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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JACP
Nº 70085054880 (Nº CNJ: 0019041-11.2021.8.21.7000)
2021/CRIME

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES


DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A PESSOA.
HOMICÍDIO QUALIFICADO, NA FORMA TENTADA
(ARTIGO 121, § 2º, INCISOS II E IV, NA FORMA DO
ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO
PENAL)
INCONFORMIDADE DEFENSIVA.
PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO E INDÍCIOS DE
AUTORIA. PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO.
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. TESE DE LEGÍTIMA
DEFESA NÃO RECONHECIDA. ALEGAÇÃO DE
AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI.
DESCABIMENTO.
A existência do primeiro fato delituoso, objeto do recurso, está
consubstanciada no boletim de ocorrência policial, no boletim
hospitalar e no Laudo Pericial nº 186199/2018.
Quanto aos indícios suficientes de autoria, aptos a manter a
pronúncia do réu, verifico que estão presentes nos autos. Com
efeito, além das declarações da vítima, que apontou Ricardo
como sendo o autor das agressões, o próprio réu confirmou ter
golpeado o ofendido, com uma faca. Ainda que o réu tenha
obtemperado o fato, ao afirmar ter agido em legítima defesa
própria, a conclusão de mérito a respeito desse tópico ficará
reservada ao Tribunal do Júri. Isso porque a versão apresentada
pelo acusado não é isenta de polêmica relevante, já que em
contraste com aquela fornecida pela vítima Diogo. Assim, não
existindo prova suficiente que afaste qualquer dúvida acerca de
possível excludente de ilicitude, sobretudo de quem iniciou as
agressões, bem como da moderação do meio empregado, a
matéria deverá ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri.
A desclassificação do delito para outro diverso da competência
do Tribunal do Júri, ao argumento de ausência do animus
necandi, comporta maior reflexão pelos Senhores Jurados, dada
a dinâmica dos fatos, em que o réu teria desferido diversos
golpes de faca na vítima, alguns deles em regiões vitais. Nesta
esteira, não há certeza de que não houve intenção de matar por
parte do réu, devendo o elemento subjetivo da conduta ser
dirimido pelo Conselho de Sentença, uma vez que a
desclassificação só teria lugar se nenhuma dúvida houvesse
acerca da ausência de dolo na conduta da agente, o que não
ocorre na espécie. Precedente.
QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E DO
RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA
VÍTIMA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS.
MANUTENÇÃO.
Conquanto não tenha sido objeto de impugnação por parte do
recorrente, assinalo que há elementos nos autos que permitem a
manutenção das qualificadoras, visto que segundo uma vertente

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de prova produzida, o réu, motivado por ciúmes, teria desferido


golpes de faca na vítima, de inopino.
Havendo indicação, ainda que mínima, de elementos nos autos
que corroboram a imputação das qualificadoras questionadas,
não cabe ao Juízo primevo recortá-las na pronúncia, a menos
que sejam manifestamente insubsistentes às provas dos autos, o
que não ocorreu na espécie. Não está descartada a possibilidade
da ocorrência de ditas qualificadoras, sendo certo que apenas o
Conselho Popular poderá deliberar sobre as circunstâncias do
delito, sendo impossível, ante a existência de dúvidas, o decote
das aludidas qualificadoras na fase em que o processo se
encontra.
RECURSO DESPROVIDO.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70085054880 (Nº CNJ: 0019041- COMARCA DE SÃO PEDRO DO SUL


11.2021.8.21.7000)

RICARDO SANTOS VIEIRA RECORRENTE

MINISTERIO PUBLICO RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes
Senhores DES. LUIZ MELLO GUIMARÃES E DES.ª ROSAURA MARQUES
BORBA.
Porto Alegre, 23 de agosto de 2021.

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ,

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Relator.

RELATÓRIO
DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (RELATOR)
Na Comarca de São Pedro do Sul, o Ministério Público ofereceu denúncia
contra RICARDO SANTOS VIEIRA, nascido em 23NOV1982, pela prática dos delitos
tipificados no artigo 121, §2°, incisos II e IV, na forma do artigo 14, inciso II, e no artigo
121, §2º, incisos II, IV e VII, na forma do artigo 14, inciso II, todos do Código Penal.
Da inicial acusatória, apreende-se (fls. 02/03v):

“(...)

1º Fato:

Segundo descrito na denúncia, “no dia 10 de


novembro de 2018, por volta das 23h, na Rua Humaitá, nº
85, em Quevedos/RS, o denunciado mediante recurso que
dificultou a defesa da vítima e por motivo fútil, deu início ao
ato de matar a vítima Diogo Cavalheiro da Rosa.

Na oportunidade, o denunciado após se dirigir até a


residência de sua ex-companheira Flavia Maia Schmidt
Vieira e ingressar no imóvel, correu atrás da vítima até o
quarto do filho de Flavia, Luiz Ricardo, e passou a desferir
diversos golpes de faca na região do tórax, pescoço e braços
da vítima, causando as lesões descritas no relatório de
atendimento médico e descrição cirúrgica das fls. 25/27 do
IP.

O crime somente não se consumou por circunstâncias


alheias à vontade do agente, uma vez que a vítima
conseguiu fugir do local e ser prontamente encaminhada ao
Hospital Municipal de São Pedro do Sul, posteriormente, em
função da gravidade das lesões, ao Hospital Universitário de
Santa Maria – HUSM, onde foi submetida a inúmeras e bem
executadas intervenções médicas.

O animus necandi do denunciado restou evidenciado


em razão dos diversos golpes desferidos terem atingido a
vítima em região de alta letalidade (tórax e pescoço),
mediante a utilização de instrumento cortante (facão/faca),

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sem perder de vista que perseguiu a vítima no interior da


residência de Flavia, inclusive vindo a quebrar a porta do
quarto onde o ofendido tentou se abrigar.

De ressaltar que o crime foi praticado pelo denunciado


mediante recurso que dificultou a defesa da vítima,
porquanto se utilizou de uma faca para proferir diversos
golpes contra o ofendido, de modo súbito, que se encontrava
desarmado.

Além disso, o fato se deu por motivo fútil, decorrente


de sentimento de ciúmes do denunciado ao avistar a vítima
na residência e sua ex-companheira.

2º Fato:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço


supradescritas, o denunciado RICARDO SANTOS VIEIRA,
por motivo fútil, com recurso que dificultou a defesa da
vítima e contra mulher por razões da condição do sexo
feminino, deu início ao ato de matar a vítima Flavia Maia
Schmidt Vieira, sua ex-companheira.

Na ocasião, o denunciado desferiu golpes de faca na


região do tórax e nos braços da vítima enquanto ela tentava
impedir as agressões desferidas contra a vítima Diogo,
causando as lesões descritas no Laudo Pericial do IP.

O denunciado somente não consumou o ato por


circunstâncias alheias a vontade, uma vez que a vítima foi
prontamente encaminhada ao Hospital Municipal de São
Pedro do Sul – HMGDN, onde foi realizado o seu
atendimento médico.

De ressaltar ainda que o crime foi praticado pelo


denunciado mediante recurso que dificultou ou
impossibilitou a defesa da vítima, tendo em vista que se
utilizou de uma faca para desferir diversos golpes contra a
ofendida, que se encontrava desarmada.

Além disso, o delito foi cometido contra mulher por


razões da condição do sexo feminino, em razão do evidente
sentimento de propriedade e superioridade do investigado
sobre a vítima, a qual é sua ex-companheira e se

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encontrava acompanhada de um amigo em sua residência


no momento do fato.

O crime foi praticado por motivo fútil, decorrente de


sentimentos de ciúmes do denunciado ao avistar a vítima
acompanhada em sua residência por Diogo Cavalheiro da
Rosa.

Por fim, salienta-se que o crime ocorreu no ambiente


doméstico e familiar, tendo o denunciado cometido ambos
os crimes na presença de dois filhos menores, os quais
contam com 04 e 09 anos de idade.

(...)”.

A denúncia foi recebida em 08JAN2019 (fl. 47).


Regularmente processado o feito na origem, a digna Magistrada
sentenciante, ao final da primeira fase do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, admitiu
em parte a pretensão acusatória, para o efeito de pronunciar o réu RICARDO SANTOS
VIEIRA pela prática do delito tipificado no artigo 121, §2°, incisos II e IV, na forma do
artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (primeiro fato) e desclassificar a conduta
narrada no segundo fato da denúncia, para o delito de lesão corporal culposa (artigo 129, §
6º, do Código Penal). (fls. 169/174).
A r. sentença foi publicada em 13AGO2019 (fl. 174v).
Inconformada, a Defesa constituída do réu interpôs recurso em sentido
estrito, acompanhado de suas razões recursais (fls. 176/179). Busca a defesa a absolvição
sumária do réu em relação ao primeiro fato descrito na denúncia, em face da incidência de
excludente de ilicitude (legítima defesa). Subsidiariamente requer a desclassificação do
crime narrado no primeiro fato da inicial acusatória, para outro de competência diversa do
Tribunal do Júri, dada a ausência de animus necandi.
O recurso foi recebido (fl. 180).
O Ministério Público, em sede de contrarrazões, sem suscitar preliminares,
requereu o desprovimento do recurso (fls. 181/184v).
A decisão foi mantida (fl. 185).
Remetidos os autos a esta instância, vieram-me distribuídos, por vinculação.
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Encaminhados os autos ao Ministério Público de segundo grau, a douta


Procuradora de Justiça, Dra. Maria Cristina Cardoso Moreira de Oliveira, em parecer
lançado às fls. 187/190, opinou pelo desprovimento do recurso.
Em 30JUN2021 os autos retornaram conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ (RELATOR)
Ausente questões preliminares e/ou prejudiciais a serem apreciadas, passo de
imediato ao exame do mérito.
A existência (prova da materialidade) do primeiro fato delituoso (vítima
Diogo Cavalheiro da Rosa), objeto do recurso, está consubstanciada no boletim de
ocorrência policial (fls. 07-08), no boletim hospitalar (fls. 29/31) e no Laudo Pericial nº
186199/2018 (fls. 136-137).
No que toca aos indícios suficientes de autoria, aptos a manter a pronúncia
do réu, verifico que estão presentes nos autos. Reproduzo, para tanto, trecho da r. sentença,
da lavra da Dra. Luana Schneider, em que sumariada a prova oral colhida ao longo da
instrução (fls. 170v/172v):

“(...)

A vítima FLAVIA MAIA SCHMIDT VIEIRA (fls. 116-


118) relatou que era sexta-feira, por volta das 23h, e estava
na sala acompanhada de Diogo. Referiu que havia
conversado com Ricardo naquele mesmo dia e ficou “um
clima pesado” (sic). Disse que Ricardo chegou em sua
casa e quando abriu a janela, para ver quem era, ele
girou a chave da porta e entrou. Pediu para o acusado
sair da sua casa. O réu foi até o seu quarto, no qual
estava seu filho Luis Ricardo, e depois foi no quarto da
criança, local em que estava Diogo. Disse que o réu
arrebentou a porta do quarto de seu filho. Pediu para sua
filha Roberta permanecer no quarto. Afirmou que pedia
para o réu sair da sua casa. Não viu o réu acertar as
facadas em Diogo e também não viu quando foi
lesionada. Afirmou que Diogo foi esfaqueado quando
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estava no quarto, no momento em que o réu tentava


abrir a porta. Após isso, Diogo saiu da casa e o réu o
seguiu. Tentou segurar o acusado. Confirmou que Diogo
estava caído na rua, depois levantou e fugiu. Segurou
Ricardo para que não corresse atrás da vítima, foi
quando percebeu que também estava cortada. Após isso,
alguns vizinhos chegaram e Ricardo resolveu ir embora.
Posteriormente entrou na casa para ver as crianças e
verificar a gravidade das suas lesões. Depois é que viu que
Diogo estava em uma casa vizinha, “ensanguentado” (sic).
Acredita que o acusado não foi na sua casa para lhe
matar ou matar o Diogo. Relatou que o acusado nunca
demonstrou ser agressivo. Contou que é comum na
localidade onde reside as pessoas carregarem faca na
cintura e que às vezes Ricardo andava com uma faca.
Referiu que fazia uns dois anos que estava separada de
Ricardo, mas ainda residiam na mesma casa. Não viu o
momento exato que Ricardo golpeou Diogo, mas sabe que
ele saiu de sua casa já com as lesões.

A vítima DIOGO CAVALHEIRO DA ROSA (fls. 116-


118) contou que estava conversando com Flavia, na casa
dela, quando o acusado bateu à porta. Então entrou no
quarto de Luis Ricardo e o réu tentou abrir a porta. Não
tinha como sair pela janela, pois era com grade. Referiu
que o acusado deu dois empurrões na porta e conseguir
abrir uma “fresta” (sic), momento em que lhe deu duas
facadas. O acusado dizia “sai pra fora covarde” (sic). No
momento em que Ricardo empurrou novamente a porta
e conseguiu entrar, saiu do quarto e foi em direção à
porta da casa, que estava chaveada, momento em que o
réu lhe deu duas facadas nas costas. Tentou fugir, mas
estava fraco devido à perda de sangue. Aduziu que havia
um quebra-molas na rua, local em que caiu e o réu
desferiu mais facadas. Disse que o padeiro que reside perto
da casa de Flavia gritou com o réu e ele parou. Nesse
momento, levantou e conseguiu ir até a casa de seu colega,
local que chamaram a ambulância. Não sabe quando o
acusado agrediu Flavia. Após ser socorrido, foi direto
para o bloco e ficou na UTI por onze dias, cinco dias em
coma. Depois precisou ficar mais 30 dias devido a uma
infecção. Afirmou que nunca teve desavenças com o réu,
mas foi avisado por um dos seus chefes que precisava tomar
cuidado. Acreditava que o acusado nunca faria isso, por
trabalharem juntos, e provavelmente foi motivado por
fofocas. Disse que há comentários de que o réu estava

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vigiando a casa de Flavia no dia dos fatos. Contou que


Ricardo costumava andar com faca na cintura.

A informante ROBERTA MAIA SCHIMDT (fls. 116-


118), filha do acusado e de Flávia, disse que estava em
casa, no seu quarto, mas que não presenciou os fatos e
também não ouviu nada. Afirmou que conhece Diogo, mas
não sabe se ele estava na sua casa. Referiu que o acusado
não estava em casa. Contou que saiu do quarto quando
todos já tinham ido embora.

A testemunha VALDIR MACHADO MAIA (fls. 116-118)


disse que o acusado é trabalhador e abonou sua conduta.
Sobre os fatos somente ouviu os comentários de que
Ricardo estava sendo traído. Confirmou que é comum usar
faca na cintura na localidade.

A testemunha AMERICO SCHALEMBERGER (fls. 116-


118) abonou a conduta do réu e disse que o mesmo é
trabalhador. Sobre os fatos, só ouviu comentários.

A testemunha DIOMERO MAIER DIAS (fls. 116-118)


abonou a conduta do réu. Sobre os fatos, apenas ouviu
comentários de que Diogo mandava mensagens para o
acusado.

A testemunha VELOCINDO HASSELMANN DA COSTA


(fls. 116-118) abonou a conduta do réu. Disse que sua
conduta perante a sociedade é excelente.

A testemunha FLORIANO DALTRO NUNES


SKREBSKY (fls. 116-118) disse que o réu é trabalhador e
abonou a sua conduta. Disse que Diogo é “um gigolô” (sic)
devido a ter muitos relacionamentos. Havia boatos que
Diogo estava namorando Flavia. No dia dos fatos, a vítima
estava de “bolicho em bolicho” (sic) e o primo de Diogo
aconselhou o mesmo a não ir na casa de Flavia. Não sabe se
Ricardo ameaçou a vítima. Disse que havia comentários de
que Diogo “gargantiava” o réu (sic).

A testemunha LEANDRO SILVA DA ROSA (fls. 116-


118) disse que estava no mercado no dia dos fatos, tendo
ouvido gritos, mas não foi conferir o que era.
Posteriormente, ao sair da casa, viu que Ricardo estava
empurrando Diogo e Flavia estava perto, tentando separar
os dois. Referiu que gritou para o réu e ele parou de agredir

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Diogo, indo embora. Não viu se Ricardo continuava a dar


facadas no momento em que estavam na rua. Não viu
quando Ricardo agrediu Flavia, mas acredita que foi no
momento que ela tentou separar.

A testemunha RUAN LEMOS (fls. 116-118) relatou que


no dia dos fatos estava na praça e Diogo estava bêbado,
com uma faca na cintura. A vítima “intimou outros
caras” (sic), em um bar próximo da praça. Na ocasião, o
ofendido comentou que iria na casa de Ricardo. Após
alguns minutos, ouviram uns gritos e viram a briga na rua.
Disse que viu a vítima e o réu trocarem socos e o
acusado revidava com golpes de faca. Diogo chegou a
cair no chão e viu que Ricardo deu só um golpe na
vítima. Contou que Flavia estava no meio dos dois, para
separar, e o réu levou a mão para empurrar ela. Acredita
que foi nesse momento em que ocorreu a lesão em Flavia.
Aduziu que a vítima Flávia disse que o acusado havia lhe
cortado e Ricardo parou de agredir Diogo, o qual conseguiu
fugir. Diogo estava com uma “soqueira”. Disse que
conversou com Ricardo e ele estava muito nervoso. Após o
réu ir embora, pegou sua motocicleta e foi atrás de Diogo e
viu que ele estava na casa de seu Zé, na varanda e várias
pessoas vieram socorrer. Não sabe se a faca de Diogo era a
mesma que o réu usou para agredi-lo. Ouviu comentários
de que Diogo teria mandado mensagem para Ricardo no dia
dos fatos. Não ouviu a testemunha Leandro gritar com o
réu.

O réu RICARDO SANTOS VIEIRA (fls. 116-118)


relatou que no dia dos fatos trabalhou o dia inteiro na
prefeitura e tinha combinado com Flavia de buscar seu filho
para passar a tarde, mas não conseguiu. Após, recebeu
uma ligação de sua irmã, dizendo que sua mãe tinha
passado mal, então foi até a residência de sua mãe e depois
voltou para casa. Mais tarde foi na casa de Flavia para
buscar Luis Ricardo e encontrou Diogo na casa. Já sabia
do relacionamento dos dois, mas Diogo sempre lhe
provocava. Disse que no dia dos fatos viu a vítima bebendo
em um bar. Quando Diogo viu que o réu havia chegado
na casa, ele “marotiou” (sic) e lhe chamou de corno.
Entrou na casa e a vítima foi para o quarto de seu filho.
Tentou girar a fechadura e a vítima segurou a porta.
Então afirmou que forçou a porta para derrubar e
quando conseguiu, Diogo veio pra cima, dando golpes,
mas não conseguia acertar porque estava bêbado. Diogo

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lhe deu coices nas pernas e ficou com cicatrizes e


também chegou a jogar a porta em si. Possuía uma faca
na cintura e usou para se defender. Diogo estava com
uma “soqueira” e tinha fama de brigar na cidade, tendo
brigado até com brigadianos. Disse que nunca agrediu sua
ex-esposa e a separação foi amigável. Referiu que foi
humilhado por Diogo, que dizia para seus colegas que
dormiria com sua esposa. Aduziu que golpeou com a
faca, mas não sabe os lugares onde atingiu. Não tinha
intenção de matar a vítima. Não viu quando esfaqueou
Flavia, só viu quando ela lhe disse que foi atingida. Acredita
que foi no momento em que ela tentou apartar. Negou que
tenha dado facadas em Diogo quando ele estava caído. A
briga parou quando Ruan chegou de motocicleta e Leandro
interferiu. Após isso, foi embora. Disse que usa sempre uma
faca na cintura, em virtude do trabalho. Não lembra se
Diogo estar com uma faca. Referiu que Diogo disse que
“dentro da cidade não tinha homem pra ele” e lhe chamou
de corno. Nunca provocou a vítima e sempre procurou
ignorar as provocações.

(...)” (grifei).

Da prova oral alhures reproduzida, vê-se que há indícios suficientes de


autoria. Com efeito, além das declarações da vítima Diogo, que apontou Ricardo como
sendo o autor das agressões, o próprio réu confirmou ter golpeado o ofendido, com uma faca.
Ainda que o réu tenha obtemperado o fato, ao afirmar ter agido em legítima defesa própria,
a conclusão de mérito a respeito desse tópico ficará reservada ao Tribunal do Júri.
Isso porque a versão apresentada pelo acusado não é isenta de polêmica
relevante, já que em contraste com aquela fornecida pela vítima Diogo, a qual, pela
pertinência, se reproduz em parte:

“(...) contou que estava conversando com Flavia, na casa


dela, quando o acusado bateu à porta. Então entrou no
quarto de Luis Ricardo e o réu tentou abrir a porta. Não
tinha como sair pela janela, pois era com grade. Referiu
que o acusado deu dois empurrões na porta e conseguir
abrir uma “fresta” (sic), momento em que lhe deu duas
facadas. O acusado dizia “sai pra fora covarde” (sic). No
momento em que Ricardo empurrou novamente a porta e
conseguiu entrar, saiu do quarto e foi em direção à porta da
casa, que estava chaveada, momento em que o réu lhe

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deu duas facadas nas costas. Tentou fugir, mas estava


fraco devido à perda de sangue. Aduziu que havia um
quebra-molas na rua, local em que caiu e o réu desferiu
mais facadas (...)” (grifei).

Neste contexto, não existindo prova suficiente que afaste qualquer dúvida
acerca de possível excludente de ilicitude, sobretudo de quem iniciou as agressões, bem
como da moderação do meio empregado, a matéria deverá ser submetida à apreciação do
Tribunal do Júri.
Demais disso, a desclassificação do delito para outro diverso da
competência do Tribunal do Júri, ao argumento de ausência do animus necandi, comporta
maior reflexão pelos Senhores Jurados, dada a dinâmica dos fatos, em que o réu teria
desferido diversos golpes de faca na vítima, alguns deles em regiões vitais (tórax e
pescoço).
Nesta esteira, não há certeza de que não houve intenção de matar por parte
do réu, devendo o elemento subjetivo da conduta ser dirimido pelo Conselho de Sentença,
uma vez que a desclassificação só teria lugar se nenhuma dúvida houvesse acerca da
ausência de dolo na conduta da agente, o que não ocorre na espécie
A propósito, reproduzo a seguinte passagem do voto do saudoso Des. Marco
Aurélio Canosa (RSE nº 70052976545): “a ausência de animus necandi trata-se de alegação
de “... factum internum, e desde que não é possível pesquisá-lo no “foro intimo” do agente,
tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo.”, ou seja, “É sobre
pressupostos de fato, em qualquer caso, que há de assentar o processo lógico pelo qual se
deduz o dolo distintivo do homicídio.”, como, há muito deixou assentado o mestre
HUNGRIA (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, Vol. V, 6ª edição, Forense, 1981, fls. 49) . E
prossegue: “(...) já decidiu esta Corte, por sua colenda CÂMARA ESPECIAL
CRIMINAL, quando do julgamento, em 10/09/2002, do Recurso em Sentido
Estrito Nº 70004609368, a ausência de dolo e a desistência voluntária
são “TESES QUE EXIGEM PERQUIRICAO DO ANIMUS DO AGENTE,
INGRESSANDO EM MATERIA DE COMPETENCIA CONSTITUCIONAL
PRIVATIVA DO TRIBUNAL DO JURI.”.

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Assim sendo, os indícios suficientes de autoria ou de participação,


compreendidos como prova tênue, de menor valor persuasivo, que permitam afirmar a
probabilidade da concorrência do acusado para a consumação do delito contra a vida, estão
representados nos autos, atuando com acerto a autoridade judiciária de primeira instância ao
encaminhar o processo para julgamento pelo Tribunal do Júri, não se afigurando viável,
neste momento processual, nem a prolação de uma decisão absolutória sumária, pois isso
requer a certeza cabal da não atuação do pronunciado, o que não se verificou no caso
concreto, nem de despronúncia, uma vez que a autoria a cargo do recorrente está sugerida
nos auto. Outrossim, consoante já destacado, não há certeza de que não houve intenção de
matar por parte do réu.
Por fim, conquanto não tenha sido objeto de impugnação por parte do
recorrente, assinalo que há elementos nos autos que permitem a manutenção das
qualificadoras do recurso que dificultou a defesa da vítima e do motivo fútil, visto que
segundo uma vertente de prova produzida, o réu, motivado por ciúmes, teria desferido golpes
de faca na vítima, de inopino.
Registro, então, que havendo indicação, ainda que mínima, de elementos nos
autos que corroboram a imputação das qualificadoras questionadas, não cabe ao Juízo
primevo recortá-las na pronúncia, a menos que sejam manifestamente insubsistentes às
provas dos autos, o que não ocorreu na espécie.
Assim, não está descartada a possibilidade da ocorrência de ditas
qualificadoras, sendo certo que apenas o Conselho Popular poderá deliberar sobre as
circunstâncias do delito, sendo impossível, ante a existência de dúvidas, o decote das
aludidas qualificadoras na fase em que o processo se encontra.
Frente ao exposto, voto por NEGAR provimento ao recurso.
É o voto.

DES. LUIZ MELLO GUIMARÃES - De acordo com o(a) Relator(a).


DES.ª ROSAURA MARQUES BORBA - De acordo com o(a) Relator(a).

12
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JACP
Nº 70085054880 (Nº CNJ: 0019041-11.2021.8.21.7000)
2021/CRIME

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ - Presidente - Recurso em Sentido Estrito nº


70085054880, Comarca de São Pedro do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO. DECISÃO UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: LUANA SCHNEIDER

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