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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DESEMBARGADOR (A) PRESIDENTE

DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO-SP

Apelação Criminal nº xxx.xxxxx.xxxx.xxx.xx


RECORRENTE: João das Couves
RECORRIDO: Ministério Público do Estado de São Paulo

JOÃO DAS COUVES, devidamente qualificado nos autos da Apelação


Criminal em epígrafe, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência,
por intermédio de seu Advogado que ora assina, com fundamento no artigo
102, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como com supedâneo
no artigo 321 e seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
para, tempestivamente, interpor o presente
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
em razão do v. acórdão de fls. xx/xx do recurso em espécie, motivo qual
apresenta as devidas Razões, ora acostadas.
Dessa sorte, tendo em conta que o acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo violou frontalmente os dispositivos
constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal
(artigos 5º, LIV e LV, da Constituição Federal), prejudicando o direito do
acusado à produção de provas em seu favor, requer que essa Egrégia
Presidência conheça e admita este recurso, com a consequente remessa dos
autos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Para tanto, requer seja recebido e processado o presente recurso e
encaminhado, com as razões anexas, ao Colendo STF.
Termos em que,
Pede e espera deferimento.
Local e data
Advogado
OAB/SP
RAZÕES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Apelação Criminal nº xxx.xxxxx.xxxx.xxx.xx


RECORRENTE: João das Couves
RECORRIDO: Ministério Público do Estado de São Paulo

EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

COLENDA TURMA

PRECLAROS MINISTROS

Irresignado, data vênia, com a r. decisão do Egrégio Tribunal a quo, que


manteve a condenação do acusado nos exatos termos da sentença, ignorando
por completo as violações dos direitos constitucionais do ora recorrente,
interpõe o presente recurso extraordinário, nos termos que seguem.

I - TEMPESTIVIDADE

Conforme certidão de intimação juntada aos autos, a intimação da


decisão proferida pelo Tribunal de Justiça ocorreu em 18/09/23 (segunda-feira),
e o prazo legal para interposição do presente recurso é de 15 (quinze) dias,
nos termos do artigo 1003, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, aplicado
por analogia ao Processo Penal.
Destaca-se, ainda, que o prazo para interposição do presente recurso é
contínuo e peremptório, conforme regra específica prevista no artigo 798,
caput, do Código de Processo Penal.
Assim, considerando a intimação da decisão em 18/09/23 (segunda-
feira), o prazo para interposição do recurso se encerra em 03/10/23, sendo este
o último dia do prazo legal e, portanto, o presente recurso é tempestivo.

II – DOS FATOS

Conforme narrado nos autos, o membro do Ministério Público processou


o acusado pelo crime de estupro do vulnerável, na forma seguinte:
“Trata-se de denúncia criminal ofertada em razão de o acusado ter
praticado o tipo penal previsto no artigo 217-A, Código Penal, uma
vez que realizou atos libidinosos e conjunção carnal com a vítima
Luluzinha de apenas 13 anos de idade, sendo que a existência de
consentimento não afasta o tipo penal em epígrafe, na forma do
artigo 217-A, parágrafo 5º, CP. A materialidade está estampada pelo
depoimento pessoal da vítima de que realizou os citados atos
sexuais, sendo dispensável o exame de corpo de delito. Por fim, de
acordo com o inquérito policial, foram realizados três atos libidinosos,
consistentes em sexo oral, sexo anal e apalpadelas nos seios, além
da própria conjunção carnal, havendo, assim, a ocorrência de 4
crimes de estupro de vulnerável em concurso material, na forma do
artigo 69, CP, pelo que pede o Ministério Público a sua condenação”.

Destarte, o réu fora denunciado na forma transcrita acima, sendo que a


defesa pugnou pela rejeição da peça acusatória, uma vez que não fora
atestada a materialidade do crime narrado por ausência de laudo pericial.
Além disso, foi requerido pelo regular enquadramento dos fatos num
único crime de estupro do vulnerável, forte na ideia de ser um tipo misto
alternativo.
Não obstante, o magistrado decidiu pelo prosseguimento do feito, uma
vez que concordou integralmente com a peça acusatória do Ministério Público,
entendendo que os fatos seriam melhor apurados por ocasião da instrução
processual em audiência específica.
Na citada audiência, primeiramente, interrogou-se o acusado, não foi
ouvido perito e nem juntado exame de corpo de delito.
Ouviram-se as testemunhas de acusação e as de defesa. As
testemunhas, de modo geral, disseram que não viram nenhum ato sexual, mas
ouviram dizer que o acusado e a vítima mantinham relações sexuais há
bastante tempo.
A vítima, ouvida ao final, disse que praticou os atos sexuais narrados na
denúncia, mas fez de forma livre e espontânea, tendo acrescentado que
sempre mentira sobre a sua idade real de 13 anos e dizia para o seu
namorado, ora acusado, que tinha 17 anos de idade.
Ao final da audiência, foi aberta vista para a acusação e defesa
apresentarem as suas considerações finais, no prazo de cinco dias.
O Ministério Público ofertou suas considerações, requerendo a
condenação na forma proposta pela denúncia criminal.
A defesa, por sua vez, requereu a nulidade absoluta do feito, em razão
da inversão do rito processual, com prejuízo presumido para o acusado,
anulando-se o feito desde a audiência de instrução e julgamento, bem como
pela ausência de laudo pericial nos casos em que ele é necessário, na forma
do artigo 564, III, b, CPP. Não reconhecendo a nulidade absoluta, requereu a
absolvição do acusado, com base na teoria do erro de tipo invencível, bem
como pela ausência de provas testemunhais e pericial hábeis a formar autoria
e materialidade do feito, aplicando-se o artigo 386, VI e VII, CPP.
Todavia, por ocasião da sentença, o magistrado condenou o acusado
nos exatos termos da denúncia ministerial, entendendo o seguinte:
“1) A inversão do rito processual é mera irregularidade, não sendo
cabível a anulação do feito, não havendo prejuízo para o acusado;
2) A ausência de laudo pericial não impede a condenação, uma vez
que o juiz não está adstrito à prova pericial, podendo fundamentar a
sua decisão com base exclusivamente na palavra da vítima;
3) Os depoimentos por “ouvir dizer” são plenamente válidos e
merecem guarida, podendo eles serem considerados testemunhos
dignos de condenação;
4) Quanto ao erro de tipo invencível, entende-se que o autor tem a
obrigação de saber a idade da vítima e foi imprudente ao praticar o
aludido ato sexual;
5) Assim, condeno o acusado a uma pena de oito anos de reclusão, a
ser cumprida no regime inicialmente fechado;
6) Recolha-se o acusado para o cumprimento da pena, tão somente
pelo efeito automático da condenação.
Publique-se e intime-se.”

Foi interposto recurso de apelação para o Tribunal de Justiça,


requerendo-o reconhecimento das nulidades acima citadas, bem como o
reconhecimento das teses defensivas aludidas.
Todavia, o acórdão proferido pela instância recursal foi no seguinte teor:

“Os Desembargadores reconhecem que: 1) a inversão do rito


processual por si só não presume a existência de prejuízo para o
acusado, não se aplicando aqui os princípios constitucionais da ampla
defesa, contraditório e devido processo legal; 2) a ausência de laudo
pericial não fere, outrossim, princípio constitucional de ampla defesa,
pois pode ser substituído pela palavra da vítima de forma isolada; 3)
os testemunhos por “ouvir dizer” são aceitos e estão em compasso
com o princípio constitucional do devido processo legal, eis que
possuem o mesmo valor probatório que as testemunhas diretas; 4) o
erro de tipo não pode ser aceito em nenhuma hipótese, pois é tese
obsoleta e que não encontra amparo constitucional; 5) mantiveram a
condenação do acusado nos exatos termos da sentença.

A defesa foi intimada no dia 18/09/2023.


Em síntese, são os fatos.

III - DO CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO


CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 102, INCISO III, A
Segundo a disciplina do artigo 102, inciso III, alínea a da Constituição
Federal, é da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, apreciar
Recurso Extraordinário fundado em decisão proferida em última ou única
instância, quando a mesma contrariar dispositivos da Carta Política:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição Federal, cabendo-lhe: [...]
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em
única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta constituição; [...]”

O acórdão recorrido ao decidir que “1) a inversão do rito processual por


si só não presume a existência de prejuízo para o acusado, não se aplicando
aqui os princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido
processo legal; 2) a ausência de laudo pericial não fere, outrossim, princípio
constitucional de ampla defesa, pois pode ser substituído pela palavra da
vítima de forma isolada; 3) os testemunhos por “ouvir dizer” são aceitos e estão
em compasso com o princípio constitucional do devido processo legal, eis que
possuem o mesmo valor probatório que as testemunhas diretas; 4) o erro de
tipo não pode ser aceito em nenhuma hipótese, pois é tese obsoleta e que não
encontra amparo constitucional;” contrariou claramente vários dispositivos
constitucionais.
Portanto, é por esses fatos e fundamentos que o acórdão merece ser
reformado, por violar frontalmente a Constituição Federal.
Como se vê, nobres ministros, há situação concreta que converge ao
exame deste Recurso Extraordinário por esta Egrégia Corte.

III.1. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Este Recurso Extraordinário é: (I) tempestivo, haja vista foi interposto


dentro do prazo previsto no CPC (artigo 1.003, § 5º); (ii) o Recorrente tem
legitimidade para aviar o presente recurso e, (iii) há a regularidade formal
desse.
Ademais, a decisão recorrida foi proferida em “última instância”, não
cabendo mais nenhum outro recurso na instância originária, afastando assim,
aplicação da Súmula 281 do STF que diz: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da
decisão impugnada.”
Por outro ângulo, a questão constitucional foi devida prequestionada,
quando enfrentada e dirimida pelo Tribunal de origem, o que afasta a aplicação
dos enunciados das Súmulas 282 e 356 do STF:
“STF - Súmula nº 282 - É inadmissível o recurso extraordinário,
quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal
suscitada.”

“STF - Súmula nº 356 - O ponto omisso da decisão, sobre o qual não


foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de
recurso extraordinário, por faltar o requisito do pré-questionamento.”

Igualmente todos os fundamentos lançados no Acórdão guerreado foram


devidamente infirmados pelo presente recurso, não havendo a incidência da
Súmula 283 deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: “STF - Súmula nº 283 -
É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta
em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.”.
Ademais, o debate trazido à baila não importa reexame de provas, mas
sim, ao contrário, unicamente matéria de direito, não incorrendo, portanto, com
a regra ajustada na Súmula 279 desta Egrégia Corte: “STF - Súmula nº 279.
Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”.

IV – DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL

O presente recurso deve ser admitido com base na existência de


questões constitucionais relevantes que transcendem os interesses subjetivos
das partes, demonstrando a presença do requisito da repercussão geral, nos
termos do artigo 102, §3º, da Constituição Federal e artigo 1.035 do CPC/15.
A controvérsia em discussão diz respeito às legalidades da inversão do
rito processual, a ausência de laudo pericial em casos de crime de estupro, a
validade probatória de testemunhos por “ouvir dizer” e a validade de decreto
condenatório nos casos de estupro de vulnerável fundamentado em erro de
tipo, a fim de dirimir as questões e assentar se tais fatos violam ou não as
garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal. Tais questões têm impacto direto sobre o direito fundamental,
ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988.
Diante do exposto, requer-se o reconhecimento da repercussão geral da
matéria debatida no presente recurso, a fim de que seja assegurada a
uniformidade e a segurança jurídica na interpretação das normas
constitucionais envolvidas.

V -DA INCONSTITUCIONALIDADE E CONTRARIEDADE AOS


DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS

Como será demonstrado, o aresto vergastado viola frontalmente os


dispositivos constitucionais e infraconstitucionais a seguir mencionados,
merecendo, portanto, ser reformado por esta Suprema Corte de Justiça:
a) Violação aos princípios constitucionais da ampla defesa,
do contraditório e do devido processo legal (artigos 5º, LIV
e LV, da Constituição Federal), ao decidir que a inversão
do rito processual por si só não presume a existência de
prejuízo para o acusado sem qualquer fundamentação,
prejudicando o direito do acusado à produção de provas
em seu favor;
b) Violação ao princípio constitucional da ampla defesa (art.
5º inciso LV da CF/88), ao decidir que a ausência de laudo
pericial pode ser substituído pela palavra da vítima de
forma isolada, desrespeitando a garantia constitucional do
direito de defesa do acusado;
c) Violação ao devido processo legal (artigo 5º, LIV, da
Constituição Federal), ao considerar como prova idônea os
testemunhos por “ouvir dizer”, afirmando que possuem o
mesmo valor probatório que as testemunhas diretas,
desrespeitando a garantia constitucional do devido
processo legal;
a) Violação ao princípio da culpabilidade ao decidir que o erro
de tipo não pode ser aceito em nenhuma hipótese, pois é
tese obsoleta e que não encontra amparo constitucional,
violando o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana (art. 1º inciso III, da CF/88).

VI - FUNDAMENTOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO


VI.1 - Da Inversão do Rito Processual

O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


não reconheceu a nulidade da inversão do rito processual, alegando que esta
não presume a existência de prejuízo para o acusado, não se aplicando aqui os
princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo
legal.
Entretanto, a inversão do rito processual, como amplamente discutido na
doutrina e jurisprudência, viola o devido processo legal, conforme garantido
pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Toda violação constitucional
merece reparo por meio do Recurso Extraordinário, notadamente quando se
inverte o rito processual, violando todos os princípios acima delineados.
A respeito do tema, vale trazer à baila o entendimento do Supremo
Tribunal Federal:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO PENAL. PROCESSO


PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA DE CORTE SUPERIOR. RITO
PROCESSUAL. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO DO RÉU. ART.
6º, DA LEI 8.038/90. INÍCIO DA INSTRUÇÃO. PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE. AFASTAMENTO. OBEDIÊNCIA AOS
PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
APLICAÇÃO DA REGRA GERAL DO ART. 400, DO CPP.
INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. PROVIMENTO DO
RECURSO. 1. Conforme assentado pelo Tribunal Pleno do Supremo
Tribunal Federal, em 03.03.16, no julgamento do HC 127.900, Rel.
Min. Dias Toffoli, deverá ser aplicada a regra geral do artigo 400 do
Código de Processo Penal a todas as instruções processuais ainda
não encerradas em procedimentos criminais especiais. 2. Em
observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
afasta-se o princípio da especialidade para assegurar ao acusado
que, mesmo no rito processual de ação penal originária de Corte
Superior, seja interrogado somente após a oitiva das testemunhas. 3.
Agravo regimental provido.”
(AP 862 AgR, STF).

Como visto, o interrogatório é meio de defesa que deve ser feito ao final
de toda audiência de instrução e julgamento, de forma a resguardar os
princípios constitucionais.
Assim, o reconhecimento da nulidade da inversão do rito é essencial
para resguardar a integridade do devido processo legal e, por conseguinte, a
proteção dos direitos fundamentais do Apelante.

VI.2 - Da Ausência de Laudo Pericial


O acórdão recorrido também não reconheceu a nulidade decorrente da
ausência de laudo pericial, argumentando que a palavra da vítima, de forma
isolada, pode substituir o exame pericial.
Contudo, a ausência de laudo pericial quando este é obrigatório,
conforme previsto no artigo 158 do Código de Processo Penal, compromete a
garantia da ampla defesa e o devido processo legal, em flagrante violação do
artigo 5º, incisos LV e LIV, da Constituição Federal. A possibilidade de
substituição do laudo pericial pela palavra da vítima não é suficiente para
assegurar a justiça e a imparcialidade do processo.

VI.3 - Da Valoração de Depoimentos por "Ouvir Dizer"

O acórdão vergastado validou a valoração dos depoimentos por "ouvir


dizer" como elementos probatórios, sustentando que estes possuem o mesmo
valor que as testemunhas diretas e estão em conformidade com o princípio do
devido processo legal.
No entanto, é imprescindível destacar que a valoração de depoimentos
por "ouvir dizer" contraria o princípio do contraditório e da ampla defesa,
assegurados no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Essa
prática fragiliza a garantia de defesa efetiva, prejudicando o direito do Apelante
a um julgamento justo.
Ademais, o Código de Processo Penal menciona a prova testemunhal
nos artigos 202 e seguintes, devendo a testemunha dizer aquilo que
presenciou diretamente, não servindo o depoimento por “ouvir dizer’, uma vez
que esse conceito viola a definição de testemunha por excelência e, por
consequência, o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório,
dado que resta impossível que a defesa produza alguma prova em contraditório
quando não se tem a certeza de quem foi que presenciou o fato.
Esse tipo de prova não pode ser aceita, conforme jurisprudência dos
tribunais superiores:
“EMENTA HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS
TENTADOS. NULIDADE. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA
EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS,
CONTRADITÓRIOS E ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO
COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL. OFENSA AO ART. 155 DO
CPP. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. PACIENTE DESPRONUNCIADO.
1. A sentença de pronúncia configura um juízo de admissibilidade da
acusação, não demandando a certeza necessária à sentença
condenatória. Faz-se necessária, todavia, a existência de provas
suficientes para eventual condenação ou absolvição, conforme a
avaliação do conjunto probatório pelos jurados do Conselho de
Sentença, isto é, a primeira fase processual do Júri, o jus
accusationis, constitui filtro processual com a função de evitar
julgamento pelo plenário sem a existência de prova de materialidade
e indícios de autoria.
2. É ilegal a sentença de pronúncia baseada, unicamente, em
testemunhos colhidos no inquérito policial, de acordo com o art. 155
do Código de Processo Penal, e indiretos - de ouvir dizer (hearsay) -,
por não se constituírem em fundamentos idôneos para a submissão
da acusação ao Plenário do Tribunal do Júri.
3. No caso em apreço, os únicos elementos indiciários do paciente
são os depoimentos extrajudiciais das vítimas, pois, por ocasião da
fase judicial, uma das vítimas havia falecido (Emerson) e a outra não
foi localizada (Anderson). As demais testemunhas não souberam
afirmar a existência de desentendimentos anteriores entre as vítimas
e o réu, tendo conhecimento apenas de boatos no sentido de que o
crime havia sido cometido em razão de incorreta divisão de drogas,
pois os envolvidos seriam usuários de entorpecentes.
4. O fato de o testemunho da vítima falecida não poder ser repetido
em Juízo não altera a conclusão de que depoimentos colhidos
apenas na fase extrajudicial não autorizam a pronúncia.
5. As versões contraditórias de testemunhos prestados na fase
inquisitorial e na judicial também não constituem fundamentos
idôneos para embasarem a pronúncia.
6. Ordem de habeas corpus concedida para despronunciar o
paciente, sem prejuízo de formulação de nova denúncia, nos termos
do art. 414, parágrafo único, do Código de Processo Penal.”
(HC 706735 / RS, STJ).

VI.4 - Do Erro de Tipo Invencível

O acórdão recorrido não reconheceu a possibilidade de aplicação da


teoria do erro de tipo invencível, alegando que esta tese é obsoleta e não
encontra amparo constitucional.
No entanto, a teoria do erro de tipo invencível é aceita na doutrina e
jurisprudência como uma exceção importante no direito penal, pois isenta o
agente de culpa quando age de boa-fé e não tem como saber a ilicitude do
fato. Negar a aplicação desta teoria é um equívoco que impacta o direito
fundamental à ampla defesa, garantido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição
Federal, viola o princípio da culpabilidade e desrespeita o princípio da
dignidade da pessoa humana.
A depender da espécie de erro, pode haver a exclusão total da figura
típica ou a punição apenas pelo crime culposo. Em outras palavras, se o erro
for invencível, exclui o dolo e a culpa, excluindo-se a tipicidade do crime. Se o
erro for vencível, pune-se pelo crime culposo se houver previsão legal da figura
culposa. Essa é a disposição legal prevista no artigo 20, CP, nestes termos:
Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime
exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto
em lei.

Essa ocorrência legal pode ser conferida na jurisprudência pátria, que


aceita a tese do erro de tipo quanto ao desconhecimento da idade da vítima,
devendo ser excluída a figura típica, nestes moldes:
“EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS
CORPUS. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO
AMPARADA EM ELEMENTOS FRÁGEIS E INSUFICIENTES.
REVISÃO. POSSIBILIDADE. NON LIQUET. APLICAÇÃO DA REGRA
DO IN DUBIO PRO REO.
1. Embora o habeas corpus seja uma via que não admite
dilação probatória, é possível aferir a legitimidade da condenação
imposta a partir do exame da fundamentação contida no ato
decisório.
2. Para a imposição de uma condenação criminal, faz-se
necessário que seja prolatada uma sentença, após regular instrução
probatória, na qual haja a indicação PA GE expressa de provas
suficientes acerca da comprovação da autoria e da materialidade do
delito, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal.
3. Insta salientar, ainda, que a avaliação do acervo probatório
deve ser balizada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo
dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a
sua absolvição, tendo em vista que sobre a acusação recai o
inafastável ônus de provar o que foi veiculado na denúncia.
4. No caso, consta nos atos decisórios que impuseram a
condenação ao paciente um cenário de dúvida, pois não foi
comprovado que ele tenha agido ciente da idade da vítima, a qual
teria beijado em duas oportunidades. A tese de erro quanto a esta
elementar deveria ter sido acolhida, conforme destacado pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, em seu parecer em
segunda instância.
5. Habeas Corpus concedido”
(HC 721869 / SP, STJ).

No caso dos autos, percebe-se que havia uma dúvida quanto à idade da
vítima ser maior ou menor de 14 anos, o que restou afastada a figura típica do
crime previsto no artigo 217-A, CP.
Dessa forma, ficou devidamente demonstrado que o acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo violou frontalmente os
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, merecendo, portanto, ser
reformado por esta Suprema Corte.

VII - DOS PEDIDOS


Diante do exposto, requer-se a Vossa Excelência:
a) O conhecimento e provimento do presente Recurso Extraordinário, para
reformar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça e anular a
sentença condenatória;
b) A declaração da inconstitucionalidade dos fundamentos utilizados pelo
Tribunal de Justiça, conforme indicados no item V desta peça;
a) A concessão do efeito suspensivo ao presente recurso, com a
determinação de imediata suspensão da execução provisória da pena
imposta ao Apelante, permitindo que aguarde o julgamento deste
recurso em liberdade, em respeito ao entendimento consolidado pelo
Supremo Tribunal Federal nas ADCs 43 e 44;
b) A intimação do Ministério Público para apresentar contrarrazões ao
presente recurso, caso assim entenda.
Termos em que,
Pede deferimento.
Local e Data
Advogado
OAB/SP

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