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Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPGSC)

Disciplina: Saúde e Sociedade - 21/12/2020


Lunélia Amaral Lima

COMUNICAÇÃO E SAÚDE: REFLEXÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DA


PRESENÇA DE MÉDICOS NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
NA PROMOÇÃO DA SAÚDE

A preocupacao do cuidar de si esta relacionada a condicao do individuo constituida


ao longo da historia. Ocupar-se consigo mesmo e colocado como um imperativo que
“[...]tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou
formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em praticas e em receitas que
eram refletidas, desenvolvidas, aperfeicoadas e ensinadas” (FOUCAULT, 1985,
p.50).

As concepcoes de vida desde o seculo XVIII fornecem reflexoes para pensar a


situacao contemporanea em torno dos cuidados com a saude, que passaram a ser
um dever de cada um e objetivo geral para que “[...] possam garantir o bem-estar, a
qualidade de vida e a felicidade” (FOUCAULT, 1979, p.197).

Alimentar-se bem, praticar atividade fisica, prevenir doencas, reduzir o estresse,


controlar a ansiedade, entre outros habitos para cuidar da saude fisica e mental
focados na longevidade, permeiam as diretrizes que conduz o individuo a se cuidar.

Para isso, as informacoes sobre saude encontram-se disseminadas em variadas


esferas, inclusive a midiatica, ocupando um papel fundamental na construcao de
discursos sobre os modos de ser saudavel na contemporaneidade.

A participacao de medicos como fontes para pautas da saude em canais de


comunicacao como jornal, radio e TV e ampliada e reconfigurada com a expansao
da internet e ganha diferentes vertentes e possibilidades com as redes sociais
digitais, cercada por novas apropriacoes do espaco e do tempo no ciberterritorio.

As plataformas das redes sociais digitais possibilitam novas maneiras de divulgar


informacoes, compartilhar saberes, criar relacoes e manter atividades de interacao
de maneira mais direta e instantanea entre o medico e a sociedade, sem a
mediacao de algum veiculo, alcancando audiências bastante expressivas.
Isso e visto em canais de medicos, como no Instagram e Youtube, com producoes
diarias de conteudos, compartilhando informacoes, passando orientacoes e
interagindo com milhoes de usuarios. Como, entao, os discursos desses medicos
nas redes sociais digitais podem influenciar na promocao da saude?

A perspectiva de que “Promover a vida em suas multiplas dimensoes envolve, por


um lado, acoes do ambito global de um Estado e, por outro, a singularidade e
autonomia dos sujeitos, o que nao pode ser atribuido a responsabilidade de uma
area de conhecimentos e praticas” (p.45, CZERESNIA, Dina, 2003) e importante
para discutir a indagacao. A autora destaca que promocao de saude defini-se,
tradicionalmente, de maneira bem mais ampla que prevencao, sem focar em uma
determinada doenca, mas sim em aumentar a saude e o bem-estar de forma geral.

“A Conferência Internacional sobre Promocao de Saude, realizada em Ottawa


(1986), postula a ideia da saude como qualidade de vida resultante de complexo
processo condicionado por diversos fatores, tais como, entre outros, alimentacao,
justica social, ecossistema, renda e educacao” (p.46, CZERESNIA, Dina, 2003).

A autora diz que a promocao de saude nesse sentido “(...) vai muito alem de uma
aplicacao tecnica e normativa, aceitando-se que nao basta conhecer o
funcionamento das doencas e encontrar mecanismos para seu controle. Essa
concepcao diz respeito ao fortalecimento da saude por meio da construcao de
capacidade de escolha, bem como a utilizacao o conhecimento com o discernimento
de atentar para as diferencas e singularidades dos acontecimentos”. (p.48,
CZERESNIA, Dina, 2003).

Considerando essa visao, percebemos que promover saude envolve vertentes que
ultrapassam os papeis de profissionais da saude, sobretudo dos medicos, incluindo
questoes naturais, sociais, politicas e econômicas. Dessa forma, por mais que a
medicina esteja cada vez mais no dia a dia das pessoas, a facilidade de acesso aos
discursos medicos de modo online nao consegue cumprir todo papel que cabe
promocao da saude. Entretanto, a presenca desses profissionais nas redes sociais
acabam remodelando o consumo de informacoes sobre saude, principalmente no
que se refere a estilo de vida saudavel.

Percebe-se que “Na contemporaneidade, estamos passando de um regime de


verdade baseado na confianca nas instituicoes para outro regulado pelos dogmas,
pela intimidade, pela experiência pessoal.” (SACRAMENTO, 2018, p.5). Assim, os
territorios das redes sociais ficam propicios para que medicos, entre outros
profissionais da saude, possam passar sua autoridade experiencial, ao compartilhar
seus habitos, suas verdades, suas escolhas e seus estilos de vida.

Ao acompanhar perfis de medicos que propagam habitos saudaveis, as questoes


que envolvem escolhas alimentares sao bem recorrentes, com discursos que
fortalecem o cuidar de si como uma responsabilizacao do individuo e reforcam o
empoderamento do paciente. Ortega destaca que “O auto-melhoramento individual
autodisciplinado na procura de saude e perfeicao corporal tornou-se a forma dos
individuos exprimirem a sua capacidade de agência e autonomia em conformidade
as demandas do mundo competitivo (2003, p.15)”.

Sacramento lembra que “O consumo de informacoes on-line sobre saude produz


comunidades que buscam algo (quase nunca um farmaco, mas uma erva, uma
planta, um cha ou o proprio corpo) que possa evitar ou curar uma doenca ou ate
mesmo todas elas” (2018, p.7) e quando a indicacao ou o aconselhamento de uso
vem de uma autoridade medica, a credibilidade da informacao fica ainda mais
respaldada.

Logo, essas novas possibilidades de narrativas medicas fazem parte de uma


vertente do contexto contemporaneo de promocao da saude, que inclui o universo
digital, proporcionando novas proximidades, relacoes e experiências do medico com
o paciente/consumidor, contribuindo para que mais discussoes sejam colocadas na
sociedade, porem com certa dificuldade de verificacao, devido ao proprio modelo
hibrido, volatil e extenso da Internet e, consequentemente das redes sociais digitais.
O que cria novas demandas para os proprios orgaos reguladores, como o Conselho
Federal de Medicina, e tambem exige mais cuidado e criticidade da sociedade ao
buscar informacoes e orientacoes de saude.
REFERÊNCIAS:

CZERESNIA, Dina (org). Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendência.


Rio de Janeiro: editora Fiocruz, 2003.

FOUCAULT, Michel. Historia da sexualidade I: A vontade de saber. Traducao de


Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro,
Edicoes Graal, 1979.

FOUCAULT, Michel. Historia da sexualidade III: O cuidado de si. Traducao de Maria


Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Edicoes Graal, 1985.

SACRAMENTO, Igor. A saúde numa sociedade de verdades. Reciis – Rev Eletron


Comun Inf Inov Saude. 2018 jan.-mar.;12(1):4-8 | [www.reciis.icict. ocruz.br] e-ISSN
1981-6278.

ORTEGA, F. The biopolitics of health: reflections on Michel Foucault, Agnes


Heller e Hannah Arendt, Interface - Comunic., Saude, Educ., v.8, n.14, p.9-20,
set.2003-fev.2004.

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