Você está na página 1de 39

LEI DE INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS E
TELEMÁTICAS
- LEI Nº 9.296/96 -
Profa. Denise Leal F. Albano Leopoldo
Lei de Interceptações Telefônicas (Lei Nº 9.296/96)
QUESTÕES PRELIMINARES:
• Proteção constitucional ao direito à privacidade e à intimidade.
• Respeito às garantias e a busca pela efetividade do processo penal.
• Devido processo penal e reserva de jurisdição.

Art. 5º, XII, da CF/88 - É inviolável o sigilo da correspondência e das


comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual.
Lei de Interceptações Telefônicas (Lei nº 9.296/96)
Art. 1º - A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer
natureza, para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem
do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo
de comunicações em sistemas de informática e telemática.
OBS: Tanto a CF/88 quanto a Lei Nº 9.296/96 fazem menção à “investigação
criminal” e não ao inquérito policial. Logo, pode haver interceptação ainda
que não haja inquérito policial instaurado, desde que haja outra forma de
investigação criminal em curso. Ex.: CPIs, investigações pelo MP. A
interceptação também pode ser decretada durante o curso da instrução
processual penal.
• São cinco, portanto, os requisitos constitucionais que condicionam a
validade da intervenção estatal em casos de interceptações telefônicas:
• a) existência de lei regulamentadora (atendido pela Lei Nº 9.296/96)*;
• b) finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal -
incindentalidade e acessoriedade;
• c) ordem judicial – em todo o caso, devidamente fundamentada (artigo 93,
inciso IX, da CF);
• d) em observância às hipóteses legais autorizadoras da medida; e, também,
• e) obediência à forma estabelecida em lei. (FELDRIN)

* “(...) A escuta telefônica realizada antes da Lei Nº 9.296/96, ainda que


calcada em ordem judicial, não estava juridicamente amparada, acarretando
prova obtida por meio ilícito (Precedentes do Pretório Excelso)” (STJ, REsp
225450/RJ, 5ª T, 15.02.00)
ALGUMAS CATEGORIAS CONCEITUAIS
• “Interceptar” = captar a comunicação alheia, tomando conhecimento do seu
conteúdo. É da essência da interceptação a participação de um terceiro, que passa a
ter ciência do conteúdo de uma comunicação alheia.
• Interceptação Telefônica = Captação da comunicação telefônica alheia por terceiro,
sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores.
• Interceptação Telemática = Captação da comunicação entre interlocutores que
usam a internet feita por terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos
comunicadores.
• Escuta Telefônica/Telemática = Captação da comunicação telefônica ou telemática
por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores.
• Gravação Telefônica/Telemática Clandestina = Captação da comunicação telefônica
ou telemática feita por um dos comunicadores sem o conhecimento do outro.
• Comunicação Ambiental = Conversa mantida entre duas ou mais pessoas, sem a
utilização de telefone, em qualquer recinto, público ou privado.
• Interceptação Ambiental = Captação da comunicação (lembrando que essa
comunicação pode não ser restrita à conversa oral, podendo envolver gestos,
sinais, etc) no próprio ambiente dela, por terceiro, sem o conhecimento dos
comunicadores. Tem a mesma substância da interceptação telefônica. Ex.:
filmagem de indivíduos comercializando drogas em praça da cidade.
• Escuta Ambiental = Captação de uma comunicação, no ambiente dela, feita por
terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores. Ex.: cidadão vítima de
concussão que, com o auxílio da polícia, grava o exato momento em que
funcionário público exige vantagem indevida para si em razão de sua função.
• Captação (gravação) Ambiental = Captação no ambiente da comunicação feita
por um dos comunicadores. Ex: emprego de gravador, de câmeras ocultas, etc.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPORTANTES
• Na hipótese de gravação telefônica já havia posição jurisprudencial no sentido
de não haver a necessidade de autorização judicial, sendo lícita a prova, desde
que o conteúdo da conversa não tratasse de questões ligadas exclusivamente à
intimidade ou à vida privada. Mas, se houvesse relevante interesse para prova
da inocência do autor da gravação ou de que está sendo vítima de um crime, o
STF entendeu que há, na espécie, exercício do direito de defesa. Há julgados
admitindo até mesmo a gravação clandestina (sem autorização judicial) como
prova utilizada por um dos interlocutores, sob o argumento de que a
Constituição veda a interferência de terceiro na comunicação e não o registro
da comunicação regular entre duas pessoas que se aceitam como comunicador
e receptor.

OBS: Foi a partir da Lei do chamado pacote anticrime (Lei Nº 13.964/19) que a
gravação telefônica ou ambiental autorizada judicialmente passou a ser admitida
legalmente como meio de prova.
• Luiz Flávio Gomes lembrava que quem lê o art. 5º, II da CF/88
desavisadamente pode chegar à conclusão enganosa de que apenas a
violação das comunicações telefônicas seria relativa. Os demais sigilos (de
correspondência e das comunicações telegráficas e de dados) seriam,
consequentemente, absolutos, não se admitindo, em hipótese alguma, a
quebra. Mas, conforme entendimento amplamente cristalizado, nenhum
direito ainda que fundamental é absoluto.

A proteção à privacidade e à intimidade, assim como todo direito


fundamental, não é absoluto. Nesse sentido, posicionou-se o STF: “O
entendimento desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de não possuir
caráter absoluto a garantia dos sigilos bancário e fiscal, sendo facultado ao
juiz decidir acerca da conveniência da sua quebra em caso de interesse
público relevante e suspeita razoável de infração penal”. (STF, Ag Rg no AgIn
541.265/SC, 2ª T.j. 04.10.05)
Art. 2º - Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas
quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração
penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com
pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a
situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos
investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

OBS: A autorização judicial deve ser prévia. Assim, o consentimento posterior


de um dos interlocutores não torna o ato legítimo. A prova é ilícita. (Info. 541
do STJ -2014)
Quanto à fundamentação, é necessário que sejam devidamente
indicados:
a) o atendimento aos requisitos legalmente estabelecidos
mencionados no slide anterior;
b) os indícios concretos e razoáveis de autoria ou participação na
infração penal de quem vai sofrer a medida (art.2º, I);
c) as provas existentes a respeito da infração, ou seja, a devida
materialidade (art.2º, I);
d) a sua necessidade por ausência ou ineficácia de outros meios
de prova (art.2º, II e art. 4º); com clara demonstração de
atendimento ao princípio da proporcionalidade.
ALGUMAS POSIÇÕES POLÊMICAS SOBRE A MATÉRIA:
• A circunstância de a CF/88 expressamente só abrir exceção no caso da comunicação
telefônica não significa que o legislador ordinário não possa permitir a interceptação
na hipótese de transmissão de dados. Não há garantias constitucionais absolutas.
• O STJ (RHC 18.116/SP), quanto às conversas realizadas em “sala de bate papo” da
internet, tem considerado que não há falar em proteção do sigilo das comunicações,
já que o ambiente virtual nesse caso é de acesso irrestrito.
• O TST (RR 613) decidiu que a prova obtida mediante monitoramento de e-mail
corporativo é lícita para demonstrar justa causa na demissão de empregado.
• A quebra do sigilo de dados telefônicos não se confunde com a interceptação
telefônica e não é abrangida pela Lei Nº 9.296/96. A quebra do sigilo não está
submetida à cláusula de reserva de jurisdição e pode ser determinada por CPI e MP
(STJ, EDcl no RMS 17732).

OBS: Mas o STF decidiu em abril de 2018 pela constitucionalidade da Resolução Nº


36/2009/CNMP, no sentido de que membros do MP podem grampear telefones e
endereços de e-mail e quebrar sigilo de comunicações em investigações tocadas
diretamente pelo órgão. Mas a corte decidiu, no entanto, que as medidas só podem ser
adotadas com autorização judicial.
EM SÍNTESE: A interceptação telefônica é fonte de prova (natureza jurídica). Já a
gravação da interceptação é a materialização da fonte de prova. Por fim, a transcrição
das gravações funciona como meio de prova.
• Considerando o desenvolvimento da informática, a expressão “comunicação
telefônica ou telemática” deve abranger a transmissão, emissão ou recepção de
símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer
natureza, por meio de telefonia estática ou móvel (fax, modens, internet, e-mail). Por
isso que o parágrafo único dispõe que a Lei se aplica à interceptação do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática.
• Em sentido contrário, Vicente Greco entende que o Parágrafo Único é
inconstitucional, já que a CF/88 só autoriza a interceptação de comunicação
telefônica, na qual não está incluída a transmissão de dados. Já Renato Brasileiro
argumenta que a Lei tem seu campo de incidência sobre qualquer forma de
comunicação, seja telefônica ou não.

Observação importante: O STF (HC 70.814/SP) considerou válida a interceptação


de correspondência de presos, por razões de segurança pública, de disciplina
prisional e de preservação da ordem jurídica.
• Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente
absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de gravação
telefônica efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico,
mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a captação das
conversas. Ex.: M, maior de idade, estava mantendo relações sexuais com uma
criança de 12 anos. A mãe da criança, desconfiada, chamou um detetive
particular e solicitou a ele que “grampeasse” o telefone fixo de sua residência. A
gravação das conversas revelou que eles estavam realmente mantendo relações
sexuais. A genitora procurou a polícia e apresentou notícia crime. M foi
denunciado e condenado pelo crime do art. 217-A do CP, tendo recorrido ao STJ
alegando que a prova obtida pela mãe (e utilizada para condená-lo) era ilícita
porque consistiu em uma interceptação (sic) telefônica feita sem prévia
autorização judicial. Para o STJ, a providência adotada pela mãe da criança
deveria ser equiparada à gravação telefônica, não podendo ser considerada como
se fosse interceptação. Os menores de 16 anos são absolutamente incapazes.
Assim, quando a mãe do menor deu consentimento para que fossem gravadas
suas conversas telefônicas, tal consentimento é válido e deve ser considerado
como se tivesse sido feito pelo próprio menor interlocutor. (Info. 535 e 543 do STJ
– 2014)
• INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA#QUEBRA DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA QUEBRA DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS

Conhecimento do conteúdo da conversa. Registros documentados, como data da chamada,


horário da ligação, duração, número de telefone etc.

• Do mesmo modo, os dados relativos à qualificação, horários dos acessos e


identificação dos endereços de IP das máquinas utilizadas não se confunde
com a interceptação das comunicações telemáticas.
• O STJ (HC 33.368) já se manifestou no sentido de que o fato de ter sido
verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelo réu
não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à
empresa responsável pelas linhas telefônicas e nem conhecimento do
conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas.
• Não é possível que a interceptação seja deferida no curso de processo cível,
comercial, trabalhista, administrativo etc. Porém, segundo entendimento
jurisprudencial majoritário, nada impede que os elementos obtidos numa
interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal sejam utilizados em outro processo, a título de PROVA
EMPRESTADA.
• A interceptação, portanto, não pode ser autorizada e realizada em
Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), mas pode ser transportada
ao PAD na qualidade de “prova emprestada”, desde que devidamente
autorizada pelo juízo criminal e com observância às diretrizes da Lei n.
9.296/1996. (Info. 543 do STJ -2014)

ATENÇÃO! Como a própria CF/88 prevê a interceptação das comunicações


telefônicas, não há que falar em violação ao princípio do nemo tenetur se
detegere (proibição da autoincriminação). (Info. 505 do STJ - 2012)
• A Lei Nº 12.683/12 acrescentou à Lei de Lavagem o art. 17-B: A autoridade
policial e o MP terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do
investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço,
independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral,
pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de
internet e pelas administradoras de cartão de crédito.
• Esse dispositivo pode ser invocado para a apuração de qualquer crime,
especialmente as infrações penais antecedentes. Não teve o legislador a
intenção de limitar seu escopo à lavagem de capitais.

ATENÇÃO! O contraditório será diferido, em face da própria natureza da


interceptação telefônica como medida cautelar inaudita altera pars.
Reconhece-se que é direito do defensor, na defesa do interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentado
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de
polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
• Todo e qualquer Juiz Criminal pode, em tese, conceder a ordem de interceptação, seja no
âmbito da Justiça Estadual, da Justiça Federal, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar da
União ou dos Estados. Em regra, é nula a autorização judicial concedida por juiz
incompetente. Ex.: interceptação deferida pela Justiça Estadual durante a realização de
inquérito militar. Contudo, quando a interceptação ocorrer no curso das investigações
criminais (cautelar preventiva), o STF flexibiliza a regra tendo em vista a TEORIA DO JUÍZO
APARENTE (vide info. 701 do STF).

ATENÇÃO!! A interceptação não pode dar início a uma investigação (é proibida a


interceptação de prospecção). Isso até como decorrência da vedação ao recurso “fishing
expedition”.
Sobre um caso em que uma conversa entre a investigada e o advogado foi
clandestinamente captada pela Rede Globo, o STJ (HC 59.967) se manifestou: “na hipótese,
conquanto tenha a paciente concordado em conceder a entrevista ao programa de
televisão, a conversa que haveria de ser reservada entre ele e um de seus advogados foi
captada clandestinamente. Por revelar manifesta infração ética o ato de gravação - em
razão de ser a comunicação entre a pessoa e seu defensor resguardada pelo sigilo
profissional - não poderia a fita ser juntada aos autos da ação penal. A ilicitude presente em
parte daquele registro alcança todo o conteúdo da fita, ainda que se admita tratar-se de
entrevista voluntariamente gravada - a fruta ruim arruína o cesto”.
Uma CPI pode determinar uma interceptação
telefônica?
• COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO
ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - ATO PRATICADO EM SUBSTITUIÇÃO A
ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO DECRETADA SEM QUALQUER
FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE
PROCEDIMENTOS PENAIS EM CURSO, INSTAURADOS CONTRA O IMPETRANTE -
CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA PERTINENTE
INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR SOBRE FATOS CONEXOS AOS EVENTOS
DELITUOSOS - REFERÊNCIA À SUPOSTA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS NO ESTADO DO ACRE, QUE SERIAM RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA
DE ATOS CARACTERIZADORES DE UMA TEMÍVEL MACRODELINQÜÊNCIA
(TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, FRAUDE, CORRUPÇÃO,
ELIMINAÇÃO FÍSICA DE PESSOAS, ROUBO DE AUTOMÓVEIS, CAMINHÕES E
CARGAS) - ALEGAÇÃO DO IMPETRANTE DE QUE INEXISTIRIA CONEXÃO ENTRE
OS ILÍCITOS PENAIS E O OBJETO PRINCIPAL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR -
AFIRMAÇÃO DESPROVIDA DE LIQUIDEZ - MANDADO DE SEGURANÇA
INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE
COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO. -
TEORIA DA SERENDIPIDADE OU DO ENCONTRO
FORTUITO DE PROVAS
• Se, no cumprimento de uma diligência relativa a um delito, a autoridade
policial casualmente encontra provas relacionadas a uma outra infração
penal que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação,
aplica-se a “Teoria do Encontro Fortuito ou Casual de Provas”
(SERENDIPIDADE).
• Nesse caso, a validade da prova obtida de forma inesperada está
condicionada à forma como foi realizada a diligência, ou seja, se houve
desvio de finalidade, a prova não deve ser considerada válida; se não
houve desvio, a prova é válida. Assim, a descoberta fortuita de outros
delitos (mesmo punidos com pena de detenção) praticados pelo mesmo
autor vale como legítimo meio probatório, desde que, segundo alguns
autores, haja conexão entre as infrações penais.
• Assim, há autores que firmam posição no sentido de que, se a
interceptação levar à descoberta de fatos sem que haja qualquer
hipótese de conexão ou continência com aquele inicialmente
investigado, os elementos aí obtidos não podem ser valorados como
prova pelo juiz do caso, o que não impede sua utilização como notitia
criminis (notícia de fato) para deflagrar novas investigações.

• ATENÇÃO!! Há quem defenda que as comunicações telefônicas do


investigado legalmente interceptadas podem ser utilizadas para
formação de prova em desfavor do outro interlocutor, ainda que este
seja advogado do investigado.
• PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DOS
PACIENTES BASEADA EM MATERIAL COLHIDO DURANTE A REALIZAÇÃO DE
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PARA APURAR A PRÁTICA DE CRIME DIVERSO. ENCONTRO
FORTUITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE O CRIME
INICIALMENTE INVESTIGADO E AQUELE FORTUITAMENTE DESCOBERTO. I – Em princípio,
havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a
realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade
competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e
aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o
Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a
três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a
intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova
se consolidou lícita. II – A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o
fato encontrado fortuitamente só se coloca em se tratando de infração penal pretérita,
porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a
licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de
tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. (HC 69.552/PR, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 14/05/2007, p. 347)
• AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA
DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO
COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como
intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível
com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de
interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime
descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com
detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):
Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-
190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010).
• HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR.
PERDA DO OBJETO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA.
MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 1. Constatada a revogação da prisão
preventiva do ora Paciente, resta esvaído parte do objeto do presente writ,
que visava ao reconhecimento de constrangimento ilegal pela manutenção
da prisão cautelar. 2. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de
interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na
autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso
objeto da investigação. 3. A legitimidade do Ministério Público para
conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão
constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º
75/93. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial — titular
exclusivo da ação penal pública —, proceder a coleta de elementos de
convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de
autoria. Writ prejudicado em parte e, na parte conhecida, denegado.(STJ,
5ª Turma, HC 33.553/CE, rel. Min. Laurita Vaz, j. 17/03/2005).
• ATENÇÃO!! É considerada ilegal a interceptação telefônica determinada
apenas com base em “denúncia anônima”.
• Procedimento a ser adotado pela autoridade policial em caso de “denúncia
anônima”:
a) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da
“denúncia”;
b) Sendo confirmada que a “denúncia anônima” possui credibilidade
(aparência mínima de procedência), instaura-se inquérito policial;
c) Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de
prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é, ao lado de
outros meios excepcionais de obtenção de prova, a ultima ratio).
d) Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação
se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a
quebra do sigilo telefônico ao magistrado. (Info. 701 do STF (2013)
PROCEDIMENTO
Art. 3º - A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo
juiz, de ofício* ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução
processual penal.

OBS: Há muitos doutrinadores que consideram uma violação ao princípio acusatório


– que tem como corolários os princípios da imparcialidade e da inércia judicial – que
o juiz possa agir de ofício em diligência probatória. Assim, para não vulnerar o
modelo acusatório-garantista do processo penal, defendem que não caberia ao
julgador determinar qualquer medida cautelar ou de produção de provas de ofício,
sem provocação da autoridade policial ou de representante do Ministério Público .
PROCEDIMENTO
Art. 4º - O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a
demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal,
com indicação dos meios a serem empregados.
§1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado
verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a
interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a
termo.
§2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

OBS: Trata-se de exigência de que todo pedido que “excepcione” ou relativize


direitos fundamentais seja fundamentado, com a apresentação dos motivos
ensejadores dessa medida excepcional, a fim de que seja possível decidir
aplicando o princípio da proporcionalidade.
• Como destacado, há doutrinadores que defendem a possibilidade de o juiz
decretar DE OFÍCIO a interceptação no curso das investigações. Mas tal
medida é vista por muitos como uma afronta ao sistema acusatório, à
inércia de jurisdição e à imparcialidade do juiz, chegando a ser proposta a
ADI 3450 pelo Procurador Geral da República para declarar a
inconstitucionalidade do artigo no ponto em que estabelece que o juiz
poderá decretar de ofício a interceptação. Por outro lado, há quem defenda
que essa possibilidade encontra amparo nos princípios da busca da verdade
real e do livre convencimento motivado.

• OBS: Há situações em que o próprio acusado pode ter interesse na


interceptação da conversa de outro possível suspeito ou da suposta vítima,
a fim de obter provas da própria inocência, podendo requerer diretamente
ao juiz a interceptação. Há quem entenda não ser possível diante do
silêncio eloquente da lei, o que não impede a vítima de buscar a polícia ou o
MP para que o façam, se estes entenderem que tal pedido é pertinente.
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma
de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável
por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova*. (grifo
nosso)
OBS: Há uma discussão na doutrina se o trecho sublinhado deve ser interpretado como o
legislador tendo autorizado apenas uma única renovação por igual período. Mas na
jurisprudência essa discussão já estava superada no sentido de que poderia ser
renovada tantas vezes fosse necessária a diligência mediante devida justificativa. Tal
entendimento foi ratificado pela redação do dispositivo relativo à interceptação
ambiental.
“O art. 5º da Lei nº 9.296/1996 estabelece o prazo de 15 (quinze) dias para a interceptação,
que poderá ser renovado, não havendo qualquer limitação na lei, na doutrina ou na
jurisprudência acerca da quantidade de prorrogações, que poderão ser deferidas se ainda
presentes os pressupostos de admissibilidade. Assim sendo, fundamentadas as decisões de
prorrogação, não há falar em excesso de prazo ou qualquer nulidade.“ Acórdão 1207843,
20131210035836APR, Relatora: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, 3ª Turma Criminal, data de
julgamento: 10/10/2019, publicado no DJE: 16/10/2019.
• Assim, Luiz Flávio Gomes faz a seguinte síntese conclusiva sobre a duração da
interceptação telefônica, à luz da decisão acima mencionada:
a) trinta dias (isso seria o que está estabelecido na lei), ou seja, o procedimento
seria prorrogável uma única vez;
b) sessenta dias (prazo constitucional quando decretado o Estado de Defesa) ou
c) Pode ser renovado por prazo razoável (além dos trinta ou sessenta dias),
quando há decisão exaustivamente fundamentada (inclusive no que tange ao
excesso). Mesmo nesse caso de excesso justificado, a sua duração não pode ser
desarrazoada.
ATENÇÃO! Esse último posicionamento é o que prevalece na jurisprudência dos
tribunais.
STJ

STF
Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de
interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a
sua realização.
§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação
interceptada, será determinada a sua transcrição.
§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da
interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá
conter o resumo das operações realizadas.
§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8° ,
ciente o Ministério Público.
Art. 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a
autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às
concessionárias de serviço público.
OBS: Consultar a Resolução Nº 738/ANATEL

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza,


ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial
ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações
e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada
imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de
inquérito policial (CPP, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz
para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do CPP.
AS MUDANÇAS NA LEI EM PARA DISCIPLINAR A
CAPTAÇÃO AMBIENTAL
• Como antes destacado, a possibilidade de captação ambiental como meio
excepcional para obtenção de provas já vinha sendo admitida em casos
excepcionais pela jurisprudência brasileira, em especial quando favorável
à defesa.
• Também em casos de investigações envolvendo crimes graves, de modo
especial aquelas envolvendo organizações criminosas, já eram admitidos
como meio de prova válido o registro de sons e imagens obtidos por meio
de captações ambientais devidamente autorizadas por autoridade judicial
competente.
• Com a Lei Nº 13.964, de 2019, foi suprido esse vácuo na normatização da
captação ambiental como meio excepcional de produção de prova
Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo
juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a
captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos,
quando:
I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente
eficazes; e
II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em
infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos
ou em infrações penais conexas.
§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma
de instalação do dispositivo de captação ambiental.
§ 2º A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada,
quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período
noturno, exceto na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da
Constituição Federal.
Art. 8º-A. (...)
§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável
por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do
meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou
continuada.
§ 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio
conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada,
em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.
§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na
legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.
Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial,
durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de
requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público,
sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal
A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a
investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar
de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação
adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base empírica
idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente:
MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O
princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre as hipóteses de
busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de
decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) - não
se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa
autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste
competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato
necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das
pessoas. AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito
parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-
constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância
esta que permite à Comissão legislativa - sempre respeitados os limites inerentes à
competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que
ditaram a sua constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos
investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a
acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem
conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina.
Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).
A DILIGÊNCIA SEMPRE DEVERÁ OCORRER DE
FORMA SIGILOSA?
Art. 5º - A decisão será fundamentada, indicando também a forma de execução da
diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma
vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
(...)
Art. 8º - A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em
autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal,
preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

ATENÇÃO! Como toda medida restritiva de direito fundamental deve ter limites, não é
possível autorizar a quebra do sigilo das comunicações por tempo indeterminado. Foi visto
que uma parte da doutrina defende que a renovação somente pode ocorrer uma única vez,
ou seja, jamais seria possível a interceptação por mais de trinta dias. Outra parte entende
diferente e afirma que não existe limite e o juiz pode autorizar quantas vezes forem
necessárias, desde que com razoabilidade e fundamentadamente. Mas, quanto ao sigilo,
pela própria natureza da medida, a interceptação telefônica transcorre sob sigilo e a defesa
terá assegurado o direito ao contraditório de forma diferida.
CRIMES
REFERÊNCIAS
• BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo: RT, 2020.
• GOMES, Luiz Flávio & CUNHA, Rogério Sanches. Legislação Criminal
Especial. 2. ed. São Paulo, RT, 2010.
• LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Penal Especial Comentada. 4. ed.
Salvador, JusPodium, 2016.
• SMANIO, Giampaolo Pagglio & MORAES, Alexandre de. Legislação Penal
Especial. 12. ed. São Paulo, Atlas, 2012.
• TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito
Processual Penal. Salvador, Juspodium, 2016.

Você também pode gostar