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Análise Geopolítica da Situação Ucrânia vs.

Rússia

Por Ricardo Kelvin e Victor Issa.

A Rússia considera que o ocidente, mais especificamente Estados Unidos e


países relevantes da União Europeia, por preconceito e por se tratar de uma
estratégia dos Estados Unidos contra ela, todas as suas tentativas de
aproximação e diplomacia foram deliberadamente frustradas. Associado a
isso, para eles, a expansão da Otan após o acordo não redigido feito entre
eles e os Estados Unidos em decorrência do fim da União Soviética é
sentido como a confirmação da inimizade e do potencial de risco para a
integridade da Federação Russa. Também existe um sentimento de
abandono pelo fato de o Ocidente ter não ter ajudado na transição para
democracia e, as ações relativamente irresponsáveis do ocidente nesse
período terem aumentado a catástrofe do colapso em conjunto com as elites
que surgiram no país. Aparentemente, o que eles queriam era um processo
parecido com o ocorrido na Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra.

Os Estados Unidos, na minha visão, tendo a necessidade da existência de


um antagonista para justificar a manutenção da sua presença ostensiva pelo
planeta e da sua influência sobre as questões na Europa, para manter o
bloco vital da sua soberania, realmente falhou em ajudar a transição para
uma democracia de economia de mercado e assim deixou espaço para que a
Rússia entrasse em caos social completo até o surgimento da figura
centralizadora do presidente Vladmir Putin. Putin alega ter tentado sem
sucesso a aproximação.

Putin, também na minha visão, apesar de dizer que caiu na cadeira de


presidente sem ter pretensão para tal, se aproveitou bem da situação russa
na época de sua ascensão e, sendo um bom agente da extinta KGB com
experiência em cenários de crise geral por ter atuado na Alemanha Oriental
durante seu período ativo conseguiu construir um sistema político híbrido
em torno de si próprio. O que ele criou, para mim, é uma mistura de
monarquia parlamentarista com pinceladas de absolutismo e democracia
apoiado pela Igreja Ortodoxa, que tinha sido perseguida pela administração
da URSS, onde ele vai variando para qual lado o personagem dele está
mais propenso de acordo com o que ele quer e acha correto.

Isso permitiu que ele “domasse” as oligarquias recém surgidas e também


controlasse a população russa que não conheceu democracia em toda sua
história, afinal ele foi eleito na sua primeira disputa e possivelmente
também na segunda. Hoje ele ainda conta com um apoio baixo/médio nas
regiões mais densamente habitadas e um grande apoio nas regiões isoladas.
Também é de grande ajuda para sua manutenção no poder, o fato de a
Rússia ser constituída por mais de 20 republicas além de suas próprias
províncias e ele controlar quem governa essas republicas e províncias.
Pode-se dizer que Vladmir Putin é uma espécie de Czar moderno.

A situação com a Ucrânia se dá além desse cenário, em um contexto


histórico onde ela é a “Mãe” da Rússia, pois foi lá que tudo sobre e para a
Rússia começou. Os primeiros russos são na verdade ucranianos e sua sede
era Kiev, hoje capital somente da Ucrânia, que foi um dia capital de todo o
Império Russo até a mudança do governo para as regiões onde hoje ficam
São Petersburgo e Moscou.

Tendo isso em vista, para o presidente Putin, que inclusive tem como seu
primeiro nome, o nome de um herói nacional, e há quem diga que ele
carrega esse complexo de salvador da pátria, ucranianos e russos são um só
povo, sendo inconcebível seu afastamento por influências externas. Para
além disso, o território ucraniano divide com o russo uma fronteira de mais
de 2.000 quilômetros muito próxima à Moscou, onde poderiam, se
aprovada a entrada da Ucrânia na Aliança ocidental, ser armazenadas e
operadas armas capazes de tornar as defesas russas ineficazes devido ao
curto espaço de tempo para reação e alta taxa de precisão, sendo assim
mais uma situação inaceitável para ele.

A saída encontrada foi usar uma maioria étnica russa na região leste do país
e incitar revoltas populares de cunho separatista pró-russo em algumas
regiões de fronteira estratégicas. Com a evolução da situação ele fez uso do
regimento jurisdicional russo, lembrando que ele se formou em Direito pela
Universidade de Leningrado (ex e atual São Petersburgo) e após
ingressando diretamente para o treinamento da KGB, para justificar um
auxílio militar a essa maioria étnica russa-ucraniana que estaria sofrendo
abusos por parte das autoridades e forças armadas da Ucrânia, culminando
no atual cenário de guerra declarada entre as duas nações.

Considerando todos os fatores conhecidos do personagem Vladmir Putin,


acredito que podemos considerar que ele vem preparando a si próprio e a
Federação Russa para esse tipo de situação, que pode e provavelmente não
vai ser a última envolvendo a Rússia, desde o começo de seu exercício
como chefe de estado.

Ao longo de seus anos no poder ele passou por situações parecidas e, no


ano de 2009, uma situação idêntica com a Geórgia, onde ele reivindicou e
reconheceu uma porção do território norte do país com justificativas
similares.

No início de sua história a frente da nação, como já foi ressaltado, a Rússia


passava por graves crises e tentativas de separação do regime de Moscou, e
sua primeira provação se deu pelas duas guerras da Chechênia, de onde
principiaram suas acusações genocídio e violações dos direitos humanos.
Na primeira ele compunha o governo e se tornou presidente durante a
segunda, quando colocou fim ao conflito, pelo que o ocidente considerou
uso excessivo da força. Vale ressaltar que várias das repúblicas que hoje
compõem a Federação, na época, também ameaçaram se separar.

Muitos, hoje em dia, consideram que toda a conjuntura da Rússia na época


obrigava o chefe de estado a ser uma figura forte e centralizadora de todo o
poder, como foi no passado, para manter a coesão e integridade do
território.

Como uma nação não vive somente de guerras e conflitos, o presidente


conseguiu lograr com muito êxito a resolução dos problemas antigos entre
a Federação Russa e a República Popular da China, que decorriam de
desavenças sobre a influência soviética em uma China recém tomada pelo
comunismo e sobre o projeto nuclear chinês, como o 1° Secretário do
Partido Comunista Russo ameaçando a República chinesa com seu
armamento nuclear. Os soviéticos tentaram envolver os americanos, mas os
próprios americanos dissuadiram a administração soviética da ideia e
ameaçaram iniciar outra guerra, dessa vez pela China.

O presidente Putin, provavelmente com receio de que uma possível não


resolução levasse a China a reivindicar territórios na região russa de
fronteira entre os dois onde existe uma crescente imigração e ocupação de
chineses, região chinesa da Manchúria, conseguiu selar diversos acordos de
cooperação estratégica nas áreas militares e tecnológicas. Tais acordos
beneficiam ambos os lados em diferentes escalas, a Rússia ganha um
parceiro comercial com capacidade para absorver grande parte da produção
russa e que tem o ocidente na mão, e a China ganha proteção e
conhecimento tecnológico bélico, além de uma fonte quase inesgotável de
energia e matéria prima.

Com a paz selada entre os dois, a Rússia pôde começar o processo de


transição da sua economia para deixar de depender do dólar e pôde
expandir suas reservas de moedas e ouro. Esse é um dos fatores que
permitem e dão margem para o movimento russo na Ucrânia, a sincronia
entre Moscou e Pequim.

Na minha visão, mesmo que o ocidente imponha sanções efetivas, que


custariam caro não só para a Rússia como também para o ocidente devido à
alta taxa de investimentos das empresas do ocidente como Shell, Total,
ExxonMobil, etc. em setores estratégicos e a dependência do gás para
produção de energia na Europa, a Rússia ainda tem a saída de realocar a
venda desses recursos e movimentar dinheiro para e através da China que
já se mostrou “insancionável” devido à alta dependência mundial da
economia chinesa. A globalização sairá caro para o ocidente se esse cenária
vier a se concretizar.
Ribeirão Preto, 24 de fevereiro de 2022.

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