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PESQUISADOR DA UFF ESCLARECE AS MOTIVAÇÕES HISTÓRICAS DA GUERRA ENTRE RÚSSIA E UCRÂNIA

Pesquisador da UFF
esclarece as motivações
históricas da guerra entre
Rússia e Ucrânia
FEV Escrito por Assessoria de I...
24
2022
Crédito da fotografia: Pixabay
Na madrugada dessa quinta-feira, 24 de fevereiro, o presidente
Vladimir Putin anunciou a inauguração de uma operação militar
na Ucrânia. Tropas russas invadiram as fronteiras em diferentes
direções e explosões foram ouvidas em várias cidades, incluindo
a capital Kiev. O evento se sucede após muitas semanas de
tensão e ameaças de invasão por parte da Rússia. Apesar de o
confronto armado ter se iniciado hoje, as desavenças entre os
países são antigas e têm décadas de desdobramentos.

Com o intuito de fornecer informações precisas e embasadas


historicamente sobre o atual conflito, potencialmente de
grandes dimensões, envolvendo esses e outros países, e
promover reflexões que possam auxiliar as pessoas a lidar com
esse momento, compartilhamos uma conversa que tivemos com
o professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (INEST)
e pesquisador da Universidade de Harvard Vitelio Brustolin.

Desenvolvendo pesquisas nas áreas de defesa nacional, direito


internacional, nações unidas, governança global e análise de
guerra, entre outras temáticas afins, Vitelio elaborou uma
análise sobre a situação de confronto armado que se instalou
entre a Ucrânia e a Rússia. Acompanhe, abaixo, o resultado dessa
troca, que aconteceu ao longo de toda a última semana, em
compasso com os acontecimentos que se sucederam no mundo.

(JORNALISMO) Você poderia contextualizar historicamente o


que levou a esse cenário atual de guerra entre a Rússia e a
Ucrânia?
Em 1954, o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev
transferiu a Península da Crimeia da Rússia para a Ucrânia.
Ambas as repúblicas faziam parte da União Soviética e
respondiam perante o governo de Moscou. Contudo, em agosto
de 1991, a Ucrânia se tornou um país independente, pouco antes
da dissolução da União Soviética, ocorrida em dezembro de 1991.
Apesar disso, a Ucrânia é vista pela Rússia como parte de sua
esfera de influência. Essa visão russa segue uma versão
modernizada da Doutrina Brejnev sobre “soberania limitada”,
que postula que a soberania da Ucrânia não pode ser maior que
aquela que existia durante o Pacto de Varsóvia – que era a
organização internacional que fazia frente à Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Guerra Fria.

Após a dissolução da União Soviética, em 1991, Ucrânia e Rússia


continuaram a manter laços estreitos durante décadas. A relação
de confiança era tanta que, em 1994, através do Memorando de
Budapeste, a Ucrânia se desfez do seu arsenal nuclear, com a
concordância da Rússia, dos Estados Unidos e do Reino Unido,
que se comprometeram a garantir a segurança ucraniana contra
ameaças à sua integridade territorial ou à sua independência
política. O acordo foi além: em 1999, a Rússia foi uma das
signatárias da Carta para a Segurança Europeia, na qual
“reafirmou o direito inerente de cada Estado participante de ser
livre para escolher ou alterar seus acordos de segurança,
incluindo tratados de aliança”.

Outro ponto de acordo entre Rússia e Ucrânia foi a divisão da


frota do Mar Negro. A Ucrânia concordou em autorizar o uso de
várias instalações navais, incluindo as do Porto de Sevastopol,
na Crimeia, para que a frota russa do Mar Negro pudesse
continuar localizada lá, juntamente com as forças navais
ucranianas e conectando-se com a frota do Mar de Azov. É
importante destacar a importância geopolítica daquela área, por
ser um acesso da Rússia às águas quentes (ou seja, navegáveis
durante o ano todo). O Mar Negro dá acesso ao Mar
Mediterrâneo via Istambul.

No entanto, ao longo da década de 1990, Rússia e Ucrânia


passaram a ter atritos em razão de disputas em torno de gás
natural. Esses atritos se transformaram em confrontos sérios,
atravessando a década de 2000. A Rússia ficou abalada com a
chamada “Revolução Laranja”, que ocorreu na Ucrânia, em 2004,
na qual Viktor Yushchenko foi eleito presidente, em vez do
candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych. Além disso, a Ucrânia
passou a cooperar mais com a Otan, destacando o terceiro maior
contingente de tropas para o Iraque em 2004, além de enviar
forças de manutenção da paz às missões da Otan no Afeganistão
e em Kosovo.

(JORNALISMO): Você poderia detalhar como foi a atuação da


OTAN nesse conflito?

Primeiramente, essa organização internacional foi criada em


1949, apresentando o seu principal objetivo no Art. 5º do
Tratado: “os aliados concordaram que um ataque armado contra
um ou mais deles será considerado um ataque contra todos eles”.
Como resposta, em 1955, a então União Soviética criou uma
organização internacional rival, o Pacto de Varsóvia, que foi
extinto em 1991, com a dissolução soviética. Pois bem, em 1990,
o então presidente dos EUA George Bush prometeu ao líder
russo Mikhail Gorbachev que a Otan não “se moveria nem uma
polegada para o leste” além da Alemanha, se esse país fosse
unificado. Essa foi uma promessa verbal e ela foi descumprida.
Esse descumprimento ocorre, em boa medida, porque tanto a
Otan quanto a Rússia têm objetivos expansionistas.

O primeiro alerta vermelho para o Leste Europeu aconteceu em


1994. A União Soviética já estava dissolvida e a República da
Chechênia queria independência, mas a Rússia não concordou.
Tinha, assim, início a primeira Guerra da Chechênia, que
perdurou de dezembro de 1994 a agosto de 1996. Mais de 50 mil
civis foram mortos. A questão é que, neste caso, a Rússia não
concordou em aplicar o princípio da “autodeterminação dos
povos”, da qual, no entanto, ela se utiliza na anexação da
Crimeia.

A Primeira Guerra da Chechênia foi determinante para que


países do Leste Europeu e a Otan se aproximassem. As
negociações para adesão da República Tcheca, Hungria e Polônia
à Otan começaram em 1997 e se concretizaram em 1999, quando
esses três países aderiram à organização. Em 1999, teve início a
Segunda Guerra da Chechênia, que perdurou até 2009, se
estendendo por dez anos. Por sua vez, de 2004 a 2009, foi a vez
de Eslováquia, Bulgária e Romênia, todos países do Leste,
aderirem à Otan. Além disso, durante esse período também
ocorreu a adesão de três ex-repúblicas soviéticas: Estônia,
Letônia e Lituânia.

É claro que essa junção desagradou a Rússia, que já estava


insatisfeita com a Ucrânia, uma vez que não havia renovado a
autorização para uso das instalações navais na Crimeia, fazendo
com que as tropas russas tivessem que deixar a região até 2017.
Contudo, em 2010, um presidente pró-Rússia, Viktor
Yanukovych, foi eleito na Ucrânia. Ele assinou um novo acordo
que permitia a presença das tropas russas na região, além de
autorizar o treinamento de militares na península de Kerch. Isso
foi apontado como inconstitucional, já que a Constituição da
Ucrânia desautoriza tropas estrangeiras permanentes no país
após a expiração do Tratado de Sevastopol.

A insatisfação inicial na Ucrânia foi ressonante, mas aumentou


em setembro de 2013, quando a Rússia advertiu que se a Ucrânia
avançasse com um acordo de livre comércio com a União
Europeia, “enfrentaria uma catástrofe financeira” e
“possivelmente o colapso do Estado”. Diante disso, Yanukovych
recuou e se recusou a assinar o tratado com a União Europeia,
refutando uma negociação que estava sendo feita há anos e que
ele mesmo havia aprovado anteriormente.

Essa decisão do então presidente ucraniano de suspender a


assinatura do Acordo entre União Europeia e Ucrânia,
escolhendo, em vez disso, estreitar laços com a Rússia e a com
União Econômica Eurasiática, levou multidões às ruas da
Ucrânia para protestar no evento que foi inicialmente chamado
de “Euromaidan”. Os protestos duraram três meses, de 21 de
novembro de 2013 a 23 de fevereiro de 2014 e culminaram no
impeachment de Yanukovych, enquanto ele fugia para a Rússia.

Para aumentar o aparelhamento de milícias ucranianas pró-


Rússia, o país aproveitou esse momento. Além disso, enviou
soldados sem identificação russa para a Ucrânia, ocupando,
sobretudo, a região da Crimeia - a mais rica da Ucrânia -, mas
também ocupando parte da região de Donbas. A decisão da
Rússia de invadir a Península da Crimeia foi tomada em 20 de
fevereiro de 2014. Tropas e forças especiais se deslocaram para a
Península através de Novorossiysk. Em 27 de fevereiro, forças
russas sem identificação e insígnias começaram a tomar o
controle da Crimeia.

Foram essas tropas que capturaram o Parlamento da Península.


A anexação foi concluída em 18 de março de 2014. Atualmente a
Ucrânia considera que a Crimeia está ocupada pelos militares
russos, mas não reconhece a perda do território. Além disso,
move uma ação na Corte Internacional de Justiça (o Tribunal da
ONU) contra a Rússia, acusando-a de financiamento ao
terrorismo e discriminação racial.

Uma questão que sempre ouço é: por que os soldados russos que
tomaram a Crimeia não usavam identificação russa, nem os
carros de combate e equipamento que utilizaram eram
identificados? A resposta é que Vladmir Putin estava se
esquivando do Direito Internacional nesse caso. Guerras de
anexação são proibidas pela Carta das Nações Unidas (que é o
tratado de criação da ONU). Na verdade, conflitos com o uso da
força deveriam ser autorizados pelo Conselho de Segurança, do
qual a própria Rússia e os Estados Unidos são membros
permanentes. Esse conflito não foi autorizado e a Rússia nega
que tenha enviado militares para lá.

Cabe ainda mencionar que, no caso da Crimeia, o governo russo


defende o princípio da “autodeterminação dos povos”, ao
contrário do que fez nas duas guerras contra a República da
Chechênia. A anexação da Crimeia é a maior tomada de
território na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Tecnicamente, portanto, desde 20 de fevereiro de 2014, está
ocorrendo a Guerra Russo-Ucraniana. Os números variam, mas
estima-se que as baixas se aproximem de 16 mil até o momento.
Além da Crimeia, a Rússia também ocupou a vila de Strilkove e
passou a controlar  a região de Donbas oriental.

(JORNALISMO): Como o mundo reagiu às ações levadas a cabo


pela Rússia?

A Rússia recebeu sanções de diversos países, incluindo uma


proibição total das importações de alimentos por parte da
Austrália, Canadá, Noruega, Estados Unidos e União Europeia.
Essas sanções contribuíram para o colapso do Rublo russo, que
passou a ser desvalorizado no câmbio internacional, e para a
crise financeira que tomou o país na sequência. Além disso,
causaram danos econômicos a vários países da União Europeia,
com perdas totais estimadas em 100 bilhões de euros.

Embora a anexação da Crimeia tenha feito a popularidade de


Putin disparar de 60% para 80% dentro da Rússia em 2014, a
aprovação do presidente passou a cair devido aos efeitos
econômicos das sanções. Putin passou a acusar os Estados
Unidos de conspirar com a Arábia Saudita para diminuir o preço
do petróleo, a fim de enfraquecer internacionalmente a
economia russa. Em 2018, após o anúncio da reforma
previdenciária, aumentando a idade de aposentadoria, a
popularidade de Putin voltou a cair para cerca de 64%.

O conflito, no entanto, permaneceu em aberto e está claro que


também há razões de política e economia internas para Putin
escalar a guerra na Ucrânia. Em março de 2021 a Rússia passou a
enviar milhares de soldados e armamentos para a fronteira com
a Ucrânia. O número de militares russos em operação na região
ultrapassou 175 mil. Teve início um novo momento da guerra
iniciada em 2014.

Putin exige que a Ucrânia não ingresse jamais na Otan. Além


disso, exige que a Otan exclua os membros que ingressaram após
1997. Por fim, exige a retirada das tropas e do material bélico da
Otan na Europa Oriental. A Otan rejeitou as exigências. Por sua
vez, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não recua do
ingresso de seu país na Organização. “A entrada [na Otan]
garantiria a nossa segurança”, afirma Zelensky, ressaltando que
“a segurança da Ucrânia é a segurança da Europa”. A Ucrânia
também busca ingressar na União Europeia.

Putin reconheceu a soberania de Donetsk e Luhansk, duas


regiões no leste ucraniano que são controladas por separatistas
pró-Rússia. Além disso, enviou militares para a região sob o
pretexto de pacificar a área. Esses atos do governo russo foram
considerados uma violação do direito internacional por diversos
líderes internacionais, como Joe Biden (EUA), Boris Johnson
(Reino Unido), Emmanuel Macron (França), Ursula von der
Leyen (Comissão Europeia) e António Guterres (ONU), entre
outros. Isso porque implica uma violação unilateral dos
compromissos internacionais da Rússia nos acordos de Minsk e
um ataque à soberania da Ucrânia.

A despeito disso, a Rússia prosseguiu com as ações e invadiu a


Ucrânia. Isso começou com um ataque padrão: primeiro, ataques
cibernéticos ao Comando & Controle ucraniano. Em seguida,
mísseis e a neutralização de sistemas de defesa antiaérea, bem
como, a infraestrutura de bases militares. Em seguida, tropas.
Pelo menos dez cidades foram bombardeadas, incluindo a
capital, Kiev. A terceira fase tem apoio naval, mas é quase
totalmente terrestre – infantaria mecanizada e helicópteros de
ataque tomam as principais linhas de comunicação. Na
sequência, tropas aeromóveis e mecanizadas ocupam pontos
estratégicos do território ucraniano, já completamente invadido.
Um padrão semelhante ao adotado pela Rússia na Geórgia em
2008, porém atualizado e adaptado. Putin está determinado a
derrubar o presidente ucraniano Zelensky.

Como retaliação imediata, a Otan e seus aliados estão impondo


um pacote maciço de sanções econômicas destinadas a
enfraquecer a economia russa. Além disso, os Estados Unidos
estão enviando ainda mais tropas para o Leste Europeu. Mais de
44 milhões de pessoas vivem na Ucrânia. Uma escalada na guerra
pode desencadear a maior crise migratória desde a Segunda
Guerra Mundial.

(JORNALISMO) Como você avalia as perspectivas de essa


conjuntura se desdobrar em uma tão temida terceira guerra
mundial?

É improvável que cheguemos a tanto neste conflito. No fim das


contas, o que pode realmente evitar uma escalada maior da
guerra é a dissuasão, ou seja, a negação do uso da força devido à
provável resposta bélica do oponente. É uma questão racional: o
que se tem a perder pode ultrapassar a expectativa do que se tem
a ganhar. Veja que o próprio Putin questiona como os Estados
Unidos reagiriam se a Rússia instalasse mísseis nas fronteiras do
Canadá ou do México.

De fato, já houve na história um episódio similar: na crise dos


mísseis de 1962, a então União Soviética estava implantando
mísseis em Cuba, a uma distância de apenas 145 quilômetros do
litoral da Flórida. A proximidade do armamento colocava em
risco a capacidade dos Estados Unidos de usar as baterias
antiaéreas, porque não haveria tempo suficiente para conter
eventuais ataques. Isso colocava em risco boa parte do território
dos EUA e poderia potencialmente causar a morte de 100
milhões de estadunidenses. Seguindo os termos do acordo
firmado entre John F. Kennedy, então presidente dos Estados
Unidos, e o líder soviético Nikita Kruschev, os mísseis foram
retirados de Cuba, com a garantia secreta de que os EUA
retirariam os seus próprios mísseis da Turquia e da Itália, que
alegadamente estavam próximos a se tornar obsoletos.

A contextualização da crise dos mísseis de Cuba (16 a 28 de


outubro de 1962) ajuda na constatação de que a localização e a
operacionalidade do armamento devem ser consideradas
juntamente com a quantidade dos arsenais. Nunca estivemos tão
próximos da Terceira Guerra Mundial quanto naqueles 13 dias de
impasse. Neste momento, uma das exigências de Putin é de que
a Otan retire tropas e material bélico da Europa Oriental. Putin
também quer que sejam interrompidas as atividades militares da
Otan em países vizinhos, da Europa Oriental ao Cáucaso e à Ásia
Central.

Ao atacar a Ucrânia, Putin ameaçou que: “quem interferir levará


a consequências nunca antes experimentadas na história”. Ele
também afirmou que "todas as decisões já foram tomadas e que
os russos precisam se preparar para mudanças". Por outro lado, o
Secretário Geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que o "brutal
ato de guerra" russo destruiu a paz no continente europeu, pois
a aliança liderada pelos EUA mobilizou mais tropas para se
deslocarem em direção à Europa Oriental.

(JORNALISMO) Caso uma grande guerra viesse a acontecer,


como você avalia o potencial uso das armas atômicas?

Embora Putin tenha admitido posicionar armas nucleares em


Belarus contra a Otan, uma guerra nuclear nesse conflito é
altamente improvável. Uma guerra convencional entre estados
específicos, no entanto, já está acontecendo. A estratégia para
uma guerra atômica tem diferenças importantes em relação à
estratégia convencional. Isso porque, no primeiro ataque, é
preciso destruir ao máximo a capacidade do oponente de contra-
atacar. Ou seja: quem desfere um ataque nuclear precisa
eliminar os locais de lançamento de mísseis de contra-ataque;
caso contrário, os dois lados serão alvejados e poderão se
destruir mutuamente.

A questão é que muitas armas não estão em terra, mas em


submarinos nucleares cuja localização é incerta. Por isso, os
submarinos – sobretudo os nucleares, que têm maior
autonomia, são maiores e mais silenciosos do que os
convencionais – são armas tão estratégicas: ao mapear o
território do oponente e de aliados em busca de locais de
lançamento de armas nucleares, é muito difícil determinar em
que local do planeta estão os submarinos.

Além disso, há diversos riscos que afastam a possibilidade de


uma guerra nuclear: primeiramente, o risco de destruição
mútua, ou de perdas consideráveis de cidades inteiras e milhões
de habitantes; segundo, o risco de se prejudicar o mundo todo,
gerando um potencial inverno nuclear e perdendo-se muito mais
que se ganharia com a guerra; terceiro, o risco de se vencer a
guerra e se conquistar um território inútil devido à radiação.
Veja, a guerra também é regida pela racionalidade. Destruir o
planeta seria irracional e ruim para todos. Enfim, se de fato
houver o uso da força, é provável que seja por meio de guerra
não atômica.

(JORNALISMO) Como o Brasil se localiza em meio a essas


conjunturas de forças? Quais alianças das quais participa?

O Brasil e outros países tentam, há anos, promover uma reforma


na ONU que aumente a quantidade de assentos permanentes no
Conselho de Segurança. No caso brasileiro, almejamos que um
desses assentos permanentes seja nosso. Como essa reforma
dificilmente será feita, pois quem tem poder não quer abrir mão
dele e nem o compartilhar, o Brasil é atualmente um membro
eleito do Conselho, com outros nove países. O mandato é
temporário e não há direito de veto. Quanto ao conflito Rússia-
Ucrânia, nosso país tem muito mais a perder do que a ganhar.

Observando tudo com atenção, mas já tendo declarado apoio à


Rússia, está a China, que é um ator muito poderoso nesse
reaquecimento da Guerra Fria. Note que o Ministério das
Relações Exteriores da China recusa as sanções contra a Rússia
por considerá-las ineficazes, além de advertir que "tais medidas
poderiam ter efeitos mais amplos sobre os interesses de
Pequim." O Brasil é um dos membros do BRICS (juntamente com
a Rússia, Índia, China e África do Sul), mas esse é um grupo
informal e não tem foco na área de defesa. Cabe ainda destacar
que durante o governo Trump, nós abrimos mão do status de
“país em desenvolvimento” na Organização Mundial do
Comércio (OMC) para, em troca, nos tornarmos um aliado
preferencial extra-Otan dos Estados Unidos. Contudo, foi
mantida e executada a visita presidencial à Rússia, que acabou
sendo criticada pelos Estados Unidos.

(JORNALISMO) Quais pactos atualmente em vigor e


organizações ativas que podem funcionar como uma contenção
para evitar essa e outras guerras?

Na teoria, nenhum país que aderiu às Nações Unidas pode ir à


guerra sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU.
Logo, se formos considerar que o principal objetivo da ONU é
manter a paz, o seu órgão mais importante é o Conselho de
Segurança. Os cinco principais países que saíram vitoriosos da
Segunda Guerra Mundial têm assentos permanentes no
Conselho de Segurança: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido,
França e China. Esses cinco também têm direito de veto. Ou seja:
se algum deles se opuser a alguma ação, ela não poderá
acontecer. Isso paralisou o Conselho de Segurança durante
décadas, sobretudo durante a Guerra Fria, pois os Estados
Unidos e a então União Soviética não entravam em acordo. O
mesmo ocorre agora, na questão da Ucrânia.

Em outras palavras, a soberania da Ucrânia deveria ser defendida


por alguns dos países que estão neste conflito. Essa paralisia do
Conselho deu mais espaço moral para a Assembleia Geral da
ONU, que passou a fazer recomendações para o Conselho de
Segurança, mas sem poder de fato nessa área. A Assembleia
reúne atualmente os 193 países membros – praticamente todos
os países do mundo, inclusive alguns que tiveram conflitos
recentes com vizinhos, como Coreia do Norte e Irã.

Paralelamente à ONU, desenvolvemos o Direito Internacional


para tentar prevenir as guerras. Um tratado importante, por
exemplo, é o de “Não Proliferação de Armas Nucleares”, que
entrou em vigor em 1970. Ainda assim, as guerras continuam
existindo. O maior teórico dos Estudos Estratégicos, Carl von
Clausewitz, afirma que a essência da guerra “é um ato de força
para submeter o oponente à nossa vontade”. Chega-se a um
ponto da política – da diplomacia – em que as negociações não
avançam e não há acordo.

Há também alguns tratados que poderiam ajudar a amenizar o


conflito atual, mas eles foram sendo abandonados. Um deles é o
Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, do qual os Estados Unidos
se retiraram em 2001, durante a administração de George Bush.
Como resposta, Putin, que está no poder desde 1999, ordenou
um aumento das capacidades nucleares da Rússia. Buscando um
reequilíbrio, em 2002, Estados Unidos e Rússia assinaram o
Tratado de Reduções da Ofensiva Estratégica. Este tratado
determina a redução das ogivas nucleares estratégicas
implantadas, mas não tem qualquer mecanismo de aplicação.

Isso tudo não quer dizer que estaríamos melhor sem a ONU, sem
o Direito Internacional. Embora nem as organizações
internacionais e nem o Direito Internacional sejam eficazes em
prevenir as guerras, o mundo é notoriamente melhor com eles
do que sem.

Autor: 
Fernanda Cupolillo

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