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AO JUÍZO DA 1º VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL BELO HORIZONTE, MINAS

GERAIS.

AUTOS N°: ...

JOSÉ, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, por intermédio de


seu advogado que esta subscreve, procuração anexa, vem, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, com fulcro nos 403, §3° e 404, § único, ambos do Código
de Processo Penal, APRESENTAR:

ALEGAÇÕES FINAIS EM FORMA DE MEMORIAIS

Pelas razões de fato e de direito a seguir apontadas:

1. DA TEMPESTIVIDADE
Como a intimação ocorreu em 14 de outubro de 2022 (sexta-feira), o prazo
final para a apresentação da peça é no dia 21 de outubro de 2022 (sexta-feira), tendo
em conta que os memoriais gozam do prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do §3° do art.
403 do CPP, sendo que a forma de contagem nos é apresentada pelo §1° do art. 798 do
Código de Processo Penal.
2. DOS FATOS
O Réu foi preso em flagrante por ter, supostamente, cometido vários furtos
eletrônicos, popularmente conhecido como “golpe do PIX”. Dois meses após a prisão,
em audiência de custódia, requereu-se o relaxamento da prisão em flagrante, em
virtude do descumprimento do prazo legal para realização da audiência e por ausência
de requisitos que ensejasse a decretação da prisão preventiva.
Contudo, após parecer ministerial concluindo pela conversão da prisão em
flagrante, o Magistrado entendeu pelo decreto prisional alicerçando sua decisão nos
vários crimes supostamente praticados pelo Réu e, ainda, pela quantia elevada obtida
com o suposto cometimento dos ilícitos.
Posteriormente, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do
Réu, como incurso no tipo penal do art. 155, §4°-B (furto qualificado) c/c art. 154- A
(invasão de dispositivo informático) em concurso material de crimes por 5 (cinco)
vezes, visto que, supostamente, o denunciado teria obtido vantagem econômica em
detrimento de 5 (cinco) vítimas distintas. A denúncia foi aceita em integral consonância
com a denúncia, e em seguida, fora determinada audiência de instrução e julgamento.
Na audiência foi realizada primeiro a oitiva do acusado, depois ouviu-se as
testemunhas de acusação e de defesa, nesta ordem, e por derradeiro a vítima,
desrespeitando cabalmente a forma estabelecida no art. 400 do CPP. Ainda, a defesa
pugnou pela juntadas dos computadores das vítimas, o que foi negado pelo Juiz. Em
seguida, o Ministério Público apresentou memoriais, nos exatos termos do
apresentado na denúncia.
Diante desse cenário, e frente as inúmeras ilegalidades ocorridas durante
toda a instrução, é que se faz necessário a apresentação das presentes alegações com
o objetivo de se evitar uma condenação injusta.
3. PRELIMINARES
3.1. DA INVERSÃO DO RITO NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
Na audiência de instrução e julgamento o magistrado ouviu primeiro o
acusado, em seguida, ouviu as testemunhas de acusação e de defesa, nesta ordem, e
por último, procedeu com a oitiva da vítima.
Na forma do art. 400 do Código de Processo Penal, na audiência de
instrução e julgamento deve-se proceder, inicialmente, com a tomada de declarações
do ofendido, em seguida, com à inquirição das testemunhas de acusação e de defesa,
nesta ordem, em seguida, os esclarecimentos dos peritos, às acareações e o
reconhecimento de pessoas e coisas, e por último, deve ser realizado o interrogatório
do acusado. In verbis:
Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser
realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á
à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta
ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em
seguida, o acusado. 

Logo, conforme determinação legal, o interrogatório do acusado é ato que


deve ser realizado ao final de todo o processo, pois assim, possibilita o correto
exercício da ampla defesa e do contraditório, uma vez que, a esse tempo o réu já
conhece todas as acusações e provas apresentadas contra ele.
Nessa esteira, vejamos a importantíssima decisão do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE
DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DECORRENTE DA INVERSÃO DO MOMENTO DE
REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO. ART. 400 DO CPP.
INSTRUÇÃO JÁ FINALIZADA NA DATA DA PUBLICAÇÃO DO
ACÓRDÃO LAVRADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
SOBRE O TEMA. SEGURANÇA JURÍDICA. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento
do HC n. 127.900/AM, firmou o entendimento de que o rito
descrito no art. 400 do CPP devia ser aplicado inclusive aos
procedimentos previstos na legislação penal militar, eleitoral e
nas leis extravagantes, como a Lei n. 11.343/2006. 5 2. No
entanto, no mencionado julgado, ficou ressalvado que o
entendimento acerca da nulidade da inversão das oitivas não
se aplicaria aos processos já sentenciados em 3/8/2016 (data
do julgamento do HC n. 127.900/AM), em obediência ao
princípio da segurança jurídica. 3. A Terceira Seção desta Corte
Superior, acompanhando a orientação firmada pelo Supremo
Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que "o
interrogatório do acusado é instrumento de defesa, o que, em
uma perspectiva garantista, pautada na observância dos
direitos fundamentais, proporciona máxima efetividade se
realizado ao final da instrução. De fato, a concretização do
interrogatório antes da oitiva de testemunhas e da vítima priva
o acusado de acesso pleno à informação, já que se manifestará
antes da produção de parcela importante de provas. Além
disso, reflete diretamente na eficácia de sua reação e na
possibilidade de influenciar o julgamento, não lhe permitindo
refutar, ao menos diretamente (autodefesa), questões
apresentadas com a oitiva de testemunhas e do ofendido. A
inversão do interrogatório, portanto, promove nítido
enfraquecimento dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, indevido, a meu ver, no
âmbito da persecução penal" (HC 585.942/MT, relator Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
9/12/2020, DJe 14/12/2020). 4. No presente caso, consta que a
sentença condenatória foi prolatada em 20/7/2013, data,
portanto, anterior à estabelecida no mencionado HC n.
127.900/AM, devendose reconhecer a higidez do
procedimento adotado pelas instâncias ordinárias, em razão da
observância do princípio da segurança jurídica. 5. Agravo
regimental desprovido (AgRg no HC 733051 / MG, STJ).

Portanto, é cediço que o interrogatório do acusado deve ser realizado ao


final da audiência de instrução e julgamento depois de ouvido todos os outros sujeitos
do processo.
Logo, diante de flagrante ofensa à ordem preestabelecida no dispositivo
legal supramencionado, restando, portanto, este ato processual, maculado por vício de
forma, requer a nulidade de toda a audiência de instrução e julgamento.
3.2. DO INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS
Ao final das oitivas na audiência de instrução e julgamento a defesa do
acusado pugnou pela juntada dos computadores das vítimas, visto que, reputava ser
extremamente necessário para identificar melhor todo o enredo criminoso e, além
disso, tinha o objetivo de deleitar-se sobre os princípios constitucionais da ampla
defesa e do contraditório. Todavia, o pedido foi indeferido pelo magistrado, em decisão
genérica e carente de fundamentação.
O Código de Processo Penal em seu art. 402 assegura aos sujeitos do
processo o direito de, ao final da audiência de instrução e julgamento, requerer
diligências. Nestes termos:
Art. 402.  Produzidas as provas, ao final da audiência, o
Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o
acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se
origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

Nada obstante, o art. 315 do Código de Processo Penal, preconiza que as


decisões devem ser motivas de forma sistematizadas, sob pena de ser considerada
nula. In verbis:
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão
preventiva será sempre motivada e fundamentada.

(...)

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,


seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato


normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar


o motivo concreto de sua incidência no caso;

Da leitura do §2°, inciso II, do dispositivo supra, podemos inferir que o


magistrado não poderá empregar, em suas decisões, conceitos jurídicos
indeterminados e sem fazer qualquer espécie de subsunção da norma ao fato
submetido a julgamento.
Nesse diapasão, o art. 564, inciso V, a decisão que for carente de
fundamentação deverá ser declarada nula. Senão, vejamos:
Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(...)

V - em decorrência de decisão carente de fundamentação.


Diante disso, frente à flagrante nulidade e ofensa as determinações legais,
requer a nulidade da decisão que indeferiu o requerimento de diligência realizado pela
defesa do acusado.

4. DO MÉRITO
4.1. DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
O Ministério Público imputou ao acusado, de forma equivocada, a prática
do crime tipificado no art. 155, §4°-B do Código Penal, em concurso material com o
tipo penal previsto no art. 154-A também do Código Penal.
Todavia, o chamado “Golpe do Pix”, data vênia, deve ser capitulado nos
moldes do art. 171, §2°-A do Código Penal. In verbis:
Estelionato

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em


prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,
mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Fraude eletrônica

§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e


multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações
fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio
de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio
eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio
fraudulento análogo.

Ora, quando o sujeito ativo da prática delitiva aplica uma fraude e a própria
vítima é quem entrega a vantagem, estaremos diante do crime de estelionato, que se
diferencia do crime de furto eletrônico, pois neste, o agente subtrai o bem sem
qualquer participação, ainda que inconsciente, da vítima.
Diante disso, no caso em tela, não há que se falar em furto eletrônico, uma
vez que de acordo com o narrado pelo órgão ministerial, as próprias vítimas foram
quem realizaram as supostas transações em favor do acusado.
Nada obstante, é imperioso destacar que o crime previsto no art. 154-A, do
Código Penal, com alicerce no princípio da consunção, deve ser absorvido pelo crime
de estelionato eletrônico, visto que tal delito funcionara como crime-meio para a
suposta prática do estelionato, ou seja, para que fosse possível a obtenção da
vantagem econômica, era necessário que antes houvesse a violação de dispositivo
informático.
Com isso, deve ser afastada a tipificação em conjunto, devendo
permanecer apenas o crime patrimonial que, em tese, era o objetivo final do agente.
Nada obstante, para tornar mais clara a questão, vejamos o enunciado n°
17 da Súmula do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais
potencialidade lesiva, é por este absorvido.”

Dessa forma, o acusado deve responder apenas pela suposta prática de


crime de estelionato, e não pelos crimes de furto qualificado em conjunto com o crime
de invasão de dispositivo informático.
4.2. DA CONTINUIDADE DELITIVA
Consoante preconiza o art. 71 do Código Penal, o agente que mediante
mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, nas
mesmas condições de tempo, lugar e execução, estará em continuidade delitiva,
devendo ser aplicada a pena de um só dos crimes aumentada de um sexto a dois
terços. Nestes termos:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-selhe a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada,
em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,


cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o
juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas
as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste
Código.

Ora, consoante o Órgão Ministerial, o acusado praticou a conduta


criminosa contra 5 (cinco) vítimas diferentes, todavia, utilizando-o sempre o mesmo
modus operandi, em um lapso temporal não superior a 30 (trinta) dias.
Em decorrência disso, a ação mais correta seria a aplicação do art. 71 do
Código Penal e não do art. 69 (concurso material), tal como deseja o Ministério Público.
Interpretação conforme o parquet, causaria prejuízo ao agente, visto que teria a soma
das penas dos crimes, nos termos do art. 69.
A continuidade delitiva enseja tratamento mais benéfico ao agente, uma
vez que utiliza o critério da exasperação, no qual, aplica a pena de um só dos crimes
com o respectivo aumento de acordo com a proporção da conduta.
Posto isso, o fato de estarmos diante de vítimas distintas, não é motivo
suficiente para afastar a incidência do benefício legal e, ainda, o período de tempo
entre as ações do acusado não foi superior à 30 (trinta) dias, logo, é plenamente
aplicável ao caso em tela.

5. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer a Vossa Excelência, preliminarmente, o
reconhecimento da nulidade absoluta do feito, em razão da inversão do rito processual
e, ainda, a nulidade da decisão que indeferiu de forma infundada a diligência requerida
pela defesa do acusado. Ademais, pelo princípio da eventualidade, caso não se operem
as nulidades requeridas, que esse juízo, aplique o princípio da consunção e o benefício
da continuidade delitiva, imputando ao réu apenas um crime de estelionato eletrônico
com o aumento de pena previsto no art. 71 do Código Penal.

Aos termos em que, pede deferimento.

Local... Data...
Advogado...
OAB N°...

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