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A Crise dos Mísseis de Cuba: o mundo à

beira da guerra nuclear

A Crise dos Mísseis de Cuba (chamada de “Crise do Caribe”, na Rússia, e de “Crise de Outubro”, em Cuba) foi um
confronto de 14 dias (14 a 28 outubro de 1962) entre os Estados Unidos e a União Soviética. O motivo desencadeador
da crise foi a instalação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba em resposta aos mísseis americanos instalados a
oeste e sul da União Soviética.

Além de ter sido televisionada em todo o mundo, a crise levou a Guerra Fria a uma nova dimensão sinalizando a
possibilidade de uma guerra nuclear direta entre as duas superpotências. Foi a mais grave crise da Guerra Fria e a única
em que EUA e URSS ficaram frente a frente, com suas lideranças políticas negociando diretamente – o presidente John
F. Kennedy e o líder soviético Nikita Kruschev.

A corrida armamentista na Guerra Fria


Os EUA e a URSS emergiram da Segunda Guerra Mundial como potências mundiais. Eles representavam duas
economias e ideologias opostas, e dividiram o mundo nem dois blocos antagônicos: o capitalista e o socialista. Foi o
período da Guerra Fria (1945-1990).

Com o desenvolvimento de novas tecnologias de armas, ambas potências passaram a disputar suas capacidades
militares dando início a uma verdadeira corrida armamentista. Em agosto de 1957, a União Soviética apresentou ao
mundo o primeiro míssil balístico intercontinental, o R-7 Semyorka.

A novidade chocou o Ocidente. Até então, as bombas eram levadas por bombardeios aéreos para serem lançadas sobre
o alvo. O ICBM (InterContinental Ballistic Missile) dispensava o avião, o míssil era o próprio veículo da arma nuclear. O
ICBM era uma arma espacial, isto é, um foguete que viajava fora da atmosfera da Terra, para bombardear alvos a 5.500
km até 15.000 km de distância. Os radares, então, não podiam monitorá-los o que reduzia muito o tempo de alertar a
população alvo.
A partir do final da década de 1940, os Estados Unidos e a União Soviética lançaram-se em uma perigosa
corrida armamentista disputando quem tinha maior poder de fogo e de destruição

Os EUA se apressaram em produzir seus ICBMs e, em pouco tempo, mísseis nucleares americanos já estavam
instalados na Inglaterra, no sul da Itália e em Izmirna, na Turquia – pontos estratégicos para atingir a Europa Oriental e a
URSS. Esta também se preparou implantando bases de lançamento voltados contra o Ocidente.

Assim, no início dos anos 1960, era possível, pela primeira vez, que ambas as superpotências pudessem atirar uma na
outra a partir de sua terra natal usando ICBMs equipados com armas nucleares.

Em meio à corrida armamentista ocorreu a Revolução Cubana.

A Revolução Cubana
No contexto da Guerra de Fria, a América Latina estava sob controle dos EUA. Sua hegemonia era mantida por meio de
ajuda técnica, empréstimos, acordos econômicos, importação de bens de consumo by USA e, principalmente, por meio
de intervenções militares contra governos que ousassem sair da órbita estadunidense. Foi o que aconteceu na
Guatemala, em 1954, cujo presidente Jacob Arbenz foi deposto em um golpe armado pela CIA (Agência Central de
Inteligência), dos EUA.

Poucos anos depois, em 1959, saiu-se vitoriosa a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro, Raúl Castro e Che
Guevara. A revolução derrubou o ditador Fulgêncio Batista, cujo governo era apoiado pelos EUA. No poder, Fidel Castro
realizou uma reforma agrária, atingindo latifundiários cubanos e empresas açucareiras americanas.

Logo após a vitória, Fidel viajou para os EUA em busca de reconhecimento político. De nada adiantou, os EUA
suspenderam a cota de importação do açúcar e do fumo cubano. Em contrapartida, a URSS ofereceu apoio econômico
e militar ao novo governo comprando a maioria do açúcar cubano.

Os EUA ficaram alarmados com as relações amistosas de Fidel com a URSS e tentaram, sem êxito, removê-lo através
de assassinato, contrarrevolução, incluindo a invasão da Baía dos Porcos, em 1961 – operação fracassada. Decretaram
então o bloqueio econômico e a expulsão de Cuba da OEA (Organização dos Estados Americanos), no início de 1962.

Foi sob esse cenário de fundo que ocorreu a Crise dos Mísseis em outubro de 1962.

Dia a dia da Crise dos Mísseis


Para deter uma futura invasão estadunidense, Fidel formou uma aliança com os soviéticos e permitiu que eles
instalassem bases para armas nucleares na ilha.

Em 14 de outubro de 1962, um avião espião da Força Aérea dos EUA fotografaram técnicos e militares soviéticos
construindo plataformas de lançamento de mísseis soviéticos de médio alcance. As tropas soviéticas, por sua vez,
detectaram o avião, mas não tinham ordens de contramedidas. No dia seguinte, novas fotos foram feitas confirmando
as anteriores.
Bases de foguetes e forças aéreas em Cuba em outubro de 1962, gráfico dos EUA.

Em 16 de outubro, uma terça-feira, o presidente John F. Kennedy foi informado da grave situação. O presidente reunido
com Alto Comando Militar discutiu medidas a serem tomadas: ataque aéreo, invasão ou aceitar a instalação dos
mísseis. O presidente ordenou mais voos de reconhecimento e sigilo sobre o caso. O público não foi informado, nem a
URSS.

Nos dias 17, 18, 19, 20 e 21 de outubro, novos voos foram realizados sobre Cuba. Fotos mais detalhadas permitiram
avaliar o tipo de míssil soviético instalado na ilha e seu alcance: até 4.500 km o que permitia atingir Washington e
importantes cidades industriais norte-americanas com um tempo de alerta de apenas cinco minutos. Os militares
ficaram impacientes e insistiram em um ataque aérea imediato. O presidente Kennedy preferiu um bloqueio naval para
impedir Cuba de receber novos mísseis e outras armas, equipamentos e munição. Na noite do dia 21, um telefonema da
Casa Branca aos editores dos principais jornais – New York Times, The Washington Post, New York Herald Tribune –
pediu que a imprensa se calasse, não fizesse reportagens antecipadas e anunciasse o discurso do presidente à nação a
ser feito às 19h do dia seguinte.

Raio de alcance dos mísseis soviéticos instalados em Cuba.

No dia 22 de outubro, uma segunda-feira, a crise veio a público. As forças dos EUA em todo o mundo foram colocadas
em estado de alerta (“Condição de Defesa 3”). Os governos da Grã-Bretanha, França, Canadá e República Federal da
Alemanha foram informados e garantiram apoio a Kennedy. Esforços semelhantes foram feitos junto aos governos da
América Central e do Sul para garantir apoio à posição americana, assim como na OEA e na ONU. O Brasil foi também
convocado para dar seu apoio aos EUA.

Finalmente, na noite do dia 22, em seu discurso em rede mundial pela televisão, o presidente Kennedy informou sobre
os mísseis soviéticos em Cuba e anunciou o bloqueio naval para o dia 24 de outubro. Ele ainda convocou o líder
soviético Nikita Kruschev a retirar os mísseis de Cuba ameaçando um contra-ataque atômico. A Crise dos Mísseis
estava anunciada ao mundo.

Kruschev respondeu no dia seguinte informando que não aceitava o bloqueio e garantiu que os mísseis eram apenas
para defesa. Os EUA, com autorização da ONU e da OEA, confirmaram a “quarentena naval” – o termo “bloqueio” foi
evitado pois, em inglês, ele se refere à ação militar.

Dia 24, às 10h da manhã, 200 navios de guerra americanos cercaram Cuba. Uma pressão efetiva contra Cuba e a URSS,
embora os comandantes americanos não pudessem disparar sem ordem do presidente.

Nos dois dias seguintes, a situação permaneceu tensa especialmente por que as duas potências deram sequência às
suas pesquisas nucleares realizando, inclusive, testes com bombas atômicas – uma forma de exibir forças e intimidar o
oponente.

O movimento “Women Strike for Peace”, também conhecido como “Women for Peace”,
organizou passeatas pedindo aos governos dos EUA e da URSS uma solução pacífica para
a Crise dos Mísseis.

O “sábado negro”
O dia 27 de outubro foi o ponto culminante da crise, o chamado de “sábado negro”. Um destroier dos EUA lançou
bombas de água contra o submarino soviético B-29 para forçá-lo vir à tona e ser identificado. O submarino carregava
armas atômicas, mas seu lançamento só poderia ser feito mediante a aprovação dos três oficiais a bordo. Um deles –
Vasily Alexandrovich Archipow – recusou-se a disparar um torpedo sem ordens expressas de Moscou.

No mesmo dia, um avião de reconhecimento U-2 partiu da base aérea de Orlando e foi abatido por um míssil soviético
S-75. O piloto Rudolf Anderson foi morto – foi a única morte da Crise dos Mísseis. Os militares americanos
pressionaram pela declaração de guerra, mas Kennedy proibiu expressamente um contra-ataque e exigiu mais
negociações.
À noite, o senador Robert F. Kennedy, irmão do presidente, e o embaixador soviético Anatoly Dobrynin reuniram-se para
negociar a solução do impasse em nome de seus países. Foi reiterada a decisão dos EUA em retirar seus mísseis
implantados na Turquia – uma exigência feita anteriormente por Kruschev se este retirasse os mísseis de Cuba. O
embaixador transmitiu a mensagem para Moscou e teve a concordância de Krushchev.

Fim da crise
Em 28 de outubro, um domingo, Kruschev anunciou na Rádio de Moscou a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba. Em
troca, Kennedy fez uma declaração pública de que os EUA nunca invadiriam Cuba sem provocação direta.

Em 5 de novembro começou a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba. Todas as ogivas nucleares foram levadas de
volta à URSS ficando na ilha apenas alguns mísseis convencionais de curto alcance como armas de defesa.

Os EUA suspenderam o bloqueio naval (mas não o econômico) em Cuba, oficialmente encerrado em 20 de novembro.
Mantiveram em segredo o desmantelamento de suas bases atômicas na Turquia – fato que sequer era conhecido pelo
público.

Míssil soviético R-12 (bomba nuclear) – do mesmo tipo que foi instalado em Cuba – desfilando na Praça
Vermelha, em Moscou. Fotografia feita pela CIA, 30 de abril de 1965.

Consequências
A Crise dos Mísseis terminou com concessões mútuas. Os soviéticos retiraram seus mísseis de Cuba em troca da
promessa americana de não invadir a ilha de Fidel Castro e de remover mísseis Júpiter da Turquia

Os grandes protagonistas nas negociações e solução foram o presidente dos EUA, John F. Kennedy, e o primeiro
ministro soviético, Nikita Kruschev. Conscientes das consequências de suas decisões, eles enfrentaram a pressão de
seus governos e não confiaram cegamente nos conselhos de seus ministros militares. Ambos decidiram pela
manutenção do equilíbrio de poder entre as potências e não pela destruição do oponente.

A crise demonstrou a necessidade de uma rápida, clara e direta linha de comunicação entre Washington e Moscou para
evitar um perigo à paz por erros, mal-entendidos ou atrasos no caminho da comunicação. Para isso, foi criado o Hot
Wire ou Telefone Vermelho, uma conexão permanente de telex entre EUA e URSS. Para evitar contra interceptação ou
falsificação de mensagens transmitidas, foi usada a tecnologia de criptografia. O Telefone Vermelho foi usado pela
primeira vez em 5 de junho de 1967, na Guerra dos Seis Dias entre Israel e os países árabes.

A crise levou, também, ao início das negociações sobre o controle de armas nucleares. Em 5 de agosto de 1963, foi
assinado um acordo entre EUA, Grã-Bretanha e URSS de proibição de testes com armas nucleares e outras explosões
na atmosfera, no espaço e na água (águas territoriais e alto mar). Posteriormente, o mesmo tratado recebeu a adesão
da República Federal da Alemanha (1963), da Índia (1963), de Israel (1964) e do Paquistão (1988, mas ainda não
ratificado).
Em 1968, os EUA, a URSS e outros 58 países aprovaram o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Os países
que já possuíam armamento nuclear comprometiam-se a limitar seus arsenais e os países que não os tinham ficavam
proibidos de desenvolvê-los, mas poderiam requisitar a tecnologia nuclear para fins pacíficos.

A partir de 1969 foram negociados os acordos SALT entre os EUA e a URSS que previam uma limitação dos mísseis
balísticos intercontinentais de ambos os países.

Kennedy introduziu um código obrigatório de liberação de ataques nucleares sob responsabilidade do presidente dos
EUA, retirando dos militares essa decisão. A URSS e a França fizeram o mesmo em 1968.

O líder soviético Nikita Kruschev (à esquerda) e o presidente norte-americano John Kennedy (à direita) medem
forças. Ambos estão sentados sobre uma bomba atômica e têm seus dedos prontos para acionar o botão de
disparo das bombas. A charge, de 1962, faz uma ironia: cada um deles está sentado sobre a bomba do outro
significando que uma guerra nuclear liquidaria ambos Estados.

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