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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO

PROF. JOSÉ DE SOUZA HERDY


ESCOLA DAS CIÊNCIAS DA SAÚDE

EUNICE PESSANHA PINHEIRO DE SÁ

A INFLUENCIA DO MODELO FLEXINERIANO NA CONSULTA


DE ENFERMAGEM NO ÂMBTO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA
FAMÍLIA

RIO DE JANEIRO

2015
EUNICE PESSANHA PINHEIRO DE SÁ

A INFLUENCIA DO MODELO FLEXINERIANO NA CONSULTA


DE ENFERMAGEM NO ÂMBTO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA
FAMÍLIA

Trabalho apresentado ao curso de


especialização em Saúde da Família da
Universidade do Grande Rio Professor José
de Souza Herdy, como requisito parcial
para obtenção do título de especialista.
Orientadora: Professora Maria de Fatima
Nascimento do Amaral.

RIO DE JANEIRO
2015
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por me guiar nos caminhos da vida;

A minha família pelo apoio e paciência;

Aos meus colegas de curso, pelo companheirismo ao longo desse período de


aprendizado e convivência;

Aos professores, pela generosidade e por nos dar o privilégio de compartilhar o


saber.
“Tua caminhada ainda não terminou...
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras
e do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades,


lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações


tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã


o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás...
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te.”

(Charles Chaplin)
RESUMO

Trata-se de uma revisão bibliográfica sobre a influencia do modelo


flexineriano na consulta de enfermagem no âmbito da Estratégia de Saúde da
Família. O objetivo desta pesquisa é identificar de que maneira o modelo
flexineriano de assistência a saúde interfere na conduta do enfermeiro, na
visão da equipe multiprofissional e na visão do usuário da Estratégia da Saúde
da Família no que se refere a consulta de enfermagem. Busca mostrar a
relevância da consulta de enfermagem para a Estratégia da Saúde da Família
quando feita de forma correta e dentro dos limites das atribuições do
enfermeiro no exercício da profissão. A busca pelas referências encontradas se
deu por meio de acesso eletrônico aos periódicos on-line referentes ao
assunto, em periódicos nacionais e internacionais, busca manual em
bibliotecas, consulta aos manuais do Ministério da Saúde e ao código de ética
do conselho de enfermagem, além de jornais, revistas, teses, dissertações e
consultas a livros de autores que abordaram temas relevantes ao assunto da
pesquisa. Constatou-se que quanto maior o grau de informação do usuário, da
equipe multiprofissional e da sociedade em geral a respeito das ações
desenvolvidas pelo enfermeiro na estratégia de Saúde da Família e da consulta
de enfermagem, mais fácil será a transição ao novo modelo de atenção a
saúde, já que a população ainda se apega ao modelo de saúde flexneriano.

DESCRITORES: Consulta de enfermagem; Estratégia de Saúde da Família,


modelo flexineriano.
SUMARIO

1. INTRODUÇÃO..........................................................................................7
2. METODOLOGIA......................................................................................1
0
3. RESULTADO/DISCUSSÃO....................................................................11
3.1 A atuação do enfermeiro na consulta de enfermagem...........................11
3.2 A visão da equipe multiprofissional sobre a consulta de enfermagem...14
3.3 A visão do usuário sobre a consulta de enfermagem.............................15
4. CONCLUSÃO..........................................................................................1
8
REFERENCIAS............................................................................................20
7

INTRODUÇÃO

Os primeiros hospitais de que se têm registros eram lugares onde se


isolava o indivíduo doente para a proteção do sadio, onde apenas os pobres
eram tratados. Os membros da sociedade com poder aquisitivo maior eram
tratados em suas casas. A partir do século XVIII, acompanhando o modelo
biomédico, há uma mudança no papel do hospital na sociedade, que passa a
ser um lugar de tratamento para toda a população, de todas as classes sociais,
além de ensino na área da saúde. O hospital torna-se a referência para a
formação e especialização da medicina com foco no indivíduo e na doença.
(FOUCOULT: 1998)

No início do século XX, apoiado pela Fundação Rockfeller, Abrahan


Flexer publicou um relatório de modelo de ensino que revolucionou o formato
das escolas de medicina nos Estados Unidos da América e a formação médica,
com reflexos em todo o mundo. Este relatório viria a consolidar o modelo
biomédico de assistência à saúde, que passou a ser conhecido também como
modelo flexineriano. (SHERER MDA et al: 2005)

O modelo assistencial e de organização de trabalho conhecido como


biomédico/ flexineriano influenciou a estrutura do sistema público de saúde,
tem como principal característica idéia de saúde como ausência de doenças,
enfatizando o uso de tecnologia dura e as especialidades médicas, onde
predominam o mecanicismo, o biologismo, e o curativismo. O indivíduo é
isolado de contexto social e familiar, sendo assistido de forma fragmentada, em
um cenário hospitalocênico. (RAMOS DKR et al; 2013)

O modelo flexineriano influenciou de alguma forma a formação de todas


as profissões da área da saúde, e não somente da medicina. Esta influencia
também se percebe na organização de trabalho das equipes multiprofissionais
e das instituições, onde se mantém a condução e a liderança na assistência à
saúde a categoria médica. (SHERER MDA et al: 2005)
8

Em 1978, com a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de


Saúde, a Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários reafirma a
definição de saúde defendida pela Organização Mundial da Saúde, como o
“completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de
doença ou enfermidade” contrariando o modelo flexineriano e dando início a
discussões que moldavam um novo modelo em assistência em saúde, o
modelo biopsicosocial. Nestas discussões passa a ser levada em consideração
o fato de que as condições sociais, econômicas e de qualidade de vida refletem
a saúde da população. (SILVA AS et al: 2011)

No Brasil, em 1990 foi decretada a lei 8.080/1990 que dispõe sobre as


condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes, criando assim o Sistema
Único Saúde (SUS). Foi decretado que:

“O dever do Estado de garantir a saúde


consiste na formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem
à redução de riscos de doenças e de
outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.” (BRASIL; 1990)

O Programa de Saúde da Família, hoje chamado de Estratégia de Saúde


da Família, foi criado com o objetivo de fortalecer um novo modelo de
organização de trabalho em saúde, rompendo com o modelo flexineriano,
priorizando a assistência ao indivíduo, a família e a comunidade, com ações de
promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde. Essas ações são
executadas com a implantação de equipes multiprofissionais em unidades
básicas de saúde. (MATUMOTO et al; 2011). Esta equipe é formada
basicamente por um médico, um enfermeiro, um técnico ou auxiliar de
9

enfermagem e agentes comunitários de saúde correspondentes à população


adscrita. Estes profissionais devem trabalhar de forma coesa para que exista
um processo de trabalho tendo como objetivo o cuidado do indivíduo, família e
comunidade.

Considera-se que o enfermeiro é um personagem muito importante na


equipe da Estratégia de Saúde da Família, sendo responsável por ações
fundamentais para a equipe multiprofissional e principalmente para o usuário.
A consulta de enfermagem é uma atividade emblemática para o enfermeiro no
que diz respeito à autonomia no exercício da profissão e na assistência a
saúde.

Este estudo tem o objetivo de identificar de que maneira o modelo


flexineriano de assistência a saúde interfere na conduta do enfermeiro,na visão
da sociedade, na visão da equipe multiprofissional e na visão do usuário da
Estratégia da Saúde da Família no que se refere a consulta de enfermagem.
Busca mostrar a relevância da consulta de enfermagem para a Estratégia da
Saúde da Família quando feita de forma correta e dentro dos limites das
atribuições do enfermeiro no exercício da profissão.

Busca-se ainda demonstrar como influencia exercida pelo modelo


flexineriano de assistência à saúde, a deficiência na capacitação do profissional
enfermeiro e a falta de informação da sociedade interferem de forma negativa
no que diz respeito à consulta de enfermagem.

É importante ressaltar que esta pesquisa se dá a partir de observação


em campo de estágio de consultas de enfermagem feitas pelos profissionais
enfermeiros na Clínica da Família, as quais foram acompanhadas como
ouvinte. Durante as consultas surgiram situações que despertaram
inquietações, indagações e dúvidas quanto à consulta de enfermagem e o
comportamento do enfermeiro durante essa prática. Neste contexto surgiu a
questão de pesquisa de como o modelo flexineriano influencia a consulta
realizada por enfermeiros na Estratégia de Saúde da Família.
10

METODOLOGIA

A metodologia tem como finalidade captar e analisar as características


dos vários métodos disponíveis, avaliar suas capacidades, potencialidades,
limitações ou distorções e criticar os pressupostos ou as implicações de sua
utilização. Além de ser uma disciplina que estuda os métodos, segundo o autor,
a metodologia é também considerada uma forma de conduzir a pesquisa ou um
conjunto de regras para ensino de ciência e arte (DEMO, P; 2005).

A pesquisa bibliográfica abrange a leitura e a interpretação de textos,


manuais, teses, livros, etc. Todo o material deve ser submetido a uma triagem
de onde é possível estabelecer um plano de leitura e releitura acerca do tema
proposto. (GIL, AC; 2002)

Este estudo trata-se de pesquisa bibliográfica. A busca pelas referências


encontradas se deu por meio de acesso eletrônico aos periódicos on-line
referentes ao assunto, em periódicos nacionais e internacionais, busca manual
em bibliotecas, consulta aos manuais do Ministério da Saúde e ao código de
ética do conselho de enfermagem, além de jornais, revistas, teses,
dissertações e consultas a livros de autores que abordaram temas relevantes
ao assunto da pesquisa.
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RESULTADO/DISCUSSÃO

De acordo com a lei número 7.498/1986 e de acordo com a resolução


COFEN 159/1993 a Consulta de Enfermagem, sendo atividade privativa do
Enfermeiro, utiliza componentes do método científico para identificar situações
de saúde/doença, prescrever e implementar medidas de Enfermagem que
contribuam para a promoção, prevenção, proteção da saúde, recuperação e
reabilitação do indivíduo, família e comunidade. (ZELMA, MBG; GILMARA,
SRS; 2012)

A consulta de enfermagem deve ser realizada de forma sistematizada e


dinâmica, com metodologia científica, seguindo passos específicos
determinados pela sistematização da assistência de enfermagem, desenvolvido
por Wanda Horta na década de 70. São eles: histórico de enfermagem;
diagnóstico de enfermagem, baseado ou não na taxonomia de NANDA; plano
assistencial; prescrição de enfermagem; evolução de enfermagem. Baseado na
Teoria das Necessidades Humanas, o processo de enfermagem tem como
objetivo atender as necessidades básicas do indivíduo. (HORTA; 1979)

A formação profissional do enfermeiro sofre influencia do modelo


flexineriano, o que acaba interferindo na sua atuação durante a consulta de
enfermagem. Da mesma forma, o modelo flexneriano influencia a visão da
equipe multiprofissional e do usuário a respeito da atuação do enfermeiro e da
consulta de enfermagem. As diferentes visões destes segmentos da sociedade,
assim como o comportamento do enfermeiro durante a consulta de
enfermagem são abordados separadamente neste estudo.

A atuação do enfermeiro na consulta de enfermagem


12

Na pesquisa “A consulta de enfermagem no contexto da atenção básica


de saúde, Juiz de Fora, Minas Gerais” (SANTOS SMR, et al; 2008), feita com o
objetivo de conhecer a percepção do enfermeiro a respeito da consulta de
enfermagem na atenção básica, as autoras concluíram que o enfermeiro tem
consciência do valor da consulta de enfermagem como instrumento de atenção
à saúde, porém encontra dificuldades para executar esta atividade por
considerar que sua formação acadêmica foi insuficiente e que muitos buscam
cursos de especialização como forma de suprir essa limitação. Neste contexto
existe insegurança ao realizar o exame físico, prescrever medicamentos,
analisar exames e até mesmo entrevistar o paciente, levando o enfermeiro a
retroceder ao modelo biomédico, evidenciando suas limitações e expondo-o
diante do usuário e da equipe multiprofissional.

Dineusa Bazzo e Fernanda Freitas Mendonça (2013) analisaram as


percepções de enfermeiros e usuários de uma unidade de atenção básica a
respeito da consulta de enfermagem na pesquisa “Percepções da consulta de
enfermagem sob a ótica dos enfermeiros e usuários de uma unidade de saúde”
e concluíram que o enfermeiro reconhece a importância da consulta de
enfermagem, contudo não a realiza com freqüência ou não realiza de forma
adequada devido à sobrecarga de trabalho, a falta de protocolos de
atendimento para a consulta de enfermagem, a falta de capacitação para a
atividade e a resistência do usuário. As autoras ressaltam que a elaboração de
protocolos de atendimento no serviço de saúde é de responsabilidade do
próprio profissional e que o pouco conhecimento do usuário sobre a consulta
de enfermagem está ligado a pouca divulgação, a pouca realização da
atividade e a falta de interesse dos profissionais em implantar protocolos.

Na pesquisa “A prática clínica do enfermeiro na atenção básica: um


processo em construção” (MATUMOTO et al, 2011), onde foi apresentada a
resignificação da prática clínica do enfermeiro na atenção básica, as autoras
concluíram que na consulta de enfermagem permanece a assistência individual
e curativa, e o trabalho clínico do enfermeiro é visto como complementar ou
substitutivo ao médico. As autoras afirmam ainda que existam situações de
13

tensão e insegurança por parte do enfermeiro que por não dominar totalmente
o processo de trabalho não se dispõe a realizá-lo.

Na pesquisa “As atividades desenvolvidas por enfermeiros no PSP e


dificuldades em romper o modelo flexneriano” (SILVA AS et al), onde o objetivo
foi conhecer as atividades do enfermeiro na estratégia de saúde da família e as
dificuldades encontradas nessas atividades, as autoras concluíram que o
trabalho do enfermeiro é feito de forma assistencial, com perfil curativo e é
complementar ao trabalho do médico. A falta de autonomia e a insegurança
gerada por incerteza do que é específico ao trabalho do enfermeiro são
apontados como reflexo de uma formação profissional inadequada.

Em texto publicado no jornal EXTRA (Bruno Cunha, 04/11), há


depoimentos de usuários de que o enfermeiro não realiza corretamente a
consulta de enfermagem. De acordo com os relatos fica claro que as consultas
são realizadas de forma substitutiva a consulta médica e que o enfermeiro
muitas vezes não respeita os limites das suas atribuições durante esta
atividade. Percebe-se que a consulta de enfermagem e ao que se destina
perde o sentido, visto que em momento algum o usuário relata alguma
entrevista ou exame físico completo, alem de não haver obtido qualquer
implicação do que se trata a consulta de enfermagem:

“-Fui examinada pela enfermeira, que me


prescreveu vários medicamentos. Mas na
hora de assinar, ela levou a receita lá para
dentro, para o médico carimbar e rubricar.
Eu sequer o ví.”

“-O enfermeiro mandou eu abrir a boca,


olhou a garganta e liberou, pedindo para eu
beber líquido. Desconfiado, fui a um médico
particular e ele diagnosticou problema no
estômago.”
14

Em reportagem exibida pelo programa de televisão “Bom Dia Brasil” no


dia 15 de setembro de 2011, com o título “Polêmica em campo Grande (MS):
Enfermeiros começam a dar consulta”, a secretaria de saúde admite que a
consulta de enfermagem vem substituindo a consulta médica:

“A consulta feita por enfermeiros foi a


alternativa encontrada para reduzir o tempo
de espera dos pacientes."

A visão da equipe multiprofissional sobre a consulta de enfermagem

O modelo flexineriano de atenção a saúde, que vem sendo utilizado


desde o início do século XX, influenciou as organizações de trabalho na área
da saúde, tanto das instituições quanto das equipes multiprofissionais,
estabelecendo diferentes ações para cada grupo profissional, cabendo ao
profissional médico a coordenação e a liderança no trabalho das equipes de
saúde. A hierarquização na organização do trabalho da equipe multiprofissional
em saúde gera conflitos, fragmentação das ações, além da desvalorização do
trabalho dos demais profissionais. (???)

De acordo com Borges AIL(2010), o novo modelo de atenção a saúde


adotado na Estratégia de Saúde da Família é uma mudança de paradigma e dá
ao enfermeiro um papel de destaque na equipe multiprofissional. A consulta de
enfermagem, a solicitação de exames e a prescrição de medicamentos feita
pelo enfermeiro gera em alguns momentos desconforto em uma parcela de
profissionais da saúde. Esta reação negativa se dá pelo desconhecimento
desses profissionais a respeito das atribuições do enfermeiro.

Existem processos judiciais que denunciam as atividades do enfermeiro


como ilegal, movidas contra o Conselho Federal de Enfermagem e até contra
enfermeiros, movidas pelos órgãos de representação da medicina. Como
exemplo dessas ações há o mandato de segurança n°200634.00.034729-1 em
15

que o Conselho Federal de Medicina afirma ser ilegal a resolução COFEN


n°271/02. Outro exemplo é a ação movida pelo Sindicato dos Médicos de Vila
Velha, que no ano de 2010 apresentou denúncia-crime contra uma enfermeira
alegando exercício ilegal da medicina ao prescrever medicamentos na
Estratégia de Saúde da Família. (BORGES ALI; 2010)

Os órgãos de representação da medicina vem se manifestando na mídia


de forma negativa quanto as atividades do enfermeiro na Estratégia de Saúde
da Família. O discurso dos representantes desses órgãos mostra-se
claramente equivocado quanto às atribuições do enfermeiro na equipe
multiprofissional, insistindo em um modelo de atenção a saúde centrada no
profissional médico, acreditando que o trabalho do enfermeiro é subalterno.

“-Isso é uma ilegalidade, uma forma de


enganar a população. Todos vestem branco
e ninguém sabe se são médicos ou não.
Até os enfermeiros obstétricos só podem
atender supervisionados por um médico.
Como podem fazer pré-natal se não fizeram
medicina?”(Márcia Rosa de Araújo -
presidente do CREMERJ; jornal EXTRA;
04/11)

“-O médico deve estar presente na sala


com a enfermeira. A supervisão é um ato de
presença física do profissional. Não existe
supervisão a distancia. A enfermeira pode
deixar de perceber algo que um médico
perceberia.” Jorge Darse -Sindicato dos
Médicos do RJ; jornal EXTRA; 04/11)

A visão do usuário sobre a consulta de enfermagem


16

A implementação efetiva do novo modelo de atenção a saúde, rompendo


com o modelo flexineriano, encontra resistência no comportamento do usuário
do sistema de saúde. A promoção da saúde e a prevenção de doenças são
conceitos relativamente novos para a realidade e o cotidiano do usuário, que
na maioria das vezes procura os serviços de saúde apenas em caso de
doença. Enquanto no modelo flexineriano o usuário se acostumou a ter o
profissional médico como o protagonista das ações em saúde, no novo modelo
de atenção a saúde não existe uma categoria profissional como referência, e
sim uma equipe trabalhando unida em benefício do usuário, família e
comunidade.

A mudança de paradgma da atenção a saúde gera certa insegurança ao


usuário, por não compreender as mudanças no comportamento das equipes de
saúde e por não conhecer as atribuições dos profissionais que compõe essas
equipes. Neste contexto, muitas vezes o usuário percebe a consulta de
enfermagem com desconfiança, comparando a consulta de enfermagem com a
consulta médica, acreditando que o enfermeiro substitui o médico na consulta
clínica, individual e curativa. (SANTOS RM, RIBEIRO LCC; 2010)

Na pesquisa “Percepções da consulta de enfermagem sob a ótica dos


enfermeiros e usuários de uma unidade de saúde” (BAZZO D, MENDONÇA F;
2013) as autoras concluiram que muitas vezes o usuário não consegue
distinguir o enfermeiro do auxiliar ou do técnico de enfermagem, porém
reconhecem o valor do trabalho da categoria. Concluíram também que falta de
informação, a pouca realização da consulta de enfermagem de forma correta e
o fato de acreditar que a consulta é uma prática exclusiva do profissional
médico, contribuem para que o usuário não compreenda a proposta da
consulta de enfermagem.

A pesquisa “Atividades desenvolvidas por enfermeiros no PSF e


dificuldades em romper o modelo flexneriano” (SILVA AS, OLIVEIRA S et al;
2011) observou que quanto maior o grau de informação do usuário a respeito
das ações desenvolvidas na estratégia de Saúde da Família, maior será a
adesão ao programa, já que a população ainda se apega ao modelo de saúde
17

flexneriano. Neste contexto, o enfermeiro encontra dificuldades na participação


do usuário e na compreensão do que se trata a consulta de enfermagem.

Em reportagens publicadas na mídia há depoimentos de usuários do


sistema de saúde a respeito da consulta de enfermagem. O conteúdo desses
depoimentos deixa claro que existe uma grande falta de informação da
população sobre as atribuições do enfermeiro na assistência a saúde e ao que
se destina a consulta de enfermagem:

“-Fui à consulta e uma enfermeira me


atendeu. Ela viu os exames, mas eu queria
mesmo era ser atendido por um médico”
(jornal O Globo; 02/14)

“-Se for para agilizar o atendimento vai ser


bom. O médico só passa mesmo dipirona,
paracetamol ou coisa assim.” (Bom dia
Brasil; 09/11)
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CONCLUSÃO

A Estratégia de Saúde da Família foi criado com o objetivo de fortalecer


um novo modelo de organização de trabalho em saúde, rompendo com o
modelo flexineriano. O enfermeiro é um personagem muito importante na
equipe da Estratégia de Saúde da Família, sendo responsável por ações
fundamentais para a equipe multiprofissional e principalmente para o usuário.
A consulta de enfermagem é uma atividade emblemática para o enfermeiro no
que diz respeito à autonomia no exercício da profissão e na assistência a
saúde.

A formação profissional do enfermeiro sofre influencia do modelo


flexineriano, o que acaba interferindo na sua atuação. Na consulta de
enfermagem o trabalho é feito de forma assistencial e individual, com perfil
curativo e é realizada de forma a complementar ou substituir a consulta
médica. A falta de autonomia e a insegurança gerada pela incerteza do que é
específico ao trabalho do enfermeiro são apontados como reflexo de uma
formação profissional inadequada. A falta de informação, a pouca realização da
consulta de enfermagem de forma correta e o desinteresse da categoria em
implantar protocolos o processo de trabalho.

A atuação do enfermeiro na Estratégia de saúde da Família, o que inclui


a consulta de enfermagem, gera desconforto em uma parcela de profissionais
da saúde. Esta reação negativa se dá pelo desconhecimento desses
profissionais a respeito das atribuições do enfermeiro. Os órgãos de
representação desses profissionais têm se manifestado de forma negativa,
insistindo em um modelo de atenção a saúde hierarquizada, onde se acredita
que o trabalho do enfermeiro é subalterno ao do médico, mostrando-se
claramente equivocado quanto às atribuições do enfermeiro na equipe
multiprofissional.
19

A implementação efetiva do novo modelo de atenção a saúde, rompendo


com o modelo flexineriano, gera resistência e insegurança ao usuário do
sistema de saúde. Por não compreender as mudanças no comportamento das
equipes de saúde e por não conhecer as atribuições dos profissionais que
compõe essas equipes, muitas vezes o usuário não consegue distinguir o
enfermeiro do auxiliar ou do técnico de enfermagem.

A promoção da saúde e a prevenção de doenças são conceitos


relativamente novos para a realidade e o cotidiano do usuário, que na maioria
das vezes procura os serviços de saúde apenas em caso de doença. No
modelo flexineriano o profissional médico é visto como o protagonista das
ações em saúde, enquanto no novo modelo de atenção a saúde não existe
uma categoria profissional como referência, e sim uma equipe trabalhando
unida em benefício do usuário, família e comunidade. O usuário então não
compreende a proposta da consulta de enfermagem comparando a consulta de
enfermagem com a consulta médica.

O modelo flexneriano influencia a visão da sociedade, da equipe


multiprofissional e do usuário a respeito da atuação do enfermeiro e da
consulta de enfermagem. Torna-se evidente que quanto maior o grau de
informação do usuário, da equipe multiprofissional e da sociedade em geral a
respeito das ações desenvolvidas pelo enfermeiro na estratégia de Saúde da
Família, mais fácil será a transição ao novo modelo de atenção a saude, já que
a população ainda se apega ao modelo de saúde flexneriano.
20

REFERÊNCIAS

BAZZO D, MENDONÇA F F; Percepções da consulta de enfermagem sob a


ótica dos enfermeiros e usuários de uma unidade básica de saúde;
Sábios: Ver. Saúde e Biol., v.8, n.1, p. 53-61, jan/abr., 2013

BORGES AIL; Consulta de enfermagem, prescrição de medicamentos e


solicitação de exames por enfermeiros na atenção básica; Enfermagem em
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento


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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política


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conhecimento; 3ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2005.

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GIL, AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002
21

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do


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.MATUMOTO, Silvia; Fortuna, CM; Lauren; Mishima, SM; Pereira, MJB – A


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TJ-ES - Remessa Ex-officio : 35080169986 ES 35080169986 ; disponível em:


http://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19201001/remessa-ex-officio-
35080169986-es-35080169986?ref=topic_feed
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