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A guerra local na Ucrânia: análise das motivações da Rússia, o papel da

grande potência capitalista e suas implicações multidimensionais para o


sistema internacional em transição

Márcio Azevedo Guimarães1

Abstract
Key words:

Resumo

Palavras-chave:

1
Advogado, Professor Universitário, Mestre em Relações Internacionais e Doutor em Ciência Política
com ênfase em Política Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
I- Considerações gerais
Introdução
As últimas semanas foram de muita movimentação nas mídias escrita,
falada e nas redes sociais em torno de um temor de irromper um conflito
armado entre as forças armadas russas e dos países ocidentais, em torno da
aliança atlântica (OTAN) em razão de boatos de que a Rússia poderia agir
militarmente contra a vizinha Ucrânia. As mídias no Ocidente em geral
enfatizam o temor que uma eventual guerra localizada possa eclodir e escalar
em um conflito de escala regional e global, em virtude de envolver, de um lado,
as forças da aliança ocidental, entre elas a mais importante – os Estados
Unidos - e, de outro, as forças militares russas. Ambas as nações possuem as
duas mais poderosas forças militares do planeta e os maiores arsenais
nucleares e termonucleares, sendo, respectivamente a primeira e a segunda
força militar mundiais.
Mas quais as raízes profundas desta crise? A quem aproveita uma crise
de natureza multidimensional como essa, com repercussões na segurança, na
geopolítica e na economia internacionais em escala global? A fim de buscar
responder a estas difíceis perguntas, é preciso, em primeiro lugar, refletir sobre
o peso da história russa e sobre as características básicas do sistema
internacional contemporâneo. Destarte, é na confluência da história, com a
ciência política e as relações internacionais, que se podem colher as
ferramentas interpretativas fundamentais para compreender a natureza desta
mais recente crise internacional.

O peso da história
A Federação Russa, um dos pivôs da atual crise que envolve a
República da Ucrânia e o Ocidente, teve suas origens em dois processos
históricos distintos, mas que são mutuamente dependentes entre si e que já
contam mais de mil anos. Em primeiro lugar no final do século X ( anos 900 a
1000 depois de Cristo), se consolida na Idade Média, a formação social
conhecida como Rússia de Kiev, que foram um conjunto de cidades tanto
militares quanto comerciais, que centradas na fundação de Kiev, na atual
Ucrânia, congregou as tribos eslavas dos territórios que hoje formam a Rússia
Europeia, a Bielorrússia, a Lituânia, Estônia, Letônia e a Ucrânia, entre o norte
ao sul, do mar Báltico ao mar Negro, um poderoso reino eslavo que pela
primeira vez criara um estado territorial no extremo leste da Europa mas que
também fazia fronteira no extremo leste com as populações guerreiras
nômades turco-mongóis e ao sul com o Império Romano (do Oriente ou
Bizantino) e os califados e sultanatos islâmicos.
Dessa forma, percebe-se que desde muitos séculos as histórias dos
atuais estados nações da Rússia e da Ucrânia estão fortemente conectados e
guardam uma história comum. No remoto passado a Rússia de Kiev foi tanto a
origem política do atual estado da Ucrânia como também e, talvez isso seja o
mais relevante, da Rússia. Cultural e etnicamente são os dois povos
praticamente o mesmo, do ponto de vista da etnografia e da antropologia, além
de possuírem história comum desde os tempos medievais até o final da União
Soviética em 1991. Possuem língua muito próxima, irmãs, características etno-
raciais muito próximas, são os povos eslavos do leste, cujas características
compartilham também com os bielorussos.
Aproximadamente num espaço de alguns séculos entre a Idade Média e
o começo da Idade Moderna, ocorreram dois fatos políticos importantes para o
futuro desenvolvimento da Rússia: as invasões mongóis, a partir dos anos
1200 e, como consequência do enfraquecimento do domínio mongol sobre a
Rússia, do nascimento e desenvolvimento da Rússia como a conhecemos hoje
– um estado de características imperiais e de imenso território centrado
politicamente em Moscou, a partir dos anos 1400.
Assim, se as invasões mongóis destruíram o primeiro estado russo-
ucraniano, a Rússia de Kiev, o gradual enfraquecimento e a final expulsão dos
mongóis pelo núcleo sobrevivente russo que se formou em torno do Principado
de Moscou, foi a raiz da do império da Rússia czarista que iria entre os anos de
1500 a 1800 se expandir por toda a região eurasiana setentrional, formando o
gigantesco estado russo como o conhecemos hoje. Desta forma, as diversas
etnias eslavas antes sob a suserania do antigo e medieval principado russo de
Kiev agora passavam a ter como entidade soberana o Estado territorial da
Rússia moscovita, um poderoso império territorial que adquiriu suas fronteiras e
manteve sua unidade territorial e fortaleceu o sentimento de nacionalidade a
partir de constantes guerras externas com estados europeus mais ao ocidente
assim como com os reinos tártaro-mongóis e o império turco-otomano à
oriente. Fora nesse período que a região da atual Ucrânia voltou a fazer parte
da Rússia - sendo recuperada aos tártaros da Criméia - como havia sido desde
a Idade Média no antigo reino russo de Kiev.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e no final do
conflito, a eclosão da guerra civil e da subsequente revolução socialista na
Rússia, a partir de 1917 e com o término da guerra civil e da criação da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1922, o estado imperial czarista
russo chegava ao fim e o seu principal núcleo – a Rússia – se tornava a mais
importante república soviética, secundada pela criação de uma nova república,
no contexto da União Soviética que substituíra o antigo Império Czarista.
Nascia, dessa forma, a república da Ucrânia, no contexto de pertencer, tanto
quanto a Rússia, à URSS. Todavia, o coração político, militar, estratégico,
cultural e econômico da União Soviética sempre foi a Rússia. Assim como o
Império russo era a própria Rússia, a Rússia era a própria União Soviética do
ponto de vista cultural, político e civilizatório, ainda que a autonomia dentro da
federação pudesse ser exercida por centenas de repúblicas, mas cujo poder
soberano residia basicamente na estrutura política, militar e econômica da
Rússia.
Passados todo o século vinte, a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e a
Guerra Fria, que durou, grosso modo, de 1945, a partir da Conferência dos
aliados em Potsdam, até a dissolução final do império soviético, em 1991,
emergiram das antigas repúblicas soviéticas, novos estados nações soberanos,
reconhecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Discussões e debates à parte sobre a historicidade e hipotética
continuidade entre o atual estado ucraniano e o antigo estado kieviano, não
fazem parte da abordagem presente neste texto. Contudo, tal argumentação
tem conteúdo ideológico e busca se utilizar da história com distorções de fatos
históricos para legitimar interesses políticos da extrema direita fascista
ucraniana e vai ao encontro das demandas geopolíticas dos Estados Unidos –
a principal superpotência global – de expandir a aliança atlântica para as
fronteiras russas e assim aprofundar a estratégia de contenção do atual estado
russo a partir não de considerações ideológicas, já que a Federação russa é
um estado capitalista, mas por razões geopolíticas, com fundo no interesse das
elites políticas, econômicas e da burocracia militar do complexo militar
industrial norte-americano em romper com a balança de poder nas relações
russo-americanas, tendo como pivô da crise a atual situação política instável da
Ucrânia.
Assim, ainda que a Rússia de Vladimir Putin tenha seguidamente
respeitado a soberania do estado vizinho e agindo dentro das normas do direito
internacional e seguindo as regras não escritas da política internacional,
fundada na manutenção do equilíbrio ou balanço de poder com as forças da
OTAN na Europa do leste, as provocações militares do estado ucraniano, em
uníssono com as tentativas de expansão de sistemas de mísseis para a
Polônia e principalmente para a Ucrânia, constituem provocações para testar o
comportamento político russo em sucessivas crises que são calculadamente
provocadas pelas inteligências militares dos estados ocidentais a fim de buscar
enfraquecer politicamente o polo russo-chinês por vias econômica, diplomática
e militar, eis que Rússia e China são o polo desafiador da ordem hegemônica
estadunidense dentro do atual sistema internacional.
Dessa forma, a tentativa de obstaculizar a cooperação russo –alemã em
torno da construção do gasoduto que escoará a produção de gás e óleo para a
principal economia europeia, a Alemanha, constitui a dimensão econômica que
se pretende atingir com a atual crise. Pois quaisquer atos defensivos de cunho
militar a um possível ato de agressão militar ucraniana à Rússia poderia
ocasionar pressão dos Estados Unidos para a Alemanha abandonar a
cooperação comercial com os russos por meio de suspensão dos tratados de
cooperação e aplicações de sanções econômicas visando enfraquecer
Moscou.
Por outro lado, no campo estritamente diplomático, as provocações da
OTAN e do belicoso estado ucraniano visam a provocar também uma não
resposta de Moscou, ou seja, ao não agir, os russos perderiam, no plano da
política internacional, prestígio simbólico enquanto uma grande potência, ao
não reagir seja diplomática seja, no limite, manu militari.
Por fim, uma hipótese de guerra, seria, em princípio, calculada pelos
países ocidentais como uma guerra localizada a fim de testar o emprego dos
sistemas de armas, o que sempre tem relação com os objetivos econômicos
das indústrias do campo da defesa, como também buscar arrancar concessões
diplomáticas, econômicas e militares dos russos em caso de confronto na
fronteira com a Ucrânia, além de estudar o alcance do poderio militar russo,
considerado hoje por importantes analistas militares como Andrei Marianov
como superior em muitos aspectos aos dos próprios norte-americanos. Por fim,
buscaria, numa guerra controlada, utilizar das estruturas das Nações Unidas e
principalmente do uso político dos direitos humanos e da mídia corporativa
como armas para enfraquecer a legitimidade ideológica do estado russo em
termos de soft power (poder brando).

O mais novo capítulo da crise entre estes atores envolve interesses


importantes de natureza política, econômica e militar de ambos os lados, num
cenário de forte recessão econômica do polo ocidental num momento em que a
parceria estratégia russo –chinesa avança nos campos comercial, estratégico,
político e militar sobre a Eurásia, que lentamente passa a ter uma agenda
multidimensional e autônoma em relação a liderança hegemônica norte-
americana à qual, segundo muitos historiadores e cientistas sociais e políticos
assim como economistas caminha para um lento e gradual declínio econômico
e político no curso do século vinte e um.
É dentro deste contexto que fica a questão: até onde irão as duas grandes
potências militar americana e russa – ambas dotadas de poderosos arsenais
termonucleares – neste mais novo capítulo de disputas no que muitos autores
já denominam como a Segunda Guerra Fria?
II- As origens históricas

Século X - Rússia de Kiev – Rússia emerge como sociedade política medieval


a partir da atual região ucraniana. Na Idade Média não havia nem nação nem
estado ucraniano. Russos e ucranianos eram o mesmo povo, mesma nação,
com língua, costumes e etnia comuns e mesma origem histórica, cultural e
religiosa.
1200 – 1400 – Conquista tártaro-mongol extingue a Rússia de Kiev, mas
mantém sob vassalagem os príncipes dinásticos herdeiros da dinastia kievana,
agora reunidos em torno do principado de Moscou.
1450-1780 -Expansão do Império russo a partir do principado de Moscou-
conquista da região eslava da Ucrânia aos tártaros, pátria histórica onde surgiu
a nação russa. Nos mesmos moldes que a noção de cidadania do Império
romano, tinha base territorial (jus solis) e não étnica (jus sanguinis), o que se
manterá na era soviética.

III- Sistema Internacional de equilíbrio ou balanço de poder do


ponto de vista estratégico-militar

Surgimento da União Soviética, a Guerra Fria e a sua fragmentação. Neste


contexto, a Ucrânia, enquanto entidade política autônoma surge com a criação
da URSS em 1922. Todavia só irá emergir como estado soberano em 1991,
após a dissolução da União Soviética.
Guerra Fria: contenção da Rússia soviética enquanto grande potência nuclear
e enquanto sistema político-ideológico oposto ao capitalismo mas que
sobreviveu e foi reconhecida política e juridicamente, ainda que como
anomalia,dentro da ordem do sistema capitalista.
Equilíbrio militar convencional e nuclear entre EUA e URSS da Guerra Fria
persiste no Pós-Guerra Fria, principalmente a partir da retomada do
crescimento econômico, reorientação diplomática e militar a partir de Vladimir
Putin e sua parceria estratégica com a China, a segunda maior economia do
planeta.
Teses geopolíticas de Mahan/MacKinder/Bzerzinsky e Spykman de isolar as
grandes potências continentais eurasianas e garantir a hegemonia do poder
das

IV-A natureza estrutural da crise do ponto de vista econômico:


O atual ciclo de acumulação de capital hegemonizado pelos Estados Unidos
entra em crise desde os anos 70 com tendências à forte financeirização,
desindustrialização e emergência da competitividade industrial e científico
tecnológica dos novos polos de poder econômico alemão e chinês e militar
russo, a partir dos anos 2000.
Este ciclo de acumulação de capital é interdependente da estrutura política do
sistema internacional, caracterizado pela anarquia e polarizado em termos de
capacidades militares. São irmãos siameses, um depende do outro e se
personificam nas elites heterogêneas do complexo militar industrial, que
condiciona o sistema político doméstico, seja ele uma democracia ocidental
liberal, com instituições representativas, seja um sistema com instituições
formais democráticas, mas mais autocrático em sua essência, como é o caso
do russo.
No atual estágio de desenvolvimento capitalista, com o predomínio da Terceira
Revolução Industrial ou Revolução Científico-Tecnológica, a acumulação de
capital nas mãos de corporações oligopolistas, necessita de mais tecnologia e
menos mão de obra e cada vez mais a desregulamentação financeira originada
das reformas das legislações financeiras nacionais desregulamentadoras das
grandes potências nos anos 70 mais o fenômeno da transnacionalização do
capital financeiro conduziram a uma maior dependência do capital industrial e
comercial do financeiro, com maior concentração de capital por meio de uma
combinação de circunstâncias oriundas de fenômenos políticos e econômicos.
Por um lado, a busca por lucro conduziu à concentração de capital por meio de
oligopólios e monopólios, com fusões e aquisições ou incorporações entre
firmas de mesma natureza (empresas do setor de defesa) ou de ramos
diferentes da burguesia (como fusão entre capital financeiro com indústria
bélica por exemplo). Este fenômeno, associado ao sistema político de
financiamento de campanhas dado o poder econômico de muitas empresas faz
com que os governos necessitem buscar mercados para estas grandes
corporações do capital financeiro, do petróleo, das novas tecnologias e da
indústria armamentistas, todas de forma direta relacionadas com projetos de
defesa do Departamento de Defesa dos EUA ou com o Departamento do
Tesouro.
Assim, há uma verdadeira simbiose entre as elites políticas, burocráticas
(diplomatas e militares) e econômicas (classe capitalista propriamente dita) nos
estímulos a que um Estado com características de ser uma grande economia
competidora no sistema internacional necessite também ser uma grande
potência militar a competir nos mercados consumidores, garantir esferas de
influência, acesso a fontes de recursos minerais estratégicos e matéria primas
cruciais para o funcionamento dinâmico da economia, remuneração dos
acionistas das grandes corporações industriais, comerciais e financeiras, assim
com o apoio institucional e financiamento do Estado para que as empresas de
defesa e suas subcontratadas possam auferir enormes lucros com a venda e
comercialização de sistemas de armas, assim como serem testados o
rendimento dos mesmo, em situações de guerras, que aquecem o mercado
deste tipo de indústria, elevam os preços dos bens finais e seus componentes
de fabricação, além de propiciar, no limite, eliminar ou neutralizar outras
nações por meio de conflitos.
Dessa forma, o recurso à guerra tem uma racionalidade econômica sempre
que esteja dentro de certos limites, quais sejam, garantam lucros e não
ultrapassei a capacidade econômica do Estado de sustentar um esforço de
guerra. Ocorre o recurso à guerra como instrumento econômico não se esgota
apenas nesta lógica e atende também à lógica de poder político e das
estruturas burocráticas de estado que gerem a sua racionalidade – as forças
armadas. Por conseguinte, dentro de uma lógica de neoliberalismo, de
desregulamentação dos mercados e transnacionalização e brutal
competitividade entre empresas das nações mais poderosas do sistema
internacional, o resultado econômico e social para as sociedades é de maior
instabilidade financeira e de qualidade de vida para a massa de trabalhadores
e classes médias num ambiente instável e competitivo.
Isto acabe sendo o gérmen de conflitos e instabilidade social tanto dentro das
grandes potências ocidentais, como de nações mais instáveis e sem a tradição
política liberal, como é o caso da Ucrânia, onde desemprego, desestruturação
do papel do Estado em políticas sociais acaba sendo a causa para a
radicalização política e, logo, instabilidade, crise e guerras civis, caso da região
do Donbass.
Por outro lado, países capitalistas mas com forte presença social e institucional
do Estado como é o caso da Rússia de Putin tem obtido alto apoio político e
social da sua população pela estabilidade econômica que propicia. Mas para
isso a Rússia necessita manter uma estrutura militar e econômica que garanta
o comércio de suas comodities, petróleo e gás natural, que competem com as
concorrentes europeias. No mudo moderno, em que as esferas militar, política
e econômica dependem umas das outras, o conflito por esferas de influência e
por acesso a recursos e mercados é praticamente uma lei natural do sistema
internacional anárquico. Corporações necessitam do Estado para que este
garanta o acesso a recursos que lhes propiciem alta rentabilidade seja por
meio de financiamentos seja por meio dos recursos da coerção representada
pelo poder dissuasório ou efetivo do uso do poder militar. Ainda que não se
caracterizem como imperialistas, pois tanto Rússia quanto China não buscam
se expandir pelo uso da força, mas apenas garantir acesso aos mercados por
meio das relações econômicas internacionais, uma vez que elas competem
economicamente com empresas do mesmo setor dos Estados Unidos e do
Reino Unido, elas acabam sendo um obstáculo e, logo, vistas como ameaça
aos interesses geoeconômicos anglo-americanos. Logo, necessitam de
recursos militares como forma de garantir, ao menos de forma dissuasória, a
defesa dos seus interesses.
Mesmo na época da União Soviética, um estado socialista, esta lógica se
impunha, pois a própria existência de um sistema econômico e militar poderoso
e alternativo ao capitalismo mas dentro da ordem mundial capitalista era uma
ameaça ao avanço do ciclo de acumulação da capital que, em dado momento
histórico, com seu avanço tecnológico, levou, enquanto um fenômeno de
ordem estrutural, às condições externas para a dissolução do socialismo e
logo, a fragmentação da URSS em diversas repúblicas, entre elas as duas
contendoras da crise atual: Rússia e Ucrânia.
Dessa forma, independente do sistema político e econômico, a estrutura
sistêmica capitalista, associada à anarquia do sistema internacional, tem
efeitos sobre o comportamento dos Estados, independentemente da
personalidade dos líderes e das características de suas instituições políticas.

V-A conjuntura da crise:

A- Questões de natureza político-estratégica


O objetivo maior e de natureza estratégica dos atuais governantes dos EUA -
lideranças democratas o Poder Executivo, e que representam os interesses
financeiros e do setor armamentista é criar uma guerra local por procuração
(proxy war) na fronteira da Ucrânia como forma de:
1- Testar como as forças da OTAN e da Rússia se comportariam num
confronto real, mas principalmente as da Rússia e com isso a
possibilidade de uma estratégia de confrontação para expandir a aliança
militar OTAN. Esta é a dimensão mais estritamente militar do conflito,
pois seria uma forma de avaliar como as forças convencionais russas
estão em relação as suas capacidades, como a velocidade e precisão
das infantarias blindadas e mecanizadas do exército russo, seus
sistemas de artilharia de médio e longo alcance, poder de fogo e
precisão (sistemas S-400, 500 e 600). O pronto emprego e preparo em
termos de atuação coordenada com a força aérea russa (com os
modernos caças supersônicos classe Sukhoi), a eficácia dos sistemas
coordenados de comando e controle, a guerra cibernética e eletrônica, a
sustentação logística e suas relações com a economia e a coesão
política e social da sociedade russa em caso de conflito prolongado.

Assim, isso ocorreria por meio da provocação com a ameaça de entrada


da Ucrânia como aliado formal da OTAN (na prática, já é tratada como
membro informal, pela ajuda militar e de inteligência que recebe desde o
golpe de 2014), como forma de baixo custo econômico, político e militar
para os Estados Unidos, através do uso de um terceiro ator, o Estado
ucraniano, como estado beligerante frente à Rússia, com suporte
econômico, logístico e de armamentos e de instrutores militares dos
principais países da OTAN e de grupos de insurgentes ucranianos e
internacionais para promoção de guerra irregular para, com a ajuda de
forças especiais anglo-americanas e dos mercenários de companhias
privadas, promover junto à sociedade civil, ucraniana, atos os mais
variados, como levantes populares anti-Rússia, promoção de atentados
à infraestrutura do país, atos de terrorismo contra a própria população
ucraniana como uso de fake news e estratégias de bandeira falsa (false
flag) como expediente para culpar as forças russas por ataques
indiscriminados contra a população civil. Aliada a isso, estratégias de
guerrilha e recrutamento da população do país no esforço de guerra
contra a força invasora.

Aqui o objetivo é tanto a nível cognitivo, promovendo espécie de guerra


psicológica fazendo o povo ucraniano acreditar que os russos são o
inimigo a ser combatido, assim como induzir a opinião pública mundial e
mesmo russa de que o exército russo está sendo desgastado
seriamente por meio de guerrilha urbana visando o desgaste com uma
guerra irregular e assimétrica de média intensidade e de longa duração
similar aos conflitos do Vietnã e Afeganistão.

Além de legitimar a estratégia militar da OTAN/EUA contra os russos e


angariar apoio da população ucraniana, a estratégia visaria a abalar o
prestígio militar russo a nível midiático e internacional, evitando a queda
do regime ucraniano (aliado aos interesses capitalistas e securitários
ocidentais), desgastando econômica e militarmente as forças armadas
russas e, debilitando, com isso, a capacidade convencional russa de
lograr a condição de grande potência, com isso deixando de ser uma
ameaça aos interesses geopolíticos de expansão americana sobre a
Eurásia, revertendo a aliança estratégica russo-chinesa, que desafia a
atual hegemonia estadunidense no sistema internacional.
2- Expansão da aliança atlântica e fomento de estratégias de guerras híbridas
para a desagregação do atual regime político russo que por seu protagonismo
econômico e diplomático na Europa e na Ásia, juntamente com sua aliança
com a China, se revela uma ameaça aos interesses geopolíticos e econômicos
da grande potência, os EUA. 
3- Dentro deste grande contexto que é da estrutura da dinâmica de competição
e equilíbrio de poder entre as grandes potências e a luta pela manutenção da
hegemonia dos EUA é que se enquadra a atual crise da Ucrânia e seu uso
para justificar a expansão da OTAN e a deslegitimação internacional da Rússia
por meio de acusações de agressão militar e ao direito internacional, imposição
de sanções visando desestabilizar no médio prazo o regime de Vladimir Putin.
Com isso, provocando o enfraquecimento militar, político e econômico do
gigante russo ou eventualmente, a depender da evolução da dinâmica do
conflito, provocando a derrubada atual do regime russo e, com isso, conduzir à
hipótese de guerra civil e no limite, a depender das conjunturas da escalada e
natureza das operações militares em estrita dependência da situação política e
econômica, mesmo à fragmentação do pais.
O certo é que os detentores do poder em Washington buscam acabar com a
condição da Rússia como grande potência, criar fissuras ou rupturas na aliança
estratégica com a China,
Dentro desta lógica, existem componentes próprios da estrutura política,
econômica e social da Ucrânia que geraram uma crise local com a
desagregação da União Soviética em 1991 e que são variáveis que se
interpenetram e são úteis para a estratégia americana de afastar a Ucrânia da
esfera de influência da Rússia (dai a expansão da OTAN no campo militar,
assim como a tentativa das empresas anglo-americanas de controlar o
mercado ucraniano).
4- Neste mesmo cenário, mas detidamente no campo geoeconômico, a busca
por afastar a cooperação comercial da Alemanha com a Rússia, o que poderia
formar um eixo de cooperação estratégico que possa ameaçar a hegemonia
econômica e militar dos EUA na Europa. É neste cenário que se contextualiza
a questão do gás. É o contexto também das sanções econômicas às empresas
e exportações russas.
5- No campo militar, diminuir a profundidade estratégia da Rússia por meio de
se completar uma linha de países fronteiriços com a Rússia com sistemas de
mísseis convencionais e nucleares apontados diretamente para o território
russo, como forma de fragilizar a defesa estratégica do país, debilitando, assim,
sua condição de grande potência militar, a segunda mais importante depois dos
EUA e a única capaz de enfrentar e derrotar militarmente os norte-americanos.
Por fim, o regime ucraniano é de linha econômica neoliberal e está
desestruturando a economia do país nos últimos anos desde que houve a
deposição por um golpe bem articulado pelos Estados Unidos contra um
governo legitimamente eleito e de linha nacional-desenvolvimentista e alinhado
à Moscou, em 2014. 
Este atual regime não tem legitimidade jurídica, pois foi fruto de um golpe de
Estado. Para completar não estão cumprindo os Acordos de Minsk (capital da
Bielorússia) onde Rússia e Ucrânia acordaram com a criação das repúblicas
autônomas dentro da federação ucraniana, no leste, na fronteira com a Rússia,
nas repúblicas de Donetsk e Lugansk, com expressiva maioria étnica russa e
de cidadãos russos. Além de desrespeitarem a autonomia destas populações,
o governo ucraniano ideologicamente é nacionalista de direita e apoia
movimentos neonazistas e fascistas onde forças paramilitares 
Inclusive estas forças estariam praticando massacres, denúncias de
assassinatos, suspeitas de campos de concentração, torturas e censura.
Neste último cenário, agora suficientemente forte para agir, Vladimir Putin e a
elite política, econômica e militar russa, reagem à provocação dos democratas
dos EUA em expandir a OTAN para Kiev e buscam através do reconhecimento
diplomático das republicas autônomas como Estado soberano uma forma de
poder entrar no território das repúblicas, neutralizar, com isso os massacres
que estariam sendo perpetrados contra populações russas e também
obstaculizando a ação militar ucraniana.
Assim, em tese, existe base jurídica no direito internacional, muito fundado
ainda no costume, eis que o mesmo procedimento ocorreu em episódios da
própria dissolução da URSS e criação de diversas repúblicas, foi o caso
também da ex- Iugoslávia, com o reconhecimento da Servia, Croácia, Bósnia,
Eslovênia e Kosovo. Foi o caso também da independência da Chechênia. A
questão desnuda a falta de legitimidade real da Assembleia Geral da ONU,
totalmente dependente e manipulada pela mídia e pelo governo dos Estados
Unidos, que vendem a falsa imagem de Putin como agressor dos direitos
humanos, como belicoso e violador do Direito Internacional. 
A questão está sendo levada a estes termos em razão de que cada vez fica
claro que faltaram à Rússia opções depois de quase 8 anos de tentativas de
negociar o status das repúblicas e da própria neutralidade ucraniana entre
OTAN e Rússia. 
Além disso, os estrategistas políticos do Pentágono e da Casa Branca devem
contar com os baixos custos de uma guerra por procuração, que agora se
revelou errada, eis que a Rússia a fim de ganhar terreno no campo das
negociações com os Estados Unidos, estão na iminência de tomar a capital e
controlar toda a Ucrânia. Esta última parte é sim uma violação do direito
internacional, mas as circunstâncias geopolíticas e geoeconômicas - como em
todos os conflitos - acabam por se imporem e predominar sobre o direito
internacional. 
Dito de outro modo, com um direito internacional sempre instrumentalizado e
violado quando conveniente pelas principais potências ocidentais - vide invasão
dos EUA ao Iraque ao arrepio das resoluções da ONU, violando a soberania
daquela país ou a fragmentação e o bombardeio pela OTAN da Iugoslávia, 
assim como o bombardeio e deposição do governante da Líbia anos atrás e a
invasão por tropas americanas de território da Síria, em guerra civil, em apoio a
grupos paramilitares e terroristas como o Estado Islâmico, são claros exemplos
de violações do direito internacional, nas circunstâncias atuais, com a dinâmica
dos acontecimentos militares, fica praticamente impossível de se defender o
interesse nacional russo e sua soberania e prestígio numa ação de observância
do direito internacional, por que suspeita-se de que se a Rússia não
neutralizasse totalmente as forças ucranianas (e para isso a tomada de todo o
território possa ser necessário), isto implicaria num fortalecimento e
contragolpe as posições russas, pela ajuda militar da OTAN que continua
chegando para os ucranianos, o que seria uma derrota política para Putin.
Agora em termos de realismo político, não há como recuar em nome da paz a
menos que consigam arrancar concessões expressivas nas negociações com
os Estados Unidos, a fim de poder vender politicamente que a crise e invasão
da Ucrânia trouxe dividendos políticos e estratégicos para a Rússia.
Justamente por saberem dessa circunstância, os EUA usam como arma, além
da mídia mundial ocidental com denúncias de violação `a soberania da
Ucrânia, com denúncias de vítimas civis (o que não está confirmado), a
negativa em fazer um acordo, apostando em uma guerra local de exaustão das
forças russas.
Isto ocorreria para desgastar militarmente os russos por meio de ações
paramilitares, atentados fomento de revoltas populares, uso da mídia, fazendo
com que a opinião pública mundial e dos ucranianos (que são praticamente o
mesmo povo que os russos!) tornem custosa a presença militar russa,
desgastando politicamente Putin, além dos custos elevados no longo prazo de
manutenção de tropas em estado de guerra na região ucraniana, por parte da
Rússia, que possui fragilidades no campo econômico embora esteja se
tornando, graças ao gás e petróleo, indústria pesada e aeroespacial bem como
pela parceria comercial com a China, numa potência econômica.

B- Questões de política doméstica (interna) dos principais atores:


EUA- crise econômica, social e divisão entre a sociedade e entre as elites dos
partidos políticos principais em face do complexo militar industrial que mantem
lucros altos no campo da indústria de armamentos e do capital financeiro, mas
cujos objetivos de acumulação de capital terão limites impostos pelo
condomínio de poder sino-russo na conformação de uma nova ordem
multipolar
RÚSSIA – coesão social em torno do projeto nacionalista, reformador,
modernizador e desenvolvimentista do capitalismo de Estado do grupo político,
econômico e militar liderado por Vladimir Putin.
UCRÂNIA – destruição da infraestrutura econômica por anos de políticas
neoliberais e regime proto fascista se aprofundam com a guerra. Tendência à
derrubada do regime por guerra civil que poderia ser controlada pela mediação
política russa e ajuda econômica chinesa.

C- Questões de natureza jurídica no contexto geopolítico

A operação militar russa na Ucrânia que iniciou em há dois meses tem sido
condenada como uma flagrante violação do direito internacional, com
condenações morais e denúncias por parte dos membros da Assembleia Geral
da ONU, o que reflete a postura da maioria dos países ocidentais, em especial
dos Estados Unidos, Canadá e países da Europa Ocidental, membros da
aliança militar da OTAN.
Juristas do mundo todo debatem e analisam a questão sob o prisma
eminentemente normativo, ou seja, do direito internacional público, entendendo
que a Federação Russa violou a integridade e soberania do Estado ucraniano
ao invadir com tropas terrestres seu território, assim como a violação do
espaço aéreo de Kiev por meio das forças aéreas, com bombardeios e ataques
com mísseis, incluindo o tão falado hipersônico que tanto atemoriza os militares
ocidentais.
As autoridades russas, por sua vez, alegam que não violaram o artigo 2,
incisos 3 e 4, da Carta da ONU, que é o principal tratado internacional e marco
regulador jurídico e político das relações internacionais contemporâneas. Estes
dispositivos falam da vedação a qualquer Estado membro das Nações Unidas
de tomar medidas que ameassem a paz e a segurança internacionais e que
impliquem em violação da soberania por meio da invasão militar a um território
de outro país ou que o uso da força comprometa a independência política da
nação agredida. Em suma, as nações devem se abster do recurso ao uso da
força, salvo casos de legítima defesa prevista no artigo 51 da mesma Carta e
resolver as disputas internacionais por meios pacíficos.
Para os russos não teria havido da parte de Moscou violação ao direito
internacional, mas um direito à legítima defesa assim como a aplicação da
resolução das Nações Unidas do princípio da responsabilidade de proteger em
nome dos princípios da autodeterminação dos povos e do respeito aos direitos
humanos internacionais.
A alegação russa da legítima defesa assim como da responsabilidade de
proteger a população de etnia russa do Donbass diz respeito a informações de
inteligência militar que davam como certa duas ações: 1- o forte indício de
instalação de mísseis em território ucraniano assim que Kiev decidisse entrar
na Otan, com prazo para a implementação destas medidas para começo de
março, o que poria em risco a própria existência da Rússia frente a uma
ameaça de ataque nuclear que em poucos minutos poderia destruir as
principais cidades do país e 2- que em torno de pelo menos quase cem mil
soldados do exército ucraniano iriam invadir as repúblicas autônomas da região
do Donbass – Donestk e Lugansk,- localizadas na fronteira leste ucraniana com
a Rússia e com quase cem por cento de população de fala e etnia russa, com a
grande maioria de cidadãos russos.
Estes, de acordo com comissões independentes de ONGs de direitos
humanos, Cruz Vermelha e o Comissariado de Direitos Humanos da ONU,
vinham sendo vítimas de bombardeios, assassinatos, tortura e ameaças por
parte dos militares ucranianos e de forças paramilitares nazistas desde 2014,
quando os Acordos de Minsk negociados entre Rússia e Ucrânia, para dar a
autonomia de gestão destas regiões, ainda que dentro do estado ucraniano,
fossem respeitadas pelo governo de Kiev. Todavia, o governo ucraniano violou
este acordo, que fora também respaldado por governos ocidentais, em clara e
flagrante violação do direito internacional e dos direitos humanos das
populações do Donbass, com históricas ligações políticas, culturais e
econômicas com a Rússia.
Neste contexto, ficamos, nós cidadãos comuns, aqui no Brasil, por meio
de noticiário de televisão, redes sociais e mesmo lives nos canais como you
tube, presas de narrativas tanto do Ocidente, quanto da Ucrânia como da
Rússia, que são pautadas pela parcialidade na sua versão dos fatos. O
importante neste conflito é que cada leitor, cada cidadão possa ter acesso a
todos os tipos de fontes de informação e, em nome da liberdade, ser o juiz das
suas próprias convicções na hora de compreender a complexidade dos fatos
internacionais ou nacionais.
Nesse sentido, a guerra na Ucrânia nos remete para a importância de
termos condições de separar o joio do trigo, no caso as fake news impostas
pelas respectivas mídias dos atores envolvidos no conflito e poder chegar mais
perto da verdade dos fatos.

O Conselho de Segurança é o órgão máximo da ONU para a manutenção da


paz e da segurança internacionais, como prevê a Carta. O texto mencionava
que a Resolução 2202, de 2015, que pede a todas as partes que implementem,
inteiramente, o conjunto de medidas para implementação dos Acordos de
Minsk, incluindo o cessar-fogo do Protocolo de Minsk de 5 de setembro de
2014 e o Memorando de Minsk de 19 de setembro de 2014.
Após longos anos, desde então, a Rússia, sem sucesso, buscou negociar
diplomaticamente com a Ucrânia e com os Estados Unidos o cumprimento dos
Acordos de Minsk que garantiam a autonomia das repúblicas acima referidas
dentro do território ucraniano.
Dentro do contexto de provocações por parte da diplomacia da OTAN de
estimular o discurso do ingresso da Ucrânia na aliança e a partir disto, da
alocação de mísseis balísticos continentais com ogivas nucleares que
poderiam atingir Moscou, a capital russa e outras regiões estratégicas do
território da Federação Russa, após o insucesso por 8 anos de negociações
infrutíferas com americanos e ucranianos, a Rússia, por decisão de seu
Parlamento, autorizou o Presidente Putin e declarar unilateralmente, dia 21 de
fevereiro, a independência das repúblicas gêmeas do Donbass e a assinatura
de acorde de defesa e cooperação militar que autorizava o emprego de tropas
russas no território das respectivas repúblicas. Este fato é entendido pelas
autoridades russas como dentro do Direito Internacional, fato que é contestado
pelo Conselho de Segurança da ONU e pela Assembleia Geral da ONU, que
consideraram o ato como violação da Carta da ONU, por tipificar uma violação
da soberania e da integridade territorial do estado ucraniano.
A operação militar russa iniciou dia 24 de fevereiro de 2022, entrando com
autorização e por acordo militar, nos territórios das Repúblicas declaradas
independentes pela Rússia, de Donetsk e Lugansk, para proteger as
populações civis, de maioria de cidadãos russos, conforme tratado de
cooperação militar, contra os bombardeios indiscriminados das forças armadas
ucranianas e dos paramilitares nazi-fascistas ucranianos.
O Conselho de Segurança da ONU, em 28 de fevereiro de 2022 rejeitou a
resolução redigida pelos Estados Unidos e pela Albânia condenando a ofensiva
da Rússia à Ucrânia. O texto recebeu 11 votos a favor, três abstenções
incluindo China e Índia, e um voto contra: o da Rússia, que tem poder de veto
e, em razão desse fato, foi rejeitado. Desta forma, sob o manto jurídico das
Nações Unidas, resta apenas o capítulo VII, artigo 51, atinente ao direito de
legitima defesa coletiva (base jurídica para pactos e alianças como a da OTAN)
e o artigo 52, capítulo VIII, que trata especificamente da autorização para
criação de acordos ou entidades regionais no campo da defesa (manutenção
da paz e segurança internacional), esperava-se alguma medida contra a
Rússia.
Todavia, os mesmos dispositivos da Carta da ONU só podem ser invocados
de acordo com o artigo 53, uma vez autorizado pelo Conselho de Segurança,
fato que não ocorreu devido ao veto da Rússia, um dos cinco membros
permanentes. Desta forma, salvo melhor entendimento, a juridicidade formal da
ação contra a Rússia resta prejudicada, para não falar de que do ponto de vista
histórico e geopolítico, a Rússia atuou de forma de uma intervenção preventiva
para assegurar a defesa de sua integridade e soberania, respaldada por
acordos de cooperação com as repúblicas do Donbass, ainda que se possa
discutir sua juridicidade no plano do direito internacional, eis que foi um
reconhecimento unilateral de entidades políticas que, embora autônomas, se
encontravam sob o manto da soberania do estado Ucraniano. Neste sentido
mais formal da questão internacional, é crível defender que realmente houve
violação da soberania e, logo, do artigo 2º da Carta da ONU, por parte da
Federação Russa. A implementação de missão de paz contra a Rússia, não
obstante, fica prejudicada no plano do direito internacional já que a resolução
do Conselho de Segurança foi rejeitada. Mas de fato houve violação do direito
internacional. Mas a pergunta central não deveria ser esta, mas por que a
Rússia foi obrigada a violar formalmente a soberania do estado vizinho?
Isoladamente, a interpretação da Carta da ONU não responde às questões de
fundo, antes servem de manto de legitimidade formal para os verdadeiros atos
de agressão à soberania que são investidos contra a Federação da Rússia por
meio da guerra por procuração que os Estados Unidos movem se utilizando do
estado ucraniano.
Não obstante, pressionados pela dependência econômica e militar das
principais potências ocidentais, em especial dos Estados Unidos, que detém o
verdadeiro controle, por mecanismos políticos, econômicos e jurídicos de todo
o sistema das instituições que conformam as Nações Unidas, seus países-
membros ressaltavam as obrigações de todos com a Carta da ONU e o Artigo
2 sobre se abster de ameaças ou uso da força contra a integridade territorial e
independência política de qualquer Estado e de resolver disputas internacionais
por meios pacíficos.
E neste contexto econômico e geopolítico internacional uma deslegitimada
Assembleia Geral da ONU condenou, no dia 02/03/22, a Rússia pela invasão
da Ucrânia, ocorrida há sete dias, por 141 votos a favor e cinco contra, além
de 35 abstenções, com destaque para aliados importantes da Rússia como a
China, Índia e Cuba. Dentre as ex-repúblicas soviéticas, foram 6 votos a favor
(Estônia, Letônia, Lituânia, Moldova e Geórgia apoiaram a Ucrânia), enquanto
4 se abstiveram (Armênia, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguistão).
Em todo o caso, as motivações de ordem política e econômica estão na raiz
dos votos, sejam a favor, contra ou abstenções e sempre levam em conta o
contexto que caracteriza a posição de cada estado no sistema internacional e a
conjuntura de forças que caracteriza o balanço de poder em cada região do
planeta em que se situam e também, o contexto dos respectivos sistemas
políticos internos, a natureza de suas economias, mais ou menos integradas à
tradicional ordem econômica hegemonizada pelos Estados Unidos ou à nova
ordem econômica que lentamente emerge, capitaneada pela China, polo
desafiador dos EUA e aliado estratégico da Rússia.

D- A DIMENSÃO TEÓRICA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A PERSPECTIVA REALISTA
A PERSPECTIVA MARXISTA
A HARMONIZAÇÃO ENTRE AS ESCOLAS DE PENSAMENTO

E- Tendências à multipolaridade e retorno ao cenário de balanço de


poder pré- 1ª Guerra Mundial

Busca pela ascensão política e militar da Alemanha, hoje grande


potência econômica

Manutenção do status político e militar da França como grande potência


Reino Unido se retira da União Europeia, mas se mantem como força
militar relevante na OTAN, associado aos EUA

Tentativa anglo-americana de manutenção do poder sobre o continente


europeu via aliança militar
Busca francesa e alemã de autonomia no campo militar como alternativa
à OTAN

Cooperação econômica franco-alemã com a economia russa


Reforço da aliança estratégica com a China e com os potências
regionais eurasianas como o Irã e a tendência para uma convergência
com a India e a Turquia

F- Conclusões
Crise e guerra da Ucrânia enfraquecem a economia da Europa e num
primeiro momento, afastam países europeus da cooperação com a
Rússia.

Crise se aprofunda no cenário europeu com repercussões políticas


internas e ameaça da extrema direita ou, no campo mais moderado, de
reversão das políticas neoliberais.

Vitória militar russa e derrota da OTAN na guerra da Ucrânia

Consolidação das Repúblicas do Donbass como Estados soberanos e


aliados à Rússia.

Oeste e centro da Ucrânia tenderá à neutralidade, não entrando para a


OTAN e estabelecendo um modus vivendi com a Rússia, através de
uma mudança de regime político e econômico mais condizente aos
interesses russo, alemão e chinês. A dúvida é como se dará esse
processo e quem irá mediar a transição para um novo governo a ser
eleito. O país precisará ser reconstruído, normalizados suas relações
diplomáticas com a Rússia em algum momento.

A dúvida é se a guerra civil que está sendo estimulada pelos Estados


Unidos poderá ser revertida pela ação militar russa no médio prazo ou
pela sua combinação com a ação diplomática da China ou da Alemanha.
Otan subestima a capacidade convencional militar russa após quase
duas décadas de investimento racional e eficiente dos recursos da
economia russa em profissionalização e modernização das forças
armadas russas, o que foi facilitado pelas mudanças de concepção
doutrinária e estratégica da Rússia, voltada a enfatizar as capacidades
militares dignas de uma grande potência, nos marcos de um capitalismo
desenvolvimentista de Estado.

Aprofundamento da união estratégica da Rússia com a China e reversão


das sanções pela maior interdependência econômica russa para com os
países da Ásia.

Deterioração das relações estratégicas com a OTAN/EUA e a crise


econômica em recessão agudizada pelos efeitos da guerra e das
sanções à Rússia provocam efeitos graves na economia alemã e de
toda a Europa, por força da interdependência econômica estrutural da
globalização.

Alternativa para sobrevivência econômica (e política) é reforçar a


cooperação com os arranjos econômicos liderados pela China (Rota da
Seda) que implica em uma concertação econômica (e política) com a
Rússia de Putin)
Derrota estratégica e econômica dos Estados Unidos (complexo militar e
industrial) e do Partido democrata, com vitória provável dos republicanos
no Congresso nas eleições de meio de mandato em 2022 e retorno
gradual à política menos intervencionista, abrindo caminho para a volta
dos republicanos à Casa Branca.

Consolidação da ordem multipolar:

- em torno dos eixos Estados Unidos, Rússia e China e suas respectivas


áreas de influência, coadjuvados pela manutenção do status da França
como grande potência

- da abertura do caminho para a ascensão da Alemanha à condição de


grande potência

- incógnita do papel do equilíbrio europeu, em hipótese de cenário da


diminuição de influência dos EUA, dai decorrendo as incertezas sobre a
funcionalidade da OTAN e o papel que a Rússia teria no cenário
europeu em face da França e da Alemanha, num cenário de gradual
afastamento americano do cenário europeu e a reversão à uma situação
pré-1914.

-Consolidação da Rússia como principal potência militar interdependente


da economia chinesa

-Consolidação da China como grande potência econômica e principal


beneficiário da atual crise, pois pode agir como mediadora entre as
partes em disputa na guerra da Ucrânia, a fim de evitar uma escalada
militar que implique envolvimento direto das forças da OTAN e
vietnamização do conflito.

OBSERVAÇÕES FINAIS

OTAN – Criada em 1949, visava de forma de uma instituição multilateral de


natureza militar, garantir o domínio estratégico da Europa e se legitimava pela
estratégia de contenção da extinta URSS. Com o fim desta, os EUA decidiram
pela sua expansão rumo às fronteiras da Federação Russa – a principal
herdeira política, militar e econômica da URSS e do Império Russo – com o
objetivo de promover uma estratégia de ruptura com a doutrina de contenção
da elite tradicional americana (civil-militar) teorizada por George Kennan.
Com o fim da Guerra Fria, gradualmente, partir da doutrina de Bzerzinsky
promoção de guerras irregulares e de organizações terroristas para debilitar a
antiga URSS a partir das regiões periféricas da Eurásia e assim impedir a
consolidação de uma grande potência eurasiana, os neoconservadores e
internacionalistas humanitários, presentes tanto em nichos do partido
democrata, do Depto de Estado e em menor grau no Pentágono e em alguns
seus think tanks associados e universidades (cursos de graduação em Political
Science) irão promover a concepção de contenção progressiva, fragilização e
por meio e guerra híbrida associada a guerra proxy, promoção de regime
change e guerra civil como fim de fragmentar o espaço político russo a partir
das experiências de desintegração da URSS e da Iugoslávia, destruindo, assim
uma das duas principais ameaças de potências territoriais à hegemonia dos
EUA. Nesse sentido é que se deve conceber o papel estratégico da OTAN num
contexto mais amplo e de longo prazo.

MAD – Destruição Mútua Assegurada. A paridade estratégica em termos de


armamentos nucleares entre EUA e Rússia existe desde os anos 50 e se
manteve mesmo durante os caóticos anos 90 da Rússia de Yeltsin e foram com
certeza, o principal obstáculo à fragmentação da Rússia. A manutenção destes
arsenais foi o fiador da retomada da Rússia à condição de grande potência nos
anos Putin. Ao mesmo tempo é ela que impede que, pressupondo que o
processo de tomada de decisão entre as elites que controlam o centro
decisório nos EUA e Rússia, terá a predominância do aspecto racional e
existencial, não irá escalar rumo à uma guerra de extermínio. E ela quem
garante o atual balanço de poder e a possibilidade de guerra convencional até
um certo limite do tolerável segundo as melhores doutrinas de estratégia militar
e com base na história militar contemporânea.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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