Você está na página 1de 19

INTENSIVO II

Marcelo Novelino
Direito Constitucional
Aula 1

ROTEIRO DE AULA

Tema: Direitos individuais

Considerações iniciais:
No curso Intensivo I, basicamente, foi estudada a parte teórica do Direito Constitucional, ainda que permeada por alguns
aspectos do Direito Constitucional positivo.
No curso Intensivo II, os temas a serem trabalhados se referem ao Direito Constitucional positivo em si (matérias
constitucionais). Temas a serem abordados:
• Direitos e garantias fundamentais;
• Estrutura do Estado;
• Organização dos Poderes.

TEMA: DIREITOS INDIVIDUAIS

Dentro dos direitos individuais, serão estudados:


• Direito à vida;
• Direito à igualdade;
• Direito à privacidade;
• Direito à liberdade; e
• Direito à propriedade.

1
www.g7juridico.com.br
DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS (PGE/AC 2017)

CF, art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:”.

✓ Os direitos individuais à vida, à igualdade, à liberdade, à propriedade e à privacidade, com exceção deste último,
estão expressamente elencados no “caput” do art. 5º da Constituição Federal.
✓ O “caput” do art. 5º da Constituição Federal não fala expressamente sobre o direito à privacidade, mas há alguns
incisos no dispositivo que protegem tal direito. Em contrapartida, o “caput” do art. 5º da Constituição Federal faz
menção ao direito à segurança, mas ele não será estudado no tema “Direitos Individuais”.
✓ O professor destaca que, em relação ao direito à segurança (art. 5º, caput), questionou-se se a referida previsão
se refere à segurança pública ou à segurança jurídica. Diante disso, há o entendimento de que o direito à
segurança previsto no caput do art. 5º é a segurança jurídica. Os dispositivos que concretizam a segurança jurídica,
por sua vez, serão estudados entre as garantias individuais.
✓ A segurança pública, por sua vez, está prevista no texto constitucional, mas se trata de direito social (art. 6º,
caput, CF1). A segurança pública envolve garantias (e não direitos). Por esse motivo, ela será estudada
posteriormente.

Ao fazer a interpretação do caput do art. 5º da CF, é possível chegar a duas conclusões distintas:
I - Interpretação literal do dispositivo: os direitos e garantias individuais previstos no art. 5º da Constituição estariam
garantidos apenas aos brasileiros (pessoas físicas e jurídicas) e aos estrangeiros, desde que estes últimos sejam residentes
no país. Portanto, os estrangeiros que estão no Brasil, mas que aqui não residem, não poderiam invocar os direitos
previstos no art. 5º.
Exemplo: um estrangeiro não residente no Brasil, se fosse preso ilegalmente, não poderia impetrar um HC. Além disso,
poderia ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O professor destaca que essa interpretação literal é minoritária na doutrina. Um dos poucos autores que sustenta tal
interpretação é José Afonso da Silva. Segundo o autor, o estrangeiro não residente no país só poderia recorrer aos
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

✓ No entanto, esta interpretação literal contraria a melhor doutrina no tocante aos direitos e garantias individuais
e à jurisprudência do STF.

1
CF, art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”

2
www.g7juridico.com.br
II – Interpretação extensiva:
O que tem prevalecido é a interpretação extensiva, a qual preceitua que não apenas os brasileiros e estrangeiros
residentes no Brasil, mas qualquer pessoa que esteja em território nacional pode validamente invocar determinados
direitos e garantias previstos no art. 5º da CF.
Fundamentos:
• Dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III2) – Há uma íntima relação entre a dignidade da pessoa humana e os
direitos fundamentais. Estes surgiram para proteger e promover condições dignas de existência.
O professor destaca que os direitos e garantias individuais, em sua maioria, são direitos relacionados diretamente
à dignidade (derivações de 1º grau). Assim sendo, se a dignidade humana é um atributo que todo o ser humano
possui, independentemente de sua nacionalidade ou local onde reside e se os direitos individuais são diretamente
derivados da dignidade da pessoa humana, não é possível excluir a titularidade desses direitos de determinado
indivíduo apenas em razão do local onde ele reside.
• Primazia dos direitos humanos nas relações internacionais (CF, art. 4º, II3).

Esse é também o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.


STF – HC 94.016/SP: “O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas
básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e a observância, pelo Poder Público, da cláusula
constitucional do due process. [...] A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não
possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou
discriminatório”.

Atenção: As pessoas jurídicas podem invocar determinados direitos e garantias individuais, mesmo que esses direitos
tenham sido previstos nas constituições para proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado.
O professor explica que tais direitos foram evoluindo com o passar do tempo. Antes, havia apenas a eficácia vertical (os
direitos eram aplicados às relações entre Estado e particular). Posteriormente, eles passaram a ser aplicados às relações
horizontais (entre particulares). Atualmente, fala-se, inclusive, em eficácia diagonal dos direitos.
Do mesmo modo em que houve uma evolução no tocante à eficácia desses direitos, os destinatários também foram
ampliados. Assim sendo, o entendimento que prevalece na doutrina e na jurisprudência é de que não apenas pessoas
naturais e jurídicas de direito privado poderiam invocá-los, mas também pessoas jurídicas de direito público interno. O
fundamento se baseia no fato de que, em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir nenhum tipo de
arbitrariedade ou ilegalidade contra quem quer que seja.

2
CF, art. 1º, III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do (...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
3
CF, art. 4º, II: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)
II - prevalência dos direitos humanos;”

3
www.g7juridico.com.br
✓ No caso das pessoas jurídicas de direito público, são invocáveis, sobretudo, as garantias de natureza
procedimental (contraditório, ampla defesa, devido processo legal).

STF - AC 2.395 MC/PB: “A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial,
quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros
públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da
garantia indisponível do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das
pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão
de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes”.

✓ Os direitos fundamentais são instrumentos de contenção do arbítrio e, portanto, podem ser invocados por todos,
inclusive por pessoas jurídicas de direito público.

DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE

1. Direito à vida

O professor explica que todo direito fundamental pode ser trabalhado dentro de uma análise da teoria externa (em
relação ao conteúdo essencial) e da teoria relativa (em relação aos limites dos direitos fundamentais).

Perspectiva de análise:
✓ Teoria relativa - Em relação ao conteúdo essencial.
A teoria relativa preceitua que o conteúdo essencial de um direito só pode ser definido através da análise do
princípio da proporcionalidade. Não existe um núcleo duro estabelecido a priori através da interpretação. Assim,
é necessário analisar a colisão daquele direito fundamental com outros direitos fundamentais para verificar qual
é o conteúdo essencial.
✓ Teoria externa - Em relação às limitações dos direitos fundamentais.
Os limites dos direitos fundamentais não serão definidos através da interpretação, de forma absoluta, mas sim a
partir de cada caso concreto e da análise de outros direitos fundamentais que a CF/1988 consagra.

Tal análise será feita em duas etapas:


• Âmbito de proteção: refere-se ao bem jurídico protegido.
• Restrições: limitações impostas por outros direitos que a CF/1988 também consagra.

1.1. Âmbito de proteção

4
www.g7juridico.com.br
O bem jurídico protegido pelo direito à vida é apenas a vida humana em seu sentido biológico. Portanto, o “caput” do
artigo 5º não protege a vida dos animais, das plantas ou a vida espiritual, as quais encontram proteção jurídica em outros
dispositivos.

O âmbito de proteção do direito à vida tem dupla acepção:


• Negativa: refere-se ao dever de abstenção do Estado e de particulares. Todo indivíduo tem o direito a permanecer
vivo. Portanto, o Estado e os particulares não têm o direito de subtrair a vida de ninguém, salvo se a própria
Constituição autorizar, como no caso da pena de morte na hipótese de guerra declarada. Trata-se de dever de
respeito.
• Positiva: O dever de proteção e o dever de promoção traduzem a acepção positiva, pois impõem ao Estado o
dever de proteger a vida humana e de promover condições dignas de sobrevivência.

Prestações em dois sentidos:


✓ Proteção – O Estado deve adotar medidas para proteger as pessoas que tenham a vida ameaçada.
Exemplos: (i) medidas de proteção conferidas à mulher pela Lei Maria da Penha e (ii) impossibilidade de extradição
de estrangeiro quando a pena prevista no país requerente é a pena de morte.

✓ Promoção de condições dignas de existência: O direito à vida não se refere apenas ao direito a permanecer vivo,
mas a permanecer vivo com dignidade e isso é feito por meio do chamado “mínimo existencial” (reconhecimento
de um conjunto de bens e utilidades que são indispensáveis a uma vida humana com dignidade).

Os deveres de respeito, de proteção e de promoção são os 3 deveres impostos pela dignidade da pessoa humana e pelos
demais direitos fundamentais.

Dimensões
Todo direito fundamental tem duas dimensões:
I - Subjetiva: direito fundamental sob a perspectiva do indivíduo titular daquele direito.

A ADI n. 3.510 teve como objeto a Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/05), que permite pesquisas com células-tronco
embrionárias. Nesse julgamento, o Ministro Ayres Britto analisou o direito à vida em sua dimensão subjetiva (perspectiva
do embrião como titular do direito).

STF - ADI 3.510 (Ayres Britto): “o Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante
em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que
já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou
da ‘personalidade condicional’)”.

5
www.g7juridico.com.br
✓ De acordo com o Ministro Ayres Britto, a Constituição Federal faz alusão à vida das pessoas que já nasceram, e
não à vida do embrião ou do feto (interpretação sistemática da Constituição). Portanto, o embrião e o feto não
têm o direito subjetivo à inviolabilidade do direito à vida, o qual é protegido pela Constituição Federal.

II – Objetiva – Nesse caso, o direito à vida é analisado sob a perspectiva da comunidade.


No mesmo julgamento citado anteriormente, o Ministro Ricardo Lewandowski analisou o direito à vida em sua dimensão
objetiva (perspectiva da comunidade).

STF - ADI 3.510 (Lewandowski): “Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto como um bem coletivo,
pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo, sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que
decorrem da manipulação do código genético humano”.

✓ De acordo com o Ministro Lewandowski, o direito à vida tem que ser analisado não em sua dimensão subjetiva,
mas na perspectiva da coletividade. O referido Ministro se baseou na perspectiva objetiva do direito fundamental.

Inviolabilidade x irrenunciabilidade

O professor destaca que, ao estudarmos os caracteres do direito fundamental, vimos que um deles é a irrenunciabilidade.
Em hipótese alguma é admitida a renúncia à titularidade de um direito. A renúncia ao exercício de um direito, por sua
vez, pode ser admitida.

Questão: Existe diferença entre a inviolabilidade e a irrenunciabilidade?


A irrenunciabilidade significa a proteção do direito contra o seu próprio titular.
✓ A irrenunciabilidade preceitua que, em princípio, não é possível renunciar à titularidade do direito à vida.
A inviolabilidade protege o direito fundamental contra violação por parte de terceiros.

Exemplo 1: liberdade religiosa e transfusão de sangue no tocante às Testemunhas de Jeová (tema polêmico).
As testemunhas de Jeová fazem uma interpretação do texto bíblico no sentido de que o indivíduo não pode receber
nenhum tipo de transfusão sangue.
Questão: o indivíduo pode se recusar a receber a transfusão de sangue?
O Conselho da Justiça Federal criou um enunciado a respeito do tema e adotou uma diretriz que, segundo o professor,
estaria adequada:

Enunciado n. 403 (CJF): “O direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição
Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco
de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios:

6
www.g7juridico.com.br
a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente;
b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e
c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante”.

Lembrando que não existem direitos absolutos. Assim sendo, haverá hipóteses em que, embora sendo inviolável, outros
valores de peso maior (no caso concreto), irão prevalecer.

Exemplo 2: Quando se fala em irrenunciabilidade, por exemplo, tem-se que a proibição de eutanásia está relacionada à
inviolabilidade do direito à vida. Entretanto, a despeito disso, há países que permitem tal prática.
No Brasil, a eutanásia é considerada, pela maioria da jurisprudência, como homicídio privilegiado.

1.2. Restrições
Restrições são intervenções constitucionalmente legítimas no âmbito de proteção do direito.

Obs.: Diferença entre restrição e violação


✓ A restrição a um direito fundamental é uma intervenção constitucionalmente legítima (justificada) no âmbito de
proteção do direito.
✓ A violação a um direito fundamental é uma intervenção inconstitucional no âmbito de proteção do direito.

Restrições:
➢ 1ª restrição: pena de morte no caso de guerra declarada.

Trata-se da única restrição expressa no texto constitucional:


CF, art. 5º, XLVII: “não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
(...)”.

O dispositivo acima é regulamentado pelo Código Penal Militar:


Dec.-Lei n. 1.001/69, art. 56: “A pena de morte é executada por fuzilamento”.

✓ Além dessa única restrição expressa no texto constitucional, o professor destaca que outras restrições podem ser
previstas na lei, mas devem estar em consonância com a CF/1988.

➢ 2ª restrição: aborto

Trata-se de restrição prevista na legislação infraconstitucional e não no texto constitucional. Em regra, o aborto é
criminalizado pelo Código Penal. No entanto, há duas exceções expressamente previstas pelo próprio Código Penal.

7
www.g7juridico.com.br
▪ O legislador penal realizou uma ponderação entre o direito à vida e outros direitos e, em duas hipóteses, ele criou
intervenções constitucionalmente legítimas:

CP, art. 128: “Não se pune o aborto praticado por médico:


I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal”.

▪ CP, art. 128, I: aborto terapêutico ou necessário. Nesse caso, não é possível exigir que a mãe coloque sua própria vida
em risco para salvar a vida do feto. Assim, a vontade da gestante deve ser respeitada.

▪ CP, art. 128, II: aborto sentimental. O legislador fez uma ponderação entre o direito à vida do feto e a dignidade da
mãe, além de sua liberdade sexual. Seria uma espécie de tortura psicológica obrigar a mulher, que sofreu o ato de
violência, a gerar uma criança contra a sua vontade.

A decisão, nesse caso, é da gestante, que pode optar por ter o bebê ou não.

Questão: O aborto poderia ser descriminalizado sem macular a inviolabilidade do direito à vida?
Embora o Código Penal criminalize o aborto, uma decisão (polêmica) da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, cujo
relator foi o Ministro Luís Roberto Barroso, adotou o entendimento de que o Código Penal deve ser interpretado à luz da
Constituição Federal, no sentido de que o aborto realizado no primeiro trimestre de gestação não poderia ser
criminalizado. Assim sendo, nessa decisão, entendeu-se que seria inconstitucional a criminalização do aborto no primeiro
trimestre de gestação.

Observações:
✓ O professor destaca que esse entendimento foi manifestado em um julgado (HC da 1ª Turma do STF). Não é um
entendimento consolidado do STF.
✓ Esse tema será novamente analisado na ADPF 442 (Plenário).

STF – HC 124.306/RJ (1ª Turma): “[...] 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos
próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a
interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos
direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade [...] 7. Anote-se, por derradeiro, que
praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro
trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal,
Holanda e Austrália.” (g.n.)

8
www.g7juridico.com.br
✓ Em relação aos Estados Unidos, a Suprema Corte Americana, no julgamento do caso Roe x Wade (1973), decidiu
que estados-membros não poderiam criminalizar o aborto no primeiro trimestre de gestação. Recentemente,
esse entendimento foi alterado nos EUA.

STF - ADPF n. 442


❖ Argumentos (PSOL): os dois dispositivos do Código Penal afrontam postulados fundamentais como a dignidade
da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a
proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres
e os direitos sexuais e reprodutivos.

➢ 3ª restrição: interrupção da gravidez de feto com anencefalia


O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 54, adotou o entendimento de que não se poderia obrigar a
gestante de um feto com anencefalia a manter a gravidez.

ADPF n. 54/DF: “O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. [...]
Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos
artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal”.

Segundo o STF, em análise sob a perspectiva subjetiva do direito, deve ser feita uma interpretação conforme a
Constituição para que a interrupção de gestação, no caso de anencefalia ou acrania, não seja considerada aborto. Isso
porque, nessas situações, não há possibilidade de sobrevida da criança e, portanto, não seria possível obrigar a gestante
a gerar um filho por 9 meses com a certeza de que ele não sobreviveria, já que isso seria uma espécie de tortura psicológica
com a mãe.

➢ 4ª restrição: pesquisas com células-tronco embrionárias

Na ADI 3510, o STF foi questionado acerca da lei de biossegurança. Neste caso, a Corte definiu que as pesquisas podem
ser justificadas pelo direito à vida e pela saúde das pessoas que poderiam ser curadas por meio das pesquisas com células-
tronco embrionárias.

ADI 3.510/DF: “A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião.
Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida de interromper
gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A ‘controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer
vinculação com o problema do aborto.’ (Ministro Celso de Mello).” (g.n.).

9
www.g7juridico.com.br
✓ O Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que essas pesquisas podem ser realizadas, porque elas
promovem outros direitos consagrados no texto constitucional, como o direito à saúde.
✓ É importante destacar que o embrião que pode ser utilizado nas pesquisas com células-tronco embrionárias é
aquele considerado inviável para a fertilização in vitro e que, consequentemente, seria descartado.

2. Direito à igualdade

O professor destaca que esse é um dos temas mais complexos a ser estudado dentro dos direitos fundamentais, pois
existem várias denominações e elas nem sempre são consensuais.

✓ Esse tema é tratado, muitas vezes, de maneira superficial e simplória, não recebendo a devida atenção da
doutrina e da jurisprudência brasileiras.

2.1. Evolução histórica

Estudar a evolução histórica é importante para que o aluno compreenda as várias denominações (terminologias) utilizadas
nos dias de hoje sobre o tema “igualdade”.

➢ Terminologias
• Igualdade perante a lei e igualdade na lei;
• Igualdade formal e igualdade material;
• Igualdade jurídica (ou de direito) e igualdade fática (ou de fato).

➢ Etapas da evolução histórica

I - Antigo Regime: no antigo regime, os direitos e deveres não eram atribuídos aos indivíduos, mas sim decorrentes do
grupo social ao qual pertenciam.
Nesse período, não havia a ideia de igualdade como algo inerente à natureza humana.
✓ Os direitos e deveres decorriam dos grupos aos quais o indivíduo pertencia.
✓ Em suma: nessa fase, as pessoas não eram vistas como iguais. Não havia, portanto, o direito à igualdade.

II - Revoluções liberais (francesa e norte-americana): a partir das revoluções liberais (final do Século XVIII), surge uma
nova fase em que a igualdade é reconhecida nos textos constitucionais.

As revoluções extirparam os privilégios de origem estamental e afirmaram a igualdade de todos perante a lei (igualdade
formal).

10
www.g7juridico.com.br
Walzer: “o igualitarismo serve a um propósito específico: a abolição de privilégios, da superioridade de indivíduos e
grupos sociais, uns sobre os outros. Essa é a esperança vigorosa à qual denomina a palavra igualdade: fim das mesuras e
rapapés; das bajulações e adulações; fim do temor trêmulo; fim dos todo-poderosos; fim dos senhores, fim dos escravos.”

✓ O professor destaca que a concepção da igualdade formal foi um avanço muito grande em relação às ideias que
preponderavam no Antigo Regime, mas foi insuficiente pelos seguintes motivos: essa igualdade não solucionava
as crises econômicas advindas do fim da Primeira Guerra Mundial. Além disso, a igualdade formal consagrada
com os textos das constituições a partir das revoluções liberais permitia igualizações ou desigualizações
arbitrárias/injustas. Assim sendo, com o fim da Primeira Guerra Mundial e com o surgimento de um novo tipo de
Estado (Estado social), a ideia de igualdade evoluiu, transformando-se na igualdade material.

III - Estado social (início do século XX): com o Estado social, houve uma constatação de que o mero dever de igual
tratamento permitia diferenciações arbitrárias e injustas.
Como visto, com o fim da Primeira Guerra Mundial, houve um agravamento da crise econômica e isso aumentou as
desigualdades existentes na época. A partir desses fatores, houve a evolução da visão de igualdade e, consequentemente,
surgiu a ideia de igualdade material (mais preocupada com o conteúdo justo do tratamento).

➢ Concepção material

I - Princípio da igualdade jurídica: impõe o dever de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida
de sua desigualdade.

II - Princípio da igualdade fática: impõe aos poderes públicos o dever de adotar medidas concretas para a redução ou
compensação de desigualdades existentes no plano dos fatos (Exemplo: sistema de cotas nas universidades).
A igualdade fática exige dos poderes públicos não apenas um tratamento isonômico, mas uma atuação positiva para que
as desigualdades existentes no plano dos fatos possam ser reduzidas.

A Constituição Federal de 1988 consagra tanto a igualdade jurídica como a igualdade fática:

CF, art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes”.

CF, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] reduzir as desigualdades sociais e
regionais [igualdade fática]”.
✓ A redução das desigualdades se dá por meio da igualdade fática, também chamada de igualdade material.

11
www.g7juridico.com.br
✓ Em suma: A conjugação do art. 3º com o art. 5º, ambos da CF/1988, deixa claro que a nossa Constituição adotou
uma concepção formal e uma concepção material de igualdade.

2.2. Âmbito de proteção e intervenção


No caso do direito à igualdade, a abordagem a ser feita é diferenciada. Ao contrário dos demais direitos, a igualdade não
possui um âmbito de proteção material específico.

O direito à igualdade é um conceito relacional. Isso significa que é necessário analisar as situações e as pessoas envolvidas.
✓ A análise de supostas violações pressupõe uma comparação entre indivíduos, grupos, coisas ou situações.

A intervenção ocorrerá quando houver um tratamento igual a situações essencialmente desiguais ou um tratamento
desigual a situações essencialmente iguais.
Observação: existem hipóteses em que o tratamento igual a situações desiguais e o tratamento desigual a situações
essencialmente iguais são compatíveis com a CF/1988. Tais hipóteses podem ser:
• Legítimas: a intervenção será legítima se houver uma justificação constitucional adequada para o tratamento
dado à situação.
Exemplo: o tratamento desigual a situações essencialmente iguais é feito para reduzir as desigualdades sociais ou
regionais e encontra justificativa no art. 3º da CF/1988.
• Ilegítimas: a intervenção será ilegítima se for baseada em critérios arbitrários, preconceituosos ou
discriminatórios. Nesse sentido, a igualdade atua como proibição de arbítrio.
A igualdade como proibição de arbítrio veda tratamentos arbitrariamente desiguais para situações
essencialmente iguais, assim como veda tratamentos injustificadamente idênticos para situações que são
essencialmente desiguais.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que sejam estabelecidos determinados requisitos pelo edital de
concursos públicos, desde que sejam observadas determinadas regras. Os requisitos exigidos são formais e materiais.
São requisitos formais:
• Necessidade de anterior previsão legal para que o edital exija uma diferença de critério.
• A exigência deve ter ampla publicidade.

São requisitos materiais:


• A exigência somente pode ocorrer se for decorrente da natureza das atribuições a serem exercidas.
• Critério objetivo.

Questão: Adotar a cor da pele como critério para algum tipo de seleção pode ser constitucional? Sim, a depender da
justificativa.

12
www.g7juridico.com.br
Exemplo: Imagine que determinada universidade pública está fazendo um experimento com pessoas negras que possuem
maior rendimento em determinado tipo de atividade física. Neste caso, seria possível fazer a seleção baseada na cor da
pele, pois não há nenhum tipo de discriminação, mas sim uma necessidade da pesquisa (Celso Antônio Bandeira de Mello).

Jurisprudência:

RE 307.112: “Concurso público para policial militar. Limitação de idade. Edital que fixa idade limite para o ingresso na
corporação, o que a Lei ordinária (L. 7.289/84), não restringiu. Jurisprudência assentada”.

Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.º, XXX, da
Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

✓ Em suma: a depender do caso concreto, a natureza das atribuições do cargo pode justificar a exigência de alguns
requisitos do candidato.

STF - RE 417.019 AgR: “Concurso público: além da necessidade de lei formal prevendo-o como requisito para o ingresso
no serviço público, o exame psicotécnico depende de um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos atos em que
se desdobra: precedentes.”

2.3. Destinatários do dever de igualdade

➢ Igualdade perante a lei.


▪ A igualdade perante a lei seria uma igualdade na aplicação da lei (e não na elaboração da lei). Portanto, é uma
igualdade não dirigida ao legislador, mas aos Poderes responsáveis pela aplicação da lei (Executivo e Judiciário).

Obs.: Até meados do século passado, a Constituição era vista como um documento essencialmente político. Nesse
período, a Constituição ainda não tinha sua força normativa plenamente reconhecida. Entendia-se que os direitos
fundamentais não vinculavam o legislador, que era visto como um amigo desses direitos e não como um inimigo.
Posteriormente, com o reconhecimento definitivo da força normativa da Constituição, todos os Poderes, inclusive o
Legislativo, passaram a ser vinculados por ela.

▪ A interpretação de que apenas o Poder Executivo e o Poder Judiciário são destinatários do dever de igualdade foi
superada. Atualmente, os destinatários são todos os Poderes Públicos.

➢ Igualdade na lei:
▪ O termo “igualdade na lei” significa o dever de observância da igualdade não apenas na aplicação da lei, mas também
no momento anterior, ou seja, na elaboração da lei pelo Poder Legislativo.

13
www.g7juridico.com.br
Embora a CF/1988 fale que “Todos são iguais perante a lei”, essa interpretação clássica do princípio não é mais utilizada
atualmente.
✓ Atualmente, não se admite que nenhum Poder esteja acima da lei. Todos os poderes públicos estão subordinados
à Constituição.

STF - AI 360.461 Agr/MG: “O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem
por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar
discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e
da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445)”.

2.4. Ações afirmativas (discriminações positivas)

Definição: As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados desenvolvidos, em regra, com
caráter temporário, visando à redução de desigualdades decorrentes de discriminações (raça, etnia) ou de
hipossuficiência econômica (classe social) ou física (deficiência), por meio da concessão de algum tipo de vantagem
compensatória de tais condições.

Considerações:
• O professor destaca que as ações afirmativas não são adotadas apenas pelos poderes públicos. Uma faculdade
particular, por exemplo, pode adotá-las por meio das cotas, por exemplo.
• O objetivo da ação afirmativa não é resolver o problema tratando da questão de fundo, mas fazer com que a
desigualdade existente seja solucionada temporariamente até que questões estruturais sejam resolvidas, para
que, de uma maneira definitiva, a desigualdade seja superada no futuro. As ações afirmativas são medidas
paliativas.
• Em regra, a ação afirmativa tem um caráter temporário. No entanto, existem situações em que o objetivo não é
reduzir a desigualdade.
“Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que
a igualdade nos descaracteriza.” (Boaventura de Souza Santos).
Exemplo: determinadas ações afirmativas voltadas a povos indígenas: o objetivo não é fazer com que aquelas
pessoas se tornem exatamente iguais às demais pessoas da sociedade, mas respeitar aquela cultura, permitindo
que ela continue existindo.
• Em regra, o objetivo da ação afirmativa é reduzir as desigualdades, tendo como fundamento a igualdade material
(ou igualdade fática).

14
www.g7juridico.com.br
• Através das ações afirmativas, serão conferidas a determinados grupos certas vantagens para tentar compensar
a desigualdade existente no plano fático.

Observação: as ações afirmativas não se confundem com o sistema de cotas. O sistema de cotas é apenas uma das formas
de ação afirmativa. Veja outros exemplos de ações afirmativas:
• Sistemas de cotas.
• Concessão de bolsas de estudo.
• Reforço escolar.
• Programas especiais de treinamento.
• Cursinhos pré-vestibulares.
• Linhas especiais de crédito.
• Estímulos fiscais diversos.

O Supremo Tribunal Federal já analisou o sistema de cotas tanto para o ingresso em Universidades Públicas como para
concursos públicos. Em ambos os casos, entendeu ser constitucional, por serem concretizações do princípio da igualdade
material.

Precedentes:

• ADPF 186 (Cotas – UNB): “I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto
no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho
universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural,
seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas
vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de
situações históricas. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para
corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte,
em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que
buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-
raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com
determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos
critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta
o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração
critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria
sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro,
conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição (...)VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na
discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo,

15
www.g7juridico.com.br
do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses
permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um
todo, situação [...] incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo,
outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.”

• STF – ADC 41/DF: “[...] a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em
consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e
institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio
da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente

• Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É
legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que
respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.

3) Direito à privacidade

Temas a serem estudados nesse tópico:


3.1) Distinções conceituais
3.2) Inviolabilidade de domicílio.

O direito à privacidade, dentre outros dispositivos, está elencado no art. 5º, X da CF, o qual trata do direito à privacidade
propriamente dito.

CF, art. 5º, X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

✓ O professor relembra que não há direitos absolutos. Assim, a inviolabilidade constante no art. 5º, X da CF é apenas
prima facie. Tal inviolabilidade somente poderá ser considerada definitiva se esse direito for analisado com outros
que com ele confrontem.
✓ O art. 5º, X da CF é o dispositivo que consagra de maneira mais ampla o direito à privacidade.

O direito à privacidade é um gênero, dentro do qual são espécies a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas.

16
www.g7juridico.com.br
Grau de proteção:

a) Locais públicos e reservados


Locais públicos e reservados devem receber um tratamento diferenciado na análise de uma violação à privacidade: o fato
ocorrido em um local reservado tem uma proteção muito maior do que um fato ocorrido em um local público.
Exemplo: se a pessoa é filmada por uma câmera de vigilância praticando determinada conduta no meio da rua, ela não
pode alegar violação à privacidade.
✓ Quanto mais reservado o local, maior é a proteção.

b) Pessoas públicas e comuns


A proteção à privacidade da pessoa pública é muito menor do que aquela conferida a uma pessoa comum.
Exemplo: se uma pessoa comum possui uma determinada doença, a divulgação do seu estado de saúde não é de interesse
público e pode ser considerada uma violação à privacidade da pessoa.
O professor destaca que o político tem o direito à privacidade menos protegido (exemplo: Presidente da República).
✓ A menor proteção à privacidade de um político decorre do fato de que há um interesse público em saber certos
aspectos da vida daquele que se candidatou a um cargo público, os quais podem ser irrelevantes em comparação
a qualquer outra pessoa.

c) Fatos de interesse público e de mero interesse do público.


Para um fato estar protegido pela liberdade de informação, ele deve ser verdadeiro. A liberdade de informação não
abrange o direito a dizer mentiras (fake news).

É necessário fazer uma distinção entre os fatos de interesse público (que são relevantes para a sociedade) e os fatos de
mero interesse do público (que são motivados pela mera curiosidade).
✓ Fatos de mero interesse do público dizem respeito às fofocas relativas à vida pessoal de alguém. Fatos de interesse
público, entretanto, referem-se às situações importantes de serem divulgadas.
✓ O professor destaca que, se o fato for de interesse público, ainda que ele envolva a vida privada de alguém, pode
justificar a divulgação.
✓ O juiz, no caso concreto, deve verificar: i) Em que local ocorreu o fato? ii) O local era público ou reservado? iii) O
fato era atual? iv) O fato é de interesse público ou é de mero interesse público? v) A pessoa envolvida é pessoa
comum ou pessoa pública?

c) Esferas
No direito alemão, há a chamada Teoria das Esferas, a qual preceitua que, quanto mais próxima das
características/experiências de identificação do indivíduo, maior deve ser o grau de proteção dado pela Constituição ao
direito à privacidade.

17
www.g7juridico.com.br
Há 4 esferas distintas de proteção:

Pública: abrange fatos públicos e atos praticados em local público e/ou com o desejo de torná-los públicos.
É necessário analisar o elemento volitivo, pois a pessoa pode renunciar expressamente ou tacitamente à privacidade.
Exemplo 1: se uma pessoa pública comparece a um evento público, ela não pode alegar que a sua privacidade foi violada.
Exemplo 2: se a participa de um reality show, ela está, expressamente, renunciando ao seu direito à privacidade.

Há fatos que já caíram em domínio público e são de conhecimento de todas as pessoas.


Exemplo: fatos que constam em um processo judicial que não tramitou em segredo de justiça.

Privada: abrange relações com o meio social sem interesse na divulgação.


Exemplos: frequentar um clube recreativo ou participar de festa; declaração de imposto de renda; etc.

Íntima: abrange informações confidenciais e segredos pessoais.


Exemplo: troca de mensagens no “WhatsApp” ou determinas questões envolvendo a orientação sexual de um indivíduo.

✓ A proteção dada à esfera íntima é ainda maior do que a proteção conferida à vida privada.

d) Honra
Há a proteção da honra subjetiva (estima que a pessoa tem de si própria) e da honra objetiva (reputação do indivíduo no
meio social).

A honra que está protegida na Constituição Federal não é apenas a honra das pessoas físicas (honra subjetiva e honra
objetiva), mas também a das pessoas jurídicas (honra objetiva):

CC, art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.

Súmula 227, STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

e) Imagem
O Código Civil possui alguns dispositivos sobre o tema:

CC, art. 20: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa
fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.

18
www.g7juridico.com.br
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentes ou os descendentes.

CC, art. 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Esses dispositivos do Código Civil, ao protegerem a privacidade, acabaram por intervir na liberdade de informação e na
liberdade artística. Isso porque, para se publicar determinadas obras envolvendo pessoas, inclusive públicas, seria
necessária a autorização da própria pessoa ou de seus familiares, no caso de pessoa falecida. Diante dessa questão, o STF
entendeu que deveria haver a divulgação das informações (biografias) e, se houvesse uma violação do direito à imagem
ou à honra de alguém, o indivíduo seria condenado a indenizar o dano. O que não é possível é proibir, a priori, a divulgação
de tais informações.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que esses dispositivos (art. 20 e 21 do CC) precisariam passar por uma
interpretação conforme a Constituição:

STF – ADI 4.815/DF: “EMENTA: [...] APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE
EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º
INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS
(ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.
PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE
RESPOSTA. ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO
DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA.
(g.n.) (...) 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código
Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua
expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a
obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).”

19
www.g7juridico.com.br

Você também pode gostar