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Caderno de Educação
em saúde
Brasília, DF
2013
2013 © Ministério da Saúde
Ministério da Saúde
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa - SGEP
Departamento de Apoio à Gestão Participativa - DAGEP
ISBN:
CDD: 362.1042
CDU: 614.07
A democracia é, como o saber, uma conquista de
todos. Toda a separação entre os que sabem e os que
não sabem, do mesmo modo que a separação entre
as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias
históricas que podem e devem ser transformadas.
Paulo Freuire
5
2013. Ano de desafio. De construção. De materialização da
Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS
“... Afagar a terra Luiz Odorico Monteiro de Andrade
Conhecer os desejos da terra
Secretário de Gestão Estratégica
Cio da terra, a propícia estação e Participativa do Ministério
E fecundar o chão” da Saúde
[Milton Nascimento e Chico Buarque]
Apresentação
Caderno de Educação
Apresentação
2013. Ano de desafio. De construção.
De materialização da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS ................................ 7
Luiz Odorico Monteiro de Andrade
1. Construindo caminhos
A Educação Popular em Saúde na Gestão Participativa do SUS:
construindo uma política........................................................................................................................ 16
Osvaldo Peralta Bonetti, Reginaldo Alves das Chagas, Theresa C. A. Siqueira
ANEPS: caminhos na construção do inédito viável na gestão participativa do SUS.......................... 25
José Ivo dos Santos Pedrosa, Maria Cecília Tavares Leite, Simone Maria Leite Batista, Vera Lúcia de A. Dantas
2. Nossas fontes
Introdução ............................................................................................................................................ 33
Eymard Mourão Vasconcelos
A crise da interpretação é nossa: procurando entender a fala das classes subalternas.......................... 34
Victor Vincent Valla
Leituras de artigo de Fiori, com a intenção de despertar outras leituras ............................................ 49
Maria Waldenez de Oliveira e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Conscientização e educação.................................................................................................................. 55
Ernani Maria Fiori
Círculos de Cultura: problematização da realidade e protagonismo popular ..................................... 73
Vera Lúcia Dantas e Angela Maria Bessa Linhare
em saúde - volume 2
5. Reflexões e vivências
Educação popular na formação do agente comunitário de saúde...................................................... 151
Vera Joana Bornstein, Márcia Raposo Lopes, Helena Maria S. Leal David
Diálogo com práticas populares de saúde na formação profissional.................................................. 157
Maria Waldenez de Oliveira, Aida Victoria Garcia Montrone, Aline Guerra Aquilante, Fábio Gonçalves Pinto
Formação profissional e educação popular a partir de uma experiência
curricular em graduação em enfermagem........................................................................................... 165
Helena Maria S. Leal David, Sonia Acioli
»
6. Outras palavras
Aprendendo - e ajudando - a olhar o mar:
das muitas saúdes, culturas e artes na educação popular.................................................................... 179
Julio Alberto Wong-Un
De cenopoesia e dialogicidade: da reinvenção da linguagem ao reinvento do humano.................... 191
Ray Lima
“O cotidiano de Dona Chica na luta contra a tuberculose”
e a possibilidade de aprender com ludicidade.................................................................................... 194
F. Josenildo Nascimento, Mayana A.. Dantas, Ana Paula Brilhante, Ma. Rocineide F. da Silva, Ma. Vilma N. de Lima
Cha(mamé)lé cultural: poesia gauchesca............................................................................................ 196
Maria Helena Zanela
Construindo caminhos
movimentos representativos dos gestores, lizados no caminho de um projeto popular de
como também, 9 representações de área de saúde onde haja o sentido do pertencimento
governo, ligadas às áreas técnicas do MS e popular ao SUS; a aposta na solidariedade e
instituições ligadas ao SUS. Reuniões peri- na amorosidade entre os indivíduos como for-
ódicas com o conjunto das representações ma de conquista de uma nova ordem social;
que o compõem têm sido realizadas a fim a valorização da cultura popular como fonte
de discutir e construir estratégias de forta- de identidade; a concepção de que a leitura
lecimento da EPS, as quais estão articuladas da realidade é o primeiro passo para qualquer
ao seu objetivo primeiro que é o de apoiar processo educativo emancipatório que vise
e sistematizar o processo de formulação e contribuir para a conquista da cidadania.
implantação da PNEP-SUS-SUS. Ao observarmos sua capilaridade nos
18 Para cumprir com este objetivo, em 2010 últimos anos, não podemos deixar de men-
foram realizados seis Encontros Regionais de cionar as inúmeras experiências que vem
EPS promovidos pelo MS em parceria com sendo desenvolvidas nos serviços de saúde
os movimentos sociais populares integrantes pelos trabalhadores do SUS que, por vezes
do CNEPS. Nestes Encontros ficou explíci- de forma silenciosa em relação à institucio-
ta a necessidade de reinventar a participação nalidade, sem apoio das instituições, tem
no SUS, considerar o “jeito de ser brasileiro”, buscado uma nova forma de fazer saúde,
de promover um Sistema de Saúde cada vez mais participativa, promovendo a autonomia
mais humanizado e identificado cultural- e a transformação da cultura vigente, assim
mente com a população que o constrói e o como as experiências realizadas pelos movi-
acessa cotidianamente. mentos sociais populares em suas atividades
Entende-se que a EPS apresenta-se educativas ou de mobilização. Um dado que
com potencialidade, não apenas como entendemos ter relação a este processo histó-
referencial teórico/metodológico para a rico da EPS e valide a afirmativa anterior, é
construção de políticas, haja vista as ex- o número expressivo de trabalhos apresenta-
periências reais em governos do campo da dos em congressos da área da saúde referen-
esquerda, como também, campo de práti- ciados na EPS nos últimos anos, trazendo a
ca social com amplo poder de agregação, dimensão da contribuição que este campo
alicerçado em princípios éticos e culturais tem possibilitado para a transformação das
compromissados com o popular. práticas de saúde. Para citar um exemplo,
Dentre os princípios da EPS, podemos destacamos o ABRASCO de 2010 que con-
destacar a defesa intransigente da democra- tou como eixo temático Educação Popular
cia em contraposição ao autoritarismo ainda e Movimentos Sociais, que teve o segundo
comum em nossa jovem democracia; a artic- maior numero de inscrições do congresso.
ulação entre os saberes populares e os científi- O número de iniciativas inovadoras re-
cos promovendo o resgate de saberes invisibi- ferenciadas na EPS, fomentadas ou sendo
Construindo caminhos
arquivo ANEPS
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Construindo caminhos
sificando identidades não só entre aqueles com as ações de EPS e destaca movimentos
de cada um destes (LGBT, negros, campo e sociais populares que tem acumulado uma
floresta, em situação de rua, ciganos), como qualificada compreensão no caminho com-
no seu conjunto, sendo que há similitudes plexo da institucionalização da EPS.
entre os condicionantes de suas situações Na análise das potencialidades da
de iniquidade, processo esse fundamental PNEP-SUS, uma dimensão significativa é a
também, na articulação da defesa do projeto articulação das práticas populares de cuida-
coletivo de saúde, elementar ao SUS. do aos serviços de saúde, pois estas atuam
O estímulo à descentralização de muito próximas dos princípios que temos
Comitês de Educação Popular em Saúde buscado efetivar no SUS, como a human-
apresenta-se como a estratégia para cap- ização, solidariedade e a integralidade, com-
22 ilarizar as ações de EPS junto às gestões preendendo estas não só como forma de
estaduais, na medida em que promove a in- cura, mas, fundamentalmente, como con-
stitucionalização de espaço de interlocução tribuidoras para a conquista de um projeto
entre atores dos movimentos sociais popu- de sociedade engajado com esses valores.
lares e as áreas de gestão do SUS. Assim, a A incorporação da EPS pelo SUS nos
PNEP-SUS se apresenta como referencial traz a dimensão do potencial apresentado
político pedagógico para a formulação e pelo trabalho em rede, o qual poderá ser
implementação de ações de EPS nas de- fortalecido enquanto referencial nas políti-
mais esferas de gestão, mas fundamental- cas de saúde, visando maior capilaridade,
mente, por meio destes espaços espera-se efetividade e democratização das mesmas.
promover a construção compartilhada e Para tanto, será fundamental a compreensão
identificada a cada realidade estadual, que de que a EPS não é apenas mais um con-
perpassa tanto a própria política de saúde, teúdo acadêmico e sim é uma prática social
as características locais do SUS, como tam- que apresenta uma produção consistente no
bém a conjuntura e organização política da campo teórico, mas que somente é apreen-
sociedade civil. Neste contexto, a configu- dida e realizada de fato, quando vinculada
ração dos Comitês de EPS não possuem ao compromisso com o SUS enquanto pro-
uma estrutura ou composição padrão e jeto de sociedade e vivenciada na prática.
sim, devem ser recriadas em cada locali- Ações de EPS poderão vir a contribuir
dade conforme a articulação e mobilização com a promoção da saúde e a qualificação
de atores que se movem no campo da ed- da educação em saúde tradicionalmente
ucação popular em saúde. O desenho im- realizada, fortalecendo vínculos emanci-
plementado no nível nacional poderá sim, patórios para que o cidadão tenha cada
servir de subsidio na formulação destes es- vez mais autonomia de decisão em como
paços no momento em que aponta áreas de se cuidar e mais amplamente no seu jeito
governo com identidade técnica e política de andar a vida. Vale destacar que na per-
Construindo caminhos
positivos democratizadores da participação EPS, a quem serve e em quais espaços é
popular na política de saúde, dentre os quais propícia sua contribuição.
a EPS merece evidência. Quando entendemos que a busca da
Democratização é a palavra chave tan- transformação social perpassa as relações
to para garantirmos o acesso a todos como humanas, as formas de apropriação do con-
para a conquista de um sistema acolhedor, hecimento e de outros bens, torna-se mais
este último talvez mais complexo de ser con- compreensível que a EPS pode acontecer
quistado, pois, para garantir acolhimento é tanto no espaço da gestão, dos serviços de
necessário algo mais - o sentido de perten- saúde, de formação em saúde e dos movi-
cimento apontado por Paulo Freire. Nesse mentos populares onde foi concebida e vem
sentido, a EPS tem apontado princípios que sendo realizada.
24 podem contribuir às práticas de saúde nessa Com a PNEP-SUS, espera-se articular
busca, como a problematização da realidade o referencial da educação popular em saúde
vivenciada pelas populações enquanto ele- aos processos de gestão, formação, controle
mento básico dos processos educativos e de social e cuidado em saúde, buscando for-
planejamento no enfrentamento dos deter- talecer a gestão participativa, contribuir com
minantes sociais da saúde; a valorização do a formação em saúde em seus vários espaços
saber popular como forma de construirmos de ação - profissional, técnica, bem como for-
relações e vínculos mais efetivos, além do talecer os processos já existentes no campo
desafio de resgatarmos e articularmos as dos movimentos populares, intenção esta, que
práticas populares de cuidado aos serviços se traduz não apenas em apoio financeiro, mas
de saúde; a construção compartilhada do em relações mais próximas entre governos e
conhecimento; e a amorosidade, elemento estes movimentos na construção de projetos
intrínseco da humanização do sistema, que coletivos para a qualificação do SUS.
implica o reconhecimento do outro em sua O momento atual demonstra grande
totalidade e diversidade. fertilidade nas formulações e realizações do
Para que a EPS seja transformada em campo da EPS na política pública de saúde,
uma política do SUS temos de compreender porém, a conquista da Política Nacional de
que esta deverá contemplar a todos aque- Educação Popular em Saúde perpassa um
les que estão implicados com a política de movimento que vai além de sua pactuação e
saúde, ou seja, trabalhadores, gestores, do- instituição no marco regulatório do SUS. A
centes, educadores, estudantes e usuários. PNEP-SUS somente alcançará os impactos e
Ainda é comum a visão de que a educação transformações desejadas, se cada ator do SUS
popular somente é realizada a uma parcela sentir-se parte e protagonizar este processo de
da população mais desfavorecida e este deve implementação. O convite está posto. Espera-
ser um ponto a ser trabalhado na política, mos que, cada vez mais, esta política construa
ampliar a visão sobre o que realmente é a sentidos coletivos em sua materialidade.
Construindo caminhos
tiva. Todo este processo desencadeou a for- que a vivenciam será um marco fundamen-
mulação da proposta do CNEPS, como mais tal. Colocando em cena uma dimensão im-
uma estratégia que tem como objetivo a am- portante da educação popular: a autorali-
pliação e o fortalecimento da luta pelo direito dade dos sujeitos na escrita da sua própria
à saúde, da luta em defesa do SUS, por meio história de luta e resistência. Olhar para sua
da participação popular, através dos já institu- realidade e contextualizá-la criticamente,
ídos espaços de participação popular nas po- percebendo-se sujeito da construção de um
líticas públicas e apostando em novas e criati- projeto popular de sociedade são uma das
vas formas de participação da população. perspectivas desse percurso formativo em
Apesar dos avanços na caminhada tri- gestação.
lhada pelos atores dos movimentos e práti- Frente a um contexto histórico no qual
28 cas que fazem a ANEPS, muitas situações- o processo de aproximação dos movimentos
-limite precisam ser superadas. Uma delas sociais e populares com o instituído, tem, via
diz respeito à própria for- de regra, resultado na total
ma de organização de um ou parcial descaracteriza-
espaço como esse. Vários Olhar para sua realidade e ção das suas propostas e na
foram os formatos já ex- contextualizá-la crit icamente, perda das identidades des-
perimentados e parece- percebendo-se sujeito da ses sujeitos e movimentos,
-nos que essa ainda é uma construção de um projeto o momento atual propi-
situação-limite que conti- popular de sociedade são uma cia uma discussão sobre a
nua a desafiar a capacidade das perspectivas desse percurso importância da participa-
inventivo-criativa dos su- formativo em gestação. ção popular na saúde e na
jeitos dessa articulação que implementação do SUS,
seguem maturando suas suscitando a necessidade
reflexões, seja na compreensão do sentido de refletir sobre a caminhada da ANEPS
político pedagógico da Educação Popular e no Brasil como uma estratégia de fortaleci-
de como ele se materializa na experiência, mento da educação popular em saúde, mo-
na percepção dos sujeitos sobre o que expe- vimento político e campo em constituição,
riência e como essa reflexão pode transfor- olhando para três dimensões: a ampliação
mar sua realidade. dos espaços de interlocução entre a gestão
A importância de produzir essas refle- do SUS e os movimentos sociais populares;
xões com base na experiência desses sujei- a capacidade de mobilizar a população pelo
tos levou à construção de uma proposta de direito à saúde e pela equidade; e como es-
formação envolvendo os outros coletivos tratégia pedagógica constituinte de sujeitos
nacionais de educação popular a que nos críticos e propositivos com potencialidade
referimos anteriormente, na qual a sistema- para formulação e deliberação de projetos
tização das experiências constituídas pelos políticos.
Nossas fontes
Fora do Eixo
38
E neste sentido, talvez a grande guinada, a principal mudança de ótica com relação aos trabalhos que são desenvolvidos com
as classes subalternas se refere a compreensão que se tem de como pessoas dessas classes pensam e percebem o mundo.
sor não é suficiente para fazer com que tudo do professor, pois é isso que foi retido pelo
seja assimilado pelos alunos. Justamente de- aluno. É também assim que se processa a
vido a sua história de vida, alguns pontos são fala do profissional com a população e vice
vistos com mais atenção do que outros, fa- versa. De acordo com a formação de cada
zendo com que sejam retidos e os outros não. um, a sua história de vida e as suas vivên-
É na hora da avaliação – disse a cias de cada dia, uma leitura do outro é feita,
expositora – que começam os problemas, não necessariamente de tudo que o outro
pois é uma prática comum não pedir que fala, mas daquilo que chama mais atenção,
seja relatado pelos alunos nem o que o pro- daquilo que mais interessa5.
fessor expôs, nem o que o aluno percebeu,
mas sim, qualquer aspecto do conteúdo que 5.
Essas ideias sobre avaliação foram desenvolvidas
estava no livro5. pela Professora Marisa Ramos Barbieri
(Departamento de Psicologia e Educação, Faculdade
Na realidade, a avaliação teria que ser de Filosofia, Ciências e Letras, USP, Ribeirão
sobre aquilo que o aluno percebeu na fala Preto) durante a mesa redonda “A escola: Seus
agentes e interlocutores”. Seminário sobre Cultura
Nossas fontes
falas, é de entendê-las como sendo confor- radores de favelas pagam e a obrigação que
mistas, principalmente para quem tem co- o Estado tem de devolvê-los na forma de
nhecimento de causa do que significa rece- serviços ( neste caso, através da água). Meus
ber água em sua casa duas a três vezes por argumentos foram além: não cabe a Asso-
semana (Valla, 1994). ciação de Moradores preencher o papel de
O que cabe destacar aqui é a necessida- prefeitura ou governo, mas sim os morado-
de de entender melhor as “falas como a da res organizados reivindicando os seus direi-
moradora e as alternativas de condução de tos. Novamente o sorriso condescendente e
vida”, que têm como seu ponto de partida o comentário: “Professor, se nós moradores
a “leitura e representação de uma história, entregássemos a responsabilidade de distri-
referenciada em sua experiência de vida e buir água à CEDAE, iria ser o fim da nos-
40 que...oriente sua forma de estar no mundo” sa água. Se as favelas têm água, é por cau-
(Cunha, 1994). sa das Associações de Moradores, mesmo
O que frequentemente para o profis- com todos os seus problemas”. Ou seja, o
sional é conformismo, falta raciocínio que eu utilizei,
de iniciativa e/ou apatia, é O que frequentemente para era acadêmico, e, diga-se
para a população uma ava-
o profissional é conformismo, de passagem, correto. Em
liação (conjuntural e ma-
terial) rigorosa dos limites
falta de iniciativa e/ou apatia, é troca dos impostos pagos,
quem tem de oferecer ser-
da sua melhoria. O autor para a população uma avaliação viços de qualidade é o go-
deste trabalho teve muito (conjuntural e material) rigorosa verno, e não a população
dificuldade em compre- dos limites da sua melhoria. numa espécie de mutirão.
ender o sorriso condes- A resposta da liderança
cendente da liderança da inverteu a lógica: se não
favela quando insistiu com ele que “duas ou fosse pelo esforço dos moradores, organi-
três vezes por semana” era insuficiente e que zados nas suas associações, não haveria
o certo era 24 horas por dia. água nas favelas. O que ele queria di-
Na mesma conversa com esta lideran- zer era que a CEDAE, na realidade, não
ça, foi colocado por mim que os moradores tem política de distribuição de água para
de favela teriam de reivindicar a presença as favelas, mas que as Associações de Mo-
mais sistemática da Companhia de Água e radores conseguiram “puxar” a água atra-
Esgoto (CEDAE) com a devida urgência, e vés da sua organização, e não insistir nesta
que as Associações de Moradores não de- política significava abrir mão da água. Ou
veriam estar administrando a água no lugar seja, atrás da fala desta liderança, havia uma
da CEDAE. Neste momento, utilizei uma resposta teórica para minha proposta teóri-
discussão teórica desenvolvida no interior ca: os governos no Brasil não estão muito
da academia sobre os impostos que os mo- preocupados com os moradores de favelas
Nossas fontes
Não é nosso desejo que garante a su- balternas, mas, sim, a avaliação correta da
posta unidade das classes subalternas. maneira com que compreendem o mundo.
José de Souza Martins avalia que as “...a prática de cada classe subalterna e de
muitas dificuldades que os pesquisadores, cada grupo subalterno, desvenda apenas um
políticos militantes e profissionais encon- aspecto essencial do processo do capital....
tram na compreensão da fala da população Há coisas que um camponês, que esta sen-
têm como uma das explicações a per- do expropriado, pode ver, e que um operário
cepção do tempo. E é o reconhecimen- não vê. E vice-versa” (Martins, 1989).
to desta percepção temporal das classes A atribuição de identidade, consciência
subalternas que permite explicar em parte e organização, bem como das relações so-
sua diversidade. O desconhecimento desta ciais, baseadas na classe operária, às demais
diversidade é que faz com que a compreen- classes subalternas produz uma forte distor-
são das suas lutas e seu limites não sejam ção. Quando se utiliza este tipo de avaliação
apreciados (Martins, 1989). Não é o nos- para outros grupos sociais, como por exem-
so desejo, nem nosso incentivo verbal, que plo, para os camponeses, a impressão que
garante a suposta unidade das classes su- se tem é de que o processo histórico anda
É necessário que o esforço de compreender as condições e experiências de vida como também a ação política
da população seja acompanhado por uma maior clareza das suas representações e visões de mundo.
Arquivo UPAC
Nossas fontes
e não como cultura barbarizada, forma de- anjos isolava Maria das companheiras, con-
caída da cultura hegemônica, mera e pobre ferindo-lhe uma aura sobrenatural. Para
expressão do particular” (Martins, 1989). Menocchio o elemento decisivo era, ao
Ginsburg discute o que ele chama de contrário, a presença das ‘outras virgens’,
“circulariedade”, isto é, de que as influências que lhe servia para explicar da forma mais
vão de baixo para cima e de cima para bai- simples o epíteto atribuído tanto a Ma-
xo. Com isso quer dizer que tanto as classes ria quanto às outras companheiras. Desse
subalternas influenciam as ideias das elites modo, um detalhe acabava se tornando o
como estas mesmas classes superiores exer- centro do discurso, alterando, assim, todo o
cem influencia sobre as ideias das classes seu sentido”.
subalternas (Ginsburg, 1987). Ginsburg aponta para a questão de que
44 Trabalhando com a concepção de cul- é mais importante discutir como Menoc-
tura oral, Ginsburg cha- chio leu e não tanto o que
ma a atenção para o fato leu: “é decifrar sua estra-
de que a leitura feita por
(...) a cultura popular nha maneira de adulterar e
quem recebe muito a in- deve ser pensada como alterar o que lê, de recriar”
fluência de uma cultura cul tura, como conhecimento (Ginsburg, 1987).
oral (e neste caso não é acumulado, sistematizado, Uma antropóloga
somente uma discussão de interpretativo e explicativo, e com grande experiência
um moleiro italiano do sé- não como cultura barbarizada, de trabalho com traba-
culo XVI, mas das classes forma decaída da cultura lhadores rurais assistiu à
subalternas no Brasil de hegemônica, mera e pobre seguinte cena: dois tra-
hoje) lê como se fosse com balhadores analfabetos
um filtro que “faz enfatizar
expressão do particular. olhando para uma carti-
certas passagens, enquan- lha sobre exploração dos
to ocultava outras, exagerava o significado trabalhadores no campo. Quando viram o
de uma palavra, isolando-a do contexto” patrão, gordo e forte de um lado, e o tra-
(Ginsburg, 1987). balhador rural magro e fraco do outro, um
Como exemplo, o autor destaca o mo- comentou para o outro: “Quem somos nós?
leiro Menocchio falando em público que “O outro respondeu:” É claro que nós somos
era um absurdo acreditar que Maria, mãe de a pessoa mais forte, pois unidos nós somos
Deus, era virgem. Mas quando foi chamado fortes, e o patrão é fraco sozinho, diante da
pela Inquisição a depor, citou um texto que nossa união” 8. Isto lembra o comentário do
continha cenas de um afresco onde Maria
aparecia com outras virgens, no templo. As-
8
A cena relatada foi assistida pela Maria Emília L.
Pacheco, da Coordenação Nacional da Federação de
sim, “sem deformar as palavras, inverteu o
Órgãos de Assistência Social e Educação (FASE),
significado”, pois, no texto, a aparição dos Rio de Janeiro, 1994.
Nossas fontes
Arquivo UPAC
46
A cultura das classes subalternas é uma tentativa de explicar esse mundo em que se vive. Se, no entanto,
não dá conta de explicar tudo, (e daí a razão de se recorrer à mágica), tampouco a ciência explica tudo.
Nossas fontes
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48
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PATTO, Maria Helena S. A produção do fra-
casso escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991.
PEREGRINO, Mônica. Picada, beco, vielas:
»
cativas em escolas, universidades, no meio go do Prof. Fiori foi gerado no âmago dos
popular. O texto Conscientização e Educa- movimentos populares que buscavam, nos
ção a primeira vista parece muito difícil de anos 1960, 1970 libertar a América Latina
ser compreendido. De fato fácil, ele não é. das estruturas opressivas que vinham per-
Trata-se da expressão de um filósofo, de um sistentemente se construindo desde que
jeito próprio de refletir em Filosofia que os europeus, no século XVI, invadiram as
parte de autores com os quais, muitas vezes, terras onde viviam, no seio de suas culturas
nós, educadores, não somos familiarizados. e sociedades, povos originários do conti-
Por isso, se quisermos aprender com as re- nente. Usando a opressão, a desqualificação
flexões do Prof. Fiori temos de estudar seu como instrumentos para se impor aos povos
texto seriamente. Quanto ao estudar, Paulo originários, aos africanos que escravizavam,
50 Freire (1979, p. 10)1 nos orienta: buscaram, os invasores, e ainda hoje segui-
dores de seus pensamentos e propósitos
A atitude crítica no estudo é a mesma que buscam, converter a tudo e a todos num
deve ser tomada diante do mundo, da re- constructo europeu. Em outras palavras, a
alidade, da existência. Uma atitude de ideia de que o mundo europeu conteria o
adentramento com a qual se vá alcançan- que de mais perfeitamente humano existe,
do a razão de ser dos fatos cada vez mais imperava e impera. Por isso, todos que es-
lucidamente.[. . .] Um texto estará melhor tivessem fora dele, deveriam se converter o
estudado quanto, na medida em que dele se mais próximo possível a seus ideais e ideias,
tenha visão global, a ele se volte, delimitan- para serem admitidos e reconhecidos entre
do suas dimensões parciais. O retorno ao as elites, hoje, constituídas, pelos descen-
livro (no presente caso, ao artigo) aclara a dentes ou representantes daqueles invasores
significação de sua globalidade. e colonizadores de territórios e mentes.
É assim que as autodenominadas elites,
De fato, a cada estudo do artigo em
desde o século XVI, vêm criando mecanis-
tela, sempre pautado por experiências de
mos de exclusão, de desigualdades sociais
aprender e de ensinar, próprias de nossas
no continente que decidiram denominar
tarefas de professoras, vamos descobrindo
América Latina. Os oprimidos, nesse qua-
novos significados, diferentes orientações.
dro de organização social, têm manifesta-
O referido texto é um manancial para quem
do descontentamento, por meio de atos de
é persistente e dele se acerca com curiosida-
resistência que nunca deixaram de ocorrer
de, paciência, vontade de aprender, de iden-
desde a invasão e a consolidação de projetos
tificar sempre novos significados. Antes de
de colonização. Aos grupos populares, ao
mais nada, é importante lembrar que o arti-
longo dos séculos, têm se juntado intelec-
tuais que buscam um pensar e um agir vin-
1
FREIRE, Paulo. Considerações em torno do ato de
estudar. In: ___. Ação cultural para a liberdade. Rio
culados às origens e experiências próprias
de Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 9-12. dos povos e sociedades que hoje constituem
Nossas fontes
ca Latina, é constituída pelo encontro das Para penetrar no pensamento do Prof.
pessoas umas com as outras e também pelo Fiori, temos de apreender essa visão de
seu encontro com o ambiente que as circun- mundo e com ela aprender, além, é claro, de
da, ou seja, a natureza, as sociedades com as assumir ética e politicamente posição dian-
diferentes culturas e histórias daqueles que te das relações sociais, entre elas as étnico-
as compõem. Por isso, não são somente os -raciais, de que participamos. Para tanto, do
pensamentos e perspectivas de vida origi- ponto de vista do Prof. Fiori, é preciso rom-
nados a partir das raízes européias, que nos per com preconceitos e engajar-se em “luta
permitem compreender as realidades em contra a dominação” que somente “alcança-
que vivemos, nos diferentes países da Amé- rá seus fins se romper as estruturas para dar
rica Latina. Para tanto, também são fun- surgimento ao homem novo” (p. 73). Difícil
52 damentais a sabedoria ancestral dos povos é medir o desafio para os estabelecimentos
originários, dos descendentes de africanos, de ensino, notadamente as universidades,
de asiáticos. cuja meta maior têm sido a produção de co-
Reconhecer, respeitar nhecimentos e a formação
e valorizar as diferentes ra- Para penetrar no pensamento do superior, pautadas em cri-
ízes históricas e culturais térios da meritocracia que
da nossa região é atitude
Prof. Fiori, temos de apreender cultiva valores e defende
política fundamental para essa visão de mundo e com ela interesses dos grupos que
libertar a América Latina aprender, além, é claro, de assumir detêm o poder de governar
das opressões que a arra- ética e politicamente posição a sociedade. Em outras pa-
sam. O Equador e a Bolí- diante das relações sociais, entre lavras, escolas e faculdades
via, o reconhecem nas suas embora não possam impe-
constituições nacionais,
elas as étnico-raciais, de que dir o acesso de estudantes,
ao acolher a sabedoria de particip amos. professores e funcionários
seus primeiros habitantes dos grupos populares, ten-
e incluir entre os direitos que asseguram os tam exigir que esses se convertam a valores,
direitos da natureza, dando-lhes igual valor objetivos e projetos daqueles que o ensi-
ao atribuído aos direitos humanos. Reco- no superior sempre acolheu e formou para
nhecem, dessa maneira, a sabedoria ances- ocupar os postos que decidem os destinos
tral dos indígenas da América Latina que da sociedade, do país.
ensina serem os homens e as mulheres parte Lutar contra a dominação exige que
da natureza e não seus senhores, diferente se tenha disposição, vontade e energia para
do que a cosmovisão de raiz européia difun- conhecer e decifrar as realidades em que
de. No entender dos povos originários o que vivemos e nos constituem. “As lutas pela
vale não é o benefício individual, mas o bem libertação”, sublinha, o Prof. Fiori, “ desde
viver, a vida boa para todos os seres vivos, seus primórdios, devem restituir ao homem
inclusive os não humanos. sua responsabilidade de re-produzir-se, isto
Nossas fontes
desempregados, deficientes. Ora, pondera, o Prof. Fiori, “a forma
humana se recria em diferentes formas de vida, na concretiza-
ção histórica; a cultura se refaz e se reassume na diversidade das
culturas”(p. 75). E mais adiante (p. 78) acrescenta que no saber
da cultura se fortalece a participação de cada um na sociedade.
Entretanto, chama, ele, a atenção para o fato de que valores
e formas de vida ancestrais, se impostos, podem também alienar
(p. 76). Entende-se, então, a firmeza com que sublinha que para
se educar é exigido de cada um reflexão e crítica, fazer-se e
refazer-se constantes. E também a firmeza com que diz: “toda
cultura é medularmente aprendizado. Em sua dinâmica, o ho-
54 mem se faz, aprendendo a refazer-se, aprendendo a humanizar-
-se, a libertar-se. Cultura autêntica é aprendizado e aprendizado
autêntico é conscientização” (p. 78).
Com as considerações que acima formulamos, pontuamos
algumas das passagens do artigo do Prof. Fiori que têm fecunda-
do, orientado e ajudado a avaliar nossa atuação enquanto mulhe-
res, professoras, investigadoras, militantes junto a movimentos
sociais que congregam negros, moradores de favelas, prostitutas.
Esperamos que sejam úteis no sentido de incentivar leitores que
costumam desistir diante de textos longos e aparentemente difí-
ceis. Para concluir, citamos mais uma vez o mestre, em afirmação
que desencadeia inquietações e questionamento a nossas atua-
ções: “A conscientização é esse esforço do povo para retomar seu des-
tino histórico, sua cultura, em suas próprias mãos. Cultura do povo,
pois, e não cultura para o povo: cultura popular.” (p. 81).
Nossas fontes
ficado, como um fazer que não termina em mente; como corpo consciente, pode trans-
produto feito, mas em que o efeito é uma cender sua situação espaço-temporal, para
contínua manifestação de um fazer que se visualizá-la, aprendê-la, determiná-la.
refaz, continuamente. É o mundo mesmo Não é corpo do eu que se entrega no
que se constitui e reconstitui neste refazer- mundo: não é o corpo que possui, mas o
se. Assim, na expressão do mundo pela corpo que ele é. Seu corpo que se objeti-
consciência o próprio mundo se expressa va no mundo. E assim experimentamos a
como consciência do mundo. O mundo objetividade de uma experiência que nunca
não pode refletir-se na consciência antes de pode chegar ao seu termo, pois neste reapa-
ser mundo consciente. E a consciência não rece a presença que presentifica e objetiva: o
pode ser determinada pelo mundo antes de sujeito. Ao contrario, se experimentamos o
58 um se recuperar através do outro: não está objeto como presença presente a si mesmo,
dada, ela se conquista e se faz: é, ao mesmo esta experiência tão pouco se esgota na pura
tempo, descobrimento e invenção. subjetividade, pois, na transparência desta, o
Nesse sentido, a expressão do mundo corpóreo se reencontra, também, como ob-
não acontece nem sucede à sua transfor- jetividade. Eu e mundo não se erguem em
mação, uma ultrapassa a outra e coincidem. frente ao outro: convocam-se, mutuamen-
Assim, a consciência do mundo retoma, re- te, para a existência, que é o movimento no
flexivamente, o movimento de seu significar qual se situa e se projeta, isto é, no qual se
ativo em que os significados mundanos se dialetiza como efeito que se transcende e
constituirão. Na medida em que o homem transcendência que se efetiva.
dá significados ao mundo, neste se reencon- O significar ativo em que o mundo é
tra, reencontrando sempre e cada vez mais a significado não se efetua como atividade de
verdade de ambos. uma consciência pura subjetividade. Este
Neste momento, a conscientização já se significar, ao contrário, é um comportamento
prefigura como ação transformadora e não corpóreo-mundano e existencial no qual se
como visão especular do mundo: refazer- constitui e reconstitui o mundo significado.
-se com autenticidade implica reconstruir O sujeito deste significar é logos e práxis.
o mundo. Não é um logos que ilumina o mundo como
espetáculos; ilumina-se na interioridade de
3. O eu consciente também se situa entre
uma práxis que transforma. Diz o mundo
as coisas no mundo; porém, estranhamente,
num discurso que é existência.
ele mesmo é a luz que revela o lugar e o
O homem não é, pois, um sujeito dentro
momento da sua situação. Chega a ser ob-
de um mundo de objetos: é uma subjetivida-
jeto entre objetos, sem deixar de ser sujeito,
de encarnada numa objetividade. Isso quer
embora nunca em plenitude.
dizer que, neste sentido, o mundo vai dimi-
Como eu corpóreo, situa-se fisica-
nuindo sua opacidade e resistência, ganhan-
Nossas fontes
Aicó Culturas
5. A subjetividade encarnada não submerge tempo, é a origem permanente de onde, per-
o eu na imanência de uma objetividade que manentemente, brota este processo tempo-
o absorve e dissolve. Ao contrário, o mun- ralizador em que o homem busca refazer-
do se incorpora ao eu corpóreo, quanto mais -se. O dinamismo deste encontro originário,
este presentifica aquele, numa presença que ainda que oculto a si mesmo mítico, pois é
ultrapassa todas as estreitezas situacionais. ele quem gera a historicidade essencial, in-
Como uma luz interior que, quanto mais in- clusive dos chamados “povos sem história”.
terior, mais translúcida o faz, mais apaga seus Esta unidade originária está na raiz de
limites exteriores, difundindo-se em todos todos os momentos do processo, através do
os sentidos. Quanto mais profundamente antagonismo da subjetividade e objetividade,
se encarna a subjetividade, tanto menos li- isto é, de um mundo inteiramente iluminado
60 mitante se a objetividade e assumido pela plenitude da intersubjetivi-
de seu mundo. Não há dade. Como idéia limite
um eu puro: é impossível Enquanto as consciências não se da história, só poderá ser
uma projeção de um eu meta-história, não a ne-
no vazio, numa total au-
intersubjetivarem plenamente, gação, mas a glorificação
sência de mundo. O ca-
através de um mundo sem mais da história - “o novo Céu
minho de acesse que leva obscuridades e resistências; enquanto e a nova Terra”.
para além do momento a humanização for um esforço Enquanto as cons-
vivido passa pela indo de incorporação do mundo ou de ciências não se intersub-
jetivarem plenamente,
interioridade do mundo encarnação do eu, o homem não através de um mundo
e é este mesmo mundo,
em suas dimensões de
poderá eximir-se de uma dialética sem mais obscuridades
passado e futuro. histórica que o aliene e desaliene. e resistências; enquanto
O eu não se disten- a humanização for um
de, pois, nestas dimensões, dentro de um esforço de incorporação
mundo que seria como o leito imóvel do rio do mundo ou de encarnação do eu, o ho-
que flui. O eu expressa, incorpora e trans- mem não poderá eximir-se de uma dialética
cende e o reconstitui-transcender que não histórica que o aliene e desaliene.
nega o mundo e sim o assume e transforma. Em seu incessante existenciar-se, o
Neste movimento, o eu se projeta e se recu- homem objetiva um mundo em que ele
pera, continuamente. Isto é a história: tem- mesmo se objetiva. Nesta objetivação a
poralização do eu e do mundo num mesmo subjetividade se constitui, se encarna e se
processo em que juntos se constituem e re- plenifica. Nela, na objetivação, o mundo se
constituem, respondendo ao destino de seu incorpora ao eu, mas também resiste a ele.
encontro originário. Dentro deste coeficiente maior ou menor
Este encontro não é um começo no de resistência, a objetivação esconde, sem-
Nossas fontes
da consciência como existência. revolução cultural: a cultura, aqui, entendida
Este movimento, portanto, não é di- como humanização, isto é, como valoriza-
namismo cego, nem aventura sem rumo: ção do homem. Todas as atividades huma-
tem um sentido-assinalado na dialética da nas, enquanto carregadas de uma significa-
encarnação histórica da intersubjetividade, ção valorativa (seja econômica, religiosa ou
sentido fora do qual a face do homem se outra) representam dimensões de cultura. A
deforma e se desvanece. globalização destas atividades vistas, numa
O comportamento existencial em que o perspectiva axiológica, dilata o território da
homem se autoconfigura, desenha-se num cultura a tudo que é humano. E todo di-
contorno axiológico, mercado pelo sistema namismo humano tem direção axiológica.
de valores, implicado nas estruturas de um Sendo assim, num sistema estático de valo-
62 determinado mundo histórico. Se o homem res, não há renovação do homem.
é a busca permanente de sua forma, o ho- Os interesses da dominação das cons-
mem autêntico coincide com o homem novo. ciências se mistificam em valores supostos,
O que permanece prisioneiro de formas es- capazes de uniformizar e adaptar os com-
táticas resiste ao movimento de sua histori- portamentos à funcionalidade do sistema.
cização: hominizado, não se humaniza. Esta Tão forte é seu poder de mistificação, que
renovação do homem supõe uma constante o próprio dominado busca valorizar-se, se-
revalorização da existência, no mesmo sen- gundo seus padrões e as escalas do sistema
tido do movimento de constituição existen- dominantes. É, inclusive, escudo-revolu-
cial da consciência do mundo ou do mundo ções, através de certas mudanças estruturais,
consciente, o que quer dizer que os novos va- perseguem, no fundo de suas intenções, os
lores não são criação arbitraria de uma cons- mesmos valores que justificavam as estru-
ciência pura, mas o paciente e valioso desco- turas antigas. A luta contra a dominação
brimento de um comportamento disposto a só alcança seus fins se romper as estrutu-
assumir os riscos da história. Se essa não é ras para dar surgimento ao homem novo.
de todo absurda, há de ser, em seu caminho, Um homem novo, para realizar-se, exige a
que o homem se reencontrará como homem mediação de um mundo novo: e o mundo
novo ao descobrir seu sentido em cada si- novo requer a luz de uma nova constelação
tuação histórica, desvendará os valores que de valores, uma nova cultura.
configurarão sua encarnação renovadora de Por isso, a revolução verdadeira, verda-
mundo e recriadora de si mesmo. deiramente libertadora, é a que propicia o
Não há transformação do homem sem aparecimento do homem novo, a revolução
mudança estrutural, porém o homem não cultural.
refaz sua forma se o sistema de valores
continua o mesmo. Buscar novos valores
para revalorizar o homem é a substancia da
Nossas fontes
II - Educação não renova o mundo em novas formas de
vida. O sistema de valores de uma socieda-
1. Detrás de cada conceito de cultura - e de se delineia na sua textura estrutural; em
são tantos -, está presente uma teoria diversa estruturas antigas não é possível configurar-
do homem. Já expressamos, anteriormente, -se uma imagem nova do homem. Não são,
nosso conceito de cultura, quando a defi- pois, verdadeiramente, novas estruturas que
nimos num sentido amplo, pela valorização retêm o processo recriador da existência.
do homem. A humanização, insistimos, se Por isso, o homem novo não é produto de
realiza pela encarnação e comunhão: sub- uma renovação cultural, e o mundo novo, de
jetividade em que se reconhece, ativamente, uma transformação estrutural: a revolução
na objetividade em que se constitui e atra- cultural. Uma esta contida na outra, uma
64 vés da qual, em permanente reconstituição promove a outra, num processo em que não
da unidade originaria, também se constitui há primeira nem segunda.
como intersubjetividade.Em outros termos, O dinamismo da cultura tem uma dire-
cultura é o mesmo processo histórico em ção axiológica, ainda que, de fato, participe
que o homem se constitui e reconstituição da ambigüidade da história: nela o homem
e reconstitui em intersubjetividade, através pode conformar-se. A forma humana não
da mediação humanizadora do mundo. O pré-existe à história como uma idéia eterna
processo de cultura, portanto, implica dia- que esta reflete e deforma. A forma humana
leticamente aperfeiçoamento pessoal e do- vai se definindo, historicamente, no movi-
mínio do mundo: ao separar cultura e civi- mento de constituição da consciência como
lização, formação do mundo, o homem se existência, tal como procuramos esboçar nos
divide internamente e o mundo deixa de ser pontos relativos á conscientização. O sentido
mediação humanizadora. de movimento é uno, ainda que o movimen-
O sujeito não se reencontra mais no to mesmo não seja uniforme. A forma hu-
mundo que ajuda a reconstruir: nele, nes- mana se recria em diferentes formas de vida
se mundo desumanizado, fica retido como na concretização histórica, a cultura se refaz
objeto de outro sujeito: aliena-se. Para li- e se reassume na diversidade das culturas.
bertar este homem, isto é, para devolvê- A cultura se diversifica e se determina
-lo à sua condição de sujeito, é necessária pela forma particular de vida de um grupo
romper as estruturas socioeconômicas que humano, no qual: se reconstitui a forma do
o coisificam. Só assim o mundo poderá re- homem-sua forma histórica. Se o respecti-
cuperar, também, sua virtude mediadora, de vo grupo humano deve ser o sujeito de seu
socializaçazaçao personalizante.Por meio próprio processo histórico-cultural, então a
da interioridade deste processo de mudan- ele cabe o risco e a responsabilidade de au-
ça estrutural, passa a via de renovação do to-configurar sua forma particular de vida.
homem: o homem não se pode recriar, se Isto quer dizer que o homem desta cultura
Nossas fontes
dos, livremente, pelo sujeito do respectivo permanente transcender-se a si mesmo.O
processo histórico. Como estes valores es- homem se defini por esta liberação de limi-
tão presentes em todos os planos estrutu- tes.Pode localizar-se em seu mundo, porque
rais, econômicos ou outros, o deslocamen- o transcende o ilumina.E, ao transcendê-lo,
to do sujeito de sua função essencial, em pode voltar-se reflexivamente sobre si e ilu-
qualquer deles, afeta o processo global da minar seu mundo.Não são dois momentos:
cultura.Reduzir o sujeito a objeto, em qual- o da construção do mundo e o da apreen-
quer dos referidos planos, já o desvaloriza são refletiva.O meio vital se transforma em
radicalmente, desumanizando. A perda de um mundo, quando o homem o transcende
sua condição humana, em tal plano, já ex- num retomar reflexivo.O mundo humano
pressa algum modo de dominação cultural. não é espetáculo de inteligência pura, nem
66 A cultura não é um plano ao lado dos de- modelagem de ação cega: é obra de mãos
mais, é o conjunto de todos, enquanto eles inteligentes.O “logos” não precede á práxis,
estão carregados do sentido de valorização nem é seu produto: é sua luminosidade inte-
do homem. A alienação cul- rior. Interioridade que é, dia-
tural não se situa, portanto leticamente, transcendência.
somente em superestruturas Para reconstruir seu mundo, Nesta transcendência se de-
artísticas, cientificais, ideo- o homem tem que excedê- senvolve a facilidade do acon-
lógicas ou religiosas, senão lo. O homem, porque pode tecer humano. No próprio ato
na raiz e na substancia axio- desde acontecer, acende a luz
lógica de todas as atividades
lançar-se mais além de sua em que ele se desvenda como
humanas. A desalienação natureza, cult iva-se. facilidade histórica.
cultural é libertação total, li- A cultura se faz, pois,
berdade do homem novo. num fazer que, reflexivamente, se percebe
Pouco significa o combate a certos fazendo: é o saber da cultura. Mas o fazer
epifenômenos de dependência cultural, no humano. Este saber é, enquanto se sabe fa-
setor das letras, das ciências, dos costumes zendo. Este saber é o intimo reverso do fa-
ou das técnicas, sem a radicalidade da luta zer, o que o torna transparente a si mesmo
pela total desalienação do homem, para que e permite, ao respectivo sujeito, assumi-lo
se reencontre, em qualquer plano, como, su- subjetivamente. Saber que, estranhamente,
jeito de sua própria história. A recuperação transcende o fazer, porem, neste fazer se re-
que, pode ser total, é essencialmente cultural. faz. E reflexão e crítica. Porque transcende e
se transcende, pode saltar fora das situações
2. Para reconstruir seu mundo, o homem limitantes, retomar-se conscientemente e
tem que excedê-lo. O homem, porque pode reconstituir-se criticamente: um movimen-
lançar-se mais além de sua natureza, cultiva- to que também é existência e cujo sentido
-se.E a, mesma cultura se desenvolver num aponta para a libertação.
Nossas fontes
foto: Aicó Culturas
A cultura é um processo vivo de permanente criação: perpetua-se refazendo-se em novas formas de
vida. Só se cultiva, realmente, quem participa deste processo, ao refazê-lo e refazer-se nele. A trans-
missão do já feito, é cultura morta.
passa a ser um reflexo ideológico, mistifi- assim, toda cultura alienada é um sistema
cante, da dominação que impede ao sujeito de dominação de consciência: neste sentido,
recuperar-se na objetividade, o coisifica no um sistema de ensino. O sistema educacio-
mundo e o domínio do mundo se confunde nal dominante não é mais que o sistema de
com a dominação da consciência. O saber dominação cultural.Dentro dele, separado
se transforma em instrumento de mistifi- do processo em que os homens se histori-
cação das consciências: não liberta, justifica cizam, o saber se institucionaliza à margem
a servidão.Na cultura alienada, o apren- da vida do povo, encastela-se dentro dos
dizado se transforma em domesticação. muros das escolas e academias, assume as
O ensino não propicia a participação co- falsas aparências democráticas dos meios
mum: transmite o efeito e impõe os valores massificadores de comunicação: aí, e desde
dominantes, que não dominam por sua vali- aí, defende, mantém e propaga os ensinos e
dez, mas, isto, pelo poder dos interesses que, valores de uma civilização de escravos.
simultaneamente, ocultam e manifestam. E, A educação se define, dentro da fun-
Nossas fontes
conscientes ou inconscientes, do sistema, histórico-cultural, eles e os que nem sequer
nas lutas pela reforma universitária: não têm oportunidade de trabalhar, marginaliza-
receiam modernização institucional, dos pelo sistema. E são Povo de Deus, por-
antes a propiciam para ajustar melhor a que ajudam a edificar o Reino. Os que traem
universidade ao pleno funcionamento, à sua a colaboração humanizadora, deixando-se
politização, como esforço por comprometê- vencer pela sedução luciferina da dominação
-la numa dinâmica de desalienação cultural. não são povo, são opressores do povo.
E, quando o sistema abre suas compor- Esta é a missão da luta libertadora do
tas para alargar os “benefícios” da cultura até povo oprimido; devolver-lhe a situação de
os últimos grupos marginalizados, uma vez sujeito de seu próprio processo histórico-
mais não o faz para libertar. O “beneficia- -cultural. Na alienação cultural, é objeto.
70 do” só muda de posição: Este fiel servidor Ao desalienar-se, retoma, reflexivamente,
poderá, quem sabe, avançar muito dentro livremente, o movimento de constituição de
do sistema, mas os condutos abertos devem sua consciência como existência: conscien-
fechar-se, sempre, antes das fronteiras poli- tiza-se. A conscientização não é exigência
ciadas da ordem estabelecida. previa para a luta de libertação, é a própria
Entre este ensino “funcional” (escolar, luta. O retomar da consciência se identifica
extra-escolar) e a educação conscientizado- com a reconquista do mundo: em práxis li-
ra, há inimizade irreconciliável. bertadora.
A conscientização é este esforço do
5. A educação é, pois, processo histórico povo por retomar seu destino histórico, sua
no qual o homem se re-produz, produzindo cultura, em suas mãos. Cultura do povo,
seu mundo. Todos que colaboram na pro- pois, e não cultura para o povo: cultura po-
dução deste, deveriam reencontrar-se, no pular.
processo, como sujeitos própria destinação De tudo que antecede, se depreende,
de sujeito só pode ser preenchida pelos que inevitavelmente, que cultura popular não
trabalham o mundo. Esses são verdadeira- é extensão das sobras do sistema de ensino
mente o povo - a comunhão pessoal só tem estabelecido para a multidão dos ignoran-
um nome: colaboração no mundo comum. tes e miseráveis, que não tiveram valor su-
No sistema estabelecido, os que do- ficiente para incorporar-se a ele.Seria, pois,
minam pelo trabalho. O trabalho, por sua algo necessário ao sistema educacional, que
vocação original, deveria intersubjetivar as serviria aos objetivos de adaptar, uniformi-
consciências, ao contrário da dominação zar e mistificar, transformando o dominado
que as objetiva e escraviza. em mais funcional à dominação.
Os que têm este título, o do trabalho, o Para nós, cultura popular é cultura do
único que legitima a dominação do mundo, povo – do homem que trabalha e humani-
são excluídos da direção ativa do processo za o mundo, e ao fazê-lo, reproduz-se a si
Nossas fontes
Círculos de Cultura: problematização
da realidade e protagonismo popular
Sistematizados por Paulo Freire (1991) os Círculos de Cultu-
ra estão fundamentados em uma proposta pedagógica, cujo caráter
radicalmente democrático e libertador propõe uma aprendizagem Nada continua como está
integral, que rompe com a fragmentação e requer uma tomada de Tudo está sempre mudando
posição perante os problemas vivenciados em determinado con- O mundo é uma bola de ideias
texto. Para Freire, essa concepção promove a horizontalidade na Se transformando se transformando
relação educador-educando e a valorização das culturas locais, da
oralidade, contrapondo-se em seu caráter humanístico, à visão eli- (Junio Santos)
tista de educação.
Concebidos na década de 1960, como grupos compostos por
trabalhadores populares, que se reuniam sob a coordenação de um
educador, com o objetivo de debater assuntos temáticos, do inte- Vera Lúcia Dantas
resse dos próprios trabalhadores, cabendo ao educador-coordena- Médica, educadora popular, mestre
dor tratar a temática trazida pelo grupo. Surgem no âmbito das em Saúde Pública- UECE, doutora
em educação – UFC e atualmente
experiências de alfabetização de adultos no Rio Grande do Norte coordenadora pedagógica do Siste-
e Pernambuco e do Movimento de Cultura Popular. Não tinham ma Municipal de Saúde Escola da
SMS Fortaleza
a alfabetização como objetivo central, mas a perspectiva de contri-
buir para que as pessoas assumissem sua dignidade como seres hu-
Angela Maria Bessa Linhares
manos e se percebessem detentores de sua história e de sua cultura,
Professora doutora do Programa de
promovendo a ampliação do olhar sobre a realidade. Nesse con- doutorado em Educação e do Mes-
texto, propõem uma práxis pedagógica que se compromete com a trado em Saúde Coletiva da Univer-
sidade Federal do Ceará
emancipação de homens e mulheres ressaltando a importância do
aspecto metodológico no fazer pedagógico, sem desvalorizar, no
entanto, o conteúdo específico que mediatiza esta ação, possibili-
tando a tomada de consciência do educando, mediante o diálogo
e o desvelamento da realidade com suas interligações, culturais,
sociais e político-econômicas.
Destarte, caracteriza-se como locus privilegiado de comunica-
ção-discussão embasadas no diálogo, nas experiências dos atores-
74
1
Relação das palavras de uso corrente, entendida como
representativa dos modos de vida dos grupos ou do
3
A codificação pode se dar por imagens expressas de
território onde se trabalhará (estudo da realidade). Este várias formas— desenho, fotografia, imagem viva, — que
momento permite o contato mais aproximado com por sua vez deverão suscitar novos debates. Parte-se da
a linguagem, as singularidades nas formas de falar do compreensão de que cada pessoa, cada grupo envolvido na
povo, e suas experiências de vida no local. ação pedagógica, dispõe em si próprio, ainda que de forma
2
Unidade básica de orientação dos debates. rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte.
Nossas fontes
A ampliação do olhar sobre a realidade
com amparo na ação-reflexão-ação, e,
o desenvolvimento de uma consciência
crítica que surge da problematização,
permitem que homens e mulheres
se percebam sujeitos históricos,
o que implica a esperança de que,
nesse encontro pedagógico, sejam
vislumbradas formas de pensar um
76 mundo melhor para todos.
melhor para todos. Esse processo supõe a vência democrática, de formas de pensamen-
paciência histórica de amadurecer com o tos, experiências, linguagens e de vida, que
grupo, de modo que a reflexão e a ação se- possibilita o estabelecimento de condições
jam realmente sínteses elaboradas com ele. efetivas para a democracia de expressões, de
A democracia (...) é forma de vida, se pensamentos e de lógicas com base no res-
caracteriza, sobretudo por forte dose de peito às diferenças e no incentivo à partici-
transitividade de consciência no comporta- pação em uma dinâmica que lança o sujeito
mento do homem. Transitividade que não ao debate, focando os problemas comuns.
nasce e nem se desenvolve a não ser dentro
de certas condições em que o homem seja Referências
lançado ao debate, ao exame de seus proble-
DANTAS, V.L.A. Dialogismo e arte na ges-
mas comuns. (FREIRE, 1991, p. 80).
tão em saúde: a perspectiva popular nas Ci-
Dessa forma, Paulo Freire fala de edu-
randas da Vida em Fortaleza. 2010. (Tese de
cação como conscientização, reflexão rigo-
Doutorado). Universidade Federal do Ceará,
rosa sobre a realidade em que se vive, com
Fortaleza,CE, 2010.
o entrelaçamento das linguagens e suas res-
FREIRE, P. Educação como prática de liberda-
pectivas lógicas epistêmicas, evidenciando
de. 20. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.
os focos a serem problematizados pelo gru-
po, instigando o debate e constituindo uma FREIRE, P. O caminho se faz caminhando:
rede de significados. conversas sobre educação e mudança social.
Nesse contexto, segundo Dantas (2010), 2a Ed. Petrópolis, Vozes, 2003.
o Círculo de Cultura constitui-se locus da vi-
1
. Ação de educação permanente do Sistema Municipal de Saúde Escola de
Fortaleza, que busca articular o princípio de comunidade junto à esfera institucional.
transformação no contexto local, por difi- onde se promove a reflexão das ações em
cultarem a concretização dos sonhos, dese- saúde. Assim é que buscamos as situações
jos e necessidades coletivas das populações.” vividas onde se favorece a escuta em rede
Ao situarem-se no campo da educação da experiência coletiva tentando capturar o
popular, apóiam uma formação política que dialogismo trazido pela arte na gestão em
constitui o concerto dialógico envolvendo o saúde.
princípio de comunidade e a esfera institu- Esta tese nos desafiou a delinear um
cional e, dessa forma, propõem que o poder percurso, de ação-reflexão-ação sobre as Ci-
analítico dos grupos e movimentos popula- randas da Vida – onde atuamos, refletimos
res possa dialogar sobre ações compartilha- e intervimos coletivamente, na perspectiva
das o que inclui discussão, reflexão crítica e de pensar gestão popular no contexto do
82 possibilidade de diálogo concreto. Estado, com suas linguagens e caminhos
A perspectiva popular a que nos re- singulares em saúde popular e, recortamos
ferimos diz respeito ao olhar dos atores e as esferas dialógicas da gestão popular em
atrizes dos movimentos populares como saúde nas quais nos movemos trazendo a
protagonistas de ações de transformação às arte também como linguagem, no contexto
situações-limite da sua realidade, na pers- da gestão atual em saúde.
pectiva da emancipação; de um popular que Para traçar esses caminhos, ousamos
se tece na busca de superação da consciên- construir uma pesquisa-ação que cunhamos
cia ingênua rumo ao inédito viável: como de Ciranda de Aprendizagem e Pesquisa em
inacabamento, formação permanente que cuja abordagem multirreferencial envolve-
se constitui em determinados princípios e mos atores populares – os cirandeiros – que
se orienta por uma ética que busca a justiça, constituíram o grupo sujeito deste estu-
a solidariedade nas relações e nas políticas do, coautores e protagonistas da produção
trazendo a tensão permanente entre ação do conhecimento nessa vivência de práxis
política e o fortalecimento dos espaços or- grupal fundamentada na Comunidade Am-
ganizativos que animam a luta popular em pliada de Pesquisa, Comunidade Ampliada
sua mediação com a esfera institucional. de Pares, nos círculos de cultura e na arte.
Buscamos o popular que, ao produzir atos- O percurso também inclui os teste-
-limite transformadores da realidade atuali- munhos e narrativas de vida como ex-
za sua potência criativa. pressões de um saber coletivo carregado
Neste estudo, apresentamos a arte de historicidade, subjetividade e sentidos,
como espaço de criação – transcendência, incorporando a oralidade e potencializan-
capaz de produzir sentidos e sentimentos, do a atualização temporal e espacial desses
e optamos por tomá-la como dimensão dos atores – sujeitos em seus discursos. Dessa
sujeitos que potencializa a dialogicidade ca- forma a Ciranda de Aprendizagem e Pesquisa
paz de realizar a suspensão crítica e criativa traz esse referencial buscando aprendiza-
sente no cotidiano e, com base nela, buscam coleções de bens materiais e simbólicos. 91
ampliar visões, construir novos sentidos, A relação de propriedade com os territó-
além de apontar possibilidades de organiza- rios relativiza-se em práticas recentes, que
ção. Nesse percurso, o grafite representa um parecem expressar a desarticulação entre o
marco e o cirandeiro nos revela o porquê: percebido nas cidades e na cultura política.
Na fala do cirandeiro Thyago, é pos-
quanto ao grafitti eles se identificam ini-
sível apreender esses significados para as
cialmente porque, em sua maioria, eram
ações de pixação. Segundo ele, o grafite re-
pixadores. Pixar pra eles significava deixar
presenta um momento fundamental para a
sua marca nos espaços públicos; dizer algo
juventude da periferia; como chega para ela
que estava á margem dos outros lugares de
vinculado ao movimento hip hop, representa
dizer e demarcar territórios.
a possibilidade de expressar criticamente a
Canclini (1997), fala do grafite como realidade.
“uma escritura territorial da cidade, desti- Na pixação que se fazia na cidade a gen-
nada a afirmar a presença e até a posse sobre te queria marcar território entre as gangues,
um bairro”. Segundo Canclini, as marcas do entre as facções. Era um movimento de nós
grafite expressam as lutas pelo controle do pra nós. Não tinha esse cunho marcadamen-
espaço, as referências estéticas, políticas, ou te político. Já o grafite é um movimento dos
mesmo sexuais mediante as marcas próprias jovens para a sociedade. Enquanto os traços
e modificações dos grafites de outros, ma- da pixação só são entendidos entre os pa-
nifestando, assim, um estilo, um modo de res, sejam eles aliados ou rivais, no grafite as
viver e de pensar, que se contrapõe aos cir- mensagens são claras. O código não é mais
cuitos publicitários comerciais, políticos ou restrito só a quem é grafiteiro e representa a
dos mass media. possibilidade desses jovens se comunicarem
Ainda segundo o autor, o grafite acen- com a sociedade e expressarem suas leituras
tua o território, e parece desestruturar as críticas da realidade.
narrativas dos jovens, en- E as paredes seriam o Outro em dois lados. Em um dos la-
quanto que o grafite é uma a quem interessa dizer algo: dos, nós trazíamos a técnica da
aerografia, que é na realidade
linguagem que não precisa
a profissionalização do grafite,
de autorizações ou platéias
na perspectiva de montar um atelier onde
e sim de apenas uma parede onde as pes-
as camisas produzidas na oficina seriam
soas ao passarem olham e refletem sobre as
colocadas à venda para comercialização na
mensagens deixadas ali pelo o artista. Por
própria comunidade, trazendo assim as re-
isso o movimento resolveu trabalhar com os
ferências da economia solidária.
jovens em forma de oficina a linguagem do
grafite, onde buscamos problematizar com Aqui podemos apreender um aspecto
eles. “Medidas sócio-educativas: que nóia é que diferencia fundamentalmente as pro-
essa?” foi o nome que demos e que resultou postas que nascem na perspectiva comu-
na construção de uma cartilha em parceria nitária. Enquanto as iniciativas do Estado
com o Centro de Defesa da Criança e do trazem em si a fragmentação, as redes co-
Adolescente - CEDECA-CE retratando, munitárias edificam pontes entre as várias
a partir da vivência deles, os procedimentos potencialidades locais que se complemen-
preâmbulo em vários encontros e eventos (...) é preciso tomar cuidado com a tendência de
dos quais participamos. Ao contrário, a arte instrumentalização da arte e da educação no campo da
como força que torna consciente a potência saúde, que realiza uma verdadeira captura da essência da
existente nesses sujeitos gerou perguntas
que, por sua vez, demandaram movimen-
arte e da educação e as utiliza como meros instrumentos
tos em busca de respostas que se tornaram para aumentar a efetividade da mensagem que o
evidentes na necessidade de parcerias, na transmissor deseja passar.
construção de uma intersetorialidade que
tem por base o território e como amálgama
do a compreensão, apreendida por meio da
as necessidades e os desejos desses jovens
escuta às significações próprias expressas
que as linguagens comumente utilizadas
pelos sujeitos; a interpretação, que inclui a
não conseguem expressar.
comunicação; e a multirreferencialidade ex-
Nesse intenso processo de aprendiza-
plicativa voltada para
gem, encontra-se a ousadia de instituir ou-
tro espaço de produção de conhecimentos (...) objetos que ainda se quer interrogar no
e saberes, articulado com a produção das sentido de aumentar sua inteligibilidade, qua-
ações, afirmando a indissociabilidade entre lificada a partir de vários pontos de vista [...]
o pensar e o fazer, as Cirandas de Aprendi- diferentes linguagens das disciplinas que se
zagem e Pesquisa. Espaço possibilitado pela trata de operacionalizar, de distinguir e com-
multirreferencialidade com que os autores binar entre elas.” (ARDOINO, 1998, p. 30).
trabalham saúde, educação e arte, envolven-
Vanderléia Daron
Galeano nos desafia a compreensão integral do ser humano e o
Educadora popular e militante fe-
respeito e valorização da singularidade de cada ser. Lidar com seres minista junto do Movimento de
humanos segundo a perspectiva popular nos remete a pensar que Mulheres Camponesas e em grupos
de mulheres trabalhadoras urbanas
toda ação tem uma dimensão educativa e pedagógica. Neste sentido, e catadoras de material reciclável. É
é importante a reflexão sobre os fundamentos que norteiam estas re- filósofa e mestre em Educação pela
UPF e doutoranda em Educação
lações que se estabelecem no universo das nossas práticas cotidianas. UFRGS. Coordena o Ensino no
Para construir práticas de trabalho considerando a perspectiva Centro de Educação Tecnológica e
Pesquisa em Saúde do Grupo Hos-
popular, torna-se necessária a reflexão trazida por Paulo Freire de pitalar Conceição.
que “só há sujeitos em relação” e, neste sentido, que os atores e atri-
zes com quem trabalhamos necessitam se constituir protagonistas
de ações de transformação às situações-limite da sua realidade, com
vistas à emancipação, buscando a superação da consciência ingênua
rumo ao inédito viável.
A educação popular, portanto, traz um referencial caracterizado
pelo diálogo entre os sujeitos, pela educação vista como humaniza-
ção, pela compreensão integral de ser humano como sujeito consti-
tuído por várias dimensões, bem como a busca de matrizes pedagó-
gicas apropriadas à formação destes sujeitos.
Nessa perspectiva busca promover a
participação dos sujeitos sociais, incenti- Alguns princípios pedagógicos
vando a reflexão, o diálogo e a expressão da
afetividade, potencializando sua criatividade
e sua autonomia. Incorpora a perspectiva »» A construção da dignidade humana, do ser
do protagonismo dos diversos sujeitos, a humano integral, histórico, livre, portador de
direitos, de deveres e do potencial protagonista
valorização das culturas locais nas suas or-
transformador da realidade e das relações que
ganizações, suas expressões artísticas e as
nela ocorrem;
possibilidades de envolvimento de outros
setores para o enfrentamento dos problemas »» A educação como processo de produção e
cotidianos. construção de conhecimento individual e co-
124 Assim, o agir educativo se constitui letivo, mediatizada pelo mundo;
como ação que se alimenta no processo de »» O desenvolvimento de atividades construtivas
construção de um fundamento teórico me- onde o sujeito possa desenvolver sua criativi-
todológico de sustentação, de projetos que dade através de pesquisas, diálogos, indaga-
promovam a participação ativa da sociedade ções, investigações e estudos;
e de ações capazes de produzir novos senti-
dos nas relações entre necessidades da po-
pulação e organização da vida e da sociedade
para uma vida com qualidade e dignidade.
Outro aspecto importante é do aco-
lhimento que os movimentos sociais e po-
pulares realizam em sua ação cotidiana nos
territórios onde atuam aos que necessitam
de ajuda, com suas especificidades e singu-
laridades.
Reconhecer a legitimidade destas ações
pressupõe o incentivo permanente à parti-
cipação popular na formulação e gestão das
políticas públicas, na perspectiva de que a
ação social pela satisfação das necessidades
sociais implica num caminho que se traduz
concretamente nas formas de gestão par-
ticipativa e na atuação do controle social,
foto: Aicó Culturas
»» cujo ponto de partida é a convicção de »» Mobiliza porque rompe com a situação de dor-
que todos são capazes, que os oprimidas mência e a sensação de impotência, geradas
pela dominação e expressas no individualismo
têm interesse em superar a atrofia física,
consumismo e fatalismo.
mental e cultural a que foram submetidas
e que a emancipação começa por quem se »» Compromete as pessoas, numa dimensão in-
dispõe a um processo de transformação tegral da vida, em processos legítimos de luta
individual e social. pela vida para a emancipação das pessoas e na
sua afirmação como sujeitos sociais.
»» de valorização dos sujeitos, sua neces-
sidade de unir esforços, de organizar-se »» Capacita e qualifica política e tecnicamente, os
sujeitos através da experimentação e apropria-
para a conquista de direitos e para a ta-
ção do conteúdo e do método.
refa de assumir-se como sujeito do seu
destino coletivo. »» Produz a multiplicação criativa, com base numa
parte que tem como meta a envolver o conjun-
O processo educativo se realiza no tra- to da sociedade e a realidade mais geral.
balho que se faz a partir das necessidades
»» Produz fermentação social e mobilização po-
sentidas e num compromisso permanente
lítica ao fortalecer ações coletivas no enfrenta-
dos envolvidos. Acreditar que as respostas
mento dos seus problemas e na construção de
espontâneas do povo sejam transforma-
soluções que expressem o poder da população.
doras pode apenas significar uma posição
»» Incentiva a construção de espaços de participa-
tão autoritária quanto à própria imposição.
ção popular, gestão democrática e participativa,
Aliado ao reconhecimento e o respeito às
afirmação da cidadania ativa, ampliação dos
iniciativas populares, será necessário pro-
direitos e processos de controle social e de de-
blematizar e potencializar essas ações e es-
mocratização do Estado.
timular a construção de alternativas mais
»» Incentiva e contribui para a construção de pro-
próximas da integralidade. Quando inspira-
cessos legítimos de luta pela emancipação e
dos em processos da educação popular, apli-
pela vida.
cada a um processo político-pedagógico,
podemos perceber alguns sinais:
d) Técnicas Visuais:
As Técnicas escritas são aque- dinâmicas é fundamental que novos para o aprofundamento
las em que se utiliza a escrita a letra seja legível por todos e do grupo. É importante ver se
como elemento central. Podem que a redação seja concreta dei- a redação, o conteúdo e a lin-
ser: papelógrafo, leitura de tex- xando claro e resumido ideias guagem correspondem ao nível
tos... centrais de um debate coleti- dos participantes. A utilização
Podem ser elaboradas por um vo. Este tipo de técnica ajuda sempre será acompanhada de
grupo no processo de forma- a concentrar e concretizar as passos metodológicos que per-
ção, se caracterizam por ser o ideias e reflexões do grupo. mitam a participação e o deba-
resultado direto daquilo que o Os materiais elaborados com te coletivo sobre o conteúdo.
grupo sabe, conhece ou pensa antecedência como a leitura As Técnicas gráficas são aque-
sobre determinado tema e é de textos, que são resultado las em que o conteúdo se ex-
produto do trabalho coletivo de uma reflexão ou interpre- pressa através de desenhos e
no mesmo momento de sua tação de pessoas externas ao símbolos para interpretação.
aplicação. grupo ou de elaboração indi- Sempre que usamos este tipo
Na utilização deste tipo de vidual deve trazer elementos de técnica é recomendável co-
a) círculos de cultura
to prévio do conteúdo a ser
desenvolvido, para que a téc- Sistematizados por Paulo Freire (1991) os Círculos de Cul-
nica sirva como ferramenta de tura estão fundamentados em uma proposta pedagógica de-
reflexão. Por isto, é importan- mocrática e libertadora e propõe uma aprendizagem integral,
te fazer uma discussão prévia que rompe com a fragmentação e requer uma tomada de po-
para analisar o conteúdo a ser sição perante os problemas vivenciados em determinado con-
trabalhado ou da mensagem texto. Para Freire, essa concepção promove a horizontalidade
apresentada na técnica auditi- na relação educador-educando e a valorização das culturas
va ou audiovisual. Para isto, é locais, da oralidade. Nesse contexto, propõe uma práxis pe-
fundamental preparar algumas dagógica que se compromete com a emancipação de homens 137
perguntas que permitam rela- e mulheres ressaltando a importância do aspecto metodo-
cionar o conteúdo com a reali- lógico, no fazer pedagógico, sem desvalorizar, no entanto, o
dade do grupo. conteúdo específico que mediatiza esta ação. Destarte, carac-
teriza-se como locus privilegiado de comunicação-discussão
embasadas no diálogo, nas experiências dos atores-sujeito, na
produção teórica da educação e na escuta, a qual se orienta
pelo desejo de cada um e cada uma aprenderem as falas do
outro e da outra problematizando-a e problematizando-se.
Tem como princípios metodológicos o respeito pelo edu-
cando, a conquista da autonomia e a dialogicidade e podem
meçar descrevendo elementos ser didaticamente estruturados em momentos tais como: a
que estão presentes no gráfico. investigação do universo vocabular1, do qual são extraídas pala-
Logo que os participantes que vras geradoras2. Esse mergulho permite ao educador interagir
não elaboraram o trabalho fa- no processo, ajudando-o a definir seu ponto de partida que
zem uma interpretação e que se traduzirá no tema gerador geral, vinculado a ideia de inter-
finalmente sejam as pessoas disciplinaridade e subjacente à noção holística de promover
que o elaboraram as que vão a integração do conhecimento e a transformação social. A
expor quais foram as ideias que Tematização3, ou seja, processo no qual os temas e palavras
quiseram expressar. Isto possi-
bilita a participação de todos
1
Relação das palavras de uso corrente, entendida como representativa
dos modos de vida dos grupos ou do território onde se trabalhará (estudo
na medida em que exige um da realidade). Este momento permite o contato mais aproximado com a
esforço de interpretação por linguagem, as singularidades nas formas de falar do povo, e suas experiências
parte de uns e de comunicação de vida no local.
por parte de outros. 2
Unidade básica de orientação dos debates.
3
A codificação pode se dar por imagens expressas de várias formas – desenho,
» Tecido - lona, algodão, morim cortados em 3ª etapa - História da cidade, país e da Terra
tamanho e formatos variados A partir daqui, a idéia é dar continuidade à
» Tinta de tecido ou tinta guache (é bom lem- colcha de retalhos, criando novos barrados,
brar que o chache se dissolve em água) de forma a complementá-la com a história de
» Linha e agulha ou cola de tecido. vida da cidade, do país, do mundo e até a do
universo. Não há limites nem restrições. O ob-
1ª Etapa - História de Vida
jetivo principal é estimular nos participantes a
Peça a todos os participantes para relembrarem vontade de conhecer e registrar a vida, em suas
um pouco de suas histórias pessoais e das his- diferentes formas e momentos. Desse modo,
tórias de suas famílias, pensando em suas ori- poderão se sentir parte da grande teia da vida.
gens, sentimentos e momentos marcantes, em
Fonte: “Paz, como se faz? Semeando cultura de paz
sonhos, enfim, em tudo aquilo que cada pessoa
nas escolas”, Lia Diskin e Laura G. Roizman.
Cirandas:
Mandei fazer uma Casa de Farinha
Gira essa roda Ciranda
Bem maneirinha pro vento poder levar
Agita essa roda cirandar
Oi passa sol, passa chuva , oi passa vento
Gira sem medo ciranda
Só não passa o movimento do cirandeiro a rodar
Cirandas da Vida estão sem a girar
Ah! foi bom bonito, meu amor brincar, Ciranda
Vida que é vida não pode parar
maneira, vem cá cirandeira, Vem cá balançar
Essa ciranda não é minha só Vou fazer uma farinhada, muita gente eu vou chamar
Ela é de todos nós Quem entende de farinha vem comigo peneirar
Ela é de todos nós... Vou chamar a (o nome) pra comigo peneirar( a pes-
A melodia principal quem diz soa convidada, vai ao centro, peneira junto, a outra sai
É a primeira voz e uma outra é convidada ao centro).
É a primeira voz Quem entende de farinha vem comigo peneirar
Roda de acolhimento:
Na roda a pessoa dá um passo á frente, diz o e dão um passo para esquerda dizendo: e se-
nome, de onde vem, suas expectativas e os ou- guimos em frente. A roda prossegue até todos
tros dão um passo à frente, repetem seu nome, se apresentarem.
dão um passo atrás dizendo: te damos espaço
Reflexões e vivências
te de saúde na comunidade como um espa- do conhecimento, não levando em consideração
ço potencial de trabalho educativo, menos o saber alheio, formam alunos passivos prepa-
sujeito às normas do trabalho prescrito. rados apenas para o mundo em que vivemos
Buscando justamente favorecer a trans- sem questionamento”.
formação deste quadro, a formação técnica Margarette de S. Francisco ressal-
dos ACS realizada na EPSJV, coloca a dis- ta que “quando o processo educativo é verti-
cussão da educação em saúde como ponto cal, o profissional despeja todo o conteúdo no
central de seu currículo, estando presente educando que recebe todas aquelas informa-
nas três etapas de formação em que este ções sem, no entanto assimilar nenhuma”. As
é dividido. O enfoque privilegiado é o da alunas abordam outra forma de conduzir
educação popular e saúde e o trabalho de o processo educativo quando os profissio-
154 conclusão de curso dos alunos é a constru- nais reconhecem o saber dos educandos e
ção de um plano de trabalho de educação tornam a aprendizagem um espaço de troca
em saúde. de experiência, um processo de busca, for-
Assim, durante todo o curso, os alunos mando pessoas ativas, críticas, que não se
foram levados a problematizar as práticas de conformam com qualquer condição impos-
educação em saúde realizadas pela equipe ta, que refletem sobre o mundo e buscam
de saúde da família. Discutiram-se a forma modifica-lo.
de condução do trabalho, o material edu- No trabalho de conclusão de curso de
cativo utilizado e os temas abordados nas um dos grupos, o tema “lixo” foi escolhido
atividades educativas realizadas na sala de como conteúdo disparador de um trabalho
espera, nos grupos e nas visitas domiciliares, educativo na comunidade, após um proces-
além da construção de outras possibilidades so de priorização dos problemas levantados.
de atuação. Foram realizadas várias atividades que pos-
Os diferentes debates propiciaram aná- sibilitaram o aprofundamento sobre a ques-
lises sobre os efeitos das práticas educativas tão do lixo, incluindo pesquisa bibliográfica,
dos agentes, favorecendo a construção de uma entrevista a moradores e visitas a instituições
visão crítica sobre estas e a compreensão da que pudessem enriquecer a análise do pro-
proposta da educação popular. Ainda que a blema. Na preparação da atividade educati-
percepção de cada aluno seja diferenciada, va com a população da “comunidade” onde
podemos mencionar a fala de algumas alunas os ACS trabalhavam, optou-se por preparar
do curso técnico, que sintetizam seus entendi- cartazes com perguntas problematizadoras,
mentos em relação à educação popular. como forma de buscar encaminhamentos
Segundo Pámela Gonçalves, fazendo que possibilitassem o enfrentamento dos
um paralelo do trabalho de educação em problemas encontrados. As perguntas for-
saúde com o trabalho educativo numa esco- muladas pelo grupo de alunas: Aldalice G.
la “professores autoritários, que têm o domínio Franca, Luciana R. G. Eugênio, Margarette
Reflexões e vivências
BIBLIOGRAFIA
definitivos, assim como as escolhas também não o são. São escolhas Aida Victoria Garcia Montrone
pautadas em avaliações rigorosas da realidade em que estão imersas. Enfermeira Obstetra. Doutora em Edu-
Os motivos para a procura por práticas populares são inúmeros. Um cação e docente na UFSCar. Coordena-
ção MAPEPS e membro do Grupo de
primeiro que podemos citar é a centralidade da pessoa (e não da Pesquisa “Práticas Sociais e Processos
doença) no processo de cura, o que acarreta maior responsabilização, Educativos”.
empoderamento, autonomia, participação das pessoas nas decisões Aline Guerra Aquilante
e ações. Um outro, decorrente do primeiro, é que, para que a pessoa Cirurgiã-dentista. Doutoranda em Saú-
volte ao centro da terapêutica, é vital a relação direta, com vínculos de Coletiva (UNIFESP). Docente da
UFSCar. Coordenação do MAPEPS.
de confiança com o terapeuta ou com o agente da prática popular.
Há também a influência da família no que diz respeito à tradição Fábio Gonçalves Pinto
familiar de procura por práticas populares. Além dessas motivações, Médico Veterinário, Doutor em Patolo-
gia pela UNESP. Docente da UFSCar.
Coordenação do MAPEPS.
Como incluir as
as pessoas percebem maiores benefícios em de saúde, a necessida- práticas populares de
relação aos medicamentos convencionais e de de sensibilizar os saúde na formação
menores reações adversas, assim como refe- profissionais de saúde dos profissionais de
rem o bem-estar geral e a promoção de uma à realidade em que saúde promovidas pelas
boa saúde. Todos esses motivos levam a um estão inseridas as pes-
escolas, universidades,
outro bastante evidente para essas pessoas, soas que atendem. Ou
se bem que pouco considerado: as práticas seja, há uma ética que
cursos técnicos?
populares promovem saúde. Se assim não essas políticas pregam,
fosse, teríamos que rever uma das bases do mas não seguem (ou
conceito ampliado de saúde 1, enquanto ca- seguem de maneira ainda incipiente) uma
pacidade dos indivíduos e da comunidade prática que permita alcançá-la. São poucas
158 de lidar com as adversidades e na melhoria pesquisas que analisam o conhecimento dos
de sua qualidade de vida. Vale ainda dizer profissionais de saúde sobre práticas popu-
que complementar práticas biomédicas com lares, ou mesmo a inserção dessas práticas
práticas populares não é um costume ape- nos currículos dos cursos na área de saúde.
nas das classes populares; além do que, é um Mas aquelas a que temos acesso já são su-
costume bastante tradicional, no sentido de ficientes para nos apontarem um cenário
que isso acontece há muito tempo. preocupante: o conhecimento dessas tera-
Diante desse quadro, descrito no pri- pias se dá pelo senso comum, há pouca ou
meiro parágrafo, podemos concluir que nenhuma discussão sobre elas na sala de
abrir-se para o entendimento desse modo aula, avalia-se as práticas populares tendo-
de enfrentar a doença pode significar uma -se a medicina biomédica como referência,
escuta mais acolhedora pelo (a) profissional algumas “incorporações” de práticas popula-
de saúde e uma atenção à saúde mais inte- res por profissionais de saúde ocorrem após
gral, dialogada com os modos que cada um distorção das referências tradicionais. Por
encontra para construir sua saúde. Mas, pelo outro lado, vemos em alguns contextos que
menos no que se refere à formação profis- estudantes querem e procuram saber mais,
sional em saúde, não é bem assim que acon- que docentes e profissionais aproximam-se
tece, mesmo que constatemos nos vários de práticas populares de saude, como, por
documentos oficiais e políticas brasileiras exemplo, o uso de plantas medicinais.
O início deste projeto de deu em 2005,
1
A saúde é a resultante das condições de alimentação,
quando participantes de uma reunião da
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse ANEPS-SP debatêramos a seguinte ques-
da terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é tão: como incluir as práticas populares de
principalmente resultado das formas de organização saúde na formação dos profissionais de saú-
social, de produção, as quais podem gerar grandes
de promovidas pelas escolas, universidades,
desigualdades nos níveis de vida. (Brasil, VIII
Conferencia Nacional de Saúde, 1986) cursos técnicos? Por razões diversas, essas
Reflexões e vivências
cistas e biomédicos, gradativamente abrindo ção, contra a discriminação, a intolerância,
brechas por onde essas culturas conversas- o racismo, etc. Assim, ao mesmo tempo
sem. E, mais do que isso, construir propostas em que tínhamos clareza da dimensão do
concretas e possíveis de serem implementa- desafio, também sabíamos da historicidade
das a curto, médio e longo prazo, para que em que ele estava embebido. Não estávamos
essa conversa chegasse ao serviço de saúde. sozinhos: os povos originários da América
A análise feita no parágrafo acima, propi- Latina e os povos africanos na Diáspora nos
ciada por autores acadêmicos, críticos ao antecederam e nos acompanhavam; as de-
cientificismo e à biomedicina, bem como mais ações e lutas contra a intolerância es-
autores propositivos da educação popular, tavam conectadas a este trabalho. Essa his-
aliada ao conhecimento popular que nos era toricidade ao mesmo tempo ampliava nossa
160 propiciado através de nossos trabalhos com consciência de mundo, fortalecia nossos
movimentos e práticas populares, nos ajuda- propósitos e aumentava nossas responsabi-
vam a ter uma visão clara da dimensão desse lidades e críticas à metodologia e a todo o
desafio. Um desafio que estava posto há 500 processo que estava por acontecer. Estabe-
anos, pelo menos, para as culturas originá- lecemos, na coerência com o que até aqui
rias da América Latina, onde a colonialida- foi dito, um pressuposto político, teórico e
de5 ainda se mantinha fortemente presente. metodológico vital para o projeto: esta ação
Tínhamos claro que o projeto fazia parte de seria pautada pelo respeito às dinâmicas
um trabalho permanentemente em constru- próprias dessas práticas populares, de quem
as exerce e de quem a elas recorre.
5
A colonialidade advém da colonização de paises Foi nesse contexto e com essa visão
(América Latina, África) pela Europa propiciada por e desafio que iniciamos um projeto piloto
uma necessidade econômica e uma visão de mundo junto à Universidade Federal de São Carlos
que legitimaram a coisificação de nações inteiras.
Esse olhar, essa visão e postura de colonizador se
- UFSCar em 2006, pensado no formato de
mantém ainda hoje. Mas se amplia, não sendo apenas oficinas para profissionais de saúde em for-
um olhar de um país sobre o outro, mas também, de mação. Nessas oficinas, as diversas expressões
uma nação sobre a outra, de uma cultura sobre a das práticas populares de saúde seriam de-
outra, de um grupo sobre o outro. A colonialidade
se expressa, entre outros, na postura de que o mundo batidas e os seus praticantes atuariam como
se divide em seres mais humanos e seres menos facilitadores juntamente com a equipe da
humanos. Tal postura justificaria, por exemplo, UFSCar. Montamos a equipe da UFSCar,
as tutelas opressoras de um grupo sobre o outro, o
com professores(as)/pesquisadores(as) que
desrespeito dos profissionais às práticas populares de
cura, a não inclusão das classes populares no processo compartilham um projeto de atenção à saú-
de planejamento das políticas públicas – a não ser de que dialoga com a cultura popular, e nos
apenas como seu “público –alvo”, a verticalização das deparamos com a seguinte lacuna em nosso
prescrições. Tudo em nome da qualidade de vida que
conhecimento: “quem eram e onde estavam
o grupo de seres mais humanos avalia ser a necessária
para o grupo de seres menos humanos. os praticantes dessas práticas populares de
Reflexões e vivências
permitem, são entrevistados(as). Até o mo- apresentação aos profissionais de saúde num
mento, entrevistamos 33 praticantes. formato que favoreça sua compreensão.
O catálogo objetiva mostrar a diversi- O catálogo é construído num período
dade de expressões de práticas populares de de tempo específico. Possivelmente, outras
saúde em que os moradores da região buscam práticas/praticantes serão encontradas/os na
apoio para o enfrentamento das situações de região ou mesmo algumas (ns) das (os) que
adoecimento. São elaborados a partir da sín- constam do catálogo podem não mais existir
tese das informações obtidas nas entrevistas naquela região. Não é nossa pretensão que
com os (as) praticantes. Após essa elabora- o catálogo seja completo ou um guia para a
ção da síntese, ocorre a validação do catálogo localização das práticas populares de saúde.
junto aos (as) praticantes entrevistados(as). Tampouco é nossa pretensão “enquadrar” as
162 Logo após a validação, é feita a impressão práticas dentro das dimensões das raciona-
definitiva e a entrega qualificada. lidades médicas. Nossa intenção é mostrar a
Os catálogos também são produzidos diversidade de práticas populares de saúde
dentro das dimensões das racionalidades presentes usando um referencial de análise
médicas (morfologia, dinâmica vital, diag- que permite uma melhor compreensão pe-
nose, sistema de intervenções terapêuticas e los (as) profissionais de saúde, geralmente
doutrina médica), sendo os conteúdos sub- formados dentro de uma visão biomédica de
metidos à validação pelos (as) praticantes corpo humano e do processo saúde-doença-
entrevistados (as). O texto referente a cada -cura. O catálogo é material didático para o
prática apresentada no catálogo é extraído curso de formação profissional.
de entrevista com o (a) praticante, como já Até o presente momento, foram produ-
apontado acima. Nem sempre, nessas en- zidos três volumes do catálogo, referentes às
trevistas, é possível obter informações pre- regiões mapeadas. No total, foram descritas
cisas e completas de cada uma das dimen- 53 práticas populares de saúde. Os catálogos
sões das racionalidades médicas. Neste caso, estão disponíveis para consulta e download
apresenta-se no catálogo o trecho ou infor- no site www.processoseducativos.ufscar.br
mações obtidas da entrevista que mais se (clicar em “projetos”). O catálogo também é
aproximam da dimensão que se estava bus- oferecido para cada praticante que participou
cando. Assim sendo, não se deve entender de sua composição e para o Centro Comu-
as dimensões apresentadas em cada prática nitário que participou da primeira etapa do
no Catálogo como categorizações dos dados levantamento, em número que avaliarem ser
obtidos nas entrevistas dentro da dimensão necessário. Também é feita divulgação de for-
das racionalidades, mas como elementos da ma qualificada (entrega pessoal por alguém
prática que se aproximam de tais dimensões. da equipe da UFSCar acompanhada por uma
Lembrando que o objetivo do catálogo não conversa sobre os objetivos do catálogo, a ex-
é de categorização das práticas, mas de sua pectativa de seu uso, contatos futuros e outros
Nossa intenção é mostrar a diversidade de práticas populares de saúde presentes usando um referencial
de análise que permite uma melhor compreensão pelos (as) profissionais de saúde, geralmente formados
dentro de uma visão biomédica de corpo humano e do processo saúde-doença-cura.
fotos: Arquivo da pesquisa
Reflexões e vivências
ências Biológicas e Educação Física. Finalizando
O curso tem 28 horas de duração, di-
O catálogo, juntamente com o curso e
vididas em 14 encontros de 2 horas. Nos
outras ações de divulgação do grupo, auxilia
dois primeiros encontros, apresenta-se o
na divulgação e fortalecimento dessas práticas,
contexto do curso e as referências teóricas e
mostrando que essas pessoas buscam apoio
políticas de seu oferecimento. Apresenta-se
não apenas nos profissionais de saúde das uni-
a Educação Popular e Saúde, os resultados
dades dessa região, mas também nos agentes
do levantamento das práticas populares de
das práticas populares, complementando os
saúde e o referencial teórico das racionali-
sistemas terapêuticos. As pessoas avaliam que
dades médicas. Nos encontros seguintes, são
as práticas populares têm algo que as práticas
apresentadas as práticas populares pelos (as)
do serviço não oferecem e vice-versa.
164 praticantes das regiões onde foi realizado
Trata-se de uma experiência nova, até
o levantamento, dedicando-se um encon-
onde tivemos oportunidade de perceber em
tro para cada praticante, totalizando-se a
nossas revisões bibliográficas, bem como nos
apresentação de 6 práticas. Não é objetivo
eventos que temos participado, pois articula
do curso ensinar a prática, mas apresentar os
levantamento sistematizado de práticas po-
aspectos que o (a) praticante considera que
pulares –referenciadas pela população usuá-
devam ser apresentados e entendidos pelos
ria de tais práticas – com formação profissio-
estudantes. Essas apresentações são inter-
nal, esta realizada com os praticantes e com
caladas com encontros de estudo de textos
auxílio de material (catálogo) com dados
oferecidos pelos (as) praticantes para apro-
organizados a partir da realidade da cidade.
fundamento do estudo e análise das práticas
Assim como as demais ações de Educação
por grupos de alunos. O produto final do
Popular e Saúde, estas ações almejam cons-
curso constitui uma reflexão crítica sobre a
truir uma relação com o Estado capaz de
inserção, ou não, dessas práticas nos serviços
fortalecer a sociedade civil do ponto de vista
onde os participantes atuam. Os grupos de
popular. Além dessa relevância social, des-
estudantes debatem e sugerem como cons-
taque deve ser dado à relevância acadêmica,
truir o diálogo com as práticas populares de
uma vez que permite a profissionais e alunos
saúde nas Unidades de Saúde e nos demais
dos cursos de Saúde o acesso a informações
espaços de atuação. Destaque-se que são
sobre práticas populares de saúde em São
propostas “para si mesmos”, ou seja, ações
Carlos, podendo ampliar suas formações e
que o estudante avalia serem possíveis de re-
visões sobre os processos de adoecimento e
alizar dentro de seu espaços de atuação.
cura, bem como a construção, pelos próprios
profissionais de saúde, de alternativas para
o diálogo com essas práticas nos serviços de
saúde e outros espaços onde atuam.
Reflexões e vivências
tanto a ação objetiva do homem quanto desenvolvimento de ações educativas como
suas produções subjetivas, articulando ações atividade ou procedimento específico, e sim
e intenções, como superação da alienação. de reconhecer o potencial pedagógico do
No sentido proposto por Bourdieu trabalho de enfermagem como um todo.
(1983), as práticas e suas representações são Nesta perspectiva, retoma-se uma con-
estruturadas a partir do habitus. As práticas cepção integradora a respeito do trabalho
são, ainda, fruto de uma série de condições como prática social.
relacionadas ao contexto social, político,
econômico, e a aspectos da ordem do dese- Aprendizado a partir de uma
jo e da conveniência dos grupos envolvidos. experiencia curricular que busca
Enquanto produto de uma relação dialéti- incorporar a educação popular e saúde
170 ca, a prática é expressão da relação entre as
Ressaltada a dimensão pedagógica no
condições sociais de produção do habitus
trabalho da enfermagem, apresentamos as
e as condições do exercício desse habitus
linhas orientadoras de uma experiência pe-
(BOURDIEU, 1983, p.65).
dagógica de formação profissional, desen-
Consideramos a EPS como campo de
volvida na Faculdade de Enfermagem da
idéias relevantes para o fazer da Enferma-
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
gem, uma vez que a ação pedagógica crítica
(ENF/ UERJ), para destacar algumas ques-
permite ao trabalhador, ao mesmo tempo
tões sobre a relação entre EPS e a forma-
em que se torna mais sensível ao sofrimento
ção do enfermeiro. O processo de mudança
do outro, avançar numa análise mais apro-
curricular na ENF/UERJ iniciou-se a partir
fundada sobre as relações entre condições e
da percepção do corpo docente e discente
modos de viver e a produção da saúde, para
acerca da necessidade de preparar profissio-
além dos processos biológicos imediatos. Ao
nais cuja atuação pudesse estar mais voltada
buscar uma prática educadora transforma-
para os fatores que conformam a realidade
dora, o enfermeiro transforma-se, ao mesmo
do nosso país, ou seja, um enfermeiro que
tempo, como trabalhador, pela ampliação de
pudesse articular dinamicamente ensino,
sua consciência crítica sobre seu próprio
trabalho, comunidade, teoria e prática (Fa-
processo de trabalho e como educador. Esta
culdade de Enfermagem – UERJ, 2005).
subjetivação do trabalho permite-lhe ressig-
Essa percepção traduziu-se em vontade
nificar sua prática, para além das normas e
política de mudança a qual se articulou ao
rotinas impostas pelo trabalho prescrito.
movimento nacional de reforma curricular
Defendemos, aqui, que a dimensão
que culminou com a elaboração do novo
educativa possa ser reconhecida como prá-
Currículo Mínimo para Formação do En-
xis e como atitude educativa, uma respon-
fermeiro, publicado na Portaria MEC/1721
sabilidade inerente ao processo de trabalho
de 16/12/94.
de enfermagem. Não se trata de propor o
Reflexões e vivências
pode se dar de modo compartilhado e inte- tiva-se em um dos cenários de prática, con-
grado à dinâmica de vida das comunidades. solidar algumas competências básicas para
Busca-se desenvolver a proposta de in- a atuação em enfermagem de saúde públi-
tegrar as áreas de conhecimento em todos ca, por meio da atuação supervisionada em
os períodos acadêmicos que compõem a comunidades, na perspectiva de integração
formação do enfermeiro, buscando privile- dos saberes e habilidades, progressivamente
giar a experiência do aluno para a sistema- construídos nos períodos anteriores.
tização do conhecimento. Assim, ao mesmo tempo em que é ca-
Nas aulas teórico-práticas, por meio da paz de prestar cuidados e orientações bá-
problematização, privilegia-se a experiência sicas a uma gestante por ocasião da visita
do aluno para a sistematização do conhe- domiciliar, o estudante é também capaz de
172 cimento e teorização. Como um exemplo, identificar o perfil epidemiológico da co-
podemos citar o desenvolvimento das aulas munidade onde esta reside, estabelecendo
sobre políticas de saúde, a relação entre os níveis
nas quais se incorpora Acreditamos que a partir desses dos determinantes e con-
a vivência do estudante “pequenos movimentos” que dicionantes das situações
sobre o que significa ser ocorrem no ambiente pedagógico de saúde e os modos de
atendido no serviço pú- viver das pessoas da co-
blico de saúde, criando
podemos alimentar “grandes munidade.
uma atividade que impli- movimentos” que resultem na Acreditamos que
ca em buscar algum aten- ampliação da competência técnica, a partir desses “peque-
dimento na rede, recupe- da consciência crítica e, da nos movimentos” que
rando, posteriormente, autonomia do futuro profissional. ocorrem no ambiente
por meio da sistematiza- pedagógico podemos
ção, uma vivencia concre- alimentar “grandes mo-
ta de sentidos, observações e reflexões críti- vimentos” que resultem na ampliação da
cas sobre o Sistema Único de Saúde, seus competência técnica, da consciência críti-
princípios e problemas a serem superados. ca e, da autonomia do futuro profissional.
A utilização da problematização como Espera-se formar um profissional que, par-
método pedagógico é também um recurso tindo das diversas situações de realidade en-
para o ensino de epidemiologia e de conte- contradas, esteja apto a identificar e intervir
údos da saúde pública, já que várias ativida- sobre determinantes, riscos e danos a saúde,
des de ensino são realizadas através de aulas de acordo com as competências definidas
teórico-práticas, desde o ingresso na gradu- para o profissional enfermeiro.
ação. Nos últimos períodos do curso de gra- Considerações finais
duação – denominado internato - onde se
Como enfermeiras envolvidas na forma-
dá a vivencia do mundo do trabalho, obje-
Reflexões e vivências
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histórica. In:MINISTERIO DA SAUDE.
Saúde – perspectivas de atuação dos edu-
Outras palavras
-interpretado como nos ensinam autores etc.), incluindo muitos dos autores acima
como Victor Valla, Carlo Ginzburg e José mencionados, dialogam muito bem com
de Souza Martins. Acontece assim também a Educação Popular; e esses diálogos de-
com as Dimensões Invisíveis da experiência veriam ser aprofundados. Ainda, limitar a
social - como a espiritualidade, a religião, a Educação Popular em Saúde a um “popu-
arte, as emoções, e a intuição, dentre outras lar” rígido, e “oficializado”, contraria a ideia,
formas tênues ou invisíveis de produção so- uma das bases dessa proposta, que os gru-
cial. pos populares têm as habilidades e conhe-
Neste texto abordarei alguns aspectos cimentos necessários para a incorporação
da complexa dinâmica pessoal e social que crítica - na lógica própria e particular des-
acontece entre: as muitas formas de arte; as sas culturas - de saberes diferentes. Muitos
182 culturas onde essas são criadas e que deter- estudos mostram como, no mundo atual,
minam suas formas e significados; e o am- as culturas dialogam, entram em embate e
plíssimo mundo da saúde - rico em facetas, acordo, e se misturam em mestiçagens e hi-
nuanças e singularidades, mas também cul- bridações.
turalmente definido e ligado fortemente às Estas reflexões iniciais são importantes
estruturas sociais. para entrarmos agora nas relações entre cul-
O fato desta reflexão fazer parte do turas, artes e saúdes - todas elas em plural,
mundo da Educação Popular em Saúde não porque assim, de fato é o mundo: diverso,
nega essa complexidade. Considero redu- multiforme, cheio de detalhes sutis, e - qua-
cionismo pensar que a Educação Popular se sempre - novos, inesperados. A criação
esteja limitada ao que se considera “Popular” - parte central da arte - é assim.
- sendo que essa consideração ou definição, É verdade que não iremos cobrir todas
ela própria, está marcada pelas condições de as possibilidades. A visão e a discussão
sua produção conceitual e simbólica e de- iniciadas aqui sobre o Infinito, o Diverso,
pende de “quem” define, e como é “usada” o Singular e o Próprio servem de boa
essa definição. Pelo contrário, assim como justificativa para a parcialidade. Mas na
a Educação Popular é uma forma rica de parte também podemos intuir o Todo.
Ação Cultural para valorizar e impulsionar
as criatividades periféricas - artes, práticas, A arte como as mil faces de Brahma:
saberes e sabedorias - ela também é um
Brahma, uma das principais deidades
projeto de compreensão e leitura profundas
da religião védica - na Índia e em países
do Mundo, onde diversos saberes e formas
próximos, é representado quase sempre
culturais podem ser apreendidos, pensados
como tendo quatro cabeças. Em cada cabe-
e misturados. Muitas propostas reflexivas e
ça vários rostos. O que a pedra tenta sugerir
de ação, vindas dos mais diversos campos
é o que os mitos contam: Brahma, criador
(como ciências humanas, sociais, literatura,
Outras palavras
presa em redes de exploração e alienação, sistemas de valores e hierarquias predomi-
incitada a ser um autômato consumista, nantes descartaram e exilaram rapidamente
cria. E criar é transformar, questionar, rever, do desejável e que traz “sucesso”; por fora
pensar de outra forma, quebrar a forma co- das linhas do reconhecido como saber. Di-
mum de ver as coisas. Criar também é uma zer, como Freire, que todos podemos criar, é
forma de ser mais, de ir além de nós mes- afirmação perigosa, que questiona uma das
mos, de mergulhar em realidades delicadas bases da ordem excludente: que alguns pen-
e pouco conhecidas - o mar do desconhe- sam, alguns criam e outros só obedecem,
cido. A criação é a invenção de mundos, a produzem manualmente, e consumem.
criação de planetas e galáxias. Descobrir-se criador. Potencializar
Todas as formas de criação são possí- essa dimensão do Humano, e descobrir que
184 veis e válidas - da arte humilde da dona de a criação é ato político que também pode
casa que se distrai, do artesão que luta pelo transformar o mundo é tarefa fundamental
sustento diário, do poeta emocionado nas da Educação. Segundo os pensadores da
horas vagas; até os que vão incorporando linha crítica - que a educação popular em
essa atividade criadora como algo que toma saúde abraça - ler o mundo, problematizan-
quase todo o seu dia: artistas profissionais. do-o, indo do saber ingênuo ao crítico, é um
Mas a essência humana da criação é com- objetivo estratégico da Educação Transfor-
partilhada por todos eles. madora.
As expressões de arte - que não deixam Mas isso não resolve nem contempla
de nos surpreender - são, talvez, mais di- totalmente a questão da criação na arte.
versas ainda do que os processos de criação. Para tentar uma compreensão dela se faz
Elas respondem ao momento histórico, à necessária uma procura de várias dimen-
personalidade do artista, às suas relações sões. E mesmo assim, escorregamos. A Ra-
sociais, etc. Cada produto é único no tempo zão tem seus limites nesse mundo. Muito
e no espaço. E, mais ainda, por exemplo, um além dessa razão, chamada instrumental, a
bonequinho delicado do Alto do Moura em arte é feita de forças e fluxos como a intui-
Caruaru, feito anos atrás, pelo mesmo ar- ção, a sensibilidade, as emoções, a contem-
tista, será diferente de outro feito hoje. Ar- plação extasiada da Beleza do mundo e das
tistas e suas obras são seres vivos. Mudam, pessoas, a experiência direta do Mundo e da
crescem, avançam e voltam, aperfeiçoam ou matéria. Ela convive, necessariamente, com
partem para outros caminhos de beleza e a experiência poética.
estética. Experimentar poeticamente qualquer
A criação, ato sagrado dentro da carne coisa a transforma. Uma forma de olhar,
e do espírito humanos, tem uma dimensão sentir, viver... a experiência poética do mun-
política profunda - recuperar o inútil, os do é fundamental a qualquer arte. De novo,
trastes de Manoel de Barros, aquilo que os há formas muito diversas de viver poetica-
Outras palavras
do nebuloso e difuso das Artes. Talvez fosse a diferença. O livro todo que você, leitora
uma intuição a contramão que sussurrava o ou leitor, tem nas mãos aborda muitas das
valor desse mundo menos racional, mais in- facetas da Educação Popular em Saúde.
tuitivo, difícil de esmiuçar e controlar. Aqui, seguindo nossa linha de reflexão,
e pensando na deusa das águas doces, vou
Dos rios e cachoeiras de Oxum na salientar a sensibilidade e a alegria na edu-
educação popular em saúde: cação em saúde.
A partir do saber e do olhar do Outro
Na mitologia Yoruba, Oxum é a deu-
- sem excluir nem desprezar nosso próprio
sa graciosa da sensibilidade. Fecunda, ama
saber e olhar de profissionais e cidadãos - a
acima de tudo seus filhos, enxergando so-
Educação Popular se envolve em processos
mente o brilho deles. Orixá das cachoeiras
186 e mananciais, ela flui, é transparente e espu-
de delicadeza sensível, favorecendo a troca
e as emoções “boas” - quer dizer, que fazem
mosa, alimenta a vida; fecunda e é fecun-
bem à saúde - como a alegria, a solidarieda-
dada. Vaidosa e de sorriso farto, Oxum nos
de, e o sentimento de pertencer a um todo
mostra o caminho brincalhão do mundo.
maior.
Sensível, nos ensina a praticar essa e outras
Mas essas emoções e sentimentos não
dimensões delicadas e sutis.
são neutros, piegas, nem formas de aneste-
A Educação Popular em Saúde, criação
siar as consciências. O diferencial da Edu-
coletiva - com alguns heróis, pensadores
cação Popular não é o sentimento, a con-
e artistas especiais que se misturaram aos
versa, a dinâmica brincalhona e os métodos
processos sociais de busca pela saúde - é o
criativos. O diferencial se encontra na visão
esforço histórico que se expressou em mo-
crítica - política - tanto do processo educa-
vimentos sociais, grupos organizados, lide-
tivo como de toda a saúde.
ranças, profissionais e professores das uni-
Uma sensibilidade intensa sem abrir
versidades, estudantes e moradores de áreas
mão da criticidade, da lucidez que significa
rurais e periféricas urbanas. Uma das suas
indicar as desigualdades, denunciar o injus-
características é se inspirar na obra de Paulo
to, propor mudanças profundas à ordem.
Freire na educação; e de autores como Vic-
Esse é o desafio da amorosidade da educa-
tor Vincent Valla, Eduardo Navarro Stotz e
ção popular que indica um caminho ético e
Eymard Mourão Vasconcelos na saúde.
político para todo o trabalho em saúde, para
As reflexões desses autores partem de
todo o Sistema de Saúde.
experiências práticas de acompanhamento,
Partir, na construção de saberes, do di-
apoio e luta junto a movimentos sociais or-
álogo com o Outro é, de fato, uma radica-
ganizados, grupos de moradores, campone-
lidade. Perigosa para qualquer governo ou
ses, dentre outros; e não somente a partir
partido. Uma ampliação revolucionária da
de leituras e saberes teóricos. Isso faz toda
experiência da democracia.
Outras palavras
O tesouro do Cariri. Uma viagem de
descoberta com a gêmea loira.
saber-se amante e amado, no meio desse coisa de misturas, paraíso dos antropólogos.
tempo ido, ao levantar o chinês - eu - fotografando tudo
e ao pôr do Sol. E a gente, dois dos reis deixando sem nada a loucura da festa. carros
magos, de luxo, velhos burros, ônibus surrados
a loira e o chinês, na cidade singela do finalmente, antes daquele avião pequenino
Crato procuramos, à noite, a grande praça. que pulava de nuvem em nuvem
no meio dela, sons de banda; e os colegas, e onde conseguimos essas figuras de
artistas populares, já sem vestes de dança madeira maravilhosas
bebericavam e conversavam.- o Crato é um fomos a Juazeiro do Norte, lugar sagrado,
188 lugar fresco no Ceará, disse a Iracema. Temos cidade agitada de comércio
umas montanhas e no santuário do padim eu consegui
que valem a pena demais. Do outro lado está imagens geniais
Exú, terra do Gonzagão. E fomos tal era a luz e a atmosfera de fumaça e
até o topo da Serra - forro pé de Serra - vendedores. e uma moça linda entrou no
para ver-imaginar-abraçar Exú quadro
mas nada de seu Luiz - minha vida é andar e ficou congelada em digital. e as missas não
sem me perder, sem desafinar, sem parar de paravam.
sanfonar
e comemos truta na Serra, como se fosse digo de mim que fazer-mo-nos era tão
qualquer serra, mas mais concentrada nobre como fazer milagres
e ainda tão simples e tão distante. nessa viagem de
o museu do cordel, a figurinha do Patativa, Fortaleza a Olinda nos fizemos amigos, nos
as fotos, os guardiões da memória reconhecemos irmãos,
que querendo nos explicavam, que semeamos a cultura que bebemos a cada
sonhando nos diziam segundo, apostando em novas flores, novos
vocês que vêm de tão longe, senhores espaços
vamos lhes apresentar o Mestre Cirilo que para misturar poesia, canto e educação
vai dançar e dar entrevista na saúde - que era nossa missão de
nucleamos todo tipo de dança, canto, exploradores.
desenho, poema,
e um sorvete de fruta no alto das 22 horas assim. verso final sem rima as coisas se
era fundamental encaixaram. o mosaico das visões formou
para depois dar um pulo em Barbalha onde, um grande desenho
grande sorte, era a festa de Santo Antônio que nunca cansamos de ver, e refazer.
Outras palavras
MAY, Rollo. Minha busca da beleza. Petrópolis: Editora Vozes, 1992.
PAZ, O. El arco y la lira: El poema, la revelación poética, poesía e historia.
México, Fondo de cultura económica, 1986.
REDIN, Euclides. Boniteza. IN: STRECK, Danilo; RODIN Euclides;
ZITKOSKI, José Jaime (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Hori-
zonte: Autêntica Editora, 2008.
VALLA, V.V. Procurando compreender a fala dos setores populares. IN:
VALLA, Victor; ALGEBAILE, Eveline; GUIMARÃES Maria Bea-
triz (orgs.). Classes populares no Brasil: exercícios de compreensão. Rio
de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 2011.
Agradecimentos:
Desejo agradecer às seguintes parceiras pela amizade; pelos di-
álogos inspiradores; por terem trazido esses e outros temas à minha
reflexão cotidiana; por trabalhar com utopia e amor pela saúde pú-
blica. Pela leitura do texto. E pelo afeto grande que eu, obviamente,
não mereço: Lenita Lorena Claro, pela limpeza ética e o olhar de
criança; Célia Sequeiros da Silva, pela beleza sobrenatural da sua
alma; e Aline Rodrigues Corrêa Sudo pela alegria, pela energia boa,
e pelo sonho de um mundo com menos malvadeza e mais boniteza,
como escreveu Paulo Freire.
Outras palavras
“O cotidiano de Dona Chica na luta contra a tuberculose”
e a possibilidade de aprender com ludicidade
Outras palavras
Cha(mamé)lé cultural: poesia gauchesca
Ipiranga – Poesia gauchesca
Maria Helena Zanela - Ponto de Cultura Jardim
A saúde e a cultura
deram as mãos lá em Brasília
e repercute aqui no Sul
bem na ponta, um coração
que é o formato do Estado
onde fica o Conceição E nesta história mui linda
entra a tal Comunitária
Hospital que é para todos que é um serviço excelente
que sara, ensina, pesquisa trabalha com atenção primária
e que espraiando horizontes e com um Núcleo tecendo
sabe que a arte mantém cultura em rede solidária
a energia vital
e a felicidade também Com muitas parcerias
mantemos as mãos unidas
e com ações que construímos
lembram? Juntamos saúde e cultura
vamos abrindo caminhos
para outras formas de cura
quais devem ser recomendados nos programas voltados para cuida- Maria Cecília Tavares Leite
dos primários de saúde (Plantas Que Curam, 1983). Tulani Conceição da Silva Santos
O Brasil, seguindo a tendência mundial, mas preservando suas Vitor Araújo Neto
raízes culturais, principalmente no uso de plantas medicinais como
prática popular, começa por ações que resgatam a medicina popular,
estimula o dialogo entre os diversos saberes e objetiva o uso seguro
e racional das plantas medicinais e fitoterápicos, especialmente com
a edição da portaria n° 971/GM/MS de 03 de maio 2006, que cria
a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no
SUS; do decreto interministerial n° 5.813 de 22 de junho de 2006
que cria a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos,
além da edição da portaria interministerial n° 2.960 que concretiza
o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e cria
o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos como
forma de viabilizar tal política. Estabelece, com esse marco legal,
as diretrizes e linhas prioritárias para o desenvolvimento de ações
pelos diversos sujeitos em torno de objeti- pe, em novembro de 2007, promovida pelo
vos comuns voltados à garantia do acesso Movimento Popular de Saúde (MOPS), foi
seguro e uso racional de plantas medicinais proposta a organização de um curso aos di-
e fitoterápicos e preconiza diretrizes, ações versos sujeitos (trabalhadores e atores dos
e responsabilidades dos poderes munici- movimentos populares) com aprofunda-
pais, estaduais e federal na sua implantação mento teórico-prático sobre as plantas me-
e implementação, as quais irão orientar os dicinais. Assim, surgiu à ideia da construção
gestores no seu estabelecimento ou em sua do Curso de Extensão Popular em Fitote-
adequação aos programas já implantados. rapia, que logo foi aceito pela Pró-Reitoria
Em Sergipe, tem sido recorrente a afir- de Extensão e pela vice-reitoria dessa insti-
mação dos pesquisadores e historiadores tuição de ensino.
200 sobre a grande tradição do uso de plan- A organização foi iniciada através ro-
tas medicinais, talvez também decorrente das de conversas com professores, represen-
da característica agrária desse estado e da tantes dos movimentos sociais e práticas
hegemônica composição de arranjos fami- populares de saúde ligados a ANEPS, com
liares na produção. Essa característica tam- o objetivo de construir a proposta do cur-
bém marca a capital do estado – Aracaju so, que deveria ter metodologia dialógica
– no que pese a predominante caracteriza- e constituída de aulas presencias teórico-
ção urbana. Aracaju, com uma população -práticas, com módulos mensais aos finais
em torno de 600 mil habitantes, também de semana, totalizando uma carga horária
se caracteriza pela existência de arranjos de 200 horas/ano.
produtivos familiares em atividades marca- O que se percebe nesse caminho é que
damente agrícolas compondo diversos dos as trilhas iniciadas por Dona Josefa, a partir
seus cenários. da década de 1990, de valorização da Fito-
Essas características, aliadas à crescente terapia através da troca e multiplicação de
produção do saber sobre o uso de plantas saberes, nos diversos espaços e cenários-
medicinais e fitoterápicas enquanto proje- -comunidade, assistência à saúde, gestão e
tos terapêuticos e a edição da Política Na- academia chegam a 2012 com muitos avan-
cional de Plantas Medicinais e Fitoterápi- ços. Também símbolo dos passos dados foi
cos, têm impactado a forma de construção quando a Secretaria Municipal de Saúde de
do modelo assistencial de saúde e a produ- Aracaju, para coordenar as demandas e arti-
ção de projetos terapêuticos e de cuidado cular a frente de trabalho, criou a referencia
em Aracaju. técnica das PIC’s, que tem estruturado sua
Como resultado da ampliação dessa ação em estreita articulação com as institui-
discussão e como resultado de oficina sobre ções formadoras dos trabalhadores da saúde,
plantas medicinais realizada na Semana de especialmente com a Universidade Federal
Extensão na Universidade Federal de Sergi- de Sergipe, fruto também da qual se estru-
Referências
ALVES, E M S; BATISTA, S M L; SANTOS, TCS; DO PRADO, E
V; BAIÃO CAMPOS, A L. Construção da política estadual das prá-
ticas integrativas, populares e Complementares de Sergipe: início da
caminhada. I Fórum Nacional de Racionalidades Médicas e Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde. Rio de Janeiro, 2012.
BEZERRA, K. E. F; SILVA, L. A. S. M; SANTOS, V.; BATISTA,
S.M.L. Fitoterapia na formação dos acadêmicos de enfermagem: uma
tentativa de atrelar o saber popular e o conhecimento científico, 2010.
BRASIL, Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insu-
mos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. Política
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Modo de preparar:
• Ferventar os tomates em duas xicaras de agua por 10 minutos.
• Escorrer e reservar o caldo.
• Á parte, fritar o alho no azeite até dourar.
• Acrescentar o tomate, o caldo reservado e os ingredientes
restantes.
• Cozinhar em fogo baixo com panela tampada por 20 minutos.
Mexendo de vez em quando.
Receitas de sucos
heco
lves Josefa de Lourdes S. Pac
Glaudy Celma Sousa Santana Marta Ma. Fontes Gonça
Sergipe
Pastoral Criança e Aneps
Mops e Aneps Sergipe
Pastoral da Criança e Aneps Sergipe
Suco Verde
Conta com a ajuda da maçã e da couve para repor nutrientes perdidos. “A pectina, que
está na casca da maçã, é uma fibra muito importante para reduzir a gordura e a glicose do
sangue, além de ser uma fruta muito rica em vitaminas B1, B2, niacina, ferro e fósforo.
A couve tem alto teor de clorofila, que ajuda a limpar o intestino e ainda protege o fígado
dos efeitos nocivos das bebidas alcoólicas”.
H
• 1 copo de 200 ml de água de coco ! Colocar no liquidificador a água de
• 1 maçã com casca picada coco, a maçã picada, a couve, o mel e o
• 1 folha de couve gelo. Bate tudo depois de pronto o suco,
• 1 colher de sopa de mel salpique a linhaça por cima do suco, para
• 1 colher de sobremesa de linhaça dar um a brilho e vai estar pronto para ser
• 1 cubo de gelo servido.
Suco desintoxicante
H • 1 copo de 300 ml de abacaxi em cubos ! Bata todos os ingredien-
• 1 colher de sopa de raspas de casca de limão tes no liquidificador e sirva
• ½ colher de sobremesa de gengibre fresco ralado.
Suco anticelulite
H • 1 colher de sobremesa de salsa
! No dia anterior ao preparo do suco,
• 1 pires de chá de couve manteiga crua coloque a água de coco em forminhas para
• 1 fatia média de abacaxi gelo e leve ao congelador. Para preparar o
• 350 ml de água de coco suco, bata bem no liquidificador a água de
• 3 folhas de hortelã coco, a couve e a salsinha. Acrescente o
• ½ limão para suco abacaxi, gotas de suco de limão e horte-
lã. Bata até ficar bem homogêneo. Adoce,
caso seja necessário. Se preferir, substitua
o abacaxi por melão.
Comunicação e cultura:
as ideias de Paulo Freire
Venício A. de Lima
Editora UNB / Co-edição Perseu Abramo
Roteiro de leitura
De sonhação a vida é feita, com crença e
luta o ser se faz. 1a. edição. Ray Lima. Revistas
Ministério da Saúde, Brasília.
Roteiros para refletir brincando: outras razões Revista Saberes e Práticas: experiências
possíveis na produção de conhecimento e em Educação Popular em Saúde.
saúde sob a ótica da educação popular. vol.1 no.1, out./2011.
La Piragua
Conselho de Educação de Adultos
da América Latina.
Esta revista, escrita em espanhol
e produzida pelo Conselho de
Educação de Adultos da América
Latina a (CEAAL), é a principal
publicação acadêmica sobre
Educação Popular. Cada número se
concentra em um tema específico.
Todos os seus textos podem ser
acessados pela internet no seguinte
site http://www.ceaal.org
Telas do pintor Gildásio Jardim
O artista plástico iniciou seus trabalhos aos 13 anos. Co-
meçou rabiscando a terra vermelha como forma lúdica de
se expressar. Mais tarde desenvolveu uma técnica única
que está diretamente ligada ao seu dia-a-dia. Gildásio,
pinta sobre estampas de Chitas e reproduz o cotidiano da
sua região, o Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais.
Sua pintura é feita com tinta acrílica, tinta para tecido,
tinta látex e com corante líquido. Suas telas retratam a
afetividade humana, a beleza estética e os personagens da
cultura popular do sertão, sempre com um olhar crítico,
político e poético.
Para este trabalho, em parceria com a Aicó Culturas, o
núcleo argumental foi a interseção entre cultura popular
e saúde. E todas as educadoras e cuidadoras retratadas,
têm nome, endereço e muita história para contar.
Mais inforações sobre o artista pode ser encontrada no
site www.gildasiojardim.com.br e nos documentários
produzidos pela Aicó Culturas: www.aicoculturas.com