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INTENSIVO II

Marcelo Novelino
Direito Constitucional
Aula 4

ROTEIRO DE AULA

Tema: Direitos individuais (continuação)

Relembrando: Na aula passada, o professor iniciou o estudo do “Direito de propriedade”. Ele versou sobre o âmbito de
proteção e sobre as restrições.

5.2. Restrições

a) Função social
b) Desapropriação e requisição
c) Expropriação-sanção e confisco

d) Usucapião
A usucapião constitucional é uma hipótese diferente daquela prevista no Código Civil, tendo um prazo bem menor (5
anos).
✓ Para que a usucapião constitucional possa ocorrer, há mais requisitos (além dos tradicionalmente exigidos).

Requisitos comuns (imóveis urbanos e rurais)


I – Tradicionais (posse ininterrupta, sem oposição e com animus domini) – O professor explica que a pessoa não pode
estar ocupando o imóvel em condição precária (exemplo: em comodato ou aluguel), nem pode haver qualquer tipo de
oposição pelo proprietário;
II – Prazo de 5 anos (para aquisição de imóveis urbanos e rurais);

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III) Sem imóvel: o indivíduo não pode possuir outro imóvel, seja ele urbano ou rural;
IV) Moradia: a utilização do imóvel deve ser para moradia própria ou familiar.

- Requisitos específicos:
I) Urbano: máximo de 250 m2.
II) Rural: máximo de 50 hectares; propriedade produtiva.
No caso do imóvel urbano, além da metragem exigida pela CF/1988, a pessoa deve tornar a propriedade produtiva com
seu trabalho ou com o trabalho de sua família.

CF/88, art. 183: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde
que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Pode a legislação municipal estabelecer módulos urbanos com dimensões mínimas superiores a 250m²? (MP/SP 2017
– Prova discursiva)
O STF, quando analisou o tema, entendeu que, embora a legislação municipal possa estabelecer metragem maior que 250
m² para determinadas regiões, isto não pode servir de obstáculo para aquisição de imóvel por usucapião. Desta forma,
caso seja previsto no Plano Diretor a metragem mínima de 300 m², por exemplo, o indivíduo poderá adquirir por usucapião
uma área de até 250 m²:

STF – RE 422.349/RS: “Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial
urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em
que situado o imóvel (dimensão do lote).”

CF/88, art. 191: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”

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Tema: Garantias individuais

O professor destaca que as garantias individuais estão previstas, de forma sistemática, no art. 5º da CF, embora não se
restrinjam a ele. As garantias e direitos individuais podem estar consagrados em outros dispositivos fora do art. 5º, como,
por exemplo, o princípio da anterioridade eleitoral, o princípio da anterioridade tributária, entre outros.

Direitos x garantias
Os direitos são valores ou fins que a sociedade considera importantes e, por essa razão, são consagrados no ordenamento
jurídico, seja de maneira expressa, seja de maneira implícita.
✓ Quando um valor é importante para a sociedade e precisa receber proteção jurídica, ele é consagrado no plano
normativo e passa a ser um valor jurídico.
✓ Exemplos: direito à vida, à liberdade religiosa, à igualdade, à privacidade etc.

Já as garantias têm um caráter instrumental, ou seja, elas são mecanismos de limitação do poder na defesa dos direitos.
✓ As garantias não são um fim em si mesmo, mas um meio para a proteção e promoção de um fim, que são os
direitos.

Nem sempre a linha divisória entre o direito e a garantia é muito nítida. Às vezes, o direito e a garantia são consagrados
no mesmo dispositivo, como, por exemplo, a garantia de “habeas corpus” (art. 5º, LXVIII, CF), a qual protege o direito à
liberdade de locomoção.

CF, art. 5º, LXVIII – “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

Finalidade: a finalidade das garantias é salvaguardar os direitos para a sua proteção e efetividade.

1. Garantias relacionadas à segurança jurídica


Inicialmente, o professor destaca que a segurança, mencionada no art. 5º, caput da CF é a segurança jurídica. A segurança
pública é direito social e está prevista no art. 6º da CF.

CF, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: (...)”

A segurança jurídica é protegida por meio de determinados mecanismos/instrumentos, ou seja, por meio de
determinadas garantias.

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✓ Neste curso, serão estudadas duas garantias relacionadas à segurança jurídica: princípio da legalidade e princípio
da não retroatividade das leis.
✓ Veja abaixo os temas que serão estudados a seguir:

Temas a serem trabalhados:


1) Garantias relacionadas à segurança jurídica:
1.1) Princípio da legalidade;
1.2) Princípio da não retroatividade das leis;
2) Garantias de natureza penal:
2.1) Presunção de inocência;
3) Mandados constitucionais de criminalização;
4) Ações constitucionais:
4.1) Habeas data;
4.2) Ação popular.

1.1. Princípio da legalidade


O professor destaca que, na concepção de Robert Alexy, não se trata de princípio. O dispositivo em questão consagra uma
regra, pois ele não pode ser objeto de ponderação.
✓ Este dispositivo obedece à regra do “tudo ou nada”.
✓ O nome “princípio da legalidade” surgiu quando, no Brasil, era adotada a teoria de Celso Antônio Bandeira de
Mello e de outros autores mais clássicos, segundo a qual os princípios diferem das regras por serem normas
basilares do sistema.

CF, art. 5º, II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

O princípio da legalidade consagra um direito geral de liberdade. Assim sendo, no âmbito privado, é possível fazer tudo o
que não é proibido por lei.

O principal objetivo do princípio da legalidade é limitar o poder do Estado, de modo a impedir ações e medidas arbitrárias
por parte dos Poderes Públicos.
✓ O princípio da legalidade é voltado a proteger a liberdade, a propriedade e a segurança jurídica.

A Constituição Federal confere ao Poder Legislativo a função precípua de criar leis restritivas aos direitos. Isso não significa,
entretanto, que o Parlamento possa atuar de modo desarrazoado ou arbitrário, sendo necessário que ele observe as
normas contidas na CF/1988, em especial, o princípio da proporcionalidade.

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O princípio da legalidade tem duplo significado:
• Proteger os particulares contra possíveis desmandos do Poder Executivo e do Poder Judiciário.
• Conformar os comportamentos tanto dos particulares quanto da Administração Pública às normas jurídicas.

Lei: sentido amplo e sentido estrito


A lei em sentido amplo abrange qualquer tipo de ato normativo geral e abstrato.
São leis em sentido amplo: normas constitucionais (originárias e emendas), medidas provisórias, leis delegadas etc.).

Lei em sentido estrito é a aquela emanada do Poder Legislativo (leis ordinárias e leis complementares).

Questão: Quando a CF/1988 consagra o princípio da legalidade, qual é o tipo de lei que ela exige (em sentido amplo ou
estrito)?
Quando se fala em princípio da legalidade, significa que a conformação das condutas pode ser imposta pela CF, por
medidas provisórias, leis delegadas, leis ordinárias e complementares.

Restrições expressas:
No texto constitucional, há duas restrições expressas ao princípio da legalidade:
• Estado de defesa (CF, art. 1361).

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CF, art. 136: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de
grandes proporções na natureza. § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração,
especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre
as seguintes:I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de
correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; II - ocupação e uso temporário de bens e serviços
públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. § 2º O tempo de
duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se
persistirem as razões que justificaram a sua decretação. § 3º Na vigência do estado de defesa:I - a prisão por crime contra
o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a
relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial; II - a comunicação
será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação; III
- a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder
Judiciário; IV - é vedada a incomunicabilidade do preso. § 4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o
Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso

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• Estado de sítio (CF, art. 1372).
Durante a decretação de estado de defesa e estado de sítio, a CF/1988 permite que o Poder Executivo adote determinadas
medidas restritivas de direitos, mesmo que não sejam baseadas na lei.

Decretos podem limitar direitos fundamentais?


Em regra, os decretos servem para a fiel execução da lei.
✓ Um decreto somente pode regulamentar, nos precisos termos da lei, uma determinada obrigação.

No caso dos decretos que limitaram a liberdade de locomoção e restringiram outros direitos durante a pandemia da
COVID-19, houve uma situação excepcional, a qual foi amparada pela Lei 13.979/2020.

Lei 13.979/2020, art. 3º: “Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata
esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação
dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
I - isolamento;
II - quarentena;
III - determinação de realização compulsória de:
(...)
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
(...)
III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual; (Incluído pela Lei nº 14.019, de 2020)
(...)
VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de
2020)
a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)

Nacional, que decidirá por maioria absoluta. § 5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado,
extraordinariamente, no prazo de cinco dias. § 6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados
de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa. § 7º Rejeitado o decreto, cessa
imediatamente o estado de defesa.”
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CF, art. 137: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar
ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão
nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração
de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar
autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o
Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.”

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b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Lei nº 14.035, de 2020)
VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior
de indenização justa; e (...)”.

Em uma situação de normalidade, esses decretos do Poder Executivo não poderiam restringir direitos da forma ampla
como ocorreu durante a pandemia da COVID-19.
✓ Em relação ao ocorrido durante a pandemia, embora não houvesse uma previsão expressa no texto
constitucional, houve uma situação tão especial, que o valor “saúde pública” justificou a edição dessas normas
restritivas de direito.

1.1.1. Princípio da reserva legal

Questão: O princípio da reserva legal e o princípio da legalidade são a mesma coisa?


Não. O princípio da reserva legal incide apenas em campos materiais específicos, submetidos exclusivamente ao
tratamento do Poder Legislativo. Portanto, na reserva legal, não poderá uma lei em sentido amplo restringir o direito,
exigindo-se lei ordinária ou lei complementar.

Espécies

I - Reserva legal absoluta x reserva legal relativa:


• Reserva legal absoluta: é aquela em que a CF exige a regulamentação integral de sua norma por uma lei em
sentido formal (lei ordinária ou lei complementar).
• Reserva legal relativa: exige-se o tratamento por lei em sentido formal, a qual apenas fixa os parâmetros para
uma atuação a ser complementada por um ato infralegal. Exemplo: um decreto complementa aquilo que está
previsto em lei.

STF - HC 74.109/SP: “ALEGADO VÍCIO NA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDA INSTÂNCIA – INOCORRÊNCIA
[...] O sistema de substituição externa nos Tribunais judiciários constitui, no plano de nosso direito positivo, matéria sujeita
ao domínio temático da lei. Subordina-se, em conseqüência, ao princípio da reserva legal absoluta, cuja incidência afasta,
por completo, a possibilidade de tratamento meramente regimental da questão”.

II - Reserva legal simples x reserva legal qualificada

• Reserva legal simples: ocorre quando a Constituição Federal se limita a prever a intervenção legislativa, sem fazer
qualquer exigência, seja quanto ao conteúdo da lei ou quanto a sua finalidade.

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Neste caso, a CF/1988 somente prevê a necessidade da lei, mas não diz qual deve ser o conteúdo da lei nem qual
finalidade a lei deve atingir.

• Reserva legal qualificada: a Constituição Federal, além de exigir a lei para regulamentar a matéria, também
estabelece os meios a serem utilizados ou os fins a serem perseguidos.
Exemplo (reserva legal qualificada): CF, art. 5º, XII – “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e
na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”.

STF - AC 2.695 MC/RS: “[...] Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo [220] ao subordinar,
expressamente, o exercício da liberdade jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui
verdadeira ‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a
preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de personalidade em geral”.

Reserva legal proporcional


A reserva legal proporcional significa que não basta que o legislador crie essa lei e que se observe o órgão competente
para criá-la, pois é necessário que haja compatibilidade da restrição imposta pela lei com o princípio da proporcionalidade.
Qualquer medida restritiva de um direito fundamental deve ser:
• Adequada (meios aptos a atingir o fim ao qual se destina).
• Necessária/exigível (menos gravoso possível).
• Proporcional em sentido estrito (os benefícios promovidos pela norma restritiva devem superar os ônus por ela
causados).
Exemplo: necessidade de aprovação na OAB para a atuação de advogado.

STF - RE 511.961/SP: “No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII3, da
Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis
restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício
das profissões. [...] A reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício
da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial”.

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CF, art. 5º, XIII: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer”

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✓ Obs.: Nessa decisão, o STF adotou a Teoria Relativa. De acordo com essa teoria, o núcleo essencial do direito é
fixado por meio do princípio da proporcionalidade e não a priori, de maneira absoluta e por meio da
interpretação.

1.2. Princípio da não retroatividade das leis

O princípio da não retroatividade das leis, também chamado de princípio da irretroatividade das leis, tem como finalidade
resguardar a incolumidade daquelas situações definitivamente consolidadas, de modo a preservar a segurança jurídica.

Todas as constituições brasileiras consagraram o princípio da não retroatividade das leis, com exceção da Constituição de
1937 (Polaca).
Embora a Constituição de 1937 não tenha consagrado o princípio da não retroatividade das leis, ele foi previsto na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 6º4).

Diferença: CF, art. 5º, XXXVI x LINDB, art. 6º


Questão: Qual é a diferença entre a consagração deste princípio na LINDB e no art. 5º, XXXVI?
Quando o princípio está contido apenas em lei infraconstitucional, isso impede uma interpretação da lei com efeitos retro-
operantes (a interpretação não pode retroagir).
Se a limitação está prevista apenas em lei, ela não subordina o legislador, ou seja, o mesmo legislador que fez a norma
pode modificá-la. Neste caso, o princípio se aplica ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário, mas não se aplica ao Poder
Legislativo, pois este pode fazer uma outra lei alterando (ou revogando) o dispositivo.
Quando consagrado na Constituição Federal, o princípio se dirige não só ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário, mas
também ao legislador. Portanto, o legislador não pode criar leis com efeitos retroativos.

Segundo o STF, a eficácia retroativa:


• É oponível a todas as espécies de leis (direito público ou direito privado).
• Jamais se presume.
• Deve ser sempre excepcional e emanar de disposição expressa.

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LINDB, art. 6º: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo
comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

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• Não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.

Exemplos:
I) Leis penais (CF, art. 5º, XL5) – Exemplo: Se uma situação, até então considerada crime, deixa de ser
considerada como fato criminoso por meio de uma nova lei, esta retroagirá.
II) Leis interpretativas.
As leis interpretativas possuem efeito retroativo, pois são feitas para esclarecer o sentido de uma lei anterior.
✓ A lei interpretativa é uma interpretação autêntica feita pelo legislador de uma lei anteriormente feita por ele.

STF – ADI 605 MC/DF: “(...) As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ‘ordinariamente’, dispor
para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, ‘não’ assentou, como postulado absoluto,
incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. A questão da retroatividade das leis interpretativas”.

✓ Em suma: embora a Constituição Federal tenha consagrado o princípio da não retroatividade das leis, ele não é
absoluto, admitindo certas exceções, a exemplo das leis penais, em que é possível haver a retroatividade da lei
(desde que a nova lei seja mais benéfica ao réu). Além disso, as leis interpretativas também podem retroagir, pois
elas apenas explicam como a lei principal deve ser interpretada.

Direito adquirido (jurisprudência do STF).


➢ Segundo o STF, não cabe alegação de direito adquirido contra a mudança de regime jurídico (RE n. 957.768 –
AgR/PB).
Exemplo: o servidor público ingressa no serviço público, sendo regido por determinados direitos e deveres. O regime
fixado na ocasião de sua entrada não é um regime que gere para ele um direito adquirido. Ou seja, poderá ocorrer uma
modificação desse regime enquanto ele estiver exercendo sua função de servidor público – exemplo: extinção dos
quinquênios.

➢ A irredutibilidade de vencimentos é uma “modalidade qualificada” de direito adquirido (RE 364.317/RS).


O que a Constituição Federal proíbe com a irredutibilidade de vencimentos é que o valor total recebido pelo servidor
público seja reduzido, não impedindo que determinadas parcelas sejam reduzidas ou retiradas dos vencimentos.
Exemplo: Imagine que a pessoa tenha uma remuneração de R$ 10.000. Neste caso, não pode haver redução do salário
nominal, mas se, exemplificativamente, houver um aumento na alíquota de imposto de renda, o valor cairá e isso é
permitido.

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CF, art. 5º, LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;”

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Súmula 654 do STF: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é
invocável pela entidade estatal que a tenha editado”.

✓ A garantia da irretroatividade da lei protege o indivíduo contra o arbítrio do Estado. Portanto, o próprio Estado
que editou a lei não pode invocar o princípio da irretroatividade.

Súmula 473 do STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

✓ Se o ato administrativo é ilegal, não cabe a alegação de direito adquirido.


✓ A anulação do ato não precisa observar o direito adquirido, pois um ato ilegal não gera direito adquirido.
✓ No caso da revogação, cabe a alegação de direito adquirido.

Direito adquirido e normas constitucionais


Outro aspecto envolvendo direitos adquiridos é em relação à possibilidade de invocá-los em face de uma constituição.
Neste ponto, deve ser feita uma distinção entre o direito adquirido e uma nova constituição e entre o direito adquirido e
uma emenda constitucional.

Normas constitucionais originárias:


As normas constitucionais originárias não são obrigadas a observar direitos adquiridos, pois as normas anteriores não
vinculam o Poder Constituinte Originário.
As normas constitucionais originárias possuem uma retroatividade mínima.
• Retroatividade mínima (automática): atinge os efeitos futuros de fatos ocorridos no passado.
Exemplo: um determinado fato ocorreu em 1970 e o servidor X está recebendo a remuneração Y. Com o advento
da CF/1988, há a fixação do limite remuneratório. Neste caso, a aplicação do limite remuneratório é automática.

Fato Nova constituição

1970 1988

ADCT, art. 17: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria
que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela
decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer
título. (Vide Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

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(...)”

Para que a Constituição tenha retroatividade média e máxima, é necessária expressa previsão constitucional.
• Retroatividade média e máxima: necessitam de previsão expressa no texto constitucional.
✓ Retroatividade média: é aquela que alcança fatos passados pendentes de consumação.
Exemplo: prestações que já estão vencidas, mas ainda não foram pagas.
Imagine que a pessoa celebrou um contrato antes da CF/1988 e as prestações são pagas mensalmente.
No exemplo dado, imagine que o indivíduo não pagou a prestação de 1987 (anterior à CF/1988). Se a nova
constituição atingir essa prestação vencida e não paga, haverá uma retroatividade média. Esta situação é
possível, mas ela deve constar expressamente na nova constituição.

Fato Nova constituição

1987 1988

✓ Retroatividade máxima: alcança fatos consumados no passado, ou seja, fatos que já geraram uma
preclusão.
Imagine que, no 2º exemplo dado, a CF/1988 imponha que, mesmo as parcelas de aluguel já pagas em
1987 deverão ser revistas. Neste caso, haverá uma retroatividade máxima.

• Exemplo de retroatividade mínima:


STF - RE 242.740/GO: “EMENTA: Pensão especial cujo valor é estabelecido em número de salários mínimos. Vedação
contida na parte final do artigo 7º, IV, da Carta Magna, a qual tem aplicação imediata. - Esta Primeira Turma, ao julgar o
RE 140.499, que versava caso análogo ao presente, assim decidiu: "Pensões especiais vinculadas a salário mínimo.
Aplicação imediata a elas da vedação da parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição de 1988. Já se firmou a
jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos
futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em contrário - e a Constituição pode fazê-
lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas
(retroatividades máxima e média)...”.

• Exemplo de retroatividade média:


STF - RE 168.618/PR: “A Constituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados
(retroatividade mínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não havia foro especial que só foi outorgado
quando o réu não mais era Prefeito - hipótese que configura retroatividade média, por estar tramitando o processo penal
-, seria mister que a Constituição o determinasse expressamente, o que não ocorre no caso...”.

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✓ Exemplo de retroatividade máxima:
CF, art. 231, §6º: “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o
domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando
a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias
derivadas da ocupação de boa-fé.”

✓ Essa norma traz um exemplo de retroatividade máxima porque diz, expressamente, que são nulos e não
produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas.
Portanto, ela retroagiu para atingir fatos ocorridos antes de sua elaboração.

Aplica-se em relação às emendas?


Questão: O Poder Constituinte Derivado pode violar os direitos adquiridos?
Em relação às emendas, existe uma controvérsia por ocasião do disposto no art. 5º, XXXVI, CF:

CF, art. 5º, XXXVI – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

O dispositivo impede que o legislador edite lei retroativa que prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a
coisa julgada. Entretanto, essa vedação não seria oponível ao Poder Constituinte Derivado. Em outras palavras, a palavra
“lei” trazida pelo art. 5º, XXXVI da CF pode ser interpretada em sentido amplo (de modo a abranger as emendas) ou pode
ser interpretada em sentido estrito (abrangendo apenas as leis ordinárias e complementares).
✓ O Supremo Tribunal Federal, até a Constituição Federal de 1988, interpretava os dispositivos das constituições
anteriores, semelhantes a este, no sentido de que a palavra “lei” significava lei em sentido estrito. Ou seja, o
legislador infraconstitucional não poderia desrespeitar direitos adquiridos, mas, por emenda, a violação ao direito
adquirido poderia ocorrer. Portanto, o princípio da não retroatividade, na jurisprudência do Supremo até a
Constituição Federal de 1988, era oponível apenas ao legislador ordinário, não ao legislador constituinte.
✓ Atualmente, parece que se consolidou o entendimento de que mesmo o poder constituinte derivado reformador
deve respeitar os direitos adquiridos, interpretando a palavra “lei” em sentido amplo.

STF - ADI 2.356 MC/DF: “[...] O art. 78 do ADCT, acrescentado pelo art. 2.º da EC 30/2000, ao admitir a liquidação ‘em
prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos’ dos ‘precatórios pendentes na data de promulgação’
da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. [...] Pelo que
a alteração constitucional pretendida encontra óbice nos incisos III e IV do § 4.º do art. 60 da Constituição, pois afronta ‘a
separação dos Poderes’ e ‘os direitos e garantias individuais’”.

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Ato jurídico perfeito
Era muito comum, sobretudo antes da CF/1988, o entendimento de que o ato jurídico perfeito não poderia ser invocado
em face de leis de ordem pública. Trata-se de um entendimento superado. Toda e qualquer lei (inclusive as de ordem
pública) deve respeitar o ato jurídico perfeito.

RE 200.514/RS: “Esta Corte já firmou o entendimento (assim, entre outros precedentes, na ADIN 493-0, de que fui relator)
de que o princípio constitucional segundo o qual a lei nova não prejudicará o ato jurídico (artigo 5º, XXXVI, da Carta
Magna) se aplica, também, às leis infraconstitucionais de ordem pública”.

Coisa julgada
Ao tratar da coisa julgada, a Constituição Federal se refere não só à coisa julgada formal, mas também à coisa julgada
material:
• Formal: produz efeitos endoprocessuais (dentro do processo), tornando a sentença insuscetível de reexame e
imutável dentro do mesmo processo. É um pressuposto para a coisa julgada material.
• Material: torna imutáveis os efeitos produzidos pela sentença no mesmo processo e em qualquer outro processo.

A proteção conferida pela Constituição abrange a coisa julgada formal e a coisa julgada material.

A proteção engloba a coisa julgada administrativa?


De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a proteção constitucional à coisa julgada não se aplica à coisa julgada
administrativa.

STF - RE n. 144.996: “A coisa julgada a que se refere o artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do artigo
6º da Lei de Introdução do Código Civil, a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada ´coisa julgada
administrativa”.

A coisa julgada judicial também não é um direito absoluto, podendo ser relativizada em determinas hipóteses.

Dois são os fundamentos para a relativização: o princípio da força normativa da constituição e o princípio da máxima
efetividade das normas constitucionais.

Segundo o Supremo, as decisões divergentes em relação ao texto constitucional enfraquecem a força normativa da
constituição.

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✓ Como o STF é o guardião da Constituição, cabe a ele dar a última palavra sobre o modo como ela deve ser
interpretada. Assim, se houver uma decisão transitada em julgado em sentido diverso do entendimento adotado
pelo STF, a decisão poderá ser relativizada dentro do prazo da ação rescisória.

Em relação à Súmula 343 do STF6, questiona-se: a súmula em questão está superada?


Não. Em relação à Súmula 343, o STF faz o chamado distinguishing (distinção), afirmando que ela continua válida e deve
ser aplicada às divergências sobre a interpretação de texto de lei, mas não sobre a interpretação de norma constitucional.
No caso de texto constitucional, em razão dos princípios da força normativa da constituição e da máxima efetividade,
admite-se a relativização da coisa julgada. Esse entendimento já era adotado pela jurisprudência do STF e,
posteriormente, foi consagrado no CPC/2015.

CPC, art. 525: “(...) § 12: Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a
obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou
difuso.
(...)
§ 14: A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão
exequenda.
§ 15: Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória,
cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.

O § 15 do art. 525 do Código de Processo Civil cria um problema para a segurança jurídica, já que o prazo para a ação
rescisória não será o da decisão exequenda, mas o da decisão do Supremo.

Na jurisprudência do STF, há precedentes para as hipóteses em que a decisão que se pretende rescindir, na época, foi
proferida conforme a jurisprudência do STF. Se o Supremo tinha um posicionamento consolidado sobre o assunto e a
decisão transitada em julgado foi dada no mesmo sentido, a posterior mudança de entendimento não autoriza o
cabimento da ação rescisória.

STF - RE 590.809/RS: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo
Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do
precedente”.

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Súmula 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

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2) GARANTIA DE NATUREZA PENAL

2.1. Presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) tem como objetivo servir como instrumento
de proteção da liberdade. Ele visa evitar juízos condenatórios precipitados, protegendo indivíduos potencialmente
culpáveis contra eventuais excessos das autoridades públicas.

Disposições normativas
➢ Âmbito internacional: O princípio da presunção de inocência foi consagrado em diversos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos, dentre eles, destacam-se:
• DUDHC/ 1786, art. 9: “Todo homem é inocente até que seja declarado culpado”.
• DUDH/19848, art. 11.1: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se prove sua culpabilidade conforme a lei”.
• CADH/1969, art. 8, parágrafo I: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpabilidade”.

✓ Nenhuma das declarações acima cita a necessidade de trânsito em julgado da condenação.


✓ Nos ordenamentos jurídicos ocidentais, segundo o professor, não há constituições que exijam o trânsito em
julgado para a condenação.

➢ Âmbito constitucional:
• CF, art. 5º, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.
• CF, art. 5º, LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei”.

O professor destaca que o texto constitucional afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória (e não preso). A prisão é tratada em outro dispositivo constitucional.

➢ Âmbito legal:
• CPP, art. 283: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso
da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

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• CPP, art. 637: “O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos
do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”.

Observação: embora o artigo 283 do CPP, em sua redação literal, seja claro ao dizer que a prisão só poderá ocorrer após
o trânsito em julgado, em uma interpretação sistemática com o art. 637 do CPP, é possível também se adotar o
entendimento de que, como os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo, seria possível a execução
da sentença e a prisão antes do trânsito em julgado.

✓ O professor destaca que o STF já adotou as duas posições por diversas vezes.

Durante os primeiros vinte anos de vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal adotou o
entendimento de que não seria necessário aguardar o trânsito em julgado para haver a prisão.

HC 72.061/RJ (26.04.1995): “I. - Não configura constrangimento ilegal o fato de réu condenado aguardar na prisão o
julgamento dos recursos que interpôs. II. - O Supremo Tribunal decidiu, pelo seu Plenário, que a prisão de réu condenado
por decisão ainda pendente de recurso não afronta o princípio da presunção de não culpabilidade previsto no art. 5º, LVII,
da Constituição. III. - H.C. indeferido”.

No ano de 2009, a jurisprudência foi alterada e o STF passou a entender que a prisão formalizada antes do trânsito em
julgado seria incompatível com o texto constitucional e com as garantias fundamentais asseguradas ao réu.

HC 84.078/MG (05.02.2009): “1. O art. 637 do CPP estabelece que ‘[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo,
e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da
sentença’. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da
sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que ‘ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84,
além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do
CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar...”.

Em 2016, o STF revisitou o tema e, em apertada decisão, voltou a adotar o entendimento estabelecido nas duas primeiras
décadas de vigência da Constituição Federal.
HC 126.292/SP (17.02.2016): “1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação,
ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.”

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Em 2019, esse tema foi novamente analisado pelo STF e o entendimento da Corte, mais uma vez, foi alterado.
Assim, em 2019, ao julgar as ADCs 43/DF, 44/DF e 54/DF, as quais pediam a declaração de constitucionalidade do art. 283
do CPP, o STF adotou o entendimento de que somente é possível a prisão após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.

STF - ADC 43/DF, 44/DF e 54/DF: “O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos, julgou procedente
a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403,
de 4 de maio de 2011, vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros Alexandre de
Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação
conforme.”

Questão: É possível que, por meio de uma emenda constitucional, o dispositivo constitucional que fala que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença seja alterado?
Embora tal dispositivo seja uma cláusula pétrea, a CF/1988 não preceitua a intangibilidade literal do dispositivo. A
jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que o que se protege com as cláusulas pétreas é o núcleo essencial de
determinados princípios e institutos consagrados na Constituição.
✓ Na opinião do professor, no caso da presunção de inocência, não há dúvidas de que o núcleo essencial poderia
ser preservado com a alteração da redação do dispositivo.

Presunção de inocência e eliminação de concurso público


Questão: O simples fato de responder a inquérito ou a ação penal é suficiente para impedir a participação de candidato
em concurso público?
Essa questão foi analisada pelo STF no Tema 22 (RE 560.900).
✓ A Corte entendeu que, neste caso, é necessária a existência de previsão legal para o impedimento (não sendo
válida apenas a previsão em edital) e é necessário que o inquérito/processo a que o indivíduo esteja respondendo
tenha relação com o cargo que ele irá exercer, de forma a inviabilizar a participação do candidato no pleito.

Fundamentação

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- Colisão: O STF considerou que há uma colisão entre o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII7) + Liberdade

profissional (CF, art. 5º, XIII8) + Ampla acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, I9) x Princípio da moralidade

administrativa (CF, art. 3710).

- Regras para a ponderação:


I) necessidade de condenação por órgão colegiado ou de condenação definitiva;
II) incompatibilidade entre a natureza do crime e as atribuições do cargo.

STF – RE 560.900/DF (Tema 22 - Tese): “Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a
cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito
ou a ação penal.”

✓ Assim sendo, de acordo com as regras de ponderação, para que o indivíduo seja impedido de participar de
processo seletivo para ingresso em cargo público ou para ser vedada a sua promoção, é necessário que haja
decisão de órgão colegiado ou condenação definitiva. Além disso, é necessário que haja incompatibilidade entre
a natureza do crime e as atribuições do cargo público.

3. Mandados constitucionais de criminalização

Definição: Os mandados constitucionais de criminalização, também denominados de mandamentos constitucionais de


criminalização, podem ser definidos como normas constitucionais que determinam a criminalização de determinadas
condutas para a proteção de bens e valores especialmente relevantes para a sociedade.

✓ Assim sendo, quando a Constituição quer proteger de forma especial um determinado bem ou valor que a
sociedade considere muito importante, ela impõe que determinadas condutas sejam criminalizadas. Essa

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CF, art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
8
CF, art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer”
9
CF, art. 37, I: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;”
10
CF, art. 37, caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte: (...)”

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criminalização deve observar o princípio da proporcionalidade, sobretudo, na faceta relativa à proibição de
proteção deficiente.
✓ Em suma: não basta que o legislador infraconstitucional criminalize as condutas previstas no texto constitucional,
pois ele deve observar o princípio da proporcionalidade, especialmente na vertente de proibição de proteção
insuficiente, que é aquele viés do princípio da proporcionalidade que determina que a conduta estatal não fique
aquém do desejado pela Constituição.

STF - HC 102.087: “[...] 1.1. Mandados constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo
elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas
(CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandado
de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser
considerados apenas como proibições de intervenção (...), expressando também um postulado de proteção (...). Pode-se
dizer que os direitos fundamentais expressam, não apenas uma proibição do excesso (...), como também podem ser
traduzidos em proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (...). Os mandados constitucionais de
criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da
proporcionalidade como proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente”.

Dentro desses mandados de criminalização, a Constituição Federal aponta alguns crimes que são inafiançáveis,
imprescritíveis e outros que são insuscetíveis de graça ou anistia.

➢ Crimes inafiançáveis e imprescritíveis:


• Racismo; e
• Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Cuidado: Apenas estes dois crimes são imprescritíveis.

➢ Crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia:


• Tortura;
• Tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
• Terrorismo; e
• Crimes hediondos.

Dispositivos constitucionais:

• CF, art. 5º, XLII – “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão,
nos termos da lei;”.

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• CF, art. 5º, XLIII – “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”.
• CF, art. 5º, XLIV – “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático;”.

STF - RE 460.971: “[...] Ademais, a CF se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência
material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses.”

✓ Atenção: Segundo o entendimento majoritário na doutrina, não poderia o legislador ordinário criar outras
hipóteses de crimes inafiançáveis, imprescritíveis e insuscetíveis de graça ou anistia.

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