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ADVOCACIA CRIMINAL:
TEMAS ATUAIS
Coordenadores:
GUILHERME SILVA ARAUJO
LUIZ EDUARDO DIAS CARDOSO
RODOLFO MACEDO DO PRADO
Colaboradores:
Ana Paula da Silva Pereira | André Ferreira | Bernardo Lajus dos Santos
Bianca Bez Goulart | Carolina Gevaerd Luiz | Chiavelli Falavigno
Daniel Ivonesio Santos | Diego Nunes | Dirnei Levandowski Xavier
Domingo Montanaro | Eduarda Viscardi da Silveira | Francisco Yukio Hayashi
Guilherme Silva Araujo | Jackson da Silva Leal | Jean Carlos Martins Rodrigues
João Ricardo Pereira Rudniski | Jorge Henrique Goulart Schaefer Martins
Juliana Nercolini Malinverni | Juliano Keller do Valle | Luísa Walter da Rosa
Luis Irapuan Campelo Bessa Neto | Luiz Eduardo dias Cardoso | Marlo Almeida Salvador
Pedro Henrique Monteiro | Raquel Lima Scalcon | Rodolfo Macedo do Prado
Rodrigo Fernando Novelli | Rodrigo Oliveira de Camargo | Rossana Brum Leques
Stefany Adriana de Souza | Vítor Pereira Baratto
Copyright© Tirant lo Blanch Brasil
Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa, Projeto Gráfico e Diagramação: Analu Brettas
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas
e/ou editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se
à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
1. Introdução
A Lei de Segurança Nacional de 1983 (LSN) tem um duplo significado
na história do direito penal brasileiro. De um lado, se olharmos boa parte de seu
conteúdo, especialmente os artigos iniciais, percebemos haver uma ruptura com
a “doutrina de segurança nacional” da Guerra Fria. De outro, se nos atentarmos
ao simbolismo da manutenção da nomenclatura, bem como pela persistência de
determinadas categorias, talvez se esteja para além de uma continuidade semân-
tica.
Tal questão permaneceu olvidada pela pouca relevância teórica e prática
do tema nos últimos tempos. Ao menos após a emanação da lei, promulgação da
Constituição de 1988 e a década de 1990, a questão praticamente sumiu dos de-
bates doutrinários e jurisprudenciais. Nos anos 2000, poucas e destoantes vozes
em casos de ocupações de terra pelo MST no Rio Grande do Sul (2000) e dos
ataques do PCC em São Paulo (2006) levantaram a possibilidade de uso da Lei
nº 7.170/1983.
Na última década, porém, uma série de situações, talvez por conta da po-
larização política crescente a partir do caso Mensalão e da operação Lava Jato,
passaram a serem vistas como possíveis campos de aplicação da LSN. Para citar
alguns de diversos matizes, vejam-se as “greves” da Polícia Militar na Bahia e
72 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
1 KIRSZTAJN, Laura Mastroianni. A Lei de Segurança Nacional no STF: como uma lei da ditadura vive na demo-
cracia? Monografia (Especialização) - Sociedade Brasileira de Direito Público. São Paulo, 2018. Disponível em: http://
www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2019/03/LauraMonografia.pdf. Acesso em: 17 set. 2020.
2 CAMPOREZ, Patrik. Lei de Segurança gera recorde de inquéritos. UOL: Brasília, 25 jul. 2020. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/07/25/lei-de-seguranca-gera-recorde-de-inqueritos.
htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 17 set. 2020.
3 PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. Augusto Aras pede ao STF abertura de inquérito para apurar vio-
lação da Lei de Segurança Nacional. Brasília, 20 abr. 2020. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/
augusto-aras-pede-ao-stf-abertura-de-inquerito-para-apurar-violacao-da-lei-de-seguranca-nacional. Acesso em: 17 set.
2020; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro autoriza abertura de inquérito para investigar atos em
favor do AI-5 e do fechamento de instituições republicanas. Brasília, 21 abr. 2020. Disponível em: http://portal.
stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441751&ori=1. Acesso em: 17 set. 2020; CAMAROTTO,
Murillo; DI CUNTO, Raphael. PGR pede inquérito contra ato que solicitou AI-5; deputados podem ser investiga-
dos. Valor Econômico: Brasília, 20 abr. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/20/
pgr-pede-inqurito-contra-ato-que-pediu-ai-5-deputados-podem-ser-investigados.ghtml. Acesso em: 17 set. 2020.
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4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro divulga íntegra de decisão no inquérito sobre manifestações anti-
democráticas. Brasília, 22 jun. 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idCon-
teudo=446055. Acesso em: 17 set. 2020 e SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro divulga íntegra de decisão
sobre prisão de investigado no inquérito das manifestações antidemocráticas. Brasília, 30 jun. 2020. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446572. Acesso em: 17 set. 2020.
5 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Atividade legislativa: Busca. Brasília, 13 nov. 2021 Disponível em: https://www.
camara.leg.br/busca-portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=data&abaEspecifica=true&fil-
tros=%5B%7B%22descricaoProposicao%22%3A%22Projeto%20de%20Lei%22%7D%5D&q=%22lei%20de%20
segurança%20nacional%22. Acesso em: 17 fev. 2022.
6 NUNES, Diego. Nova Lei Antiterrorismo: questões teóricas e práticas. In: DE BEM, Leonardo Schmitt. (Org.).
Estudos de direito público: aspectos penais e processuais. Vol. 1. Belo Horizonte: D’Placido, 2018, p. 407-413.
7 NUNES, Diego. As iniciativas de reforma à Lei de Segurança Nacional na consolidação da atual democracia brasileira:
da inércia legislativa na defesa do Estado Democrático de Direito à ascensão do terrorismo. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, v. 22, p. 265-305, 2014; WUNDERLICH, Alexandre. Crime Político, Segurança
Nacional e Terrorismo. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020.
8 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei nº 6.764, de 2002. Brasília, 16 abr. 2002. Disponível em: https://
www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=997664EF67AD6AB47FD079E61A2BF9F4.
proposicoesWebExterno1?codteor=32274&filename=Tramitacao-PL+6764/2002. Acesso em: 17 set. 2020.
9 CHOUKR, Fauzi Hassan; FERRAJOLI; Luigi. Entrevista com Luigi Ferrajoli. Canal Ciências Criminais, 26 jun.
2015. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/entrevista-com-luigi-ferrajoli/. Acesso em: 17 set. 2020.
74 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
10 NUNES, Diego; SONTAG, Ricardo. The Restless National Security Acts: the absence of crimes against national secu-
rity in the 1940 Brazilian Penal Code. In: SKINNER, Stephen (Org.). Ideology and Criminal Law: Fascist, National
Socialist and Authoritarian Regimes. 1ed.Oxford: Hart Publishing, 2019, v. 1, p. 321-344. Disponível em: https://
www.academia.edu/39906711/The_Restless_National_Security_Acts_The_Absence_of_Crimes_Against_Nation-
al_Security_in_the_1940_Brazilian_Penal_Code. Acesso em: 17 set. 2020.
11 Por exemplo, OLIVEIRA, Claudio Ladeira de; NUNES, Diego. Em defesa da liberdade de expressão, a Lei de Segu-
rança Nacional pode ser aplicada. Juscatarina: Florianópolis, 03 ago. 2020. Disponível em: https://www.juscatarina.
com.br/2020/08/03/em-defesa-da-liberdade-de-expressao-a-lei-de-seguranca-nacional-pode-ser-aplicada-por-clau-
dio-ladeira-de-oliveira-diego-nunes/. Acesso em: 17 set. 2020.
12 NUNES, Diego. A aplicação da Lei de Segurança Nacional às manifestações antidemocracia. JOTA: São Paulo, 04
mai. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-
-aplicacao-da-lei-de-seguranca-nacional-as-manifestacoes-antidemocracia-04052020. Acesso em: 17 set. 2020.
13 Esta parte do trabalho é fruto da atualização de texto já publicado em: NUNES, Diego. O fim da Lei de Segurança
Nacional? Juscatarina: Florianópolis, 13 set. 2021. Disponível em: https://www.juscatarina.com.br/2021/09/13/o-
-fim-da-lei-de-seguranca-nacional-por-diego-nunes/. Acesso em: 17 set. 2021.
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extravagante. Tal fato, como se sabe, perdurou até a última dessas leis, em 1983,
inclusive com o advento da lei antiterrorismo em 2016.
Passam a ser considerados crimes contra o Estado Democrático de Direito
condutas que atentem contra a soberania nacional, as instituições democráticas
e os serviços essenciais, além de criminalizar condutas contrárias ao correto fun-
cionamento das instituições democráticas durante o processo eleitoral e apresenta
disposições gerais. Enfim, determinadas condutas contra a honra e a paz pública
inseridas nestas seções da codificação.
A sanção, porém, contou com quatro importantes vetos presidenciais, ain-
da passíveis de reversão pelo parlamento. Ao longo do tempo entre a aprovação
parlamentar e a publicação, foram veiculadas várias hipóteses, especialmente no
último dia de prazo. Primeiro, que a nova lei seria aprovada, mas a LSN seria
mantida. Imagine-se a confusão da convivência entre os textos antigo e novo e
a discussão sobre a prevalência de lei penal mais benéfica sobre uma dezena de
tipos penais. Depois, que a nova lei seria integralmente vetada, e apenas a LSN
mantida. Em seguida, que nada seria vetado; para, ao fim, prevalecerem vetos
parciais.
O primeiro veto foi sobre o tipo penal de comunicação enganosa em massa
(Art. 359-O). Apesar de, assim como o Art. 359-N, tratar-se de crime estrita-
mente eleitoral (e, portanto, deveria estar no novo código desta matéria, tam-
bém em pauta no Congresso Nacional, e não nesta lei), não há de se dar razão
ao veto, motivado pelo temor do estabelecimento de um “tribunal da verdade”,
como exposto na mensagem presidencial. O crime busca impedir a promoção
ou o financiamento da disseminação de notórias fake news com tamanho volume
que fosse capaz de ameaçar a confiança no atual modelo de eleições. Do mesmo
modo, não há que se concordar com o raciocínio de que o crime pudesse afugen-
tar o eleitorado do debate político, pois a incriminação não é sobre a discussão
ideológica, mas relativa às regras do jogo democrático, que a precede e é regulado
por um órgão do poder judiciário, o TSE, justamente por tais razões. Sobre as
dúvidas quanto ao momento consumativo do delito, e a possibilidade de verifi-
cá-lo nas modalidades continuada e permanente, também parece não ter guarida
o arrazoado ministerial, haja vista que a modalidade de financiamento é instan-
tânea, verificados os demais requisitos do tipo, que possui fim especial de agir; a
promoção não é do simples compartilhamento, mas a realização de “campanha
ou iniciativa”, que pressupõem atos complexos, como arregimentação de pessoas
76 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
14 Para mais, ver: TANGERINO, Davi. Comunicação enganosa em massa. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o
Estado Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
15 Para mais, ver: BARBOSA, Mario Davi. Ação penal privada subsidiária. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o
Estado Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
16 Para mais, ver: ABRAHAM, Ricardo. Atentado a direito de manifestação. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o
Estado Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
17 Para mais, ver: LUCCHESI, Guilherme Brenner. Aumento de pena. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o Estado
Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
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cometidos por militares (Art. 359-S, III). Nestes dois últimos casos, ainda seria
imposta a perda da posição. Creio valha comentário específico sobre cada uma
das questões.
Na primeira hipótese de aumento de pena, o veto carece de justificativa.
Não há qualquer menção sobre qual razão de interesse público se impõe para a
recusa em aumentar as penas quando da utilização de arma de fogo. Imagina-se
que, preocupada com a argumentação sobre os outros incisos, acabou que se
esqueceram desta; ou, ainda, que simplesmente tenha se adotado a fórmula mais
simples de eliminar todo o artigo. Nenhuma dessas circunstâncias, porém, po-
dem servir de justificação para o poder executivo interferir em decisão soberana
do parlamento. Além de efetivamente ser causa de maior reprovabilidade, in-
clusive de previsão comum em outros delitos do ordenamento jurídico, merecia
maior atenção em sua análise.
Na segunda hipótese também parece ter andado mal a justificação do veto.
Argumentou-se que o aumento de pena e a perda de cargo ou função pública
imporia responsabilização penal objetiva aos agentes públicos. O fato de a nova
lei trazer os crimes contra o estado democrático para o código penal teve a van-
tagem de retirar dúvidas sobre a lógica de sistema. No caso do aumento de pena,
vários crimes ao longo do código impõem maior reprovação a pessoas que, por
sua condição pessoal ou profissional, são sujeitos a maior reprovação. A lógica da
lei foi: os que trabalham para o efetivo funcionamento das instituições democrá-
ticas teriam uma responsabilidade a mais na defesa dessas instituições do que o
cidadão comum. A disposição valeria igualmente para servidores civis de carreira,
comissionados ou agentes políticos, inclusive eleitos, nos termos do art. 327 do
código penal. Do mesmo modo que a disciplina sobre os efeitos da condenação:
a disciplina deles em geral (como a perda de cargo, com hipóteses no art. 92, I)
exige fundamentação em sentença pelo juiz para sua imposição (art. 92, Par. Úni-
co). Portanto, nunca seria aplicada de modo automático. Além do mais, outras
leis trazem dispositivo semelhante, como o crime de tortura.
A terceira hipótese, em linha semelhante, parece não ter sido a melhor
solução. Aqui, porém, a fundamentação tratou da desproporcionalidade entre
o aumento previsto aos funcionários civis (um terço) e aquele para os militares
(metade da pena). A diferenciação parece levar em conta o fato de os militares
estarem sujeitos à hierarquia e disciplina, sendo o cometimento de crime a mais
grave falta a estas diretrizes. O civil, ainda que também tenha um especial dever
de abstenção quanto ao cometimento de tais fatos, não possui o mesmo tipo de
vínculo com o Estado, especialmente com o desenho de Administração Pública
e modelo de serviço público trazidos pela constituição. A discussão sobre o efei-
78 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
18 PR; CR; CF. Por unanimidade, Plenário mantém prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).
Supremo Tribunal Federal: Brasília, 17 fev. 2021, in https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idCon-
teudo=460657&ori=1; PIOVESAN, Eduardo; SIQUEIRA, Caro; TRIBOLI, Pierre. Câmara decide manter prisão do
deputado Daniel Silveira: Foram 364 votos a favor e 130 votos contra. Agência Câmara de Notícias: Brasília, 19 fev.
2021, https://www.camara.leg.br/noticias/729294-camara-decide-manter-prisao-do-deputado-daniel-silveira/. Acesso
em: 17 set. 2021.
19 CALEGARI, Luiza; GOES, Severino. Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, é preso por ordem do ministro Ale-
xandre, do STF. Revista Consultor Jurídico: São Paulo, 13 ago. 2021, https://www.conjur.com.br/2021-ago-13/
alexandre-manda-prender-roberto-jefferson-aliado-bolsonaro. Acesso em: 17 set. 2021.
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A nova lei, que passou a integrar o Código Penal 90 dias após sua publica-
ção, comparada com o antigo texto legal que regulava a matéria, nos faz verificar
o seguinte quadro sucessório:
1. O Art. 8º da LSN passa a ter seu conteúdo regido pelo Art. 359-I do
CP, o crime de “atentado à soberania”;
2. O Art. 11, pelo Art. 359-J, o “atentado à integridade nacional”;
3. Os Art. 13 e 14, pelo Art. 359-K, a “espionagem”;
4. O Art. 15, pelo Art. 359-R, a “sabotagem”;
5. O Art. 17, parte pelo Art. 359-M, o “golpe de Estado”, no que se refere
à ordem e ao regime, e o Art. 359-L, a “abolição violenta do Estado
Democrático de Direito”, no tocante ao estado de direito;
6. O Art. 18, pelo Art. 359-L, a “abolição violenta do Estado Democrá-
tico de Direito”;
7. O Art. 23, II, pelo Art. 286, Parágrafo único; e
8. O Art. 26, pelo Art. 138 e 139 c/c 141, I e II.
Nesse quadro geral, a grande maioria dos delitos teve sua pena reduzida,
seja no tempo mínimo como no tempo máximo. Algumas penas mantiveram-se
iguais em grau mínimo, mas reduzidas no tempo máximo. Apenas dois crimes
passaram a ter penas mais severas com a nova lei: a forma qualificada de espio-
nagem, pela violação de documento secreto (art. 359-K, § 2º), que aumentou
o tempo mínimo; e a abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art.
359-L), que além de aumentar o quantum mínimo e máximo, impõe o concurso
material pelos resultados violentos.
Os demais dispositivos da LSN, entre tipos penais, regras gerais e dispo-
sições processuais, restarão revogados. Importante lembrar que a lei inovou em
dois tipos penais:
1. A “interrupção do processo eleitoral”, Art. 359-N; e
2. A “violência política”, Art. 359-P.
Há, enfim, a cláusula de salvaguarda do Art. 359-T que impede a crimina-
lização da livre manifestação de pensamento individual ou coletiva. Desconside-
ramos a análise dos vetos citados no item anterior.
Assim, portanto, podemos passar a verificar as denúncias de dois casos
recentes de grande repercussão sobre o tema para exemplificar de que modo os
crimes políticos passarão a ser punidos: como ficarão casos como os de Daniel
80 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
20 Para mais, ver: CARDOSO, Rafhaella. Incitação ao crime. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o Estado Demo-
crático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
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21 Para mais, ver: PAULO, Alexandre Ribas de; SILVA, Valine Castaldelli. Crimes contra a honra. NUNES, Diego (org.).
Crimes contra o Estado Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido,
2022.
82 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
22 CUNHA, Rogério Sanches: ARAÚJO, Fábio Roque; COSTA, Klaus Negri. Crimes federais. 6 ed. atual. e ampl.
Salvador: JusPodivm, 2022, p. 43ss.
23 NUNES, Diego. Extradition and Political Crimes in the ‘International Fight against Crime’: Western Europe and
Latin America, 1833-1933. HÄRTER; Karl; HANNAPPEL, Tina; TYRICHTER, Jean Conrad. (Org.). The Trans-
nationalisation of Criminal Law in the Nineteenth and Twentieth Century: Political Crime, Police Cooperation,
Security Regimes and Normative Orders. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2019, p. 41-64.
24 NUNES, Diego. “Excluido, no caso, qualquer intuito de regeneração, por não se tratar de réu degenerado”: a interpre-
tação do sursis e da liberdade condicional aos criminosos políticos pelo Tribunal de Segurança Nacional (1935-1945).
Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 25, v. 131, maio, 2017, p. 117-143. Disponível em: https://www.
academia.edu/37995656/_Excluido_no_caso_qualquer_intuito_de_regeneração_por_não_se_tratar_de_réu_dege-
nerado_a_interpretação_do_sursis_e_da_liberdade_condicional_aos_criminosos_pol%C3%ADticos_pelo_Tribu-
nal_de_Segurança_Nacional_1935_1945_. Acesso em: 17 set. 2021.
25 NUNES, Diego. Legislação penal e repressão política no Estado Novo: uma análise a partir de julgamentos do Tribu-
nal de Segurança Nacional (1936-1945). Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 30, p. 126-143, 2017. Disponível
em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/837. Acesso em: 17 set. 2021.
84 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
26 NUNES, Diego. Espulsione ed estradizione come mezzi di rafforzamento del penale in Brasile dall’Impero alla Re-
pubblica. Italian Review of Legal History: Milão, v. 5, 2020, p. 526-557, Disponível em: https://www.academia.
edu/42644658/Espulsione_ed_estradizione_come_mezzi_di_rafforzamento_del_penale_in_Brasile_dall_Impero_
alla_Repubblica. Acesso em: 17 set. 2021.
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27 NUNES, Diego. ‘Exceções à exceção’. DAL RI JR., Arno (org.). Pensamento jurídico e dimensão internacional:
Experiências históricas e itinerários conceituais entre os séculos XIX e XX, 2011, Florianópolis. Anais Encontro de
História do Direito da UFSC. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. Disponível em: https://iuscommune.paginas.
ufsc.br/anais-de-evento/. Acesso em: 17 set. 2021.
28 DAL RI JR., Arno (org.). Soberania, terrorismo, extradição: Itinerários e construções históricos sob a perspectiva de
uma visão multidisciplinar, 2012, Florianópolis. Anais Encontro de História do Direito da UFSC. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2012. Disponível em: https://iuscommune.paginas.ufsc.br/anais-de-evento/. Acesso em: 17 set.
2021.
29 SOBRAL PINTO, Heráclito Fontoura. Por que defendo os comunistas. Belo Horizonte: Comunicação, 1979;
DULLES, John W. F. Sobral Pinto: a consciência do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
86 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
30 O recurso ordinário criminal, previsto no art. 102, II, b, da Constituição Federal, como já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal, “tem a natureza de apelação, da mesma forma como são elas julgadas pelos Tribunais de Justiça, pelos
Tribunais Regionais Federais [...]”. (RC no 1.468, Pleno, Relator para o acordão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de
16/8/2000). Ou seja, não cabe apelação aos TRFs em caso de crime político.
DIEGO NUNES | 87
5. Conclusão
31 Para mais, ver: CARDOSO, Luiz Eduardo Dias. Isenção do crime. NUNES, Diego (org.). Crimes contra o Estado
Democrático de Direito: comentários à Lei nº 14.197/2021. Belo Horizonte: DPlácido, 2022.
88 | VI. O FIM DA (LEI DE) SEGURANÇA NACIONAL? DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS NOVOS CRIMES CONTRA O ESTADO [...]
Certamente, a melhor saída para a Lei nº 7.170, de 1983 era uma refor-
ma ou a emanação de um novo texto. A Lei nº 14.197/2021, mesmo com as
limitações acima listadas, é um passo avante diante dos desafios deste momento
histórico. Enfim, com os crimes na codificação ganha-se com a lógica de sistema
e a isonomia de sua aplicação aos crimes comuns, ressalvadas as benesses consti-
tucionais e legais aos criminosos políticos, já descritas em detalhe. Claro, sempre
se poderá avançar em matéria de salvaguarda das instituições democráticas.
Diante do exposto, vê-se que os crimes contra o Estado Democrático de
Direito são um tema que comporta a análise de múltiplos aspectos, seja em abs-
trato como em concreto. Nos casos práticos que citei, busquei demonstrar que a
nova lei pode ser cabível, em continuidade normativo-típica, em casos flagrantes
de ações concretas contra a existência do Estado e da ordem constitucional vigen-
te. As manifestações contra as instituições dos poderes Judiciário e Legislativo,
sua incitação por vias digitais, bem como de um uso irregular das Forças Arma-
das, tudo mediante organização prévia, são atos que merecem reprovabilidade da
lei penal como forma de tutela do regime democrático.
É verdade que vários conceitos presentes na LSN e agora transpostos para
o Código Penal são de difícil determinação, podendo entrar em rota de colisão
com a proteção das instituições democráticas e das liberdades civis e políticas da
sociedade, se interpretados de forma antidemocrática. Ainda assim, o balanço
parece ser positivo, ao contrário do que aduzem alguns autores32. Uma série de
dispositivos, especialmente aqueles que dizem respeito à “segurança externa” do
Estado, como espionagem e desintegração do território continuam a merecer a
proteção justamente por atenderem à lógica do direito penal como ultima ratio.
Tais delitos, assim como os com os presentes na LSN sob a égide da Constituição
de 1988, somente devem ser aplicáveis de acordo com o princípio da subsidiarie-
dade. Os próprios limites impostos pelo código, dado o estabelecimento do bem
jurídico tutelado, exigem o fim especial de agir contra o ordenamento constitu-
cional e a lesividade ao Estado Democrático de Direito, funcionando como freios
contra arbitrariedades.
Quanto aos vetos à Lei nº 14.197/2021, entendo que não devam prospe-
rar, posto que a ausência deles, de forma indireta, fomenta a permanência latente
da doutrina de segurança nacional ou, ao menos, um protecionismo aos militares
das forças armadas e das polícias incompatível com o estado democrático de
direito.
32 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: artigos 213 a 361 do Código Penal. V. 3. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2022,
p. 941.
DIEGO NUNES | 89
No que tange à sucessão de leis penais no tempo, vê-se que os novos cri-
mes contra o Estado Democrático de Direito frente aos tipos penais da Lei de
Segurança Nacional foram um ganho. A tutela jurídico-penal oferecida pelos
acréscimos à codificação não se pautou nem por uma lógica de exceção, com
penas desproporcionais (ao contrário: como visto, em geral diminuíram), nem
por uma lógica de ocasião, tratando o tema de forma imediatista (o que em geral
parece correto, dada a diminuição de tipos penais).
E, afinal, concluímos que os “crimes contra o estado democrático de di-
reito” são crimes políticos, porque implicam na efetivação dos princípios cons-
titucionais e doutrinários de direito penal, que implicam numa postura favor
rei. Todas essas questões, tanto de natureza jurídica como de competência para
julgamento dos delitos da Lei nº 14.197/2021, como se pode imaginar, serão
fruto de intenso debate quando chegarem aos tribunais, que deverão meditar
profundamente, seja em conflitos positivos ou negativos de competência, bem
como na concessão de benefícios na aplicação e execução da pena, e ainda nos
processos de extradição.
Portanto, o advento da Lei nº 14.197/2021 se trata de debate fundamental
que deve ser construído com argumentos sólidos. Heleno Fragoso já profetizara
o avanço que a LSN/1983 representava contra os abusos do regime autoritário.
Este progresso foi apenas a primeira parte de uma longa jornada, que esperamos
nossa geração tenha resolvido com a nova regulação dos crimes contra o estado
democrático de direito: “Essa nova lei, no entanto, está longe de constituir uma
solução definitiva em nosso direito, no que tange aos crimes políticos […] Demos
agora, com a nova lei, um passo largo. Temos que prosseguir na caminhada”33.
33 FRAGOSO, Heleno Cláudio. A nova lei de segurança nacional. Revista de Direito Penal de Criminologia, Rio de
Janeiro, n. 35, jan.-jun, p. 60-69, 1983. Disponível em: http://www.fragoso. com.br/wp-content/uploads/2017/10/
20171002195930-nova_lei_seguranca _nacional.pdf. Acesso em: 17 set. 2020.