faixa entre 0 e 3 anos haja uma
pequena faixa em vermelho. A partir dos 18 anos começa a aparecer a discrepância,
a falta de atendimento. Isso mostra o tamanho do nosso desafio e o quanto temos
que lutar pelo direito à defesa dos trabalhadores terem acesso a sua formação.
Em outro dado que a Ana e o Robson trazem, compreendemos a ocupação
desses sujeitos. Dentre as pessoas que realizam trabalhos braçais, no enfrentamento
das roças há um número maior do déficit de escolaridade. Vamos agora pensar quais
os caminhos das lutas que teremos de travar. Luiza está com você!
Maria Luiza: A primeira questão que está em nossa pauta da política pública
com foco na Educação Popular, portanto libertadora, é o entendimento que nós
temos, por exemplo, um Sistema Único de Saúde – SUS, que não resolveu a disputa
do privado e do público na saúde. Nós temos um Sistema Único de Assistência Social
- SUAS, que hoje inclusive não tem sido respeitado e podemos depois discutir sobre
isso. Mas, nós não conseguimos até hoje um Sistema Nacional de Educação que
regule a relação público-privado e fortaleça a educação pública. É muito importante a
gente colocar esse rumo, porque estamos a caminho exatamente dessa possibilidade
se assim continuarmos, da resistência propositiva. Esse gráfico nos traz uma questão
para EJA que é o entendimento, já colocado por Cláudia, de que o que nos move é a
compreensão de uma consciência de classe trabalhadora.
Uma turma de EJA, na verdade, é um diálogo entre trabalhadores, sejam os
estudantes trabalhadores, seja o(a) professor(a) trabalhador(a). Portanto, uma turma
de EJA é um lugar para construir lutas, para construir possibilidades. Não é um lugar
para, simplesmente, reproduzir a “educação bancária”. Nesse sentido, o conceito de
trabalho para nós é um princípio formador que vai na direção de tomar desses dois
senhores, Karl Marx e Paulo Freire, que estão abaixo, o que aprendemos com eles.

Figura 9:

Fonte: Elaborado pela autora

Quando Paulo Freire diz que quanto mais se aproximava dos mangues e do
trabalho precarizado, do trabalho do oprimido, de pessoas que estavam vivendo a
opressão, como cristão, se aproximava da camaradagem marxista. Isso é muito
importante para saber que nós estamos cada vez mais chamados por Paulo Freire a
compreender. E sem entender a luta de classes, dificilmente nós vamos sair do buraco
e do abismo em que estamos colocados.
Há aí um componente novo. Aqui, os tempos modernos de Charles Chaplin, e
quem não viu o filme, a gente recomenda que veja, não responde às questões atuais:
por quê? Porque nós estamos seguindo na direção da automatização do
conhecimento e ela traz para os educadores emancipadores, libertadores, freirianos,
um desafio imenso que é o entendimento, colocado por Renato Dagnino, um doutor
militante da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, do fato de termos hoje
170 milhões de brasileiros e brasileiras por idade aptos ao trabalho, dos quais 80
milhões não têm emprego, nem terão.
Então o desemprego estrutural é o nosso grande desafio, porque não dá para
fazer EJA integrada à Educação Profissional, pensando que todo mundo com
certificado de profissionalização vai conseguir emprego. Não vai! Então a Economia
Solidária entra de cheio naquilo que nós fomos atacados por esse atual governo, de
destruir a Secretaria de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, além de acabar
com esse ministério, que só ressuscitou para dar cargo à turma do Centrão. Assim, é
importante que retomemos o que é que estamos chamando de trabalho e o que é
que, neste trabalho, podemos criar possibilidades de tentativas de, inclusive,
organizar a produção.

Figura 10: Dados do INEP

Fonte: INEP _ Painel de monitoramento

Esta figura nos remete à lei que conquistamos em 2013, do Plano Nacional de
Educação. Essa é a meta 10 e tudo o que está em verde são os acréscimos. Tudo o
que está aí está acontecendo na Rede Federal, nos Institutos Federais. Não está
acontecendo nem nas redes estaduais, nem municipais, e olha que nós estamos há
três anos da Meta 10 ser concluída, que é 25% das matrículas de Educação de
Jovens e Adultos no Fundamental e Médio na forma integrada à Educação
Profissional. Não vamos atingir essa meta “nem que a vaca tussa!”. amos atingir se
a gente mudar a correlação de forças políticas. E essa correlação de forças nos exige
que tenhamos muito claro, entre nós, e bem compreendida, a diferença entre
educação emancipadora e educação mercadoria, em informação emancipadora e
informação mercadoria e em comunicação emancipadora e comunicação mercadoria.
Nós convidamos vocês todos para tomar um café quente com muita
possibilidade de conversa, para nós construirmos o Sistema Nacional de Educação,
garantindo gestão democrática, participando dos conselhos, participando dos fóruns
criados em leis estaduais, municipais e distrital de Educação. E engrossemos a
preparação da nossa II Conferência Nacional Popular de Educação – CONAPE-2022,
que estamos planejando e preparando nos Municípios, nos Estados, no Distrito
Federal para acontecer em Natal, no estado do Governo da Fátima Bezerra, nossa
companheira professora militante, hoje governadora, ex-senadora, para que,
abrigando e acolhendo essa conferência, a gente possa avançar na construção desse
Sistema Nacional de Educação.
Até lá, e após essa nossa conferência, estamos e estaremos nos Encontros
Regionais de EJA – EREJA, construindo o nosso XVII Encontro Nacional de
Educação de Jovens e Adultos – ENEJA. E aqui está um convite de todxs nós, para
que vocês participem intensamente dos fóruns de cada estado e de cada município e
possamos nos fóruns de EJA construir nossa pauta de luta nos EREJA, ENEJA e na
II Conape.
Já estamos concluindo. Trago a vocês uma lista de experiências coletivas, para
que possam consultar e vai, desde a Economia Solidária até o Cine Popular e todas
as nossas criatividades, inclusive cordelistas. Vamos ao final para a nossa Flor do
Cerrado.
Estamos aqui duas pessoas. Eu sou baiana, mas estou a mais de 40 anos no
Centro-Oeste, então eu já tenho dois lugares.
Cláudia: Eu nunca saí daqui do Centro-Oeste.
Figura 11: Calliandra – Flor símbolo do Cerrado

Fonte: VII ENEJA, Brasília,2005 (banner)


Luiza: Tem uma nativa aí que nem a Calliandra, que não sai do seu lugar.
Essa flor que a gente oferece a vocês é a flor símbolo do Cerrado. Se você tirar ela
do pé, do chão, ela murcha. Não adianta colocar em jarro com água gelada, com água
quente, o que quiser. Ela não sobrevive fora do chão se enraíza, de onde absorve a
água que vem de baixo e de cima, que é a nossa chuva e, também, nossos
mananciais, bacias e nascentes do Cerrado.
Obrigada gente! Eu quero agradecer demais esse momento. Obrigadíssimo aí
Claudinha pela dobradinha e vamos nós!
Cláudia: Obrigada querida! Obrigada gente!

Últimas Palavras....
Marinaide: Com todos os problemas vividos, podemos dizer que estamos em
estado de graça nesta noite, pois vivenciamos uma significativa experiência humana.
As falas dessas mulheres em cada tópico dariam um curso de aprendizado de mão
dupla. A sintonia e como dialogam forma um movimento dinâmico do passado,
presente perspectivando o futuro e sempre conjugando o verbo “esperançar”
(FREIRE, 1987). Maria Luiza expressa a presença de uma “teoria revolucionária” em
oposição a “uma teoria opressora” com implicações para a ruptura do modo de
produção capitalista – que caracteriza muito bem o seu lugar de fala –,no manuscrito
original da Pedagogia do oprimido, o que me faz relembrar emocionada dessa escrita
de Freire, no referido manuscrito, que apesar de datada, isto é, dentro de um contexto,
é muito atual. Esse foi o primeiro ponto que me desmontou. Quando a Cláudia traz o
capitalismo de vigilância e as contradições capital e trabalho e, na sequência, Maria
Luiza enfatiza que é na sala de aula em um processo dialético, que o diálogo se
estabelece com estudantes num processo de desvelamento da realidade.
Compreendemos que é disso que o atual governo ultraconservador tem medo.
Ao reconstruir historicamente a guerra híbrida e a questão da linguagem oral,
Maria Luiza nos lembrou do filme Narradores de Javé.11 Não tinha como não lembrar
que, além da linguagem oral, caso tivéssemos tempo a colega falaria sobre a
importância das memórias, a exemplo da memória subterrânea, da memória
individual, da memória afetiva e da memória coletiva. Naturalmente isso daria mais
um curso. Ao retratar as falas dos/as alunos/a em uma aula de história, esse evento
de letramento ganha sentido e provoca Cláudia a destacar que trata-se do currículo
vivido. O que nos faz lembrar os currículos como práticas cotidianas que permitem
aos/as alunos/as vivenciarem o tempo da escola no compasso da vida. Meu
sentimento dialoga com o de Benjamim (1994, p.245), da necessidade de ”escovar a
história a contrapelo”.
E nesse sentido, os Currículos pensados-praticados (OLIVEIRA, 2012), ganha
importância porque permitem a busca do “ser mais”, considerando que estudantes
são seres inconclusos/as e sócio-históricos, ansiosos/as para saberem cada vez mais
à medida que tomam consciência. É o “ser mais” freiriano dito na maioria das vezes,
sem consciência evolutiva e, dessa forma, usado equivocadamente. Maria Luiza, ao
retomar a fala traz também o movimento de 1986, com a autoformação, que implica
em cada pessoa ir além de si, na busca do “formar-se/informar-se” e
“instruir/despertar”, rompendo com a linearidade conteudista. Acrescenta
categoricamente de forma coerente a necessidade de revogar-se a BNCC. E diria:
junto revogar a Resolução nº 1 de 29 de maio de 2020, que não cabe em uma EJA
como política de Educação Popular.
Nesse pensar, Maria Luiza refere-se ao fazer a pesquisa acadêmica, e alerta
que deverá ser com os sujeitos, e demonstra que isso implica em diálogo horizontal
e nunca sobre os sujeitos. Afinal, produzir conhecimento juntos na nossa
compreensão se traduz na atuação de Pesquisa-formação, onde os/as envolvidos/as
se formam e são formados/as.
Ao retomar o diálogo, Cláudia traz para o debate dados preocupantes, tendo
como fonte o INEP, e destaca que existem 74 milhões de pessoas que não concluíram

11 Filme brasileiro em coprodução com a França de 2003, do gênero drama, dirigido por Eliane Caffé,
cineasta brasileira.
a Educação Básica. E, nesse contexto, apenas 3,5 milhões estão com acesso às
escolas, o que sugere uma incógnita em relação à permanência que implica não só
que estudantes “fiquem” no ambiente escolar, mas além de “ficarem” e se
transformem. O que não tem acontecido nas experiências escolares que não
avançam do instituído para serem instituintes.
Outra informação, também do INEP, é que se “tem um mar de pessoas sem
educação básica e a ilustração vem por meio de um gráfico que mostra sombreado
um mar que é azul com uma linha pontilhada, tímida, com esses 3,5 milhões”, que
estão tendo a cesso a escolarização. Fica explícito que há uma demanda nas
instituições escolares ainda distante da demanda escolarizável da população
brasileira, que é exorbitante. Esse é um momento, que na sequência Maria Luiza
agrega a questão do trabalho, destacando que há no Brasil 170 milhões de pessoas
em idade produtiva e 80 milhões não terão emprego e nem mesmo ocupações. E
destaca a importância da Economia Solidária – forma de produção em que existe a
participação de todos/as, trabalho cooperativado como objetivo de produzir, vender,
comprar e produzir, sem que haja exploração das pessoas e desgaste ao meio
ambiente –, fato esse ainda um grande desafio diante dessa realidade perversa.
Sobreviver a essa conjuntura faz com que as pessoas se tornam heroínas anônimas
(DE CERTEAU, 1994).
Maria Luiza e Cláudia nos seus percursos de fala aportam na Educação
Popular, tão necessária à política educacional. E nesse sentido, deve ser
compreendida com toda grandeza que os termos carregam: uma Educação para
todos/as. Novamente com grande emoção lembro Pedro Pontual, doutor em
Educação, que enquanto educador popular desde 1970 atuou em muitos Movimentos
Sociais, Organizações Governamentais (ONG) sempre considerando os princípios da
Educação Popular.
Nesse cenário, abrimos um parêntese para registrar a nossa preocupação com
a VII Conferência Internacional de Educação de Adultos (VII Confintea), que é o único
evento global da nossa área que se realiza de 12 em 12 anos e acontecerá em 2022
em Marrocos. Registramos que ainda no momento da live, não havia acesso à
discussão da VII Confintea e aos diálogos freirianos com os nossos pares, em outras
palavras, sem mobilização da sociedade civil organizada e também do próprio
Ministério da Educação que silencia sobre a organização e os debates necessários
preparatórios para referida Conferência Internacional. Realidade tão diferente das
mobilizações vividas na preparação da V Conferência – realizada em 1997 em
Hamburgo na Alemanha – e a VI, acontecida no Brasil, em 2009, na cidade de Belém
do Pará. Preocupação, porque dessas Conferências saem documentos norteadores
para a política da Educação de Adultos para os países signatários e até a última o
Brasil se inseria nela e foi na mobilização da V Confintea que os Fóruns de EJA do
Brasil foram surgindo e permanecem na luta.
Infelizmente, nosso tempo acabou e lembro que esses escritos advieram de
uma live e aproveitamos para agradecera possibilidade de dialogar com mulheres
militantes – que nos emocionaram e me fizeram aprender muito –, e às demais
pessoas presentes que tiveram a paciência histórica da escuta sensível, demonstrada
por meio das perguntas no chat. Vocês fizeram essa noite acontecer. Agradecimentos
também à Luana e ao Danilo, esses dois alagoanos que estão atuando enquanto
intérpretes de Libras e que nos honram neste V Café Nacional com Paulo Freire.
Lembrando a nossa querida Edite Faria, professora da Universidade do Estado da
Bahia (Uneb) e membra do Café com Paulo Freire da Bahia, que sempre em
momentos como esse nos diz que “o Café está quente”. Sim Edite, muito quente!
Concluo com Manoel de Barros (2018, n.p. 20) no poema “A didática da
invenção” quando diz que “ epetir, repetir até ficar diferente” e acreditamos que ficará
diferente. A “última” palavra é GRATIDÃO.

Referências

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Disponível em: (707) Paulo Freire e a Pedagogia da vida - YouTube Acesso:
16/08/2021
PAULO FREIE E AS JUVENTUDES: ABRINDO CAMINHOS
PARA UM DIÁLOGO MAIS QUE NECESSÁRIO

Carlos César de Oliveira – Café Paulo Freire PUC Rio1

RESUMO: Centrando-me no tripé educação-política-democracia, ensaio um


diálogo entre Paulo Freire e as juventudes. Nota-se que apesar das várias
pesquisas no campo da Educação de Jovens e Adultas (EJA), o pensamento
do autor ainda é pouco trabalhado com as juventudes da educação básica
(Ensino Médio), carecendo de atenção e de estudos, tendo em vista a forte
“cultura do silenciamento” em escolas brasileiras. Afinal, como superar este
silenciamento e fazer com as vozes juvenis possam ser expressas, de modo a
romper com a sua condição de assujeitamento no processo ensino-
aprendizagem? Entrelaçando relatos de experiências e revisão bibliográfica, a
discussão ora proposta foi organizada cinco momentos, e, ao final, defende
uma prática educativa dialógica e problematizadora da realidade, onde as
vozes juvenis sejam valorizadas.
PALAVRAS-CHAVE: Juventudes. Paulo Freire. Educação problematizadora

Uma escrita enquanto ato de pensar e de questionar. Primeira questão

O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos,


dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos
sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos
bons.
Martin Luther King

Ao ensaiar estas primeiras palavras, inspiro-me em Martin Luther King


para afirmar que nos processos e práticas educativas, posto que defendo uma
educação democrática, uma das coisas que me preocupa é o silenciamento
das/os jovens. Além disso, me preocupa uma educação aligeirada,
mecanicista, que têm como ênfase ou a preparação para o mercado de
trabalho ou para as avaliações, esquecendo-se de uma problematiza da

1Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio;
Bolsista CAPES/PROEX; Educador Popular, com ênfase em Pré-Vestibular Popular; Revisor
de Texto; Membro do Café Paulo Freire – PUC Rio. E-mail: carlosoliveira.prof@gmail.com
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.
“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”.
realidade, de valorizar as vozes e experiências juvenis no processo ensino-
aprendizagem.
Diante dessas inquietações (ou preocupações), neste exercício de
pensamento que é a escrita (de reflexão e sistematização), a primeira questão
que levanto (assim como em algumas atividades escolares) centrou-se em três
temas geradores: “educação”, “política” e “democracia”. Como eles se
relacionam e de que forma podem contribuir para pensarmos práticas
educativas com as juventudes? Ao trazer esta questão, trago as vozes dos
estudantes:
“– Prof.! É para responder?”
“– Quantas linhas?”
“– Vale nota?” “Isso não cai no ENEM?”.
As perguntas realizadas no âmbito da sala de aula (ou até mesmo da
escola) muitas vezes param na “nota”, no resultado. Por quê? Muitas vezes ela
acaba inibindo uma prática de educação democrática e dialógica, visto que o
seu foco é meramente o resultado, esquecendo-se do processo. Mas, a
aprendizagem se dá no processo, nas trocas de saberes, na experimentação,
na re-criação e reflexão. “É preciso, finalmente, que os educandos (e as
educandas), experimentando-se cada vez mais criticamente na tarefa de ler e
de escrever percebam as tramas sociais em que constitui e se reconstitui a
linguagem, a comunicação e a produção de conhecimento” (FREIRE, 1997, p.
31).
Ainda em relação à questão acima, não anseio buscar respostas.
Todavia, é um convite a pensarmos neste tripé, conforme anunciei inicialmente,
e em como ele pode contribuir para o trabalho com juventudes. Tripé porque
são indissociáveis, inclusive no pensamento de Paulo Freire. Assim, foi sob a
ótica do pensamento freireano que me propus ensaiar esta escrita – “A teoria
emerge molhada da prática vivida” (FREIRE, 1997, p. 22) – sobre o papel das
escolas na formação das/os jovens, tendo em vista que o que deveria ser um
espaço de diálogos, de troca de saberes, acaba, muitas vezes, se tornando um
espaço de silenciamento, de transmissão e assimilação de conhecimentos,
típicos da “concepção bancária” (FREIRE, 1987) de educação.
Apesar de voltar a minha atenção para a Educação Básica, sobretudo
para o Ensino Médio, conforme sinalizei acima, adianto que o silenciamento
das juventudes ocorre, também, nas relações acadêmicas, onde muitas vezes
“os detalhes do dia a dia” (FREIRE, 1979), ou seja, o cotidiano é desconectado
da teoria, impossibilitando uma ação reflexiva, problematizadora, re-criadora.
Pensando estas questões, a relação dialética entre o local e o global, “a
formação como um processo permanente que se funda na análise crítica sobre
a prática” (FREIRE, 1997, p. 19), num exercício teórico-prático, curioso, me
propus a colocar em diálogo as minhas leituras freireana (revisão bibliográfica 2)
e algumas vivências com juventudes. Ressalto, porém, que a escrita deste
texto resultou em um re-fazer, ou como dissera Freire (1997, p. 23), em uma
“experiência de tomar distância”, posto que o primeiro ensaio de escrita se deu
em 2019, por ocasião de uma fala sobre o pensamento de Paulo Freire na
Semana de Pedagogia de uma instituição de ensino superior da rede privada,
situada no município do Rio de Janeiro. Portanto, o texto que ora ganha forma
estava a espera de um re-encontro, de uma re-escrita. Hoje ele ganhou uma
nova forma. Amanhã, certamente, uma outra forma a partir das leituras.
Freireanamente, que ele possa ser re-pensando, re-inventado.
Quero destacar que se naquele contexto (debate), em junho de 2019,
pós golpe de 2016 (resultou no impeachment da presidenta Dilma Roussef) e
eleição de 2018, a discussão sobre “educação-política-democracia” já era
pertinente, atualmente, após os cortes de verbas na educação e nas ciências, a
precarização do trabalho docente e a perseguição a professores/as, além da
pandemia da Covid-19, fazer esta discussão se torna cada vez mais urgente e
necessário. Afinal, como formar as/os jovens, sobretudo das classes populares,
para uma educação crítico-cidadã?
Atento a isso, este trabalho foi organizado em cinco momentos: um de
apresentação, outro de reflexão, de achados, ao final, e três momentos onde
me pauto no tripé, nos temas-geradores já elencados. Para tanto, afirmo que
um tema-gerador foi puxando outro, como os tijolos em uma construção: no
segundo momento, educação-esperança, ou a educação enquanto esperança;
2 Parte da pesquisa bibliográfica foi realizada no decorrer do Mestrado em Educação,
Processos Formativos e Desigualdades Sociais, cursado na faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ, espaço onde começo
um reencontro como Paulo Freire, refletindo a respeito da minha prática docente. Afinal, “como
não há pessoas2 sem mundo, nem mundo sem pessoas, não pode haver reflexão e ação fora
da relação pessoas-realidade” (FREIRE, 2018, p. 20). À época, contava com a Bolsa CAPES,
que muito contribuiu para os meus estudos.
no terceiro, política-conscientização, refletindo sobre a dimensão política da
educação; e, no quarto, democracia-mudança, onde discuto o papel da
participação juvenil nas transformações sociais. Qual tem sido, efetivamente, a
nossa contribuição para com a formação das/os jovens, no sentido da
construção de um diálogo e de uma escuta efetiva? Paulo Freire (1997) nos
lembra da importância da dimensão do afeto, da dimensão corpórea, de jamais
dicotomizar o cognitivo do emocional. Como ele mesmo disse, “o espaço da
escola não é só cognitivo, é relacional, é afetivo, é social” (p. 13). Será que
estas dimensões vêm sendo trabalhadas no contexto das práticas educativas
com as/os jovens?

Figura 1: Os temas-geradores e a estruturação do Texto

Legenda: trata-se de um dos slides apresentados por ocasião da mesa que participei em 04
jun. 2019.
Fonte: Autoria própria, 2019.

Destaco que tal opção é sistemática, visto que ambas estão


relacionadas, podendo resultar em outras conjunções ou contextos para
discutir sobre a insurgência das vozes juvenis, tantas vezes silenciadas nos (e
pelos) espaços educativos e na (e pela) sociedade. Com este pensamento,
tomo como base as discussões propostas em Educação e Mudança (2018) e
Conscientização: teoria e prática da libertação (1979), por considerar obras
relevantes para esta discussão. Mas, além disso pauto-me em Pedagogia do
Oprimido, Pedagogia da Esperança e Professora, sim; tia, não, visto que são
fundamentais para esta discussão.
Como sinalizei, ensaio esta breve discussão ciente de que ela não se
esgota aqui e que re-quer outros desdobramentos, pois, de um lado a obra
freireana é vasta e pode proporcionar uma série de estudos/diálogos acerca da
educação, seja ela escolar ou não escolar. Por outro, as juventudes são plural,
heterogênea, diversas, implicando e nos convidando a pensar o diálogo entre
as/os jovens e Paulo Freire. Como fazer isso? Convido você leitor/a a entrar
nessa Ciranda (OLIVEIRA, 2020).
Convido-lhe, porque acredito que quando as vozes silenciadas se unem
e insurgem é sinal de educação crítica, pois, a meu ver, a insurgência
representa a conquista da autonomia, o rompimento das barreiras do
silenciamento imposta pela sociedade e, de certo modo, incorporadas pela
escola. Levando em consideração tais argumentos, apresento as seguintes
questões que serviram como ponto de partida para este texto: de que forma a
democracia pode contribuir para a melhoria da educação? Como construir uma
educação democrática em uma sociedade marcada por desigualdades que,
inclusive, se configuram nas relações escola/sociedade, gestão/docentes,
docentes/discentes?
Pensando com Giroux (2016, p. 113), lembro que “Freire não oferecia
receitas para quem necessitava de soluções teóricas e políticas instantâneas”.
Assim, não é propósito deste estudo oferecer receitas, mas pensar juntos e
buscar formas de como intervir na realidade, tomando como base algumas
práticas como docente, sobretudo no contexto atual em que a educação
democrática está ameaçada, em que os movimentos em defesa da educação
pública, gratuita, laica e de qualidade (CF, 1988) são estigmatizados e
apontados como “ideologia” ou como “balbúrdia”, termos bastante recorrentes
nos últimos anos, especialmente a partir do golpe de 2016.
Portanto, nessa relação teórico-prática, nesse processo de formação
permanente em que estou, procurei analisar duas situações do cotidiano, da
minha prática como professor-pesquisador, como educador popular, para falar
da importância da voz das/os estudantes na constituição de práticas dialógicas:
um, realizado em sala de aula com alunos de um pré-vestibular popular,
durante uma aula de Redação; e outro, tendo como base a observação de um
grupo de estudantes por ocasião da mobilização em defesa da educação
pública realizada no dia 15 (quinze) de maio de 2019. Além disso, a escrita
está entranhada com as minhas experiências de professor de Língua
Portuguesa e Literaturas no Ensino Médio. Sendo assim, este estudo se
apropria de experiências cotidianas, de práticas educativas, problematizando-
as, colocando-as em diálogo com a teoria, e defende a intrínseca relação entre
ambas, bem como a importância deste diálogo para a construção de práticas
mais horizontalizadas com as juventudes, sobretudo no espaço escolar.

Pode uma educação das juventudes sem esperança nas/os jovens?


Segunda questão.

É ouvindo o educando que a professora democrática se


prepara cada vez mais para ser ouvida pelo educando3.
Paulo Freire

Seguindo a acepção freireana, as palavras educação e esperança são


recorrentes e mantém uma intrínseca relação, sobretudo quando se refere às
classes populares. Para estas, a educação alimenta a crença de emancipação,
de melhores condições de vida para si e para a família. É comum ouvir dos
pais, por exemplo, que estão dando educação aos filhos para que eles tenham
as oportunidades que não tiveram, tanto no sentido de frequentar a escola,
como nas limitações que a sociedade impõe à sua vida profissional e à sua
condição social.
Contudo, o que Freire chama a atenção é que “a educação tem um
caráter permanente”, ou seja, é uma ação que se dá processual e
relacionalmente, afinal, “estamos todos nos educando” a todo tempo. Ele nos
chama a atenção, ainda, que “não há seres educados e não educados” o que
existe são “graus de educação, mas estes não são absolutos” (2018, p. 35).
Diante do pensamento do autor, chamo atenção para a importância de
reconhecer-se “aprendente” e “inacabado” nos processos formativos por que
passamos, mas, também, ressalto que a educação implica uma atividade ética
que envolve os sujeitos da (e em) relação pedagógica, visto que ambos
aprendem na (e com) a ação coletiva. Freire (2018, p. 35) emprega um

3Entendo que Freire aqui emprega um sentido generalista: educando e educanda, professora e
professora. Ao realizar a leitura de textos não podemos cair no risco do anacronismo, deixando
de lado o contexto, a época em que a obra foi escrita. Vale ressaltar que em Pedagogia da
Autonomia, por exemplo, Freire emprega os termos conforme aqui descrevo.
exemplo claro disso ao tratar da educação dos camponeses, quando afirma
que eles têm conhecimento “o que lhes falta é um saber sistematizado”.
Entretanto, a ideia de sistematização, que também é defendida por Jara
(2021), muitas vezes é confundida com transmissão, ou com doação,
principalmente no âmbito da sala de aula o que é reverberado por meio da
bitransitividade do verbo dar (dar o que?/a quem?), expressão que,
implicitamente, remete à concepção bancária de educação, visto que a/o
educanda/o é tratada/o como mero/a receptor/a. Além disso, trata-se de uma
expressão que suprime a capacidade de diálogo e, por conseguinte, de
construção de um ambiente democrático.
Mas, e quando não é possível ser dado? O que fazer? Este talvez seja o
grande desafio enfrentado por professores – especialmente os de Língua
Portuguesa, posto que sou desta área – quando se propõem a trabalhar
produção textual com estudantes silenciados/as ao longo de anos de
escolarização e que, num dado momento, em função das seleções como
vestibular ou ENEM precisam do domínio de algo que a escola da deu conta –
norma culta –, e que diferentemente de outras disciplinas precisa ser
representado, expresso, por meio da escrita. Olhando para essa realidade, as
palavras de Freire (2018, p. 34) reforçam a minha crítica e me instigam a
pensar que “o ser humano deve ser sujeito de sua própria educação. Não pode
ser o objeto dela”, pois sendo objeto, as/os estudantes acabam
desestimulando-se, desacreditando do processo e, assim, mantendo uma
condição de subalterno na sociedade.
E a “educação bancária”, enquanto uma educação fundamentada na
resposta, o/a professor/a pergunta e a/o estudante responde sob pena de não
errar. Nota-se que o mesmo acontece com as próprias produções escritas,
onde o “processo de escrita” do texto muitas vezes é colocado em segundo
plano em detrimento do produto, isto é, do texto final que é entregue. Quero,
portanto, destacar que o texto também pode silenciar e excluir. A não
compreensão de sua processualidade pode levar o estudante a concluir: “eu
não sei escrever” ou “sou péssimo em redação, desacreditando de si”, entre
tantas outras expressões que se houve no cotidiano escolar. Pois bem, esta
talvez seja outra discussão (futura), quis apenas abrir um parêntese para falar
da sensação de impotência diante dos bloqueios ou as formas de exclusão
ainda provocadas pela linguagem escrita.
Nesse sentido, venho apostando numa educação da pergunta, curiosa,
processual, construída coletivamente e capaz de valorizar as múltiplas
linguagens. Nesta, a pergunta abre caminho para o diálogo e não para a
punição ou para a promoção: “se não responder, tiro um ponto”, ou ao
contrário, “dou um ponto”.

A educação da resposta não ajuda em nada na curiosidade


indispensável ao processo cognoscitivo. Ao contrário, a educação da
resposta enfatiza a memorização mecânica dos conteúdos sobre os
quais se fala. Só uma educação da pergunta aguça a curiosidade, a
estimula e a reforça [...] Perguntar e responder são caminhos
constitutivos da curiosidade (FREIRE; ARAÚJO FREIRE, 2021, p. 29-
30, grifos dos autores).

Em diálogo com educandas/os de um pré-vestibular social 4situado na


Zona Norte do município do Rio de Janeiro, no ano de 2019, por ocasião de
uma aula de Redação, indaguei: na visão de vocês, há democracia na escola?
A atividade consistiu numa dinâmica de grupo, onde segurando um novelo de
lã as/os estudantes apresentaram respostas para a indagação, passando um
novelo de mão em mão. Com os fios, além de construir o texto as ideias vão
contribuindo para a construção de um espaço democrático.
O início da dinâmica foi marcado pelo silêncio. Aos poucos, ela foi sendo
construída e as/os educandas/os destacaram que uma educação democrática
implica “reflexão” e “debate” (Bruna) acerca dos conteúdos trabalhados e das
decisões da escola. Porém, foi destacado que “o ambiente escolar, muitas
vezes, limita a nossa voz” (Cibele), uma limitação que se constitui por meio das
“relações hierarquizadas” (Raul).
As colocações das/os estudantes me remetem a Freire (1997, p. 60) ao
destacar que “o direito a voz é uma questão crucial no âmbito da sala de aula”,
um espaço que segundo as falas é a reafirmação das formas de opressão,
devido à “hierarquia” que, muitas vezes, transcende a dimensão relacional,
configurando-se na dicotomia “teoria x prática”, ainda alimentada pelas
instituições escolares, com reflexos nas práticas de ensino e no processo de
aprendizagem.

4 Por uma questão ética, não faço referência ao nome do pré-vestibular e emprego nomes
fictícios para as/os estudantes.
A partir desta breve discussão sobre democracia na escola, uma aluna
concluiu: “na escola não tive o hábito de debater. Era mais copiar os assuntos
no caderno e estudar para a prova” (Lays). Vale lembrar que a proposta desta
dinâmica em uma aula de produção de um texto buscou explorar a metáfora do
texto enquanto um tecido, que fio a fio vai sendo costurado, de uma ação
coletiva. À medida que as/os estudantes foram falando, suas respostas foram
sendo anotadas, demonstrando a processualidade do texto: ele nunca nasce
pronto e está sempre em construção, basta revisitá-lo.
Ou seja, através da fala e da escuta, da pergunta como estratégia de
ensino, foi possível romper um pouco o silenciamento e ouvir suas percepções
sobre a escola. Confesso que fiquei curioso, estaria faltando escuta na escola?
Seria este um caminho? No momento foi. E possibilitou a compreensão de que
primeiro vem as indagações sobre o tema, depois a tempestade de ideias,
seguindo-se da organização e sistematização e das constantes leituras
realizadas no decorrer do processo. Em face desta experiência, passo a crer
que a esperança implica nesse agir coletivamente, nessa posição de escuta e
de diálogo, a fim de re-pensar a realidade, o contexto histórico-político-social
no qual estamos inseridos. Afinal, os/as jovens são o presente. É no presente
que eles/as são formados/as.
Ao que parece, a ação proposta incitou-os a pensar que “não é possível
fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio ser
humano (...) sobre a sua própria experiência existencial” (FREIRE, 2018, p. 33),
e a refletir sobre si mesmo e sobre a sua realidade, numa espécie de
“autorreflexão” (FREIRE, 2018, p. 34). Isto porque eles/as passaram a refletir
sobre as suas experiências na escola, bem como sobre as suas práticas na
escrita, enquanto estudantes que já concluíram ou estão em fase de conclusão
da Educação Básica (cerca de 12 anos) e que estão recorrendo a um pré-
vestibular social em preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) ou para prestar vestibular. Esta é, portanto, mais uma contradição do
sistema de ensino brasileiro. Afinal, por que se preparar para um exame que
mede a “qualidade” do ensino médio? Ora, ao se preparar para o mesmo, o
seu resultado não será fiel à realidade das escolas brasileiras. Enfim, talvez
esta discussão não caiba neste texto, mas resolvi pontuá-la porque ela mexe
com os sonhos de muitas/os jovens.
Em diálogo com Regis (1988, p. 7), afirmo que “a sala de aula”, assim
como a escola, “contém muitas realidades” [...] “Esta pode ser pensada em
termos do que é, bem como em termos do que dever ser”. O mesmo pode ser
pensado em relação às juventudes. Logo, uma visão homogeneizadora,
unilateral, acaba contribuindo para este silenciamento das/os jovens na escola,
muitas vezes justificado pela lógica mercadológica que defende uma educação
para o futuro, esquecendo-se do presente: do papel social das/os jovens
estudantes.
Vale lembrar que a discussão sobre “democracia na escola” e o diálogo
estabelecido com as/os estudantes me levaram a pensar nesta relação entre a
educação e a esperança, com vista na ação mobilizadora das/os estudantes.
Uma ação que, freireanamente falando, implica “fazer com”, ou seja, uma
prática educativa com as/os jovens. Será que é por esse motivo as aulas de
“empreendedorismo” têm chamado tanto a atenção de alguns deles/as? Este é
mais um convite a reflexão.
Sobre a relação educação-esperança, Streck (2016, p. 161) destaca que
a esperança “é uma categoria central na obra de Freire, ligada a outros
conceitos como utopia, inédito viável ou sonho possível”. Este mesmo autor
acrescenta que em “Pedagogia do Oprimido a esperança se faz presente como
condição para o diálogo, junto com o amor, a humildade, a fé nos homens e
nas mulheres” (STRECK, 2016, p. 161).
Apesar de Freire discutir sobre a esperança em várias de suas obras,
sobretudo na Pedagogia da Esperança, optei por discuti-la a partir das obras
que elegi como suleadoras para este estudo. Em Conscientização o termo é
utilizado 11 (onze) vezes e, em Educação e Mudança, 10 (dez) vezes. No
entendimento de Freire, “a educação crítica é portadora de esperança”, pois
corresponde “à natureza histórica do ser humano” (1997, p. 42).
Por meio da educação crítica o ser humano é capaz de questionar a
realidade, na busca por transformá-la, conforme observei na paralização em
defesa da educação realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 15 (quinze) de
maio de 2019. Na ocasião, exercendo a sua condição de sujeitos e a sua voz,
um grupo de estudantes de uma escola pública do Rio de Janeiro me instigou a
pensar no papel da educação crítica e libertadora (FREIRE, 1979; 1987 e
2018) dentro das escolas, o que, de certo modo, parece justificar o porquê da
perseguição ao autor pelo atual governo brasileiro.
Ressalto, ainda, que ao associar a esperança com a educação crítica
em Conscientização, Freire nos lembra que os seres humanos

são seres que se superam, que vão para a frente e olham para o
futuro, seres para os quais a imobilidade representa uma ameaça
fatal, para os quais ver o passado não deve ser mais que um meio
para compreender claramente quem são e o que são, a fim de
construir o futuro com mais sabedoria (1997, p. 42).

Partindo desse pressuposto, ressalto que a esperança em Freire não


significa esperar que a realidade aconteça, pelo destino ou pelo futuro, mas sim
buscar via caminhos democráticos construir(se) (n)uma ação coletiva, capaz
transformar os “sonhos possíveis”, isto é, uma realidade mais humana e com
justiça social. Desse modo, a educação e a esperança estão relacionadas, na
medida em que ao educar o/a educador/a é capaz de compreender os anseios
das/os educandas/os, tornando o ensino um instrumento de ação e
transformação na/da experiência concreta.

Figura 2: Por uma pedagogia crítico-libertadora

Legenda: Elaborado com base no livro Pedagogia do oprimido, 1987, cap. 2.


Fonte: Autoria própria, 2021.
Ao falar de esperança, dentro dessa perspectiva crítico-libertadora, nota-
se mais uma vez a crítica à concepção bancária, castradora de sonhos,
silenciadora, que, muitas vezes, esquece contextualizar sua prática, colocando-
a em diálogo com a realidade das/os educandas/os. Nesse sentido, a
esperança implica “estar sendo”, “seres em busca”, “corpos conscientes” que
se fazem e se refazem na ação, pela práxis.
Me parece que discutir a realidade atual, a partir da perspectiva
discente, isto é, das/os jovens, é um caminho para o processo de democracia
na escola, o que a meu ver é um ato de esperança, posto que é ação coletiva,
que é reflexão sobre a prática. Um exemplo manifesto dessa esperança que
estou falando são os movimentos estudantis, como nas ocupações das escolas
em 2015/2016 (PRONZATO, 2016) e a própria luta contra os cortes na
educação anunciados pelo governo em 2019, que resultou em paralisações em
todo o Brasil e um grande envolvimento de jovens estudantes.
Sobre este assunto, Freire nos lembra que

a esperança não consiste em cruzar os braços e esperar. Na medida


em que luto, estou amadurecido para a esperança. Se combato com
a esperança, tenho o direito de confiar. O diálogo, como encontro de
homens que pretendem ser mais lucidamente humanos, não pode
praticar-se num clima carregado de desesperança. Se os que
dialogam não esperam nada de seus esforços, seu encontro é vazio,
estéril, burocrático, cansativo (FREIRE, 1997, p. 43).

Nesse sentido, a esperança é considerada uma premissa do ato de


educar, compreendendo que por meio da luta – do engajamento e da
participação – também se educa. Assim, a luta daqueles e daquelas jovens por
educação refletem não somente uma manifestação em defesa da educação,
mas pode se tornar em um processo formativo fundamentado na práxis, isto é,
na ação e reflexão acerca da realidade, configurada na lutar por direitos.
Freire ainda nos diz “se combato com a esperança, tenho o direito de
confiar”, o que implica uma esperança mobilizadora, capaz de lutar contra as
formas de opressão, contra as perdas de direitos, contra o silenciamento e o
medo. Ou seja, uma esperança ousada. Dito isso, convém lembrar que a
esperança na educação já resultou em muitas lutas e, hoje, mais do que nunca,
nos instigar a lutarmos, a nos organizarmos, a voltar o olhar para as bases e
para as juventudes. Somos parte dessas lutas e, por esse motivo, somos
instigados a continuar nesta constante esperança-ação. Como diria
Gonzaguinha “eu vou à luta com essa juventude...5”.
Mas como pensar mudanças, em continuidade, sem envolver as
juventudes? Qual o seu papel? E qual o nosso papel? Ao discutir sobre as
diferentes percepções da realidade, em Educação e Mudança Freire (2018, p.
66) critica a “percepção ingênua” da qual resulta “uma postura fatalista,
condicionada pela própria realidade” e defende uma percepção ativa, crítica,
através da qual “o ser humano se torna capaz de se ver, de perceber-se
enquanto percebe a realidade” (FREIRE, 2018, p. 66). Teríamos, ainda, uma
percepção ingênua sobre as juventudes? Será que ainda não nos demos conta
de que as juventudes estão no tabuleiro do jogo de interesses do capital? Este
talvez seja um dos grandes desafios, trabalhar uma educação democrática,
crítica, problematizadora com as/os jovens, frente a tantas questões que
atravessam a escola e tantas informações e cobranças que as/os
bombardeiam cotidianamente.
Diferentemente da percepção ingênua, mitificada, conformista, da
realidade, a percepção crítica (conforme a Fig. 2) resulta em uma ação ativa
por parte das pessoas que assumem-se sujeitos, no caso em tela, na defesa
da escola pública, o que encontra sentido nas palavras de Freire. Segundo o
autor,

no momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes


de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em
que se encontram, sua percepção muda, embora isso não signifique,
ainda, a mudança de estrutura. Mas a mudança da percepção da
realidade, que antes era vista como algo imutável, significa para os
indivíduos vê-la como realmente é: uma realidade histórico-cultural,
humana, criadas pelos seres humanos e que pode ser transformada
por eles (FREIRE, 2018, p. 66).

No momento em que atuam e refletem sobre a realidade, os indivíduos


passam a ter uma percepção de como ela é, desconstruindo o “fatalismo”
resultante da “percepção distorcida”, construído novos sentidos e
enfrentamentos à cultura dominante. Quando os seres humanos se
reconhecem como sujeitos, rompem a visão determinista, fatalista, construída
nas relações socioculturais, em contextos religiosos, que sustentam a ideia de
inferioridade no destino (porque o destino quer) e em Deus (porque Deus quer).

5 Ver: https://www.letras.mus.br/gonzaguinha/259335/ Acesso: 20 maio 2022.


É fato que às vezes, especialmente no caso da escolha profissional, tem ainda
o “porque os meus pais querem”. O que não deixa de ser um determinismo,
uma condição de assujeitamento.
Partindo da premissa, de que a “estrutura social é obra dos seres
humanos”, compreende-se que a sua transformação será fruto das
ações/relações humanas. “Isso significa que a sua tarefa fundamental é a de
serem sujeitos e não objetos de transformação” (FREIRE, 2018, p. 63). E, esta
mudança de comportamento, de certo modo, é resultante da esperança em
mudar a realidade. “Uma esperança crítica que move homens e mulheres para
a transformação” (FREIRE, 2018, p. 66).
Para Freire (2018, p. 37) “uma educação sem esperança não é
educação”. Afinal, a educação resulta em uma “organização reflexiva do
pensamento” que, por conseguinte, “resulta na mudança da condição de objeto
para a condição de sujeito” (FREIRE, 2018, p. 93). É fundamentando-se nesta
esperança – na educação – que muitas lutas foram travadas pelas classes
populares em defesa da escolarização, como relata Pronzato (2016) no
documentário “Acabou a paz: isto aqui vai virar Chile” sobre a ocupação das
escolas; Santos (2008), ao pesquisar o movimento de pré-vestibulares
populares iniciado no Rio de Janeiro, na década de 90; Spósito (1993) ao
analisar a luta por educação nos movimentos populares; ou como sugere Gohn
(2012) ao tratar do “caráter educativo dos movimentos populares”.
É importante ressaltar que apesar de se referirem a contextos distintos e
a de diferentes sujeitos, os/as autores/as citados/as retratam contextos de luta
e participação popular de estudantes, mães, coletivos, movimentos sociais,
destacando-se o papel ativo das mulheres nas lutas pela escola pública.
Procurei fazer referência a estas lutas para destacar que as classes populares,
por acreditarem no poder transformador da educação, rompem com o seu
silêncio e insurgem, pela organização, pelo diálogo e, sobretudo, pela
esperança-ação. Uma esperança ativa, típica dos sujeitos, fundamentada na
práxis, ou seja, na ação e na reflexão sobre o processo derivado da ação.
Ainda sobre a esperança, Freire diz que “está na raiz da inconclusão dos
seres humanos, a partir da qual eles se movem em permanente busca. Busca
em comunhão com os outros” (2018, p. 43). Uma permanente busca que, a
meu ver, só é possível de ser construída por meio da escuta e do diálogo, visto
que “o diálogo não pode existir sem esperança” (FREIRE, 2018, p. 43).
Conforme descreve em Educação e Mudança

o diálogo nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de


confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois
polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé
no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se reproduz uma
relação de empatia, entre ambos (FREIRE, 2018, p. 93).

Desse modo, o presente estudo reafirma a importância do diálogo como


um elemento constituinte das relações e propício à troca de saberes. Sendo
assim, por meio de ações fundamentadas no diálogo (escola-comunidade;
docente-discente) é possível melhor compreender os anseios dos sujeitos,
deixando de lado uma comunicação unilateral para uma multilateral. Portanto,
quando, as práticas de ensino abrem espaço para o diálogo, através de “um
método ativo e participante” (FREIRE, 2018, p. 93), as/os educandas/os se
reconhecem nela e passam a participar de forma mais ativa, visto que se trata
de um espaço em que todas/os constroem e aprendem juntas/os.

Política e conscientização: uma via de mão dupla? Terceira questão

A educação é uma prática social e histórica concreta e


intrinsecamente associada ao próprio processo de construção do
humano e do mundo humano, podendo ela, inclusive, favorecer a
des(integração) do homem na sociedade em questão, segundo os
interesses em jogo. Neste sentido, a educação é uma prática política
(MATOS, 1998, p. 295, grifo do autor).

A compreensão da intrínseca relação entre educação e política,


conforme destacado por Matos, é recorrente no pensamento freireano, desde
Pedagogia do Oprimido (1968) até a Pedagogia da Autonomia (1996). Assim,
quanto ele afirma que “a educação é um ato político” (FREIRE, 1997, p.58)
somos convidados a pensar na dimensão política da educação, atentando,
inclusive para o conjunto de forças que envolvem, sobretudo, as instituições de
ensino, ou de forma mais ampla o “sistema” educacional brasileiro. Ou como
diria Matos (1988), quais interesses estão em jogo? No caso das juventudes,
pode-se questionar, por exemplo, os interesses por trás da súbita aprovação da
Reforma do Ensino Médio ou no descaso (investimentos/fechamento de
escolas) com a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Afinal, em função da
exclusão escolar a EJA acaba se tornando um lugar que jovens das classes
populares têm buscado para poder concluir a educação básica.
Gadotti (2018, p. 9) assinala que embora Freire “não separe o ato
político do ao ato pedagógico, tampouco ele os confunde”. E conclui:

evitando querelas políticas, ele tenta aprofundar e compreender o


pedagógico da ação política e o político da ação pedagógica6,
reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de
conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma
sociedade a se libertar da opressão (GADOTTI, 2018, p. 10-11).

Neste sentido, compreendo que a ação pedagógica, tendo em vista a


sua inserção num determinado contexto e a sua finalidade, não está dissociada
da dimensão política, pois como o próprio Freire (1997) sugere não há
neutralidade na educação. Ela sempre representa os interesses e a ideologia
de um determinado grupo social, daí a necessidade de uma pedagogia do
oprimido, isto é, de uma pedagogia problematizadora para as classes
populares.
Além disso, quero chamar atenção para o caráter pedagógico da ação
política, da participação política (GOHN, 2012), sobretudo quando ela abre
espaço para o diálogo, para romper com os silenciamento, como nos casos
que referenciei, onde as/os educandas/os, através do diálogo e da
participação, passam a reconhecer-se como parte do processo, resultando em
conhecimento e tomada de consciência do seu papel na sociedade.
Pensando assim, ao discutir sobre a dimensão política da educação
elejo como tema-gerador a “conscientização”, reconhecendo a sua importância
para a formação da juventude. Afinal, quando a ação é consciente “não há uma
pseudoparticipação” (FREIRE, 1979, p. 44), mas sim um compromisso com a
transformação da sociedade.
Sobre este assunto, faço referência aos movimentos estudantis em
defesa da educação, como no caso dos estudantes que protagonizaram o
movimento de ocupação das escolas em 2015/2016 ou, por exemplo, daqueles
que observei na mobilização em defesa da educação no dia 15 (quinze) de
maio de 2019, dos pré-vestibulares populares, coletivos juvenis, dos espaços
juvenis em igrejas que tem uma ação progressista (OLIVEIRA, 2020), entre
outros. Por meio de suas práticas, estes movimentos acabam assumindo um

6Grifos meus.
papel formativo e elevam a capacidade de pensar, de questionar, de
problematizar a realidade, constituindo-se como espaços propícios para a
formação do pensamento ou da consciência crítica. Enfim, para o exercício da
cidadania.
Desse modo, ao compreender a “conscientização” como um “despertar
de nossa capacidade crítica e criadora” (LORA, 1979, p. 7), busquei mapear
este conceito nas duas obras que elegi como centrais para este estudo. Em
Educação e Mudança o mesmo é citado 12 (doze) vezes, já em
Conscientização, é empregado 67 (sessenta e sete) vezes.
As referências feitas ao referido conceito ensejam uma crítica à
“concepção bancária” (FREIRE, 1987), ao mesmo tempo em que defendem
uma “educação libertadora”, capaz de problematizar a realidade a fim de
transformá-la. Na visão de Freire,

a realidade não pode ser modificada, senão quando o ser humano


descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo. É preciso,
portanto, fazer desta conscientização o primeiro objetivo de toda
educação: antes de tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão,
que comprometa a ação (FREIRE, 1979, p. 22).

Partindo deste pressuposto, afirma-se que ao problematizar a realidade,


as/os educandas/os começam a desenvolver a sua capacidade crítica e
desvelar caminhos para transformá-la. Sem uma educação crítica, eles e elas
continuam na sua condição de objetos, de seres docilizados e passivos à
realidade.

Figura 3: Pressupostos da pedagogia libertadora


Legenda: Elaborado com base no livro Pedagogia do oprimido, 1987.
Fonte: Autoria própria, 2021.

Por falar em educação libertadora, Freire destaca que ela “está


fundamentada sobre a criatividade e estimula uma ação e uma reflexão
verdadeiras sobre a realidade” (1979, p. 41). Acerca deste tema, em Pedagogia
do Oprimido o autor afirma que ela se fundamenta “num caráter autenticamente
reflexivo, implicando num constante ato de desvelamento da realidade”. Assim,
diferentemente da educação bancária – cujo fundamento é a imersão – a
educação problematizadora “busca a emersão das consciências que resulte na
inserção crítica dos sujeitos na realidade” (FREIRE, 1987, p. 40).
Diante disso, ressalto que para Freire “a conscientização é um
compromisso histórico”, visto que resulta de uma “inserção crítica na história”,
por isso “exige que os seres humanos criem sua existência com um material
que a vida lhes oferece” (1979, p. 15). Uma vez inseridos na história e
compreendendo-se parte dela, as/os educandas/os passam a assumir o seu
papel de sujeitos. Como o próprio autor lembra, a conscientização não significa
“a consciência, de um lado, e o mundo, de outro”, ela não pretende uma
separação visto que está fundamentada “na relação consciência – mundo”
(FREIRE, 1979, p. 15).
Pensando assim, em diálogo com Freire destaco que

a tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta


consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A
conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera
espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma
esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na
qual o ser humano assume uma posição epistemológica (FREIRE,
1979, p. 15).

Com base no exposto, pode-se dizer que a conscientização é fruto da


ação e da reflexão no (e sobre) o processo de tomada de consciência. Uma
atitude consciente implica compreender o processo, sistematizando e
analisando-o de forma que possam surgir novas formas de pensar e agir sobre
a realidade. Assim, quando a educação “afirma a dialogicidade e se faz
dialógica” (FREIRE, 1987, p. 39), quando reconhecer a sua “co-
intencionalidade” (FREIRE, 1979; 1987) rompe com as relações verticalizadas,
primando por relações humanizadoras: escola-comunidade; gestão-docentes-
discentes. Nesse processo, fica claro a importância da participação das/os
jovens estudantes nas práticas educativas, fazendo uso de múltiplas
linguagens, sobretudo as artes, as histórias de vida e os dispositivos digitais.
Além disso, outro fator que merece destaque é a escuta. Quando,
escuto, por exemplo, “unificou, é estudante, funcionário e professor”, ecoando
nas vozes das/os estudantes na mobilização em defesa da educação pública,
me pego a pensar no papel de uma educação problematizadora “que não
aceita nem um presente bem conduzido, nem um futuro predeterminado”,
enraizando-se no “presente dinâmico” (FREIRE, 1979, p. 42), na realidade
concreta.
Compreendo, portanto, que a educação problematizadora é um caminho
para o processo de tomada de consciência e, por conseguinte, para a
conscientização. Mas, como afirmou Freire (1987, p. 39), para que ela
aconteça exige a “superação da contradição educador-educandos”, pois são
partes dos processos educativos, bem como a escuta e o respeito aos saberes
que os/as mesmos/as trazem para a escola.
Para finalizar a discussão sobre conscientização à luz do pensamento
freireano, destaco que

a conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto


mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra
na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos
para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não
consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição
falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da
“práxis”7, ou melhor, sem o ato da ação – reflexão. Esta unidade

7 Grifos do autor.
dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os seres humanos (FREIRE,
1979, p. 15)

O processo de conscientização emerge, portanto, das ações educativas


que procuram romper com o silenciamento das/os educandas/os, quando por
meio do diálogo são instigados/as a refletir sobre a realidade concreta e sobre
o seu fazer. Ao analisar a realidade, as suas dificuldades – como no caso
das/os estudantes do pré-vestibular que foram instigados a pensar a
democracia na escola –, conclui-se que a escola, enquanto instituição
formadora, ainda é deficiente quanto à construção de relações democráticas.
Em diálogo com Freire concluo sobre a necessidade de que

a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em


seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao ser
humano chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o
mundo, estabelecer com os outros homens relações de
reciprocidade, fazer a cultura e a história... (FREIRE, 1979, p. 21).

Diante do exposto, me parece claro que a compreensão do caráter


político da educação é um passo para a tomada de consciência, pois,
processualmente, contribui para uma mudança de postura das/os
educandas/os, passando da condição de objetos para sujeitos – críticos e
comprometidos com as mudanças necessárias à sociedade. Além disso, é um
processo que implica uma atitude dialógica, ética, de respeito aos saberes
resultantes das relações sociais e culturais. Por esse motivo, não pode existir
fora da práxis, pois resulta na/da ação e reflexão sobre a realidade, sendo,
portanto, um processo que contribui para (re)pensar a prática pedagógica.

Seria a aula democrática um princípio da/para a mudança? Quarta questão

Creio que a sala de aula é um espaço múltiplo que sempre


comportou outras relações e oposições importantes e, no entanto,
esquecidas por não serem possivelmente tão visíveis,
do ponto de vista da ortodoxia pedagógica.
Carlos Rodrigues Brandão

Após discutir acerca da educação-esperança e do seu aspecto político,


volto-me, por fim, para democracia-mudança. Seria a aula democrática um
princípio de mudança? Trabalhar com as juventudes, reconhecendo o papel do
diálogo, da pergunta, o respeito aos saberes das/os educandos/as parece ser
um caminho possível para romper, ou pelo menos, para mitigar a ortodoxia
pedagógica referida por Brandão (1988). Mas, não podemos romantizar e
acreditar que a mudança é fácil, que acontece do dia para a noite. Uma
mudança para acontecer pode levar tempo e requerer mobilização,
engajamento, participação, sobretudo porque estamos inseridos em um modelo
de sociedade desigual. A exemplo disso destaco o direito à educação para
todas as pessoas que apesar de anos luta e mobilização, só foi alcançado
legalmente em 1988, com a Constituição Federal, e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996. Mesmo assim, de lá
para cá outras lutas vêm sendo travadas, seja pela permanência, seja contra o
retrocesso dos direitos já conquistados.
Diante disso, em um ambiente democrático me parece necessário ter
clareza das ambiguidades da palavra mudança. Que mudança é essa? A
serviço de quem ela está? Que interesses estão por trás delas? Freire (1987,
p. 35) nos lembra que “a educação reflete a estrutura do Poder, daí, a
dificuldade que tem um educador dialógico de atuar coerentemente numa
estrutura que nega o diálogo. Algo fundamental, porém, pode ser feito: dialogar
sobre a negação do próprio diálogo”.
Ao trabalhar fundamentando-se na pergunta e no diálogo, o/a
educador/a abre espaço para que as/os educandas/os se coloquem,
problematizem a realidade e desenvolvam o seu pensamento crítico a partir da
troca de saberes e da sistematização do conhecimento adquirido ao longo das
experiências de vida. Assim, ao passar da “consciência ingênua” para a
“consciência crítica”, rompe-se o silenciamento e, democraticamente, o espaço
educativo se torna um espaço de mudança, de desvelamento da realidade, de
compreensão crítica das estruturas de poder. Nesse sentido, considero
importante o “olhar de dentro” e o “olhar de fora” da escola, ou seja, dos
múltiplos espaços de formação, daí a importância de estimular a/o jovem a
participar de outros espaços formativos, para além da escola.
Ressalte-se que estando os sujeitos da ação pedagógica conscientes do
seu papel a serviço da transformação da sociedade, a educação pode resultar
em mudanças: de comportamentos e de atitudes. A propósito, para uma melhor
compreensão do conceito de mudança, recorri mais uma vez às obras
Conscientização (1979) e Educação e Mudança (2018) a fim de analisar como
Paulo Freire emprega este conceito. Se na primeira, o termo em usado 15
(quinze) vezes, pelo autor, na última, já que faz parte do título a palavra
“mudança” é empregada 123 (cento e vinte e três) vezes. Isso ressalta o
quanto Paulo Freire acredita que a educação (crítica e dialógica) pode
contribuir para que mudanças aconteçam, para que o “ser-menos” se
reconheça como “Ser-Mais”, para que o assujeitado assuma a sua condição de
sujeito, para que as pessoas silenciadas passem a dialogar.
Ao discutir sobre a mudança, Freire atenta sobre a sua estabilidade.
Afirma ele que “enquanto a mudança implica, em si mesma, uma constante
ruptura, ora lenta, ora brusca da inércia, a estabilidade encara a tendência
desta pela cristalização da criação” (2018, p. 61).
Acredito, portanto, que os temas-geradores aqui estudados, bem como
este exercício teórico-prático, no qual resultou esta escrita, remetem a ideia de
mudança a partir da educação, tendo em vista que estão voltados para uma
educação crítica e, sendo crítica, logo compreende-se como um espaço
democrático – de escuta dos sujeitos – de construção coletiva, porém ainda
distante da realidade de muitas instituições de ensino no Brasil.
Sobre essa questão, Freire (1997) afirmou que a mudança na escola
começa pelas relações constituídas dentro do seu espaço. Para ele,

uma análise exata das relações professor – aluno em todos os níveis,


na escola ou fora dela, revela seu caráter essencialmente narrativo.
Esta relação supõe um sujeito narrador: o professor, e supõe objetos
pacientes que escutam: os alunos. O conteúdo, seja de valores ou de
dimensões empíricas da realidade, tem tendência a converter-se em
algo sem vida e a petrificar-se uma vez enunciado (FREIRE, 1979, p.
40).

Quando o autor fala do caráter essencialmente narrativo, não significa


dizer que ele esteja desvalorizando as experiências narrativas – relatos de
histórias de vida. Mas, a relação que existem muitas vezes na narrativa que
consiste em eleger um falante – docente – e os ouvintes – discentes. Ou que,
muitas vezes, quanto trabalha a narrativa em sala de aula reduz-se a uma
espécie de relato unilateral, sem problematizá-la. Isto parece justificar o porquê
das/os estudantes apresentarem tantas dificuldades na hora de falar ou de
produzir um texto. Neste último caso, de sistematizar as suas ideias, visto que
os espaços porque passaram não propiciaram tal formação: daí o
silenciamento ou, como eles mesmos dizem, a “aversão a redação”.
No prefácio de Educação e Mudança (2018, p. 9) Gadotti faz a seguinte
pergunta: “pode a educação operar a mudança? Que mudança?”. Ampliando a
sua questão, eu diria: como operar esta mudança na ação pedagógica? Nas
relações constituídas dentro do ambiente escolar? De que forma a educação
pode contribuir para que a mudança aconteça? Enfim, os questionamentos
sugerem que um espaço democrático, dialógico, acaba se tornando um espaço
de mudança: mudança de pensamento e de práticas, superando a dicotomia
entre estas e a teoria.
Portanto, quando a escola constitui espaços dialógicos, de interação,
através dos quais as/os educandas/os se colocam, interagem, intervêm, ela
está contribuindo para uma educação crítica, através da qual os sujeitos
desenvolvem um processo de conscientização (olhar crítico) sobre a sua
realidade.

Figura 4: O papel do diálogo na educação problematizadora

Legenda: Elaborado com base no livro Pedagogia do oprimido, 1987, cap. 3.


Fonte: Autoria própria, 2021.

Atentando para as questões e para a figura acima, recorro mais uma vez
a Freire para destacar que “a única maneira de ajudar o ser humano a realizar
sua vocação ontológica (Ser-Mais), a inserir-se na construção da sociedade e
na direção da mudança social, é substituir esta captação principalmente
mágica da realidade por uma captação mais e mais crítica” (1979, p. 28).
Assim, ao trabalhar democraticamente e em diálogo com as/os educandas/os,
eles/as “adquirem uma capacidade de conhecimento crítico – muito além da
simples opinião – ao “desvelar” suas relações com o mundo histórico-cultural
no qual e com o qual existem (FREIRE, 1979, p. 45, grifo do autor).
Em suma, trazer a questão da mudança na educação associando-a à
democracia implica compreender que a mudança é resultante de um
movimento interior por parte do sujeito. Um movimento que necessita de uma
educação problematizadora, instigadora, mas que não depende somente da
escola. Reafirmo que a escola assume um papel importantíssimo no processo
de mudança, mas reconheço que ela é uma instituição social e, se não houver
apoio ou colaboração de outras instituições como a família, os movimentos
sociais, os coletivos, terá mais dificuldade de mudar/reverter os retrocessos por
que vem passando a educação brasileira. Mas a quem interessa essas
mudanças? Que forças estão por trás delas? São perguntas que deixo
inacabada. Um exercício de pensamento!

Quais foram os achados? Última questão...

Um texto nunca está pronto. Estou convicto de que se eu voltar ao


mesmo amanhã já farei outra leitura, terei um outro olhar sobre o mesmo, dado
o meu inacabamento e a minha aprendência. Se “ensinar exige humildade”,
como disse Freire em Pedagogia da autonomia, escrever também exige
humildade. Humildade e paciência. Precisamos ouvir as nossas vozes
interiores e ir organizando-as, construindo, ti-jo-lo com tijolo (construção de
ideias), fio a fio (tear de pensamentos).
Após a leitura deste texto, curioso que sou, te pergunto: quais foram os
(seus) achados?

Este deve ser o sonho legítimo de todo autor – ser


lido, discutido, criticado, melhorado, reinventando,
por seus leitores (FREIRE, 1997, p. 30).

Convido-te, portanto, a ampliar este diálogo, compreendendo educação-


esperança, política-conscientização, democracia-mudança como conceitos que
se complementam na dialeticidade das práticas educativas. Por fim, inspirando-
me em Freire defendo uma educação crítica e democrática, através da qual os
sujeitos – jovens – possam dialogar, interagir, e, juntos, buscarem soluções
para os problemas. Uma educação na qual “as/os alunas/os devem descobrir
as razões que se escondem atrás da maior parte de suas atitudes em relação à
realidade cultural, e assim enfrentá-la de uma maneira nova” (FREIRE, 1979, p.
21), com educação-política-democracia e maior participação das juventudes. O
que temos feito para que isto aconteça?
“O caminho se faz caminhando...8”

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A turma de trás. In: MORAIS, Regis de (org.).


Sala de aula: Que espaço é esse? – 3ª ed. – Campinas, SP: Papirus, 1988, p.
105-122.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo:
Cortez & Moraes, 1979.
_______. Educação e Mudança. 38ª Ed. São Paulo: Paz & Terra, 2018.
_______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. Disponível in:
http://peadanosiniciais.pbworks.com/f/Pedagogia_da_Esperanca_-_Paulo.pdf
Acesso: 12 dez 2018.
_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
25ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

_______. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
_______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Olho d’Água, 1997.
FREIRE, Paulo; ARAÚJO FREIRE, Ana Maria de. À sombra desta
mangueira. – 14ª ed. – Rio de Janeiro/São Paulo: paz e Terra, 2021.
GADOTTI, Moacir. Educação e ordem classista – Prefácio. In: FREIRE, Paulo.
Educação e Mudança. 38ª Ed. São Paulo: Paz & Terra, 2018, p.7-16.
GIROUX, Henry A. Democracia (Reconexão do pessoal e do político). In:
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.).
Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016, p.
112-115.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. – 8. Ed. – São
Paulo: Cortez, 2012. – (Coleção questões da nossa época; v. 37).

8
Referência ao título do livro escrito por Paulo Freire e Myles Horton.
JARA, Oscar. A sistematização de experiências: refletindo criticamente para
enriquecer os processos desde as práticas. Revista do Café Paulo Freire. v.
1, n. 1 (2021), p. 1-8. Disponível
em: http://revistas.icesp.br/index.php/CPF/article/view/1718/1279
LORA, Cecílio de. Prefácio. In: FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e
prática da libertação. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 7-10.
MATOS, Junot Cornélio. Professor reflexivo? – Apontamentos para o debate.
In: GERALDI, Corinta Maria Grisolia; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete
Monteiro de A. (orgs). Cartografias do trabalho docente: professor(a)-
pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998, p. 277-306 (Coleção
Leituras no Brasil)
MORAIS, Regis de. Apresentação. In: MORAIS, Regis de (org.). Sala de aula:
Que espaço é esse? – 3ª ed. – Campinas, SP: Papirus, 1988, p. 7-10.
OLIVEIRA, Carlos César de. Pastoral da Juventude do Meio Popular
“cirandando” em formação: aproximações entre a pedagogia pastoral e a
pedagogia libertadora. 2020. 251f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de
Professores, 2020.

PRONZATO, Carlos. Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile.


Documentário. Vídeo. 60min. 2016.
SANTOS, Renato Emerson dos. Pré-Vestibulares populares: Dilemas Políticos
e Desafios Pedagógicos. In: José Carmelo Braz de Carvalho, Hélcio Alvim
Filho, Renato Pontes Costa (Org.). Cursos pré-vestibulares comunitários:
espaços de mediações pedagógicas. Rio de Janeiro, Ed. PUC-Rio, 2008.
STRECK, Danilo Romeu. Esperança. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides;
ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo Freire. – 3. ed. – Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2016, p. 161-162.
SPÓSITO, Marília Pontes. A ilusão fecunda, a luta por educação nos
movimentos populares. São Paulo. Ed. Hucitec, Edusp, 1993.
CAFÉ COM SABOR DE SABER LER O MUNDO

Maria Isabel Raenke Ertel,


Café com Paulo Freire. Santa Cruz do Sul/RS1

RESUMO: Narramos o processo de criação e alguns encontros marcantes do Café


com Paulo Freire Santa de Santa Cruz do Sul/RS. Desde seu primeiro encontro, em
maio de 2019, nosso Café tem nos proporcionado momentos de aprendizagem,
reflexão, luta e união. Mesmo durante a pandemia da Covid-19, as atividades do
Café não encerraram e foi um espaço de encontro e acolhida. Assim, são narradas
as atividades do Café que foram além das integrantes e dos encontros, envolvendo
a participação em manifestações de rua, plantio de árvores e atividades em escolas.
O Café de Santa Cruz do Sul abrange também a cidade de Sinimbu/RS, na qual
foram realizados encontros. São as memórias de um Café com Sabor de Saber ler o
mundo e de aprender cada dia mais as lições sempre atuais do Mestre Paulo Freire.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Indignação. Amorosidade.

O Café com Paulo Freire nasceu nos sonhos de Liana Borges e Ana Felícia,
nas andarilhagens das frias madrugadas de Porto Alegre, aquecidas pela esperança
de um país e um mundo menos desigual e melhor para todos. Nascia ali, na
essência dos encontros, os cafés com Paulo Freire: com sabor de saber ler o
mundo. Partilhado entre companheiros e companheiras que acreditam e lutam por
“sonhos possíveis” e que juntos caminham para o horizonte das utopias, do “inédito
viável” em tempos sombrios, de pouca esperança e nenhuma certeza, em tempos
de verdade solúveis e mentiras sólidas, tempos líquidos que evaporam com o
esquecimento político das políticas públicas de verdade, contra as políticas que nos
roubam sonhos, ferem almas e matam vidas.
O nosso Café com Paulo Freire de Santa Cruz do Sul (RS) nasceu no solo
fecundo da luta sindical dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, em
assembleia do Centro dos Professores do Estados do Rio Grande do Sul (CPERS),
sindicato com um histórico de lutas que serve de referência a muitos outros. Foi no
dia 12 de abril de 2021, em Porto Alegre, que encontramos a companheira Bia

1Maria Isabel Raenke Ertel é professora da rede municipal de Sinimbu/RS e Santa Cruz do Sul/RS.
Graduada em Pedagogia Séries Iniciais pela Universidade de Santa Cruz do Sul e Pós-graduada em
Supervisão Escolar pela mesma universidade. Foi vereadora de Sinimbu na legislatura 2001 a 2004
pelo Partido dos Trabalhadores. Integrante do Café com Paulo Freire Santa Cruz do Sul. É militante
política de esquerda. Escreve poesias no seu Blog Poesias de Vida, disponível para acesso e leitura
no link: http://poemasmariaisabel.blogspot.com/. E-mail: mariaisabelertel@gmail.com
Mazuim do Café com Paulo Freire de Cachoeira do Sul, amiga pessoal de nossa
Curadora do Café Santa Cruz do Sul, Tânia Coletto da Silva.
Na ocasião, conversávamos sobre o Café e a abordagem política em torno
das leituras e do legado do mestre Paulo Freire, da sua imortalidade enquanto
patrono da educação brasileira e notoriedade internacional de um educador que
ganhou o mundo através da amorosidade expressiva que tinha pelas classes
oprimidas para que pudessem agir em favor da própria libertação.
Foi dentro deste contexto permeado pela indignação latente no que diz
respeito às reivindicações feitas em assembleia, sacolejando em um ônibus lotado
de professores e professoras, servidores do Estado do Rio Grande do Sul, que por
sete anos não tiveram nenhum reajuste, e nem aumento salarial, um solo
impregnado de frustração e indignação, que nasceu o Café com Paulo Freire Santa
Cruz do Sul, regado com as mais doces palavras da nossa madrinha Bia Mazuim, de
Cachoeira do Sul. Como afirmou o mestre Paulo Freire, no livro Pedagogia da
Autonomia, “a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a
briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles” 2.
Outro fato que impulsionou a formação e a organização do Café foi a conjuntura
política que o país estava vivenciando na época: o sentimento de tristeza e de
impotência pelo golpe midiático parlamentar consolidado em 17 de abril de 2016
contra a presidente Dilma Rousseff, eleita democraticamente, onde se percebeu
uma tragédia anunciada sobre o povo brasileiro.
Neste momento de incerteza, à procura de uma luz para iluminar os caminhos
difíceis a serem percorridos, surgiu a ideia de ler e discutir em grupo o legado de
Paulo Freire, pois além de manter e fortalecer a memória do mestre, ainda
estaríamos nos fortalecendo com suas certezas e práticas dos tempos em que Freire
as efetivou. Sua história nos motivou a resistir com amorosidade, competência e
inteligência.
A partir desse dia marcamos o nosso primeiro encontro do Café com Paulo
Freire de Santa Cruz do Sul para o dia quinze de maio de dois mil e dezenove. Em
uma noite gostosa de outono realizamos o nosso primeiro café com sabor de saber.
Éramos um grupo de seis mulheres e dois homens aglutinados em torno do mesmo
objetivo, apaixonados pelo mesmo “homem mestre da educação brasileira”. O seu

2FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra:
São Paulo, 1996, p. 74.
legado nos provoca inquietude e nos compromete a viver as causas dos
injustiçados, fragilizados e miseráveis do mundo, que vivem na angústia da
inexistência humana, às margens da sociedade excludente, seletiva por natureza, e
ganância de poder.
No encontro do primeiro café, realizado na casa de Elisângela Wisenteimer
Mees, assistimos o vídeo do Cordel Paulo Freire, por Bráulio Bessa Uchoa, vídeo de
Mario Sergio Cortella, explicando a origem da palavra idiota. E como não poderia ser
diferente, foram feitas leituras – diálogos de textos escritos por Paulo Freire, entre
eles o seu livro Pedagogia do oprimido que foi tomado como leitura quase que
obrigatória pelos membros do Café. Nos deliciamos com a leitura de Casa e o
mundo lá fora, de Nathércia Lacerda, livro este que é uma compilação de cartas que
Paulo Freire escreveu, no tempo em que esteve no exílio, para Nathercinha, filha de
sua prima, uma menina de 9 anos que muito pouco ou quase nada sabia da ditadura
militar no Brasil e suas atrocidades para com aqueles que pensavam diferente ou
então eram vistos como subversivos. Tempos difíceis de se viver no silêncio do
anonimato e colecionar lágrimas na longa e triste espera pelos exilados e
desaparecidos políticos que até hoje não retornaram.
Durante o compartilhamento dos sentimentos que foram provocados pela
leitura das cartas de Paulo Freire para Nathercinha, puxamos os fios de nossa
memória daqueles tempos de espera pelo carteiro. Tempos de trocas, de escrever e
receber cartas, que revelam nossa intimidade com as cartas e que muitos de nós
guardamos até hoje no baú de recordações. Inspiradas nas cartas de Paulo Freire
para Nathercinha, as integrantes do Café com Paulo Freire de Santa Cruz do Sul
também escreveram cartas que foram enviadas para reaproximar integrantes ao
Café durante o período da pandemia.
E assim nos reunimos em mais seis encontros presenciais no decorrer do ano
de 2019 e mais sete encontros virtuais entre 2020 e 2021. Encontros inusitados e
ricos de leituras, trocas de bons livros, rodas de conversa e muita abordagem
política: assuntos pertinentes que não poderiam fugir dos nossos debates por um
imperativo de consciência das mazelas que aniquilam com a nação brasileira. E com
o projeto político atualmente hegemônico, a fome, a miséria, a violência e o
desemprego, e destruição do patrimônio público estão no palco do cenário político
de nosso país, situação essa que não compactua com os princípios freireanos,
situações que nos envergonham aqui e perante o mundo.
Promovemos pequenos encontros culturais com música que traduz nas
entrelinhas os sentimentos que habitam nossa alma, sentimentos esses que tornam
homens e mulheres mais próximos na busca de sonhos possíveis e que provocam a
justa e santa ira. As músicas que aguçaram os nossos sentimentos foram compostas
por Belchior, Mercedes Sosa (Solo Le Pido a Dios), Além do Arco-íris, Horizontes e o
imortal “Menestrel das Alagoas” em tributo a Teotônio Vilela, grande exemplo de
conversão a causa do povo e da democracia nos movimentos das “Diretas Já” de
1984, letras que estão em sintonia com a visão freireana do mundo.
Em virtude das medidas sanitárias de isolamento e distanciamento social no
ano de 2020, as reuniões do Café com Paulo Freire Santa Cruz do Sul passaram a
ser realizadas de forma remota por meio da plataforma do Google Meet. Lembrando
que a partir de 19 de março de 2020 o Brasil passou a usar os protocolos de
prevenção da Covid-19 sugeridos pela Organização Mundial da Saúde.
Um vírus que primeiro foi identificado na China, país mais populoso do
planeta, fazendo vítimas de continente a continente, de Norte a Sul, de Leste a
Oeste, causando dor e morte, resultando em 5 milhões de mortes no mundo e, entre
elas, mais de 670 mil de vidas brasileiras (além das que não foram contabilizadas)
vestiram as vestes da morte, sem ao menos dizer adeus. Portanto, a Covid-19
instalou a maior crise sanitária de todos os tempos, uma pandemia mundial que nos
separou pelos riscos de contágio, mas que nos uniu e nos fortaleceu em gestos de
solidariedade, humanismo e empatia. E que por outro lado nos desafiou a fazer uso
das tecnologias e conviver com medo de perder a vida.
Dentro da realidade de isolamento social imposta pela pandemia, a tecnologia
nos possibilitou participar virtualmente de Reuniões de Curadoras do Café com
Paulo Freire, de reuniões compartilhadas com o Café da cidade de Cachoeira do Sul
e do primeiro Café Nacional em Comemoração ao centenário do Nascimento do
nosso inspirador e mestre Paulo Freire. Houve, ainda, a participação especial de
Oscar Jara, presidente CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e
Caribe) que nos levou a pensar sobre a urgência e importância do pensamento de
Paulo Freire no contexto da pandemia, o avanço do neoliberalismo e do fascismo
que está em curso no nosso país.
O novo normal que vem sendo abordado e afirmado, principalmente pelos
meios de comunicação hegemônicos, não está na direção daquilo que desejamos e
sonhamos. Portanto, precisamos reconstruir um novo país com soberania, trabalho,
renda, qualidade em educação, saúde e ascensão social para todos.
Dentro de uma visão poética, tomaríamos a Canção Óbvia de Paulo Freire
como pano de fundo para nossas reflexões e envolvimento com os movimentos
sociais e sindicais. Embora nos anos de 2020 e de 2021, nossas ações estivessem
limitadas por respeito à preservação da vida de todos, devido à necessidade de
isolamento social para evitar a propagação da pandemia, foram realizados encontros
online, o que também nos possibilitou reinventarmos como Café. Usamos de toda a
nossa criatividade para tornar cada encontro virtual um momento único, recheado de
leituras e músicas de conteúdo inspirador que nos levam a esperançar na educação,
como ensina Paulo Freire. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na
palavra, no trabalho, na ação reflexão"3.
Nossos encontros foram marcados no terreno da luta sindical e nos encontros
de mobilização e contestação política. Nesse clima de luta e de mobilização sindical
e política, entre leituras, aprendizagens e trocas de saberes que nossos Cafés foram
acontecendo, intercalando o presencial e o virtual, lembrando que a maioria dos
membros prefere encontros presenciais.
No dia 27 de novembro de 2021 fizemos a reunião de encerramento do ano
no nosso Café. Um sábado à tarde, ensolarado, com uma leve brisa e o que tornou
nosso encontro ainda mais encantador ao som de violinos, flauta transversal e
violão, executados por jovens e adolescentes (meus filhos) que conhecem de berço
a pedagogia freireana. Considerando que o Café Nacional tem entre seus objetivos
a Educação de Jovens e Adultos (EJA), nesta mesma reunião de encerramento
tivemos a participação especial das professoras de EJA, Ana Maria Rezende e
Silvana Budde.
Tivemos uma tarde de estudos sobre a EJA e a tomada de consciência da
importância da Educação nesse segmento da sociedade, que mudou a história de
homens e mulheres de trabalhadores e trabalhadoras que foram em busca da
escolarização e que por diferentes motivos não a tiveram na idade certa.
Nos relatos de suas experiências as professoras convidadas compartilharam
conosco um breve histórico da educação brasileira, que teve seu início com a
chegada dos jesuítas que iniciaram o processo educacional com uma total

3FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.78.
aculturação dos povos nativos do território brasileiro e o direito à educação era
camuflado, quando só os filhos dos senhores recebiam educação em casa.
Apenas no século XX, com a constituição de 1934, é que a educação passou
a ser gratuita para todos, porém o acesso não se universalizou nas décadas
seguintes. Nesse contexto, a história freireana configura-se na segunda metade do
século XX, onde o mestre Paulo Freire coordenou o Plano Nacional de Educação
(1964) no governo de João Goulart (sugiro rever), Jango. Após o retorno do exílio,
que permaneceu durante quase todo o período da ditadura civil-militar, Paulo Freire
retomou as atividades de apoio à criação e execução de políticas públicas pela
educação brasileira.
A professora Silvana Budde relatou a experiência que teve com detentos do
sistema prisional do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, por um período de seis
anos, juntamente com a psicóloga da Superintendência de Serviços Penitenciários –
RS (SUSEPE).
Nesse curto relato tivemos a nítida certeza do comprometimento dos
governos populares com políticas públicas para favorecer especialmente os mais
fragilizados e excluídos da sociedade; e que, infelizmente, a educação na sociedade
brasileira se consolidou num caminho tardio, desigual e insuficiente. Neste caminho
está a educação de muitos jovens e adultos que tiveram o direito à educação
negado ao longo dos anos pelas políticas neoliberais, bem como a perda do plano
de carreira lento e gradual dos trabalhadores em educação. A universalização mais
efetiva do direito à educação foi reforçada com a constituição promulgada em 1988,
porém o acesso efetivo para todos aconteceu a partir do início do Século XXI com os
governos populares de Lula (2002-2010) e Dilma (2010-2016).
Na oportunidade foi degustado um saboroso café colonial, preparado pelos
anfitriões com muito amor e carinho, e também visitamos no pequeno sítio: os
canteiros com mudinhas de árvores frutíferas e nativas que foram produzidas em
homenagem ao centenário de Paulo Freire. As sementes de pitanga, cereja, abacate
e Guabijú foram coletadas em nossas casas. Destacamos o Guabijú por ser uma
árvore nativa do Rio Grande do Sul.
As mudas estão prontas para serem transplantadas no inverno de dois mil e
vinte e dois. Parte delas serão distribuídas entre alunos de uma turma de 4º ano da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Christiano João Smidt, de Rio Pardinho,
Santa Cruz do Sul/RS, onde farão parte da paisagem da área de lazer e jardinagem
da escola. Portanto, essa proposta de arborização nasce com o projeto “Pequeno
Cidadão Ecológico” que tem por objetivo despertar nos adultos e nas crianças a
consciência ecológica para que sintam e percebam o Planeta Terra como uma
unidade na diversidade com interdependência entre todos os biomas e para tanto
devemos cuidar da nossa “Casa Comum”.
Além da ação do plantio de árvores, o Café com Paulo Freire de Santa Cruz
do Sul confeccionou xícaras, máscaras e sacolas retornáveis personalizadas com o
nome do Café e a imagem de Paulo Freire. Ainda, ao longo de 2021, participamos
das manifestações de rua pela vacina, pela vida e contra o (des)governo genocida
atual.

Figura 1: 7º Encontro 30/10/2019 - Praça da Rua Boa Esperança


Santa Cruz do Sul/RS

Fonte: Acervo do Café de Santa Cruz do Sul, out. 2019.


Figura 2: Oitavo encontro 27/11/2021 - Cantinho café com sabor de saber –
Sinimbu/RS

Fonte: Acervo do Café de Santa Cruz do Sul, nov. 2021.

Figura 3: 8º Encontro, 27/11/2021, em Sinimbu/RS

Fonte: Acervo do Café de Santa Cruz do Sul, nov. 2021.


Figura 4: 4º Café - Casa dos Ertel - 24/08/ 2019 – Sinimbu/RS com a Participação
dos musicistas.

Fonte: Acervo do Café de Santa Cruz do Sul, ago. 2019.

Figura 5: Produção de 100 mudas de árvores nativas e frutíferas para o centenário


de Paulo Freire

Legenda: Pintangas, guabijú, abacateiro, mamoeiro e cerejeira.


Fonte: Acervo do Café de Santa Cruz do Sul, 2021.
CAFÉ COM PAULO FREIRE – PARA PENSAR E MUDAR O MUNDO:
a experiência de Varginha/MG

Priscilla Bibiano, Café com Paulo Freire de Varginha/MG1

RESUMO: Este texto apresenta a trajetória do Café com Paulo Freire, que acontece
na cidade de Varginha/MG, desde agosto/2018. Traz o desejo e a alegria do
encontro e os desafios de continuar andarilhando.
PALAVRAS-CHAVE: Esperança. Partilha. Mudança.

INVERNO DE 2018

Uma coceira nas lembranças de Liana 2 , faz memória a um grupo que ela
havia participado, chamado Café com Morin. Em uma conversa com sua amiga, Ana
Felícia3, a memória do patrono da educação brasileira - Paulo Freire - une o vivido à
utopia. Liana e Ana lançam em suas redes sociais um sonho: o sonho de ver o
legado de Paulo Freire sendo pensado e repensado. Neste processo de reinventar
Freire, nasce uma esperança, um inédito viável, chamado Café com Paulo Freire,
que teve como primeiro objetivo pensar e transformar o mundo. Para Ana Felícia,
este é um dos modos de resistir aos processos políticos de ataque às lutas
populares e criminalização dos movimentos sociais e, em especial, à defesa legítima
e imprescindível da imagem e trajetória de Paulo Freire.
Liana e Ana, "mães biológicas" da ideia, ao experienciarem a boniteza do
fruto que estava sendo gestado em seu coração, como todo bom(a) freiriano(a), não
conseguiram ficar com o tesouro só para elas. Ao ser compartilhada, a proposta foi
sendo amada por tantos outros corações freirianos e, assim, - desde julho/2018, o
Café com Paulo Freire vem cooptando assento em outros colos (que agora
entendemos como solo) amorosos.
O objetivo deste relato de experiência é contar sobre a vida do Café com
Paulo Freire - Varginha/MG, desde o seu nascimento. Para além de registrar a
trajetória de um coletivo(que iniciou como grupo de estudos), vislumbramos a
expansão deste sonho coletivo de ter Paulo Freire reinventado. O Café com Paulo

1Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora do livro Educação
popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com Paulo Freire
Varginha/MG e curadora nacional da rede de Cafés com Paulo Freire. E-mail: pbibiano@gmail.com
2 Doutora em Educação. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre, aposentada. Cocriadora do

Café com Paulo Freire.


3Doutora em Educação. Cocriadora do Café com Paulo Freire.
Freire nasce como uma experiência alada que tem, portanto, a essência de voar.
Essência que vem se estabelecendo como um de nossos gritos de militância: Voa,
Café!!! Daí a ideia de solo, para além de colo. Solo porque este Café expandiu e
tornou-se rede – fincando raízes nos mais diversos territórios – agora, inclusive, em
território internacional.
“Voa, Café” tem uma multiplicidade de significados e significâncias: o café que
faz acordar, o café que dá energia, que desperta; o café que é forte, que estimula,
que faz palpitar o coração. Por estes e tantos outros efeitos, precisamos que nosso
Café voe... que saia do chão das ideias e reflexões e torne-se prática cotidiana de
reumanização, que erga do solo nosso "fazer a diferença" em um mundo carcomido
pela desigualdade social, intolerância e injustiça. E foi, literalmente, o voar que
encharcou o solo varginhense com este Café arrebatador.

NASCIMENTO DO NÚCLEO VARGINHA

Liana, em 16/07/2018, lançou um convite em um grupo privado de Facebook.


No dia seguinte, 17/07/2018, é a vez de Ana Felícia reforçar o convite:

Figura 1: Convites de Liana e Ana: início do Café com Paulo Freire

Fonte: página do Facebook da Rede Café com Paulo Freire, 2018.

Como é possível perceber em suas palavras, o convite vem encharcado de


esperança e crença na possibilidade de um mundo diferente. Talvez, por isso, ele
cumpra exatamente a sua função: sensibilizar. Em 26/07/2018, Liana expande este
convite para compartilhamento público. Com o potencial multiplicador da
comunicação digital, sua publicação ganha novos alcances. Angela Biz Antunes,
diretora do Instituto Paulo Freire, compartilha também a publicação e, da linha do
tempo (Facebook) dela, o Café é derramado “pelas bandas” de Varginha/MG.
Como dito, foi o voar – ou melhor, o não voar – que nos possibilitou entrar
nesta teia. Ao ver a publicação de Angela, ainda no mesmo dia, meu coração
acelerou. Em tempos sombrios, de uma política suja e desumana, a possibilidade de
sonhar novamente acontece e mobiliza. Fiquei maluca de vontade de participar. Ao
olhar o local, o coração dói: Porto Alegre/RS. Impossível voar até lá todo mês. Mas,
sou freiriana, trago em mim a vocação ontológica de “ser mais”, de ser
inconformada, de ir além do que é dado. Dormi pensando no Café. Na manhã do dia
seguinte, acordei pensando novamente. A coceira nas ideias me atacou e não
resisti. Se não posso voar até o Café,
Figura 2: Convite I Café com Paulo Freire
por que não pedir que ele voe até mim? Varginha/MG
Foi assim que o desejo individual de
participar virou coletivo: por que não
pedir que ele voe até nós? Afinal, café
sugere queijo, queijo sugere Minas
Gerais...
Um tanto quanto receosa, deixei
a coragem e ousadia – outras
características freirianas– falarem mais
alto. Com esperança, entrei em contato
com Liana (que não conhecia) e
indaguei da possibilidade de trazer a
ideia para nosso município. Três dias
depois, ela me retorna dizendo que era
possível formar grupo em qualquer
lugar, desde que trabalhássemos os
mesmos temas. Foi assim que, no
mesmo dia, comecei a convidar pessoas. Agora era fazer acontecer.
A proposta tomou forma e, no dia 21/08/2018, o primeiro encontro aconteceu:
com 26 profissionais das mais diversas áreas: diversidade e boniteza pra todo gosto.
A primeira temática determinada: Diálogo.
“Cada um por um caminho veio... e hoje estamos todos juntos”. A partir desse
jargão, nossos caminhos passaram a se entrecruzar. O diálogo girou em torno das
histórias, do saber acadêmico e do “saber de experiência feito” de cada uma e cada
um. Muitas histórias, memórias, muita diversidade; mas, ao final de cada
fala/relato/conto, um propósito em comum: crescer intelectualmente, a partir do
estudo de Paulo Freire, a fim de lutar contra a desigualdade social e a
desumanização.
Ao final do encontro, a sensação era – redundantemente – de encontro.
Encontro no sentido de ir “em direção a” confluência. Muita alegria, espírito de
partilha, gratidão e sonho. O Café com Paulo Freire sai do RS e começa a ganhar o
território nacional, assim nasce o terceiro núcleo de Cafés: Café Varginha/MG. Era
inverno, o contexto político do país exigia ainda mais mobilização popular, frente aos
retrocessos e atrocidades que vinham se legitimando. Porém, uma semente havia
sido plantada... agora era regar, adubar, cuidar, para vê-la florescer. Mais do que
nunca, o Café com Paulo Freire constituía-se como “inédito viável”.

ESTRUTURAÇÃO

Mas, o que estudar neste contexto? O que fazer? Como fazer? Onde fazer?
Com quem fazer? A proposta exige organização e rigorosidade metódica, a fim de
não cair em mero verbalismo ou ativismo. Para tanto, foi estabelecido coletivamente
que os encontros aconteceriam da seguinte maneira:

a) Participantes: No início, a participação foi aberta a todas as pessoas que


quisessem conhecer, aprofundar na proposta de Paulo Freire, independente de área
de atuação. Desde que se posicionasse no mundo como ser de busca, de querer ser
mais, mesmo que – a princípio – tivesse ideias, aparentemente, divergentes. Assim,
o grupo foi criando identidade e se estabelecendo conforme disponibilidade de dias
e horários, intenções e, até mesmo, pela afinidade que foi sendo criada. Hoje,
somos um grupo consolidado, portanto, a participação não é mais aberta.

b) Periodicidade: Mensal, com duração de 2h. Embora o desejo fosse de reunir


quinzenalmente, a escassez do tempo cronológico e agendas de cada participante
foram, e ainda são, dificultadores.
c) Local: O primeiro encontro foi realizado em uma escola social que trabalha
na perspectiva da educação popular. Escolhida como ponto de partida pela proposta
pedagógica coerente ao grupo, e por estar em área central da cidade de Varginha, o
que facilitaria o trajeto de todos/as. Ficou acordado que a proposta de itinerância era
uma ideia interessante: para além de contemplar a facilidade de acesso de todos e
todas, oportunizaria o conhecimento de novos espaços que trabalham na garantia
de direitos. Posteriormente, os encontros passaram a ser nas casas das integrantes.
E para 2020 tínhamos o sonho de realizar o Café em espaços públicos, gerando
visibilidade e curiosidade acerca da proposta. Infelizmente, fomos barradas pela
pandemia. Esperávamos retomar este sonho em 2021.

d) Metodologia: A metodologia baseia-se em encontros dialógicos reflexivos


(círculos de cultura) com utilização de procedimentos didáticos diversificados e
místicas. A curadoria local seleciona material (textos, músicas e vídeos) que traga
referência à temática que está sendo “trabalhada” pelo coletivo.

e) Temas: Até 2020, os temas variavam conforme a “ideia-força” enviada pelas


cocriadoras. Quando a ideia ganhou asas, as curadoras propuseram que os temas
deveriam ser os mesmos em todos os núcleos, para dar unidade à proposta. Por
isso, as ideias-força eram estabelecidas mês a mês, conforme demanda do encontro
anterior e divulgadas a todos os Cafés (que começavam a ganhar o Brasil).
Início de 2020, as ideias-força foram configuradas em modo de flor/mandala,
com intersecções que se mesclavam e se separavam: foi o começo de uma
ramificação e enraizamento de tópicos fundantes, todos ligados a um centro comum:
o “ser mais”. Junto a esta primeira mudança de organização, há uma mudança
imensa... vem a pandemia e, com ela, crescimento e nova configuração: o Café
torna-se rede e são oficializados princípios e objetivos que passam a ser suleadores
do Plano de Ação Anual de cada Café Local.
Por algum tempo, a partir dos engodos, engasgos típicos do fazer
profissional, vivi a desilusão de acreditar que não seria possível a mudança a partir
do outro... passei a crer que somente o papel individual teria realmente efetividade.
Estar com este grupo é reacender em mim a crença no papel multiplicador do
coletivo. Sim, estamos refazendo nossa atuação no mundo a partir do saber inédito
que vimos construindo juntas. Estamos revisitando nossos conceitos, transformando
alguns, reforçando outros. Isso é fantástico! Ao desejar voar com o Café, aceitamos
que Paulo Freire fosse impregnado em nossos discursos e nos modificasse. Isso é
fazer o que ele pediu: que reinventássemos suas ideias, seu legado.
Fácil? Jamais? Figura 3: Confraternização: Amiga oculta literária
Acertos perenes e sem
“caídas”? Também
não... Com a pandemia,
o Café Varginha viveu
tempos de altos e
baixos. Pensamos em
desistir, tivemos que
fazer pausas e nos
Fonte: arquivo pessoal, 2019.Fonte: arquivo pessoal, 2018.
reinventarmos.
O propósito comum inicial: “crescer intelectualmente, a partir do estudo de
Paulo Freire, a fim de lutar contra a desigualdade social e a desumanização” foi
transformado. De grupo de estudos passamos a ser um grupo de mulheres que se
ouvem, se apoiam e, mais do que crescer intelectualmente, buscam crescer como
pessoa/ser humano. Nossos encontros deixaram de ser um modo de se
debruçar/entender (talvez, de forma um pouco mais acadêmica) as ideias de Freire e
passou a ser um coletivo de partilha, de viver Freire no cotidiano.
De março/2020 para cá, um cotidiano de insegurança, de medo, de retrocessos
políticos...Tempo infeliz de observar o quanto o individualismo está impregnado em
nosso povo; de viver, a todo momento, a desigualdade escancarada pela pandemia;
de sentir o cansaço existencial das demoras; e, também, de viver decepções mais
particulares com pessoas de nossa convivência. A realidade nua e crua, dura e
insensível que, por mais doída, nos abala, mas não nos paralisa. Cada dia mais,
embora em tempo de “andar de tartaruga”, sentimos a urgência de Paulo Freire, a
importância dos Cafés com Paulo Freire e a imprescindibilidade de andarilhar,
esperançar... alçar voo.
Liana Borges, curadora nacional e cocriadora, disse uma vez que “não estava
planejada ou sonhada a construção de uma rede de Cafés; mas, já que aconteceu,
agora é ir! E com muita alegria”. E é bem por aí... estamos indo. Ora andando como
tartarugas, ora voando como pássaros, ora como foguetes (como agora).
Independente da velocidade: felizes, esperançosas e conscientes! Hoje (abril/2022),
estamos em34 Cafés espraiados Brasil e mundo afora. É certo que cada pessoa que
participou/participa é modificada pela experiência. E este é nosso melhor e mais
desejado resultado; afinal, o Café com Freire é para pensar e transformar o mundo!
Viva o Café Varginha, terceiro Café instaurado! Viva os últimos Cafés que
estão nascendo agorinha! Viva todos os Cafés!
CAFÉ COM PAULO FREIRE DE SÃO BORJA-RS – O ESPERANÇAR NA
FRONTEIRA OESTE

Thais Costa Moura1

RESUMO: O presente texto tem por objetivo relatar experiências vivenciadas no


Café com Paulo Freire da cidade de São Borja, Rio Grande do Sul, desde sua
criação (2019) até o presente momento (2022). Assim, o texto divide-se em três
partes, sendo a primeira a contextualização da inserção do Café com Paulo Freire
de São Borja-RS, seguida da justificativa acerca da realização da ação no município
e, por fim, a apresentação de resultados obtidos a partir das ações realizadas e
organização para futuras ações.
PALAVRAS-CHAVE: Educação libertadora. Fronteira. Resistência.

ESPERANÇANDO NA FRONTEIRA OESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO


SUL

Paulo Freire, patrono da educação brasileira, já defendia que “[...] é preciso


ter esperança do verbo esperançar; [...] Esperançar é se levantar, esperançar é ir
atrás, esperançar é construir” (2013, p. 11). É por isso que, quando se fala em
“esperança”, devemos recorrer a esta concepção freiriana acerca da esperança
enquanto ação, enquanto necessidade ontológica. Partindo desta perspectiva, e
compreendendo que a transformação do mundo se dá a partir da ação-reflexão
(FREIRE, 2011), percebe-se a importância de alternativas e de discussões
pedagógicas, quer na educação formal ou informal, de modo que se possa refletir e
transformar a educação brasileira.
A região da Fronteira Oeste do estado do Rio Grande do Sul é um território
dominado por grandes latifundiários, sendo caracterizada pelas desigualdades que
atingem os mais diversos âmbitos: econômicos, sociais, culturais etc. Neste cenário,
encontra-se o município de São Borja-RS, sendo este um município fronteiriço, na
divisa com a Província de Corrientes (Argentina), distante dos grandes centros e
historicamente governada por partidos conservadores.

1 Licenciada em Ciências Humanas e especialista em Ensino e Interdisciplinaridade. Professora de


Filosofia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, campus São Borja-RS.
Participante do Café com Paulo Freire de São Borja-RS. E-mail: thaiscostamoura.97@gmail.com
Frente a este cenário, surge o Café com Paulo Freire de São Borja-RS, no
mês de maio do ano de 2019, enquanto parte de uma rede de cafés do Brasil, tendo
como público-alvo profissionais da educação, licenciandos – futuros professores e
líderes sociais – e professores atuantes nas escolas da rede pública do município. A
ação nasce enquanto projeto de extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Farroupilha (IFFar), campus São Borja, e, em seu primeiro ano,
organizou-se enquanto atividade quinzenal, nas dependências da instituição federal
de ensino no Laboratório Interdisciplinar de Formação de Professores (LIFE).

Figura 1: Primeira atividade do Café São Borja (RS)

Legenda: acadêmicos dos cursos de Licenciatura em Física e Licenciatura


em Matemática do IFFar, Campus São Borja.
Fonte: Banco de imagens do Café com Paulo Freire de São Borja (RS).
Maio de 2019.

No ano de 2020, com o advento da pandemia de Covid-19, a dinâmica do


Café foi reestruturada, de maneira a manter as atividades do projeto e, mesmo que
fisicamente distantes, manter viva a esperança na educação. Assim, as ações
passaram a ser realizadas de maneira virtual, através da plataforma Google Meet,
com periodicidade mensal.
Já no ano de 2021, foi mantida a execução da ação de maneira virtual,
prezando pela segurança sanitária dos integrantes do Café com Paulo Freire de São
Borja (RS). No entanto, além da realização dos encontros virtuais com os(as)
membros(as) do Café, também foram realizadas transmissões ao vivo e outras
atividades de difusão da pedagogia freiriana. A exemplo, pode-se citar a entrevista
de uma de nossas curadoras, a professora Maria Teresinha Verle Kaefer2, também
alusiva ao centenário de Paulo Freire no programa de rádio “Voz de Mulher”, em
uma rádio local. Além disso, citam-se as transmissões ao vivo via YouTube e
Facebook realizadas com periodicidade trimestral.

Figura 2: Reunião virtual de planejamento

Legenda: Gladis Prado, Margarette Catarina Mendes Matte, Eva Teresinha Ferreira Jornada, Maria
Teresinha Kaefer (Tere), Thais Costa Moura e Taniamara Vizzotto Chaves.
Fonte: Taniamara Vizzotto Chaves. 08 de outubro de 2021.

De maneira geral, é possível afirmar que o Café com Paulo Freire de São
Borja (RS) vem desempenhando um papel de suma importância enquanto espaço
de ação-reflexão e resistência frente aos retrocessos vivenciados no âmbito político
e cultural do país. Durante as edições acima elencadas, foram realizados
aproximadamente quinze encontros, presenciais ou virtuais, onde foram discutidos
conceitos como “amorosidade”, “conscientização”, “esperança”, “diálogo”,
“transformação” e “resistência”. Neste espaço, mesmo que muitas vezes fisicamente
distantes, professores e futuros professores trocaram e construíram saberes,
refletiram sobre suas ações e, acima de tudo, mantiveram acesa a chama da
esperança freiriana. A partir da leitura de obras como Pedagogia da Esperança,
Política e Educação, À sombra desta Mangueira, além da realização de

2 Contato: mtksbg@gmail.com
transmissões ao vivo com estudiosos e pesquisadores da linha freiriana, foi possível
construir pontes de saberes conjuntos, partilhados e criticamente refletidos.
Atualmente, o Café com Paulo Freire de São Borja (RS) conta com
aproximadamente vinte professores de escolas da rede pública do município e se
encontra em processo de recadastramento enquanto projeto de Extensão do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, campus São Borja
(RS). Neste ano que se inicia, encontram-se à frente da ação, exercendo o papel de
curadoras do Café Local, as professoras Barbara Karina Gonçalves Panciera3 e
Taniamara Vizzotto Chaves4. A partir das experiências vivenciadas até então,
propõe-se:

[...] (re) ler as obras de Paulo Freire a partir da conjuntura atual com vistas à
problematização e a compreensão da realidade, constituindo-se em um
espaço de construção de mecanismos para a resistência e luta e para a
formação continuada de professores (CHAVES, 2022, n.p.).

Nesse sentido, compreendendo a importância de se considerar as reflexões


propostas por Freire para pensar a educação na atualidade, pretende-se
desenvolver o Café com Paulo Freire de São Borja (RS) enquanto ação de extensão
e pautada nas seguintes ações:
1. Divulgação do projeto junto à comunidade são-borjense a partir das redes
sociais da instituição onde o Café estará institucionalmente vinculado e, também,
através de materiais de divulgação online a serem encaminhados para as escolas
municipais e estaduais do município, para a 35ª Coordenadoria Regional de
Educação (CRE), Conselho Municipal de Educação e Secretaria Municipal de
Educação;
2. Realização de inscrição de participantes do projeto através de formulário
eletrônico (Google Forms) que, posteriormente, servirá como instrumento de
organização e certificação dos participantes que se fizerem presentes em, no
mínimo, 75% das atividades desenvolvidas no decorrer do ano;
3. Promoção de encontros mensais presenciais, com duração de até 2h de
atividades, em horário e datas a serem definidas coletivamente, realizados no
espaço de escolas parceiras da ação.

3
E-mail: barbarapanciera77@gmail.com
4
E-mail: taniamara.chaves@iffarroupilha.edu.br
A partir da estruturação da ação, os encontros se darão por meio de rodas de
conversas, pautadas no estudo e na discussão de referências relacionadas a
conceitos/temas como “diálogo”, “esperança”, “indignação”, “autonomia”,
“amorosidade” e “conscientização”. As ações desenvolvidas pelo projeto Café com
Paulo Freire seguirão pautadas na não-hierarquização cultural, onde o diálogo
acontece no mesmo nível de compartilhamento de saberes, tendo como ponto de
partida as leituras de mundo que cada indivíduo possui até o momento.
Dessa maneira, o Café com Paulo Freire de São Borja-RS conservará sua
metodologia de ação pautando-se no diálogo, na construção coletiva de saberes, a
reflexão e (re) leitura das obras de Freire – bem como autores da linha freiriana –,
ampliando, assim, os seus horizontes. A busca por novos voos pressupõe a procura
pela construção coletiva de um futuro pautado na equidade e na autonomia. Um
futuro onde os saberes são construídos e desconstruídos coletivamente, de maneira
crítica e autônoma. Este foi e será o papel do Café com Paulo Freire de São Borja-
RS: contribuir na/com a formação inicial e continuada de profissionais da educação
pautada no humanismo, na criticidade, na autonomia e na esperança. Uma
contribuição construída coletivamente, sem desconsiderar as leituras individuais ou
as esperanças coletivas de mundo.

REFERÊNCIAS

CHAVES, Taniamara Vizzotto. Café com Paulo Freire. Projeto de Extensão.


Coordenação de Extensão e Produção SB / CEXPSB. Instituto Federal
Farroupilha: 2022.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do


oprimido. 1 ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 2013. Ebook.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
CAFÉ COM PAULO FREIRE SÃO PAULO

Lilian Contreira, Café com Paulo Freire São Paulo1


Martinho Condini, Café com Paulo Freire São Paulo2

RESUMO: A história do Café com Paulo Freire São Paulo é muito linda! Nasce
antes do Café, inclusive. A militância pulsava nos corações de pessoas que
não se cansam de defender seu legado: Luiza Erundina (autora da lei que
concedeu o título de Patrono da Educação brasileira), Daniel Cara,
LiseteArelaro e Nita Freire. Neste contexto, Nitapediu que abríssemos um Café.
E assim aconteceu.
PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire. Práxis Freireana. Educação Libertadora.

Sou Lilian Contreira, trabalhei com Paulo Freire, como sua secretária,
até o último dia de sua vida, e tive uma convivência com ele muito próxima e
amorosa, por isso decidi que, a partir daquele momento, para onde eu fosse eu
levaria o nome dele comigo e tentaria colocar em prática o seu legado e tudo o
que aprendi com ele.
Minhas memórias do Café são um pouco mais longínquas que as do
Prof. Martinho, pois, em2017, quando houve um movimento para ‘retirar’ de
Paulo Freire o título de Patrono da Educação no Brasil, foi criado também um
outro movimento para resposta, chamado Coletivo Paulo Freire, onde, com
vários manifestos, criamos uma rede encabeçada pelas profas. Ana Maria
Araújo Freire, Lisete Arelaro, a Dep. Federal Luiza Erundina, Prof. Daniel Cara,
entre outros educadores e simpatizantes da causa em defesa do educador.
Realizamos vários encontros no escritório da Dep. Luiza Erundina e, além de
manifestações nas Câmaras Legislativas de São Paulo, e dos sete municípios
do Grande ABCDMR e em vários outros estados do Brasil.

1Graduada em Letras e em Pedagogia Social, com pós-graduação em Alfabetização e


Letramento, educadora de jovens e adultos, na cidade de São Paulo, onde nasci e vivo. E-mail:
liliancontreira@uol.com.br
2Historiador,
mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação, ambos pela PUCSP. É
curador do Café com Paulo Freire São Paulo e diretor do Instituto Popular Paulo Freire.
Publicou pela Paulus o livro Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder
Câmara e Paulo Freire.E-mail:profcondini@gmail.com
Figura 1: Mapa do Grande ABCDMR

Legenda: O Grande ABCDMR está inserido à sudeste da Região Metropolitana de São Paulo
e é composto por sete municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Fonte: https://consorcioabc.sp.gov.br/o-grande-abc, 2022.

Com essas moções e milhares de assinaturas, conseguimos que fosse


arquivado o processo, segundo o relatório da Senadora Fátima Bezerra (RN),
que destacou a vitória da sabedoria sobre o obscurantismo, da liberdade sobre
o autoritarismo, conforme descrito abaixo:

Na manhã do dia 14 de dezembro de 2017, a Comissão de Direitos


Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH), sob
presidência da Senadora Regina Sousa (PT-PI), rejeitou uma
sugestão legislativa (SUG 47/2017) que tinha como objetivo retirar de
Paulo Freire o título de “Patrono da Educação Brasileira”, honraria
conferida pela Lei nº 12.612/2012, proposta por Luiza Erundina e
sancionada pela Presidente Dilma Rousseff.
Fátima Bezerra lembrou, ainda, que a vida e a obra de Paulo Freire
inspiram os educadores de hoje e continuarão a inspirar os de
amanhã na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. “No
momento em que tentam sequestrar, através do Projeto Escola sem
Partido, a liberdade de aprender e ensinar, o arquivamento da
sugestão legislativa que pretendia tirar essa homenagem a Paulo
Freire representa uma vitória da sabedoria contra o obscurantismo,
da liberdade contra o autoritarismo”, disse. “Em um país como o
nosso, que ainda conta com 13 milhões de analfabetos, um educador
do porte de Paulo Freire, que dedicou toda sua vida contra o
analfabetismo e a uma educação democrática e inclusiva, merece
todo nosso zelo, respeito e consideração. Paulo Freire é uma das
principias referências não só para o Brasil, como para o mundo. Por
isto, minha imensa alegria de, mais uma vez, homenagear Paulo
Freire como patrono da Educação”, completou.

Após leitura do relatório, também defenderam a rejeição da proposta os


senadores Paulo Paim e Marta Suplicy. Participaram da reunião o presidente
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e
coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação, Heleno Araújo; o
coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara; e a
representante dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, Maria Luiza
Pereira.
Heleno Araújo destacou o empenho das Senadoras Fátima Bezerra e
Regina Sousa e o dia de vitória ocorrido na Comissão: “Paulo Freire é um ser
coletivo, que expressa toda uma luta coletiva em defesa da educação pública
no Brasil e em defesa do direito de todo cidadão e toda cidadã de ler, de
conhecer a vida, pensar, de refletir e de ser inserido de fato em nossa
sociedade”, registrou, destacando que a defesa de Paulo Freire fortalece as
lutas por democracia, por melhor educação de qualidade e a mobilização social
no país.
Segundo Daniel Cara, a decisão reafirma que Paulo Freire é respeitado
e permanece merecidamente como Patrono da Educação Brasileira, por isso,
as educadoras e os educadores brasileiros venceram. Cara também registrou o
papel central das Senadoras Fátima e Regina.
Maria Luiza Pereira destacou a defesa do legado freireano na
emancipação de trabalhadores e trabalhadoras. “O Relatório representa uma
vitória da escola libertadora, defesa que é para o Brasil e representa um
testemunho vivo de que Angicos está vivo, que Paulo Freire não foi exilado à
toa, que Djalma Maranhão não foi exilado à toa”.
A educadora concluiu convocando para a Conferência Nacional Popular
de Educação que representará uma grande oportunidade para festejar a
educação libertadora de Paulo Freire. “Freire, um dos pensadores mais lidos e
conhecidos no Brasil e no mundo, recebeu dezenas de títulos de Doutor
Honoris Causa das mais renomadas Universidades brasileiras e em outros
países, entre elas Harvard, Cambridge e Oxford”.
Em um desses encontros soubemos da criação do 1º Café com Paulo
Freire, em Porto Alegre (ago-2018), pela iniciativa da Profa. Liana Borges.
Concomitantemente a isso, participava ativamente da Campanha, como
também da criação do Coletivo Paulo Freire.
Naquele período, fui a um Simpósio de Educação promovido anualmente
pela Faculdade de Comunicação da Paulus (FAPCOM), onde um dos
palestrantes era o Prof. Martinho Condini que estava justamente discorrendo
sobre Paulo Freire e a Educação Libertadora.
Ao final da sua fala me apresentei e comentei que fazia parte do Coletivo
Paulo Freire e que dentro de alguns dias teríamos um encontro no escritório da
Dep. Luiza Erundina. Ele foi a esse encontro, e foi quando a Profa. Nita Freire,
falando da criação do Café, me disse que gostaria que fosse criado também
em São Paulo, mas que ela não teria condições de assumir a curadoria. Me
pediu, então, que fizesse isso por ela e prontamente atendi. Como estavam
presentes o prof. Martinho Condini e a profa. Ana Elisa Siqueira, eles,
juntamente comigo, formaram a Curadoria do Café em SP, que passou a ter
como referência e sede a Escola Municipal Amorim Lima, pois se trata de uma
escola voltada à educação libertadora.

Figura 2: Café com Paulo Freire São Paulo Escola Municipal Amorim Lima

Fonte: Acervo do Café com Paulo Freire São Paulo, dez/2019.

A profa. Ana Elisa Siqueira é diretora desta escola e muito gentilmente


nos abriu este espaço. Por isso não víamos melhor lugar para fazermos nossos
encontros e rodas de conversa. Martinho falou desta escola com propriedade:
“é uma referência no que diz respeito à pedagogia freireana, que é praticada
pela direção e corpo docente da escola. Sua proposta está baseada em
projetos e em uma educação dialogada e liberadora de verdade”.
Martinho recordou que de dezembro de 2019 até hoje, “aconteceram 10
encontros, 3 presenciais e 7 online” devido à pandemia da Covid-19, contando
com mais ou menos 50 participantes. Claro, os encontros online não eram o
ideal, mas o possível para aquele momento.
Em 2021, por ocasião do Centenário de Paulo Freire, tivemos todos, a
oportunidade de participar de muitas lives, eventos, discussões e debates em
torno ao nome do Educador e foi muito frutífero para o Café e também para
aprimorar os Estudos Freireanos. Neste mesmo ano, um dos Cafés contou com
a participação de Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, em
comemoração ao Centenário de Paulo Freire. Nita falou sobre o
relacionamento dela com Paulo Freire de maneira muito carinhosa e nos
deliciou com depoimentos encantadores.
Em outubro de 2021 retomamos o Café presencialmente, e todos os
participantes estavam ansiosos e felizes com a retomada da tradicional da roda
de conversa com café, bolo e muita prosa. Novos participantes apareceram.

Figura 3: Boneco de Paulo Freire que foi feito na Escola Amorim Lima,
para o Centenário de Paulo Freire.

Fonte: Acervo do Café com Paulo Freire São Paulo, 31 de outubro de 2021.

Tanto os Cafés presenciais como os online, sempre se caracterizaram


pela amorosidade, boniteza dos participantes, pelos diálogos em torno da
práxis freireana e da experiência de cada participante. São sempre momentos
de ensinagem, aprendizagem e muita troca de saberes. Dizem: Esses
encontros são importantes para que possamos não só “manter o legado da
práxis freireana, mas também, a necessidade de redescobri-la e reinventá-la,
com a certeza e o esperançar de que podemos ser feliz de novo por meio de
uma educação libertadora para todos”.
Neste ano daremos continuidade, com muita alegria e com o modo
“Esperançar” ativado, aos nossos encontros presenciais, onde seguiremos,
entre lutas e labutas estudando e expandindo o legado do Patrono da
Educação Brasileira, Paulo Freire. Por fim, Martinho assim se refere, e
concordo plenamente: "O Café com Paulo Freire é uma ação revolucionária e
de resistência”.

Figura 4: Encontro do Café São Paulo.

Legenda: foto tirada antes da pandemia da COVID-19.


Fonte: Acervo do Café com Paulo Freire São Paulo, 2020.
O CAFÉ COM PAULO FREIRE ANDARILHO

Azril Bacal, Café com Paulo Freire Uppasala/CEMUS, Suécia1

RESUMO: Esta carta conta a história do Café com Paulo Freire, em Uppsala,
Suécia, e de que forma se insere no Programa que homenageou Paulo Freire
em seu centenário, bem como o empenho em apoiar a internacionalização
deste movimento.

PALAVRAS-CHAVE: Café Uppsala. Centenário de Paulo Freire.


Internacionalização.

Caro Paulo,

Quando fui convidado a escrever uma "carta pedagógica" a ser


publicada na próxima Revista da Rede Internacional Café com Paulo Freire, um
movimento popular ou social, de início fiquei intrigado com a noção de "carta
pedagógica", anteriormente desconhecida para mim.
Eu já tinha entendido que o objetivo deste texto era contar a história de
nossa experiência no Centro de Estudos Ambientais e de Desenvolvimento
(CEMUS2), em Uppsala, no Programa que trata de seu legado pedagógico
voltado ao diálogo para uma educação transformadora, de ação cultural e da
pesquisa-ação participativa.
Este Programa começou no domingo, 19 de setembro de 2021, para se
juntar à comemoração mundial do seu 100º aniversário. Assumimos, então, a
modalidade de "Café com Paulo Freire", e fomos gentilmente orientados por
Fernanda Poletto e Liana Borges, ambas do grupo que iniciou essa empreitada
em Porto Alegre em 2018 – Café do Centro Histórico.
Enquanto para mim a escrita de uma carta implica um estilo de
comunicação interpessoal, me provocou a refletir sobre o adjetivo
“pedagógico”. Liana gentilmente explicou que esta noção implica em
compartilhar com os leitores da Carta minhas "lições" e reflexões em torno de
meu trabalho, principalmente com base em nossa experiência no CEMUS, que

1Azril
Bacal Roij, Agric. Engenheiro, Doutor em Sociologia e professor universitário em
Uppsala. Nas suas palavras “una combinación de académico, viajero y bohemio”.
2 www.cemus.uu.se
se expandiu para Lima (Peru) e Atenas (Grécia), desde outubro do ano
passado (2021).
Em suma, este texto mistura o estilo pessoal de uma carta entre amigos
com um relato resumido de nossa experiência no CEMUS -, e com perguntas
geradoras sobre o Café de Uppsala: Como começou? Por e com quem? Como
é construído/organizado? Quais são nossos objetivos, visão e missão? Qual é
o significado do legado de Paulo Freire em Uppsala/Suécia, Lima/Peru e
Atenas/Grécia no contexto internacional, nacional e local, de hoje? Sempre
tendo em mente sua premissa freiriana: aprender a "ler" o contexto para
transformá-lo!
À medida que nos aproximamos de 2 de maio deste ano, dia de sua
morte há 25 anos – eceteris paribus3, a mesma data que completarei 81 anos,
retomo a pergunta que levantamos entre os painelistas no evento
comemorativo de seu centenário: Como vocês se conheceram e/ou conheceu
Paulo Freire e sua obra?
É desafiador iniciar este texto cruzando a dimensão pessoal com a
organizacional, que remonta a 1969, há 53 anos, quando assessorei
pessoalmente o programa de alfabetização idealizado por Augusto Salazar
Bondy, Ministro da Educação, durante o governo transformador de Juan
Velazco Alvarado (1968-1974) no Peru, meu país natal. A reforma educacional
peruana da época incorporou grande parte dos princípios do seu projeto
pedagógico-crítico Paulo, e foi considerada um dos projetos educacionais mais
importantes da década de 1970, pela UNESCO.
Depois que a Reforma Agrária foi declarada no Peru, em 24 de junho de
1969, por Velazco usando as palavras vibrantes de Tupac Amaru: "Campesino,
el Patrón no comerá más de tu Pobreza", recebemos o apoio de uma missão
da FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura) para apoiar o desafio de treinar agentes agrários, camponeses e
agricultores para apoiar ativamente o processo de Reforma Agrária.
Nesse sentido, contamos com o apoio técnico do ICIRA (Instituto de
Investigación y Capacitación para la Reforma Agrária) no Chile, onde você
trabalhou após o sangrento golpe militar de 1964 que o obrigou a deixar seu

3É uma expressão em latim que significa “todo o resto constante”, muito utilizada na ciência
econômica.
país natal, exilando-se no Chile. Dessa missão, lembro-me em particular de
Paulo Tarso, Paulo Sampaio e Antônio García, de quem fui amigo até
falecerem.
Oportunamente, criamos no Peru o CENCIRA (Centro de Investigación y
Capacitación para la Reforma Agraria), inspirados no ICIRA do Chile.
Poderíamos escrever um livro desse período, talvez destacando o projeto
Rádio Camponesa-Fórum que criamos depois que você nos instigou a usar os
meios de comunicação de massa de forma dialógica. Esse projeto durou de
1969 a 1976, e seus aprendizados aguardam por publicação, e que seja em um
futuro próximo, dado seu valor potencial para combater a guerra cultural e o
poder destrutivo das mídias convencionais e sociais, hoje apoiando regimes
autoritários e corruptos como Bolsonaro, no Brasil, agravando, por exemplo, a
situação de emergência climática mundial, devastando a terra e a vida das
populações indígenas na região do Amazonas.
A referência ao diálogo me levou ao seu trabalho em Extensão ou
Comunicação? (1970), onde você contrasta conceitualmente a comunicação
monológica (persuasiva), como publicidade/propaganda e uma educação para
a conformidade, com a comunicação dialógica, inspirada em Sócrates
(Maiêutica) e o trabalho seminal de Martin Buber sobre comunicação
libertadora e emancipatória ("Eu e Tu", 1974) – que também infunde sua obra-
prima sobre a Pedagogia do oprimido, onde defendo que você propõe uma
resposta teórica e prática à teoria da Alienação de Marx, por sua vez
respondendo pela operação e como neutralizar os efeitos da opressão social
internalizada como o inimigo interno ("el enemigo interno").
Diante do pano de fundo acima descrito, há muito mais para contar. Mas
voltemos ao nosso início: CEMUS, em setembro de 2021, quando eu recém
havia me filiado a este programa acadêmico dirigido por estudantes e orientado
e supervisionado por professores seniores, no contexto das comemorações de
seus 30 anos (jubileu).
Na ocasião, contamos com Daniel Mossberg, responsável pela
divulgação e relações internas, e estabelecemos uma relação de trabalho
frutífera desde o início. Iniciamos a série de diálogos Outono de 2021, intitulada
"Paulo Freire e a sobrevivência humana no século XXI", destinada a informar e
engajar alunos e professores, global e localmente, sobre a relevância do seu
legado educacional potencialmente transformador para o atual contexto de
crise local, nacional e internacional, caracterizado, sobretudo, pela situação de
emergência climática, pela devastação ambiental (a sexta extinção em massa
de espécies), bem como pelo retorno do fascismo que produziu uma crise
humanitária (cerca de 70 milhões de refugiados, entre eles três milhões da
Ucrânia em apenas 6 semanas desde a invasão russa de Putin), após o
fracasso da diplomacia internacional e das Nações Unidas em encontrar
soluções políticas em tempo hábil para evitar esta guerra feia, como todas as
guerras!
Após os quatro primeiros encontros com perspectiva Global/local (Glo-
cal), adotamos o formato do Café com Paulo Freire, como já mencionado.
Organizamos os encontros dos Cafés à medida que avançávamos como um
processo, como sugere o poeta espanhol Antônio Machado: "Haciendo Camino
al Andar...", organizamos nossas sessões. O Café Uppsala é híbrido, pois
conta com participação física na biblioteca CEMUS e digitalmente com nossos
palestrantes e ilustres convidados – Leonardo Boff, Chico Whitaker, além de
outros colegas como Frans Lenglet, René León, Fernanda Polleto, Alicia
Cabezudo, Beatriz Bissio, Erik Lindhult, além de alunos e professores
universitários.
Tivemos participantes de Uppsala, Noruega, Lima, Brasil e Atenas,
estabelecendo, assim, uma ponte entre pessoas e grupos de diferentes cantos
do mundo, inspirados em ti (Paulo) e em teu legado. Assim, com o intuito de
contribuir com o crescimento da Rede realizamos quatro reuniões preparatórias
em Lima para criar uma “filial peruana”, esperando ainda para se cristalizar em
seu próprio modo de autogestão.
Foi criado, também, um Café com Paulo Freire em Atenas, Grécia,
sendo que seus membros estão em processo de definição dos objetivos, da
organização e de uma agenda futura, com a professora Christina Marouli como
coordenadora.
Saltando para a organização e atividades recentes, no dia 6 de abril de
2022 tivemos uma reunião produtiva para lançar o Café com a Paulo Freire
como uma rede Internacional que contou com a presença de outros Cafés (as
gravações estão no site do CEMUS).
No último Café antes da Páscoa deste ano (2022), tivemos um encontro
de muito sucesso intitulado "Rebelião da Comunidade Científica pelo Clima",
com participantes de Lima (Dra. Liliana Miranda, peruana, membro da
Comissão do IPCC da ONU), Uppsala (Hedvig Ekerwald, professora emérita
em Sociologia), Estocolmo (Jonathan Feldman, professor em História
Econômica) e Sevilla, Espanha (Dr. Vicente Manzano-Arrondo, professor em
Psicologia), entre outros participantes como: Christina Marouli em Atenas, Ulla
Tengblad (Física) em Uppsala, Dr. Ricardo Giesecke (Físico Nuclear, ex-
Ministro do Meio Ambiente do Peru).
À medida que avançamos com os encontros dos Cafés, decidimos com
Daniel Mossberg diminuir a quantidade de sessões por mês (de semanal para
quinzenal, mantendo algumas sessões localmente, alternando os locais e,
assim, engajando novos públicos locais, mantendo um sessão Glo-clal híbrida
(presente e digital), já que nosso objetivo básico continua sendo o de permitir
que um número crescente de alunos, professores e cidadãos locais se juntem a
nós e leiam criticamente o contexto – para transformá-lo!
Caro Paulo, há muitas outras lições de nossa humilde experiência para
compartilhar com você, mas os limites de tempo e espaço me fazem parar
neste ponto. Gracias por tu inspiración e legado de conscientização, esperança
e empoderamento para transformar nossas universidades e sociedades.

Outro mundo é possível!

Abraços fraternos!

Dear Paulo

When I was invited to write a "pedagogical letter" to be published at the next


newsletter of the "Coffee with Paulo Freire" international network, which
amounts to a popular or social movement, I was at first puzzled by the notion of
"pedagogical letter," previously unknown to me.
I had already understood that the aim of this text was to tell the story of our
experience at the Center for Environmental and Development Studies (CEMUS)
(www.cemus.uu.se) in Uppsala, Sweden, with a program organized around your
critical and dialogical pedagogical legacy of transformative education, cultural
action and participatory action-research.
This program started at Sunday 19 September 2021 to join the world
celebration of your 100th birthday, which adopted the modality of "Café com
Paulo Freire" after four weeks, kindly guided in this development by Fernanda
Palleto and Liana Borges from the pioneer group that started this venture in
Porto Alegre in 2018. While for me writing a letter implies an interpersonal style
of communication, it is baffled me the adjective "pedagogical." Liana thus kindly
explained what this notion entailed, the attempt is here made to share with the
readers of this newsletter "lessons" and reflections around your work and, also
and primarily, based on our experience at CEMUS, which expanded to Lima,
Perú, and Athens in Greece, since October last year.
In short, this text blends the personal style of a letter between friends - with a
summary report of our experience at CEMUS, with guiding questions from
Liana, somewhat further elaborated here: How did it start? By - and with whom?
How is it constructed/organized? What are our aims, vision - and mission? What
is the meaning and significance of Paulo Freire's legacy in Uppsala/Sweden,
Lima/Perú and Athens/Greece in today's international, national and local
context? Always keeping in mind your admonition to learn to "read" the context
in order to transform it!
As we approach May 2 this year, your death day 25 years ago - and ceteris
paribus I should become 81 years old, the question we raised at your 100th
birthday to our guest panelists was phrased along this way: How did you met
and/or learned about Paulo Freire and his work?
I decided to start this text by intersecting the personal with the organizational
dimensions, dating back to 1969, 53 years ago, when you personally advised
the literacy program conceived by Augusto Salazar Bondy, the Minister of
Education, during the transformative government of Juan Velazco Alvarado
(1968-1974) in Perú, my home country. The Peruvian educational reform at that
time incorporated much of the tenets of your critical pedagogical project - and
was considered as one of the most important educational projects of the 1970s
by UNESCO.
After the Agrarian Reform was declared in Perú on 24 June 1969 by Velazco
using Tupac Amaru's vibrant words: "Campesino, el Patrón no comerá más de
tu Pobreza," we received support from a FAO/UN mission to support the
challenge of training agrarian agents, peasants and farmers to actively support
the agrarian reform process.
In the above respect, we benefited from the technical support of ICIRA (Instituto
de Investigación y Capacitación para la Reforma Agraria) in Chile, where you
worked after the 1963 bloody military coup that forced you to leave your post as
Education Minister - and go into exile in Chile. From that mission, I remember in
particular Paulo Tarso, Paulo Sampiao, and Antonio García, whom I befriended
until they passed away.
In due time, we created CENCIRA (Centro de Investigación y Capacitación para
la Reforma Agraria) in Perú, inspired by your work at ICIRA in Chile. One could
write a book to cover this period, maybe highlighting the Peasant Radio-Forum
project that we created after you prompted us to use mass media in a dialogic
fashion. This project lasted from 1969 to 1976 - and its lessons wait for
publication, hopefully in the near future, given its potential value to counteract
the cultural war and destructive power of conventional and social media,
nowadays supporting authoritarian and corrupt regimes like Bolsonaro in Brazil.
Thereby worsening the world climate emergency situation by devastating the
land and lives of the indigenous populations in the Amazonas region.
The reference to dialogue led me to your work in "Extension or
Communication," where you conceptually contrast "Monological" (persuasive)
communication, such as publicity, propaganda and education for conformity -
with "dialogical" communication (inspired by Socrates (Mayeutics) and Martin
Buber's seminal work on liberating and emancipatory communication ("I and
Thou") - which also infuses your masterwork on the "Pedagogy of the
Oppressed," where I argue that you propose a theoretical and practical answer
to Marx's theory of Alienation. In turn, accounting for the operation - and how to
counteract the effects of social oppression internalized as the internal enemy
("el enemigo interno").
Against the above background and much more to tell, let's return to our start at
CEMUS in September 2021, when I had just been affiliated at this academic
program run by students, advised and supervised by senior faculty, celebrating
this year its 30 years-jubileum.We coupled with Daniel Mossberg, in-charge of
outreach and internal relations, and established a fruitful working relationship
from the beginning.
We started the Autumn 2021 series entitled "Paulo Freire and Human Survival
in the 21st Century," meant to inform and engage students and faculty, both
locally and globally about the relevance of his transformative educational legacy
to the current local, national and international crisis context, characterized by
the climate emergency situation, environmental devastation, the sixth massive
extinction of species, the return of fascism, a humanitarian refugee crisis (about
70 million refugees, among them three million refugees from Ucrania in only 6
weeks since Putin's Russian invasion), following the failure of international
diplomacy and the United Nations to find political solutions in due time to
prevent this ugly war, like all wars!
After the first four sessions with a glocal perspective, we adopted the format of
Coffee with Paulo Freire, as already mentioned. We organized our programs as
we moved along like a process. Recalling the Spanish Poet Machado
"Haciendo Camino al Andar...", we organized our sessions in a hybrid form, with
physical participation at CEMUS library and digitally with our guest panelists
and participants.
We invited distinguished guests like Leonardo Boff, Chico Whitaker, along other
colleagues like Frans Lenglet, René León, Fernanda Palleto, Alicia Cabezudo,
Beatriz Bissio, Erik Lindhult, and several students and university teachers.
Eventually we had participants from Uppsala, Norway, Lima, Brazil, and Athens,
establishing thereby a bridge between persons and groups inspired by Paulo
Freire in different corners of the world. Helping to grow internationally, we had
four preparatory meetings in Lima to create a Peruvian branch, waiting still to
christalize in their own self-management fashion.
A Greek Coffee with Paulo Freire has been created . and their members are in
the process to define their aims, organization and future agenda, with Professor
Christina Marouli as the convenor.
Jumping to recent organization and activities, on 6th April we had a productive
meeting to launch the Coffee with Paulo Freire International - and this seminal
meeting like all or most other programs are videotaped and accesible by linking
with CEMUS ad hoc website.
Our last program before Easter holidays, we had a very successful meeting
entitled "Rebellion of the Scientific Community for the Climate," with participants
from Lima (Dr. Liliana Miranda, Peruvian member of the UN IPCC Commision),
Uppsala (Professor Emeritus in Sociology Hedvig Ekerwald), Stockholm
(Professor in Economic Historia Jonathan Feldman) and Sevilla, Spain (Prof. in
Psychology Dr. Vicente Manzano-Arrondo), among other participants such as:
Christina Marouli in Athens, Ulla Tengblad (Phycisist) in Uppsala, Dr. Ricardo
Giesecke (Nuclear Phycisist, former Minister of Environment in Perú).
As we move forward with this program in the following weeks, we have decided
with Daniel Mossberg to lower the amount of sessions per month (bi-weekly), to
keep some sessions locally by rotating places and thereby engaging new local
audiences, while keeping one session glo-cal and hybrid (present and digital).
Our basic aim remains to enable an increasing number of students, teachers
and local citizens to join us and critically read the context - in order to transform
it! Dear Paulo, there are many other lessons from our humble experience to
share with you, but limits of time and space makes me stop at this point.
Gracias por tu inspiración and legacy of consciousness-raising, hope and
empowerment to transform our universities and societies.

Another World is Possible!

Abrazos fraternales!
CAFÉ COM PAULO FREIRE GOIÂNIA:
memórias de luta que atravessam as pelEJAs de Goiás

Ana Santana Moreira, Café com Paulo Freire Goiânia1


Lucas Martins de Avelar, Café com Paulo Freire Goiânia2

RESUMO: Este relato objetiva abordar a constituição do Café com Paulo Freire
Goiânia. Em 2019, o coletivo surge, incentivado por sua primeira curadora, a
querida e generosa professora Maria Emília de Castro Rodrigues. Os encontros
presenciais no primeiro ano realizaram-se em locais marcados por
representatividade sócio-histórico-política. Após um período turbulento e pausa
em 2020 para adaptações ao contexto online, em função da pandemia da COVID-
19, retornamos com os encontros em 2021. Entre idas e vindas, perdas e ganhos,
pelEJAs, o Café Goiânia tem se fortalecido e se constituído como espaço
dialógico e movimento de luta e resistência no Estado de Goiás.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Trajetória. Transformação.

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar


com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai
ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai
humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o
fazedor. Vai temporalizando os espaços do homem com o mundo e do
homem com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando,
criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa
preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida
em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É
também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar
destas épocas (FREIRE, 1967, p. 43).

Refletir sobre a realidade vivenciada pela humanidade, desvelá-la e


construir uma realidade mais humana é o desafio dos homens e mulheres,
sujeitos históricos. Essa reflexão fez parte do coletivo que pensou o Café com
Paulo Freire Goiânia. O contexto brasileiro, com a posse do novo governo federal
em janeiro de 2019, já sinalizava a dureza que toda população brasileira iria viver,
sobretudo os mais pobres. Por isso, ler Paulo Freire tornou-se imprescindível, e
“não soltar as mãos de ninguém” passou a ser o nosso lema.

1Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da


Universidade Federal de Goiás, Professora da Secretaria de Estado da Educação de Goiás,
Membra do Fórum Goiano de EJA e Curadora do Café com Paulo Freire Goiânia. E-mail:
anafisica1@gmail.com
2Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da

Universidade Federal de Goiás, Membro do Fórum Goiano de EJA e Curador do Café com Paulo
Freire Goiânia. E-mail: lucasmavelar@gmail.com
O nosso Café nasceu em junho de 2019, numa manhã de sábado,
motivado pela professora Maria Emília de Castro Rodrigues, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás. Com sua generosidade, Emília
sempre partilhou com todos seus conhecimentos sobre a Vida e Obra de Paulo
Freire. As análises das interfaces entre os referenciais da Educação Popular, tão
vivenciadas por Freire, foram para nós a confirmação de que precisávamos fazer
do espaço de nosso Café a vivência do diálogo, da dialogicidade, da escuta
sensível como princípios fundantes para a constituição do “inédito viável”.
Com intenção de afirmar nossa disposição em pensar a sociedade com o
pé na realidade, fomos estabelecendo nosso jeito de fazer-nos café. Por isso, não
poderíamos perder de vista a cultura, também evidenciada na história de Paulo
Freire, que por meio dos Círculos de Cultura nos falava de um lugar em que a
unidade de aprendizado era a referência, o homem em sua realidade, sua cultura,
tudo junto e misturado!
Dessa forma, a busca de espaços diversificados para nossos diálogos foi
tornando-se concreta: Faculdade de Educação da Universidade Federal da Goiás
(UFG), Praça Universitária, Cine Ouro (espaço de cinema, de shows, uma casa
de cultura), depois o Centro Cultural Martim Cererê, espaço composto por dois
pequenos teatros ("Ygua" e "Pygua"), um Teatro de Arena, uma área aberta.
Esses teatros eram antigas caixas d’água da empresa de Saneamento do Estado
de Goiás.
A história marca esse local das antigas caixas d’água como lugar em que
ocorriam as torturas durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1979). Tomar esse
espaço para discutir a memória de Paulo Freire, sua amorosidade pela
humanidade, a vida, a natureza e a liberdade foi expressar a resistência em
consolidar espaços democráticos e de cultura, o que vai contribuindo para a
construção da justiça social. Vivenciar o Café com Paulo Freire no referido
espaço, com a presença da Maria Emília, foi inspirador e confirmou a
humanização daquele lugar, que já há alguns anos é um Centro Cultural que
acolhe diversos festivais de música alternativa da cidade, dança, teatro, e
exposições.
Ainda não sabíamos que aquele seria o nosso último encontro presencial
com a doce e forte presença da companheira Maria Emília. Em 2020 veio a
pandemia e tudo que ela trouxe, inclusive a dor de ver a partida desta
companheira, vítima da Covid-19, em março de 2021. Na figura 1, podemos
observar algumas fotos dos encontros realizados no decorrer do ano inicial de
constituição do grupo, com destaque para a imagem na qual o coletivo está
reunido à sombra de uma árvore. A ocasião se refere ao primeiro encontro,
momento em que Maria Emília discorre sobre a vida do patrono da educação
brasileira.

Figura 1: Montagem com fotos de alguns momentos de 2019

Fonte: Arquivos do Café Goiânia, 2019.

A pandemia nos trouxe tantas incertezas, dúvidas, novidades em questões


tecnológicas e isolamento social. Nosso coletivo levou um tempo para se adaptar
à nova realidade de reuniões por videoconferência, participações em eventos com
transmissões em redes sociais onde se tem a participação de um número maior
de pessoas de diversas localidades do país. Nesse sentido, nosso café realizou
uma pausa em suas atividades e não tivemos encontros no ano de 2020. Após o
período de adaptações ao contexto pandêmico, nossas atividades foram
retomadas em 2021, com encontros remotos no último sábado de cada mês com
início às 8h30 e término às 11h30.
Em nosso primeiro encontro, no dia 27 de fevereiro, tivemos a presença de
diversas pessoas de outras cidades, e até de outros estados, como o nosso
companheiro Carlos César de Oliveira, doutorando da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a curadora do Café com Paulo Freire
Bahia, a Profa. Dra. Edite de Faria. Naquela manhã, o responsável pela condução
da reunião foi Lucas Martins de Avelar, um dos membros da Coordenação
Colegiada do Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos e coautor deste
relato, porque a saudosa Maria Emília já não estava muito bem de saúde e por
isso não participaria, tendo ficado o desejo de sua participação mais significativa
no encontro seguinte, que infelizmente não aconteceu.
Neste dia, por sugestão de Carlos, e concordância do coletivo, ficou
decidido estudar o livro Medo e Ousadia, de Paulo Freire e Ira Shor. Em grupo,
democraticamente, ficou estabelecido que em cada encontro uma ou duas
pessoas seriam responsáveis pela mediação das reflexões. Foi estabelecido um
cronograma mais aberto, sujeito a possíveis alterações.
No quarto encontro foi necessário modificar a data, e o encontro aconteceu
no dia 01 de maio, mesmo sendo feriado, contudo a participação foi ínfima. A
partir disso, optamos por não agendar nem no dia e nem na véspera de feriados.
Vejam só companheiros, os aprendizados de natureza organizativa do movimento
que o café nos proporciona!
Em concomitância, percebemos ser mais produtivo reduzir o tempo do
encontro para duas horas. No último encontro do primeiro semestre, o
responsável pela mediação fez uma dinâmica da tempestade de ideias, criou um
padlet para todos contribuírem com antecedência e proporcionou um momento de
aprendizado dialógico e interativo a respeito da obra que estava sendo estudada.
Estávamos com os corações cheios de amorosidade, no esperançar de termos
(re)encontrado o “jeitinho” do nosso café!
Aos poucos fomos adequando à nova realidade e nos inserimos no
contexto de mídias sociais, de tal forma que a divulgação e interações nas redes
sociais tornaram-se cada vez mais volumosas. Passamos a ter presença ativa em
plataformas como Instagram e grupos de WhatsApp. As redes do Fórum Goiano
de EJA e dos membros do Café tornaram-se veículos de divulgação da
“freirianidade”. A Figura 2 apresenta uma mescla dos cards produzidos para as
reuniões do ano de 2021.
Figura 2: Montagem de todos os cards de divulgação dos Encontros de 2021

Fonte: Arquivos do Café Goiânia, 2021.

Com uma ampla divulgação tivemos encontros com a presença expressiva


de pessoas interessadas em compartilhar e se apropriar dos conhecimentos,
saberes e vivências na perspectiva da construção dialógica da luta coletiva em
favor da humanização. Percebemos que mesmo em um estado como o de Goiás,
em que houve expressivo número de eleitores que, em 2018, votaram por esse
projeto neofascista, que dissemina fake news e a necropolítica, há pessoas
dispostas a lutar pela transformação social. Na figura 3 colocamos o print dos
registros de alguns destes momentos em 2021.
A escolha do livro estudado no primeiro semestre de 2021 teve uma
relação direta com a situação atual que estamos vivendo. Toda a classe
trabalhadora sente medo do vírus, das condições econômicas, falta de acesso à
internet e dispositivos tecnológicos. Ao analisar todo o cenário do nosso país é
perceptível que a pandemia evidenciou o agravamento das desigualdades sociais
produzidas pelo modo de produção capitalista na sua filosofia neoliberal e de
Estado mínimo.
Figura 3: Montagem com fotos de alguns momentos de 2021

Fonte: Arquivos do Café Goiânia, 2021.

Nesse sentido, o pensamento de Paulo Freire, vítima de constantes


ataques, ganhou ainda mais força, na boca e ações daqueles e daquelas que são
resistência. Há uma relação intrínseca entre a educação libertadora freiriana, a
pandemia e a crítica à condução das políticas públicas de saúde e de combate à
pandemia no Brasil que afetam a vida da população trabalhadora porque a
educação libertadora, emancipatória, ilumina a realidade (FREIRE; SHOR, 1986).
Destarte, nesses momentos dialógicos, tivemos a presença de diversos
professores que compartilharam suas experiências com o ensino remoto
emergencial. Estiveram presentes também alunos filhos da classe trabalhadora,
trabalhadores(as)-estudantes, que estavam naquele momento buscando a
apropriação de conhecimentos para transformar a sociedade por meio do
processo de formação permanente (FREIRE; SHOR, 1986).
No segundo semestre, em uma decisão coletiva, resolvemos estudar
Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do oprimido.
Organizamos um cronograma para leitura e análise do livro em três encontros,
entre setembro e novembro. Seguimos o revezamento de duplas de mediadores,
com a proposta de que os encontros continuassem no formato de Círculo de
Cultura virtuais.
Em setembro tivemos um momento cultural com apresentação de música e
poesia. Diante do contexto de retorno presencial das aulas nas redes estaduais e
municipais e com o negacionismo de muitos em não se vacinarem ou a negativa
do uso de máscara para proteger a si e aos outros, novos desafios na
dialogicidade surgiram. Nesse sentido é que necessitamos não perder a
esperança na humanidade, uma esperança que, sendo suficientemente espe-
rançar é espera na ação coletiva em direção à mudança (FREIRE, 2016).
Freire afirma que “enquanto necessidade ontológica, precisa de ancorar-se
na prática” (FREIRE, 2016, p. 5). Assim, ao discutirmos e refletirmos sobre este
livro escrito pelo autor cinco anos antes do seu falecimento, e relembrando a
Pedagogia do Oprimido que foi escrita durante o exílio, nos apropriamos dos
conhecimentos históricos e dados concretos para fortalecer a nossa esperança,
de forma que possamos vencer a luta contra o sistema opressor.
Nesta perspectiva, seguimos firmes e esperançosos para continuar os
enfrentamentos em 2022 e nos anos vindouros. Ansiosos pelo retorno dos
encontros presenciais para nos abraçarmos, sentir o aroma do café, a fragrância
dos perfumes, a história dos diferentes locais em que nos encontraremos além da
degustação das comidas típicas e feitas com muito amor. Desse modo, em
nossos corações e em espírito, Maria Emília estará sempre presente!
Com a pandemia, nossos encontros deixaram de ter pamonha, pão de
queijo e café, mas não deixaram de ter leituras, depoimentos, sugestões de
vídeos sobre as obras de Paulo Freire e de outros autores que dialogam sobre o
assunto, além de nos abraçarmos com os nossos olhares. Estas duas horas
mensais parecem ser um bálsamo para nossas dores do corpo e da alma tão
cansadas/os, mas cotidianamente convocadas/os pelo tempo histórico a lutar. É
um momento de renovação, de fortalecimento da nossa essência e simplicidade
para buscar ouvir nossos pares com amorosidade e ajudar na construção crítico-
emancipatória de um mundo com mais respeito e justiça social para todos os
cidadãos e as cidadãs.
Os encontros proporcionaram reflexões que vão para além de horizontes
acadêmicos ou intelectuais. Acolhemos propostas, ouvimos e damos voz a todes.
Enfim, esperançamos no coletivo para fortalecer a nossas reflexões-ações de
resistência e liberdade. Nesse sentido, esperamos que o Café com Paulo Freire
Goiânia cresça e se fortaleça cada vez mais em comunhão à Rede Internacional
dos Cafés e sirva de inspiração para outras iniciativas de estudo coletivo de
temáticas, autores, ou sistemas de pensamento, voltadas à formação e à
transformação da educação, por conseguinte, da sociedade brasileira.
MARIA EMÍLIA, PRESENTE!

REFERÊNCIAS

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1967.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia - O Cotidiano do Professor. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
CARTA PEDAGÓGICA ENDEREÇADA A PAULO FREIRE

Christina Marouli, Café com Paulo Freire Atenas/Grécia1

RESUMO: Esta Carta conta o processo de implantação do Café em Atenas,


cija inspiração vem do Café de Uppsala/Suécia e homanageia Paulo Freire,
educador brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Café Grécia. Diálogo. Sustentabilidade.

Caro Paulo Freire,

Saudações da Grécia!

Nunca nos conhecemos, mas os seus escritos nos influenciaram em


diferentes níveis, seja como educadores ou como pessoas, e em diferentes
momentos de nossas vidas, em várias oportunidades como estímulos.
Nossos Cafés com Paulo Freire começaram no Deree, no American
College of Greece, levando em conta o seu trabalho e as suas ideias.
Participei de reuniões em homenagem ao seu centenário, organizados pela
CEMUS, em Uppsala, Suécia, no outono de 2021. Isso não foi por acaso,
mas devido à amizade de longa data e de uma recente colaboração com Azril
Bacal em torno da educação transformadora.
Na época, eu estava colaborando com Jennifer (artista visual e
educadora) para reunir estudantes de ciências e artes para fazer projetos no
ambiente urbano, ao redor da nossa faculdade, dada a nossa preocupação
com a educação dialógica, democrática e empoderadora para construção de
sociedades melhores. Então, discutimos o trabalho de Augusto Boal e de
outros educadores progressistas e pensadores.
Depois de uma dessas atividades, Azril relatou sua experiência com os
Cafés na Suécia. Despina e Effi estavam animados em ouvir isso e
manifestaram interesse em conduzir encontros de Cafés por aqui também.

1 Dr. Marouli estudou bioquímica (B.Sc. da Universidade Brandeis), política urbana e


ambiental (M.A. pela Universidade Tufts) e sociologia (M.A. e Doutorado pela Universidade
da Califórnia, Santa Cruz) nos EUA – com especialização em meio ambiente, saúde e
desigualdades sociais. Seus atuais interesses de pesquisa incluem educação para
sustentabilidade, cidades sustentáveis, saudáveis, inteligentes, comportamentos ambientais
e mudanças sociais. E-mail: cmarouli@acg.edu
Essas foram as coincidências que levaram ao início dos Cafés com Paulo
Freire em Atenas, Grécia.
Nosso primeiro encontro foi no início de fevereiro de 2022, onde
discutimos como entraríamos em contato com seu trabalho, Paulo Freire, e
sobre o que despertou nosso interesse nele. Todos nós estamos
preocupados com o modelo educacional "bancário" existente, que entorpece
a curiosidade e o interesse natural dos alunos em aprender e os evita de
buscar perguntas inquietas e abordagens alternativas. Não fizemos reuniões
regulares, embora nosso desejo fosse de nos encontrarmos uma vez a cada
2 ou 3 semanas, porém, dado nossos horários apertados e variados do corpo
docente, nos encontramos 4 vezes no período até agora. Discutimos algumas
de nossas ideias do seu livro Pedagogia do oprimido e também conversamos
mais livremente sobre os desafios reais que enfrentamos em nossas aulas.
No encontro mais recente, discutimos a estrutura que desejamos para nossos
Cafés nos próximos meses.
Nosso grupo ainda está formulando a visão e as metas para nossos
Cafés. Decidimos que para os próximos meses continuaremos sendo um
grupo fechado, até esclarecermos nossa visão e metas e como estas podem
ser mais bem atingidas.
De qualquer forma, como somos todos educadores, estamos focando
na educação e em como ela pode se tornar empoderadora e socialmente
relevante para os importantes desafios que as sociedades contemporâneas
enfrentam. Estamos interessados em identificar quais conceitos e práticas
achamos fundamentais em seu legado para nossa atual configuração, para
que possamos tornar nossa práxis educacional empoderadora e, em seguida,
quais ideias desejamos comunicar a todo o ambiente da Faculdade.
Caro Paulo, o modelo 'bancário' de educação, geralmente adotado,
que prepara cidadãos passivos e obedientes; o foco tecnocrático
generalizado das sociedades de conhecimento contemporânea, que
subestima o conhecimento da vida cotidiana e dos leigos; a expansão da
internet, mídias sociais, realidade virtual, TIC em todos os aspectos da vida, o
que distancia as pessoas da ação coletiva/comunitária real; o nexo das
importantes crises – ecológicas, econômicas, culturais e políticas (com
guerras) – que o mundo enfrenta hoje – tornam seu legado de pedagogia
crítica mais relevante do que nunca. No entanto, também é verdade que o
cenário se tornou mais complicado, já que a maioria dessas mudanças são
multidimensionais.
Os educadores – como "intelectuais orgânicos" – são chamados a
criar ambientes de aprendizagem dialógicos, onde os alunos são inspirados a
desenvolver o pensamento crítico e a consciência que os levará a um
pensamento crítico e a co-criar conhecimentos, perguntas relevantes e novas
soluções. Precisamos urgentemente de mudanças sociais inspiradas.
Nesta intrincada teia de mecanismos de controle, precisamos de
esperança para a ação. Necessitamos, ainda, nos comunicar efetivamente
com os outros e encontrar aliados para causas semelhantes. Nós olhamos
para seus escritos para obter ideias, para vermos como isso pode ser
aplicado, ajustado, complementado por outros pensadores e, até mesmo,
alterados (reinventado) para atender às necessidades urgentes das
sociedades contemporâneas de cuidar, a fim de que tenhamos comunidades
pacíficas, justas e ambientalmente respeitosas.
Obrigado por seu trabalho inspirador.

Christina Marouli

Cafes with Paulo Freire

Athens, Greece
PEDAGOGICAL LETTER ADDRESSED to PAULO FREIRE

Christina Marouli, Coffewith Paulo Freire Atenas/Grécia

Dear Paulo Freire,

Greetings fromGreece!

We have never met you, but your writings influenced us at different


levels (e.g. as educators and/or as people) and at different points in our lives,
with various opportunities as stimuli.

Our Cafes with Paulo Freire – discussions around your work and
insights – in Greece started unexpectedly, seemingly by accident in Deree –
American College of Greece. One of us, Christina, participated in the original
meetings to commemorate you that were organized by CEMUS in Uppsala,
Sweden in fall 2021. (That was not by accident, but due to the long-standing
friendship and a recent collaboration with Azril Bacal around transformative
education.)

At that time, she was collaborating with Jennifer – a visual


artist/educator – to bring science and arts students together to do common
projects in the urban environment around our college. Given our common
concern for dialogic, democratic and empowering education for better
societies, we discussed your, Augusto Boal’s and other progressive
educators’ and thinkers’ work.

Then, after a choir meeting, Christina brought up your name and her
experience with the Cafes in Sweden; Despina and Effi both were excited to
hear that and expressed interest in common meetings. These were the
coincidences that led to the initiation of Cafes with Paulo Freire in Athens,
Greece.

Our first meeting was in early February 2022, where we discussed how
got in contact with your work and what triggered our interest in it. All of us are
concerned about the existing ‘banking’ educational model, which numbs
students’ curiosity and natural interest in learning and averts them from
seeking uneasy questions and alternative approaches.

We did not set up regular meetings, although we indicated our wish to


meet once every 2-3 weeks. Given our tight and varied faculty schedules, we
met only 4 times in the period up to now. In one meeting, we discussed some
of our insights from your book “Pedagogy of the Oppressed”. In the third one,
we talked more freely and conversed around real challenges we faced in our
classes. And in the most recent one, we discussed the structure we desire for
our Cafes in the next months.

Our group is still formulating our vision and goals for our Cafes. In any
case, as we are all educators, we are focusing on education and how it can
become empowering and socially relevant to the important challenges
contemporary societies face. We are interested in identifying which concepts
and practices we find useful in your work for our setting today, so that we can
make our educational praxis empowering, and then which insights we wish to
communicate to the whole College setting. We have decided that for the next
months, we will remain a closed group, until we clarify our vision and goals
and how these can be served better.

Dear Paulo, the usually adopted ‘banking’ education model, which


prepares passive and obedient citizens; the pervasive technocratic focus of
contemporary knowledge societies, which undervalues the knowledge of
everyday life and of lay people; the expansion of internet, social media, virtual
reality, ICTs in all aspects of life, which distances people from actual
collective/community action; the nexus of the important crises – ecological,
economic, cultural and political (with wars) – the world faces today : all make
your critical pedagogy legacy more relevant than ever. However, it is also true
that the setting has become more complicated, as most of these changes are
multi-dimensional.

The instructors – as ‘organic intellectuals’ – are called to create dialogic


learning environments, where learners are inspired to develop critical thinking
and consciousness that will lead them to critical agency, and to co-create
knowledge, relevant questions, and new solutions. We urgently need inspired
social changes. We need hope for action, in this intricate web of control
mechanisms. We need to effectively communicate with others and to find
allies for similar causes. We look to your writings for insights. We need to see
how these can be applied, adjusted, complemented by other thinkers’, and
even changed in order to address the urgent needs of contemporary societies
for caring, peaceful, just and environmentally respectful communities.

Thank you for your inspiring work.

Christina Marouli

Cafeswith Paulo Freire

Athens, Greece
A FORMAÇÃO DO/A EDUCADOR/A DA EDUCAÇÃO DE PESSOAS
JOVENS E ADULTAS EM QUESTÃO:
Café Curto com Paulo Freire, Alagoas

Valéria Campos Cavalcante, Café com Paulo Freire de Alagoas1

Temática: A Formação do/a Educador/a da Educação de Pessoas Jovens e


Adultas em questão

Convidados: Profa. Dra. Valéria Campos Cavalcante2 (UFAL); Prof. Esp.


Raildo Ferreira (Educação do Campo); Profa. Msc. Marcela Nunes
(Coordenadora do Setor de Educação do MST-AL).

Mediação: Profa. Dra. Marinaide Freitas

Data: 25 de novembro de 2021 – 19h às 21h

Canal: Multieja - https://youtu.be/Trtj0FkCEWA

Número de participantes: 50, aproximadamente

Síntese: Este CaféCurto com Paulo Freire foi preparado a partir do tema do V
Encontro Nacional dos Cafés - A EJA como política pública de Educação
Popular, pauta recorrente em vários Núcleos, haja vista que muitos
participantes são professoras e professores desta modalidade em redes
públicas, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior.
O Café de Alagoas discutiu “A Formação do/a Educador/a da Educação
de Pessoas Jovens e Adultas em Alagoas”, com foco nas (in)visibilidades e
silenciamentos destes sujeitos. Inicialmente, a professora Marinaide agradeceu
a presença dos convidados, saudou o público e explicou o porquê da
denominação Café Curto, que antecedeu ao Café Longo do V Encontro
Nacional, com o tema A EJA como política de Educação Popular.
Na sequência, a profa. Valéria Campos expôs que o sistema
educacional de Alagoas impõe uma política generalista para o público da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) e que as especificidades dos sujeitos são

1
Professora da Universidade Federal de Alagoas, doutora em Educação, na Cedu/UFA.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação, Currículo e Diversidades, vinculada ao grupo
de pesquisas Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos. Membro da Curadoria Café
com Paulo Freire de Alagoas. E-mail: valeria.cavalcante@penedo.ufal.br
ignoradas. Essa política generalista explicita a ausência do Estado diante da
modalidade, que permanece há décadas num patamar de invisibilidade, no
tocante a garantia de direitos, seja de estudantes e ou professores. Sendo
assim, longe de estar servindo à democratização das oportunidades
educacionais, a EJA em Alagoas se conforma como educação compensatória,
como lugar dos que podem menos e também como quem obtêm menos.
Ela também ressaltou que há um total abandono em relação à formação
do continuada do/a professor/a que atua na modalidade e que, nos anos
2020/2021, houve um agravamento da pouca importância que os governantes
alagoanos outorgam à EJA, quando da pandemia da Covid-19.Sem deixar de
destacar, antes, a diminuição progressiva dos orçamentos e da convocação de
professores/as leigo/as contratados/voluntários para atuarem na EJA, ou seja,
em muitos municípios alagoanos qualquer um que saiba ler e escrever pode
“se transformar em professor da modalidade”.
Observa-se o descaso com os profissionais que atuam na Educação de
Jovens e Adultos, que permanece como educação compensatória, sem a visão
de superação da sua condição marginal. O mínimo é oferecido para esses
sujeitos, sem a possibilidade de que saiam da condição de subalternidade.
Em sua fala, o prof. Raildo Ferreira trouxe reflexões sobre a realidade da
EJA do Campo em Alagoas, problematizando o descaso para com as escolas
campesinas. Nesse sentido, afirmou que as ações oferecidas para os jovens,
adultos e idosos do campo configuram-se como pontuais, desprezam-se as
especificidades, expectativas e necessidades do público da EJA do campo.
Constatou-se, portanto, a grande dificuldade de se implementar em
Alagoas políticas específicas para o público da EJA do campo, seguindo na
perspectiva do que afirma Caldart (2012, p. 255):

Assim, as políticas que nortearam a educação de jovens e


adultos no Brasil pouco se preocuparam com os homens e as
mulheres trabalhadoras do campo. Desse modo, não [temos]
um sistema de ensino adequado às especificidades no que diz
respeito aos modos de vida dos adultos trabalhadores do
campo com a qualidade necessária para que tenham
possibilidades de acesso aos conhecimentos mais avançados
e plenos que a humanidade produziu.
No tocante à formação continuada de professores que atuam na
modalidade em questão, ficou explícito que essa formação se encontra numa
espécie de invisibilidade, por parte das instituições. Entendeu-se, ainda, que
investir na formação continuada dos professores da Educação de Adultos
no/do campo é uma das formas de se contribuir minimamente para a
superação das dificuldades vivenciadas pelos educadores em sala de aula.
A profa. Marcela Nunes apresentou de forma reflexiva as experiências
vivenciadas no espaço do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST), ressaltando como são as ações específicas desenvolvidas dentro do
movimento, em espaços campesinos, a partir dos princípios da Educação
Popular. Segundo a professora Marcela, nos espaços do MST há formação
político-pedagógica, numa perspectiva de formação continuada, para os
professores que atuam. Nessas condições, acreditamos quedas ações
emergiram premissas emancipatórias, assentes nos pressupostos da
emancipação freireana, compreendendo que:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é


propiciar as condições em que os educandos em suas relações
uns com os outros e todos com o professor ou a professora
ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se
como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva
porque capaz de amar (FREIRE,2000, p.46).

Essa emancipação só ocorre diante da postura libertadora das ações


pedagógicas do/no MST, que perpassa aspectos como: a confiança nos
humanos, a busca pela superação da contradição oprimido/opressor e as
relações de liberdade e consciência.
A professora Marcela nos mostrou que a partir do contexto vivido com os
professores/as é possível fazer reflexões sobre suas histórias, os
enfrentamentos vivenciados nas salas de aula, necessidades materiais e
conflitos. Dessa forma, configura-se perspectiva da ecologia de saberes como
ponto de partida, numa tentativa de construção de processos mais criativos,
mais democráticos e libertadores, em que:

[...] cada forma de conhecimento reconhece-se num certo tipo


de saber a que contrapõe um certo tipo de ignorância, a qual,
por sua vez, é reconhecida como tal quando em confronto com
esse tipo de saber. Todo saber é saber sobre uma certa
ignorância e, vice-versa, toda a ignorância é ignorância de um
certo saber (SANTOS, 2002, p. 78).

Com base nisso, afirma-se que esta concepção de formação reverte-se


em objetos curriculares que desvelam as consciências ingênuas. Assim, diante
deste contexto entende-se que os/as professores/as vivenciaram diferentes
modos de experimentar/problematizar suas práticas e que, no processo
formativo, esses modos de experimentação/problematização não são
centrados em verdades absolutas, mas em horizontalidades, nas quais os
conhecimentos dos sujeitos são reconhecidos e valorizados, não existindo uma
hierarquização de saberes.

REFERÊNCIAS

CALDART, Roseli Salete; ET AL. Dicionário da Educação do Campo. Rio de


Janeiro: São Paulo, Expresso Popular, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática
educativa.50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma
sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, Número 63,
Outubro 2002, 237-280. Disponível em:
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Sociologia_das_ausencias
_RCCS63.PDF.
A ATUALIDADE DA EDUCAÇÃO POPULAR COMO LEGADO PARA EJA:
contribuições de Paulo Freire e as perspectivas/possibilidades de uma
Educação Popular emancipatória e humanizadora

Jocélia Barbosa Nogueira, Café com Paulo Freire Manaus1

Temática: A atualidade da Educação Popular (EP) como legado para a Educação


de Jovens e Adultos (EJA): Contribuições de Paulo Freire e as
perspectivas/possibilidades de uma educação popular emancipatória e
humanizadora
Convidados: Profa. Dra. Liana Borges (Curadora da Rede Nacional Café com Paulo
Feire), Profa. Dra. Maria Aparecida de Melo (UFRN), Prof. Dr. Augusto Rosa (UPE),
Prof. Dr. José Alcimar de Oliveira (FILOSOFIA-UFAM), Ana Grijó dos Santos
(NEPE/UFAM), Profa. Esp. Francimar S. Júnior (Movimento da Mulheres Negras da
Floresta Dandara), Prof. Especialista Nilton Teixeira (Fórum EJA-CEE), Doutorando
Edilson Albarado (PPGEAD/UFPA), Profa. Dra. Ronney Feitoza
(NEPE/FACED/UFAM)
Mediação: Profa. Dra. Jocélia Barbosa Nogueira (NEPE/FACED/UFAM e Curadora
do Café com Paulo Freire de Manaus (NEPE/FACED/UFAM).
Data: 22 de novembro de 2021 – 18h30min às 22h

Canal: Canal do Youtube TV UFAM


Número de participantes: 100 pessoas

Síntese: No decorrer de nosso Café com Paulo Freire ecoaram várias vozes que
nos afirmam quem é Paulo Freire. A nossa mesa virtual foi composta por
professores militantes na defesa do educador, com destaque para a voz que veio do
Rio Grande do Norte, Maria Aparecida Vieira de Melo, trazendo-nos quem são os
sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), enfatizando os eixos da Educação
Popular (EP) na EJA e o recado de Paulo Freire quanto à autenticidade exigida na
prática de ensinar-aprender, inclusão social e combate às desigualdades sociais.

Na fala da Liana Borges percebemos a esperança, especialmente quando nos


demonstrou amorosidade em nos fazer ver que somos coletivos de direitos, pois, em
sua fala destemida, asseverou que devemos nos manter na resistência para que a
EJA tenha políticas públicas de acordo com as necessidades de jovens e adultos: de
aprender, ler a vida, o mundo, de defender a sua própria existência, de dar

1
Professora do Departamento de Administração e Planejamento da Faculdade de Educação
e do Programa de Pós-Graduação - PROF-FILO - da Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal do Amazonas. E-mail: jocelia.bnogueira@hotmail.com
prioridade aos excluídos e oprimidos.
Dando continuidade ao debate, o professor José Alcimar de Oliveira destacou
que Paulo Freire é um pensador do oprimido como classe. Assim, faz uma reflexão
importante acerca do livro mais difundido de nosso Patrono da Educação Brasileira –
Pedagogia do oprimido2. E, neste ano (2021), de acelerado retrocesso político, o
Brasil que se recusa a entregar o futuro às forças do ódio organizado como forma de
governo, celebra o centenário de nascimento de seu maior educador, Paulo Freire,
nascido em 19 de setembro de 1921.
Quase 40 anos depois de sua vinda a Manaus, há pelo menos cinco anos do
golpe jurídico, parlamentar e empresarial, de 2016, atribuído à Dilma Roussef, fomos
submetidos a mais retrógrada campanha de desqualificação que já se fez a um
pensador brasileiro. Paulo Freire é vítima de um duplo exílio no Brasil: em vida, em
1964; e pós-morte, a partir dos ataques advindos do governo federal. Enquanto seus
leitores, estudiosos e militantes de sua práxis educativa e libertadora sentem-se
intimidados - e muitos nem ousam pronunciar seu nome -, seus opositores andam à
solta, nas instituições de ensino e fora delas, a atacá-lo sem que jamais tenham tido
contato com o seu legado pedagógico.
Vítima do ódio e da ignorância de gente reacionária, Paulo Freire é Brasil da
amorosidade, da alegria e do esperançar; o Brasil de Paulo Freire, o nosso Brasil, é
o país da educação como prática de liberdade. Em Paulo Freire, método não é
procedimento técnico, é, antes, teoria do conhecimento. Paulo Freire não criou um
método, mas uma teoria dialética (porque dialógica) da educação, na qual o
oprimido se reconhece como classe e assume para si, como sujeito social, a tarefa
de construir um mundo sem opressão e feito para todas e todos.
Esteve também em foco, neste Café com Paulo Freire, na voz aguerrida da
professora Francimar Júnior, a discussão em torno da educação popular, afirmando
que ela é um método educacional que valoriza o conhecimento que os/as alunos/as
já possuem, que trazem na bagagem suas realidades culturais, na busca da
possibilidade de construir novos saberes, novos caminhos, novas formas de
fomentar o conhecimento.
A EP nasce do anseio dos movimentos de base de potencializar o
trabalhador/trabalhadora, a partir de suas necessidades, a realizar uma leitura crítica

2
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.
da sociedade, dos espaços políticos, da formação propriamente dita. A EP nos
mostra caminhos diversos, possibilidades da partilha do conhecimento, em ciclo, em
todos os espaços possíveis, onde encontramos nosso povo.
Importantes indagações ecoam:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para


entender o significado terrível de uma sociedade opressora?” “Quem
sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão?” “Quem, mais que
eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?”
Libertação que não chegará pelo acaso, mas pela práxis de sua
busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar
por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será
um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na
violência dos opressores, até mesmo quando está se revista da falsa
generosidade referida (FREIRE, 1987, p. 31).3

Paulo Freire mostra que na educação é necessária como uma prática da


liberdade. Quanto mais se problematizam os educandos como seres no mundo,
mais se sentirão desafiados, desafiadas, e responderão de forma positiva; ao
contrário de uma educação bancária, domesticadora, que apenas ‘deposita’ os
conteúdos nos alunos.
Defensor do saber popular e da conscientização para a participação, Paulo
Freire inspirou (e inspira) muitos movimentos sociais que lutaram (e lutam) em busca
da equidade social. As premissas de Freire motivam até hoje ações da sociedade
civil, dos grupos de base a favor da efetivação da cidadania.
Nesta mesma direção, ouvimos Ronney Feitoza declarar seu lugar de ação e
reflexão como membro bolsista e, depois, como coordenadora NEPE/FACED/UFAM.
Nos trouxe a trajetória histórica dos projetos desenvolvidos desde a década de 1990
e sua dedicação à pesquisa em EP, EJA e movimentos sociais, histórias de luta,
resistências, constituídas de pesquisa e conhecimento para a construção de uma
educação crítica e emancipatória.
A Educação Popular é fonte de energia para formação de jovens e adultos,
possibilitando transformar o chão da escola num grande palco com atores e atrizes,
performando em um ato apenas, mediados pelo diálogo do teatro do
oprimido/oprimida na transformação da realidade. Na linha da EP, a Educação de
Jovens e Adultos é o caminho para um coletivo de passos fortes, críticos e
autênticos. É como abrir os olhos e ver a luz pela primeira vez. Paulo Freire nos

3
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ajuda a enxergar os caminhos possíveis para uma sociedade alfabetizada
politicamente.
Para o professor Nilton Carlos é importante pontuar que a pandemia trouxe
problemas para toda a educação, sobretudo, para as escolas públicas, mais
especificamente aquelas localizadas nas periferias e nas zonas rurais. Porém, ao
focarmos a EJA, a situação se acentua mais, porque, em geral, os alunos das
escolas que atendem a modalidade da EJA são oriundos da população mais pobre e
em situação de vulnerabilidade. Portanto, é preciso de estímulos e políticas públicas
de EJA. Precisamos pensar em um programa, uma política voltada para os
estudantes desta modalidade de ensino, pois a maioria das alunas e alunos não têm
acesso a informática. Muitos, inclusive, têm dificuldade de manusear um aparelho
eletrônico ou responder um e-mail. Um dos maiores problemas com o ensino remoto
é justamente a questão do acesso e uso da internet. Em se tratando da região Norte,
mais especificamente do Amazonas e das Amazônias mais profundas, a falta de
acesso é ainda maior.
O destaque feito pela companheira Ana Grijó, nos faz refletir acerca da
temática em questão e da importância do Café com Paulo Freire. A partir de nossas
experiências com a proposta pedagógica da educação para a emancipação humana,
podemos afirmar o nosso compromisso com um processo educativo que rompe com
a tradição educacional, que apenas oportunizava a uma minoria social, para conferir
à educação um conteúdo diferente, comprometido com uma dimensão ativamente
social e política. Em se tratando da Amazônia, lugar de minha fala, digo que Paulo
Freire não a deixou de pensar, pois defendeu sempre a cultura, o meio ambiente e a
vida dos povos indígenas, dos rios e das florestas. Sua pedagogia foi pensada a
partir da realidade dos educandos, reflexão sobre si mesmo, reflexão sobre o ser
humano e sua relação com o mundo.
As contribuições do doutorando Edilson Albarado trazem sua trajetória na
militância com a EP e com a EJA, por uma educação libertadora e de muita
superação, pois, as canoas, os barcos e os navios que navegam nos Rio Amazonas,
que banha a ilha de Parintins, não cessam suas trajetórias em busca do
conhecimento para esperançar por dias melhores.
A EJA É UM DIREITO: NINGUÉM FECHA O QUE NÃO ABRIU

Deyse Karla de Oliveira Martins, Café com Paulo Freire RN1


Kátia Simone Filardi Melo, Café com Paulo Freire BA2

Temática: A EJA É UM DIREITO: NINGUÉM FECHA O QUE NÃO ABRIU

Convidados: Prof. José Mateus do Nascimento do IFRN, Cátedra Paulo Freire


RN e Coordenador do Projeto Tarrafas e a Professora Kátia Simone Filardi
Melo do Coletivo de Pirajá, membro do Fórum EJA Bahia, mestranda do
MPEJA-UNEB e membro do Café Paulo Freire BA.

Mediação: Deyse Karla de Oliveira Martins

Data: 23 de novembro de 2021 – 19h30min às 21h.

Canal: Plataforma Google Meet3.

Número de participantes: 70

Na roda de conversa participaram militantes, educadores e profissionais


envolvidos na defesa da educação pública e do legado de Paulo Freire. A
professora Edite Maria da Silva de Faria (Curadora do Café com Paulo Freire
BA) acolheu inicialmente os participantes. A professora Deyse Karla de Oliveira
Martins (Curadora do Café com Paulo Freire RN), mediadora da roda, fez a
saudação aos presentes como Café Nordestino e seguiu com a ciranda para
explicar o surgimento e a importância da Rede Nacional Café Paulo Freire,
citou que já são 31 Cafés em todo o Brasil.
A Professora Deyse refletiu acerca do momento difícil que estamos
passando em razão da pandemia do COVID-19 e destacou as milhares de

1
Professora do Departamento de Educação da UERN – Campus de Assu, Pedagoga,
Mestre em Educação, Membro do Projeto de Extensão da UFRN EJA em Movimento,
Curadora do café com Paulo Freire RN – dkomartins@gmail.com
2
Pedagoga, mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Educação de
jovens e Adultos – MPEJA/UNEB, Membro do Fórum EJA/BA, membro do Café com
Paulo Freire BA – katiafilardi@yahoo.com.br
3
NASCIMENTO, José Mateus; MELO, Kátia Simone Filardi; MARTINS, Deyse Karla
de Oliveira. A EJA é um direito: ninguém fecha o que não abriu. Google Meet. 23
nov. 2021. Disponível em: https://youtu.be/M2hrNhjI3dA
vidas ceifadas pelo vírus. Salientou, ainda, que mudanças de comportamento e
convivência foram adotadas como medida de segurança e, neste contexto, os
encontros e estudos online foram se articulando: assim, o Café com Paulo
Freire RN inicia suas rodas de conversas.
A professora Deyse fez apresentação dos convidados e seguiu com a
reflexão da temática A EJA É UM DIREITO: NINGUÉM FECHA O QUE NÃO
ABRIU! Ressalte-se que esta temática emergiu do tema do Café com Paulo
Freire Nacional: A EJA como política pública de Educação Popular, evento que
aconteceu no dia 03 de dezembro de 2021 às 18h30. A ciranda girou e a
professora Edite foi convidada para seguir neste momento histórico dos dois
Cafés, saudando os convidados e provocando a todos e todas que militam na
EJA, na formação de coletivos de resistência. Antes da pandemia/pandemônio
haviam denúncias graves a respeito do fechamento de escolas e turmas de
EJA, a ausência de formação de professores(as) e concursos específicos para
atuação na EJA, como se a EJA fosse espaço do amadorismo. A professora
Edite seguiu denunciando a gravidade em que se encontra a EJA no Brasil e
chama atenção para a importância de quem está na EJA realize suas
atividades como espaço de possibilidades com compromisso, com rebeldia e
com responsabilidade.
Em seguida, o Prof. José Mateus, ao ressaltar a luta pela EJA,
denunciando e anunciando, trouxe uma reflexão acerca do direito do estudante
da EJA ao retorno escolar. Fez uma reflexão da EJA como espaço de inclusão
social e ilustrou com a metáfora da rodovia – que traz a possibilidade de
retorno, de destino – e destacou que muitos dos sujeitos da EJA precisam
interromper os seus itinerários, visto que o sistema capitalista não considera
esse processo e culpabiliza os estudantes pela evasão e desistência. Estes
estudantes compreendem a semântica das palavras e as corrigem, dizendo
que interromperam temporariamente, mas que vão retornar em breve. Muitos
se matriculam no início do ano e, ao longo do processo, interrompem por
questão de sobrevivência. E, como não há aproveitamento do que cursaram,
eles retornam no início do ano seguinte na expectativa de concluírem o ano
letivo.
O professor Mateus ressaltou a importância da restauração deste
itinerário, deste ato ser reatado, humanizado, pois está dentro da dimensão do
“inédito viável”. Afirma que a EJA é a via que possibilita o recomeço,
estabelecendo o diálogo entre a cultura e os conhecimentos sistematizados.
Ele exemplificou com o Projeto TARRAFAS que articula os conhecimentos
sistematizados com base na tradição pesqueira, participação dos estudantes,
as palavras geradoras, a Matemática, a História e a Biologia.
Em seguida, a professora Kátia narra a experiência do Coletivo de Pirajá
2011, em todo contexto de desgastes e interferências dos governos para a
fechamento de escolas. Relatou também sobre o processo de luta do bairro por
direitos essenciais para seus moradores e, por fim, afirmou que a educação
dos sujeitos da EJA é um direito, e que essa luta tem sido um desafio em
tempos tão hostis na política educacional de Salvador. Momento de reflexão!
Assim, a ciranda voltou a girar e a palavra retornou para Deyse que
ressaltou a importância da participação popular na conquista dos direitos. Além
disso, destacou alguns conceitos freirianos como conscientização, busca por
outros caminhos, espírito de luta, resistência, importância do coletivo.
Mais uma vez a ciranda girou para os elogios e os comentários. Os
destaques foram o potencial da EJA, a importância de se lutar pelas escolas de
EJA (espaço formal único que a cada dia está sendo cerceado e fechado) e a
necessidade de se construir resistência, construir pontes... daí a importância de
estarmos no coletivo. A professora Edite lembrou da importância da resistência
e da esperança. Que sejamos capinzinhos teimosos!
ENTRE O MEDO E A OUSADIA VAMOS TECENDO A REDE INTERNACIONAL
CAFÉ COM PAULO FREIRE

Maria Alice Zacharias, Café com Paulo Freire MOVA-São Carlos/SP1


Priscilla Bibiano, Café com Paulo Freire Varginha/MG2

RESUMO: Esse texto conta a história de 8 mulheres, sendo que nem todas se
conhecem pessoalmente, mas se conhecem graças a encontros nos caminhos da vida
freiriana. Cada uma vem de uma parte do Brasil e hoje compõem a Curadoria do Café
com Paulo Freire, cuja tarefa central é tecer a Rede Nacional e Internacional do Café
com Paulo Freire. Os relatos apresentados são sucintos e relevantes, pois trazem
elementos da criação do Café e as motivações pessoais e coletivas que tecem os fios
desta Rede. Conclui-se que as mulheres curadoras atuam na perspectiva de manter
a vivacidade dos princípios, práticas e conceitos de Paulo Freire, no sentido de recriá-
lo. A alegria de observar o Café Com Paulo Freire, alçando voos cada vez mais
distantes, é o que potencializa as ações destas 8 mulheres, na certeza de que os
princípios freireanos podem transformar vidas.

PALAVRAS-CHAVE: Café com Paulo Freire. Cuidar da Rede. Diálogo em Rede.

Os girassóis procuram a luz do sol, mas, em dias nublados, eles se


viram uns para os outros buscando a energia em cada um. Não ficam
murchos e nem de cabeça baixa. Olham uns para os outros, erguidos,
lindos! É a sabedoria da natureza! Se não temos sol todos os dias,
podemos ter uns aos outros... então... sejamos girassóis! (Márcia
Fernandes3)

Na Revista 1, em “Andarilhando com Paulo Freire – Voa, Café!”, contamos


como nasceu o Café com Paulo Freire: timidamente e sem pretensões, numa roda
com companheiras de luta-ética, mediadas pelos livros de Paulo Freire, de
amorosidade e por 12 canecas com café quentinho, pois fazia muuuuito frio em Porto
Alegre. Cinco convidadas para cada uma – Ana Felícia e Liana –, na tarde de 10 de
agosto de 2018, se (re)encontraram (sim, não importando quem convidou, pois

1 Doutora em Educação (UFSCAR, 2022). Atua voluntariamente na Coordenação do Movimento de


Alfabetização de Pessoas Jovens e Adultas (MOVA São Carlos SP.) está na curadoria local do Café
com Paulo Freire MOVA São Carlos SP. e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire. E-
mail: mazacharias@hotmail.com
2 Mestra em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora do livro Educação

popular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com Paulo Freire
Varginha/MG e curadora da Rede Internacional Café com Paulo Freire. E-mail: pbibiano@gmail.com
3Disponível em: https://www.marciafernandes.com.br/site/sejamos-como-os-girassois-o-ano-todo/
algumas já se conheciam). Neste encontro, elegeram 10 “ideias-força” e começaram,
por elas, a dialogar com Paulo Freire: Diálogo, Esperança, Conscientização,
Humildade, Transformação, Ser Mais, Inédito viável, Alegria, Humanização e
Libertação.
Aquele diálogo reverberou (e reverbera) país e mundo afora, e isso nos levou
(éramos 30 Cafés em fevereiro de 2021), em reunião do Fórum de Curadorias Locais,
a decidir pela construção da Rede Nacional Café com Paulo Freire, acompanhada da
estruturação de um Plano de Ação Político e Pedagógico e da construção da
Curadoria Nacional.
A implementação da Rede exige organização, sistematização e articulação
entre os Cafés. Exige que a costura das ideias locais possa garantir a unidade na
multiplicidade, como uma colcha de retalhos...na qual o alinhavo dos retalhos compõe
a grandeza e a beleza da colcha. Para tanto, há necessidade de divisão de tarefas,
de pensar coletivo, de tomada compartilhada de decisões.
Por isso, a Curadoria Nacional passa de 2 para 8 curadoras4: oito mulheres, de
diferentes regiões e localidades, costureiras-tecelãs, dispostas a costurar, fiar, tecer –
juntamente com as curadorias locais – a Rede Internacional Café com Paulo Freire.
Sim, Internacional! Se, uma das bonitezas da Rede Café com Paulo Freire, e um dos
maiores desafios, é tecer esta rede a partir de movimentos que abraçam cada núcleo
com suas especificidades, agora temos, também, o desafio de alinhavar, costurar e
bordar, um processo que passou a ter uma dimensão internacional, desde fevereiro
deste ano de 2022.
Nossas tarefas são muitas, mas são duas as centrais: a interna, ou seja,
garantir que o diálogo entre e com os núcleos de Cafés seja o instrumento de
organização da Rede; e a externa, quando, por exemplo, estabelecemos parcerias
freirianas para a realização de ações formativas.

4Curadoria Nacional: Ana Paula Fraga Bolfe, Café com Paulo Freire Campinas (SP); Bia Soares
Mazuim, Café com Paulo Freire Cachoeira do Sul (RS); Dulce Angela Salviano da Silva, Café com
Paulo Freire RPE (RS); Edite Maria da Silva de Faria, Café com Paulo Freire Bahia (BA); Liana Borges,
Café com Paulo Freire Centro Histórico POA (RS); Maria Alice Zacharias, Café com Paulo Freire
MOVA-São Carlos (SP); Maria Teresinha Verle Kaefer (Tere), Café com Paulo Freire UFSC, e Priscilla
Bibiano de Oliveira Mendonça, Café com Paulo Freire Varginha (MG). Importante: Depois que
escrevemos este depoimento, mais 4 companheirxs chegaram: Bruno Gabriel Gomes, Café com Paulo
Freire IFRS de Alvorada (RS); Dayse Karla Martins, Café com Paulo Freire UFRN (RN); Lucas Avelar,
Café com Paulo Freire Goiânia (GO) e Renato Pontes, Café com Paulo Freire PUCRJ (RJ). Neste meio
tempo, Edite Faria se licenciou.
O objetivo deste depoimento é apresentar, brevemente – mas, nem por isso,
superficialmente, as curadoras nacionais. Sendo assim, passamos a nos apresentar.
Sou Ana Paula, do Café com Paulo Freire de Campinas/SP, curadora desde
2020. Minha relação com a Curadoria tem bem mais que 20 anos, e ela nem existia!
É que essa história, no meu entendimento, começa quando conheci a experiência da
Educação Popular de Freire na Educação Pública em Porto Alegre, naquele momento
pela voz da Liana, memória que ainda me acelera o coração e que me despertou a
curiosidade de conhecer mais e mais a obra de Paulo Freire, e trazê-la para o meu
trabalho e para minha vida.
Embora tenha vivenciado experiências freirianas, em muitos momentos, ao
longo do período profissional – na graduação, no mestrado, na sala de aula, também
em assentamentos rurais e em diferentes locais, nas mais diversas comunidades –,
foi somente em 2020 que o encontro com Liana, que para mim foi um reencontro, (pois
ela não sabia que a conhecia, visto que eu era uma, entre tantas estudantes, que
conhecia a experiência de POA, lá nos anos 1990) que lembrou aquela garota que se
encantou um dia pela proposta de Paulo Freire e que fez com que me questionasse:
cadê aquela paixão? Aquela força? Por que não participar agora de um coletivo que
fale e viva e experiência de Paulo Freire? E rapidamente tudo veio à tona, com a
mesma força da juventude, mas com muito mais intensidade que minha trajetória até
aqui me permitiu somar, na compreensão da educação que humaniza, que trabalha e
problematiza com pessoas, e que por mais difícil que pareça, acredita que outro
mundo é possível... e daí em diante foi um passo para fazer parte desse grupo de oito
mulheres, na Curadoria Nacional, agora Internacional, da Rede Café com Paulo
Freire.
A Curadoria Nacional nos reuniu e nos uniu em torno de uma pauta que fala de
vida, de cuidado, de amorosidade, de resistência e de esperança, e que dentre tantas
outras atividades que temos, nos fez escolher estarmos juntas, na parceria em prol do
coletivo, de pensar a Rede, propor possibilidades de discussão, organização e
sistematização, de aprender.
Como tem sido um aprendizado, que talvez ainda não tenhamos e confesso
que nem sei se um dia teremos como mensurar. No entanto, posso afirmar que a
Curadoria Nacional, e a própria Rede, nesse mundo de incertezas, têm sido aquele
lugar que acolhe, que fala da humanização da educação e que nos ensina e nos
fortalece para pensar, problematizar e transformar o mundo.
Sou a Bia Soares Mazuim, do Café com Paulo Freire de Cachoeira do
Sul/Novo Cabrais (RS), curadora desde 2018, do segundo núcleo formado. Estar na
Curadoria Nacional tem me trazido aprendizagens (muitas!), crescimento enquanto
mulher, cidadã, educadora, graças aos momentos fortes que eu já não imaginava
viver.
Pertinho da aposentadoria (onde eu queria viver outras coisas), a vida me
presenteou vivenciar o movimento da Rede de Cafés, conhecer pessoas
comprometidas com a educação popular e a construção de outro mundo possível,
com a amorosidade e rigor freirianos. É um aprendizado imensurável e encantador.
Estar na Curadoria com essas mulheres, tecendo a Rede com cada Café. Tem dado
trabalho, mas tem sido de uma boniteza sem fim!
Sou a Dulce Angela Salviano da Silva, do Café com Paulo Freire da Rede
Pró-Educar (RPE com sede em Porto Alegre/RS), curadora desde 2020. A RPE é
uma Rede de instituições no Brasil que tem como foco o direito à educação em suas
diversas dimensões, tendo o pensamento de Paulo Freire como nossa inspiração.
Por incrível que pareça, tudo começou em 2006, quando conheci Oscar Jara e
Liana, ainda descrita pelos olhos e pelo coração do Oscar, pois ele sempre me dizia:
“Você precisa conhecer Liana Borges”.
Os anos e décadas se passaram e então chegou o dia que finalmente conhecei
Liana Borges: era novembro de 2019, quando já morava em Porto Alegre, visto que
em junho do mesmo ano mudei para Porto Alegre com o propósito de mobilizar e
organizar a RPE.
Somente um esperançar incrivelmente “freireano”5 para nos oferecer um
encontro inimaginável de tamanha boniteza. Pensem! Lá estávamos nós 3: Liana,
Oscar e eu. O coração que nos conectou. Era uma tarde de sábado, no Campus da
UFRGS em POA. Me percebi andando pela feira que acontecia como uma das
atividades do lançamento da Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do
Legado de Paulo Freire, quando avistei uma barraquinha denominada Café com Paulo
Freire. Confesso que fiquei intrigada com o que seria um Café com Paulo Freire.
O ano de 2020 chegou e com ele a pandemia e o pandemônio. Entramos em
isolamento social e, por incrível que pareça, as conexões virtuais com Oscar e Liana
foram se intensificando, até que em setembro de 2020 inauguramos nosso Café da

5Freiriano/freireano: as duas formas são consideradas corretas e a escolha é de responsabilidade de


cada autor/a.
RPE. E, exatamente como tudo começou, Liana, Oscar, os parceiros da RPE e eu
estávamos lá abrindo o nosso Café.
Participar da Curadoria Nacional tem sido uma incrível viagem, sim, pois de
articuladoras da “Rede” dos Cafés nos tornamos cúmplices, parceiras, confidentes e
posso dizer que companheiras de jornada, pois não só nas pautas e aprendizagens
no cotidiano nas atividades do Café, mas também nas pautas da vida real.
Aqui finalizo com uma palavra: GRATIDÃO a todas! 8 mulheres fortes, sim, de
personalidades fortes, que se recriam nessa jornada chamada vida. Amoooo vocês!
Sou Edite Maria da Silva de Faria, do Café com Paulo Freire Bahia, criado em
2019. Mulher negra, nordestina e professora universitária, nascida em 1972, em
Capanema, distrito do município de Maragojipe, Recôncavo Baiano. Amo girassóis!
Para mim, eles representam movimento, resistência e boniteza! Fazer parte da
Curadoria Nacional provoca reflexões sobre a boniteza e os desafios da articulação
entre o que é único e o que é múltiplo, entre o que é global e o local. A ousadia
coletiva alimenta a minha coragem e o meu esperançar na defesa do legado de Paulo
Freire. “Quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro!” Aprendo
cotidianamente com minhas queridas companheiras, afinal os nossos passos vêm de
longe: somos partícipes da mudança e do movimento em múltiplos espaços e tempos.
O exercício de problematizar o cotidiano e o desafio de reinventá-lo se traduz
num modo peculiar de pensar a minha própria experiência: ser, saber, saber-fazer,
elementos que ao longo de minha história vão se conjugando numa prática de vida,
luta e resistência. Como enfatizou Paulo Freire6 “aos esfarrapados do mundo e aos
que nele se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo,
com eles lutam” (2005, P23).
O território cotidiano vivo e vivido de mulheres e homens dos setores populares
é o espaço no qual venho trilhando meu percurso humano e profissional como
pesquisadora militante da Educação de Jovens e Adultos, Educação Popular e
Educação do Campo. Paulo Freire SIM e SEMPRE!
Somos sujeitos do inacabamento e com ele nos refazemos no movimento da
própria vida. "Sou feito de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela
minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas

6 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. (48ª reimpressão).
me acrescentam e me fazem ser quem eu sou..." - Poema de Cris Pizziment7. A
palavra é gratidão! Ubuntu!
Sou Liana Borges, do Café com Paulo Freire do Centro Histórico de Porto
Alegre/RS – onde tudo começou – 2018. A vida tem sido generosa comigo, mesmo
no contexto da pandemia da Covid-19 e das políticas necrófilas que estão em curso
no Brasil. Tenho pensado, inclusive, que foi esta realidade que impulsionou freirianas
e freirianos espalhados pelo mundo a se (re)encontrarem.
Sabes aquela ideia “estava no lugar certo e na hora certa”? É isso que acontece
com o Café com Paulo Freire. Nos tornamos, entre outras tantas experiências, um
“inédito viável”, um espaço que acolhe pessoas que insistem em sonhar, estudar,
refletir e recriar o pensamento de Paulo Freire como suporte para um novo mundo
possível.
Finalizo meu depoimento com duas histórias. A primeira, sobre o nome; a
segunda, sobre a escolha da palavra-conceito “Curadoria”.
Quanto ao nome de batismo – que passamos, de imediato, a chamar de Café
com Paulo Freire –, a inspiração decorreu de uma experiência que tive, em meados
dos anos 2000, na Palavraria – livraria e editora de Porto Alegre, em um grupo de
estudos que se reunia aos sábados para estudar as obras de Edgar Morin e que se
chamava “Café com Morin”. Contei para Ana Felícia sobre aquela experiência e que
no primeiro encontro a professora nos presenteou com uma caneca que continha o
nome do curso.
Ana Felícia e eu ficamos imaginando Paulo Freire tomando café (tempos
depois me disseram que ele não tomava café!). Ana falou com Aline Daka, ilustradora,
e pediu a ela que fizesse um desenho que contemplasse a nossa imaginação. E assim
surgiu a logomarca que passou a ilustrar todos os núcleos de Café com Paulo Freire.
A segunda, sobre as razões que nos levaram a escolher a palavra-conceito
“Curadoria” para denominar as companheiras(os) que são responsáveis pelos
núcleos. Ela surgiu da necessidade impulsionada por Bia (Cachoeira do Sul), pois o
segundo Café já estava a caminho (logo depois o 3º e 4º, e assim por diante).
Como vamos nominar, amorosa e freirianamente, quem cuida de um Café?
Esta foi a pergunta que fizemos a nós mesmas. Recordo-me que não nos agradava
as palavras coordenadora, mediadora ou facilitadora, pois achávamos incompatíveis

7 Disponível em: https://www.pensador.com/frase/MTk5NTA1Mg/. Acesso em: 11/05/2022.


com Paulo Freire e com nossos propósitos, então Ana Felícia sugeriu “curadoria”. Fui
pesquisar um pouco sobre o termo: Aquele que administra um grupo, com cuidado e
com apreço.
Então, as premissas cuidar com apreço sintetizaram o que pretendíamos. Ou
seja, as curadorias e as(os) curadores dos núcleos seriam entregues às pessoas
capazes de promover o diálogo amoroso e respeitoso entre e com os participantes
dos Cafés, no sentido do bem-cuidar e do bom-apreço (não sei se estas palavras
compostas, com hífen, existem). Cuidar de Paulo Freire e de seu legado, cuidar de
quem está nos Cafés, cuidar de cada uma das companheiras da Curadoria Nacional
e também de todas.
Sou Maria Alice Zacharias, do Café com Paulo Freire do MOVA São
Carlos/SP, curadora desde 2021. Como mulher negra, filha de pais analfabetos, digo
que nasci e fui criada com os pés na roça e com as mãos atreladas a facões em meios
aos canaviais de cana-de-açúcar.
Nesta jornada de vida, fui buscando formas para superar o trabalho árduo do
corte de cana e dos trabalhos braçais, por meio da educação. Nesse sentido, entre
dificuldades e superações, fui traçando minha caminhada na busca pela
transformação educacional não só própria, mas também dos meus pares.
E, ao ir me formando instrumentalmente e atuando na área da Educação de
Pessoas Jovens e Adultas, conheci a companheira de curadoria Edite Maria da Silva
de Faria, no Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (XVI ENEJA Belo
Horizonte - 2019) e, posteriormente, ela me apresentou ao Café Nacional com Paulo
Freire.
Meu coração se encheu de alegria, pois desde que me formei, professora e
educadora popular, vejo que as obras, pensamentos e teorias de Freire nos ajudam a
ir ganhando força e conhecimento, com vista à transformação de um contexto que
produz a exclusão social.
Assim, ao conhecer o Café com Paulo Freire, em 2020, apresentamos à equipe
de educadoras(res) do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA São
Carlos/SP), da qual estou como coordenadora. De lá pra cá só temos que agradecer
por fazer parte dessa Rede Internacional Café com Paulo Freire, repleta de pessoas
dialógicas que pensam um mundo mais justo e permanecem em luta constante pela
dignidade e preservação dos direitos humanos a todes, sustentados pelos aportes
freireanos.
Sinto-me feliz por fazer parte dessa curadoria, pois é um contínuo processo de
aprendizagem com/entre 8 mulheres espetaculares. Sempre aprendo muito com
todas!
Estar na curadoria Nacional da Rede Café com Paulo Freire significa estar em
movimento, no qual a coletividade tem sido uma categoria bastante latente no
experienciar das ações desta Rede. Sou mulher, professora aposentada e uma
andarilha neste mundão, me chamo Maria Teresinha Verle Kaefer.
Iniciei a participação no Café com Paulo Freire quando ainda estava
lecionando no Instituto Federal Farroupilha - IFFar – campus São Borja RS. Com um
grupo de educadores e licenciandos, além de algumas pessoas da comunidade local,
no início de 2019 fomentamos o café com Paulo Freire de São Borja. Neste processo
esperançoso e coletivo, também estou parte da curadoria nacional: espaço em que
todas temos as mesmas responsabilidades. Sem dúvidas, um espaço onde a voz de
cada uma ecoa na mesma intensidade na tomada de decisões, pois vivemos uma
relação horizontal, na qual aprendemos sempre com nossas diferenças, umas com as
outras. Com a mudança de cidade, hoje estou tecendo essa rede de Florianópolis
Santa Catarina.
A Rede de Café com Paulo Freire é vida, alegria, amorosidade e rigorosidade!
É assim que carregamos a colcha para cá, aqui pertinho... longe de
quilometragem, mas pertinho de mineiro, logo ali, como dizemos. A colcha chega a
Minas Gerais, onde um pãozinho de queijo aguarda para fazer a combinação perfeita
com o cafezinho: a mineiridade que compõe o coletivo de curadoras-artesãs. “Aôoo
trem baum”! Receptividade, alegria e desconfiança... como típica mineira que sou, é
como tenho sido enquanto curadora nacional.
Sou Priscilla Bibiano, pedagoga, mãe, amante das infâncias e um poço de
alegria. Criança arteira, ouso também ser artesã junto com as outras curadoras
nacionais, nesta costura da Rede Internacional Café com Paulo Freire.
Com uma caminhada curta, ainda, com Paulo Freire, me coloco aprendiz com
essas mulheres. Com uma caminhada longa de luta com os esfarrapados (educação
em regiões vulneráveis socialmente), me coloco segura o suficiente para sustentar
posições libertárias. Um tanto quanto questionadora, estou sempre trazendo a
centelha da dúvida em nossas reflexões e decisões – coisa de mineira desconfiada,
acredito. Mas sempre empolgada e com os apetrechos de costura na mão, tentando
contribuir de alguma forma.
Sou curadora local do Café com Paulo Freire Varginha/MG, o terceiro núcleo
formado, em agosto de 2018. Minha cidade é conhecida pelo “ET”, mas nosso
destaque é ser um dos principais centros de produção de café de alta qualidade do
Brasil e do mundo. Como não sermos Café com Paulo Freire?
Mineira, menina carregada de afeição pelas memórias do campo, pelo
cheirinho de café saindo do bule no fogão à lenha, das broas de fubá quentinhas, a
manteiga caseira derretendo e pelos encantos do mato – entre eles as colchas de
retalhos que compunham as camas das avós – ouso trazer toda essa poesia matuta
para a radicalidade do legado freiriano, costurando brincadeira de criança com coisa
séria. Entre risos infantis e sustentação teórica, vou compondo novas poesias com
minhas colegas freirianas de Varginha, da curadoria nacional e de cada núcleo de
Café.
Agradecidas pela oportunidade de participarmos da Rede, encerramos nossos
depoimentos.
Conhecidas agora, conhecidas há muito tempo. Encontros novos, muitos
reencontros. Caminhos, trajetórias, veredas. Somos várias: nas idades, nas
regionalidades, nas histórias, nas memórias, nos saberes acadêmicos, nos “saberes
de experiência feito”, no tempo de andarilhagem freiriana. Em meio às nossas
diversidades, um ponto forte em comum: a esperança de um mundo melhor e, mais
do que isso, a luta para vê-lo acontecer.
De algum modo, em algum ponto da vida, essas mulheres, nós mulheres,
submergimos na educação popular freiriana – essa educação libertadora que
possibilita a transformação social. Há, aí, o encontro de cada uma com Paulo Freire,
seu legado. De modo diverso, em algum ponto entre 2018 e 2021, nos encontramos
com o Café com Paulo Freire: pensar para transformar o mundo. Ufa! Que coragem
desse Café. Transformar o mundo não é coisa fácil. Mas, o próprio Paulo Freire nos
disse que mudar é, sim, difícil; mas, é possível. Acontece, com o Café, a convergência:
cada uma por um caminho veio... e, hoje, estamos todas juntas, unidas pela paixão
ao legado freiriano.
Com a paixão (esse sentimento humano, intenso e profundo) vem a coragem.
Entre o medo e a ousadia, nasceu uma parceria militante: e, cá estamos, tecendo a
Rede Internacional Café com Paulo Freire. Os desafios são muitos, mas não tão
grandes quanto nosso sonho coletivo de viver numa sociedade mais justa, igualitária
e humana, num mundo onde “seja menos difícil amar”.
Como a Rede não para de crescer, a colcha também não. Agora é com vocês,
o novelo foi jogado... Com ou sem medo, mas sempre com ousadia, venha tecer
conosco! Voa, Café.

Figura 1: Componentes da Curadoria Nacional

Legenda: Liana, Teresinha, Lucas, Ana Paula, Dulce, Renato,


Bia, Alice, Deyse, Edite, Priscilla e Gabriel
Fonte: Acervo da Curadoria Nacional, 2022
COMO REALIZAR UMA EDUCAÇÃO PARA A PRÁTICA DA LIBERDADE?
Colheita de uma prática pedagógica no MOVA São Carlos

Débora Camargo, Café com Paulo Freire MOVA-São Carlos/SP1


Sandra Martello, Café com Paulo Freire MOVA-São Carlos/SP2

RESUMO: Relatamos, suscintamente, o desenvolvimento de uma prática


pedagógica do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos realizada pelo
– MOVA-São Carlos-(SP), por meio de uma atividade intitulada “Projeto
Cartas”, idealizada em 2019, e aplicada, posteriormente, como prática
permanente em outros núcleos de alfabetização do Movimento. Trata-se de um
movimento que objetivou garantir o lugar de fala de educandas e educandos
em processo de alfabetização e pós alfabetização. Este relato brindará a(ao)
amigo leitor(a) com uma Carta Pedagógica pensada, redigida e elaborada por
uma educanda do núcleo sede do MOVA-São Carlos, materializando as teorias
apreendidas com os diálogos em torno da obra Educação como prática de
liberdade (FREIRE, 1967).

PALAVRAS-CHAVE: MOVA-São Carlos. Educação. Projeto Cartas.

Como realizar a educação como prática da liberdade? Colheita de uma


prática pedagógica no MOVA- São Carlos
É certo, amiga(o) leitor(a), que não existe uma receita pronta que
responda a provocação proposta no título deste trabalho, uma vez que cada
espaço de ensino x aprendizagem é único, e carrega as subjetividades,
pluralidades, riquezas e desafios inerentes à realidade de cada educanda,
educando, bem como de suas(seus) educadoras(res)populares. Porém,
amparados(as) nas leituras dialógicas da obra Educação como prática da
liberdade (FREIRE, 1967), podemos afirmar que os espaços de aprendizagens,
enquanto locais de exercício pleno da cidadania, tornam-se o solo fértil para
que toda educadora e educador popular possa assegurar aprendizagens
instrumentais às(aos) estudantes, a partir de uma prática de liberdade que

1
Débora Camargo é educadora popular no MOVA-São Carlos desde 2018. Atualmente, é
graduanda em letras pela UFSCar e participante do Café com Paulo Freire MOVA São
Carlos.:debora.mova@gmail.com.

2
Sandra Martello é educanda do MOVA-São Carlos, escritora de cartas do esperançar,
cabeleireira/manicure por formação e participante do Café com Paulo Freire MOVA São Carlos.
E-mails das autoras: martello.sandramk@gmail.com.
extrapole os limites da sala de aula e que os(as) possibilite alçar voos, isto é,
novos rumos em prol dos outros sonhos e objetivos como cidadãos(ãs).

A prática pedagógica: Cartas Pedagógicas como resultado das formações


dialógicas com a obra “Educação como prática da liberdade”

Em 2018, o MOVA-São Carlos se propôs a formar educadores e


educadores populares de sua equipe pedagógica, visando a materialização das
teorias e reflexões compartilhadas entre os educadores em práticas educativas
de êxito. Optou-se na ocasião por dar início a um projeto (de formação
permanente) de Tertúlias Dialógicas3, onde educadores e educadoras
populares pudessem fortalecer sua formação instrumental na busca por
práticas pedagógicas amparadas na dialogicidade, no amor, e, sobretudo, na
esperança e na prática da liberdade, tal como ensina o mestre Paulo Freire em
sua extensa produção intelectual. Desde então, foram diversas as leituras
realizadas pela equipe, tais como Pedagogia do oprimido (2011), Pedagogia da
esperança (2011), À sombra desta mangueira (2013), Cartas à Cristina (2003)
e Educação como prática da liberdade (1967).
No ano de 2019, buscando materializar os resultados do plantio
intelectual de 2018, o MOVA-São Carlos realizou a 1ª Semana da
Alfabetização do MOVA, evento amparado nas leituras de Educação como
prática da liberdade (FREIRE, 1967).
Na ocasião, o evento contou com dois momentos: no 1º momento,
realizado no período de 6 meses, de março a setembro, educandas e
educandos de 24 núcleos de alfabetização (300 homens e mulheres, entre
jovens e adultos) foram incentivados por suas educadoras e educadores a
trocarem cartas entre os núcleos de alfabetização. Participaram desta atividade
educandas e educandas de todos os níveis de aprendizagem – desde a
alfabetização até a pós alfabetização. Foi um período de muita troca cultural,
bem como de saberes instrumentais e “saberes de experiência feitos” (conceito
elaborado por Freire para referir-se aos conhecimentos do povo).
No segundo momento, realizado em outubro daquele mesmo ano,
educandas e educandos reuniram-se no espaço do Serviço Social do Comércio

3 Ver: https://www.niase.ufscar.br/equipe/tertulias-dialogicas
(SESC – São Carlos) e puderam conhecer os companheiros e companheiras
de correspondência. Alguns desses homens e mulheres entravam pela primeira
no SESC, bem como em um Anfiteatro, para assistirem na “tela grande do
cinema”, o filme Central do Brasil4 (1998) que, entre outras temáticas,
apresenta um recorte da vida de homens e mulheres, jovens e adultos, que
driblam o pouco conhecimento na escrita, levando suas demandas pessoais a
uma professora que cobra para escrever cartas na Estação Central do Brasil,
localizada no Rio de Janeiro.
A adesão de educandas e educandas na elaboração das cartas, bem
como na participação integral no evento da Semana da Alfabetização,
consagrou ambas as práticas pedagógicas no interior do MOVA São Carlos:
tanto as práticas com as Tertúlias Dialógicas, realizadas entre educadoras e
educadores com as leituras de Freire, quanto a prática de mobilizar o Projeto
Cartas Pedagógicas, anualmente, visando a alfabetização e letramento de
educandas e educandos.

Carta a(ao) amiga(o) leitor(a)! - Colheita de uma prática pedagógica no


MOVA- São Carlos
Desde a implantação do Projeto Cartas Pedagógicas nas práticas do
MOVA, ano a ano o Movimento se mobiliza para inovar as ações formativas
nas etapas educativas. Em 2020, durante o enfrentamento da pandemia da
Covid-19, a educanda Sandra Martello, que motivou a escrita deste trabalho, e
que também o compõe, dedicou-se a escrever cartas de esperança e
encorajamento. O objetivo consistia em entregá-las, solidariamente, ao
maior número de pessoas que as aceitassem. Essas andarilhagens e esse
esperançar perdurou durante o ano de 2021, momento em que a educanda
buscou o núcleo sede de alfabetização do MOVA-São Carlos (sob
responsabilidade da educadora popular Débora Camargo) no intuito de
“melhorar a sua escrita” e, ojalá, tornar-se uma escritora por formação de
cartas do esperançar”.
Perseguindo o propósito lançado pela educanda Sandra, atualmente, em
2022, o núcleo sede trabalha com o Projeto de Cartas Literárias x Cartas

4 Acesso disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5a5xrT89uwM


Pedagógicas, onde educandas e educandos são incentivados(as) a
pesquisarem sobre vida e obra de Paulo Freire e, concomitantemente,
pesquisarem cartas literárias escritas ao longo dos séculos. O filtro na pesquisa
das cartas literárias baseia-se na defesa dos princípios dos direitos humanos,
incluso o direito à cultura e à educação como práticas de liberdade.
Nesta perspectiva, para dar continuidade ao relato, traremos a voz da
educanda Sandra Martello, que rascunhou, escreveu, revisou, reescreveu e
entregou a carta ao leitor (sob supervisão pedagógica) que vem à sequência.
Antecipamos que é uma colheita da educação. Uma Carta Pedagógica
fruto do esperançar de uma mulher que se coloca no mundo, que instiga outras
pessoas a escreverem suas histórias, a dizerem as suas palavras, a criarem e
cocriarem, por meio da educação, a prática da liberdade. Também salientamos
que a carta é de cunho autoral, sendo o produto final fruto das aprendizagens
da educanda – mediadas pela educadora responsável.
Uma excelente leitura e até uma próxima edição, com muito Café e
Esperançar!

Carta a(ao) amiga(o) leitor(a)!

São Carlos, 23 de março de 2022.

Espero que esta carta ao chegar até você o(a) encontre bem.
Como você ainda não me conhece, vou me apresentar. Meu nome é
Sandra Martello. Eu sou educanda do MOVA – São Carlos (SP), escritora de
cartas de esperança, nas horas vagas, cabeleireira e manicure por formação.
Talvez você esteja se perguntando porque estou escrevendo essa carta.
Atualmente, vivemos em tempos difíceis da história da humanidade, a exemplo
da pandemia da Covid-19, que afetou todo o mundo, da guerra na Ucrânia
(Europa), da depressão, entre outras mazelas. Em 2020, ano de início da
Covid-19, tomei a iniciativa de começar a escrever cartas encorajadoras. A
minha intenção inicial era levar uma palavra de amor e esperança às pessoas
ao meu redor, impactadas pela pandemia, fosse com a falta de esperança em
dias melhores, fosse com a perda de amigos e entes queridos. Mas esse hábito
me levou a querer aperfeiçoar cada vez mais a minha escrita, pois passei a
observar que quanto melhor uma pessoa escreve, melhor consegue transmitir
uma mensagem de esperança ao próximo. Nesse período, senti um súbito
desejo de voltar à escola para aperfeiçoar a minha leitura de mundo e da
palavra e, assim, conseguir alcançar cada vez mais pessoas por meio das
minhas cartas.
No final de 2021, busquei escolas e fiquei sabendo das atividades do
MOVA–São Carlos, momento em que retomei os estudos. No MOVA-São
Carlos, entrei em contato com a obra Pedagogia da Esperança de Paulo Freire
(2011). Você já leu sobre Paulo Freire? Ele foi um educador brasileiro que
nasceu em Pernambuco, Recife (1921 – 1997). Ele também foi o responsável
por uma proposta inovadora de alfabetização de jovens e adultos,
alfabetizando 300 pessoas (Angicos – Rio Grande do Norte, na década de
1960) em 40 horas. Sua proposta dialógica foi implementada em vários países.
Freire reconhecia o próximo como sujeito e não como objeto, e defendia que
sem diálogo não há amor pelas pessoas. Também defendia que não é preciso
abrir mão da rigorosidade para ter amorosidade. Aprendo com Paulo Freire que
“a liberdade é a consciência da situação real vivida pelo educando” (FREIRE,
2011 Apud ROSSETO, 2015, p. 78). Ele enfatiza que “os que se lançam na
marcha da liberdade não se acomodam, não se ajustam à sociedade, mas a
transformam e nessa transformação educam-se e, dessa maneira, emancipam-
se” (FREIRE, 2011 Apud ROSSETO, 2015, p. 78).
Apropriando-me das leituras de Freire, percebo que o ato de escrever
me oferece liberdade de estar e existir no mundo. Quando escrevo para
transformar a realidade de outras pessoas, transformo a mim mesmo, revisito a
minha humanidade, exercito a minha própria esperança por dias melhores.
Referente ao aspecto da aprendizagem instrumental, essencial à
ampliação do exercício da plena cidadania, no MOVA-São Carlos aprendemos
que, a solidariedade, o diálogo e o amor ao próximo são elementos essenciais
ao conhecimento, porém, devem caminhar juntos com a aprendizagem
instrumental. Por isso, busco nas aulas práticas do MOVA melhorar a minha
escrita, ampliar o meu vocabulário, trabalhar os textos e contextos da minha
produção textual, pois aprendi que é por meio da aquisição instrumental que
conseguimos acessar outros espaços culturais e de aprendizagem, como por
exemplo: um concurso, um curso técnico, a universidade, entre outras
possibilidades que oportunizam a prática de uma liberdade emancipatória.
Nas aulas do MOVA, notei que alguns escritores, preocupados em
passar palavras de conforto ou reflexivas, escreveram várias cartas no decorrer
dos séculos. Um exemplo que gosto muito foi uma das correspondências da
atriz Fernanda Montenegro5 (1964) à escritora Clarice Lispector, questionando
os retrocessos da sociedade brasileira com a instauração dos anos de chumbo
no país (1964 a 1985). Curiosamente, Paulo Freire, pressionado pela censura
governamental, retirava-se do país após proclamar o amor à democracia e à
igualdade no acesso a uma educação de qualidade social, voltada para
pessoas adultas.
Outra carta que chamou minha atenção foi a que Graciliano Ramos
enviou ao artista Candido Portinari6, em um momento de crise existencial.
“Será que seríamos bons artistas sem as misérias do mundo? Seríamos tão
bons no que fazemos se o mundo fosse de felicidade?”, questionava o escritor.
Eu gostaria de ter feito parte desse círculo de gente que escrevia para se
libertar; e de ter me correspondido com eles para responder a essas
necessárias inquietações e indagações.
Agora, amiga(o) leitor(a), questiono-me: quantas cartas mais podem
salvar-nos e causar reboliços em nossas vidas?
Aqui, no meu tempo, sigo escrevendo as minhas cartas de esperança,
lendo outras cartas de esperança, escrevendo a minha história, educando-me
para a prática da liberdade.
E você amiga(o) leitora(o), também acredita no poder da escrita de
cartas para a prática da liberdade? Eu espero ouvir de você.
Escreva-me: martello.sandramk@gmail.com.

Com carinho e, sobretudo, esperança,


Sandra Martello (educanda MOVA-São Carlos).

5
Acesso em:https://www.revistaprosaversoearte.com/carta-da-atriz-fernanda-montenegro-a-
escritora-clarice-lispector/)
6Acesso em: 29/03/2022. Disponível em:

https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2017/05/graciliano-ramos-questiona-portinari-
sobre-o-sentido-da-arte.html
REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


2013.

_____. Cartas à Cristina: Reflexões sobre minha vida e minha práxis. São
Paulo: Editora UNESP, 2003.

_____. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1967.

_____. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do


oprimido. 7ª. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

_____ Pedagogia do Oprimido. 50ª Ed. rev. e atual. –Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011.

NIASE. Tertúlias Dialógicas. Disponível em:


https://www.niase.ufscar.br/equipe/tertulias-dialogicas. Acesso em: 29 mar.
2022.

SALES, Walter. Central do Brasil. Youtube. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=5a5xrT89uwM. Acesso em: 29 mar. 2022.

ROSSETO, Tânia Regina... COMO PRINCÍPIO A LIBERDADE:


APONTAMENTOS E CONTROVÉRSIAS NA CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA DE
PAULO FREIRE. Anais. XVI Semana da Educação – VI Simpósio de
Pesquisa e Pós-graduação em Educação. ISBN 978-85-7846-319-9. -,2015,
p. 72-841PDF. Disponível em:

file:///C:/Users/debin/Downloads/COMO%20PRINCIPIO%20A%20LIBERDADE
%20APONTAMENTOS%20E%20CONTROVERSIAS-1.pdf. Acesso em: 29.
mar. 2022.
MEDO E OUSADIA: DESAFIOS PARA UMA PEDAGOGIA LIBERTADORA

Maria das Graças Auxiliadora F. Barboza, Café com Paulo Freire Bahia1

RESUMO: Esta Carta Pedagógica trata da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire


e como seu legado me toca profundamente, em especial Medo e Ousadia, tanto
como pessoa como no exercício de ser-professora.

Palavras-chave: Medo e Ousadia. Docência. Diálogo.

Estimados Paulo e Ira


Após a leitura da conversa entre vocês fiquei tocada e motivada a escrever-
lhes, pois não cabe uma leitura única quando nos aproximamos de territórios
diversos. Diversidade que produz uma rica e tensa polifonia de saberes, dizeres e
valores.
Porque “um mais um é sempre mais que dois,”2 aqui estamos para
compartilhar dos diálogos sobre a obra Medo e Ousadia que tanto nos “toca” e nos
provoca reflexões entre o tempo em que a obra foi lançada (1985), e como vocês a
interpretariam hoje, ante este cenário de pandemia e o momento político que
coloca em xeque nosso processo educativo.
Você, Paulo, que sempre problematizou através da educação libertadora o
que diria para nós educadores desafiados da noite para o dia a migrar do ensino
presencial para o remoto com uso das ferramentas tecnológicas? Como superar o
medo e ousar encarar esse “novo” normal?
Nesse cenário, os docentes estão sendo convocados a reinventar uma nova
coreografia de ensino, uma outra dança didática entre o ensinar e o aprender
(BARBOZA, 2015), explorando diversas geografias, geopolíticas e cartografias,
potencialidades inovadoras nos territórios da docência.

1 Pedagoga (UCB), Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa, profa.


universitária aposentada, autora do Livro: A aula Universitária: Coreografias de Ensino (2015) e
coordenadora da obra: Territórios da Docência no Ensino Superior com Inês Teixeira e Socorro
Costa (2017). E-mail: dora.fidelis@yahoo.com.br
2 Verso da canção “O sal da terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.
Posso antecipar que ficarias orgulhoso de perceber como os seus
ensinamentos têm ajudado a nós, educadores, a enfrentar os desafios, as tensões,
os medos, ousando seguir sua filosofia de manter viva a esperança.
Quanto ao medo, arriscaria dizer, Paulo, que Drummond de Andrade, nos idos de
1940, escreveu o poema “Congresso Internacional do Medo” expressava uma
reflexão crítica acerca da falta de esperança que invadia os indivíduos naquela
época e que prossegue atualmente.

[...] Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo


dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não
cantaremos o ódio porque esse não existe, existe apenas o medo, nosso
pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos
desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o
medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de
medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas medrosas (2004,
p. 16).

Partindo dessa premissa, defendo que a “educação é um ofício de muitos


dedicados ao cuidado, a reinvenção da vida” (BARBOZA; TEIXEIRA; COSTA,
2017). É um convite à superação do medo que aporta em diferentes gerações na
escola, e que somente através do diálogo o superamos, quando ensinamos e
aprendemos.
Aprendi com seus ensinamentos que educação dialógica se faz no coletivo.
É partilha do sensível, é pelejar por uma vida melhor e mais bela, para as
coletividades humanas tal qual proposto no diálogo entre você e Ira que juntos
refletem, reinventam olhares sobre o mundo. Nesse sentido, a pedagogia
libertadora resulta em invenções coletivas, sem descuidar das ideias principais, da
amorosidade, dos dizeres, dos fazeres, de experiências e vivências particulares de
cada sujeito sociocultural. O diálogo libertador inspira e transpira nesta obra. É seu
ar e seu lugar na expressão de Barboza e Teixeira (2017).
Vocês propõem muitas questões sem preocupação com que respostas
serão dadas ou até mesmo deixando-as em aberto para que cada um possa
responder a partir do lugar que ocupa na sociedade, de sua visão de mundo. De
que medo e ousadia vocês falam? Por que e para quem falam da pedagogia
libertadora e dialógica?
No decorrer da conversa é possível perceber que a pedagogia dialógica faz
nascer de novo a esperança de dias melhores e de uma humanidade mais justa e
feliz. Ela renasce nas telas da docência. Pensamos que nossos encontros com a
educação libertadora, com o ensino e com a aprendizagem são uma maneira de
desfrutar a vida de educadores e educandos. Um esforço vindo de estudos, de
conversas, de reflexões, de criações, de projetos. De compromisso, de humildade,
sobretudo de amorosidade, como deixam implícito.
Com suas diferentes nacionalidades, proximidade e distâncias, concepções
de mundo, apontam os inacabamentos, mas também os limites e as possibilidades
de viver a liberdade através do diálogo entre indagações e esperanças. Aqui e
acolá, com seus pontos de vista diversos, vocês vão tecendo uma narrativa que
torna mais fácil e mais leve pensar e realizar o método dialógico. Mas como você
Paulo adverte: É preciso entender o diálogo não apenas como uma técnica para
obter melhores resultados. Tampouco como uma tática para fazer dos alunos
nossos amigos. Isso faria do diálogo uma técnica para manipulação em vez de
iluminação.
Vocês apresentam a educação dialógica como possibilidade de ruptura com
a educação bancária presente nos dispositivos das culturas historicamente
excluídas que necessitam serem resgatadas, reinventadas e constituídas a partir
da necessidade humana de significar o mundo em diferentes linguagens e porque
não dizer, com outro olhar.
Nessa busca, além do despertar da “consciência ingênua” para a
“consciência crítica”, propõem pensar o professor como artista, valorizando a
estética da educação, uma vez que nela estão presentes processos de mediação
associados às experiências, às sensações e às representações da vida cotidiana
em suas nuances híbridas de realidade.
Pergunto: Que lugar a arte, o humor, a alegria ocupam na escola, na sala de
aula? Seria este cenário de pandemia a oportunidade de os educadores mostrarem
a sua capacidade artística e criadora na medida que precisam prender a atenção
dos estudantes com novas coreografias de ensino?
Concordo que a ruptura criativa com a educação passiva é um momento tão
estético quanto político, porque exige que os alunos “re-percebam” sua
compreensão anterior e que, junto com o professor, pratiquem novas percepções
como aprendizes criativos. Talvez nós possamos considerar educadores como
dramaturgos, quando reescrevem os roteiros dramáticos da sala de aula, e
reinventam roteiros libertadores. Aprecio quando você Paulo adverte que: “A
educação é por natureza um exercício estético. Não entender esse processo nós
professores nos tornamos maus artistas” (FREIRE; SHÖR, 1985, p. 145).
Não é demais insistir que o fio condutor da conversa entre vocês é a própria
problemática da educação libertadora e dialógica, entrelaçando e impregnando
com a diversidade cultural, percebida através da pluralidade de costumes, atitudes,
concepções, práticas pedagógicas, entre um e o múltiplo, o singular e o plural, na
busca de se interpretar as diferenças culturais entre os grupos sociais tão
presentes nesta obra.
Como vocês afirmam, o educador que decide trabalhar com a pedagogia
dialógica deve ter claro os objetivos que almejam atingir e a forma como vai
conduzir a discussão, se separa aspectos meramente superficiais que denotam
uma visão ingênua do mundo ou priorizam uma reflexão mais crítica da sociedade.
Pergunto, a favor de quem ou contra quem os educadores usam sua nova
liberdade na condução do ensino e da aprendizagem? Como é que isso se
relaciona com os outros esforços para transformar a sociedade?
Tratando-se de um encontro entre dois educadores de diferentes nações
(Estados Unidos e Brasil), a conversa entre vocês também sinaliza que a
pedagogia dialógica e libertadora, pois não se restringe a um único espaço físico.
Ao contrário, deve se esparramar em diferentes lugares e territórios, por situações
e contextos sócio-históricos diversos. Nela inventam-se e reinventam os traçados e
trançados dos conhecimentos, das dinâmicas e processos simbólicos de leitura e
interpretação do mundo, da natureza, da sociedade e da história (BARBOZA;
TEIXEIRA; COSTA, 2017).
Um conhecimento e uma docência que, sendo críticos da razão instrumental,
exercitam a razão crítica da própria razão: uma razão emancipatória, comprometida
com uma escola democrática, que elabora, inventa e reinventa – o conhecimento
prudente para uma vida decente - nos termos de Boaventura de Sousa Santos, e
uma docência dialógica, fecunda e feliz que contribua com conhecimentos e
discernimento a serviço da construção de um mundo possível. Isso é urgente e
necessário.
Sem pretensão de finalizar, mas abrir para novos horizontes, reitero que a
pedagogia do diálogo nos “toca”, nos provoca e nos convoca a escutarmos outras
vozes, outras epistemes, outras possibilidades de pensar, de ver e transver o
mundo na expressão de Manuel de Barros. Assim, fiel a sua filosofia Paulo de
ESPERANÇAR envio
Um abraço amoroso de Auxiliadora

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos D. Sentimento do mundo. 4ª. Ed. São Paulo: Record, 2004.
Acesso em: 19 abr. 2021.
BARBOZA, M. G. A. F. A Aula Universitária: Coreografias de Ensino. Curitiba:
CRV, 2015.
BARBOZA, M. G. A. F.; TEIXEIRA, I. A. C.; COSTA, Maria do P.S do L. (Org.)
Territórios da Docência no Ensino Superior. Curitiba: CRV, 2017.
FREIRE, P.; SHÖR, I. Medo e Ousadia. Tradução Adriana Lopes. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Conhecimento Prudente para uma vida
Decente: Um discurso sobre as ciências. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2006.
TEIXEIRA, I.A.C. et al. Telas da Docência: Professores, professoras e cinema. 1ª.
ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017
NINGUÉM SABE TUDO, NINGUÉM SABE NADA

ELZA FALKEMBACH POR ELA MESMA:


Da educação política na família à educação dos Movimentos Sociais de Base e
à sistematização dessas experiências

Dulce Angela Salviano da Silva, Café com Paulo


Freire RPE
Maria Teresinha Kaefer, Café com Paulo Freire UFSC
Rosalva Soares Mazuim (Bia), Café com Paulo Freire Cachoeira do Sul e Novo
Cabrais1

RESUMO: Esta é uma entrevista-diálogo com Elza Falkembach (77 anos). Uma
mineira nascida na cidade de Três Corações, mãe, mulher, avó, pesquisadora e
militante, curadora do Café com Paulo Freire de Garopaba, que nesta entrevista-
diálogo compartilhou sua história de vida, com destaque para as duras
experiências da ditadura militar (1964/1985) e suas vivências no campo da
Educação Popular.
PALAVRAS-CHAVE: Elza Falkembach. Movimento Social de Base.
Sistematização em Educação Popular.

Nesta edição, o Conselho Político e Pedagógico da Revista, que é


formado pela representação de todos os Núcleos de Café Local (hoje, somam

1Dulce Angela Salviano da Silva, Café com Paulo Freire da RPE, mestre em Avaliação de
política social pela UFF, pedagoga e psicopedagoga pela UNESA e professora pelo IERJ. Possui
mais de 30 anos de experiência em gestão pública e privada em projetos de educação nacionais
e internacionais. Curadoria do Café Rede Pró-Educar- RS e integrante da Curadoria da Rede
Internacional Café com Paulo Freire. E-mail: dulceangela16@outlook.com.
Maria Teresinha Verle Kaefer, Café com Paulo Freire UFSC, mestre e Especialista em
Educação. Professora Aposentada da Rede Pública. Integrante da Curadoria da Rede
Internacional Café com Paulo Freire. Educadora Popular. E-mail: mtksbg@gmail.com
Rosalva Soares Mazuim (Bia), Café com Paulo Freire Cachoeira do Sul e Novo Cabrais,
pedagoga e orientadora educacional pela UNIVALE, psicopedagoga pela UCB. Professora
aposentada da Rede Pública Estadual do RS. Curadora do Café com Paulo Freire Cachoeira do
Sul/Novo Cabrais e integrante da Curadoria da Rede Internacional Café com Paulo Freire.E-
mail:biasoaresmazuim@gmail.com
35), escolheu para a entrevista-diálogo Elza Falkembach, pela relevância e a
singularidade da sua biografia como mulher, mãe de Maria e Tiago, esposa do
Jorge, avó de Joana, Joaquim, Gonçalo e Marco Antônio, sogra de Leandro
Maia, e também como militante dos Movimentos Sociais de Base no Brasil. Uma
boniteza sem fim compartilhada na Revista 3 Café com Paulo Freire.
No dia 12 de abril de 2022, nos reunimos virtualmente com Elza
Falkembach (77 anos), uma mineira nascida na cidade de Três Corações.
Realizamos uma entrevista-diálogo com duas horas de duração, um convite que
carinhosamente ela atendeu com sua luz e carisma. Ou seja: Elza Falkembach
por ela mesma.
A elaboração deste registro tomou um rumo diferente daquele que
adotamos nas Revistas 1 e 2, pois deliberamos pela transcrição quase literal do
diálogo com Elza, e não pela produção de um texto que contaria o encontro com
“Elza Maria Fonseca Falkembach”, como se apresentou.
Mais conhecida como Elza Falkembach, Elza atuou junto aos Movimentos
Sociais de Base desde Minas Gerais, passando entre os anos do seu nascimento
até os dias atuais, pelas Universidade Federal de Viçosa (UFV); pelo Rio de
Janeiro, em Seropédica, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ); Rio Grande do Sul, na Universidade Federal (UFRGS), passando por
Porto Alegre e chegando a Ijuí, na Universidade do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ).
Elza compartilhou histórias e memórias do período duro de 1964 até os
dias atuais ao falar de sua militância. Enfim, esta entrevista-diálogo nos
proporcionou (e proporciona) uma viagem nas suas histórias e memórias.
Quem é Elza?
Elza, em tom amoroso, disse-nos: “Elza é
também Maria Fonseca Falkembach. Para as pessoas
que me conhecem há muito tempo, e meus familiares,
eu sou Zaia – o final de Elza e o final de Maria. É o meu
apelido de criança que perpassou Universidade, início
de trabalho, etc. Depois que eu comecei a escrever
alguma coisa é que meu nome virou Elza Falkembach”.
Eu tive uma infância muito feliz porque eu nasci e
já me esperavam três irmãs e um irmão. A minha casa em Minas Gerais (a gente
alternava: fazenda e cidade), era uma casa sempre cheia: cheia de gente, de
visitas, visitas até temporárias, não só passageiras. Meu pai e minha mãe eram
muito relacionados com a comunidade rural do nosso município e com a cidade
também.
Papai era uma pessoa que tinha uma ética de atuação que chamava
atenção, ele chegou a ter postos políticos no município. Mamãe também fazia
um trabalho político interessante, mesmo dentro de casa (pois nunca trabalhou
fora de casa) ela tinha um espectro de relações muito grandes que nos ensinou
muito. Essa história assim, de que na vida a gente vai se construindo com os
outros, e a vida se apresenta de um jeito, mas a gente pode mudá-la.
Desde que eu comecei a estudar no ginásio, eu passei a ter um trabalho
de base também. Nós tínhamos aqueles grupos de JEC2, atuávamos nos
Grêmios Estudantis e fazíamos também um trabalho de base nos bairros, na
periferia das nossas cidades.
Foi interessante o início desse trabalho. Conversando com um grupo de
mulheres que não tinham emprego, mulheres pobres realmente, nós
construímos com elas uma fábrica de vassouras. Então era um grupo muito
interessante, muito atuante no colégio, fora do colégio e muito festeiro. A gente
fazia piquenique e reunião dançante. A gente era alegre, curtia a vida!
Isso marcou muito a minha vida: a relação familiar que era gostosa, que
era cheia de gente, as casas dos meus avós também eram cheias de amigos e
parentes, os cafezinhos sempre na mesa, as rodas de conversa e a minha

2
JEC- Juventude Estudantil Católica.
militância no colégio. Depois, no Ensino Médio, continuamos aprofundando essa
militância até ir para a Universidade.
Em minha ida para a Universidade tive uma conversa muito forte com
meus pais, porque eu queria fazer Sociologia e na minha cidade não tinha
Universidade, visto que morávamos em Três Corações, Minas Gerais. Minhas
alternativas seriam o Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. para morar com parentes
- porque eu tinha 18 anos, mas eu era uma garota, muito menina realmente - e
eu falei: não vou morar com parentes. Meu irmão já fazia Agronomia na UFV.
Ele falou: – Vem fazer Ciências Domésticas aqui, a Universidade é muito
gostosa, você vai ter um amplo espectro de atuação com esse curso, vai
trabalhar com gente, como você quer. E eu fui fazer Ciências Domésticas, em
Viçosa. Já pensando em trabalhar com mulheres de agricultores (porque antes
não eram mulheres agricultoras, eram mulheres DE agricultores, aquelas
mulheres que, diziam, ajudavam o marido e não mulheres que trabalhavam
com o marido).
Esse período foi muito forte, foi em 1963. Logo em seguida veio 1964, o
golpe, e a gente dentro da Universidade. Era a UFRRJ, a gente morava no
campus, era fácil para a repressão atuar naquele espaço. Na época, eu era
secretária do meu Centro Acadêmico e, logo em seguida, fui para a presidência
do Centro Acadêmico. Meu irmão também era atuante no Movimento Estudantil.
Existia um Movimento de JUC3 muito forte por lá, a AP4, PCdoB5 e grupos
outros de Luta Armada, dessas coisas que foram sendo criadas no âmbito da
esquerda.
O nosso trabalho no Centro Acadêmico visava pensar a aliança estudantil,
operária e camponesa, e nós trabalhávamos mais com as pontas: o ensino na
Universidade era eminentemente bancário. As Universidades Rurais foram
precursoras do acordo MEC-USAID6, com influência muito grande dos Estados
Unidos na pesquisa e na extensão. Vocês vão entender como era essa extensão
rural, era extensão de fato, justamente aquilo que foi criticado pelo Paulo Freire:

3 JUC - Juventude Universitária Católica.


4 AP - Ação Popular
5 PCdoB- Partido Comunista do Brasil
6 MEC-USAID- Acordo que incluiu uma série de convênios realizados a partir de 1964, durante

o regime militar brasileiro, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for
International Development (USAID).
era uma extensão persuasiva, que fazia cursos para agricultores no sentido da
adoção de técnicas modernas, modificação da estrutura da propriedade, das
mulheres jogarem a mesa de madeira fora e comprarem uma de fórmica e assim
por diante. Esse era o ambiente da Universidade.
O golpe de 1964 nos pegou de sola. Tivemos gente presa. E todos nós
que tínhamos uma atuação política maior fomos responder os Inquéritos Político-
Militares, os IPM’s. Quando ia um, a gente já sabia (pela lista que ficava sobre a
mesa dos inquiridores) que logo iria outra pessoa e que todos e todas iriam.
Então, essa foi a minha formação (formal e informal): com estudo (sempre
estudei bastante e aproveitei as oportunidades que tive), mas sempre com
militância. Fui aprendendo a ser educadora de base ao longo da vida.
Durante o período de faculdade e ditadura, meus pais morriam de medo,
exigiam que telefonássemos todos os domingos. Não tinha celular na época.
Para um telefonema acontecer tinha uma espera de três, quatro horas, na
Telefônica. Tínhamos que sair da Universidade e ir à cidade fazer a ligação. Eu
lembro do meu pai presentear as telefonistas da nossa cidade com uma caixa
de champanhe todos os Natais, pela gentileza delas em servi-lo.

Qual a inserção de Freire na vida da Elza Falkembach? Como você entrou


em contato com Freire, com suas obras, com seu pensamento? Como você
se enxergou nisso? Como você abraçou a ideia freiriana?

Eu só fui conhecer Freire no meu primeiro trabalho, porque em Viçosa, e


mesmo no Ensino Médio, a gente tinha como orientação em nossos estudos para
a militância, os franceses que foram também precursores de Freire e alguns
recortes bíblicos, interpretações bíblicas, textos elaborados para a Juventude
Estudantil Católica. Na UFV, o meu Curso nunca nos apresentou Freire. Em
minha militância, que era mais na Ação Popular do que propriamente na JUC (a
JEC e a JUC, constituíam grupos da Ação Católica de leigos que desenvolviam
um trabalho militante e, ao mesmo tempo. um trabalho religioso). Também não
tive acesso a Freire.
Existiam então, constituindo a Ação Católica, a JAC, JEC, JIC, JOC e
JUC, e eu participei da JEC (Juventude Estudantil Católica). Quando cheguei à
Universidade, entrei em contato com a JUC (Juventude Universitária Católica),
mas eu não cheguei a ser parte, tinha um contato muito grande com o grupo,
mas eu passei a militar mesmo na Ação Popular que já tinha uma cara de partido
político. Eu era um pouco mais radical, mas com um vínculo muito grande com
a JUC. Mais tarde, em Porto Alegre, me integrei ao PCdoB. A minha primeira
militância depois da JEC foi, então, pela Ação Popular.

Elza como você teve acesso à Educação Popular? Como se deu sua
inserção nesse movimento?

Eu também não tive acesso logo. Quando eu saí da Universidade de


Viçosa fui em seguida trabalhar em outra universidade, por contrato emergencial,
a UFRRJ. Foi meu primeiro trabalho. A Universidade nos contratou para fazer
uma reformulação no Curso de Ciências Domésticas que mantinha. Fui com
mais três colegas e uma professora mais idosa do que a gente, que era ligada à
Extensão Rural,. Foi aquele grupo de jovens e mais esta professora que se
juntou com uma americana, que trabalhava no curso, realizaram a tal
reformulação do Currículo da estrutura do curso. Isso se deu no ano de 1967.
Eu terminei o meu curso na UFV em 1966, e em março de 1967 fui
trabalhar no Rio. Eu morava na Universidade onde havia aquelas casas lindas,
para moradia de professores. Então nós fomos morar numa dessas casas. O
período era muito sério, a repressão era muito forte. A frente da nossa casa era
sempre policiada, porque aquela região do estado era estratégica por ter o
fornecimento de energia para uma área grande do Rio de Janeiro. Eles diziam
que os comunistas iriam atacar aquela região. E como desconfiavam que a gente
era de esquerda, tínhamos a nossa vigilância dia e noite. Era impressionante,
sempre um militar na frente da nossa casa com fuzil, essas coisas todas, de
forma discreta, mas ao mesmo tempo indiscreta.
No Rio, a gente pegou uma fase brava da repressão e mesmo que
tivéssemos um cuidado muito grande, estavam começando a acontecer grandes
mobilizações e, obviamente, nós participávamos. Descíamos da Rural, no
município de Seropedica, para o Rio, para participar de tudo aquilo.
Começamos a organizar um grupo de professores de esquerda, para
tomar alguns postos de poder dentro da UFRRJ e chegamos a ter um vice-reitor
que era vinculado à Pesquisa e à Extensão do nosso lado. Era uma figura
maravilhosa, nós fazíamos um trabalho com ele no sentido de pautar algumas
coisas da política de Extensão da Universidade, e nessa época eu tive
oportunidade de conhecer uma figura maravilhosa que foi o João Bosco Pinto 7,
educador popular, que trabalhava com planejamento participativo. Ele tinha um
programa lá na Rural com agricultores. Um programa de desenvolvimento de
comunidade, na perspectiva do planejamento participativo e que se aproximava
muito do que se tornou a Educação Popular. Eu me lembro do João Bosco Pinto
nos dizer: – Participar é tomar parte. Então, quem busca participar é quem não
tem parte. A gente precisa ter uma atenção muito grande nesse trabalho que
desenvolvemos no sentido de favorecer a possibilidade do fazer parte.
O meu trabalho e de duas dessas companheiras que foram comigo para
a Rural, lá no Rio de Janeiro, durou um ano e alguns meses, porque a repressão
aumentou e chegou um momento em que esse grupo passou a sofrer ameaças
sutis do Reitor da Universidade, que eram dirigidas ao Vice-Reitor de Pesquisa
e Extensão, para que “segurássemos as pontas”, senão, nós seríamos todos
presos. Aconteceu então uma discussão a respeito da estratégia a ser tomada,
e algumas e alguns de nós decidimos sair da Universidade. A minha saída foi
para Porto Alegre, para fazer um Curso de Sociologia Rural em nível de
Mestrado, na UFRGS, e quem fez a intermediação para mim foi justamente o
João Bosco que era sociólogo e conhecia algumas pessoas de lá. Fui fazer o
concurso, passei e já fiquei no Rio Grande do Sul.
Bem, então durou pouco o meu período no Rio de Janeiro. Além desse
trabalho que a gente desenvolvia na Universidade, eu tinha um trabalho pela
Ação Popular, que era um trabalho clandestino, na periferia do Rio, na Região
da Leopoldina. Eu trabalhava no bairro de Olaria e ali a gente fazia um trabalho
de base. Existiam núcleos da AP que organizavam moradores das periferias,
trabalhadores de fábricas (foi a primeira vez que trabalhei não com agricultor,
mas com trabalhador de indústria). Eu trabalhava em um Núcleo de Formação
Política que funcionava em uma garagem de uma figura de lá, que a gente
chamava de aparelho. Era um dos aparelhos usados para a Formação.
Essas duas coisas, o trabalho dentro da Universidade e o trabalho fora da
Universidade, o ensino e a formação e participação em mobilizações,

7
João Bosco Guedes Pinto foi sociólogo atuante nos movimentos de defesa dos trabalhadores
urbanos e rurais e da reforma agrária.
começaram a mostrar que estávamos em perigo. Resolvemos dissolver aquele
grupo de professores jovens: um foi fazer mestrado, outro foi fazer doutorado e
assim por diante. Outras pessoas mudaram de emprego também. Isso já era
idos de 1967, início de 1968. Quando se intensificaram as grandes mobilizações,
aquelas passeatas enormes, eu já estava em Porto Alegre.
Cheguei a Porto Alegre e logo percebi que o curso de Sociologia Rural,
que fui fazer na UFRGS, tinha a mesma orientação da minha graduação na UFV,
com uma influência norte-americana muito grande, dos acordos entre
Universidades brasileiras e Universidades norte-americanas, muitos professores
americanos, vinculados à Universidade de Wisconsin.
Era um curso que a gente tinha que se cuidar. Cuidar o que falava, cuidar
o que escrevia e assim por diante. Um curso muito exigente na área técnica.
Aprendi muita Matemática, Estatística, Administração Rural, o que
posteriormente me serviu bastante.
No Rio de Janeiro, eu trabalhava na área da habitação, Sociologia da
Habitação, naquela visão: habitação é mais do que um teto, ela é um teto, mas
é mais do que um teto. É escola, é lazer, é saúde, é transporte. A minha
dissertação no Curso de Sociologia Rural foi justamente sobre “As funções
sociais da habitação do operário de origem rural”. Minha pesquisa empírica
eu fiz na periferia de Porto Alegre e trabalhei basicamente com Fals Borda8.
Cheguei ao Fals Borda antes de chegar a Freire, ambos por intermédio do João
Bosco no trabalho de desenvolvimento de comunidades, na UFRRJ.
Fiz o meu mestrado, defendi minha dissertação, conheci o meu marido,
me casei e aí eu ainda tinha bolsa de pesquisa por mais um tempo e um dos
meus professores me convidou para trabalhar com a pesquisa dele no Centro de
Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE), da UFRGS. Então, ainda fiquei um
período em Porto Alegre trabalhando como pesquisadora, até que o Jorge, meu
marido, foi convidado pelo Frei Matias9, que foi um grande educador (vocês
devem conhecer algumas obras dele), para trabalhar em Ijuí. Na época, Mario

8
Orlando Fals Borda, acadêmico colombiano, professor emérito da Universidade Nacional da
Colômbia, estudioso do campo e da situação dos trabalhadores rurais, ficou internacionalmente
conhecido como um dos principais teóricos do método de pesquisa ação participativa.
9
Que se tornou Mário Osório Marques, foi um sacerdote franciscano, pedagogo e professor
brasileiro. Era formado em Filosofia, pós-graduado em Teologia, doutor em educação, educador,
sociólogo.
Osório ainda era Frei Matias, capuchinho, e conhecia o Jorge por causa da JUC.
Ele era um dos assessores da JUC e o Jorge era um militante da JUC. O Jorge
nunca militou em partido como eu, ele militava na JUC e tinha um trabalho muito
grande também com Antônio Cecchin10 (que vocês devem conhecer também),
amigo do Leonardo Boff e do Frei Betto. Era esse pessoal que se reunia na casa
do Cecchin, em um núcleo de JUC muito atuante.
O Frei Matias precisava de professores de Física e Matemática em Ijuí, e
fez a cabeça do Jorge para trabalhar lá. Jorge era engenheiro da Prefeitura de
Porto Alegre, onde fazia um trabalho rotineiro. Foi, então, ser professor e
trabalhar como engenheiro na Cooperativa Regional de Trigo Serrana -
COTRIJUI, de Ijuí.
Quando cheguei em Ijuí eu não tinha trabalho, mas conversando com o
Frei Matias contei que tinha acabado de fazer meu mestrado. Ele falou: – Então,
imediatamente você vai ser contratada para trabalhar conosco. No mesmo dia
me contrataram para trabalhar no Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPP),
que era mantido pela Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do
Noroeste do Rio Grande do Sul (FIDENE), Mantenedora dos Cursos Superiores,
do Museu Antropológico, desse Instituto de Pesquisa e Planejamento e de outro,
o Instituto de Educação Permanente - IEP. O IEP era responsável pela educação
comunitária orientada pelos freis capuchinhos, desde a década de 1950,
acompanhava o Movimento Brasileiro de Educação de Base, de Alfabetização
de Adultos, e envolvia tanto professores como estudantes.

Como Elza se conecta com a Educação Popular?

Fomos para Ijuí em 1971. Neste mesmo ano, comecei a trabalhar com
pesquisa e extensão, neste Instituto, IPP. Fazíamos planos diretores, Projetos
Pedagógicos para escolas, estudos de viabilidade, mais prestação de serviços
do que pesquisa em si. Em seguida, comecei a trabalhar com ensino também,
Metodologia da Pesquisa e Estatística. Depois fui trabalhar em um programa de
Contabilidade Agrícola, com agricultores familiares, mas ainda não com
Educação Popular. A gente usava a Contabilidade Agrícola para fazer análise de

10 Irmão Marista, conhecido como um profeta da Ecologia, ele ajudou a fundar inúmeros grupos
ligados à ação pastoral e ecológica. Era formado em Letras Clássicas e em Ciências Jurídicas e
Sociais.
conjuntura. As contas dos agricultores que eles guardavam em caixas de sapato,
eram os registros. Eram agricultores familiares, ligados à COTRIJUI e aos
Sindicatos Rurais da região. Fazíamos a análise de conjuntura, mostrando onde
é que estavam indo os recursos deles, porque eles estavam ficando mais pobres,
mesmo aumentando a produtividade de seus cultivos. Por que estavam tendo
lucro menor?
Esse foi um trabalho muito interessante. A minha parte era fazer a análise
estatística dos dados e mostrar: Óh, o senhor está acima da média ou abaixo da
média em produtividade. E o resultado financeiro? O que está havendo na sua
propriedade, que o senhor consegue mais produtividade do que este que está lá
embaixo, no gráfico? A gente fazia esse tipo de discussão, que era uma forma
de Educação de Base.
Na minha vida, tinha pouco de Paulo Freire, mas a FIDENE respirava
Paulo Freire, porque os freis capuchinhos liam Freire. Paulo Freire estava
presente desde os anos 1950 na Educação de Adultos, Alfabetização de Adultos,
havia um grupo lá que estudava Paulo Freire.
Depois do trabalho da Contabilidade Agrícola eu migrei para outro
Programa que era “Movimento para o Desenvolvimento Regional”, isso já
era década de 1980. Ditadura terminando, abertura democrática. Os municípios
que tiveram eleições e que houve uma tendência mais para a esquerda
chegaram a nós na FIDENE/UNIJUÍ (em 1985 a FIDENE transformou-se em
UNIJUÍ), para pedir que os assessorássemos, para entenderem onde estavam
indo os recursos da região, tanto recursos humanos, quanto recursos materiais.
Estava havendo uma saída de recursos daquela região. Com a modernização
da agricultura, que usava muito insumo moderno, muito crédito bancário, estava
havendo uma grande fuga de recursos.
Os municípios estavam ficando bonitos, agricultura verdinha e, de certa
forma disciplinada, mas ao mesmo tempo, os recursos indo embora. Então,
fizemos um trabalho muito interessante com cerca de quinze municípios, desde
um diagnóstico geral e depois diagnósticos setoriais. Trabalhamos com as áreas
de saúde, educação, agricultura, micro barragens, coisas do tipo, o que começou
a fazer valer uma Educação Popular, que ainda não era chamada de Educação
Popular, mas baseada em seus princípios e métodos.
Até que esse Movimento para o Desenvolvimento Regional nos deu a
oportunidade de criar uns Seminários Internacionais de Planejamento
Participativo. E aí as cabeças da Neyta Belato, do Dinarte Belato11 e de outros/as
companheiros da Universidade – UNIJUÍ, passaram a atuar à milhão na
organização desse trabalho. A Neyta era quem coordenava esse Movimento, eu
ficava junto da Neyta trabalhando mais com a pesquisa e com a formação.
Esses Seminários Internacionais de Planejamento Participativo foram a
nossa ponte para a Educação Popular. Começamos a trazer para Ijuí, gente do
Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (CEAAL). Uma das
primeiras pessoas foi o Orlando Fals Borda. O João Colares, fazendo a sua tese
de doutorado, encontrou cartas a punho da Neyta e minhas para o Fals Borda,
e as respostas dele para nós. Por essa via, nós fizemos um laço latino-americano
muito grande, chegamos ao CEAAL, chegamos à Educação Popular e criamos
o Seminário Permanente de Educação Popular – SPEP que foi nosso grande
Programa na Universidade. Esse Seminário foi criado em um dos Seminários
Internacionais de Planejamento Participativo. Nós nos filiamos ao CEAAL em
1980.
A constituição do SPEP aconteceu porque os primeiros integrantes
desses Seminários Internacionais que eram também ligados ao Movimento para
o Desenvolvimento Regional – Professores de Rede Pública, Movimentos
Populares, Instituições de Assessoria, Setores de Igrejas – começaram a nos
demandar uma formação mais continuada. No momento em que criamos os
Seminários Internacionais houve um contato da nossa parte com todos os
Movimentos Sociais organizados naquela região de Ijuí, e alguma coisa em Porto
Alegre. Assim, começamos a articular contatos na Argentina, na região das
Missiones, no Uruguai e no Paraguai, por causa dos indígenas no Paraguai, dos
agricultores na região das Missiones e do movimento urbano no Uruguai.
O pessoal que era do Movimento Social e que começou a participar
desses Seminários Internacionais nos disse o seguinte: As nossas práticas são
permanentes, portanto, nós precisamos de um Seminário permanente, e aí foi
constituído o SPEP12. O SPEP era uma coisa muito estranha dentro da
Universidade, porque ele era um Seminário de Educação Popular e Permanente,

11
Professores da Universidade- UNIJUÍ
12Seminário Permanente de Educação Popular.
que tinha uma gestão compartilhada com os Movimentos Sociais e com as suas
Instituições de assessoria.
Então, o MST tinha dois representantes, um de liderança e outro de base;
o Movimento de Atingidos por Barragens tinha dois representantes, um de
liderança e outro de base; o Movimento de Mulheres, idem, e assim por diante.
Tinha um assessor do MST, uma Assessora do Movimento de Barragens, uma
Assessora do Movimento de Mulheres, do Movimento Urbano a mesma coisa,
do Movimento Indígena também. Isso configurava um Conselho Político que
planejava, tomava decisões e avaliava. Fazíamos umas quatro reuniões desse
Conselho Político por ano, o que dava conta de fazer todo o planejamento,
organização e avaliação das nossas ações. E a Universidade era representada,
neste Conselho Político, na mesma proporção dos Movimentos.
Realizávamos Seminários Setoriais também. Aí foi que nós entramos pra
valer no trabalho com Freire, no trabalho com Tema Gerador. Eram os Núcleos
Temáticos, como denominávamos, porque esse Tema Gerador era sempre uma
composição de temas confluentes para poder contribuir com todos os
Movimentos.
O tema da Terra foi o primeiro a ser tratado por esse SPEP, mas com
desmembramentos ao redor dele para que professor pudesse trabalhar, para
que o agricultor pudesse trabalhar, as mulheres e os urbanos também. No
Seminário Internacional, que era geral, nós definíamos o Tema. Nos Seminários
Setoriais (que aconteciam entre um Seminário Internacional e outro), esse Tema
era adequado à singularidade de cada movimento e trabalhado em cursos,
oficinas, atividades de pesquisa, de assessoria.
Fazíamos os Seminários Setoriais por movimento: um do Movimento
Indígena, outro dos Sem Terra, e assim por diante. E não fazíamos na UNIJUI,
mas nos espaços de formação dos Movimentos. Teve um ano que a gente fez o
Setorial dos Indígenas no Paraguai, o dos Urbanos no Uruguai, mas a maior
parte deles era realmente no Brasil.
Nos Seminários Setoriais tivemos um acontecimento muito interessante
que foi com as mulheres, foi a primeira vez que vários Movimentos de Mulheres
se reuniram em um mesmo Seminário, e nossa assessora, para esse trabalho
foi a Moema Viezzer13 que sempre trabalhou com Movimentos de Mulheres, e
continua trabalhando com feminismo e meio ambiente, continua escrevendo,
uma “figura” a Moema.
Nós tivemos no SPEP uma configuração muito interessante que
relativizou os “poderes” na Universidade, pois os Movimentos tinham poder para
definir um planejamento e fazer avaliação. Era um trabalho que produzia reflexos
nos Cursos da Universidade.
Foi no SPEP que estudei de fato a obra de Freire. E foi, também, quando
eu tive contato com Oscar Jara e com outras pessoas do CEAAL. O Oscar foi
trabalhar conosco sobre Educação Popular e também Sistematização, em razão
de uma demanda dos Movimentos Sociais. Queriam conhecer, saber se as
“teorias que eles diziam abraçar” estavam presentes nas suas práticas, se
nessas práticas que eles desenvolviam essas teorias estavam contidas, se havia
coerência entre a teoria e a prática deles. Foi então que chegamos à
sistematização.
Primeiro, com a colaboração de Félix Cadena, um mexicano que integrava
o CEAAL, depois com o pessoal da Universidade Metodista de Piracicaba –
UNIMEP, mas foi Oscar Jara que abriu perspectivas para que assumíssemos a
Sistematização associada à Educação Popular em nossas práticas no SPEP. E
quando dizemos nossas práticas falamos na Universidade – UNIJUÍ, nos
Movimentos Sociais e em Instituições de Assessoria desses Movimentos. Oscar
foi a Ijuí pelo CEAAL e pela Rede ALFORJA, em que ele trabalhava e
coordenava na Costa Rica.
Havia uma brasileira, Mara Luz, que trabalhava no Centro de Educação
Popular do Instituto Sedes Sapientiae – CEPIS, e depois atuou no CIMI14,junto
a populações indígenas, que também colaborou conosco, na área da
sistematização. E também Conceição Paludo, que atuava como educadora
popular no Campo, no Centro de Assessoria Multiprofissional, antes de iniciar
carreira acadêmica.
Cada projeto que a gente desenvolvia havia um local de experimentação,
uma comunidade Rural, uma escola, um assentamento. No caso do SPEP, nós

13Moema Libera Viezzer, escritora, socióloga e militante feminista brasileira. Ficou exilada no
período do regime militar.
14Conselho Indigenista Missionário.
prestamos assessoria ao Assentamento Nova Ramada, na cidade de Júlio de
Castilhos, no Rio Grande do Sul – RS. Minha tese de doutorado é sobre esse
trabalho que desenvolvemos lá. Trabalhamos em torno de dez anos com este
assentamento. Ali foram assentadas 100 famílias, eles criaram uma cooperativa
e nós fazíamos a assessoria na área agrícola, contábil, educativa, das artes
(minha filha Maria, que vocês conhecem, deu curso de teatro neste
assentamento e o meu filho Tiago nos ajudou em entrevistas às famílias em um
trabalho diagnóstico que fizemos lá. Essas vivências foram fundamentais na
formação de ambos).

Elza, e aí damos um salto nessa história com você. Como você se percebe,
se reconhece, atuando na Rede Internacional dos Cafés com Paulo Freire
e no Café de Garopaba?
Então, antes de chegar aos Cafés, quero falar rapidamente sobre os
projetos de sistematização que eu assumi, porque foram muito importantes na
minha vida. Sempre trabalhei em equipe na educação popular e na
sistematização. Trabalhamos com escolas, com instituições de apoio aos
movimentos sociais como a Associação de Estudos, Orientação e Assistência
Rural – ASSESOAR, do Paraná; a Fundação para o Desenvolvimento da
Educação e da Pesquisa – FUNDEP, no RS e com os próprios Movimentos. Com
o MST, trabalhamos a sistematização tanto no assentamento que
assessorávamos, como em projetos de formação de professores do Movimento.
Depois, aconteceu um trabalho muito interessante nas 7 escolas de
formação da CUT que resultou na produção de livros (Formação de Formadores
para Educação Profissional e Formação de Conselheiros das Comissões de
Trabalho e Emprego – 1998-99) e revistas.
A seguir, assumimos uma assessoria junto ao Ministério do Meio
Ambiente – quando foi realizada a sistematização das 11 experiências de
produção, organização e formação – na Mata Atlântica e Amazônia (A publicação
desta “Série Sistematização” é muito linda e didática). Foi aí, como resultado da
teorização dessas 11 experiências, que concluí que a “SISTEMATIZAÇÃO é
uma arte de ampliar cabeças”.
Depois disso eu passei a trabalhar coma ENFOC15 e já temos vários livros
publicados, acho já são 9 (nove) os livros publicados, de 2008 até hoje.
Na sistematização, eu passei a participar do Programa de Apoio a
Sistematização – PLAS que é do CEAAL, que teve Oscar Jara como
coordenador desde sua criação. Assim, me integrei ao Programa, tinha também
João Francisco de Souza, outro brasileiro, que desenvolvia este trabalho com
sistematização no CEAAL. O PLAS tem promovido cursos de formação, e com
isso, tem dado um grande impulso à sistematização e a Educação Popular em
nossa América e Caribe. Iara Duarte Lins nos representa hoje no Programa.
Agora, eu já estou em condições de dizer: estou encerrando este ano o
trabalho com sistematização, porque em cada processo desenvolvido podemos
identificar gente com autonomia para criar outros. Tem muita gente que passou
por formação nesses processos, inclusive nos cursos do PLAS, como ocorreu
com várias pessoas da ENFOC/CONTAG16. Já me sinto dispensada das minhas
tarefas na sistematização, pois sempre trabalhei em equipe, e nessas equipes
(com gente mais jovem do que eu) estão desenvolvendo trabalhos de grande
relevância.

Qual o papel da Elza na Rede Internacional de Cafés com Paulo Freire no


contexto do Brasil, tendo também a sistematização como potencial?

Mostrar que a minha trajetória de vida sempre foi vinculada ao Trabalho


de Base”. Eu fui professora mas, como professora, ora eu trabalhava em cursos
da área da educação, ora em outros cursos, mas sempre tive uma cabeça
sociológica. Em diversos cursos até naqueles em que eu dava aula de Estatística
eu levava questões vinculadas à Sociologia. A “minha” Estatística era política,
sociológica, apresentava desafios muito além dos números. Com isso, eu
aglutinava muitos estudantes ao redor da minha proposta de trabalho. Tive
companheiros incríveis na UNIJUÍ, professores com quem eu trabalhei, além dos
“Belatos”, o Walter Frantz e muitos outros e outras no Programa de Pós-
graduação em Educação nas Ciências, nos Cursos de Pedagogia,
Administração, Contábeis, Economia, Tecnologia Agronômica, cursos na área

15 Escola Nacional de Formação da CONTAG.


16 CONTAG- Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
da Saúde. Muita gente que realmente me provocava e eu provocava. Esta
“trajetória” foi muito de nos colocarmos no limite e, assim, de termos que criar,
até porque nós não aceitávamos a mesmice, nós não aceitávamos a burocracia,
nós brigávamos com todo tipo de burocracia dentro da Universidade e sempre
escapávamos de modo a fazer coisas novas, envolver alunos, envolver
Movimentos Sociais, Movimentos Sindicais e de Associações de Moradores de
Bairro.
Então isto, eu acho que me formou, essa coisa meio insurgente, que vem
não só da minha formação em escola. Ela vem do meu pai, ela vem da minha
avó, sobretudo da minha avó materna que dizia: “Deus é quase perfeito, só que
não soube fazer a conta de dividir”. E o que é isso para uma neta? É justamente
poder questionar até Deus. A nossa vida foi muito assim. Tem que fazer algumas
coisas, tem que obedecer em alguns aspectos. Mas, no que é fundamental, a
gente pode criar a nossa própria vida. Com isso, a “Instituição” nunca foi para
nós uma necessidade para ser, a “Instituição” para nós era uma oportunidade de
trabalhar, mas a gente era(e é) independente da “Instituição”. Na minha família
as coisas aconteceram muito nesse sentido e o grupo que a gente reuniu na
UNIJUI era muito isso. Então, a Instituição se moldava ao projeto político do
grupo. Ela tinha que ir se abrindo no sentido de não impedir que esse projeto
político se realizasse.
É esta a minha trajetória. Bem, aonde eu vou, eu sou assim, os meus
filhos também são assim, o meu marido também é assim e, ao estar em um
grupo, ao estar na Rede de Cafés e no Café com Paulo Freire de Garopaba, a
gente acaba dando esse tipo de contribuição, até porque reunimos no Café de
Garopaba pessoas de uma diversidade muito grande e, para nós, quanto mais
plural, melhor para trabalhar, porque temos pontos de vista vindos de tudo que
é lado, são diversos, e a gente vai criando as nossas possibilidades de ação.
Criam-se as condições para o diálogo, radical, como o propôs Freire, e de ação
compartilhada. Certo?

Nosso agradecimento à Elza

Finalizamos este momento de escuta, e de tamanha descoberta amorosa


de quem é a Elza Fallkembach por ela mesma, num sentimento de muita gratidão
em poder ouvir, enxergar uma trajetória constituída na luta por um mundo
melhor. Fazer esse registro da trajetória de Elza Maria Fonseca Falkembach, a
“Zaia”, nos emocionou muito, foi um privilégio, uma boniteza no verdadeiro
sentido freiriano.
Elza querida, nós agradecemos muito a oportunidade de escutar e
conversar com você, o que você nos provocou com todas essas lembranças e
suas memórias. Gratidão! Muitíssimo obrigada por nos presentear com essa
oportunidade de poder beber dessa fonte e imaginar esses contextos todos que
você viveu com muita boniteza e amorosidade.
Série Cartões Pedagógicos - "Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes”

Em uma promoção do Conselho de Educação Popular da América Latina e do


Caribe (CEAAL) e do Freireando Porto Alegre (RS), a Série Cartões
Pedagógicos - "Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes" foi lançada em 29 de
janeiro de 2021. A atividade, que faz parte da Campanha Latino-Americana e
Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire, integrou a programação do
Fórum Social Mundial virtual 2021.

A Série Cartões Pedagógicos é composta por cartuns e ilustrações


especialmente criados por artistas gráficos independentes, alguns integram a
RAFAR/RS, para comemorar os 100 anos do educador Paulo Freire, em 19 de
setembro de 2021. A produção é de Cris Pozzobon e a arte de Natália Forcat1.

Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes – de Nat


Fonte: Freireando Porto Alegre/RS – Jan/2021

1 Nascida na Argentina, começou sua carreira de desenhista com colaborações para as revistas
Fierro e Cerdos & Peces y El Tajo. Em 1992, imigrou para o Brasil, fixando-se primeiro em São
Paulo. Criou a personagem Tininha Hortelã para a revista Carícia; para a Revista da Folha de
São Paulo desenhou a Clô. Até o final dos anos 1990 realizou ilustrações para as revistas Caros
Amigos, Playboy, Brazilian Heavy Metal, Pense Leve, Isto É, Minas e Terra. A partir de 1998,
morando em Fortaleza, trabalhou no caderno regional da Gazeta Mercantil. Fixou residência em
Brasília, entre 2001 e 2003, ano em que retornou definitivamente para São Paulo. Desde então,
tem colaborado com a revista Viração, na área da educação e comunicabilidade. Elaborou mapas
ilustrados para revistas de turismo e desenvolveu um trabalho para livros infantis e infantojuvenis
para as editoras Ática, Moderna, Atual, Editora do Brasil, Saraiva e Escala. E-mail:
nataliaforcat@yahoo.com.br
Série Cartões Pedagógicos - "Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes”

Em uma promoção do Conselho de Educação Popular da América Latina e do


Caribe (CEAAL) e do Freireando Porto Alegre (RS), a Série Cartões
Pedagógicos - "Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes" foi lançada em 29 de
janeiro de 2021. A atividade, que faz parte da Campanha Latino-Americana e
Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire, integrou a programação do
Fórum Social Mundial virtual 2021.

A Série Cartões Pedagógicos é composta por cartuns e ilustrações


especialmente criados por artistas gráficos independentes, alguns integram a
RAFAR/RS, para comemorar os 100 anos do educador Paulo Freire, em 19 de
setembro de 2021. A produção é de Cris Pozzobon e a arte de Alisson Affonso1.

Paulo Freire fisgado pelo olhar das Artes – Alisson Affonso


Fonte: Freireando Porto Alegre/RS – Jan/2021

1 Bacharel em Artes Visuais, Ilustrador, cartunista, desenhista e artista rio-grandino (RS), Alisson
Affonso já foi premiado diversas vezes. Foi um dos escolhidos para ilustrar o livro de 85 anos do
Ziraldo, que conta também com trabalhos de outros artistas como, por exemplo, Maurício de
Souza. Alisson é modesto, e prefere se autointitular ilustrador. Foi precursor com a obra
“Plataforma HQ” no qual foi editor, a revista ilustrava o cotidiano rio-grandino. Também editou o
“Peixe Frito” que fazia críticas sociais e foi editor da Revista Ideia. Ele faz da arte o seu sustento
e nos conta um pouco dessa história. Alisson fala que sempre foi caseiro, seu esporte era mesmo
desenhar. O dom foi descoberto logo na infância, com apenas 5 anos de idade já ousava traços
mais elaborados e “já elencava o desenho como algo mais importante”. Fonte: Alisson Affonso:
Ilustrando Rio Grande - RIO GRANDE TEM
NÃO SE PODE FALAR EM EDUCAÇÃO SEM AMOR

Daniel Luz, Café com Paulo Freire Bahia1

Fonte: Daniel Luz

1 Daniel Luz, Graduado pela UFBA. Busco participar de oficinas, encontros, cursos... sou
inquieto! Um artista visual onde o desenho, a pintura e a ilustração fazem parte dessa minha
narrativa que busca refletir sobre os tempos e as transformações que a Arte nos apresenta.
Técnica: Acrílica sobre antena de tv. Ano: 2021. E-mail: @luzdanielluz
CLASSIFICADOS CO-MOVENTES
EM PAULO FREIRE1
Mediação: Mauro Lopez Rego2, Valéria Rôças3 e Dulce Angela Salviano

Convite Desafio
Povos originários convidam Desafio pessoa corajosa a compor círculos de filosofia
pessoas a co-habitar em um da diferença em presídios, junto a famílias, em hospitais
ambiente que já existia. e em espaços de educação regular.

Melhor oferta da rua! Oferta Imperdível!


Tiro crianças em situação de Escola que acredita na potência do diálogo como
risco do mundo paralelo. Na necessidade existencial troca carteiras escolares
mochila trago resiliência e enfileiradas por um círculo de aprendizes.
empatia.
Procura-se
Vendo Busca-se futuro grávido de tolerância, esperança e paz
Vendo com urgência para substituir um mundo doente.
Educação Bancária usada!
Doação
Seção de Trocas Doam-se mudas para que sejam colhidos frutos de
Troco mundos padronizados e humanização e esperança no terreno fértil da igualdade.
robotizados por liberdade
plena de sentir e ser.

Troco arame da cerca por


uma ponte que une.
Oferta Imperdível!
Troco vários ouvidos Ofereço resiliência e amorosidade na vivência
desatentos por uma escuta da diferença.
qualificada e amorosa.

1
Estes Classificados Co-Moventes em Paulo Freire são resultados da Oficina Virtual de Poesia e Imaginação, que
aconteceu no dia 09/04/2022. "Cada pessoa, em seu próprio universo, tem potencial para mover e fazer mover", cujo
propósito é o de invenção e trocas de movimentos afetivos e sensíveis inspirados em Paulo Freire, assim como expressar a
potência de criar poeticamente o intercâmbio de bens simbólicos ou concretos, acionando imaginação e criatividade. Esta
oficina integra o Projeto Andarilhagens com Paulo Freire, que acontece com apoio da Editora Paz & Terra, Associação
Madre Tierra e Rede de Cafés com Paulo Freire. Realização: Confluência Desenvolvimento Humano
Café com Paulo Freire Rede Pró Educar. Apoio:
Instituto Conhecimentos para todos – IK4T
2
Arte educador e gestor de projetos sociais. Email: maurolopezrego@uol.com.br
3
Odontóloga clínica, educadora em saúde e professora. Email: vrocas@gmail.com
Assinam conjuntamente a obra Conversa & Cura - desfiando e desafiando histórias (Editora Kiron, 2016).
Recompensa Doação
Oferece-se recompensa de 1000 Alunos doam sabedorias para
reais em troca da alegria das professores aprendizes.
interações afetivas.

Procura-se com urgência


Procura-se segurança jurídica para o Brasil em 2022.
Recompensa: um país mais justo e igualitário para
todos.

Desafio Aceito atacado e varejo!


Deixar de lado a repetição, a Procuro pessoas para ajudar a
reprodução e a imitação de tudo aquilo criar um ambiente integral a partir
que é igual pela criação, inovação, de meios ambientes.
construção e abertura para novas
possibilidades de existência.

Educador se oferece:
Ensino crianças a
compreender a integralidade
do ambiente.

Trocas Urgentes!
Troco imediatamente educação padronizada e de poda do encontro consigo mesmo com a filosofia
do profundo saber e a poesia do verdadeiro sentir.

Troco arrogância e autoritarismo pela construção coletiva, solidária e fraternal.

Oferta
Oferece-se resiliência para aqueles que sofrem violência e precisam superá-la.
______________________________________________________

Autores da Produção Literária


Alba Pereyra, Alexandre Batista, Crislane Mallet, Franklin Ribeiro, Flavia Roberta Assunção Pereira,
Jacqueline Lopes, Jair Moreira Jr, Lauro Jackle, Leandro Pereira dos Santos, Marcia de Castro Borges, Maria
Aparecida Ramos Caminha, Maria José Soares Pereira, Melissa Passos Abrunhosa, Regina Magna Bonifácio
de Araújo.
A ESCOLA

Paulo Freire1 e Estudantes da turma EDU 1737 – Tópicos Especiais: Leituras de


Paulo Freire e Educação Popular – 2021.2 – PUC-Rio.2

Escola é... (v.1)


...ou melhor, a escola “precisa ser” ...
(José Elesbão Duarte Filho)

[o lugar] onde o importante acontece.


(Eduarda Moura Moraes Cardoso)

...um ambiente onde se cria laços


(Samara dos Santos Leite)

... o lugar que se faz amigos. (v.2)


Mesmo que às vezes seja um local tumultuado, de ideias adversas.
(Gabriela da Silva Bezerra)

[lugar onde se] brinca, cria laços para vida... é na escola!


(Antônia Yara Simão de Sousa)

1 A autoria do poema Escola é comumente atribuída a Paulo Freire, porém, no site do Instituto Paulo
Freire está registrado que: “De acordo com os filhos de Paulo Freire, esse poema não foi escrito por ele
e sim por uma educadora que estava assistindo a uma palestra dele. Com base no que ouvia, ela foi
escrevendo o poema utilizando frases e ideias de Freire. No final da palestra aproximou-se dele e lhe
entregou o papel, sem se identificar. Freire nunca publicou esse poema em nenhum de seus livros,
embora suas ideias sobre a escola tenham sido captadas pela autora e traduzidas no poema”.
Disponível em: < https://www.paulofreire.org/perguntas-frequentes >, Consulta em: 09 abr. 2022.

2 O poema aqui apresentado é resultado de uma atividade desenvolvida na disciplina: “Tópicos


Especiais: Leituras de Paulo Freire e Educação Popular”, desenvolvida pelo professor Renato Pontes
Costa, no Departamento de Educação da PUC-Rio, no segundo semestre de 2021. A oferta dessa
disciplina, que teve uma primeira versão em 2015, se inseriu no conjunto de ações feitas pelo
Departamento para celebrar o centenário de Paulo Freire ao longo do ano de 2021. O texto é o resultado
de um trabalho coletivo feito como atividade de síntese, após a conclusão da leitura do livro Pedagogia
do Oprimido. Na atividade, o poema ESCOLA, atribuído a Paulo Freire, foi lido e discutido com a turma.
Cada verso foi previamente numerado. Após a primeira leitura e discussão, os estudantes convidados a
escolher um verso e continuar a escrita a partir dele. Em seguida, os versos dos estudantes foram
incorporados ao poema original criando um novo texto com a participação de todos/as. Ao final, o novo
poema foi lido coletivamente gerando uma nova rodada de discussões. Para que se possa acompanhar
a construção do texto, na versão aqui apresentada as frases originais do poema Escola foram colocadas
em negrito e as frases dos estudantes com a fonte sem negrito. Os nomes dos/as estudantes foram
colocados abaixo das suas frases para identificar a autoria.
Importante registrar que essa atividade foi originalmente criada pela Profa. Maria Cândida Caetano
Gomes, uma brilhante professora de história que lecionou por mais de 30 anos na rede pública municipal
do Rio de Janeiro. Todos os créditos precisam ser dados a ela. Cândida apresentava e discutia Paulo
Freire com seus alunos do 5º e 6º anos, na Escola Reverendo Martin Luther King, na Praça da Bandeira
– RJ e, com eles, fazia essa mesma atividade. Seu contato com o prof. Renato Pontes se deu através do
NEAd – Núcleo de Educação de adultos da PUC-Rio, onde Renato trabalhou por 15 anos, sendo um dos
fundadores desse núcleo e onde Cândida atuou como docente em diversos processos de formação de
educadores de jovens e adultos.
Não se trata só de prédios, salas, quadros,

Programas, horários, conceitos... (v. 3)

Escola é sobretudo, gente


Gente que trabalha, que estuda
Que alegra, se conhece, se estima. (v.4)

O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente, (v.5)

O aluno é gente,
Cada funcionário é gente. (v.6)
E merece ser tratado com dignidade, sem nenhum tipo de
discriminação.
(Leticia Vitória Diniz Pereira da Silva)

E a escola será cada vez melhor (v.7)


À medida que se mostrar disponível para realizar mudanças que
beneficiem toda comunidade escolar.
(LuTiene Plácido Brito)

Na medida em que cada um se comporte


como colega, amigo, irmão. (v.8)
[Na medida em que] abrimos possibilidades de uma construção do
conhecimento para a vida com respeito à subjetividade de cada ser.
(Patrícia da Costa Menezes Miranda)

Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados” (v.9),


mas uma metrópole de amigos, camaradas, irmãos.
(Maria Luisa Drummond D’Oliveira. Mathias)

Nada de conviver com as pessoas e depois,


Descobrir que não tem amizade a ninguém. (v.10)
Nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só.
(v.11)
[Na escola, é importante] estar de corpo inteiro, deixando sua marca.
Estar de corpo inteiro, [pois] cabeça é parte do corpo, dos afetos.
Deixar sua marca. Estar também com o outro e para o outro. Ser mole
como água, firma como terra, leve como o ar e intenso como o fogo.
(Rosa Marina Ferraz Parreiras Horta)

E, sim! Ser o coletivo, empático, quente e estar com o outro.


(Carolina de Moraes Sampaio)

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, (v.12)


Importante na escola é a troca, é aprender e crescer na relação com o
outro.
(Stella Marinho)
É sobre criar conexões e trocar conhecimentos com os alunos e
professores.
(Giulia Zeitune)

“Escola é lugar de encontros, de trocas”.


(Moema Raíra Mioto)

É também criar laços de amizade, É criar ambiente de


camaradagem, (v.13)
É fazer com que aquele espaço seja prazeroso, repleto de
experiências e trocas.
(Ana Luiza França de Moura)

É conviver, é se “amarrar nela”! (v.14)


O importante na escola é participar ativamente e transformá-la, tanto
pra criar um vínculo real com o lugar e suas pessoas, quanto pra fazer
dela um lugar em que goste de estar.
É recriar o lugar pra que se possa pertencer a ele.
(Noemi Limeira de Menezes Ramires Galvão)

Ora é lógico...
Numa escola assim vai ser fácil! Estudar, trabalhar, crescer,
Fazer amigos, educar-se, ser feliz. (v.15)
É essa escola que almejo trabalhar! Uma escola humana, capaz de
compreender os desafios de seu tempo e na luta pelo melhor viver, na
intensa busca de ser feliz e de se sentir à vontade. Nas boas relações
humanas, no convívio com os diferentes gestos, no respeito às
variadas opiniões, enfim, uma escola que considera a escuta de
todos, os conhecimentos de cada um que nela vivem e trabalham.
(Isabelle Oliveira Corrêa)

É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo. (v.16)


CAFÉ COM PAULO FREIRE Pra o sujeito em formação
Com qualidade de primeira.
Maria Aparecida Vieira de Melo1
Paulo Freire na gestão
Olá, minha gente amiga Da educação se faz presente
Registro minha saudação A EJA é popular
Nesta noite enluarada Por isso tão recorrente
Te convido à contemplação O sujeito engajar
Ao longo da jornada Pra uma vida decente.
De Freire na educação.
O currículo e avaliação
A Jocélia recepciona O planejamento se faz
Com muita amorosidade A EJA neste contexto
Todos os participantes Mostra do que é capaz
Que estão na coletividade A educação é pretexto
Sempre bem atuantes Pra o sujeito ser bem mais.
No café em atividade.
Romper com a necrofilia
Liana Borges nos convida Da governabilidade
A câmera aberta manter Enfrentando o desafio
A luta e a resistência A EJA com sagacidade
Pra EJA desenvolver Se mantém pelo fio
Defendendo a existência Contra adversidade.
Pra o sujeito enaltecer.
Esperançar é possível
Os desmontes da EJA Queremos assim viver
Precisam ser combatidos De forma sempre ativa
A educação Popular A EJA nos faz manter
Dos povos aguerridos A educação proativa
Os educadores a nos ajudar É nosso grande dever.
Pra nos manter fortalecidos.
A Educação Popular
Reconhecer e assumir No campo da EJA
A nossa identidade Faz a sua diferença
Política e pedagógica Freire e sua peleja
Da grande coletividade Nos mantém a esperança
De forma epistemológica Da EJA que se deseja.
Pra nossa felicidade.
Emancipar e humanizar
A Educação Popular A função primeira
É a nossa bandeira Da Educação Popular
Lutar pela educação Sendo uma maneira
Da EJA de toda maneira Do sujeito emancipar
Pra sua vida inteira.
1
Doutora em educação pela UFPB. Professora A Roney com sua experiência
do Departamento de educação da
Relata com paixão
UFRN/Ceres. Diretora pedagógica do Centro
Paulo Freire-estudos e pesquisas. Líder do As práticas educativas
grupo de estudos e pesquisas da educação Com muita mobilização
em Paulo Freire. As ações proativas
Email: m_aparecida_v_melo@hotmail.com.
Que nos requerem atuação. O movimento do ser
De ser Nazaré
Francy assim anuncia Que aqui se faz presente
A Educação Popular Com muito encantamento
Rompendo com a opressão E nesta união a gente
Do direito a negar Vive o lindo engajamento.
Pra nossa libertação
A EJA no campo está. O Café deve ser
Um movimento vivo
A emoção nos atravessa Da essência da educação
Neste café a libertar Como ato criativo
As emoções contidas E no processo de formação
O Nupepe a angariar Ser também político.
Práticas enaltecidas
Pra vida emancipar. O amor então se tece
No chão fértil do viver
O Café com Paulo Freire A palavra em semente
Vem nos humanizar O saber se faz crescer
A cura da saudade Freire sempre presente
Da ação de relembrar Pra o sujeito promover.
A prática da liberdade
Pra educação ensejar. José em sua mística
A educação assim tece
Agostinho se achega A arte do popular
Nesta roda a esquentar Que o sujeito enobrece
Com a emoção em essência E assim angariar
Que muito prazer nos dá A vida que se fortalece.
Nesta linda experiência
Da Educação Popular. O paradigma da dialogicidade
Freire e Habermas convergem
A poiese acontece Sobre a ação dialógica
No ato da coerência No campo da aprendizagem
Da Educação Popular Rompendo com a velha lógica
O movimento da essência Do saber em defasagem.
Que faz a roda circular
No ato da experiência. A leitura da palavra
Na ação do coletivo
A formação de professores Viver a dialogicidade
No campo da educação Como momento ativo
É preciso ser permanente E nesta sagacidade
Para nossa atuação O sujeito é criativo.
E assim ser coerente
Na nossa interação. Ana nos faz refletir
Sobre causa diversificada
O humano incompleto Da nossa sociedade
Na educação se faz De forma bem arraigada
O NEPE é o lugar Que implica na humanidade
Da transformação do “ser mais” Que deve ser humanizada.
E assim mobilizar
Pra cultura da paz. Entender a história
É assim fundamental E assim a educação
Compreender o movimento É bem mais que popular.
Da revolta é crucial
Com todo engajamento A identidade cultural
Pra mudança é essencial. No contexto interativo
Fazendo de toda gente
Os temas dobradiços Um sujeito ativo
No Café se faz presente E de forma bem presente
Freire então mobiliza Paulo Freire é vivo.
O enfrentamento existente
E assim conscientiza O Café com Paulo Freire
A consciência da gente. O enfrentamento se faz
Os ataques ao seu legado
Mudar o estado Lhe tornou muito mais
É preciso ação dialógica No processo inacabado
Viver na coletividade Paulo Freire é capaz.
Pra romper com a lógica
É com dialogicidade Outro texto se faz
E de forma epistemológica. Nos temas a desdobrar
A poesia emana
Edilson me representa Na arte do pensar
Na sua garra em ação E assim a emoção humana
A sua linda trajetória Faz o diferenciar.
É de muita superação
E sua linda história Niltom assim agradece
Nos causa emoção. Pela nossa presença
Paulo Freire e Café
A pedagogia do encontro Se fazem na esperança
Se faz com o sonhar Compartilhar o saber
No ato de transformação Pra libertar a consciência.
Promove o engajar
CONHECER E AGIR PARA TRANSFORMAR – A LEITURA E O MUNDO EM
PAULO FREIRE

Luiz Percival Leme Britto1

RESUMO: Este ensaio explora a compreensão da expressão leitura do mundo, de


Paulo Freire, verificando seu alcance e a razão de ser na obra desse autor e, ao
mesmo tempo, adverte para os usos simplistas e equivocados que vêm sendo
aplicados a ela, em função da disseminação, também equivocada, de ideia de leitura
como correspondendo a processos de interpretação de coisas e objetos de cultura
diversos quando não de pura manifestação da percepção subjetiva da realidade.
Conclui advertindo que o gesto necessário de ensinar a “ler o mundo” não é “ensinar
a ler”, é realizar a pedagogia da autonomia.
PALAVRAS-CHAVE. Paulo Freire. Leitura. Mundo.

Que ninguém se iluda nem diminua: Paulo Freire é – sempre foi – um radical,
nas ideias e nas ações. Daí todo o ódio que lhe confere a truculência fascista. Freire
é a expressão mesma da liberdade, da luta contra as injustiças e as discriminações.
E havemos de permanecer vigilantes para que o horror não prevaleça.
Mas também é necessário dizer que a interpretação amaneirada e
domesticadora que às vezes se quer fazer de sua pedagogia, interpretando ingênua
ou maliciosamente o princípio da dialogicidade, não combina nem com a biografia
nem com a obra do educador. São muitos os equívocos, não importa se bem-
intencionados que se fazem por esse motivo.
E um dos muitos equívocos em torno do pensamento de Freire está na ideia
de que a leitura do mundo é uma forma de leitura. Neste pequeno artigo, trato de

1Graduado em Letras pelo Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de


Campinas (1983), onde também fez mestrado (1988) e doutorado (1997) em Linguística. Atua na
área de Educação e Linguagem desde 1982, como professor, pesquisador e formador de
professores, desenvolvendo pesquisas e realizando assessoria em vários níveis de ensino para
diferentes instâncias administrativas e organizações sociais, trabalhando principalmente com Leitura,
Ensino da Língua Portuguesa em nível Fundamental e Médio e Educação Superior e Norma e
variação linguística. É professor da Universidade Federal do Oeste do Pará desde abril de 2010, onde
atua nos cursos de graduação de Pedagogia e Letras e nos programas de mestrado
Profissionalizante em Letras - Profletras e de Pós-graduação em Educação, do qual é o atual
coordenador. Lidera o LELIT - Grupo de estudo, pesquisa e intervenção em leitura, escrita e
Literatura na escola. Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Oeste
do Pará (PPGE-Ufopa); tem vários livros publicados. E-mail: luizpercival@hotmail.com
examinar esse movimento confuso de ver leitura em tudo e reduzir, didatizando, a
um quase nada a tremenda metáfora freireana sintetizada na já tão disseminada
citação “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1982, p. 9).
Sirva de exemplo o título do trabalho de Bacocina (2009) – “Alfabetização e
arte: sobre leituras de mundo, de letras, de imagens, de vida...”: propondo-se pensar
“a inter-relação possível entre Alfabetização e Arte, bem como o uso de diferentes
linguagens no processo de aquisição da leitura e escrita”. Essa autora vê mundo de
leituras em que “leitura de mundo” seria uma forma de leitura entre muitas, das quais
é a leitura mesma (leitura “das letras”) aparece como uma delas.
No mesmo diapasão, Trennepohl (2020), considera a “consciência histórica
como potencial para leitura de mundo”, título de seu trabalho como pilar do ensino
de história. Propõe a autora que “tanto na sociedade quanto na educação brasileira
percebe-se que novas experiências estão sendo desenvolvidas, que podem
qualificar o ensino da História na escola, através de atividades mais dinâmicas, com
objetivo de formar sujeitos com maior capacidade de leitura de mundo” (p. 48).
Surpreende-me a quantidade de trabalhos, não importa quão bem-
intencionados se fazem, que tomam o conceito de “leitura do mundo” como uma
modalidade de leitura e aplicam-no quase como uma metodologia. Encontro estudos
de ensino da geografia, da química, das artes, da matemática, das ciências... todos
remetendo à leitura do mundo como parte da atividade do ensino daquele conteúdo.
E, destaque-se, diferentemente do que ocorre nos dois exemplos (e em muitos
outros textos) Freire não fala de “leitura de mundo”, mas sim de leitura do mundo –
concreto, real, histórico. Essa pequena diferença é já demonstração da
compreensão equivocada com o conceito.
Isso de tomar leitura como qualquer ação simbólica, qualquer processo de
interpretação de fenômenos ou fatos da cultura ou ainda de qualquer objeto
semiótico, fruto da própria idealização da leitura (do texto, obviamente) como valor
positivo em si, formador de consciência e de abertura de espírito, não contribui nem
com o entendimento dos modos de se fazer a história e as pessoas nessa história
(que, aliás, é feita por elas) nem com uma pedagogia da mudança (propositalmente
remeto aqui ao título de uma das obras de Paulo Freire – Educação e Mudança)
Dissertei sobre essa compreensão ampliada de leitura em trabalho anterior
(BRITTO, 2012), examinando as várias acepções da palavra e o pernicioso equívoco
teórico e metodológico consequente do contínuo interpretativo que se estabeleceu
no uso do termo. Na ocasião, advertia que

a forma como a expressão ganhou uso corrente no discurso


pedagógico obriga-nos a uma crítica mais aguda. Ocorre que, numa
perspectiva idealista e de senso comum, tem-se tomado leitura do
mundo como simples extensão de leitura da palavra, de tal modo que
aquela teria a mesma natureza que esta, ambas expressando
possibilidades de produzir sentidos. Nos casos mais extremados,
toma-se “mundo” como universo significativo a ser desvendado pela
projeção subjetiva, sendo todas as expressões manifestações de
ações interpretativas do sujeito. Trata-se, como se pode ver, de uma
aplicação ingênua da ideia de leitura como escolha – aqui escolha
sendo compreendida como dar sentido e significado às coisas
(BRITTO, 2012, p. 24).

E observava, no que tange à leitura do mundo, que

este grave equívoco conceitual e político-pedagógico [na


compreensão e aplicação do conceito-metáfora leitura do mundo]
não representa, de forma alguma, negar o valor do raciocínio
freireano, trata-se antes de valorizá-lo. E que se quer é recuperar,
até mesmo para que se tenha em conta a ação educativa como
processo emancipatória, a especificidade dos processos de ação e
de compreensão da realidade (BRITTO, 2012, p. 25).

Paulo Freire não tem a importância que lhe reconhecemos por acaso. Ele –
sua ideia – destacou-se no cenário político e educacional mundial dos anos
sessenta, época dos conflitos leste-oeste e norte-sul, em que a marca da América
Latina (e todo o terceiro mundo) era a da profunda desigualdade social e
autoritarismo de estado, com uma proposta de educação de adultos – alfabetização
– em que o ensino e a aprendizagem da escrita ganhava sentido na medida em que
implicasse a tomada de consciência pelo “educando” de si e do mundo.
Nessa perspectiva, o sentido de aprender algo – no caso, alfabetizar-se –
está intrinsecamente vinculado com o propósito de agir no mundo, de modificá-lo. A
uma educação para a submissão à ordem constituída (“educação bancária”),
contrapunha uma educação para a libertação, a qual necessariamente se faria para
e com os oprimidos.
Não há nos textos iniciais de Freire nenhuma alusão a leitura do mundo, mas
já está claro que só faz sentido aprender (e ensinar) se for para interpretar a
realidade, o mundo, e transformá-la. “‘Quero aprender a ler e a escrever para mudar
o mundo’ [é] a afirmação de um analfabeto paulista para quem, acertadamente,
conhecer é interferir na realidade conhecida” (FREIRE, 1967, p. 112). Na Pedagogia
do oprimido (FREIRE, 1968), há 355 ocorrências da palavra “mundo”, 208, da
palavra “realidade”, e 242 da palavra “consciência”. Este é a síntese freireana que
prevalecerá em toda a sua produção de quase quatro décadas: mundo – realidade
– consciência. E não para a simples afirmação subjetiva ou o sucesso individual,
mas em conexão com ação transformadora revolucionária.
A expressão “leitura do mundo”, sempre como metáfora (o discurso freireano
é pródigo em metáfora criativas e muito expressivas), só aparecerá em Cartas a
Guiné Bissau (FREIRE, 1977). Nesta obra há já um uso abundante de “leitura” (e
“re-leitura”) no sentido de percepção, interpretação, mas completada com a
expressão “realidade”, (são 12 ocorrências, todas demarcadas com aspas),
evidenciando o uso conotativo da palavra.
Na reflexão sobre a relação entre alfabetização e conscientização, o educador
enfatiza que a alfabetização de adultos é uma ação cultural, de modo que o ensino
das letras (a alfabetização) deve ser compreendido, necessariamente, como o
“esforço de ‘leitura’ e de ‘re-leitura’ da realidade, no processo de sua transformação”.
Daí porque “o domínio dos signos linguísticos escritos [...] pressupõe uma
experiência social que o precede – a da ‘leitura' do mundo” (FREIRE, 1977, p. 68).
É particularmente relevante a discussão que Freire entabula sobre a
compreensão do que, na proposta de alfabetização daquele país por ele
assessorada, chamava-se pós-alfabetização.

Em certas circunstâncias, é possível que uma comunidade se engaje


durante algum tempo, numa séria prática reflexiva sobre sua
realidade, discutindo uma temática geradora significativa, ligada a
seus interesses concretos, indagando-se em torno, por exemplo, de
sua experiência produtiva, de caráter coletivo; de como produzir
melhor, perguntando-se sobre seu papel no esforço de reconstrução
nacional, envolta, enfim, num programa que poderíamos chamar de
“pós-alfabetização”, sem que, porém, se tivesse iniciado no
aprendizado da leitura e da escrita dos signos linguísticos. Seria, no
caso, a prática da “re-leitura” crítica de sua realidade, associada a
uma forma de ação sobre ela, a que poderia despertar a comunidade
para o aprendizado da leitura e da escrita dos signos linguísticos. O
oposto, numa perspectiva revolucionária, é que seria inviável, isto é,
o aprendizado da língua sem o aprofundamento da "leitura” e da "re-
leitura” da realidade (FREIRE, 1977, p. 70, grifos do autor).

“Pós-alfabetização”, nesse contexto, está articulada com uma ideia de


educação ampla do que com a simples aprendizagem da escrita. E, de forma
alguma, sugere-se algo como leitura sem texto. Freire, isso sim, busca argumentar
aos dirigentes da educação de Guiné-Bissau que a urgência e pressão pela
alfabetização estrito senso – a aprendizagem da escrita alfabética do Português –
língua minoritária na população, especialmente dos pobres – levava a uma política
de educação equivocada. Daí a expressão “leitura da realidade” ocorra nessa obra
frequentemente. É disso que se carecia: perceber e interpretar a realidade objetiva,
a vida vivida da gente, sua cultura e formas de ser como condição de um ensino que
promovesse a consciência histórica.
Portanto, a educação política – entendida como a indagação de porque o
mundo é como é, por que e como nele vivemos e como superar a injustiça e a
desigualdade – é condição da superação da “semi-intransitividade” ou da
“curiosidade ingênua”, para a percepção da vida e das coisas e de cada um, na sua
individualidade, como parte dessa história. Do contrário, mesmo que sem assim o
desejar, a política educacional estaria reproduzindo os mesmos modelos clássicos e
alienadores da “Eva/Ivo viu a uva”, do “ba-be-bi-bo-bu”, da educação bancária.
Insiste Freire (e isso é uma constante em sua obra) que a aprendizagem do
ler e escrever (sem metáfora) deve ser percebida como um ato criador, o que implica
“a compreensão crítica da realidade”. Daí que

O conhecimento do conhecimento anterior, a que os alfabetizandos


chegam ao analisar a sua prática no contexto social, lhes abre a
possibilidade a um novo conhecimento: conhecimento novo, que indo
mais além dos limites do anterior, desvela a razão de ser dos fatos,
desmistificando assim, as falsas interpretações dos mesmos
(FREIRE, 1977, p. 23).

Mas será na conferência de abertura do 3° Congresso de Leitura do Brasil,


realizada em 1981, que Freire definitivamente começa a usar sistematicamente a
expressão “leitura do mundo”. Convidado a dissertar sobre a leitura (esse era o lema
do congresso), o autor volta-se a sua infância, pensando reflexivamente como teria
sido tanto sua descoberta do mundo – à qual se refere como “a ‘leitura’ do mundo,
do pequeno mundo em que me movia” e que, naturalmente, antecederia “a leitura da
palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da ‘palavra-
mundo’” (FREIRE, 1982, p. 9, grifos do autor).
Nesse texto, que viria a ser publicado no ano seguinte num pequeno livro com
dois outros ensaios contemporâneos (um sobre biblioteca, outro sobre Guiné-
Bissau), Paulo Freire nos oferece, com lirismo intenso e suave nostalgia, algumas
reminiscências de seus primeiros anos de vida, da casa em que viveu – os quartos,
o corredor, o sótão e o terraço (terraço onde ficavam as avencas da mãe) –, do
medo que tinhas das almas penadas e da lembrança da luz tênue que irradiavam os
lampiões que mal iluminavam as ruas do Recife.

Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se


encarnavam no canto dos pássaros – o do sanhaçu, o do olha-pro-
caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas
das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam
tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de
geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as
“palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam também no
assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus
movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro
das flores – das rosas, dos jasmins –, no corpo das árvores, na
casca dos frutos (FREIRE, 1982, p. 10, grifos do autor).

Esse percurso que fazemos, que começa ainda nos anos sessenta do século
XX e se estende até o início dos anos 90 – período de experiências mudanças
tremendas no mundo e na vida do autor – põe em evidência que, para Freire, só faz
sentido a aprendizagem da leitura-escrita se for para servir à ampliação da
compreensão crítica da realidade e atitude objetiva para sua transformação radical.
Em termos exatos, aprender (e ensinar) a ler e a escrever é parte de um movimento
(uma ação educativa) que promove a “curiosidade epistemológica” dos educandos,
sempre levando em conta (e aqui está outro fundamento da proposta freireana de
educação) o seu conhecimento anterior, dialeticamente respeitando e tensionando
sua percepção de mundo, a qual é constitutiva de sua “experiência vital”. Daí porque

Ler e escrever as palavras só nos fazem deixar de ser sombra dos


outros quando, em relação dialética com a “leitura do mundo”, tem de
ver com o que chamo de “re-escrita” do mundo, quer dizer, com sua
transformação (FREIRE, 1996, p. 40, grifos do autor).

Freire desenha, assim, uma atitude pedagógica e política que se realiza com
base na subjetividade e na individualidade de cada pessoa, de modo que, cada um
(e também todos, coletivamente) volta-se para sua vivência e, fazendo a “leitura do
seu mundo” e sua “leitura do mundo”, reconhece a condição objetiva de ser num
mundo a um tempo particular e histórico-social.
É com essa visada essencialmente fenomenológica, que Freire reconhece a
indissociabilidade sujeito-mundo, individual-social, particular-universal, que evitamos
o erro subjetivista e o erro mecanicista e percebemos “o papel da consciência ou do
‘corpo consciente’ na transformação da realidade” (1976, p. 108).
A tensão entre ser sujeito no mundo e sujeito do mundo, ser em sua história
inserida História sem deixar de ser a história de cada um, é basilar no princípio da
dialogia. Na Pedagogia da autonomia, livro declaradamente escrito para ser uma
conversa com o professor e a professora, Paulo Freire sublinha que a “explicação do
mundo do(a) educando(a) faz parte da compreensão de sua própria presença no
mundo” e que ela está explicita, sugerida ou escondida na “leitura do mundo” que
precede sempre a “leitura da palavra”. Assim, “a leitura de mundo revela a
inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela
também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da
inteligência do mundo” (FREIRE, 1996, p. 42; p. 63).
Dialeticamente, contudo, essa forma de ser e de perceber a si e ao mundo de
cada um (mais uma vez: “o saber da experiência feito” – o senso comum, a que já
nos referimos na primeira parte deste artigo) não é a da uma consciência absoluta,
mas algo que resulta da condição de ser de cada pessoa (e de todos, em ação
comum). Por isso, o educador deve ter clareza de que o respeito à “leitura de mundo
do educando não é um jogo tático com que o educador ou educadora procura tornar-
se simpático ao educando”, nem se confunde com “concordar com ela ou a ela se
acomodar, assumindo-a como sua” (FREIRE, 1996, p. 63). A atitude de docência
comprometida com a educação para a libertação deve confrontar constante e
respeitosamente

a curiosidade do educando em vez de “amaciá-la” ou “domesticá-la”.


É preciso mostrar ao educando que o uso ingênuo da curiosidade
altera a sua capacidade de achar e obstaculiza a exatidão do
achado. (...) É a maneira correra que tem o educador de, com o
educando e não sobre ele, tentar a superação de uma maneira mais
ingênua por outra mais crítica de inteligir o mundo (FREIRE, 1996, p.
63, grifos do autor).

Assim, o esforço de ler o texto só faz sentido se for um esforço para


compreender a realidade e modificá-la na perspectiva da emancipação e da
felicidade humanas. Não basta a “leitura crítica do mundo”; há que “ir mais longe e
dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas
por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo
através de nossa prática consciente” (FREIRE, 1982, p. 9).
Mas é também um imperativo pedagógico reconhecer o direito dos educandos
de “dizer a sua palavra”, o que implica “escutá-los”, falar com eles e não a eles
(“simplesmente falar a eles seria uma forma de não os ouvir”). E, para tanto, devem
os educadores e as educadoras:

"assumir” a ingenuidade dos educandos para poder, com eles,


superá-la. E assumir a ingenuidade dos educandos demanda de nós
a humildade necessária para assumir também a sua criticidade,
superando, com ela, a nossa ingenuidade também (FREIRE, 1982, p.
17).

Freire reforça aqui, o caráter político de toda educação, reafirmando a tese já


enunciada nos anos 1960 de que não há uma “educação neutra, que se diga a
serviço da humanidade, dos seres humanos em geral” (FREIRE, 1982, p. 15).
Havemos ter claro e assumido que

tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político, uma


das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de
quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, fazemos a
educação e de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e
contra o quê, desenvolvemos a atividade política. Quanto mais
ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais percebemos a
impossibilidade de separar o inseparável: a educação da política.
Entendemos então, facilmente, não ser possível pensar, sequer, a
educação, sem que se esteja atento à questão do poder (FREIRE,
1982, p. 15-16).

Somente nessa perspectiva – e não naquele de uma ideia genérica de


educação dinâmica e liberal –, “a alfabetização como ato de conhecimento, como
ato criador e como ato político, é um esforço de leitura do mundo e da palavra”
(Ibidem, p. 19). Falamos de dois movimentos independentes, mas ganham sentido
apenas quando um se faz para o outro.
Concluímos com a percepção de “leitura do mundo” e “leitura da palavra” são
duas dimensões independentes e inter-relacionadas, porque ambas, assim como
todas as demais possibilidades de pensar e representara a realidade, visto que são
expressão da condição de ser no mundo, de viver nele, de pensá-lo e de agir para
modificá-lo.
Esta é a razão de estudar, de ensinar, de relacionar com a cultura – e ler, no
sentido senso do ler, é uma da forma de fazer isso, entre muitas possíveis. A leitura
do mundo não é uma modalidade de leitura, é a vivência incorporada e uma atitude
interpretativa dessa vivência e de sua realidade, representadas por uma metáfora
genial. Ensinar a ler o mundo não é ensinar a ler nem promover a leitura, é realizar a
pedagogia da autonomia.
REFERÊNCIAS

BACOCINA, Eliane Aparecida. Alfabetização e arte: sobre leituras de mundo, de


letras, de imagens, de vida. BACOCINA Eliane Aparecida. Revela, ano II – n. 4, p.
1-14, jan./maio 2009.
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: acepções, sentidos e valor. Ano XVIII, v. 21,
n. 22, p. 18-32, jan./abr. 2012.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1982.
_______. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
_______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
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TRENNEPOHL, Vera Lucia. A consciência histórica como potencial para leitura de
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