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INTENSIVO II

Marcelo Novelino
Direito Constitucional
Aula 2

ROTEIRO DE AULA

Direitos individuais (continuação)

Na aula passada, foram estudados os seguintes direitos individuais em espécie:


1) Direito à vida; e
2) Direito à igualdade.

Nesta aula, serão estudados:


3) Direito à privacidade;
4) Direitos de liberdade; e
5) Direito à propriedade.

CF, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: (...)”

O professor destaca que, assim que terminarmos o estudo dos direitos individuais em espécie, serão estudadas as
garantias constitucionais, as quais estão relacionadas ao valor “segurança jurídica”.

3. Direito à privacidade

3.1. Distinções conceituais (temas a serem estudados a partir de agora)


3.1.1) Interceptação ambiental;
3.1.2) Gravação clandestina;

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3.1.3) Quebra de sigilo de dados;
3.1.4) Interceptação de comunicações.

3.1.1. Interceptação ambiental


A interceptação pressupõe a participação de uma terceira pessoa, que não está participando do ato.

Definição: a interceptação ambiental consiste na captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos
feita por terceiros sem o conhecimento de algum dos interlocutores.

Atenção:
Na interceptação em sentido estrito, a gravação é feita sem que qualquer dos interlocutores saiba que ela está ocorrendo.
Já na escuta, pelo menos um dos interlocutores sabe que há uma gravação.
Na gravação clandestina, não há a participação de terceiros.

A interceptação ambiental será ilícita quando violar:


● Expectativa de privacidade.
Exemplo 1: fato filmado por câmera escondida instalada no interior de uma residência. Neste caso, a pessoa
filmada possui uma expectativa de privacidade e, em princípio, a gravação será ilícita, salvo quando houver prévia
autorização judicial.
Exemplo 2: fato filmado por câmera instalada no meio da rua. Neste caso, não há a expectativa de privacidade, a
interceptação é lícita e pode ser utilizada como prova em um processo.

● Confiança decorrente de relações interpessoais ou profissionais.


Exemplo: relação entre advogado e cliente. Se alguém, por exemplo, grava a conversa do advogado, esta gravação
não poderá ser utilizada como prova lícita, pois viola a expectativa de privacidade.
Exemplo: Suzane Von Richthofen, logo após ser presa, deu uma entrevista ao Fantástico na casa de seu advogado
e, durante o intervalo da gravação, o advogado dela começou a orientá-la sobre como agir diante das câmeras. O
repórter cinematográfico, entretanto, ligou a câmera e começou a gravar a conversa sem que Suzane e o defensor
soubessem. Essa prova foi levada aos autos e o TJ de SP determinou que ela fosse desentranhada, por ser
considerada ilícita, pois violava a confiança decorrente de uma relação profissional.

Lei n. 12.850/13, art. 3º: “Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos
em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
(...)
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos”.

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A Lei de Organizações Criminosas trata da interceptação ambiental, mas não estabelece os requisitos para o procedimento
a ser realizado. A doutrina e a jurisprudência, por analogia, entendem que devem ser aplicados os requisitos da Lei n.
9.296/96 (interceptação telefônica).

3.1.2. Gravação clandestina


Definição: a gravação clandestina consiste na captação de uma conversa telefônica, pessoal ou ambiental feita por um
dos interlocutores (e não por uma terceira pessoa) sem o conhecimento dos demais.
A gravação clandestina pode ser feita de modo pessoal (exemplo: alguém esconde um gravador e grava a conversa ou
pode ser uma gravação clandestina ambiental (exemplo: alguém esconde uma câmera para gravar a conversa).

✔ A gravação clandestina não se confunde com a interceptação ambiental, porque aquela é feita por alguém que
está participando do ato.

Em princípio, não há nenhuma vedação para que uma pessoa grave uma conversa da qual ela participa. Já a sua utilização
poderá ser lícita ou ilícita, dependendo da circunstância. A gravação clandestina será ilícita quando:
● Utilizada sem justa causa – Se não houver uma razão que justifique a divulgação das imagens ou sons, a gravação
divulgada será ilícita.
Exemplo 1: a gravação feita em momentos de intimidade de um casal não poderá ser divulgada na internet. A
gravação em si não é ilícita, mas a divulgação, sem justa causa, é.
Se houver justa causa, a utilização da gravação é admitida. Exemplo: “A”, em legítima defesa, grava a conversa
com “B”, que o está extorquindo.
Exemplo 2: se um agente público pratica um ato ilícito, ele não pode invocar o seu direito à privacidade para que
tal gravação não seja utilizada como prova.

● Violar causa legal específica de sigilo ou de reserva de conversação.


Exemplos: conversas entre médico e paciente, advogado e cliente.

STF – AI 560.223 AgR/SP: “1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se
confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em
gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal
específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes...”.

3.1.3. Quebra de sigilo de dados


Definição: a quebra de sigilo de dados consiste no acesso a informações privadas contidas em transações bancárias (dados
bancários), declarações à Receita Federal (dados fiscais), registros de operadoras de telefonia (dados telefônicos) ou
arquivos eletrônicos (dados informáticos – Exemplo: acesso ao HD de um computador).

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Obs.: A quebra do sigilo de dados telefônicos não se confunde com a interceptação telefônica nem com a gravação
telefônica clandestina.
No caso de quebra do sigilo dos dados telefônicos, não há acesso às conversas, mas apenas aos registros das ligações.

Em 2022, foi feita uma emenda à CF/1988 (EC 115/2022, a qual introduziu o inciso LXXIX ao art. 5º, que trata
especificamente da proteção aos dados pessoais.

CF, art. 5º: “LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios
digitais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022)”

A EC 115/2022 também tratou da competência para regulamentar tal matéria:

CF, art. 21: “Compete à União: (...)


XXVI - organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 115, de 2022)”

CF, art. 22: “Compete privativamente à União legislar sobre: (...)


XXX - proteção e tratamento de dados pessoais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022)”

O direito à proteção dos dados pessoais deve ser considerado como cláusula pétrea?
Em regra, prevalece o entendimento de que o Poder Constituinte Reformador não pode introduzir novas cláusulas
pétreas. Todavia, em caso de direitos e garantias individuais, há uma exceção a essa regra no art. 60, §4º, IV (“Não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.”.
A partir do momento em que a proteção de dados pessoais é incluída no rol de direitos e garantias individuais, essa
proteção não poderia ser retirada. Além disso, há o princípio da proibição do retrocesso.

Tal direito já estava implicitamente consagrado na Constituição?


O art. 5º, X da CF já dispunha que os dados pessoais recebem proteção, desde que estejam relacionados à vida privada
ou à intimidade do indivíduo.
✓ A consagração na EC 115/2022 advém de uma discordância que existia na doutrina e na jurisprudência sobre tal
proteção.

A quebra de sigilo de dados será ilícita quando:


● Desprovida de justificação constitucional. Portanto, caso outros direitos justifiquem essa intervenção, ela será
legítima.

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Exemplo: na Itália, os dados fiscais dos contribuintes foram disponibilizados publicamente. No âmbito judicial,
esse ato foi revertido, pois não havia justificativa legítima para tal.
● Autorizada por autoridade incompetente.

Autoridades competentes
Podem determinar a quebra do sigilo:
1) As autoridades judiciárias competentes, desde que dentro do seu âmbito de competência (e com as justificativas
adequadas);
2) CPI (federal ou estadual) – A CPI pode determinar a quebra do sigilo de dados, mas não a interceptação.
O professor destaca que o STF analisou, na ACO 730, a questão envolvendo as CPIs estaduais e decidiu que CPI
estadual tem competência para determinar a quebra de sigilo bancário. Entretanto, o professor destaca que os
outros sigilos também podem ser quebrados pela CPI estadual, embora não tenham sido mencionados nessa
decisão.
As comissões parlamentares de inquérito, de acordo com o art. 58, §3º da CF1, têm poderes de investigação
próprios de autoridade judicial.

✔ A CPI instalada no âmbito municipal não pode determinar a quebra do sigilo porque não existe Poder
Judiciário municipal. Assim, não seria possível uma CPI municipal ter mais poderes do que a Constituição
Federal atribuiu aos municípios.

Atenção: TCU e Ministério Público, em regra, não têm competência para quebrar do sigilo.
Exceção: quando houver recursos públicos envolvidos, esses dois órgãos poderão requisitar, diretamente, o acesso às
informações bancárias, sem a necessidade de requisitá-las ao Poder Judiciário.

STF - MS 21.729/DF: “[...] 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de
beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do
sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo
instaurado em defesa do patrimônio público.” (g.n.)

MS 33.340/DF: TCU “não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros,
medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo. [...].
8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito
privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas
mediante o emprego de recursos de origem pública.” (g.n.)

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CF, art. 58, § 3º: “as comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação próprios de autoridade judicial.”

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Outras autoridades têm competência para ter acesso a esses sigilos?
A Lei Complementar 105/2001 prevê a possibilidade de autoridades fazendárias requisitarem, diretamente, dados
bancários a instituições financeiras. A lei prevê alguns requisitos para que isso ocorra e estabelece que os dados obtidos
devem ser mantidos em sigilo.
✔ Esta lei foi questionada no STF e, em princípio, prevaleceu o entendimento de que deveria haver uma
interpretação conforme a Constituição para que esta requisição fosse admitida apenas de forma indireta, isto
é, por intermédio de autorização do Poder Judiciário.
✔ Todavia, o STF alterou seu entendimento e passou a permitir que as autoridades fazendárias requisitassem
diretamente as informações das instituições financeiras.

RE 601.314/SP: “4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua
relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a
requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados
a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária
para a fiscal (...) 6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: “O art. 6º
da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos,
por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de
sigilo da esfera bancária para a fiscal.”

O CNJ tem competência para requisitar dados?

RI/CNJ, art. 8º: “Compete ao Corregedor Nacional de Justiça, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura: (...)
V - requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou
documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua
apreciação, dando conhecimento ao Plenário;”

De acordo com o regimento interno do CNJ, os dados fiscais e bancários podem ser requisitados pelo CNJ, diretamente
pelo Corregedor Nacional de Justiça. Posteriormente, o Corregedor deverá dar conhecimento ao Plenário acerca da
requisição.

✓ Obs.: Esse dispositivo foi objeto de uma ADI proposta no STF. A Corte se manifestou no sentido de que ele é
compatível com a CF/1988.

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3.1.4. Interceptação de comunicações
Definição: interceptação de comunicações consiste na intromissão em uma comunicação feita por terceiros sem o
conhecimento dos interlocutores.

A interceptação das comunicações é vedada por violar o art. 5º, XII da CF, o qual protege dois valores importantes:
liberdade das comunicações e direito à privacidade.

CF, art. 5º, XII – “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;”.

Segundo o professor, o art. 5º, XII da CF estabelece uma reserva legal qualificada, pois a CF/1988 exige a edição de uma
lei e já define qual é a finalidade dela.
✔ Conforme já estudado, não existem direitos absolutos, pois todos eles encontram limites em direitos de terceiros
ou interesses coletivos consagrados na CF/1988.
Exemplo: o direito à vida é inviolável, mas há hipóteses em que é possível haver uma restrição legítima a esse
direito.

a) Interceptação da correspondência
A correspondência, em regra, não pode ser objeto de violação. No entanto, existem hipóteses expressas no texto
constitucional e hipóteses implícitas, ou seja, justificadas por outros princípios ou interesses coletivos de peso maior.
Expressamente, existem duas hipóteses previstas na Constituição Federal em que o sigilo de correspondência pode ser
violado:
● Estado de defesa (CF, art. 136, § 1º, I, “b2”); e

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CF, art. 136, §1º, I: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem

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● Estado de sítio (CF, art. 139, III3).

Em uma situação de normalidade, a CF/1988 não prevê nenhuma restrição à inviolabilidade do sigilo de correspondência.
Entretanto, mesmo não havendo outras restrições expressas, princípios de peso maior do que a privacidade também
consagrados na Constituição Federal podem justificar a restrição a este sigilo.
Exemplo: o princípio da segurança pública justifica que uma correspondência seja violada caso ela esteja sendo usada
para o cometimento de crimes (exemplo: tráfico de entorpecentes).

O professor destaca que existe uma previsão expressa na lei (1984) referente à possibilidade de interceptação da
correspondência dos presidiários. O STF considerou que tal lei foi recepcionada pela CF/1988, pois, embora o preso, assim
como todas as demais pessoas, também tenha a liberdade de comunicação, se ele a utiliza para fins ilícitos, ela poderá
ser interceptada.

STF - HC 70.814/SP: “A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina
prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita
no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados,
eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas
ilícitas.”

Lei 7.210/1984, art. 41: “Constituem direitos do preso:


[...]
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado
do diretor do estabelecimento”.

b) Interceptação da comunicação de dados

pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de
grandes proporções na natureza.
§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem
abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo
de comunicação telegráfica e telefônica;”
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CF, art. 139, III: “Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra
as pessoas as seguintes medidas: (...) III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;”

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Que tipo de dados estão protegidos pelo art. 5º, XII?
Essa questão é objeto de divergência na doutrina e entre os Ministros do STF.
Há aqueles que entendem que os dados protegidos pelo art. 5º, XII da CF seriam apenas os dados informáticos. Portanto,
os dados bancários, fiscais e telefônicos não estariam protegidos pelo sigilo de dados do artigo 5º, XII, mas pelo art. 5º, X.

A proteção dada pelo art. 5º, XII, da CF abrange também o conteúdo ou apenas a comunicação?
O professor destaca que, para alguns doutrinadores, a proteção abrange apenas a comunicação dos dados e não o seu
conteúdo (interpretação restritiva).
✔ O conteúdo, nesse sentido, poderia ser protegido apenas pelo art. 5º, X, da CF.

O professor discorda dessa interpretação restritiva, pois existe uma diretriz hermenêutica relativa ao princípio da máxima
efetividade. Tal princípio impõe que os direitos fundamentais sejam interpretados da forma mais ampla possível para que
eles cumpram a função social para a qual foram criados.

Há uma decisão do Ministro Sepúlveda Pertence em que ele menciona que o art. 5º, XII da CF não protege os dados em
si, mas apenas a sua comunicação.

STF - MS 21.729 (voto do rel. min. Sepúlveda Pertence): “Da minha leitura, no inciso XII da Lei Fundamental, o que se
protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação ‘de dados’, e não os ‘dados’, o que
tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse”.

O professor destaca que há um voto, mais recente, do Min. Gilmar Mendes, que tenta rever esse posicionamento
anteriormente adotado pelo STF:

- STF – HC 168.052/SP (voto do rel. min. Gilmar Mendes): “Naquela oportunidade, foi assentada a impossibilidade de
interpretar-se a cláusula do art. 5º, XII, da CF no sentido de proteção aos dados como registro, depósito registral,
porquanto a proteção constitucional seria da comunicação, e não dos dados. A modificação das circunstâncias fáticas e
jurídicas, a promulgação de leis posteriores e o significativo desenvolvimento das tecnologias da comunicação, do tráfego
de dados e dos aparelhos smartphones levam, contudo, nos dias atuais, a solução distinta, em um típico caso de
mutação constitucional.

c) Interceptação das comunicações telefônicas

O âmbito de proteção das comunicações telefônicas abrange a transmissão, a emissão ou a recepção de símbolos,
caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza realizadas por telefone, e-mail, “SMS”,
“WhatsApp”.

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Lei n. 9.296/96, art. 1º: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação
criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da
ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática”.

Observação: “telemática” é o conjunto de tecnologias que resultam da junção entre os recursos das telecomunicações
(telefonia, satélite, cabos, fibras ópticas) e da informática (computadores, periféricos, softwares, sistemas de rede).

A Lei 9.296/96 ampliou o âmbito de proteção e isso, segundo o professor, é possível. O que a lei não pode fazer é restringir
o âmbito de proteção de forma desproporcional, pois isso viola o conteúdo essencial.

Restrição
Requisitos:
● I - Ordem judicial: quando a Constituição Federal fala em ordem judicial, ela está submetendo a interceptação
das comunicações à cláusula da reserva de jurisdição. Isso significa que determinados direitos recebem uma
proteção constitucional qualificada e apenas o Poder Judiciário tem a possibilidade de determinar uma
intervenção no âmbito de proteção desse direito.
✔ Assim sendo, apenas o Poder Judiciário tem competência para intervir no âmbito de proteção desse direito (a CPI
não tem esse poder).
São matérias submetidas à cláusula de reserva de jurisdição: comunicações telefônicas, liberdade de locomoção
(pois a prisão só ocorre em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente), inviolabilidade do domicílio e sigilo imposto a processo judicial.

STF - MS 23.452/RJ: “O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão
dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do
próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja
eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. A cláusula
constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI),
a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância
(CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de
proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se [...] a
possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades (...)”.

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MS 27.483 MC-REF/DF: “Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a
operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo
imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando
expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.”

No caso do MS 27.483, havia sido criada a CPI dos grampos telefônicos, porque o Congresso Nacional havia entendido
que estava havendo um abuso das autoridades judiciárias na determinação de interceptações telefônicas.
Conforme já foi visto, a Lei 9.296/96 afirma que, quando há interceptação telefônica, o processo deve tramitar sobre
segredo de justiça e, dessa forma, os parlamentares, ao investigarem tais decisões, não tiveram acesso aos processos
judiciais e requisitaram tais informações diretamente às operadoras de telefonia. Nessa situação, o STF entendeu que,
quando há um sigilo imposto no processo judicial pela autoridade judiciária, apenas esta pode quebrar o sigilo. Trata-se
de reserva de jurisdição.

● II – Nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.


Somente pode haver interceptação telefônica nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer (Lei 9.296/96).

● III - Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.


Trata-se de reserva legal qualificada. Isso porque a lei somente pode determinar a interceptação telefônica para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Questões: A interceptação telefônica, realizada em face do servidor público (para fins de investigação criminal), pode ser
utilizada como prova emprestada em um processo administrativo disciplinar em face do mesmo servidor? Além disso, a
interceptação telefônica pode ser utilizada como prova emprestada em um processo administrativo disciplinar em face
de outros servidores que não estavam sendo investigados criminalmente?
O STF entendeu que sim (nos dois casos).

STF - Inq. 2.424 QO-QO/RJ: “Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais,
judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser
usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram
colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”.

STF - RMS 28.774/DF: “[...] 4. A jurisprudência desta Corte admite o uso de prova emprestada em processo administrativo
disciplinar, em especial a utilização de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente para investigação criminal.
Precedentes.”

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Questão: As interceptações telefônicas podem ser utilizadas em processos envolvendo crimes inicialmente
desconhecidos, os quais foram descobertos no decorrer das investigações?
Imagine que, a interceptação telefônica é impulsionada por um crime x, mas, durante o seu curso, descobre-se a prática
de crime y. Neste caso, é possível considerar tal interceptação lícita? Segundo o STF, sim.

STF - HC 129.678: “O ‘crime achado’, ou seja, a infração penal desconhecida e, portanto, até aquele momento não
investigada, sempre deve ser cuidadosamente analisada para que não se relativize em excesso o inciso XII do art. 5º da
CF. A prova obtida mediante interceptação telefônica, quando referente a infração penal diversa da investigada, deve ser
considerada lícita se presentes os requisitos constitucionais e legais.”

3.2. Inviolabilidade do domicílio

CF, art. 5º, XI – “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”.

✔ A violação de domicílio só ocorre se não houver o consentimento do morador ou de algum responsável.

Exceções à inviolabilidade de domicílio:


● Flagrante delito.
● Desastre.
● Prestar socorro.
● Por determinação judicial, durante o dia.

As três primeiras hipóteses (flagrante delito, desastre e socorro) são emergenciais. Portanto, a Constituição só exige que
a invasão seja durante o dia se houver necessidade de cumprir mandado judicial.

3.2.1. Âmbito de proteção

O conceito de casa, para fins de proteção constitucional, é bastante amplo. O conceito abrange espaços privados onde
haja algum tipo de reserva, isto é, sem acesso ao público (exemplos: escritórios, consultórios etc.).

Obs.: Um quarto de hotel, se estiver habitado, entra no conceito de casa.

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STF – HC 93.050/RJ: “... o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento
privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III4), compreende, observada
essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de
contabilidade, ‘embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita’ (NELSON HUNGRIA). Doutrina.
Precedentes.”

✔ Por exemplo, o espaço franqueado ao público em um supermercado não entra no conceito de casa, mas o
escritório (administração do supermercado), sim.

Questão: O veículo automotor entra no conceito de casa para fins de proteção constitucional?
Em regra, o veículo automotor não se enquadra no conceito de casa, sendo a busca nele realizada equiparada a uma
busca pessoal, salvo se o automóvel for utilizado como moradia – exemplo: “motorhome”.

STF - RHC 117.767/DF: “As apreensões de documentos no interior de veículos automotores, por constituírem hipótese
de busca pessoal — caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e de veículos (não destinados à
habitação do indivíduo) —, dispensam autorização judicial quando houver fundada suspeita de que neles estão ocultados
elementos necessários à elucidação dos fatos investigados, a teor do disposto no art. 240, § 2º, do CPP5”.

3.2.2. Restrições
Restrições expressas:
● Flagrante delito.
● Desastre.
● Prestar socorro.
● Por determinação judicial.

Conforme já visto, as três primeiras restrições (flagrante delito, desastre e socorro) são emergenciais e, nesses casos, é
possível a invasão do domicílio a qualquer momento do dia ou da noite.
Além das três hipóteses mencionadas, a casa também pode ser invadida por determinação judicial, entretanto, nesse
caso, não há uma situação emergencial e, desse modo, não é possível entrar na casa a qualquer hora do dia.

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CP, art. 150, § 4º, III: “A expressão "casa" compreende: (...)
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.”
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CPP, art. 240, §2º: “Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma
proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.”

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No caso do flagrante delito, é importante que haja uma justificativa prévia à invasão do domicílio (ainda que a justificação
seja feita posteriormente). A autoridade policial não pode invadir a casa para, somente depois, encontrar um justo motivo.

STF - RE 603.616/RO: “[...] 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito,
é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes
estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6.
Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período
noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa
ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade dos atos praticados.”

“Cláusula da reserva de jurisdição”


O STF entende que a proteção ao domicílio está submetida à cláusula da reserva de jurisdição, ou seja, somente a
autoridade judiciária competente pode determinar a invasão de um domicílio.

Critérios para delimitação do “dia”


Na doutrina e na jurisprudência, há dois critérios normalmente utilizados para definir o que seja dia:
● Critério cronológico: dia é o período entre 6h e 18h.
● Físico-astronômico: é um critério mais preciso que considera dia o período entre a aurora e o crepúsculo.

A casa não pode ser invadida durante o período noturno por duas razões:
a) O período noturno é o momento de descanso das pessoas.
b) Para evitar arbitrariedades, já que, durante o dia, é mais fácil ter a presença de pessoas visualizando a ação
policial.

Observação: Alexandre de Moraes, em sua obra, defende que os dois critérios devem ser conjugados. É uma forma de
conferir maior proteção a este direito.
Exemplo: se às 6h da manhã ainda não ocorreu a aurora, não é possível o cumprimento do mandado. É necessário que o
ingresso em domicílio seja após as 6h da manhã e que já tenha amanhecido.

Observação: segundo o Código de Processo Civil, os mandados judiciais podem ser cumpridos até mais tarde (20h). Assim
sendo, interpreta-se o CPC à luz da CF/1988, se o cumprimento do mandado exigir a invasão de domicílio, ele somente
poderá feito até às 18h. Depois desse horário, o cumprimento do mandado somente será feito se houver consentimento
do morador.

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Houve um caso analisado pelo STF que se referiu à invasão de escritório de advocacia durante o período noturno para
colocação de um grampo telefônico. Veja o julgado abaixo:

STF – Inq 2.424/RJ: “8. PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos.
Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de equipamento. Medidas
autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. Suspeita grave da prática de crime por
advogado, no escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Situação não acobertada
pela inviolabilidade constitucional”.

Justificativa:
Inf. 529: “Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio
constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse
ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da
privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório
vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que
as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa
justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental
e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção
de fins legítimos de ordem pública.”

✔ O STF, ao analisar tal caso, entendeu que a colocação do grampo em período diurno seria infrutífera. Além disso,
observando o princípio da proporcionalidade e considerando que ninguém foi incomodado (local comercial), as
provas obtidas por esse procedimento foram consideradas lícitas.

Obs.: Quando o núcleo essencial é fixado com base no princípio da proporcionalidade, há a teoria relativa do conteúdo
essencial.

Questão: Com base no atributo da autoexecutoriedade, uma autoridade fazendária poderia invadir um estabelecimento
comercial para exercer a fiscalização sem que haja consentimento do responsável?
Segundo o STF, a autoexecutoriedade cedeu lugar (após a CF/1988) à inviolabilidade do domicílio. Assim, se não houver
o consentimento do responsável, o fiscal não pode invadir o estabelecimento com o uso da força, sendo necessária a
autorização judicial.

STF – HC 103.325 MC/RJ: “O atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos [...] não prevalece sobre a garantia
constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de
fiscalização tributária”.

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Restrições implícitas: outros princípios.
Restrições implícitas são aquelas que não estão no texto constitucional, mas que podem ser justificadas por outros
princípios que a CF/1988 também consagra.
Tais restrições podem surgir em uma decisão judicial no caso concreto ou pode se originar do legislador.

Exemplo: questão de saúde pública – Se o imóvel está abandonado, com focos de dengue e o proprietário se recusa a
abri-lo, existe uma norma legal que prevê a possibilidade de invasão.
✔ No exemplo dado, o legislador infraconstitucional ponderou a inviolabilidade do domicílio com outros princípios
constitucionais e entendeu que o interesse coletivo deveria prevalecer sobre o interesse individual.

Lei n. 13.301/16, art. 1º: “Na situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do vírus
da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika, a autoridade máxima do Sistema Único de Saúde - SUS de âmbito
federal, estadual, distrital e municipal fica autorizada a determinar e executar as medidas necessárias ao controle das
doenças causadas pelos referidos vírus, nos termos da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e demais normas
aplicáveis, enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN.
§ 1º: Entre as medidas que podem ser determinadas e executadas para a contenção das doenças causadas pelos vírus de
que trata o caput, destacam-se:
(...)
IV - ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono, ausência ou recusa de pessoa
que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e identificado, quando se mostre essencial para
a contenção das doenças”.

A inviolabilidade de domicílio é relativa, pois não existem direitos absolutos. Assim sendo, é necessário verificar se, na
situação apresentada, há princípios constitucionais com maior peso que justifiquem a restrição ao direito à privacidade.

4. Direitos de liberdade

Temas a serem estudados neste tópico:


4.1) Liberdade de manifestação do pensamento;
4.2) Liberdade de consciência, crença e culto.

Distinção entre liberdade negativa e liberdade positiva:

● Liberdade negativa (liberdade civil, dos modernos, de agir): “situação na qual um sujeito tem a possibilidade de
agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado por outros”.

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O termo “liberdade dos modernos” foi cunhado por Benjamin Constant. A expressão foi criada na época da
Revolução Francesa. Nesse período, a liberdade almejada pelos modernos era a de fazer/não fazer (liberdade
negativa), e não a política, pois esta já havia sido consagrada na Grécia e na Roma Antiga.
Essa liberdade se refere a uma situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido ou de
não agir sem ser obrigado por outros.
● Liberdade positiva (liberdade política, dos antigos, de querer): “situação na qual um sujeito tem a possibilidade
de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade sem ser determinado pelo querer dos outros”.
Trata-se de liberdade para que os indivíduos façam suas próprias escolhas. Tal liberdade está ligada à
autodeterminação/autonomia do indivíduo.

4.1. Liberdade de manifestação do pensamento

Previsão constitucional:
CF, art. 5º, IV – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Em princípio, pode-se interpretar que a única restrição a esse direito é a vedação ao anonimato.

4.1.1. Âmbito de proteção


Ao falar em liberdade de manifestação do pensamento, significa que a Constituição está protegendo não apenas o
pensamento em si e a liberdade de formar convicções, mas também a liberdade de manifestação do pensamento.

Observações importantes:
✔ O indivíduo não se contenta apenas em pensar, mas ele quer manifestar o seu pensamento com fins, inclusive,
ao proselitismo, convencendo as pessoas de que suas ideias são as melhores.
✔ O Estado deve fornecer os meios necessários para que o indivíduo possa formar um pensamento
consubstanciado, de forma que ele não seja compelido a ter determinadas ideias.
✔ A liberdade de imprensa, por exemplo, é fundamental para contribuir para a liberdade de pensamento.

A finalidade da liberdade de manifestar o pensamento é permitir a livre competição no “mercado de ideias”. Em outras
palavras, é permitir que as pessoas digam aquilo que pensam para que as melhores ideias possam prevalecer.
✔ O professor destaca que, por mais absurdo que um determinado pensamento pareça, deve-se assegurar o direito
de a pessoa dizê-lo, de forma que, ao final, prevaleça o melhor pensamento.
✔ Se se utilizar a ideia da teoria externa, primeiro será determinado o âmbito de proteção de um direito da forma
mais ampla possível (exemplo: discurso de ódio). Entretanto, para saber se essa proteção é definitiva ou não, é
necessário analisar outros direitos que a CF/1988 também consagra. Ao haver a colisão entre esses direitos

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fundamentais, a regra extraída é de que o discurso de ódio (por exemplo), não está protegido de forma definitiva
nessa liberdade, pois outros direitos justificam a restrição.

STF - ADPF 187/DF: “[...] O DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO: NÚCLEO DE QUE SE IRRADIAM OS
DIREITOS DE CRÍTICA, DE PROTESTO, DE DISCORDÂNCIA E DE LIVRE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS - ABOLIÇÃO PENAL
(“ABOLITIO CRIMINIS”) DE DETERMINADAS CONDUTAS PUNÍVEIS - DEBATE QUE NÃO SE CONFUNDE COM INCITAÇÃO
À PRÁTICA DE DELITO NEM SE IDENTIFICA COM APOLOGIA DE FATO CRIMINOSO - DISCUSSÃO QUE DEVE SER REALIZADA
DE FORMA RACIONAL, COM RESPEITO ENTRE INTERLOCUTORES E SEM POSSIBILIDADE LEGÍTIMA DE REPRESSÃO ESTATAL,
AINDA QUE AS IDEIAS PROPOSTAS POSSAM SER CONSIDERADAS, PELA MAIORIA, ESTRANHAS, INSUPORTÁVEIS,
EXTRAVAGANTES, AUDACIOSAS OU INACEITÁVEIS. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE PENSAMENTO COMO
SALVAGUARDA NÃO APENAS DAS IDEIAS E PROPOSTAS PREVALECENTES NO ÂMBITO SOCIAL, MAS, SOBRETUDO, COMO
AMPARO EFICIENTE ÀS POSIÇÕES QUE DIVERGEM, AINDA QUE RADICALMENTE, DAS CONCEPÇÕES PREDOMINANTES
EM DADO MOMENTO HISTÓRICO-CULTURAL, NO ÂMBITO DAS FORMAÇÕES SOCIAIS - O PRINCÍPIO MAJORITÁRIO, QUE
DESEMPENHA IMPORTANTE PAPEL NO PROCESSO DECISÓRIO, NÃO PODE LEGITIMAR A SUPRESSÃO, A FRUSTRAÇÃO OU
A ANIQUILAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, COMO O LIVRE EXERCÍCIO DO DIREITO DE REUNIÃO E A PRÁTICA LEGÍTIMA
DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SOB PENA DE COMPROMETIMENTO DA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA
CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE DA “PROIBIÇÃO ESTATAL DO DISSENSO” - NECESSÁRIO RESPEITO AO DISCURSO
ANTAGÔNICO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE CIVIL COMPREENDIDA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO QUE DEVE VALORIZAR
O CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE IDEIAS” – [...] A IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO ARGUMENTATIVO DO DISCURSO
FUNDADO EM CONVICÇÕES DIVERGENTES - A LIVRE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS COMO SIGNO IDENTIFICADOR DAS
SOCIEDADES ABERTAS, CUJA NATUREZA NÃO SE REVELA COMPATÍVEL COM A REPRESSÃO AO DISSENSO E QUE ESTIMULA
A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS DE LIBERDADE EM OBSÉQUIO AO SENTIDO DEMOCRÁTICO QUE ANIMA AS INSTITUIÇÕES
DA REPÚBLICA.”

De acordo com o STF na ADPF 187 (“Marcha da maconha”), defender, no plano de ideias, que o uso de drogas deve ser
descriminalizado é diferente da prática do delito e é diferente da apologia ao fato criminoso.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a liberdade de manifestação do pensamento tem uma “posição preferencial” em
relação aos demais direitos.
✔ A posição preferencial significa que tal liberdade possui uma precedência quando há colisão com outros direitos
fundamentais. Assim sendo, primeiro deve ser assegurada a liberdade de manifestação do pensamento e, em um
segundo momento, se ela se mostrar abusiva ou violadora de outros direitos, o indivíduo deve ser
responsabilizado.

STF – ADPF 130: “Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que
dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada. Precedência do

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primeiro bloco. Incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e
assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo da liberdade de
imprensa.”

STF - Rcl 18.638 MC/CE: “[...] 33. A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de
informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva – é
presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer,
legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá
a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada posição preferencial
(preferred position) de que essas garantias gozam.” (g.n.)

✔ A disseminação das fake News não estão abrangidas pela manifestação do pensamento.
✔ Segundo o STF, havendo uma colisão entre a liberdade de imprensa e o direito à privacidade, deve haver uma
posição preferencial da liberdade de imprensa (liberdade de expressão). Se houver abuso na manifestação do
pensamento ou na veiculação das informações pela imprensa, em um segundo momento, serão assentadas as
responsabilidades penal, civil e administrativa. Não se deve, a priori, censurar a manifestação do pensamento e
nem impedir a liberdade de imprensa.
✔ Cuidado para não confundir posição preferencial com a superioridade hierárquica. Já vimos que não há hierarquia
entre os direitos que a CF/1988 consagra.

Questão de concurso (PGE/AC 2014):


A liberdade de expressão ocupa uma posição superior no sistema constitucional brasileiro, prevalecendo sempre em caso
de colisão com outros direitos fundamentais, individuais ou sociais.
Gabarito: errado.

Justificativa do gabarito:
A posição preferencial não significa uma primazia absoluta da liberdade de expressão sobre os demais direitos. No Brasil,
não há de hierarquia entre os direitos fundamentais, embora alguns direitos tenham, no plano abstrato, um peso maior
(exemplo: direito à vida).

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