EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUÍZ DE DIREITO DA 1ª VARA DO TRIBUNAL
DO JÚRI DA COMARCA DE MACAPÁ/AP
PROC. DE ORIGEM Nº xxxxxxx-xx.2020.4.01.3100
TÍCIO DE TAL, já devidamente qualificado nos autos da
ação penal em epígrafe, assistido juridicamente pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, em observância à sentença de ordem XX proferida neste feito, vem à digna presença de Vossa Excelência interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal, requerendo a remessa destes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça para posterior julgamento.
Nesses termos, pede deferimento.
Macapá/AP, 10 de abril de 2023.
Karem Letícia de Sá Souza
OAB AP 0505 EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROC. DE ORIGEM Nº xxxxxxx-xx.2020.4.01.3100
VARA DE ORIGEM: 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de
Macapá/AP
APELANTE: Tício de Tal
APELADO: Ministério Público do Estado do Amapá
RAZÕES DE APELAÇÃO
Colenda Câmara,
Excelentíssimo Des. Relator,
Em que pese o indiscutível saber jurídico do juízo de
piso, impõe-se necessário a reforma da r. sentença proferida em desfavor do apelante, pelas razões abaixo aduzidas.
1. SÍNTESE PROCESSUAL
Trata-se de demanda ajuizada pelo Ministério Público
do Estado, para aferição de responsabilidade de Tício de Tal pelo dispositivo do artigo 121, §2º, I, IV do Código Penal (homicídio duplamente qualificado).
O apelante, confesso em delegacia e audiência de
instrução e julgamento, alegou legítima defesa. Foi pronunciado e levado a julgamento perante o Tribunal do Júri da Comarca de Macapá/AP, mesmo tendo juntado nos presentes autos provas que comprovam tal alegação. Cumpre ressaltar que, durante o julgamento, apenas 14 (quatorze) jurados estavam aptos a participar, além de documento juntado intempestivamente pelo apelado e deferido de maneira equivocada pelo juiz presidente. Atos esses que foram insurgidos pela defesa e consignados em ata.
Outrossim, durante os debates, o magistrado reduziu o
tempo para a defesa apresentar suas teses e os quesitos de votação mediante os jurados, sob a justificativa de que o horário estava avançado.
No dia 01/01/2020, ao final do julgamento, o apelante
foi condenado a 30 anos de reclusão, porém ganhou o benefício de recorrer em liberdade.
Contudo, em que pese o valor do entendimento trazido
pelo juízo de primeiro de grau, a sentença não deve ser mantida. Isso porque, conforme se verá a seguir, deixou-se de analisar importantes questões preliminares ao julgamento do mérito.
Aliás, no mérito, ver-se-á que ocorreram vícios que
impactam diretamente o tratamento que deve ser dado ao demandante neste feito recursal.
Por isso, pugna-se, ao final, pela reforma da sentença
procedente.
É o breve relatório.
2. PRELIMINARMENTE
2.1 DO QUÓRUM MÍNIMO DE JURADOS APTOS A PARTICIPAREM DO
JULGAMENTO
A princípio, é mister explicar a nulidade lançada em ata
de audiência no que tange a quantidade dos jurados e a aptidão desses para compor os autos da ação. Ressalta-se que tal nulidade fora lançada após pronúncia dada pelo juiz presidente.
Sabemos que como condição para a constituição do
júri, necessita-se de um mínimo de 15 jurados. Dessa forma, nos termos do artigo 463 do Código de Processo Penal: Art. 463. Comparecendo, pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento.
Nesse sentido, CAPEZ (2018, pag. 727) afirma que O
juiz não pode determinar a instalação da sessão sem a presença do quórum mínimo de quinze jurados, sob pena de afronta ao art. 463 do CPP. A nulidade, no caso, é absoluta.
No presente caso, a abertura dos trabalhos da sessão
ocorreu equivocadamente, ao iniciar a análise do mérito, sem a quantidade mínima de jurados necessária para compor o júri, onde somente 14 (quatorze) estavam presentes para a análise do mérito em questão.
Pela importância, é importante ressaltar, como já dito
a cima, que esse quórum não pode ser dispensado, pois assegura a imparcialidade, questão notadamente importante, sendo este, um princípio estruturante de todo ato processual.
2.2 DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA
Previsto pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição
Federal de 1988, garante que o indivíduo só será privado de sua liberdade ou terá seus direitos restringidos mediante um processo legal, exercido pelo Poder Judiciário, por meio de um juiz natural, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Configura-se o cerceamento de defesa, a acarretar
a nulidade da decisão, quando se suprime das partes o direito de produzir as provas necessárias à comprovação dos fatos por ela alegados, sobrevindo, em consequência, julgamento de mérito em seu desfavor.
Entre as nulidades que ocorreram durante o
julgamento, está presente uma violação direta ao Princípio do Devido Processo Legal, vez que houve supressão do tempo para apresentação das teses de defesa e juntada de documento, pelo apelado, de forma intempestiva. No que tange, a juntada de documento, deferida de maneira equivocada pelo juiz presidente, entende-se que o apelado precluiu o ato, que deveria ter sido praticado na forma do artigo 422 do Código de Processo Penal. Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.
Quanto a supressão do tempo de fala da defesa, houve
nulidade direta, pois, conforme especificado no artigo 477 do Código de Processo Penal, o tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada. Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
No caso em questão, o tempo concedido para a defesa
dispor de suas teses foi de apenas uma hora, em total desacordo determinação legal. Não se pode violar as normas previstas na Constituição Federal e na legislação processual penal.
3. MÉRITO
3.1- DO JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO A PROVA DOS
AUTOS
Entende-se que a aplicação da norma citada no artigo
593, inciso III, alínea “d” do Código de Processo Penal está reservada àqueles casos em que “a decisão dos jurados seja manifestamente contrária à prova dos autos” (CUNHA, 2017, p. 1463).
Trata-se da decisão que “não tem apoio em prova
nenhuma, é aquela proferida ao arrepio de tudo quanto mostram os autos, é aquela que não tem a suportá-la, ou justificá-la, um único dado indicativo do acerto da conclusão adotada” (Cf. RT 780/653). O artigo 23 do Código Penal discorre sobre as causas excludentes de ilicitude, ou seja, não há crime quando o agente pratica o fato nas seguintes hipóteses: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Consiste a legitima defesa, a exclusão da
antijuridicidade, quando o agente passivo se encontra em um estado de agressão, sendo ele atual ou iminente e para a vítima se defender, ela usa dos meios necessários agindo com cautela e usando dos meios necessários para se defender de uma ou mais condutas ilícitas praticadas pelo seu oponente.
Ainda, no mesmo sentido, o artigo 25 do Código Penal
dispõe sobre o entendimento da ocorrência de legítima defesa, principal tese defendida pelo apelante. Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
A legitima defesa, é inerente ao ser humano, nasce com
a pessoa e passa a existir durante toda a sua vida, pois é natural do ser quando ele usa os meios de defesa para repelir uma agressão injusta.
No feito em questão, o apelante alegou legítima defesa
desde o início da apuração dos fatos, tendo, inclusive, juntado nos autos vídeo em alta definição que comprova tal alegação.
Em vista disso, pugna-se pela reforma da sentença para
que seja improcedente o pedido inicial, ante a denotada incoerência da decisão proferida, haja vista estar totalmente dissociada do acervo probatório.
3.2- DO REPARO DA DOSIMENTRIA DE PENA
O apelante foi condenado a 30 (trinta) anos de reclusão pelo fato ocorrido. Quanto à fixação de pena, o juiz estabelecerá a pena necessária, observando critérios estabelecidos pelo Código Penal. Vejamos: Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
Ocorre, Excelência, que, no presente caso, o apelante é
réu confesso desde que se iniciou a apuração dos fatos, primário, de bons antecedentes, possui residência fixa e emprego lícito e, ainda sim, recebeu condenação de 30 (trinta) anos de reclusão. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A VIDA - HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CP )- LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA E DE TERCEIROS CONFIGURADA - USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS - CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO - DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS - OCORRÊNCIA - RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. Embora excepcional, a anulação do Júri é inevitável quando a decisão do Conselho de Sentença é contrária à prova produzida nos autos, sendo impositiva a submissão do acusado a novo julgamento (art. 593 , III , § 3º , CPP ). Com efeito, é possível que o único meio que tinha a capacidade de cessar as agressões (tapas, chutes, pedras e pauladas) eram os disparos, tendo o apelante dele se utilizado, de acordo com as circunstâncias em que se encontrava, ou seja, era o único meio do qual dispunha para se defender e para defender as outras pessoas que se encontravam no seu veículo. Destarte, a decisão dos senhores jurados não encontra apoio nos elementos de prova carreados, o que a torna decisão manifestamente contrária à prova dos autos, impondo-se a sua cassação. Recurso provido.
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO - LEGÍTIMA
DEFESA CONFIGURADA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DEVIDA - RECURSO PROVIDO. Se os elementos probatórios constantes dos autos demonstram que o réu agiu em legítima defesa, ao repelir injusta agressão atual contra a sua integridade física, a absolvição em face do reconhecimento da mencionada excludente de ilicitude é medida que se impõe.
É de suma importância salientar que, no caso em
questão, entende-se a incoerência e inobservância aos dispositivos expostos, no que tange a pena e condenação imposta ao apelante.
Diante do exposto, requer que seja reconhecido o
reparo da dosimetria de pena, vez que presente os requisitos legais.
4- PEDIDOS
Por todo o exposto, o conhecimento e provimento do
presente recurso para reformar a sentença a fim de:
a) Acolher as preliminares suscitadas, para que o
apelante seja submetido à novo júri popular;
b) Que seja reconhecido o julgamento manifestamente
contrário à prova dos autos, caso sejam superadas as preliminares do item anterior. Nesse pedido de enfrentamento à matéria de mérito, requer a anulação, por erro na votação, pois conforme fora disposto no item 3.1, há uma causa excludente de ilicitude, devendo o apelante ser submetido a novo julgamento;
c) De forma subsidiária, em sendo superados os
pedidos anteriores, requer o apelante, o reparo na reprimida final, conforme o item 3.2, para que esse receba a pena justa pelo ato praticado.