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A chegada do homem à Lua e a Guerra Fria

Domingo, 20 de julho de 1969: pela primeira vez na História, o homem pisava na Lua. Era o auge da corrida espacial
entre Estados Unidos e União Soviética que colocava frente a frente duas potências de ideologias antagônicas. Para
entender esse feito é preciso buscar suas raízes na Alemanha nazista e contextualizá-lo nas tensões e disputas da
Guerra Fria em que as duas superpotências exibiram ao mundo seus avanços científicos usando-os para promover seus
regimes e ideologias.

Os nazistas e os primeiros testes com foguetes


Hitler incentivava os testes com foguetes sob comando do major-general Walter R. Dornberger em Peenemüne, no
litoral Báltico onde ficava o Centro de Pesquisa do Exército. Ali ocorreu o primeiro teste bem-sucedido do foguete V-2,
em 3 de outubro de 1942. No ano seguinte, o local foi bombardeado pelos aliados, e os alemães construíram outra
fábrica, subterrânea e mais segura, no norte do país. Começaram a construir foguetes V-2 e um míssil guiado do tipo ar-
ar quando a guerra acabou.

Os soviéticos tomaram a base de foguetes alemães no Mar Báltico, abandonada pouco tempo antes, e encontrarem a
fábrica subterrânea do V-2 onde aprisionaram alguns especialistas.

Mas o maior troféu caiu nas mãos dos norte-americanos: os planos secretos dos alemães e a equipe de 116 cientistas.
Entre eles estavam Walter R. Dornberger e Wernher von Braun.  O primeiro foi trabalhar no desenvolvimento de mísseis
guiados para a Força Aérea dos Estados Unidos. O segundo, considerado o mais experiente cientista espacial do
mundo, foi designado para o projeto aeroespacial americano.
Walter R. Dornberger (à esquerda, de chapéu) e Wernher von Braun (de braço
engessado).

Sputnik: o pioneirismo russo na corrida espacial


O aprisionamento dos cientistas alemães pelos americanos fez Stalin se apressar. Sob coordenação de Sergei P.
Korolev, o melhor projetista  de foguetes da Rússia, foi construída uma versão russa do V-2. Em 1949, os russos
realizaram testes de voo com uma tripulação de cães e coelhos, filmados no interior das estreitas cápsulas.

Em 4 de outubro de 1957, o Sputnik I, uma pequena nave sem piloto, atingiu uma altura superior a 800 km e completou
a órbita ao redor da Terra em 95 minutos. No mês seguinte, entrava em órbita o Sputnik II, bem maior do que o anterior,
levando a cadela Laika que nunca mais voltou à Terra.

A cadela Laika, o primeiro animal lançado ao espaço, viajou na nave soviética Sputnik II.

A Nasa e os satélites Explorer, dos EUA


As conquistas russas eram uma bomba de efeito moral contra os Estados Unidos. Elas desmentiam a propaganda
americana que alardeava que o comunismo, por cercear a liberdade do indivíduo, bloqueava a criação e a inventividade.
 Era preciso reverter logo essa disputa.

Em 1958, quatro meses depois do Sputnik II, os americanos lançaram o primeiro satélite de comunicações, o Explorer I,
levado pelo foguete Júpiter-C. Durante quatro meses, o satélite transmitiu dados quando suas baterias químicas de
níquel-cádmio se esgotaram. Seguiram-se outros satélites artificiais de comunicações, meteorológicos e espiões,
incluindo sondas para explorar outros planetas.

Em julho de 1958 foi criada a agência espacial Nasa (sigla em inglês de National Aeronautics and Space Administration),
responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial dos Estados Unidos.

A Nasa passou a controlar o programa de satélites Explorer que continua em atividade ainda hoje. Até 2011, o programa
já havia enviado 90 missões ao espaço para estudos astronômicos.

As tensões entre Washington e Moscou aumentavam a cada notícia de avanço tecnológico. As duas superpotências
possuíam bombas atômicas e a bombas H, quinhentas vezes mais potente que a atômica, caças supersônicos,
submarinos e porta-aviões nucleares.

As naves espaciais eram consideradas uma vantagem no caso de uma guerra atômica e a possibilidade desse
apocalipse mundial crescia a cada dia. “A maior questão dos nossos dias é saber com certeza se haverá um amanhã”,
comentou Kwame Nkrumah, líder da jovem nação de Gana em 1958.

A Lua cada vez mais perto


Em janeiro de 1959, os soviéticos lançam o Luna I, veículo não tripulado, o primeiro a chegar perto (cerca de 6 mil km)
da Lua, com sucesso. É considerado como “primeiro foguete cósmico”, pelo fato de ter atingido a velocidade de escape.
Um terceiro veículo foi até a órbita lunar e fotografou o lado que sempre estivera oculto para os observadores da Terra.

O triunfo soviético foi celebrado nos jornais, programas de rádio e nas escolas promovendo ainda mais as glórias do
comunismo.

O maior desafio, contudo, ainda não fora alcançado: enviar um ser humano para o espaço sideral. Os perigos eram
evidentes. A nave precisava atingir a velocidade necessária para vencer a gravidade terrestre, caso contrário, seus
passageiros se precipitariam para a morte certa. Uma vez no espaço, a nave deveria resistir ao choque térmico: de um
lado seria aquecida pelos raios do Sol podendo chegar a 120oC, enquanto o outro seria resfriado até muito abaixo de
zero.

Os astronautas precisavam de um traje especial que os protegessem das alterações de pressões e temperatura. Pela
falta de gravidade, era necessário amarrá-los, para que tivessem estabilidade suficiente para comer e dormir. Migalhas
de comidas não podiam flutuar na cabine arriscando penetrar e danificar os delicados instrumentos.

Iuri Gagarin, o primeiro astronauta


Enquanto os americanos debatiam-se em centenas de dúvidas, os soviéticos eram mais ousados e permaneciam na
dianteira. Vários astronautas russos estavam sendo preparados em segredo.

Em 12 de abril de 1961, os soviéticos lançaram a nave Vostok I, pilotada por Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar
para o espaço. Esteve em órbita durante 108 minutos, a uma altura de 315 km, num voo totalmente automatizado, com
uma velocidade aproximada de 28 000 km/h.  Ao avistar a Terra do espaço, Gagarin disse:

A Terra é azul. Como é maravilhosa. Ela é incrível!


Iuri Gagarin, na nave Vostok I, foi o primeiro homem a viajar para o espaço.

O feito impressionou o mundo e Gagarin tornou-se imediatamente uma celebridade soviética e mundial. Declarado
herói na União Soviética, recebeu a medalha Ordem de Lenin. Viajou por vários países promovendo a tecnologia
espacial de seu país sendo recebido por autoridades e multidões por onde passava.

Na América, esteve em Cuba e no Brasil (1961), passando pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Foi recebido e
condecorado pelo então presidente Jânio Quadros com a Ordem do Cruzeiro do Sul e chamado de “Embaixador da
Paz”.

Gagarin não voltou mais ao espaço. Foi destacado para participar no treino de outros astronautas e, depois, no treino
de pilotos de caça nos novos MiG da Força Aérea soviética.  Morreu em 1968, em um voo de rotina em um caça MiG-15,
num acidente nunca devidamente esclarecido.

As tensões da década de 1960


Os Estados Unidos, mais uma vez, se sentiram passados para trás pelos soviéticos. Em 24 de maio de 1961, um mês
após a viagem espacial de Gagarin, o presidente John F. Kennedy, perante o Congresso dos Estados Unidos, lançou o
desafio:

“Eu acredito que esta nação deve comprometer-se em alcançar a meta, antes do final desta década, de pousar um
homem na Lua e trazê-lo de volta à Terra em segurança”.

Mas a década que se iniciava impôs outros problemas oriundos das disputas e tensões da Guerra Fria. Em agosto de
1961, o governo soviético mandou erguer, em Berlim, um muro de concreto de 3 metros de altura, fortemente
guarnecido com postos de vigilância policial, minas explosivas e barreiras de arame farpado circundando toda Berlim
Ocidental (lado capitalista) e separando a cidade da Alemanha Oriental (socialista). O Muro de Berlim acabou por
simbolizar a própria Guerra Fria e a divisão do mundo em dois blocos.
Construção do Muro de Berlim, 1961: ao dividir o lado soviético do capitalista acabou por se tornar o maior símbolo da
Guerra Fria.

A divisão entre capitalistas e comunistas também dividiu países e desencadeou conflitos, como foi o caso da Guerra do
Vietnã (1960-1973). Em 1962, os Estados Unidos enviaram 10 mil militares para o Vietnã do Sul, efetivos que
aumentaram nos anos seguintes.

O envio de tantos jovens para a guerra desencadeou, em numerosas cidades americanas e europeias, protestos contra
a corrida armamentista e movimentos pela paz que acabavam em confrontos entre estudantes e a polícia.

Na América, a Revolução Cubana, iniciada em 1957 por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, levou os Estados Unidos a
montarem uma operação para derrubar o governo revolucionário. Mas foi um fracasso total. Em 1962, ocorreu a Crise
dos Mísseis: quatro dias (22 a 26 de outubro) em que o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear total.

Um ano depois do fim da crise cubana, um acontecimento reavivou as tensões: o assassinato do presidente John F.
Kennedy, em Dallas, nos Estados Unidos (23 de novembro de 1963). O crime nunca foi plenamente explicado.

John Kennedy ao lado da esposa Jacqueline desfila em carro aberto momentos antes do assassinato, Dallas, Texas, 1963.

Continua a corrida espacial


Antes de morrer, Kennedy amargou outro sucesso soviético: em 16 de junho de 1963, a nave russa Vostok VI levou a
primeira mulher ao espaço – Valentina Tereshkova. Até os dias atuais, é a única mulher a ter feito um voo solo ao
espaço.

Valentina completou 48 órbitas ao redor da Terra, no total de 71 horas, quase três dias – muito mais tempo no espaço
que todos os astronautas norte-americanos tiveram juntos. A experiência foi difícil, Valentina passou por náuseas e
vômitos constantes e ao retornar estava desidratada e debilitada.

Valentina Tereshkova a primeira mulher, e ainda hoje a única, a ter feito sozinha um vôo ao
espaço.

Para fazer frente aos soviéticos, os Estados Unidos lançaram um programa espacial ainda mais ousado:  chegar a
Marte, um planeta que supostamente abrigava organismos vivos. Em 28 de novembro de 1964, foi lançada a nave
americana não tripulada, a Mariner IV. Milhares de fotografias e outras imagens da superfície marciana mudaram em
grande parte as ideias da comunidade científica sobre a vida em Marte. Era um planeta de crateras, de terreno frio e
avermelhado, coberto de pedras e assolado por ventos fortes.

Programa Apolo e o espetáculo do homem na Lua


O governo americano voltou a privilegiar o Programa Apolo que, desde 1961, trabalhava para alcançar o objetivo de
pousar uma nave tripulada na superfície da Lua antes que a década terminasse. Na Nasa, Wernher von Braun trabalhava
no desenvolvimento do foguete Saturno V que levaria a cápsula Apolo XI e o módulo lunar Águia. A bordo, viajavam três
astronautas: Neil Armstrong, Edwin Aldrin Jr. e Michael Collins.

Por fim, ao custo de 22 bilhões de dólares e a mobilização de 400 mil pessoas, a 16 de julho de 1969, o foguete Saturno
V com 110 metros de altura e 3.500 toneladas foi lançado do cabo Canaveral (hoje cabo Kennedy), na Flórida.
Quatro dias depois, já em órbita lunar, o módulo Águia foi separado da cápsula Apolo e pousou na Lua. Neil Amrstrong
anunciou no rádio: “Houston, aqui Base da Tranquilidade. A Águia pousou”. A mais de 300 mil km dali, o anúncio foi
ouvido pelo mundo que acompanhava ao vivo as comunicações de rádio entre o Centro Espacial Johnson, em Houston
e a Apolo XI. Cerca de 850 jornalistas de 55 países, falando 33 línguas diferentes registraram o acontecimento. A
comoção foi geral.

Seis horas e meia após o pouso, a escotilha da Águia foi aberta e Neil Armstrong desceu. Ao pisar em solo lunar lançou
sua frase célebre:

“É um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”.

Uma câmara de TV preto e branco registrou o feito transmitindo-o ao vivo para todo o mundo.  Estima-se que 600
milhões (ou 1 bilhão, segundo outras fontes) de pessoas assistiram a transmissão. O homem, finalmente, pisara na
Lua. Era o dia 20 de julho de 1969, domingo, 23h56min (horário de Brasília).

Edwin Aldrin Jr. juntou-se a Armstrong alguns minutos depois e por cerca de duas horas os astronautas examinaram o
módulo lunar, tiraram cerca de 100 fotografias, recolheram amostras de solo, instalaram instrumentos científicos,
conversaram com Richard Nixon, o presidente americano e, o gesto mais significativo, hastearam a bandeira americana
em solo lunar e prestaram-lhe continência.

Deixaram, na Lua, a bandeira e uma placa comemorativa com os dizeres:

“Aqui, homens do planeta Terra pisaram na Lua pela primeira vez. Nós viemos em paz, em nome de toda a
humanidade. Julho de 1969 d.C.”

O astronauta Edwin Aldrin Jr. frente à bandeira norte-americano fincada no solo lunar, 1969.

Vitória americana e conquistas tecnológicas


Os astronautas foram recebidos como heróis. Desfilaram em carro aberto nas principais cidades americanas e fizeram
uma série de viagens promocionais pelo mundo. Armstrong e Collins estiveram no Brasil, em outubro de 1969.

A conquista espacial ajudava o governo americano a encobrir derrotas em Terra. Naquele ano, intensificavam os
combates no Vietnã sem que os americanos conseguissem vencer as guerrilhas dos vietcongues. O movimento negro
crescia nos Estados Unidos culminando no assassinato de seu líder Martin Luther King em 1968 causando uma onda
de protestos em todo país. Do lado soviético, as coisas também não iam bem. Na Tchecoslováquia, em 1968, 
 descontentamento contra o domínio soviético foi calado por canhões na Primavera de Praga.

O Programa Apolo continuou até 1972. Ao todo enviou 18 homens ao espaço dos quais 12 puseram os pés na Lua e lá
fizeram experimentos científicos.  Desde a última missão, a Apolo 17, em dezembro de 1972, nenhum homem voltou a
pisar no solo lunar.

As 2.200 pedras (cerca de 400 kg de rochas) trazidas pelas seis missões Apollo que pousaram na superfície da Lua
permitiram descobrir 75 novas variedades de minerais, a maioria de silicatos.

A tecnologia desenvolvida para as viagens espaciais resultou em tecnologias e equipamentos diversos que hoje
usufruímos como:

Medidor de pressão arterial,


GPS (sistema de posicionamento global),
Telefonia por satélite,
Previsões meteorológicas mais precisas,
Transmissão de tv por satélite,
Substituição das válvulas por transístores,
Roupas anti chamas,
Sensores de incêndio,
Tintas e revestimentos a prova de fogo,
Sistema de amortecimento de tênis de corrida,
Filtragem e purificação de ar,
Óculos escuros com proteção UV,
Lentes de contato,
Alimentos desidratados e congelados,
Revestimento antiaderente em panelas
Monitores cardíacos,
Desfibriladores automáticos.

A corrida espacial e seus resultados, contudo, vão muito além das tecnologias desenvolvidas. Em 1990, a fotografia da
Terra feita pela sonda Voyager 1 mostrava nosso planeta como um pálido ponto azul, uma poeira no imenso universo.
Essa foto inspirou o cientista e astrônomo americano Carl Sagan a escrever o livro Pálido Ponto Azul, em 1994.
“Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. (…) Nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de
religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, (…) cada rei e camponês, (…) inventor e explorador, cada
professor de ética, cada político corrupto, (…) cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali – em um
grão de pó suspenso num raio de sol.

A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos
aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma
fração de um ponto. (…)

O nosso planeta é um grão solitário na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta
vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar para nos salvar de nós próprios.

A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que abriga vida. Não há outro lugar, pelo menos no futuro próximo, para
onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, a Terra é onde temos de
ficar por enquanto”.

A Terra é um minúsculo ponto, distante 6.4 bilhões de quilômetros, no meio de um raio solar, circulado em azul. Foto tirada da sonda Voyager 1,
1990.

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