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O nascimento do Direito Penal moderno:

Iluminismo & Liberalismo

DIR5106 - História do Direito


Curso de Graduação em Direito
Prof. Diego Nunes
Deusa Iustitia em ilustração à
edição italiana de 1774 do livro
“Dos delitos e das penas”, de
Cesare de Beccaria.
O “problema”
penal
TARELLO, Giovanni. O problema penal no
século XVIII. In: DAL RI JR., Arno;
SONTAG, Ricardo (org.). História do Direito
Penal entre medievo e modernidade. Belo
Horizonte: Del Rey, 2011.
“ILUMINISMO PENAL”
Giovanni Tarello

• O «problema penal»: século XVIII

• Existe, fazendo referência a qualquer sujeito, um direito de punir, ou seja, de in igir


um mal a um outro sujeito, baseado na ação ou no modo de ser do segundo sujeito?
• Admitindo-se que tal direito exista, a quem pertence?

• De nido a quem pertence, contra quem se aplica?

• Quais punições são lícitas, ou seja, que tipos de males podem ser in igidos a um
sujeito em função de uma ação ou modo de ser deste último? Quais ações ou modos
de ser podem ser tomadas como pressupostos de um direito de punir?
• Existe uma relação natural entre o tipo de punição e o tipo de ação ou modo de ser
punidos? Caso sim, que tipo de relação? Como se executam as punições?
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“ILUMINISMO PENAL”
Giovanni Tarello
• Secularização: crime = pecado
• Igreja/Deus X Estado/Soberano
• status privilegiado ao novo direito penal dos soberanos (lei = vontade)
• Triunfo do paradigma “hegemônico”
• Regula poucas coisas, mas de modo e caz
• Utilitarismo (paz/ nanças)
• Humanidade (mal su ciente)
• Proporção (crime-pena: retribuição)
• nullum crimen, nulla poena sine lege (Feuerbach)
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Um manifesto
iluminista
BECCARIA, Cesare Bonesana,
Marchesi di. Dos delitos e das penas.
Tradu o de J. Cretella Jr. e Agnes
Cretella. 2. ed. rev., 2. tir. S o Paulo:
RT, (1764) 1999.



O AUTOR
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738/93)

• Lombardia austríaca (Milão)


• philosophes: crítica intelectual
• Accademia dei Pugni (irmãos Verri)
• jornal Il Ca è
• Iluminismo: “despotismo esclarecido”
• Carreira burocrática
• Relutância com a própria obra
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A OBRA
Dos delitos e das penas (1764)

• Publicação anônima

• Edição francesa (1766): acesso aos círculos


iluministas (Voltaire e Diderot)
• Edições revisadas e ampliadas

• Revoluções americana e francesa

• Despotismo esclarecido (Catarina II da Rússia)

• Autoria controversa: Pietro Verri?


• Grandes linhas do Iluminismo em Beccaria:

• Abordagem: um «problema penal», e não de


justiça
• problema da liberdade do homem como base

• Dialética: ordem/Estado e liberdade/indivíduo

• bem comum, segurança pública

Dos delitos e das penas • garantias individuais

• Não há uma nítida separação da parte material e


da processual
• raciocínio vai em direção ao direito material

• processo penal também mudará

• Reviravolta do sistema probatório

• princípio da inocência: ônus da prova - Tortura


• possibilidade de um direito penal pensado em
abstrato:
• meio de inserção do aspecto garantista da lei

• Humanização é pressuposto para e cácia

• Dupla via: sem ingenuidade

• direito penal torna-se estático [«fotogra a»]


Dos delitos e das penas • não pode ser mais o mundo das Practicae

• nova tipologia de fontes: primado da lei

• Eliminar as margens de arbitrium (negativo)

• livro não é um tratado, mas um manifesto

• Lógica do período: denúncia dos «doutos»

• Forma: código
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Da “justiça criminal”
ao “direito penal”

SBRICCOLI, Mario. Justiça criminal. In:


Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n.
17/18 (2011).
“ILUMINISMO PENAL”
Mario Sbriccoli

• Da «lei-potência» à «lei-garantia»

• mutação parcial: dialética

• imposição de uma simpli cação – abstração

• problema: situações excepcionais

• solução: leis excepcionais

• «duplo nível de legalidade»

• França: código de 1791 – lei de 1793 [terror]

• ideia é blindar o caráter hegemônico, mas há limitações


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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Códigos

• O “problema penal” moderno: a lei

• Nexo indivíduo-Estado-controle social

• Separação entre interpretação e aplicação: irretroatividade e proibição de analogia

• Nullum crimen nulla poena sine lege

• Simpli cações

• Modernidade da legalidade penal

• Papel estratégico do princípio


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CODIFICAÇÕES ILUMINISTAS
Códigos

• Consequências destas transformações recaem nos códigos quase que imediatamente


• Modo revolucionário de pensar o direito, mas não é uma causa direta das revoluções
• Não são transcrições, mas contaminações
• “Leopoldina” (Toscana) – 1786
• “Jose na” (Áustria) – 1787
• CP francês
• revolucionário – 1791
• Napoleônico – 1810
• Ideais iluministas pensados para uma aplicação imediata
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Iluminismo
Luso-Brasileiro
FREIRE, Pascoal José de Melo, Codigo
criminal intentado pela Rainha D. Maria I.
2 ed. Lisboa: Typographo S.T. Ferreira,
(1786) 1823.
Projeto de
Código Criminal
Paschoal de Mello Freire (1786)
• Modernização:

• nacional (“boa razão”)

• internacional (Beccaria)

• Sistematização didática (Coimbra)

• Racionalização:

• disciplinamento social: “muito defeituosa”

• Crítica às ordenações: “inconsequente, injusta e cruel”

• Projeto rejeitado:

• razões pessoais
• m do pombalismo
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Projeto de Código Criminal
Paschoal de Mello Freire (1786)

• “Titulo I. Dos delictos. O que por sua vontade obrar


qualquer acção que a lei prohibe, ou deixar geralmente
de fazer o que ela manda, commete delicto”
• “Titulo III. Das penas. O castigo necessario, que a lei
faz so rer ao criminoso, tem por m não só a
reparação do damno, já feito, mas obstar e impedir
que elle continue a fazer mal, e que os outros o fação
com o exemplo da sua impunidade”
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Uma economia
das penas

BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. 2 ed.


Belo Horizonte: Autêntica, (1785) 2008.
O AUTOR
Jeremy Bentham (1748-1832)
• Londres (Reino Unido)

• philosophes: crítica intelectual

• Iluminismo: “espectro”

• «Lincoln’s Inn» (prática jurídica)

• Carreira acadêmica

• Utilitarismo

• Codi cação (pannomion)

• Penas (panopticon)

• Economia
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O Panóptico
Jeremy Bentham (1785)
• Princípio da legalidade:
• lei como vontade do soberano, desde que útil
• racionalidade do código
• Menor sofrimento possível, maior fruição dos
direitos (liberdade-propriedade)
• Sujeito racional – vantagem diferida/imediata
• quem não – governar!
• Mais que ameaça e punição, disciplina:
• cárcere (duplicação dos sujeitos)
• Clareza dos métodos punitivos – dupla
direção: juiz e população?
• Enunciações: juiz como intermediário

• originário (estabelecimento do delito)

O “destinatário” da lei • reforço (execução da pena)

em Bentham • Exemplaridade econômica: Instrumentalidade


das penas
• Correção individual dos comportamento

• dispositivo: panopticon
A codi cação penal
brasileira: entre
in uências e modelos
NUNES, Diego. The “Code Pénal” in the Itinerary
of the Criminal Codi cation in America and
Europe: “In uence” and Circularity of Models. In:
MASFERRER, Aniceto. The Western codi cation
of Criminal law - A revision of the Myth of its
Predominant French In uence. Heidelberg, New
York, London: Springer, 2018.
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CODIFICAÇÃO PENAL NO BRASIL
Diego Nunes
• Mandamento: Constituição de 1824 (art. 179, XVIII)
• “baseada sobre os critérios de justiça e equidade”
• Projetos B.P. de Vasconcelos & Cl. Pereira (1826)
• Grande prestígio entre os juristas
• Brasileiros – doutrina
• Exterior – tradução para o francês
• Engenho local
• Hereditariedade: Autoconsciência “periférica”
• Autonomia: libertação do “terrível” Livro V das Ordenações
“Código Criminal do
Império do Brasil” (1830)
Diego Nunes
• Mito republicano sobre o CCrim/1830 X CP/1890

• “In uências”

• Doutrina/projetos: o inglês Bentham, o


estadunidense Livingston, o português Mello Freire,
o alemão Feuerbach...
• Direito comparado: códigos francês, austríaco,
bávaro e napolitano
• Estudos: Bravo Lira (Áustria); Za aroni & Batista
(França); V. Costa (Espanha - 1822/1848)
• “Códigos nascem de códigos” (A. Cavanna): “colcha
de retalhos”
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A codi cação penal
brasileira: entre
in uências e modelos
NUNES, Diego. Codi cação, Recodi cação,
Descodi cação? Uma História das Dimensões
Jurídicas da Justiça no Brasil Imperial a partir do
Código de Processo Criminal de 1832. Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 74, 2019.
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O CÓDIGO E A JUSTIÇA PENAL
Diego Nunes

• O que signi cou o processo de codi cação do direito processual na construção do direito
nacional?
• Codi car era romper com o passado português.

• O que signi cou o processo de codi cação do direito processual na construção de um direito
nacional?
• A tradução cultural do júri (e do habeas corpus) no sistema de justiça criminal brasileiro.

• O que signi cou o processo de codi cação do direito processual na construção do Estado
nacional?
• A “justiça cidadã” entre determinação e administração da justiça.
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“Código do Processo
Criminal do Império do
Brasil” (1832)
Diego Nunes
• Codi cação

• grand jury (pronúncia) e petty jury (julgamento)

• Recodi cação

• 1841 - redução de poderes do júri com relação


ao juiz togado ( m do júri de pronúncia)
• 1871 - Nascimento do inquérito policial

• Descodi cação

• República - "códigos" dos estados e da União


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O “PROGRAMA”
DE CARRARA
CARRARA, Francesco. Programa do Curso
de Direito Criminal. São Paulo: Saraiva,
(1859) 1956.
O AUTOR
Francesco Carrara (1805-1888)
• Pisa (Itália)
• Representante mais famoso da chamada “escola
clássica” de DP
• Atuou junto às principais fontes do direito:
• senador (legislação)
• penalista (doutrina)
• advogado (jurisprudência)
• Após sua morte, a cátedra de DP da Universidade
de Pisa foi ocupada por Enrico Ferri, representante
da “Escola Positiva” de DP
A OBRA
Programa do Curso de Direito Criminal

• Para estudantes (“manual”): clareza

• Por que “programa”?

• Síntese, não exposição completa

• “Ciência criminal”: moderar abusos da


autoridade do legislador
• Ordem lógica, pré-existente
• Estado de natureza —> Estado social?

• Homem nunca deixou de viver em sociedade

• Homem: ser moral (jusnaturalismo católico)

• Proibição, sanção e juízo: complemento


indispensável à lei natural
• Ordem —> autoridade
“Prolegômenos” • Não é necessidade política, mas natural

• Contra o arbítrio

• Punição: defesa/justiça (essência do direito)

• Direito penal protetor da liberdade do homem

• Internamente – paixões

• Externamente – fortes/fracos
• Ciência penal

• Magistério penal X polícia

• arte do bom governo – utilidade

• Intenção/moralidade

• Diversa daquilo que está nos códigos

“Prolegômenos”
• “parte geral”: delito-pena-juízo

• “parte especial”: fatos

• também analisados em sua ontologia

• É Teoria: arquétipos (especulativa) - verdade

• E a prática?: lei do Estado! (positiva) - império

• direito penal ' losó co' X 'direito penal positivo'

• “Escola italiana”: Direito X força


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Direito Penal
entre
política e justiça
SBRICCOLI, Mario. Política e justiça em
Francesco Carrara. In: Meritum, Belo
Horizonte, v. 5, n. 1 (2010).
A “PENALÍSTICA CIVIL” ITALIANA
Mario Sbriccoli
• Direito penal: tema político, matéria técnica

• Philosophes: loso a do direito penal

• Penalistas: fundação losó ca da ciência do direito penal

• Con ito: ordem X liberdade

• Polícia

• Opinião pública

• Criminalidade urbana e rural

• Contra a “razão de Estado”

• Geração de penalistas liberais

• Codi cação liberal


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POLÍTICA E JUSTIÇA
Mario Sbriccoli

• Repressão por leis excepcionais:


• “emergência”
• “duplo nível de legalidade”
• Contradições do Estado liberal do século XIX
• Atitude radical do jurista contra o poder político
• “cobertura dos doutos”/“escudo da ciência”
• Só um testemunho?
• Liberalismo não cumpriu as promessas da modernidade
O PROBLEMA DA CODIFICAÇÃO
Mario Sbriccoli
• Contra a unidade da codi cação
• Problema da pena de morte
• Contra o modelo francês
• “plebiscito dos juristas”
• “código penal” da ciência (tradição), não da política (revolução)
• Práticos (Farinaccio, Claro), lósofos (Beccaria, Filangieri, Romagnosi), publicistas (Carmignani,
Carrara)
• Carrara = Savigny? Espiritualismo
• “Quando a lei trai a ciência, merece ser traída pelos juízes”
• Reconhecimento da doutrina pelo legislador
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