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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RMB
Nº 70085742955 (Nº CNJ: 0001395-17.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO


CRIMINAL. NULIDADE POSTERIOR À
PRONÚNCIA. NÃO CONFIGURADA. ATENUANTE
GENÉRICA. NÃO INCIDÊNCIA. CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO.
1. NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA. Não
configura inovação na tese acusatória a argumentação
explanada com base em dados colhidos da prova produzida
no curso da instrução e em Plenário – referindo possível, o
Dr. Promotor de Justiça, a situação de violência tenha sido
também impulsionada por preconceito racial -,
especialmente porque formulada, a quesitação pertinente ao
motivo torpe, nos exatos termos da denúncia. 2. DO ERRO
OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA
PENA. ATENUANTE GENÉRICA. Incabível a incidência
da atenuante genérica do art. 66 do CP, já que ausente o seu
requisito, qual seja, ser "circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não prevista expressamente em
lei", e que possa ser considerada para a diminuição da pena.
Isso porque a dedicação posterior à vida acadêmica não
consubstancia circunstância relevante posterior relacionada
ao fato criminoso, mas, sim, comportamento socialmente
esperado do cidadão comum, especialmente na faixa etária
do embargante (38 anos de idade, quando interrogado em
Plenário). CONFISSÃO ESPONTÂNEA
QUALIFICADA. Incidente a atenuante da
confissão qualificada, em que invocada a tese exculpante de
legítima defesa, porém aplicada na fração de 1/12 para a
redução da pena. Precedente do e. STJ. Relatora vencida no
ponto.
EMBARGOS INFRINGENTES PARCIALMENTE
ACOLHIDOS. PREVALÊNCIA DO VOTO MÉDIO.

EMBARGOS INFRINGENTES E DE PRIMEIRO GRUPO CRIMINAL


NULIDADE

Nº 70085742955 (Nº CNJ: 0001395- COMARCA DE OSÓRIO


17.2023.8.21.7000)

MINISTERIO PUBLICO EMBARGADO

ALEXANDRE CAMARGO ABE EMBARGANTE

T.L.S.S. EMBARGADO/ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO

1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RMB
Nº 70085742955 (Nº CNJ: 0001395-17.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Primeiro Grupo Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, POR MAIORIA, ACOLHER, EM PARTE, OS EMBARGOS
INFRINGENTES, PREVALECENDO O VOTO MÉDIO, para fazer prevalecer o voto
dissidente tão somente em relação ao reconhecimento da atenuante da confissão e, assim,
redimensionar a reprimenda do acusado ao patamar de 16 (dezesseis) anos e 06 (seis) meses
de reclusão.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores
DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS (PRESIDENTE), DES. SANDRO LUZ
PORTAL, DES.ª ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, DES. MARCELO
LEMOS DORNELLES, DES. RÉGIS DE OLIVEIRA MONTENEGRO BARBOSA E
DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ.
Porto Alegre, 15 de março de 2024.

DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA,


Relatora.

RELATÓRIO
DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA (RELATORA)

Trata-se de embargos infringentes opostos por ALEXANDRE


CAMARGO ABE, em face do acórdão da 1ª Câmara Criminal que, nos
autos da Apelação-Crime nº 70085139566, e respectivos Embargos de
Declaração, de nº 70085615151, por unanimidade, desproveu o apelo do
Ministério Público e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da
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defesa para diminuir a pena ao patamar de 18 anos de reclusão, vencido o


ilustre Desembargador Jayme Weingartner Neto que acolhia a preliminar de
nulidade do julgamento pelo Tribunal do Júri e, no mérito, reduzia a pena
privativa de liberdade imposta ao réu ao patamar de 15 anos de reclusão
(fls. 3.209/3.231; 3.257/3.260).

Em razões recursais, a defesa pede a prevalência do voto


dissidente que acolheu a preliminar de nulidade processual posterior à
pronúncia, por ofensa ao princípio da correlação e da ampla defesa,
entendendo que a acusação teria adotado estratégia desleal em Plenário ao
destacar possível situação de racismo não delineada na inicial acusatória.
Modo subsidiário, pugna pela No tocante à reprimenda imposta, pleiteia a
aplicação das atenuantes inominada (art. 66 do CP) e da confissão
espontânea (art. 65, III, “d”, CP), como posto no voto vencido. Pugna pela
prevalência, assim, do voto divergente (fls. 3.309/3.315).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e


desprovimento dos embargos infringentes.

Foi apresentada manifestação pelo assistente de acusação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS
DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA (RELATORA)

Pretende o embargante a prevalência do voto dissidente, de


lavra do e. Desembargador Jayme Weingartner Neto, no ponto em que
anulava o julgamento por entender configurada tese inovadora em relação
à circunstância qualificadora especificamente imputada ao acusado na
denúncia, com suficiente magnitude para influenciar o ânimo dos

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jurados, violados o contraditório e a plenitude de defesa, prejudicados


os demais fundamentos da insurgência defensiva, in verbis:

Com a vênia do eminente Relator, apresento divergência. Pedi vista, como


adiantei na sessão passada, para refletir acerca das alegações da combativa
defesa, especialmente no que tange à nulidade esgrimida. A sustentação
oral, veemente, levantou incidentes relevantes durante os debates. Consigno
que já havia recebido memoriais pelos advogados e também, depois da
vista, esteve em meu gabinete o nobre Promotor de Justiça Dr. Fernando
Andrade Alves, que atuou em plenário.
Adianto minha conclusão: é de ser anulado o julgamento, em face de
inovação acerca de qualificadora especificamente imputada ao réu na
denúncia e bitolada na pronúncia, com evidente capacidade de influenciar o
ânimo dos jurados, mormente no caso concreto, violando, assim, o
contraditório e a plenitude de defesa. O pano de fundo, não me escapa, é a
própria autonomia das partes nas escolhas profissionais de plenário, e sua
ampla liberdade de expressão. Com olhos neste horizonte, passo a
fundamentar.
Primeiro, temos precedentes desta Câmara, reiterados, no sentido de que a
inovação acusatória, em plenário, mesmo que não tenha reflexo formal na
quesitação, causa prejuízo defensivo e leva ao acolhimento da nulidade, na
singularidade de julgamento por íntima convicção não fundamentado.
Cito, como emblema, e pela notável similaridade com o caso em apreço:
APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI.
CONDENAÇÃO. NULIDADE. DEBATES. FUNDAMENTO
NOVO. AGENTE MINISTERIAL QUE, EXPRESSAMENTE,
SUSTENTA “SUSPEITAR QUE O EFETIVO MOTIVO
TORPE” DO DELITO SERIA OUTRO QUE NÃO AQUELE
DESCRITO NA EXORDIAL ACUSATÓRIA.
CONFIGURAÇÃO DE TESE INOVADORA ACERCA DE
CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA
ESPECIFICAMENTE IMPUTADA AO ACUSADO NA
DENÚNCIA, GERANDO PERPLEXIDADE. POTENCIAL
CAPACIDADE DE INFLUÊNCIA NO ÂNIMO DOS
JURADOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO JÚRI.
Apelo defensivo provido. Apelo ministerial prejudicado.
(Apelação-Crime, Nº 70074942459, Primeira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José
Martinez Lucas, Julgado em: 07-03-2018)

No mesmo sentido:
APELAÇÃO DOS RÉUS CESAR E VALDOIR. TRIBUNAL
DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE
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POSTERIOR À PRONÚNCIA. INOVAÇÃO ACUSATÓRIA.


PREJUÍZO DEFENSIVO. NULIDADE ACOLHIDA. Logo
após a abertura da sessão de julgamento, o Ministério
Público requereu a reabertura do inquérito policial em
relação à José Dalvani, informando ao plenário que este
seria o mandante do crime, bem como o mandante de um
esquartejamento ocorrido em Porto Alegre. O fato de o
Ministério Público ter deixado para apontar um mandante
para o delito no início do julgamento, indubitavelmente,
causa surpresa para a defesa, configurando inovação
acusatória. Isso inviabiliza o pleno exercício da defesa, na
medida em que o defensor não pode se preparar para
enfrentar o caso sob uma nova ótica, considerando a
mudança na dinâmica dos fatos. É verdade que se trata de
um pedido de reabertura do inquérito em relação à pessoa
de José Dalvani. Não há alteração formal da acusação, o
que ocorre nos casos de aditamento da denúncia. Todavia,
os jurados julgam de acordo com a sua convicção, e não
com os termos a lei. De maneira indireta, o Ministério
Público vinculou os réus a um caso de esquartejamento,
bem como a uma pessoa conhecida pela população pelo
envolvimento com fatos criminosos. Demonstra-se pouco
provável que a situação narrada não tenha influenciado
consideravelmente o entendimento do Conselho de
Sentença. Portanto, a anulação do julgamento realizado
pelo Tribunal do Júri consiste em medida inexorável.
APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA RÉ
CAMILA. AUSÊNCIA DE NULIDADES POSTERIORES À
PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. VEREDICTO
QUE NÃO SE AFIGURA MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS, ENCONTRANDO
RESPALDO EM TESTIGOS COLHIDOS AO LONGO DA
INSTRUÇÃO CRIMINAL. SOBERANIA DA DECISÃO
POPULAR. ÍNTIMA CONVICÇÃO DOS JURADOS.
DOSIMETRIA DA PENA INADEQUADA. REDUÇÃO DA
PUNIÇÃO. ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL. Apelos
dos réus Cesar e Valdoir providos, com a declaração de
nulidade do julgamento. Apelo do Ministério Público
improvido. Apelo da ré Camila parcialmente provido.
(Apelação Criminal, Nº 70079322178, Primeira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José
Martinez Lucas, Julgado em: 11-09-2019).1

1
E mesmo nas mais sutis flutuações em torno da espécie de dolo, direto ou eventual, a
postura do Primeiro Grupo Criminal tem sido a mesma, por exemplo: Embargos Infringentes
e de Nulidade, Nº 70085419844, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Redator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em:
10-12-2021) .
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Passo a analisar o caso dos autos. O recorrente aponta quatro incidentes,


ao longo dos debates, registrados em ata e aferíveis diretamente pelo
registro audiovisual, todos atribuídos ao denodado Promotor de Justiça Dr.
Eugenio Paes Amorim: (i) durante a fala da defesa, o promotor “fazia
caretas e ironizava a linha de defesa” e usou de argumento “ad hominem”
contra o advogado (Dr. Rodrigo), associando-o ao réu de caso notório que
versa sobre crime hediondo (Leandro Boldrini, Caso Bernardo); (ii) ao final
da fala do outro advogado (Dr. Ezequiel), o promotor ridicularizou o
profissional, novamente em argumento “ad hominem”, tachado de “sem-
vergonha”; (iii) o promotor teria utilizado o decreto de prisão preventiva
como argumento de autoridade; (iv) o promotor inovou a tese acusatória,
modificando o motivo do crime, alegando racismo, diante de um Conselho
de Sentença composto por quatro jurados negros.
O ponto decisivo, aqui, para efeitos de nulidade, é o (iv) – a inovação
acusatória. O ponto (iii), no contexto das falas, não me parece relevante, em
face da dinâmica dos debates e das referências recíprocas, por ambas as
partes, ao teor do referido decreto. O ponto (ii), no horizonte mais amplo
das intervenções, pese arranhe a cortesia esperada dos profissionais, não
nulifica, por si, o julgamento, inclusive diante do singular duelo travado
pelos profissionais. O ponto (i) caracteriza discurso paralelo, desborda das
regras e, a depender da intensidade e frequência, pode caracterizar quebra
da paridade de “armas”.
O pano de fundo é a conduta, estratégica ou intuitiva, das partes em
plenário, num arco que se pode traçar entre a correção técnica com cortesia
e urbanidade e a ênfase teatral, a retórica do tribuno, o sarcástico, o
virulento. Mas não se trata, numa ou noutra vertente, de território sem lei,
necessário, sempre que provocado o Judiciário, traçar o fio vermelho, cuja
ultrapassagem acarreta consequências. A liberdade argumentativa,
essencial, não é, todavia, absoluta.
Que não se trata de terra de ninguém, espécie de faroeste caboclo à mercê
do mais ousado, ou intrépido, ou grosseiro – no qual o grande prêmio, o
convencimento dos jurados, justificaria os meios mais heterodoxos para
obter uma tonitruante “vitória” –, percebe-se de rápida e sistemática leitura
do Código de Processo Penal, guiados pela doutrina.
Pode-se partir da plenitude de defesa. Mais do que ampla (CF, art. 5º, LV),
a previsão para o Tribunal do Júri é de plenitude de defesa (CF, XXXVIII,
“a”): “Pleno (significa: repleto, completo, absoluto, perfeito) é mais do que
amplo (significa: muito grande, vasto, abundante). Assim, a plenitude de
defesa exige uma defesa em grau ainda maior do que a da ampla defesa”, o
que se justifica, no Júri, “por se tratar de um tribunal popular, em que os
jurados decidem mediante íntima convicção, com base em uma audiência
concentrada e oral”.2 Tudo que acontece nesta audiência, concentrada e
oral, portanto, é importante.

2
BADARÓ, p. 763.
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Daí derivam tutelas legais específicas, no escopo de prevenir o caráter


naturalmente impressionável do jurado (leigo) e refrear a tentação das
partes de explorar um certo déficit de racionalidade, exercendo a mais forte
influência possível neste campo emocional. Esta a ratio, dentre outras, da
[regra] vedação do uso de algemas em plenário, nos termos do § 3º do
artigo 474 do CPP.3 Também, da proibição de determinados argumentos
nos debates (como estabelece o artigo 478 do CPP). Mais que isso, é
atribuição do juiz presidente do Tribunal do Júri, e tantas vezes bem
espinhosa, convenhamos, “dirigir os debates, intervindo em caso de abuso,
excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes”
(CPP, art. 497, inc. III) e, especificamente, “regulamentar, durante os
debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a
palavra” (CPP, art. 497, inc. XII, chegando a estabelecer tempo máximo
para cada aparte, a ser devidamente compensado). O regramento dos
apartes é inovação da Lei nº 11.689/2008, sendo que “devem ser breves
(não se admitindo o ‘discurso paralelo’), moderados e limitados ao
propósito de apoiar ou desaprovar asserções ou um pedido de
esclarecimento quanto a um ponto exposto”. 4 Superada, assim, a tradição
de embate direto entre as partes (solicitação, da parte contrária, que era
concedida ou negada pelo interlocutor), agora “o juiz presidente é que
‘poderá conceder’ o aparte”; se forem excessivos, o juiz presidente,
valendo-se do poder regulatório, deve “garantir o uso da palavra para
aquele que se sente prejudicado pela intervenção, solicitando àquele que faz
os apartes que se abstenha de se manifestar quando não concedidos os
apartes. Se não for atendido, em último caso, deve dissolver o conselho de
sentença, e determinar que se oficie ao órgão cabível (Corregedor-Geral
do Ministério Público, Corregedor-Geral da Defensoria Pública ou
Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil) para as
providências cabíveis.5
Quanto aos argumentos vedados, também novidade introduzida pela
reforma de 2008, trata-se de “importante instrumento para evitar que
argumentos não necessariamente corretos, mas com fortíssimo poder de
persuasão, principalmente perante os juízos leigos, possam levar a um
resultado injusto”. Observa-se que na common law muitas regras de
exclusão probatória originaram-se do sistema de julgamento pelo júri, “e
tinham a finalidade de ‘filtrar’ o material probatório a ser valorados pelos

3
Manter o acusado algemado, sem periculosidade previamente demonstrada, “significa
colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo
degradante. O julgamento do júri é procedido por pessoas leigas, que tiram as mais
variadas ilações do quadro verificado. A permanência do réu algemado indica, à primeira
visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade, desequilibrando o julgamento a
ocorrer, ficando os jurados sugestionados” – STF, HC 91.952/SP, rel. Min. Marco Aurélio,
Pleno, j. 07/8/2008
4
BADARÓ, p. 817. No nota de rodapé 275, cita Tourinho Filho, que preconizava fossem
corteses, nada impedindo certa dose de humor, “sem resvalar para aqueles que produzem
hilaridade circense”.
5
BADARÓ, pp. 817-8 e nota de rodapé 276.
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jurados, havendo uma clara limitação na discussão do júri”, mesma ratio


da regra do art. 478 do CPP, pelo que se trata de “aceitável, razoável e
justificável censura, do ponto de vista argumentativo”. 6 No particular, com
a máxima vênia, tenho me filiado à corrente que afirma que as “hipóteses
do art. 478 não são numerus clausus”, sendo a pedra de toque a
capacidade de influenciar os jurados como argumento de autoridade. É
dizer, qualquer “outra linha argumentativa, com finalidade persuasiva,
mas que possa induzir o jurado a erro, implicará nulidade de julgamento.
(...) desde que se demonstre concretamente que linhas argumentativas
seguidas pelas partes efetivamente influenciaram, de forma indevida e
falaciosa, o convencimento dos jurados”.7
Acrescento, neste programa normativo de reforço da racionalidade, que a
vedação ao argumento de autoridade é bilateral, vale dizer, o inciso I do
artigo 478 do CPP interdita referências em geral, quer beneficiem, quer
prejudiquem o acusado. Com isso, volto ao argumento (iii) do recorrente
[consignado em ata no item 4 dos incidentes, p. 2.991]- o promotor teria
utilizado, aos 9 min da réplica, o decreto de prisão preventiva como
argumento de autoridade. Por um lado, já disse, admito interpretação
extensiva da norma. Todavia, no caso concreto, já pela transcrição do
trecho nas razões recursais (pp. 3.103-4) e pude conferir a gravação,
percebo que a prisão preventiva [trechos] foi referida por ambas as partes
e, se bem compreendo, provavelmente pela defesa inicialmente (que
considerou muito relevante a referência pela Juíza de Direito da comarca de
Osório, no decreto respectivo, que o réu teve a conduta funcional elogiado
pelo comando, sendo policial militar respeitado e não “pessoa dada à
prática de atos ilícitos, ao contrário do que consta na representação” – o
“testemunho” de uma magistrada que conhece bem a cidade foi convocado
aqui mesmo, no recurso, p. 3.121, para caracterizar conduta social positiva,
ao insurgir-se a defesa quanto ao apenamento). Reparo que o Promotor de
Justiça, nitidamente, na fala, refere o argumento (“a juíza disse que ele é
um bom soldado, sim...” – admite o que foi dito antes) e completa (“...e
prendeu. Por que uma juíza prende um bom soldado? Se não porque ele
agiu muito mal. A juíza tinha tudo para não prender, ele é um bom soldado,
vejam a lógica...”). Então, no que pudesse ter de persuasivo, o decreto de
prisão preventivo foi debatido em benefício e em prejuízo do réu,
parecendo que, no particular, a escolha das partes determinou o rumo da
controvérsia, de modo que não encontro, no caso concreto, uma influência
indevida e falaciosa. Por isso, com fundamento diverso do eminente Relator

6
BADARÓ, p. 818 e nota de rodapé 278.
7
BADARÓ, p. 820-1. Por exemplo, a leitura da “folha de antecedentes”, que induz o jurado
a erro pela propensão de julgar quem já delinquiu como se tivesse, no fato concreto em
exame, também delinquido. No sistema da common law existe a regra de caráter (character
rule), “que proíbe a admissão de prova desabonadora do caráter do acusado” (foi por
influência do júri que a doutrina criou as exclusionaires rules, profiláticas). Reitera-se que a
vedação do artigo 478 “não é quando à prova dos fatos, mas quanto ao argumento utilizado
para persuadir os jurados”.
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[que se amparou na ausência de menção literal ao decreto de prisão


preventiva no artigo 478 do CPP], afasto a alegação defensiva.
Avanço ao ponto (ii), consignado em ata no item 3 dos incidentes, p. 2.991,
pois, faltando “1 minuto para o encerramento da defesa, o Dr. Amorim,
após o advogado expor a tese, disse que isso é uma falta de vergonha,
referindo-se ao advogado” [Dr. Ezequiel Veoretti]. Identifico, nesta altura,
uma hipersensibilidade e não compreendo, a sequência das falas, como
uma invectiva direta, gratuita e descabida à pessoa do advogado. A tese
exposta era de negativa de dolo, ao que o Promotor glosa, modo
interrogativo: “O senhor não tem nem vergonha de dizer isso?”. Segue-se,
transcrevo a suma: D – Eu não tenho vergonha; MP – Eu já vi que a
vergonha se perdeu neste plenário; (...) adiante, MP – “Nós perdemos
completamente a vergonha neste plenário”; adiante, a defesa questiona o
local exato em que aconteceu o confronto, o que implicaria, na sua ótica,
“reconhecer a tese da legítima defesa”; MP – Perdeu a vergonha na cara.
Neste contexto, um diálogo forte, “comentários agressivos do Promotor de
Justiça” na visão do nobre Relator, mas não vislumbro o plus que
justificaria, de per si, uma drástica anulação. Deve-se notar que os
profissionais, e voltarei a essa impressão, parecem ter optado pelo estilo
duelo. Os longos trechos transcritos dão conta de uma vívida interlocução,
quase um pinga-fogo que ora sobe, ora desce o tom. Pondero que se a
defesa não pretendia que assim ocorresse, deveria ter solicitado à juíza
presidente que lhe garantisse a palavra e regulasse os debates com rígido
controle dos apartes, como legalmente previsto. Se as coisas correram mais
soltas, a contundência da linguagem não se controla com manômetro. E o
parâmetro de racionalidade a que tenho me referido não é um deserto de
emoção nem um idílio entre vestais. Fenômeno semelhante se observa
noutros contextos de fala (política, desportiva etc.). Tenho em mente, por
exemplo, no que se refere à crítica objetiva, a rigor atípica no que tange aos
delitos contra a honra, que qualificar uma sentença como inepta é diferente
de apodar a pessoa do juiz prolator de néscio, incapaz, preguiçoso. Dizer,
rogando todas as vênias, que “perdemos a vergonha” ou perguntar se ela se
perdeu, naquele debate profissional, não é o mesmo que injuriar o advogado
chamando-o de “sem vergonha”. A defesa, a seu turno, cito adiante,
também foi retórica ao dizer: “Vamos ser honestos”.
Quero tratar, com tais premissas, do ponto (i), pois creio que o incidente
registrado no item 2 da ata (pp. 2.990-1) implicou a utilização de
argumento ad hominem, e as “caretas” e “ironias” que teriam sido
perpetradas pelo Promotor de Justiça, referidas logo ao início da apelação,
têm potencial para caracterizar discurso paralelo, a desbordar das regras
e, a depender da intensidade e frequência, podem caracterizar quebra da
paridade de armas. Nada obstante, especificamente quanto ao gestual, não
encontrei registro em ata, tampouco são visíveis os eventuais gestos,
escapando as partes do ângulo estático da gravação audiovisual.
Necessários alguns desdobramentos, sendo certo que os debates deste júri
(que já fora desaforado da comarca de Osório em face de incidentes

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relevantes em plenário e que apresenta, também pela natural repercussão


comunitária, um estoque emocional intenso) que estamos a avaliar
demarcaram-se por um duelo em alta tensão e alguns excessos entre o
Promotor de Justiça Dr. Eugenio Paes Amorim (MP) e os defensores, na
linha de frente o Dr. Rodrigo Grecellé Vargas (D).
Gostaria de deixar consignado que gestos fazem parte da linguagem8 e,
sendo hostis, ofensivos, intimidatórios, desrespeitosos, circenses,
chamativos ou histriônicos a ponto de desviar a atenção dos jurados da fala
da parte adversa, tomados em conjunto como discurso simbólico paralelo,
podem caracterizar, pela positiva, indevida extrapolação do tempo de
exposição da parte que os utiliza e, pela negativa, se atrapalham
efetivamente o discurso do adversário, comprometer o contraditório, que
estará marcado pelo desequilíbrio.
No caso concreto, houve gestos, mas, reitero, não consigo determinar a
extensão e sequer o seu teor. Digo isso pela transcrição (a partir dos
20min20s da fala da defesa), que novamente vou simplificar: o MP
interrompe a fala da defesa – “Meu Deus...”; D – “Eu só peço, doutora
Taís, que enquanto eu estiver com a palavra, a mesma postura que a
defesa adotou, de respeito, seja adotada pelo Ministério Público, é só isso
que eu peço...”; MP – “Só um minutinho doutor... (...) ...uma questão de
ordem, o senhor quer amordaçar os meus gestos?”; D – “Eu não, doutor,
só queria que o senhor...”; MP – “Porque se o senhor quer fazer isso o
senhor vá para outro plenário porque aqui ninguém vai amordaçar os
meus gestos porque estou trabalhando em nome da sociedade e de uma
família enlutada, o senhor não venha fazer esse papel de bom moço porque
eu conheço há muito tempo aonde que o senhor quer chegar, eles não lhe
conhecem, mas eu lhe conheço...”. Intervenção da juíza presidente – “Mas
o pedido da defesa”; é interrompida pelo MP – “Essa carinha da defesa,
essa mesma carinha que o senhor fez...” Retoma a palavra a juíza
8
EVERETT, Daniel L. Linguagem: a história da maior invenção da humanidade. São Paulo:
Contexto, 2019. A linguagem é composta de gramática (em alguma medida modelada, na
evolução humana, pelo conhecimento cultural tácito), palavras, gestos, fonologia, sintaxe,
discurso e conversação – e “existe um conjunto de conexões íntimas entre os movimentos
das mãos, a estrutura linguística e a cognição, mantidos juntos pelo conhecimento cultural
tácito” (p. 305). A linguagem é “holística e multimodal”, e “envolve o indivíduo por completo
– intelecto, emoções, mãos, boca, língua, cérebro”; requer “acesso à informação cultural e
ao conhecimento não falado, à medida que nós produzimos sons, gestos, entonação,
padrões de altura, expressões faciais, movimentos corporais e posturas, todas em conjunto,
como diferentes aspectos da linguagem” (p. 306). Os “gestos que acompanham toda a fala
humana revelam uma intersecção de cultura, experiência individual, intencionalidade e
outros componentes da ‘matéria escura’, ou conhecimento tácito. (...) Os gestos são
componentes cruciais das nossas línguas multimodais. Eles próprios são elaborados em
estrutura, significado e uso. (...) Não pode haver linguagem sem gestos” (p.307). Os “gestos
apontam para o que os linguistas e filósofos chamam de ‘efeitos perlocucionários’, os efeitos
que um falante pretende que sua fala tenha sobre o ouvinte” (p. 309) – daí que “Aristóteles
desencorajou o uso excessivo de gestos na fala, concebendo-os como manipuladores e
impróprios, enquanto Cícero argumentou que o uso dos gestos era importante na oratória e
ainda encorajou seu ensino” (p. 311).
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presidente – “Foi simplesmente que seja respeitado o tempo da defesa,


quando o senhor quiser falar o senhor pode pedir o aparte”. O MP
responde à juíza – “Não, doutora, ele pediu que a senhora policie os meus
gestos e a senhora não pode policiar os meus gestos”. Gestos houve [por
isso, suponho, a defesa pediu a mesma postura de respeito com que
escutara], como eu disse, e o nobre Promotor de Justiça qualifica o pedido
da defesa como “mordaça” e anuncia, em alto e bom som, que ninguém vai
amordaçar os seus gestos, e que sequer a magistrada pode policiar os seus
gestos. Equivoca-se, renovada vênia, exatamente pelo que deixei
consignado no parágrafo anterior. E, no limite, corre o risco de que a juíza
presidente, que por lei exerce o poder de polícia da sessão (art. 497, I,
CPP), intervindo em caso de abuso e excesso de linguagem, mormente a
requerimento da defesa (art. 497, III, CPP), não tendo sucesso na
regulamentação dos debates (art. 497, XII, CPP), dissolva o conselho de
sentença e oficie à Corregedoria-Geral do Ministério Público. Entretanto,
a escala faz o fenômeno e, não chegando a tanto o incidente, não tenho
como aferir a magnitude do que aconteceu e do potencial prejuízo,
parecendo restringir-se ao episódio.
Mas na imediata sequência das falas que transcrevi acima, a defesa (Dr.
Rodrigo) desafia – “Mas, conclua, o senhor disse: ‘essa mesma carinha que
o senhor fez” aonde?”; MP – “Quando o senhor disse que o pai do
Bernardo também era inocente”. Daí a consignação que constou como item
2 dos incidentes na ata do júri, pois o “MP usou o fato de a defesa ter
defendido Leandro Boldrini [pai do menino Bernardo], em fato
nacionalmente conhecido para criar antipatia com relação à defesa e isso
seria uma manobra anti-ética e desleal por parte do MP, buscando a
condenação do réu por meio de desqualificação do defensor”. No ponto,
com razão a defesa. Num sistema que se ancora na plenitude de defesa,
devem ser coibidas linhas de argumentação ad hominem, evidente desvio de
acusação com fortíssimo poder de persuasão, principalmente perante os
juízos leigos, que não têm mais como cancelar a etiqueta lançada em
plenário, isto é, que estão lidando com um profissional que defende
“monstros” (atalho, aqui, me dispensando de maiores considerações,
consabido o horror e o estigma do Caso Bernardo, aliás julgado por esta
Primeira Câmara e anulado pelo Primeiro Grupo, forte em voto vencido
deste revisor, justamente por excesso de acusação em relação a Leandro
Boldrini)9, contraposto, na retórica do Dr. Promotor de Justiça, ao

9
Veja-se trecho da ementa dos Embargos Infringentes (reconheci também ofensa ao direito
ao silêncio do réu, o que não foi acolhido no processado, mas sim o segundo ponto, em
suma, a impossibilidade de um debate heterotópico: “Contudo, no caso presente, não se
está diante de perguntas, senão que frente a verdadeira argumentação que, deduzida por
ocasião do interrogatório, nem sequer pode ser contraditada pela defesa que, percebendo o
sibilino propósito do promotor de justiça, tentou se opor à conduta por esse observada, sem
sucesso. Inafastável, assim a conclusão de que houve quebra da paridade de armas, pois
não teve a defesa a oportunidade de se contrapor à argumentação que não poderia ser
deduzida por ocasião do ato processual que se realizava, afigurando-se evidente o prejuízo
suportado pelo réu, com a utilização do interrogatório para antecipação da acusação, sem
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profissional que trabalha “em nome da sociedade e de uma família


enlutada”. A “regra de caráter”, que enunciei acima tendo em vista blindar
ataques pessoais ao réu [e à vítima, acrescentaria] 10, desviando o foco do
fato delituoso, aplica-se, pelo mesmo desiderato e lógica material, à defesa
e ao Ministério Público, evidente o potencial de contaminação que tais
invectivas ad hominem – quanto mais ao desbordarem do tema em
julgamento e lançarem, indevidamente, holofotes sobre os indivíduos que
atuam profissionalmente em plenário – acarretam à íntima convicção dos
jurados, aumentando a possibilidade de julgamentos, numa palavra,
injustos.
No caso, o duelo prosseguiu, mesmo depois da consignação do incidente
referido: contei, salvo engano, mais 41 frases trocadas entre acusação e
defesa, até uma (1ª) intervenção da juíza presidente; depois, mais 14 frases
das partes, até nova (2ª) intervenção; ainda assim, mais 13 frases, e uma
última (3ª) intervenção da magistrada (todavia, com as vozes do Promotor
de Justiça e do defensor se sobrepondo). Veja-se que, nesta dinâmica,
assumida voluntariamente pelas partes [qualquer deles poderia ter
acionado a intervenção da magistrada, nos termos do já citado art. 497, III
e XII], já não havia mais o sujeito que fala e o aparte eventual do sujeito
que escuta, mas dois contendores inflamados e numa espiral de ataques
recíprocos. Só alguns hotspots: MP – “E quando eu falo que o senhor
defendeu um assassino que matou o filho o senhor não gosta. Eu não, quem
é que é antiético aqui doutor”; ... D – “Vamos ser honestos”; MP – “Eu
sempre sou”; ... MP – “O senhor dá o tapa e esconde a mão, doutor. (...)
porque o senhor mata a verdade”; D – “Porque eu lhe conheço, doutor, eu
conheço o senhor, tá...”; ... MP – “O senhor está me ameaçando de que,
doutor?”; D – “De falar para os jurados quem o senhor é”; MP – “Então
fala, doutor”; Juíza Presidente (1ª) – “Doutores, o júri vai terminar porque
nós vamos voltar ao mérito do processo e é isso que importa aos jurados no
dia de hoje”; MP – “Quem é que eu sou, doutor? Eu defendo os Balas na
Cara?”; D – “O senhor quer saber mesmo?”; MP – “Eu estou na folha dos
Balas? Quem é que eu sou, doutor?”; ... D – “Mas eu lhe desafio, vamos
fazer o seguinte, quem eu sou e quem o senhor é... (...) Vamos imprimir aqui
o...”; MP – “O senhor quer que [eu] seja julgado ou doutor?”; D – “Vamos
imprimir o Consultas Integradas do senhor e o meu e vamos mostrar aos
que fosse viável o contraditório que, diferido (para os debates), não repôs a igualdade entre
as partes.” – EI Nº 70084928159, Primeiro Grupo Criminal TJRS, Rel. Des. Honório
Gonçalves da Silva Neto, decisão por maioria; j. em 03/12/2021.
10
Recentemente, a Lei nº 14.245/2021 densificou mais uma diretriz à instrução em plenário,
ao acrescer ao CPP o “Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e
demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob
pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir
o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas: I - a manifestação sobre circunstâncias
ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; II - a utilização de linguagem,
de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.” – a
inovação deverá ser objeto de cuidadosa interpretação doutrinária e jurisprudencial, para
não cercear a plenitude de defesa e pode ajudar na hermenêutica de eventuais “regras de
caráter” estendidas aos debates.
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jurados e vamos ver quem eu sou e quem o senhor é”; MP – “Que beleza”;
D – “Vamos ver, eu lhe desafio, eu lhe desafio”; MP – “Eu aceito o
desafio”; Juíza Presidente (2ª) – “Doutores, o que está sendo levado a
julgamento não são os senhores... É o réu”; D – “Pois é, mas foi o
promotor...; Juíza Presidente (2ª) – “E cabe ao senhor e ao promotor
atuarem de acordo com o mérito do processo”. No trecho final, mais uma
troca de frases [a defesa diz (em tom interrogativo) que, por ter defendido
este ou aquele, o advogado não tem que ser condenado; o promotor de
justiça diz que o advogado ofende a família, que não respeita o luto...],
gerando a terceira intervenção da Juíza Presidente (3ª) – “Doutor, a defesa
está com a palavra, precisa desenvolver o trabalho da defesa...”,
intercaladas por três frases das partes (MP – “É proibido, imagina aquele
negrinho andar na rua do réu...”; D – “Doutora, eu vou desertar do
plenário se continuar assim”; MP – “De novo?”) e encerrado pela Juíza
Presidente – “Doutor, o senhor está com a palavra, o Ministério Público
tem que, quando quiser um aparte, pedir e deixar a defesa desenvolver o
trabalho e fazer a defesa do réu, o senhor está com a palavra”.
As citações demonstram, ad nauseam, o clima de duelo instalado – aliás, a
defesa inclusive afirma que a desinteligência vem de longe, “chateado” o
Promotor de Justiça Dr. Amorim porque no [longínquo] 11/6/2019 o
advogado Dr. Rodrigo obteve a absolvição de um réu que fora declarado
inimigo capital do Promotor de Justiça pela Terceira Câmara do TJRS (pp.
3.112-4).11 E, sim, procede o argumento recursal: “O réu não deve ser
condenado ou absolvido pela boa ou má fama do seu defensor [ou do
acusador, acrescento]. Quem está em julgamento é o acusado, e os fatos a
ele imputados”. Apenas que a assertiva é biunívoca, vale para ambos os
profissionais. Não tenho, aqui, nem deveria, que estabelecer se houve
injusta provocação ou retorsão imediata, inclusive pelo regime de
imunidade, a priori, das ofensas irrogadas em juízo, na discussão da causa,
pelas partes/procuradores (problema eventual das respectivas
corregedorias). Basta-me a constatação de que houve argumentação ad
hominem por ambos os profissionais, pelo que, no caso concreto, deixo de
reconhecer qualquer nulidade, lamentando pelos jurados, que certamente
foram distraídos da sua grave missão. Reitero que não cabe ao Judiciário
interferir na autonomia das partes quanto às escolhas estratégicas, menos
ainda ditar regras de estilo para os debates. Mas há uma dupla tarefa
jurisdicional, indeclinável: a de primeiro grau, já minuciosamente descrita;
e, em segundo grau, aferir, olhos no caso concreto, se o comportamento de
qualquer profissional, enveredando pela atipicidade processual e causando
prejuízo, merece a consequência da nulidade estampada no art. 593, III,
“a”, do CPP.
Chego ao ponto (iv), a inovação acusatória em prejuízo do réu, pela qual,
já adiantei, reconheço a nulidade. A questão já se insinuara na penúltima
11
A animosidade perpassou os debates, como se vê, também, da consignação na Ata, item
7 dos incidentes, a pedido do Ministério Público: “que poucas vezes viu um ato de tamanha
deslealdade por parte da defesa, e ainda que posteriormente aos 45min da tréplica foi
chamado de criminoso pela defesa”.
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frase do MP que citei na discussão acima (“imagina aquele negrinho


andar na rua do réu”), consta como consignação nº 5 [dos incidentes] na
ata de julgamento (pp. 2.291), e culminou aos 51 minutos da réplica: “o
Ministério Público inovou trazendo uma alegação de racismo que estaria,
segundo o Promotor, implícita no motivo torpe (...) buscando o
convencimento através de argumentos escusos, uma vez que no Corpo de
Jurados há três pessoas de cor negra. Ainda, logo após, o Ministério
Público disse que o réu foi racista”.
Vamos ao contexto, a partir do 49min da réplica. Com a palavra o Promotor
de Justiça Dr. Eugenio Paes Amorim: MP – “Vamos falar daquilo que é
mais importante para todos nós. (...) motivo torpe, motivo nojento (...) não
está no quesito, mas eu vou insistir, eu sei que às vezes a gente tem alguma
resistência até porque essa questão de racismo ela passa do limite e vira
também o politicamente correto, exagerado, mas senhores, eu não falo eu
não falo que nem negro aqui (...) Será que isso neste País, este País de todos
nós, isso está incutido nas pessoas, não explicitamente, mas isso está
dentro...”. Neste exato momento, a defesa pede à juíza uma questão de
ordem, para consignar que a acusação está inovando, uma estratégia
porque havia jurados negros, “inovação maldosa, antiética, buscando o
convencimento dos jurados através de argumentos escusos”. O MP
continua, asseverando que são três (não dois, como a defesa dissera) os
jurados negros, e que “antiético, desleal e desrespeitoso” é pensar que os
jurados vão condenar o réu porque são da mesa cor ou raça que a vítima;
há jurados antigos [que fizeram júri o mês inteiro com o promotor de
justiça] “que não precisam ser impressionados, eu quero impressionar a
sociedade, eu quero impressionar a imprensa, eu quero impressionar ao
que está gravando ali, chega de racismo, você, Abe, você foi racista, você
não faria isso com uma pessoa...”. Intervém o defensor Dr. Ezequiel, para
continuar a consignação... MP – “Racista!”; D – “Agora, só um minuto,
chamou, apontou o dedo para o Abe e disse que foi crime de racismo”; MP
– Mas eu não disse que foi crime de racismo. (...) Se eu tenho argumento ou
não o senhor vai saber depois que os jurados decidirem. (...) O senhor sabe
que eu disse isso na entrevista para a rádio, o senhor trouxe a entrevista, eu
disse isso antes...”.
Antes, à 1h26min25s da fala da acusação, o Promotor de Justiça Dr.
Fernando Andrade Alves explicava a qualificadora do motivo torpe
precisamente nos termos da denúncia/pronúncia [intolerância do
denunciado com o grupo de jovens que se reunia com a vítima nas
proximidades da sua casa e por “um sentimento de inveja e frustração de
não impor o bastante a sua condição de policial”], quando o Promotor de
Justiça Dr. Eugenio Paes Amorim interveio: “Faltou só uma coisa aí, mas
depois eu falo”; Dr. Fernando: “Pois não”; Dr. Eugenio – “Tem mais uma
outra coisinha que foi importante para matar o guri, todo mundo mascara
na nossa sociedade”. Ainda antes do incidente registrado em ata, mas
depois da fala de suspense acima, que prometia uma revelação adiante, à
1h12min da fala da defesa, quando o defensor Dr. Ezequiel referiu-se a uma
pergunta do Dr. Amorim, qualificando-o como “inteligente, macaco velho”,
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o Dr. Eugenio interrompeu: “Não me chama...”; D – “O senhor disse isso,


o senhor disse isso”; MP – “Não, só não me chama de macaco”; D – “Tá
bom”; MP – Porque daqui a pouco o réu me dá um tiro”. A defesa
lamentou a intervenção, o Dr. Eugenio prosseguiu: “É, vamos mascarar
então... (...) Doutor, se fosse loirinho não levava o tiro que levou, doutor.
(...) Matou o guri porque o guri era preto”. O Dr. Ezequiel faz, então, uma
longa fala destacando que a qualificadora era por ciúmes e que “do nada”
estava surgindo o racismo, que não constou da denúncia, e surge do nada
uma entrevista do promotor na rádio de Osório dizendo que era crime de
racismo, “não tem nada do processo em relação a isso. (...) nada,
absolutamente nada, não caiam nessa, Excelências, não tem prova nenhuma
no processo em relação a isso”.
Neste contexto, diferente do preclaro Relator, não considero que se tenha
tratado “somente” de “uma menção” de forma “pontual”. Diversamente,
transparece uma estratégia, com acenos desde a primeira fala da acusação,
tirada jocosa e mais de uma menção a um tema mascarado pela sociedade,
na fala da defesa, tudo a confluir para o coroamento na réplica, com
imputação explícita de racismo na motivação do crime e estigmatização da
pessoa do réu, acusado diretamente, pelo acusador oficial, de ser racista. A
ausência de quesitação neste sentido, renovada vênia, é mera concessão
formal, pois o decisivo já ocorrera – as palavras, as imagens, a ojeriza ao
racismo, tudo isso pairava sobre os jurados. A defesa foi surpreendida,
percebe-se dos diálogos, e não teve condições prévias de traçar eventual
estratégia neutralizadora da invectiva, seja arrolando determinadas
testemunhas, ou enfatizando argumentos, seja exercendo as recusas
imotivadas de maneira diversa. E viu-se na contingência de refutar um
modo de ser repugnante, particularmente rechaçado pelos valores
civilizatórios e no olho do furacão das guerras culturais mais recentes, que
disputam o significado e consequências do racismo estrutural, convocando
traumas ancestrais ligados à escravidão. Ser racista pode ser pior do que
cometer determinado crime. Aliás, o Ministério Público, institucionalmente,
comunga dessa sensibilidade e, no rumoroso Caso do Carrefour (vítima
João Alberto Silveira Freitas, como fruto de um espancamento ocorrido no
dia 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra),
explicitou, de acordo com a melhor técnica e lealdade processual, na
qualificadora do motivo torpe (p. 10 da denúncia), que o crime se deu “em
razão da condição de vulnerabilidade econômica e de preconceito racial em
relação à vítima”, no que foi descrito como “comportamento abjeto” dos
acusados, calcada a violência “em discriminação pela condição social e
racial da vítima que era afrodescendente, e ousara confrontá-los
anteriormente”, um padrão de abuso e descaso que só pode se explicar pelo
sentimento de desconsideração e desprezo para com a vítima, “certamente a
partir de uma leitura preconceituosa relacionada à sua fragilidade sócio-
econômica e origem racial”.
Portanto, ao adicionar, à já grave imputação de crime hediondo, a chaga
da motivação racista, flamejante em seus efeitos simbólicos, moralmente
arrasadora, de notória capacidade mobilizadora dos sentimentos de
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indignação das pessoas em geral, e fora do gabarito da denúncia e da


pronúncia, a surpresa conspurca o contraditório, em evidente afronta à
plenitude de defesa. E o prejuízo, diante de uma condenação a 22 anos de
reclusão, por jurados leigos, que decidiram por íntima convicção e sem
qualquer fundamentação racional, em escore apertado, o prejuízo,
convocadas todas as vênias, é ululante. O efeito impressivo no espírito do
jurado, acrescento, basta, sendo absolutamente supérflua quesitação
específica, até porque a qualificadora do inciso I do § 2º do artigo 121 do
Código Penal já estava na mesa. A consequência deletéria para a defesa
afirma-se com base na experiência, nos fatos notórios e no arsenal
normativo-axiológico; em concreto e neste julgamento, os jurados, além da
imagem do réu aventada pela acusação, tiveram que ouvir, nos debates,
polêmica acerca da cor da pele ligada ao discernimento para fazer justiça –
também por isso, a dimensão emocional do tema, em plenário, haveria que
se recobrir de tato singular, oportunidade que não foi dada à defesa, que
não pôde se preparar para tal deriva argumentativa.
Ponderei argumentos contrários. As contrarrazões do Ministério Público,
sem falar expressamente em inovação acusatória, dizem que a alegação
“não passa de mera falácia”, edulcorada a questão como “menção, em
plenário, do fato de ser a vítima negra” (creio que demonstrei, com mais
acurácia, a dimensão do que ocorreu), o que “não caracterizou violação ao
princípio da correlação”, tanto que sequer foi quesitada (p. 3.166). A digna
Drª Procuradora de Justiça, em parecer (p. 3.182v), entendeu que se tratou
de “referência feita pelo agente ministerial acerca de motivação periférica
do crime, depurando minúcias probatórias perante os Juízes naturais da
causa”, não sendo o caso de nulidade, até porque os jurados foram
quesitados nos termos da denúncia/pronúncia. Novamente, a suma feita em
três ou quatro linhas não apanha, na sua amplitude, a dinâmica do
acontecido. Encontrei, registro, uma referência (não comentada nas peças
anteriores lavradas pelo Ministério Público), na prova oral, à questão
racial. Segundo Anildo Pereira dos Santos, ex-técnico de Tairone, houve um
desentendimento anterior entre réu e vítima, que redundou em ameaça, no
dia anterior: “... segundo ele [Tairone] me falou, parou o carro pertinho
dele, botou a arma nele e chamou ele de negrinho filho da puta, que ele
não ia mais ser campeão de nada e que ele ia matar ele” (transcrição à p.
3.194). Examinei com muita atenção a narrativa, que poderia, naturalmente,
ser controvertida nos autos. Mas tal versão já existia ao tempo da denúncia
e, como se viu, foi descartada como substrato para a qualificadora.
Eventual e tópica menção, pela acusação, ao evento, nos lindes de
circunstância periférica, também me pareceria viável, por isso que fui
minudente na verificação do teor dos debates. Não foi isso que constatei,
todavia. Antes, formou-se, em torno de imputado [em plenário] racismo do
réu, verdadeiro cavalo de batalha, trunfo que, inclusive, foi deixado para o
final.
Pelo exposto, voto por anular o julgamento, configurada tese inovadora em
relação à circunstância qualificadora especificamente imputada ao
acusado na denúncia, com suficiente magnitude para influenciar o ânimo
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dos jurados, violados o contraditório e a plenitude de defesa, prejudicados


os demais fundamentos da insurgência defensiva.
(...)

Analisando os presentes Embargos Infringentes, em que pese


o respeitável posicionamento constante no voto do e. Desembargador
Jayme Weingartner Neto, tenho que merece prevalecer o voto vencedor
lançado pelo e. Desembargador Manuel José Martinez Lucas na decisão do
recurso de apelação, na parte em que desacolhida a preliminar de nulidade
posterior à pronúncia, in verbis:

A defesa requer a anulação do julgamento, sob a alegação de que o


Promotor de Justiça, durante os debates orais, não apenas fez comentários
ofensivos em relação aos advogados do acusado, como também inovou a
acusação trazendo aos jurados questão racial não constante da denúncia e
fez menção à decisão que decretou a prisão preventiva do réu, o que
configuraria argumento de autoridade.
O art. 478 do Código de Processo Penal elenca, sob pena de nulidade, os
assuntos e os documentos a que as partes não podem fazer referência
durante os debates. A decretação da prisão preventiva não consta na norma
legal mencionada. A fim de elucidar a questão, transcrevo o teor desse
artigo:

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob


pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que


julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso
de algemas como argumento de autoridade que beneficiem
ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório
por falta de requerimento, em seu prejuízo.

Cabe destacar que configura argumento de autoridade a alegação que


pretende se passar como absoluta, bem como que tenha sido o único
fundamento utilizado para justificar a tese sustentada pela acusação ou pela
defesa. No caso concreto, a decisão que decretou a prisão preventiva e os

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comentários agressivos do Promotor de Justiça foram usados como


argumentos subsidiários pela acusação, considerando que a tese referente à
autoria restou lastreada nos elementos probatórios colhidos na instrução de
maneira contundente.
Ademais, a decisão que decretou a segregação cautelar do réu está nos
autos, sendo acessível aos jurados, de forma que a mera referência a tal
decisão não macula a imparcialidade do Conselho de Sentença.
Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIME. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. NULIDADES POSTERIORES À
PRONÚNCIA. EXCESSO DE APARTES. REFERÊNCIA
À DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO
PREVENTIVA DO RÉU. INOCORRÊNCIA. 1. As
nulidades ocorridas durante o julgamento em plenário
deverão ser arguidas em audiência, logo depois de
ocorrerem. Inteligência do artigo 571, inciso VIII, do
Código de Processo Penal. Na espécie, a defesa limitou-se a
arguir que o Ministério Público realizou excessivos apartes
à fala defensiva, ocasionando prejuízo à defesa. Por outro
lado, não houve demonstração de que os apartes foram
conduzidos em descompasso com as regras legais, bem
como não houve consignação em ata de eventual
irresignação da defesa acerca de apartes pelo Parquet. Não
arguida em tempo oportuno e não demonstrado prejuízo
concreto, não há que se falar em nulidade. A referência à
decisão que decretou a prisão preventiva do réu, como
argumento de autoridade, não foi comprovada pela defesa,
que sequer fez constar em ata eventual irresignação quanto
à manifestação do Promotor de Justiça. Nulidades
afastadas. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. 2.
A decisão do Conselho de Sentença é soberana, merecendo
reforma apenas se completamente desgarrada da prova dos
autos. Somente quando a decisão do júri não encontrar
amparo em nenhuma corrente probatória configura-se tal
hipótese, o que não ocorreu na espécie. Materialidade e
autoria comprovadas. Vertente de prova contida nos autos
aponta que o acusado matou a vítima, inconformado com o
término do relacionamento amoroso. Qualificadoras, de
igual modo, reconhecidas pelo Júri com base em elementos
produzidos sob contraditório judicial. Veredicto do
Conselho de Sentença amparado por parte da prova
produzida em juízo. Condenação mantida. ERRO OU
INJUSTIÇA NO TOCANTE A APLICAÇÃO DA PENA.
INEXISTÊNCIA. 3. A dosimetria da pena, com vistas a sua

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individualização constitucionalmente garantida, deve


observar as circunstâncias do caso concreto, determinando
maior reprovação apenas quando os elementos do delito
praticado pelo réu assim o indicarem. Hipótese dos autos
em que a pena foi fixada com moderação, considerando,
fundamentadamente, duas circunstâncias judiciais
negativas. Havendo mais de uma qualificadora, uma será
utilizada para qualificar o delito e as demais poderão ser
usadas na exasperação da pena-base. Apenamento e regime
mantidos. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação-Crime, Nº
70061941159, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado
em: 03-12-2014)

Outrossim, o mero debate acalorado entre as partes não tem o condão de


anular o julgamento. Demonstra-se inviável afirmar que os comentários
realizados pelo Dr. Promotor de Justiça tenham influenciado o Conselho de
Sentença. Por mais agressivas que tenham sido as frases pronunciadas pelo
representante do Ministério Público, elas não contribuíram em nada para o
deslinde da causa.
No que tange à alegação de inovação acusatória, o apelo também não
merece prosperar. O Promotor de Justiça não formulou a tese acusatória
com base em eventual questão racial, mas somente fez uma menção a isso de
forma pontual. Além do mais, os jurados responderam aos quesitos nos
precisos termos da pronúncia, motivo pelo qual não vislumbro prejuízo para
a defesa nesse ponto.
(...)

Com efeito, não merece trânsito a preliminar defensiva fulcrada


na nulidade do julgamento por ter o Dr. Promotor de Justiça inovado na
acusação, ao ressaltar, em Plenário, ameaças supostamente perpetradas
pelo réu, contra o vitimado - as quais, nos termos em que reveladas pelas
testemunhas, estariam cunhadas de preconceito racial -, porquanto não
esgrimidas na exordial acusatória ou delimitadas na pronúncia, assim
incorrendo em ofensa aos princípios da correlação e da ampla defesa e do
contraditório.

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Preconiza o art. 476 do CPP que: “Encerrada a instrução, será


concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites
da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a
acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância
agravante. ”

Assim que, por expressa vedação legal, não lhe sendo


possível inovar na tese acusatória em Plenário, pode-se dizer, “não se
admite que o pedido do Ministério Público ultrapasse os limites delimitados
na decisão de pronúncia em prejuízo do acusado” (BRASILEIRO DE LIMA,
2022)12.

Outrossim, preconiza o art. 478 do CPP, em rol taxativo,


que, “durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade,
fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas
como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo”.

Cuida-se, pois, de rol considerado numerus clausus, consoante


entendimento firmado em precedentes da Corte Superior, ao qual me
filio: “(...) A teor do art. 478, I, do Código de Processo Penal, é vedada a
referência de certas peças que integram os autos da ação penal em plenário
do Tribunal do Júri, a impingir aos jurados o argumento da autoridade. A
jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que o rol previsto
nesse dispositivo legal é taxativo. ” (AgRg no REsp 1815618/RS, Rel.

12
LIMA. Renato Brasileiro. Código de Processo Penal Comentado. 7. ed. - São Paulo :
Editora JusPodivm, 2022. p. 1.389
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Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em


18/08/2020, DJe 26/08/2020).

Pois bem.

Na casuística, ainda que colocada em destaque a possibilidade


de a situação de violência descrita na inicial acusatória estar relacionada à
conduta supostamente decorrente do racismo enraizado em uma sociedade
que, infelizmente, ainda minimiza as mais diversas facetas de um
preconceito latente, certo é que, a meu sentir, o Dr. Promotor de Justiça, ao
expor sua argumentação, não inovou na tese acusatória, tampouco se
distanciou do arcabouço probatório reunido desde o iniciar da persecução
penal.

Com efeito, já no cursivo investigativo, a testemunha Anildo


Pereira dos Santos reprisou situação que lhe teria sido retratada pelo
vitimado, noticiando ter sido alvo de ameaças de morte por parte de policial,
adjetivando-o “neguinho” (fl. 30 dos autos físicos). Tem-se, na mesma linha,
os relatos de Gustavo S. de S. da Silva e Cláudia da S. da S., apontando
possíveis abordagens do policial contra Tairone, chamando-o de “negro,
macaco” (fl. 45) e “negrinho... filho da puta” (fl. 57). E tais particularidades,
para mais de reeditadas em juízo por Anildo (fl. 1.035), Cláudia (fl. 1.053, v.)
e Maria de Fátima A. S. (fl. 1.097, v.), foram novamente retratadas, em
Plenário, pela genitora do adolescente vitimado (fl. 2.923 e v.; 2.924, v.) e,
em especial, pelo então técnico do atleta (fls. 2.945 e 2.946, v.). Assim que,
a meu ver, não se mostraram escusos os argumentos da acusação, já
sendo do conhecimento dos Senhores Jurados – negros ou brancos, e isso
não importa – a existência de prova a indicar tenha o indigitado feito uso de
expressões dessa natureza contra o ofendido em ocasiões pretéritas.

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Outrossim, tal como consignado em ata, ainda que durante os


debates o representante do Ministério Público tenha ressaltado, perante o
Corpo de Jurados, a hipótese de a situação de violência ter sido também
impulsionada por preconceito racial, a quesitação pertinente à qualificadora
do motivo torpe foi encaminhada nos exatos termos da denúncia:

7º Quesito: O crime foi praticado por motivo torpe, haja vista a intolerância
do denunciado com o grupo de jovens que se reunia com a vítima nas
proximidades de sua casa, o que o incomodava, tendo manifestado várias
vezes insurgência com relação a isso, bem como em face do sentimento de
inveja e frustração de não impor o bastante sua condição de policial à
vítima, que tinha projeção nacional dentro do esporte que praticava (boxe).
Tais sentimentos afloraram com o fato de a vítima não ter atendido seu
chamado, e, em represália, sentindo-se ultrajado e desprezado, efetuou
contra esta os disparos fatais.

Lado outro, para além de já evidenciada nos autos a partir da


prova oral produzida, tal particularidade foi sopesada unicamente pela
Juíza-Presidente quando da aplicação da reprimenda, ao tisnar a
personalidade do agente (fls. 2.996/2.999), mácula ulteriormente afastada
por unanimidade de votos no aresto embargado.

Destarte, a mera referência não demonstra, por si só, tenha a


questão racial influenciado no julgamento proferido pelo Tribunal do Júri, de
modo a caracterizar o conhecido direito penal do autor e retirar do apelante
a presunção de inocência (garantida constitucionalmente), comprometendo
a imparcialidade dos populares.

Não há falar, pois, em inovação por parte da acusação,


tampouco em ofensa ao princípio da correlação. E, sem prejuízo
demonstrado, não há nulidade a ser declarada, nos termos do art. 563 do

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CPP, que assim dispõe: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade
não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

Pretende o embargante, ainda, a preponderância do voto


minoritário do e. Desembargador Jayme Weingartner Neto que, acolhendo
os embargos declaratórios nº 70085615151, reduzia a pena privativa de
liberdade imposta ao embargante para 15 anos de reclusão, nos seguintes
termos:

Com a vênia do eminente Relator, encaminho divergência parcial.


Em relação ao reconhecimento da atenuante prevista no artigo 66 do
Código Penal, reconheço a omissão do acórdão.
A alegação defensiva constou, expressamente, das razões recursais,
conforme o relatório do acórdão. Contudo, os votos do eminente Relator, do
Revisor (de minha lavra) e do Vogal não trataram da matéria impugnada.
Aclarando a omissão reconhecida, tenho que deve incidir a atenuante
prevista no artigo 66 do Código Penal, razão pela qual confiro efeito
infringente aos embargos.
O réu, conforme demonstrado nos autos, após o crime, se dedicou a
atividade acadêmica, concluindo o curso de direito e buscando habilitação
na Ordem dos Advogados do Brasil, trabalhando, atualmente (como constou
de seu interrogatório em plenário), como advogado na área previdenciária.
Considero, ademais, que atualmente prevalece o entendimento, no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a confissão, ainda que
qualificada, deve reduzir a pena, redução negada pelo Relator e com a qual,
por lapso, concordei.
Neste contexto, reduzo a pena do réu em 1/6, culminando em uma pena
privativa de liberdade de 15 anos de reclusão, mantidas as demais
disposições da condenação.
Pelo exposto, voto por acolher os embargos de declaração e, concedendo
efeito infringente, reduzo a pena para 15 anos de reclusão.

No ponto, tenho por incabível a incidência da atenuante


genérica do art. 66 do CP, já que ausente o seu requisito, qual seja,
ser "circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei", e que possa ser considerada para a
diminuição da pena. Isso porque a dedicação posterior à vida acadêmica
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não consubstancia circunstância relevante posterior relacionada ao fato


criminoso, mas, sim, comportamento socialmente esperado do cidadão
comum, especialmente na faixa etária do embargante (38 anos de idade,
quando interrogado em Plenário).

Lado outro, corroboro o voto dissidente na parte em que


entendeu incidente a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea ‘d’, do
CP, pela confissão, ainda que qualificada.

Isso porque a essência da previsão legal fundamenta-se como


providência de política criminal que possui a finalidade de “beneficiar” o
indivíduo que contribui para a apuração do delito e auxilia na busca pela
verdade dos fatos, conferindo-se maior credibilidade às decisões proferidas
na seara criminal. Trata-se da aplicação de princípio sufragado no âmbito
processual penal – busca da verdade real ou verdade substancial, disposto
no art. 566 do CPP –, cujo fundamento, em síntese, remonta em adotar
todas as providências cabíveis para descobrir como os fatos realmente
ocorreram, conferindo-se efetividade ao direito de punir do Estado.

Ora, se o recorrente assume a prática do fato, ainda que


deduzindo a tese da legítima defesa, ele admite a autoria e materialidade
delitivas, o que não significa, necessariamente, a confissão de um fato típico
- nos exatos termos do enquadramento vertido na denúncia -, ilícito e
culpável. Neste cenário, parece justo, em caso de condenação, o
reconhecimento da atenuante, quando evidenciada a autoria delitiva a partir
da confissão do agente.

Em sendo assim, reconhecida a atenuante da confissão


espontânea, observados os limites da infringência, tenho que deve ser
confirmada a atenuação da pena em 1/6, firmando-se em 15 anos de
reclusão, patamar estabelecido no voto vencido.

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Por todo o exposto, voto no sentido de acolher em parte os embargos


infringentes, para fazer prevalecer o voto dissidente tão somente na parte em que reduz
a pena privativa de liberdade do réu para 15 (quinze) anos de reclusão.

DES. SANDRO LUZ PORTAL (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS (PRESIDENTE)
Com a vênia da eminente Relatora, bem como do nobre Des. Marcelo Lemos
Dornelles, que também acolheu parcialmente os embargos infringentes, mas em menor
extensão, voto pelo desacolhimento do recurso, nos termos do voto que proferi por ocasião
do julgamento do apelo, do qual fui Relator.

DES.ª ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA


Eminentes Colegas.
Peço vênia para divergir parcialmente do voto Relator.
Atinente à alegação de nulidade do julgamento por suposta inovação, por
parte da acusação, posterior à pronúncia, entendo que não subsiste.
Neste aspecto, como bem analisado no voto condutor dos presentes
embargos, elaborado pela Ilustre Desembargadora Rosaura Marques Borba, não se tratava de
questão nova nos autos, considerando a existência de prova oral – inclusive em Plenário – no
sentido de que o réu nutria certo preconceito racial em relação à vítima. Ainda assim, calha
citar que, tocante às circunstâncias fáticas da qualificadora do motivo torpe, foram
quesitadas aquelas específicas elencadas na decisão de pronúncia. Não visualizo, assim, a
apontada nulidade.
Relativamente à atenuante genérica do art. 66 do Código Penal, mostra-se
inaplicável, porquanto, nos exatos termos do voto condutor, em trecho que reproduzo: “a
dedicação posterior à vida acadêmica não consubstancia circunstância relevante posterior
relacionada ao fato criminoso, mas, sim, comportamento socialmente esperado do cidadão

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comum, especialmente na faixa etária do embargante (38 anos de idade, quando


interrogado em Plenário)”.
Por fim, analiso a questão da atenuante da confissão.
Penso que o réu, ao sustentar ter praticado o ato denunciado, sob o manto da
legítima defesa, não está confessando a espontaneamente a prática do crime, mas apenas
exercendo sua autodefesa, afirmando, ao fim e ao cabo, ser inocente.
Todavia, já se encontra consolidada a jurisprudência do Egrégio STJ, no
sentido de que, quando o acusado reconhece sua participação no fato típico, mas aduz ter
agido sob o manto de uma causa de exclusão da ilicitude, incide o instituto denominado
confissão qualificada, que, segundo o entendimento pacificado, se caracteriza como
atenuante.
Curvo-me ao entendimento, concluindo que se encontra justificada, assim, a
redução da reprimenda, com amparo no art. 65, III, “d”, do Código Penal.
E aqui, estou de acordo com a divergência inaugurada pelo eminente Des.
Marcelo Lemos Dorneles, na medida da possibilidade, na hipótese de confissão qualificada,
da redução da pena em menor grau, consoante recente julgado do Superior Tribunal de
Justiça, por ele citado.
E aqui, trago mais um julgamento da Corte Superior, sobre o mesmo tema:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.


DOSIMETRIA. CONFISSÃO QUALIFICADA. REDUÇÃO
INFERIOR A 1/6. POSSIBILIDADE. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO.
QUANTUM DE ATENUAÇÃO DA PENA MOTIVADO. MAIORES
INCURSÕES SOBRE O TEMA QUE DEMANDARIAM
REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Quanto à redução pela confissão espontânea, o Código Penal olvidou-
se de estabelecer limites mínimo e máximo de aumento ou redução de
pena a serem aplicados em razão das agravantes e das atenuantes
genéricas. Assim, a jurisprudência reconhece que compete ao julgador,
dentro do seu livre convencimento e de acordo com as peculiaridades do
caso, escolher a fração de aumento ou redução de pena, em observância
aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Todavia, a
aplicação de fração superior a 1/6 exige motivação concreta e idônea.
2. Nos moldes da jurisprudência desta Corte, "embora haja admitido ter
produzido as lesões na vítima, o réu afirmou que agiu sob a excludente
da legítima defesa, circunstância que justifica a incidência da
atenuante da confissão espontânea em patamar inferior a 1/6" (AgRg
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no HC 622.225/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,


SEXTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 24/11/2020).
3. Quanto ao redutor pelo privilégio, a Corte de origem reconheceu que
as agressões se deram em momento posterior ao desentendimento entre a
vítima e o sobrinho do réu, que ocorreu antes da violência física, sendo
certo que os ânimos haviam sido serenados no momento do crime, o que
justifica o abrandamento no patamar mínimo previsto legalmente, qual
seja, 1/6.
4. A escolha do quantum de redução da pena deve ser aferida com
fundamento nas circunstâncias fáticas que levaram ao reconhecimento do
homicídio privilegiado, especialmente "o grau emotivo do réu, além da
intensidade da injusta provocação realizada pela vítima." (REsp
1.475.451/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 21/3/2017, DJe 29/3/2017).
5. No caso, maiores incursões acerca do tema demandariam revolvimento
fático-probatório dos autos, providência que não se coaduna com a via
do writ.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 629.152/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021) - grifei

Neste aspecto, acompanho a divergência parcial inaugurada pelo eminente


Desembargador Marcelo Lemos Dornelles, para aplicar a confissão qualificada na redução
de 1/12 (um doze avos), restando a pena definitiva do sentenciado em 16 (dezesseis) anos e
06 (seis) meses de reclusão, diante da ausência de outras causas de aumento ou diminuição.
Diante do exposto, voto por acolher parcialmente os embargos
infringentes, em menor extensão.

DES. MARCELO LEMOS DORNELLES


De início, constato que o Advogado Rodrigo Grecellé Vares peticionou nos
autos, em 12/03/2024, suscitando a suspeição deste Magistrado para atuar no feito,
asseverando que, após o pedido de vista pelo Desembargador Jayme Weingartner Neto no
julgamento da apelação originária, o Promotor de Justiça Fernando Andrade Alves teria
despachado pessoalmente com o aludido Desembargador, em seu gabinete, juntamente com
este Signatário, na condição, à época, de Procurador-Geral de Justiça ou Subprocurador-
Geral de Justiça para Assuntos Institucionais.
Em sua manifestação, o causídico assim referiu:

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“[...] de acordo com informação obtida pela Defesa


diretamente de Sua Excelência, o Eminente Desembargador
JAYME, quando do referido despacho em gabinete por parte
do Promotor de Justiça FERNANDO ANDRADE ALVES,
este se fazia acompanhar do Procurador-Geral de Justiça
e/ou Sub-procurador Geral para Assuntos Institucionais do
MPRS.
Como o Eminente Desembargador MARCELO LEMOS
DORNELLES já exercera, inclusive à época do julgamento
do referido recurso de apelação, a função de Procurador-
Geral de Justiça e também de Sub-Procurador Geral para
Assuntos Institucionais do MPRS, pode-se inferir, com todo
respeito, que Sua Excelência pode ter se feito presente
naquela assentada, com o intuito de assegurar os interesses
institucionais do Ministério Público do Rio Grande do Sul
nestes autos à época. [...]” (.sic).

E, desde logo, rejeito a alegação de suspeição.


Pontuo que me causa estranheza a alegação defensiva no sentido de ter
participado, juntamente com o Promotor de Justiça Fernando Andrade Alves, da apontada
reunião para despachar com o Desembargador Jayme Weingartner Neto, porquanto tal
episódio não ocorreu.
Efetivamente, estive investido no cargo de Procurador-Geral de Justiça no
período em que foi julgado o recurso de apelação vinculado aos presentes autos, no ano de
2022. Isso, todavia, não macula meu dever de imparcialidade para julgamento do feito, já
que nele nunca atuei, quer como Promotor de Justiça, quer como chefe da Instituição, com
atribuições processuais exclusivas previstas na legislação de regência, jamais tendo intervido
em qualquer fase do processo, seja originário ou em grau recursal.
Além disso, causa estranheza a alegação do causídico ao apontar minha
participação na reunião, sem sequer juntar qualquer prova de suas alegações, trazendo aos
autos informações desprovidas de concretude e carregadas de subjetivismos e presunções,
asseverando que este Magistrado poderia “ter se feito presente naquela assentada”, na
condição de Procurador-Geral de Justiça ou de Subprocurador-Geral de Justiça para
Assuntos Institucionais.
Outra alegação que causa espécie é a indicação da obtenção da informação
acerca de minha participação no apontado ato através de “informação obtida pela Defesa
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diretamente de Sua Excelência, o Eminente Desembargador JAYME”, já que esta afirmação,


além de estranha, diferentemente do que sustenta o causídico, não consta do voto
proclamado pelo eminente Des. Jayme Weingartner Neto, que assim assentou à ocasião:

“Com a vênia do eminente Relator, apresento divergência.


Pedi vista, como adiantei na sessão passada, para refletir
acerca das alegações da combativa defesa, especialmente
no que tange à nulidade esgrimida. A sustentação oral,
veemente, levantou incidentes relevantes durante os debates.
Consigno que já havia recebido memoriais pelos
advogados e também, depois da vista, esteve em meu
gabinete o nobre Promotor de Justiça Dr. Fernando
Andrade Alves, que atuou em plenário.”. (grifei)

Como se pode constatar do excerto acima destacado, em momento algum o


Magistrado consignou minha participação na reunião, estando explícita apenas a presença do
Promotor de Justiça Fernando Andrade Alves no despacho posterior ao pedido de vista do
julgamento da apelação.
E, mais uma vez, afirmo, não estive presente na apontada ocasião.
Não cogito, portanto, de parcialidade para julgamento dos presentes
embargos infringentes e de nulidade.
Além disso, ao contrário do que afirma a defesa, o art. 254 do Código de
Processo Penal assim dispõe acerca das hipóteses de suspeição do magistrado:

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer,


poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo
caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim,
até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou
responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer
das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer
das partes;
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Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade


interessada no processo.

A arguição do advogado, consoante é possível perceber, não se enquadra em


quaisquer das hipóteses legais de suspeição supra destacadas.
Da mesma forma, também não cogito de impedimento para atuação no
feito, na medida em que, quanto a este, o art. 252 do Estatuto Penal Adjetivo dispõe que:

“Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no


processo em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo
ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério
Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas
funções ou servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância,
pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou
afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.”
(grifei)

Não incide, portanto, diante dos fundamentos acima explicitados e da


afirmação de que jamais atuei na condição de órgão do Ministério Público no feito, qualquer
hipótese de impedimento à minha participação na composição do julgamento da presente via
impugnativa, razão pela qual REJEITO o pleito defensivo.
Assim, assentada a imparcialidade, adentro ao julgamento da quaestio posta
nos embargos infringentes.
E, neste aspecto, concessa maxima venia, divirjo parcialmente da eminente
Relatora.
Assevero, inicialmente, que estou integralmente de acordo com o
desacolhimento da prefacial de nulidade posterior à pronúncia, porquanto, aderindo ao
posicionamento proclamado pela maioria no julgamento originário e aos fundamentos

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agregados nesta esfera pela nobre Desembargadora Rosaura Marques Borba, não cogito de
eiva no julgamento do Tribunal do Júri.
Da mesma forma, rejeito o reconhecimento da atenuante genérica, malgrado
os ponderáveis argumentos expostos no voto dissidente, pois perfilho do posicionamento
proclamado no voto condutor do acórdão no julgamento da Apelação.
Adentrando ao exame do pleito de reconhecimento da confissão espontânea,
aqui o objeto da divergência parcial, saliento que até pouco tempo vinha me posicionando
contrariamente ao reconhecimento da aludida atenuante, quando a confissão se mostrasse
qualificada, pois defendia que a confissão só se erigia à condição de atenuante quando fosse
completa ou, em outras palavras, quando o acusado admitisse integralmente o crime que lhe
foi imputado na denúncia.
Dubruçando-me sobre a questão, todavia, entendo por rever meu
posicionamento, em atenção à Recomendação nº 134/2022 do Conselho Nacional de Justiça,
que instituiu uma concepção de jurisdição baseada no conceito de uniformização de
jurisprudência, de modo a garantir que os precedentes sejam respeitados, como forma de
garantir a isonomia e o equilibrio entre as pertes, em atenção ao necessário cumprimento do
direito material.
Neste aspecto, saliento que o sistema de precedentes brasileiro exige intensa
integração entre as instâncias do Poder Judiciário, sendo dever dos Tribunais locais aplicar
os precedentes formados pelas Cortes Superiores no julgamento dos temas repetitivos e na
sistemática da repercussão geral.
Quanto ao ponto, inclusive, entendo relevante pontuar excerto do voto
proferido pela eminente Ministra Nancy Andrighi no julgamento da Reclamação nº
36.476/SP, no qual assentou que a razão de ser da observância dos precedentes concentra-se
"na racionalização da prestação jurisdicional do Tribunal, como forma de viabilizar o
cumprimento de sua função constitucional de manter a uniformidade da aplicação da lei
federal. Nesse panorama, o STJ se desincumbe de seu múnus definindo, por uma vez, a
interpretação da lei que deve obrigatoriamente ser observada pelos demais juízes e

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tribunais, viabilizando-se que questões idênticas recebam tratamento isonômico e


previsível"13.
Diante desse contexto, acabei revendo meu posicionamento, passando a
considerar, também, a confissão parcial/qualificada do agente como atenuante, ajustando-
me à pacífica orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, consoante precedentes que ora
exorto, inclusive com julgados da Terceira Seção da Corte da Cidadania:

PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO


ESPECIAL. CONFISSÃO. CORROBORAÇÃO DO ACERVO
PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. PREVALÊNCIA
DO ACÓRDÃO PARADIGMA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
IMPROVIDOS. 1. A jurisprudência é firme nesta Corte Superior
no sentido de que, se a confissão foi utilizada para corroborar o
acervo probatório e fundamentar a condenação, deve incidir a
atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, sendo
irrelevante o fato de haver sido qualificada. 2. Entendimento
adotado no aresto embargado em conformidade com a
jurisprudência assentada neste Tribunal. 3. Embargos de
divergência improvidos. (EREsp 1416247/GO, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/06/2016,
DJe 28/06/2016)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL.


ROUBO. INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 545/STJ.
PRETENDIDO AFASTAMENTO DA ATENUANTE DA
CONFISSÃO, QUANDO NÃO UTILIZADA PARA
FUNDAMENTAR A SENTENÇA CONDENATÓRIA.
DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INTERPRETAÇÃO DO ART.
65, III, D, DO CP. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
(VERTRAUENSSCHUTZ) QUE O RÉU, DE BOA-FÉ, DEPOSITA
NO SISTEMA JURÍDICO AO OPTAR PELA CONFISSÃO.
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O Ministério Público,
neste recurso especial, sugere uma interpretação a contrario
sensu da Súmula 545/STJ para concluir que, quando a confissão
não for utilizada como um dos fundamentos da sentença
condenatória, o réu, mesmo tendo confessado, não fará jus à
atenuante respectiva. 2. Tal compreensão, embora esteja presente
em alguns julgados recentes desta Corte Superior, não encontra
amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula
545/STJ. Estes precedentes instituíram para o réu a garantia de

13
RCL nº 36.476/SP, Corte Especial do STJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, publicado no
DJe de 06/03/2020.
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que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão


qualificada, parcial, extrajudicial, retratada, etc. Nenhum deles,
porém, ordenou a exclusão da atenuante quando a confissão não
for empregada na motivação da sentença, até porque esse tema
não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular. 3.
O art. 65, III, d, do CP não exige, para sua incidência, que a
confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma
das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à
atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento
constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na
fundamentação da sentença condenatória (momento meramente
declaratório). 4. Viola o princípio da legalidade condicionar a
atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença
como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e
preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do
julgador. 5. Essa restrição ofende também os princípios da
isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em
situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do
Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a
confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o
faça. 6. Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a
atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou
facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga
para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso
de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de
sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-
moral). 7. Consequentemente, a existência de outras provas da
culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante,
não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em
especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de
prova, corrobora objetivamente as demais. 8. O sistema jurídico
precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado
na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida
pela própria lei quanto à atenuação da pena. A decisão pela
confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off
entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa
de redução da reprimenda. 9. É contraditória e viola a boa-fé
objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena
pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados
confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial,
valendo-se de requisitos não previstos em lei. 10. Por tudo isso, o
réu fará jus à atenuante do art. 65, III, d, do CP quando houver
confessado a autoria do crime perante a autoridade,
independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como
um dos fundamentos da sentença condenatória. 11. Recurso
especial desprovido, com a adoção da seguinte tese: "o réu fará
jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver
admitido a autoria do crime perante a autoridade,
independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como
um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que
seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada". (STJ -
REsp: 1972098 SC 2021/0369790-7, Data de Julgamento:
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14/06/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe


20/06/2022)

Além disso, saliento a existência da Súmula 545 do STJ, cujo teor diz que:

“Súmula 545 – quando a confissão for utilizada para a formação


do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista
no art. 65, III, d, do Código Penal”.

Desse modo, aderindo ao posicionamento sedimentado no âmbito da Corte


Superior, passo a admitir a possibilidade de reconhecimento da confissão, ainda que
qualificada, para fins de atenuação das penas, em estrita atenção aos precedentes
supracitados, de modo que adiro ao posicionamento da preclara Desembargadora Rosaura
Marques Borba no julgamento em apreço, para reconhecer a atenuante prevista no art. 65,
inciso III, alínea “d”, do Código Penal em favor do réu ALEXANDRE CAMARGO ABE,
nos termos do voto dissidente.
Todavia, ainda que reconhecida a aludida atenuante genérica, relembro que o
próprio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, nas hipóteses de
confissão parcial ou qualificada, admite-se a incidência do benefício em patamar inferior a
1/6, quantum adotado como paradigma para empregar-se a exasperação ou atenuação das
reprimendas, de modo que passo a perfilhar deste entendimento, consoante recente
precedente que ora trago à colação:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE
IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO
AGRAVADA. SÚMULA N. 182/STJ. CONCESSÃO DA ORDEM
DE HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. ATENUANTE.
CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONFISSÃO QUALIFICADA.
INCIDÊNCIA INDEPENDENTEMENTE DA UTILIZAÇÃO NA
FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL
NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS
CONCEDIDA. [...] 4. A jurisprudência desta Corte Superior se
consolidou no sentido de que, nos casos em que a confissão do
acusado servir como um dos fundamentos para a condenação, a
aplicação da atenuante em questão é de rigor, "pouco importando
se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, ou
mesmo se foi realizada só na fase policial com posterior retração

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em juízo" (AgRg no REsp 1412043/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO


REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2015, DJE
19/3/2015). A matéria encontra-se sumulada, consoante o
enunciado n. 545 desta Corte Superior. 5. A Quinta Turma deste
Superior Tribunal, na apreciação do REsp n. 1.972.098/SC, de
relatoria do Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 14/6/2022,
DJe 20/6/2022, firmou o entendimento de que o réu fará jus à
atenuante da confissão espontânea nas hipóteses em que houver
confessado a autoria do crime perante a autoridade, ainda que a
confissão não tenha sido utilizada pelo julgador como um dos
fundamentos da condenação, e mesmo que seja ela parcial,
qualificada, extrajudicial ou retratada. Precedentes. 6. In casu,
considerando a existência de confissão qualificada, consoante
assentado na sentença condenatória (e-STJ fls. 199/200), deve ser
reconhecida a incidência da atenuante genérica. 7. É firme a
jurisprudência deste Superior Tribunal no sentido de que, nas
hipóteses de confissão parcial ou qualificada, como na espécie,
se admite a incidência da atenuante em patamar inferior a 1/6.
Precedentes. 8. Na hipótese vertente, considerando que a
confissão realizada pelo recorrente foi qualificada pela tese da
legítima defesa e, conforme assentado pelas instâncias de
origem, não contribuiu para a elucidação dos fatos, justifica-se a
aplicação da benesse na fração de 1/12, devendo,
consequentemente, ser parcial a compensação entre essa e a
agravante alusiva ao emprego de outro recurso que dificultou a
defesa do ofendido, com a preponderância desta sobre aquela. 9.
Agravo regimental não conhecido e concedida, de ofício, a ordem
de habeas corpus, para reconhecer a incidência da atenuante da
confissão espontânea e realizar a compensação parcial entre essa
e a agravante do art. 61, inciso II, alínea "c", do CP,
redimensionando a reprimenda definitiva, mantidos os demais
termos da condenação. (AgRg no AREsp n. 2.442.297/SP, relator
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
20/2/2024, DJe de 26/2/2024)

Dessa forma, considerando o precedente paradigma acima invocado, em


atenção às particularidades do caso concreto, em que o embargante admitiu de forma
qualificada a prática do fato, invocando tese exculpante de legítima defesa, entendo correta
a aplicação da fração de 1/12 para a redução da pena, nos termos sugeridos pela Corte
Cidadã em julgamento similar.
Sendo assim, considerada a pena-base de 16 (dezesseis) anos de reclusão
fixada no voto proferido pela maioria, e a exasperação da pena, na etapa provisória, em razão
do reconhecimento da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “c”, do Código Penal,
mantenho a fração de aumento, de modo que a reprimenda provisória atinge o patamar de 18
(dezoito) anos de reclusão. Entretanto, em razão do reconhecimento da atenuante da
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confissão espontânea, aplico a redução da pena no patamar de 1/12 (um doze avos),
atingindo 16 (dezesseis) anos e 06 (seis) meses de reclusão, patamar que torno definitivo,
em razão da ausência de outras causas modificadoras.
Por tais fundamentos, divergindo em parte da eminente Relatora, acolho
parcialmente os embargos infringentes, para fazer prevalecer o voto dissidente tão
somente em relação ao reconhecimento da atenuante da confissão e, assim, em menor
extensão, redimensionar a reprimeda do acusado ao patamar de 16 (dezesseis) anos e 06
(seis) meses de reclusão.

DES. RÉGIS DE OLIVEIRA MONTENEGRO BARBOSA


Com a venia da eminente Relatora, estou em acompanhar a parcial
divergência lançada pelo eminente Desembargador Marcelo Lemos Dornelles, no sentido de,
face à presença da atenuante da confissão espontânea em sua forma qualificada, reduzir a
pena no patamar de 1/12 (um doze avos), assim restando definitizada em 16 (dezesseis) anos
e 06 (seis) meses de reclusão.

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS - Presidente - Embargos Infringentes e de


Nulidade nº 70085742955, Comarca de Osório: "POR MAIORIA, ACOLHERAM, EM
PARTE, OS EMBARGOS INFRINGENTES, PREVALECENDO O VOTO MÉDIO, PARA
FAZER PREVALECER O VOTO DISSIDENTE TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO AO
RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO E, ASSIM,
REDIMENSIONAR A REPRIMENDA DO ACUSADO AO PATAMAR DE 16
(DEZESSEIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO.”

Julgador(a) de 1º Grau: JULIANO PEREIRA BREDA

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