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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AVAS
Nº 70085742377 (Nº CNJ: 0001337-14.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO. ROUBO. ORGANIZAÇÃO


CRIMINOSA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SEDE
IMPRÓPRIA. NULIDADE. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS
TELEFÔNICOS. PROVA PERICIAL. FUNDAMENTO NÃO
IMPUGNADO. SÚMULA 283 DO STF. RECONHECIMENTO DE
PESSOAS. FORMALIDADES. ARTIGO 226 DO CPP. OUTROS
ELEMENTOS DE PROVA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SÚMULA
83 DO STJ. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO.
CONCURSO FORMAL. REEXAME DE PROVAS.
AGRAVANTE. PRÁTICA DE CRIME PARA FACILITAR OU
ASSEGURAR A EXECUÇÃO DE OUTRO DELITO.
CONCURSO DE CRIMES. CRIME ÚNICO. CONCURSO
FORMAL. ROUBO E EXTORSÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. PENA DE MULTA. DISPOSITVO
LEGAL VIOLADO. NÃO INDICAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO
DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. RECURSO NÃO
ADMITIDO.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIOS DO


CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL. OFENSA REFLEXA. TEMA 660 DO STF. NEGADO
SEGUIMENTO AO RECURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
SÚMULA 279 DO STF. RECURSO NÃO ADMITIDO.

RECURSOS ESPECIAIS E EXTRAORDINÁRIO.


INTEMPESTIVIDADE. RECURSOS NÃO ADMITIDOS.

RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO SEGUNDA VICE-PRESIDÊNCIA

Nº 70085742377 COMARCA DE ALEGRETE


(Nº CNJ: 0001337-14.2023.8.21.7000)

GILBERTO SILVA RIBEIRO RECORRENTE

DENILSON BERNARDI MARTINS RECORRENTE

MINISTERIO PUBLICO RECORRIDO

1. Trata-se de recursos especiais e extraordinários interpostos contra acórdão


da Oitava Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, que julgou apelação criminal, assim
ementado (fls. 1705/1707):
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2023/CRIME

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. EXTORSÃO


MAJORADA (1º FATO). ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO (2º
FATO). DELITOS DA LEI Nº 12.850/2013. ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA ARMADA (5º FATO). ILÍCITOS PENAIS PREVISTOS NA
LEI Nº 10.826/2003. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO
PERMITIDO (7º FATO).
PRELIMINARES DE NULIDADE. APREENSÃO E QUEBRA DO
SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS PROMOVIDOS PELA
AUTORIDADE POLICIAL. DILIGÊNCIA EFETUADA APÓS
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
Inexistente ilegalidade na quebra do sigilo de dados telefônicos quando
efetuada com amparo em prévia autorização judicial, conforme preconiza o
artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
AUSÊNCIA DE DISPONIBILIZAÇÃO ÀS DEFESAS DA
INTEGRALIDADE DOS DADOS EXTRAÍDOS A PARTIR DAS
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS EFETUADAS.
EIVA DA PROVA PERICIAL REALIZADA NA ETAPA
INQUISITORIAL. PARCIALIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA E
DO PERITO NOMEADO.
Defesa que não suscitou as preliminares em questão durante a instrução
processual, tampouco em alegações finais. Preclusão das argumentações
lançadas em grau de apelo. Preliminares rejeitadas.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. INOBSERVÂNCIA ÀS
RECOMENDAÇÕES DO ARTIGO 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL.
Eventual inobservância das recomendações previstas no artigo 226 do
Código de Processo Penal que não acarreta a nulidade do reconhecimento
realizado em sede policial nas hipóteses em que o decreto condenatório
venha fundamentado em conjunto fático-probatório produzido à luz dos
princípios constitucionais.
INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
Inconstatada nulidade no indeferimento de produção de prova testemunhal
pleiteada pela defesa técnica de um dos recorrentes, considerada a
apresentação extemporânea do rol de testemunhas, em violação ao prazo
estabelecido pelo artigo 396-A do Estatuto Penal Adjetivo.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
Inépcia da denúncia que deve ser reconhecida apenas quando a deficiência
da peça ministerial impedir a compreensão da acusação e, por consequência,
a defesa do réu. Não identificado vício de forma, contando com descrição
suficientemente detalhada dos fatos e viabilizando o amplo exercício do
contraditório. Ausência de prejuízo a ser declarado que determina o
afastamento da pecha de nulidade.
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MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS.


CONDENAÇÕES MANTIDAS.
Comprovadas suficientemente no curso da instrução processual a autoria e
materialidade dos delitos de extorsão majorada, roubo majorado,
organização criminosa e posse irregular de munição de uso permitido
imputados aos acusados.
Consistentes declarações prestadas pelas vítimas em ambas as fases
persecutórias que são referendadas pelos dados extraídos dos celulares
apreendidos por ocasião do cumprimento de mandados de busca e apreensão
nos domicílios de dois réus e pelos reconhecimentos fotográficos realizados
na etapa inquisitorial.
Agentes que, em número de três, sob ordens de um quarto indivíduo,
responsável pela organização e coordenação do ilícito penal descrito no 1º
fato da denúncia, deslocaram-se à propriedade rural dos ofendidos e,
exercendo grave ameaça mediante o emprego de arma de fogo e valendo-se
de violência física, exigiram a entrega de 1.000 (mil) sacas de soja a título de
adimplemento de dívida existente entre as vítimas e terceiro não envolvido
na presente ação penal, configurada a prática do crime de extorsão majorada,
cuidando-se de débito inexigível na data dos fatos em razão da renegociação
do saldo devedor entre os ofendidos e a empresa credora 1.
Demonstrada a perpetração do delito de roubo majorado, 2º fato narrado na
peça inicial, no mesmo contexto fático em que ocorrido o crime de extorsão,
subtraído o aparelho telefônico de uma das vítimas no intuito de assegurar a
impunidade do ilícito penal anteriormente consumado2.
Delito de organização criminosa evidenciado pelo farto conjunto probatório
que instrui o feito, preenchidos os requisitos autorizadores elencados no
artigo 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013. Empresa de cobrança de dívidas que
servia de fachada às empreitadas criminosas protagonizadas pelo grupo
constituído pelos quatro denunciados, dedicado à obtenção de vantagem de
natureza patrimonial, por meio da prática de infrações penais cujas sanções
máximas superam 04 (quatro) anos, estruturalmente ordenada, de forma
estável e permanente, e caracterizada pela divisão de tarefas 3.
Apreensão de munições de uso permitido por ocasião da realização de
diligência policial no domicílio de um dos réus que revela a subsunção da
conduta à normal penal disposta no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
Inexistência de estipulação, pelo legislador, quanto ao número mínimo de
apetrechos necessários à configuração do ilícito penal 4 que determina a

1
1º fato: extorsão majorada (emprego de arma de fogo), pela prática da qual foram denunciados todos
os réus: Marcelo, Leiser, Gilberto e Denilson.
2
2º fato: roubo duplamente majorado (emprego de arma de fogo e concurso de pessoas), pela prática
do qual foram denunciados três réus: Leiser, Gilberto e Denilson.
3
5º fato: organização criminosa armada, pela prática da qual foram denunciados todos os réus:
Marcelo, Leiser, Gilberto e Denilson.
4
7º fato: posse irregular de munição de uso permitido, pela prática do qual foi denunciado o réu
Leiser.
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rejeição do pleito de reconhecimento de atipicidade material em razão da


incidência do princípio da insignificância.
RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO OU CONCURSO FORMAL
ENTRE OS DELITOS DE EXTORSÃO E ROUBO. IMPOSSIBILIDADE.
Demonstradas no curso da instrução processual a autonomia dos desígnios
dos agentes, que se deslocaram à propriedade rural das vítimas no intuito de
perpetrar o delito de extorsão e, durante o desenrolar da empreitada
criminosa, subtraíram o aparelho celular de uma das vítimas para assegurar a
impunidade do ilícito penal descrito no 1º fato da denúncia, inafastável o
reconhecimento do concurso material entre os crimes, praticados atavés de,
no mínimo, duas ações, em consonância com o que preconiza o artigo 69,
caput, do Estatuto Repressivo.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE EXTORSÃO AO DELITO DE
EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES.
INVIABILIDADE.
Evidenciado que os réus agiram com a finalidade específica de obter
indevida vantagem econômica ao constranger os ofendidos, mediante grave
ameaça e violência física, a fazer coisa determinada, resta inviabilizada a
desclassificação ao delito previsto no artigo 345 do Código Penal.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE EXTORSÃO À
CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DA
TRANQUILIDADE. DESACOLHIMENTO.
Conduta descrita no 1º fato da exordial acusatória que trata sobre a prática de
ação na qual exercida grave ameaça mediante emprego de arma de fogo e
violência física, pelo que inadmissível sua desclassificação à infração de
perturbação da tranquilidade, superado em muito os contornos delimitados
pela contravenção penal prevista no artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41.
RECONHECIMENTO DA MODALIDADE TENTADA DO CRIME DE
EXTORSÃO. DESCABIMENTO.
Ilícito penal que não exige a produção de resultado naturalístico, cuidando-se
de crime formal, sendo suficiente à sua consumação o constrangimento da
vítima. Dispensável a obtenção da vantagem econômica pretendida, que
configura mero exaurimento do delito. Inteligência do Enunciado nº 96 das
Súmulas do Superior Tribunal de Justiça.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO DUPLAMENTE
MAJORADO AO DELITO DE DANO. INVIABILIDADE.
Inviabilizada a desclassificação do 2º fato descrito na peça inicial ao delito
de dano, na medida em que preenchidas todas as elementares do tipo penal
previsto no artigo 157 do Código Penal, subtraída coisa alheia móvel da
ofendida, exercida grave ameaça mediante o emprego de arma de fogo e
violência física. Dolo de mera inutilização do objeto cuja satisfação não
demandava sua subtração, esta evidenciada pelo conjunto probatório
constante dos autos.

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DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA


AO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE.
Inadmissível a desclassicação do 5º fato narrado na incoativa ao delito de
associação criminosa em razão do preenchimento dos requisitos dispostos no
artigo 1º da Lei nº 12.850/13, necessários ao reconhecimento de determinado
grupo como organização criminosa.
DOSIMETRIA. PRIVATIVA DE LIBERDADE DE MARCELO
ARREFECIDA. ERRO MATERIAL CORRIGIDO QUANTO AO
CÁLCULO DA CORPORAL DE LEISER. PECUNIÁRIAS
CUMULATIVAS REDUZIDAS, TODAS FIXADAS À RAZÃO
UNITÁRIA MÍNIMA. MANUTENÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
AGRAVANTES PREVISTAS NOS ARTIGOS 61, INCISO II, ALÍNEA
‘B’, E 62, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, E DAS CAUSAS DE
AUMENTO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO5 E CONCURSO DE
PESSOAS6. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM NA APLICAÇÃO DAS
MAJORANTES PELO USO DE ARTEFATO BÉLICO NOS DELITOS
PATRIMONIAIS E DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA,
CONSIDERADOS OS DESÍGNIOS AUTÔNOMOS DOS AGENTES EM
CADA CONDUTA. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA A TÍTULO DE
DANOS MORAIS. AFASTAMENTO. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA
PREQUESTIONADA.
APELOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

No recurso especial de fls. 1873/1928, forte no artigo 105, inciso III, alínea
a, da Constituição da República, GILBERTO SILVA RIBEIRO alega que o acórdão
recorrido negou vigência aos artigos 5º, incisos LIV, LV e LVII, da Constituição da
República, 71, 163, 157, 158, 288 e 345, do Código Penal, 41, 158, 167, 226, 386, inciso
VII, 395, inciso I, e 564, inciso III, b, do Código de Processo Penal, pois (I) a denúncia é
inepta, (II) “ausente a necessária imparcialidade do exame para comprovar a
potencialidade lesiva do armamento de fogo, bem como do conteúdo dos telefones celulares
apreendidos, imprescindível a decretação da nulidade da prova” (fl. 1879), (III) deve ser
decretada “a nulidade da instrução processual com a consequente disponibilização à defesa
ao acesso amplo e irrestrito ao produto da quebra do sigilo de dados do telefone apreendido
para, então, reabrir o prazo para a resposta à acusação, sob pena de perpetuar-se odioso
cerceamento de defesa” (fl. 1885), (IV) não foram observadas as formalidades legais para o
reconhecimento de pessoas, (V) incorreu em cerceamento de defesa, por ofensa ao

5
1º, 2º e 5º fatos.
6
2º fato.
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contraditório e à ampla defesa, face ao indeferimento da inquirição das testemunhas


arroladas na resposta à acusação, (VI) “não houve emprego de violência ou grave ameaça e,
tampouco, auferimento de vantagem econômica indevida, eis que buscavam apenas cobrar
ou estabelecer um acordo referente a dívida contraída pelas vítimas” (fl. 1899), (VII)
ausente elementar do tipo do delito de extorsão, já que “a cobrança que desencadeou a
presente ação penal era devida, conforme amplamente demonstrada no decorrer da
instrução processual” (fl. 1900), (VIII) “ainda que se possa presumir pela palavra da
vítima que a motivação dos acusados era cobrar os valores de uma dívida existente (real e
lícita) [...] restou comprovada a inexistência do delito de extorsão” (fl. 1905), impondo-se a
desclassificação para (a) perturbação da tranquilidade, (b) exercício arbitrário das próprias
razões, ou, ainda, (c) a forma tentada do delito, (IX) “ausente a comprovação do roubo do
aparelho pelos acusados, a absolvição é medida que se impõe” (fl. 1912), (X) “é nítida a
ausência de dolo do acusado em ‘subtrair’ o objeto” (fl. 1913), razão pela qual, caso não se
entenda pela absolvição, cabível a desclassificação para o crime de dano, (XI) “uma vez que
inexiste qualquer elemento comprobatório capaz de se amparar a acusação de organização
criminosa, ante a tamanha abstração ou fundamentação diversa dos fatos contidos no
processo, a absolvição é medida que se impõe” (fl. 1918), (XII) “considerando que o
Ministério Público não logrou êxito em demonstrar a existência de estrutura ordenada com
a respectiva divisão de tarefas, deve ser desclassificado o delito para associação criminosa”
(fl. 1919), (XIII) “inexiste no processo documento hábil a demonstrar a ocorrência de dois
delitos autônomos de extorsão (pagamento da dívida) e roubo (subtração do aparelho
celular)” (fl. 1919), (XIV) “a circunstância de o roubo e a extorsão tratarem-se de crimes
da mesma espécie, autoriza a incidência da continuidade delitiva” (fl. 1921), (XV) “é
insubsistente a aplicação, no caso em tela, do concurso material [...] dessa forma, postula-se
pelo reconhecimento do concurso formal entre os crimes de roubo e extorsão” (fl. 1921) e
(XVI) deve ser readequado o valor da multa e afastada a incidência da agravante do artigo
61, inciso II, b, do Código Penal, “em vista da ausência dos elementos que a constituem” (fl.
1927).

No recurso extraordinário de fls. 1814/1871, forte no artigo 102, inciso III,


alínea a, da Constituição da República, GILBERTO SILVA RIBEIRO. Deduz, em
preliminar, a existência de repercussão geral. No mérito, alega que o acórdão recorrido
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negou vigência aos artigos 5º, incisos LIV, LV e LVII, da Constituição da República,
reeditando, ao fim e ao cabo, as razões de recurso especial.

Paralelamente aos relatados recursos especial e extraordinário, os


Recorrentes GILBERTO SILVA RIBEIRO e DENILSON BERNARDI MARTINS, bem
como os corréus MARCELO RODRIGO RODRIGUES DA SILVA e LEISER NEITZKE
DOS REIS, opuseram embargos infringentes, os quais foram parcialmente conhecidos e,
nesta parte, acolhidos, em acórdão assim ementado (fl. 1942):

EMBARGOS INFRINGENTES. EXTORSÃO MAJORADA (1º FATO).


ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO (2º FATO). ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA ARMADA (5º FATO). POSSE IRREGULAR DE
MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO (7º FATO). PARCIAL
PROVIMENTO POR MAIORIA DOS RECURSOS DOS RÉUS.
DOSIMETRIA DAS PENAS. PREVALÊNCIA DO VOTO
MINORITÁRIO.
1. Acusados/embargantes Marcelo e Gilberto. Conhecimento parcial dos
recursos. Embargos Infringentes serão admitidos nas hipóteses em que a
decisão de segunda instância, não unânime, for desfavorável ao réu.
2. Réu/embargante Leiser. Afastamento da circunstância judicial do artigo
59 do Código Penal (CP) relacionada à personalidade. Tema n. 1077/STJ.
3. Pena-base. Todos os réus/embargantes (1º, 2º, 5º e 7º fatos). Elevação das
reprimendas que se encontra em consonância com a fração de 1/6 (um sexto)
adotada pelo STJ (AgRg no REsp 1429646/AM, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 04/10/2017). 
4. Majorante prevista no § 1º do artigo 158 do Código Penal (1º fato) .
Todos os réus/embargantes. Aumento na 3ª fase do procedimento de cálculo
das penas privativas de liberdade de 3/8 (três oitavos) fixado de forma
proporcional e adequada ao caso em questão, no qual houve um disparo de
arma de fogo.
5. Penas de multa. Basilares aplicadas acima dos parâmetros mínimos
previstos em lei. Adequação ao juízo de censura emergente do artigo 59 do
CP, atendendo-se, ainda, ao disposto nos artigos 49 e 60 do CP. Sanções
definidas observando a legislação e o critério bifásico. Julgado do STJ.
6. Prevalência do voto minoritário.
EMBARGOS INFRINGENTES CONHECIDOS PARCIALMENTE E,
NESTA PARTE, ACOLHIDOS EM RELAÇÃO AOS
RÉUS/EMBARGANTES MARCELO E GILBERTO.
EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS NO QUE TANGE AOS
ACUSADOS/EMBARGANTES LEISER E DENILSON. POR
MAIORIA.

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GILBERTO SILVA RIBEIRO interpôs recurso especial, às fls.


1964/1994, forte no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República. Alega que
o acórdão recorrido negou vigência aos artigos 59 do Código Penal e 226 e 386, incisos I e
VII, do Código de Processo Penal, porquanto (I) “não se pode atribuir ao Recorrente [...] a
autoria dos delitos em comento, simplesmente pelo fato de que a prova existente nos autos
não é capaz de comprovar a pretensão ministerial” (fl. 1971), (II) não foram observadas as
formalidades legais para o reconhecimento de pessoas, (III) no tocante ao delito de extorsão,
a conduta é atípica por ausência de dolo, (IV) as provas produzidas são insuficientes para a
condenação pelos delitos de roubo e organização criminosa, (V) ausente fundamentação
idônea para exasperar as penas-base, (VI) “estando o Recorrente condenado pelo crime de
organização criminosa, que se caracteriza pela prática de crimes previstos no Código Penal
(roubo e extorsão), o aumento da pena pela multiplicidade de agentes configura bis in
idem” (fl. 1992-verso), (VII) “é indeclinável que a conduta das vítimas contribuiu para a
ocorrência dos fatos [...] iniciando pelo calote, em razão da não quitação da dívida e
finalizando pela conduta de Marivane ao atiçar os cachorros contra o Recorrente e seus
colegas” (fl. 1993), (VIII) a conduta social deve ser valorada positivamente, e (IX) cabível o
afastamento da majorante do emprego de arma de fogo.

GILBERTO SILVA RIBEIRO interpôs novo recurso especial, às fls.


1997/2027, forte no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República, com razões
idênticas ao apresentado às fls. 1964/1994.

DENILSON BERNARDI MARTINS interpôs recurso especial, às fls.


2030/2035, forte no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República. Alega que
o acórdão recorrido negou vigência aos artigos 59 e 68 do Código Penal, visto que (I) não
foram disponibilizadas às defesas, a integralidade dos dados extraídos a partir das
interceptações telefônicas, (II) os crimes de extorsão e roubo “são descritos pelas mesmas
circunstâncias de tempo e local, ficando claro que tudo é uma só ação, dentro de um mesmo
contexto fático” (fl. 2031-verso), (III) cabível a desclassificação (a) do delito de extorsão
para o de exercício arbitrário das próprias razões, (b) do delito de roubo para o crime de dano
e (c) do crime de organização criminosa para o de associação criminosa e (IV) a pena deve
ser redimensionada.
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DENILSON BERNARDI MARTINS interpôs recurso extraordinário, às


fls. 2037/2041, forte no artigo 102, inciso III, alínea a, da Constituição da República. Alega
que o acórdão recorrido negou vigência ao artigo 5º, inciso LV e XLVI, da Constituição da
República, pois incorreu em afronta aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla
defesa e da individualização da pena.

Apresentadas as contrarrazões, vêm os autos a esta Segunda Vice-


Presidência para exame da admissibilidade recursal.

É o relatório.

2. RECURSO ESPECIAL DE GILBERTO SILVA RIBEIRO (FLS.


1873/1928)

Matéria constitucional

A alegação de ofensa ao artigo 5º, inciso LIV, LV e LVII, da Constituição


da República foi deduzida em sede imprópria, pois se cuida de matéria que deveria ser
veiculada em recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, a quem compete
a guarda da Constituição da República.

A esse respeito, citam-se os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO


SUPERVENIENTE. ACÓRDÃO QUE CONFIRMA A CONDENAÇÃO.
NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRECEDENTES
DA QUINTA E SEXTA TURMAS DO STJ. VIOLAÇÃO DE
DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA. RECURSO
IMPROVIDO.
1. O agravado, por fato ocorrido em 27/3/2013, foi condenado à pena de 2
(dois) anos de reclusão. O Ministério Público não recorreu da sentença. O
prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do
Código Penal.
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2. A sentença condenatória foi publicada em 25/11/2015, último marco


interruptivo, impondo-se a declaração da prescrição da pretensão punitiva,
em face do transcurso do respectivo lapso temporal até a presente data.
3. Embora o tema tenha sido recentemente afetado ao Plenário do STF
(AGRG no HC n. 176.473/RR), em 4/12/2019, em face da divergência de
entendimento entre as Primeira e Segunda turmas, no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça o acórdão que confirma a condenação não interrompe a
prescrição.
4. Não cabe a esta Corte manifestar-se, ainda que para fins de
prequestionamento, acerca de suposta afronta a princípios
constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo
Tribunal Federal.
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1827959/PA, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; grifou-se)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.
OMISSÃO. VÍCIO NÃO CONSTATADO. PREQUESTIONAMENTO DE
MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO
IMEDIATA DA PENA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO REJEITADOS. CONCEDIDO HABEAS CORPUS DE
OFÍCIO.
1. Os embargos de declaração são cabíveis somente nas hipóteses de
ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão ocorridas no acórdão
embargado e são inadmissíveis quando, a pretexto da necessidade de
esclarecimento, aprimoramento ou complemento da decisão embargada,
objetivam nova apreciação do caso.
2. Não houve omissão no acórdão combatido, uma vez que destacou a
impossibilidade de apreciar as teses suscitadas no agravo regimental -
abrangido o questionamento sobre a execução imediata das penas - porque a
irresignação defensiva não impugnou a totalidade das razões exaradas no
decisum agravado, circunstância que atrai o óbice da Súmula n. 182 do STJ.
3. Não compete a esta Corte Superior o exame de supostas violações de
dispositivos constitucionais (arts. 93, IX, e 127 da CF), nem sequer para
fins de prequestionamento, por ser matéria reservada ao Supremo
Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal.
4. Em momento posterior ao julgamento do agravo em recurso especial (em
27/10/2019) e à interposição do agravo regimental pela defesa (em
4/11/2019), sobreveio o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das
ADC's 43, 44 e 54, em 7/11/2019, ocasião em que foi alterado o
posicionamento acerca da possibilidade de execução imediata da pena. [...]
8. Embargos de declaração rejeitados. Concedido habeas corpus, de ofício,
para suspender os efeitos da decisão anteriormente proferida, no ponto em
que determinou a expedição de mandado de prisão, com fim de execução
imediata da pena imposta ao réu, que deverá permanecer em liberdade até o
trânsito em julgado da condenação, se por outro motivo não houver
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necessidade de ser preso. (EDcl no AgRg no AREsp 1319470/SP, Rel.


Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
17/12/2019, DJe 03/02/2020; grifou-se)

Inépcia da denúncia

Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “a alegação de


inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41
do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato
delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a
individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a
viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo
acusado” (HC 426.937/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em
24/09/2019, DJe 30/09/2019).

Ademais, “é afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos


do art. 41 do CPP, com a descrição dos fatos e classificação do crime, de forma suficiente
para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da
defesa, o que ocorreu na espécie” (AgRg no AREsp 1381466/SP, Rel. Ministro Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 05/09/2019, DJe 12/09/2019).

Nesse sentido, ainda, citam-se os seguintes julgados:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ADULTERAÇÃO DE


SINAL IDENTIFICADOR DE VEICULO AUTOMOTOR.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ART.
41 DO CPP. ATIPICIDADE. NÃO AFASTADAS DE PLANO.
APROFUNDADO REEXAME DO ACERVO FÁTICO E PROBATÓRIO.
INVIABILIDADE NESTA VIA ESTREITA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ORDINÁRIO
DESPROVIDO.
I - O trancamento da ação penal constitui medida de exceção,
justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de
análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da inicial acusatória,
atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade

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ou ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de


autoria.
II - Nos termos do art. 41 do CPP, a denúncia conterá a "exposição do
fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do
acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
III - No caso, a exordial acusatória descreveu os fatos criminosos, em
tese, praticados, individualizando as condutas do recorrente de forma
até mesmo exaustiva para a complexidade da causa, assim, compatível
com a fase processual, além de adequada a garantir o exercício da
ampla defesa e do contraditório.
IV - Segundo pacífica jurisprudência desta Corte Superior, a
propositura da ação penal exige tão somente a prova da materialidade e
a presença de indícios mínimos de autoria. Prevalece, na fase de
oferecimento da denúncia, o princípio do in dubio pro societate.
V - No presente caso, é possível verificar a presença dos indícios mínimos
necessários para a persecução penal, sendo certo que o acolhimento da tese
defensiva - atipicidade das condutas - demandaria necessariamente amplo
reexame da matéria fático-probatória, procedimento, a toda evidência,
incompatível com a via do habeas corpus e do seu recurso ordinário.
Precedentes.
VI - A decisão que recebe a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o
pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397), não demandam motivação
profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória de tais
manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de
mérito, que somente poderá ser proferido após o desfecho da instrução
criminal, com a devida observância das regras processuais e das garantias da
ampla defesa e do contraditório. Precedentes.
Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (RHC 111.840/MG, Rel.
Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019,
DJe 08/10/2019; grifou-se)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS


CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PEDIDO DE
RECONHECIMENTO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO
OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A inépcia da denúncia caracteriza-se pela ausência dos requisitos insertos
no art. 41 do Código de Processo Penal, devendo a denúncia, portanto,
descrever os fatos criminosos imputados aos acusados com todas as suas
circunstâncias, de modo a permitir ao denunciado a possibilidade de defesa.
2. Da leitura da peça acusatória - conquanto sucinta -, diviso que o mínimo
necessário ao exercício do direito de defesa foi pormenorizado pelo órgão de
acusação, porquanto apontou a exordial os seus supostos autores e indicou
em que consistia a participação dos recorrentes, consubstanciada no fato de
esses terem agido "deliberadamente e com o propósito de fraudar os cofres
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do Estado do Paraná [providenciando] o transporte, a partir de Londrina/PR,


da mercadoria descrita no DANFE 17555 nº, utilizando-se para isso de nota
fiscal inidônea [e suprimindo] o pagamento de ICMS devido ao Estado do
Paraná, quando se utilizaram de documento fiscal inidôneo visando omitir
das autoridades fazendárias a ocorrência de operações tributadas".
3. Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessário que a
denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta
supostamente perpetrada, pois diversos pormenores do delito somente
serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado
para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação
penal pública, ainda mais em delitos de autoria coletiva, como na
espécie.
4. Recurso desprovido. (RHC 97.488/PR, Rel. Ministro ANTONIO
SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe
02/10/2019; grifou-se)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECURSO MINISTERIAL.
INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DA ENTREGA DOS AUTOS AO ÓRGÃO
ACUSATÓRIO. INTERPOSIÇÃO DO RECLAMO DENTRO DO PRAZO
PREVISTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ILEGALIDADE
INEXISTENTE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. No julgamento do REsp 1.349.935/SE, submetido ao rito dos recursos
repetitivos, a 3ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça firmou o
entendimento de que o termo inicial da contagem do prazo para impugnar
decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na
repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação
pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado.
2. Na espécie, não obstante a abertura de vista ao Ministério Público em
13.3.2012, o certo é que não há certificação de que os autos foram entregues
na repartição ao órgão ministerial, só vindo o Parquet a tomar ciência da
decisão que rejeitou a inicial acusatória em 15.6.2012, não havendo dúvidas,
portanto, da tempestividade do recurso em sentido estrito interposto pela
acusação aos 18.6.2012. Precedentes.
3. Para que a intimação do Ministério Público se aperfeiçoe, não basta a
entrega dos autos no respectivo órgão, sendo indispensável que lhe seja
disponibilizada a íntegra do processo, o que reforça a inexistência de
ilegalidade na espécie. Precedentes.
DECISÃO DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR FALTA DE
CONDIÇÃO DE JUSTA CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
CABIMENTO.
Nos termos dos arts. 395, caput, e 581, inciso I, ambos do CPP, da decisão
que não recebe ou rejeita a denúncia caberá, sempre, o recurso em sentido
estrito.

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INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO


DA CONDUTA DO ACUSADO. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE
AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM
TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MÁCULA NÃO
EVIDENCIADA.
1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em
obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo
Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria é
atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que
permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na
qual se observará o devido processo legal.
2. No caso dos autos, verifica-se que a participação do acusado no ilícito
descrito na exordial foi devidamente explicitada, pois supostamente
constrangeu seu filho com 3 anos de idade, à época, à prática de atos
libidinosos diversos da conjunção carnal, especificamente descritos na
incoativa, narrativa que constitui crime em tese e lhes permite o exercício da
ampla defesa e do contraditório.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA EM
DESFAVOR DO RÉU.
1. Por se tratar de medida excepcional, o trancamento da ação penal somente
é admitido quando resulte evidente dos autos a atipicidade das condutas
imputadas aos acusados, a ausência de indícios mínimos de autoria e
materialidade ou, ainda, a extinção da punibilidade.
Precedentes.
2. Na hipótese, devidamente demonstrada a existência de indícios de autoria
em desfavor do recorrente, mostra-se necessário o afastamento do pleito
defensivo para o reconhecimento da falta de justa causa, sendo que somente
a instrução processual possibilitará o esclarecimento total dos fatos
apurados, descabendo o trancamento precoce da ação penal.
3. Agravo desprovido. (AgRg no AREsp 1460381/BA, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe
30/09/2019; grifou-se)

Órgão Julgador rejeitou a preliminar de inépcia da denúncia, consoante se lê


do seguinte excerto do acórdão vergastado (fls. 1718-verso/1719):

No que diz respeito à preliminar de inépcia da denúncia,


aventada à alegação de que “sua nebulosidade não permite perquirir de
que forma a acusação tem como configurado o delito capitulado”,
supostamente não tendo o Ministério Público descrito todas as
elementares e circunstâncias, melhor sorte não assiste ao réu Gilberto.
Reconhecer-se-á mácula por inépcia da inicial somente se houver
deficiência redacional impeditiva da compreensão da acusação e, dessa
maneira, da própria defesa do acusado, o que inocorre no caso em apreço.
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A denúncia oferecida pelo Órgão Ministerial não apresentou vício de


forma, contando com descrição exauriente acerca dos fatos, destacando as
ações implementadas pelos inculpados para perpetrar os delitos narrados,
qualificando-os, classificando os tipos penais e indicando o rol de
testemunhas.
Em verdade, a leitura da peça inicial revela que os fatos delituosos
foram narrados de forma minuciosa e com especial riqueza de detalhes,
conclusão reforçada pelo extenso exame probatório levado a efeito por todas
as defesas técnicas, em especial a do acusado Gilberto, cujas razões recursais
superam 60 (sessenta) folhas.
Acresço que, cuidando-se de crimes de autoria coletiva, não se exige
a descrição exaustiva e pormenorizada das condutas (o que, embora
dispensável, ocorreu na hipótese dos autos), certas minúcias ou detalhamento
passíveis de alcance tão somente durante o curso da instrução processual.
Evidenciado que a exordial acusatória não apenas atendeu ao que
determina o regramento inserto no artigo 41 do Código de Processo Penal,
mas também possibilitou o exercício do contraditório e da ampla defesa, não
há falar em ofensa ao que preconiza o inciso LV do artigo 5º da Constituição
Federal de 1988, entendimento que encontra trânsito no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Incide, portanto, a Súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a


qual "não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal
se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida", também aplicável ao recurso interposto
pela alínea a do artigo 105, inciso III, da Constituição da República, conforme se lê do
seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO.


DOSIMETRIA DA PENA. ATENUANTE. FIXAÇÃO DA PENA EM
PATAMAR ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA N. 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ? STJ.
INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO PARA SUPERAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do enunciado n. 231 desta Corte, é inviável a aplicação de
circunstâncias atenuantes para fins de redução da pena a patamar aquém do
mínimo legal.
2. Dessa forma, o acórdão recorrido está em consonância com a
jurisprudência desta Corte, de modo a atrair a incidência do Verbete n.
83 da Súmula do STJ, que também se aplica aos recursos especiais
interpostos pela alínea "a" do permissivo constitucional.
3. Ressalta-se que inexiste argumentação capaz de demonstrar a necessidade
de superação da jurisprudência consolidada desta Corte Superior.

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4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1895014/MS, Rel.


Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
01/12/2020, DJe 03/12/2020; grifou-se)

Fundamento não impugnado

As razões do recurso não atacam todos os fundamentos do acórdão


recorrido. Órgão Julgador, in casu, rechaçou as alegações de “(a) ilegalidade na quebra do
sigilo dos dados do aparelho celular do apelante ao argumento de que não disponibilizada à
defesa o acesso à integralidade dos dados obtidos pela autoridade policial, configurado
cerceamento de defesa, bem como (b) eiva da prova pericial realizada na etapa inquisitorial
por parcialidade do Delegado e do perito ad hoc”, porquanto (I) as aludidas nulidades não
foram suscitadas no momento oportuno, operando-se a preclusão, (II) ausente
fundamentação idônea a indicar a parcialidade da autoridade policial, e (III) não restou
demonstrado prejuízo apto a ensejar a nulidade do processo.

Por oportuno, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão objurgado (fls.


1715-verso/1716-verso):

Depreende-se da minuciosa leitura das respostas à acusação e dos


memoriais oferecidos pelas defesa técnicas de Leiser e Gilberto que as
nulidades em questão não foram suscitadas em qualquer momento durante o
trâmite processual na Comarca de Origem.
Deixando de se insurgir no momento oportuno, quando da audiência
de instrução e julgamento, a produção da referida prova se encontra
fulminada pela preclusão, não sendo permitido à parte que, somente agora,
em segunda instância, proponha debate que sequer foi instaurado na origem,
conforme preconiza o artigo 565, primeira parte, do Código de Processo
Penal7, que dispõe acerca do princípio da lealdade ou da boa-fé, orientação

7
Código de Processo Penal, “Art. 565.  Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado
causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária
interesse.”
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que não desborda da doutrina de Renato Brasileiro de Lima 8 e do


entendimento do Superior Tribunal de Justiça: [...]
Ressalto, ainda, que a alegada parcialidade da autoridade policial,
constante no item 2.2 das razões recursais de Gilberto, não restou
minimamente fundamentada, restringindo-se a preliminar suscitada a indicar
a imparcialidade de Pedro Loch Moreira, policial civil nomeado para
elaboração do laudo pericial de potencialidade da arma de fogo e dos
carregadores e munições calibre .380 apreendidos pela Polícia Judiciária, em
razão do mencionado servidor de segurança pública ter atuado em outras
diligências durante o curso da investigação, circunstância que não possui o
condão de macular o documento pericial por ele formulado (nº 22072019 -
fl. 475).
Para além do exposto, constata-se que a mencionada parcialidade
sequer foi vinculada à eventual suspeição da autoridade policial, oportuno
registrar que, ainda que se estivesse diante de hipótese de suspeição, a
ausência de demonstração de prejuízo não autoriza a anulação do processo
judicial.
Conforme entendimento adotado pela Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, inexiste propriamente produção de provas na etapa
inquisitorial, mas simples colheita de elementos informativos para fins de
subsidiar a opinio delicti do Ministério Público, tratando-se o inquérito
policial de peça cuja elaboração é facultativa.

O Recorrente, contudo, limita-se a alegar que (I) “ausente a necessária


imparcialidade do exame para comprovar a potencialidade lesiva do armamento de fogo,
bem como do conteúdo dos telefones celulares apreendidos, imprescindível a decretação da
nulidade da prova” (fl. 1879) e (II) deve ser decretada “a nulidade da instrução processual
com a consequente disponibilização à defesa ao acesso amplo e irrestrito ao produto da
quebra do sigilo de dados do telefone apreendido para, então, reabrir o prazo para a
resposta à acusação, sob pena de perpetuar-se odioso cerceamento de defesa” (fl. 1885).
Ou seja, deixou de impugnar os fundamentos do acórdão recorrido relativos à preclusão e à
inexistência de prejuízo.

8
“Apesar do silêncio da lei, entende-se que tal vedação alcança não apenas as hipóteses em que
estiver comprovada a má-fé, ou seja, o dolo da parte de produzir a nulidade para, posteriormente,
dela se beneficiar, como também aquelas situações em que a parte laborou com culpa (v.g.,
negligência processual)” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., São Paulo:
Editora JusPODIVM, 2015, p. 1.578).
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Assim, é caso de aplicação da Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal,


segundo a qual “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida
assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.

Nesse sentido, ainda, citam-se os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DA
BUSCA E APREENSÃO, RESTITUIÇÃO DE BENS E TRANCAMENTO
DO INQUÉRITO POLICIAL. ARGUIÇÕES PASSÍVEIS DE RECURSOS
PRÓPRIOS. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA N. 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STF. DIREITO
LÍQUIDO E CERTO QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA.
INADMISSIBILIDADE DA VIA ADOTADA. PRECEDENTES. HABEAS
CORPUS PARA TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. CASOS
EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE EXAME VALORATIVO
VERIFICADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O fundamento de que as arguições eram passíveis de discussão em
recursos próprios não foi impugnado, o que conduz à incidência da Súmula
n. 283/STF, aplicável em sede de recurso em mandado de segurança.
2. A impetração do mandado de segurança só é admissível quando, de plano,
se pode aferir o direito líquido e certo, no ato de sua propositura, sem a
necessidade de dilação probatória, nos termos do que dispõe a orientação
jurisprudencial desta Corte.
3. A própria via do habeas corpus para trancamento de inquérito policial ou
de ação penal só é admitida em casos excepcionais, sem a necessidade de
exame valorativo do conjunto fático-probatório dos autos, nos termos da
jurisprudência desta Corte, o que não se faz presente neste caso.
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no RMS 64.902/MG, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe
20/11/2020)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL.


INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. CERCEAMENTO DE DEFESA.
INEXISTÊNCIA. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP.
NULIDADES RELATIVAS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 283 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL - STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É assente nesta Corte que não se acolhe alegação de nulidade por
cerceamento de defesa em função do indeferimento de diligências requeridas
pela defesa.
2. A interpretação feita ao art. 212 do Código de Processo Penal - CPP é
aquela que confere às nulidades nele disciplinadas o caráter relativo.

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3. Não tendo sido demonstrada a existência de prejuízo decorrente das


apontadas nulidades, ficam elas superadas por se tratarem de nulidades
relativas, nos termos do art. 563 do CPP.
4. A teor da Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: É
inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida
assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange
todos eles.
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1474556/RS, Rel.
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
07/06/2018, DJe 20/06/2018; grifou-se)

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. AFRONTA AO ART. 188 DO CPP.
NULIDADE POR INDEFERIMENTO AO DIREITO DE FORMULAR
PERGUNTAS EM INTERROGATÓRIO DE CORRÉU. (I) - ACÓRDÃO
ASSENTADO EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE.
RECURSO QUE NÃO ABRANGE TODOS ELES. SÚMULA 283/STF.
(II) - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PAS DE
NULLITÉ SANS GRIEF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ART.
255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. CONTRARIEDADE AO ART. 1º, P.Ú., E
33, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06. DESCLASSIFICAÇÃO DA
CONDUTA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO.
INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Verificando-se que o v. acórdão recorrido assentou seu entendimento
em mais de um fundamento suficiente para manter o julgado, enquanto
o recurso especial não abrangeu todos eles, aplica-se, na espécie, o
enunciado 283 da Súmula do STF.
2. Segundo a legislação processual penal em vigor, é imprescindível quando
se trata de nulidade de ato processual a demonstração do prejuízo sofrido,
em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, o que não ocorreu
na espécie. 3. A não observância dos requisitos do artigo 255, parágrafos 1º e
2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, torna inadmissível
o conhecimento do recurso com fundamento na alínea "c" do permissivo
constitucional. 4. É assente que cabe ao aplicador da lei, em instância
ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar a existência
de provas suficientes a embasar a condenação, a absolvição e a
desclassificação. Incidência da Súmula 7/STJ.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgInt no AREsp
1247259/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 24/05/2018; grifou-se)

Reconhecimento de pessoas

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Segundo dispõe o artigo 226 do Código de Processo Penal “quando houver


necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I -
a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva
ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se
possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa
chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que
esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado,
subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por
duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá
aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.”

A despeito do teor do aludido dispositivo, a jurisprudência do Superior


Tribunal de Justiça era pacífica no sentido de que "as disposições insculpidas no
artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma
exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato" (AgRg no HC n. 539.979/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 19/11/2019).

Ademais, “reconhecia-se, também, que o reconhecimento do acusado por


fotografia em sede policial, desde que ratificado em juízo, sob o crivo do contraditório e da
ampla defesa, pode constituir meio idôneo de prova apto a fundamentar até mesmo uma
condenação” (HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021).

Contudo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do


julgamento do HC n. 598.886/SC, realizado em 27/10/2020, propôs nova interpretação ao
artigo 226 do Código de Processo Penal, a fim de superar o entendimento, até então vigente,
de que o disposto no referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não
ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.

Eis a ementa do julgado:


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2023/CRIME

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO


FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO
POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO
ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA
A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA
EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR
IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE
CONCEDIDA.
1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado
na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a
autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do
Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas
na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os
equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de
armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do
tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do
fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável
grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e,
consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas
vezes irreversíveis.
3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento
previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades
constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da
prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera
recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal
procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de
lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado
na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o
magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-
se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que
observado o devido procedimento probatório.
4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais
problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao
reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais
ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E,
mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado
no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há
como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de
expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do
busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do
ato.
5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão
dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato
de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a

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jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o


que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e,
consequentemente, de graves injustiças.
6. É de se exigir que as polícias judiciárias (civis e federal) realizem sua
função investigativa comprometidas com o absoluto respeito às
formalidades desse meio de prova. E ao Ministério Público cumpre o papel
de fiscalizar a correta aplicação da lei penal, por ser órgão de controle
externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis, que
deflui do desenho constitucional de suas missões, com destaque para a
"defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da Constituição da República),
bem assim da sua específica função de "zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos [inclusive, é claro, dos que ele próprio exerce] [...]
promovendo as medidas necessárias a sua garantia" (art. 129, II).
7. Na espécie, o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio
fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no
Código de Processo Penal. Não houve prévia descrição da pessoa a ser
reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos; ao
contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já
cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava, até então, ter
qualquer ligação com o roubo investigado.
8. Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os
valores positivados na Constituição da República, busca-se uma verdade
processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se
vincula a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a
atividade jurisdicional; uma verdade, portanto, obtida de modo
"processualmente admissível e válido" (Figueiredo Dias).
9. O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem nenhuma
observância do procedimento legal, e não houve nenhuma outra prova
produzida em seu desfavor. Ademais, as falhas e as inconsistências do
suposto reconhecimento - sua altura é de 1,95 m e todos disseram que ele
teria por volta de 1,70 m; estavam os assaltantes com o rosto parcialmente
coberto; nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a
autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de
que poderia ser ele um dos autores do roubo - ficam mais evidentes com as
declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de
reconhecimento do acusado.
10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve
ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a
inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova
independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do
crime de roubo que lhe foi imputado.
11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito - conforme reconheceu
o Magistrado sentenciante - emprestado o veículo usado pelos assaltantes
para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos
objetos roubados, conduta que não pode ser tida como determinante para a
prática do delito, até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve
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tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por
parte da dupla que cometeu o roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa
geral de diminuição de pena prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal
(participação de menor importância).
12. Conclusões: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o
procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas
formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na
condição de suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a
inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna
inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a
eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal,
desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele
se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não
guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao
reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação
penal, ainda que confirmado em juízo.
13. Ordem concedida, para: a) com fundamento no art. 386, VII, do CPP,
absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito
objeto do Processo n. 0001199-22.2019.8.24.0075, da 1ª Vara Criminal da
Comarca de Tubarão - SC, ratificada a liminar anteriormente deferida, para
determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por
outro motivo não estiver preso; b) reconhecer a causa geral de diminuição
relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor
Tártari Felácio, aplicá-la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua
reprimenda para 4 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10
dias-multa.
Dê-se ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos
Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como ao
Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e
do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que façam conhecer da
decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação.
(HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020)

Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões:

1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no


art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem

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garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática


de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a
inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna
inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a
eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal,
desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele
se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não
guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao
reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação
penal, ainda que confirmado em juízo.

Esse entendimento também encontra amparo na jurisprudência da Quinta


Turma da Corte Superior, de que é exemplo o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBO.


RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL REALIZADOS EM
SEDE POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO
PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INVALIDADE DA PROVA.
MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O
TEMA. AUTORIA ESTABELECIDA UNICAMENTE COM BASE EM
RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da
Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do
habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em
substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à
vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da
liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de
habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. A jurisprudência desta Corte vinha entendendo que "as disposições
contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma
recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando,
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portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento


pessoal) de forma diversa da prevista em lei" (AgRg no AREsp n.
1.054.280/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma,
DJe de 13/6/2017). Reconhecia-se, também, que o reconhecimento do
acusado por fotografia em sede policial, desde que ratificado em juízo, sob o
crivo do contraditório e da ampla defesa, pode constituir meio idôneo de
prova apto a fundamentar até mesmo uma condenação.
3. Recentemente, no entanto, a Sexta Turma desta Corte, no julgamento do
HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020,
revisitando o tema, propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, para
estabelecer que "O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por
fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para
identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as
formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando
corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa".
4. Uma reflexão aprofundada sobre o tema, com base em uma
compreensão do processo penal de matiz garantista voltada para a
busca da verdade real de forma mais segura e precisa, leva a concluir
que, com efeito, o reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado
pela vítima, em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da
autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana, que se
sujeita aos efeitos tanto do esquecimento, quanto de emoções e de
sugestões vindas de outras pessoas que podem gerar "falsas memórias",
além da influência decorrente de fatores, como, por exemplo, o tempo
em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor; o trauma gerado
pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor
do delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais
(tais como visibilidade do local no momento dos fatos); estereótipos
culturais (como cor, classe social, sexo, etnia etc.).
5. Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da testemunha
de um delito, tanto o reconhecimento fotográfico quanto o
reconhecimento presencial de pessoas efetuado em sede inquisitorial
devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, de
maneira a assegurar a melhor acuidade possível na identificação
realizada. Tendo em conta a ressalva, contida no inciso II do art. 226 do
CPP, a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita
sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente
justificada, sob pena de invalidade do ato.
6. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve
ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no
caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido
efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos
preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o
descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o
reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação,

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como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do


restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial.
7. Caso concreto: situação em que a autoria de crime de roubo foi imputada
ao réu com base exclusivamente em reconhecimento fotográfico e pessoal
efetuado pela vítima em sede policial, sem a observância dos preceitos do
art. 226 do CPP, e muito embora tenha sido ratificado em juízo, não
encontrou amparo em provas independentes. Configura induzimento a uma
falsa memória, o fato de ter sido o marido da vítima, que é delegado, o
responsável por chegar à primeira foto do suspeito, supostamente a partir de
informações colhidas de pessoas que trabalhavam na rua em que se situava a
loja assaltada, sem que tais pessoas jamais tenham sido identificadas ou
mesmo chamadas a testemunhar.
Revela-se impreciso o reconhecimento fotográfico com base em uma única
foto apresentada à vítima de pessoa bem mais jovem e com traços
fisionômicos diferentes dos do réu, tanto mais quando, no curso da instrução
probatória, ficou provado que o réu havia se identificado com o nome de seu
irmão. Tampouco o reconhecimento pessoal em sede policial pode ser
reputado confiável se, além de ter sido efetuado um ano depois do evento
com a apresentação apenas do réu, a descrição do delito demonstra que ele
durou poucos minutos, que a vítima não reteve características marcantes da
fisionomia ou da compleição física do réu e teve suas lembranças
influenciadas tanto pelo decurso do tempo quanto pelo trauma que afirma ter
sofrido com o assalto.
8. Tendo a autoria do delito sido estabelecida com base unicamente em
questionável reconhecimento fotográfico e pessoal feito pela vítima, deve o
réu ser absolvido.
9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para absolver
o paciente. (HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021;
grifou-se)

No aspecto, assim decidiu, in casu, Órgão Julgador (fls. 1716-verso/1717):


No que toca à preliminar de nulidade do reconhecimento
fotográfico por inobservância as formalidades previstas no artigo 226 do
Estatuto Penal Adjetivo, rejeito-a.
Isso porque, na esteira do já sustentado, os atos de identificação
efetuados na etapa administrativa são meramente informativos e de cunho
indiciário, não tendo o condão de nulificar o posterior processo judicial caso
apresentem irregularidades. Se realizados em desacordo com o que preceitua
o artigo 226 do Estatuto Penal Adjetivo, revelam-se incapazes de contaminar
os substratos coligidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não
ensejando a mácula aventada pelo insurgente.

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Esta é a orientação do Superior Tribunal de Justiça 9 ao assentar que


eventual inobservância de formalidades previstas no precitado artigo não
acarreta nulidade do ato de reconhecimento em sede policial caso o édito
condenatório venha fundamentado em conjunto fático-probatório produzido
à luz dos princípios constitucionais.
Sabido que a 6ª Turma do E. STJ, em julgado recente10, decidiu que
o reconhecimento será considerado válido apenas quando atendidos os
requisitos legais e se corroborado por outras provas produzidas sob o crivo
do contraditório e da ampla defesa. Entretanto, além de esta decisão se
encontrar isolada perante a pacificada jurisprudência da própria Corte
Cidadã, deve-se ter em vista, como ressalta Rogério Sanches 11, que o novo
entendimento não se baseou apenas em formalismo legal, mas na
necessidade de que sejam consideradas diversas circunstâncias que podem
influenciar a produção da prova, como as características particulares da
memória humana, que muitas vezes podem induzir ao erro.
Mas não é só.
Por ocasião da audiência de instrução, a identificação fotográfica
realizada na fase policial (fls. 74-75) foi corroborada pelo ofendido Oldemar
Luiz Yung (fls. 870-874), encontrando-se este ato amparado pelos demais
elementos produzidos ao abrigo dos princípios constitucionais que
orientam o processo penal, restando evidente que, caso admitida
eventual irregularidade em virtude da inobservância das diretrizes
estabelecidas no artigo 226 do Código de Processo Penal, estar-se-ia
reconhecendo por mero formalismo legal, o que, por certo, não se
almeja. [grifou-se]

Nesse sentido, tanto a Quinta Turma quanto a Sexta Turma do Superior


Tribunal de Justiça vêm decidindo, consoante se extrai das seguintes ementas, v.g.:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. PROCEDIMENTO PREVISTO
NO ART. 226 DO CPP. INOBSERVÂNCIA. MUDANÇA DE
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INVALIDADE DA PROVA.
AUTORIA ESTABELECIDA COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS
PROBATÓRIOS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
9
“[...] esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que as disposições insculpidas no
artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência,
cuja inobservância não enseja a nulidade do ato, em especial caso eventual édito condenatório esteja
fundamentado em idôneo conjunto fático probatório, produzido sob o crivo do contraditório, que
associe a autoria do ilícito ao acusado” (AgRg no AREsp n. 375.887/RJ, j. 25.10.2016).
10
HC 598.886/SC, julgado em 27-10-2020.
11
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/10/28/stj-para-que-seja-valido-
reconhecimento-pessoal-deve-seguir-diretrizes-art-226-cpp/. Acesso em 19-07-2022.
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1. Esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do


reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à
regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal
dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento,
mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas
colhidas sob o crivo do contraditório 2. Em julgados recentes, ambas as
Turmas que compõe a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça
alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa,
presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial,
apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando
observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo
Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob
o crivo do contraditório e da ampla defesa.
3. Dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a
autoria delitiva do crime de roubo não tem como único elemento de
prova o reconhecimento fotográfico, o que gera distinguishing em
relação ao acórdão paradigma da alteração jurisprudencial. Há outras
provas, como os testemunhos dos policiais envolvidos e o fato de que
João Pedro foi preso minutos depois da prática do roubo na condução
de motocicleta produto de crime, cuja placa foi memorizada pela vítima
e informada na delegacia aos policiais. Além disso, no momento da
abordagem, os policiais verificaram que um dos celulares que estava na
posse dos acusados recebeu uma chamada da verdadeira proprietária
(esposa de Jadson) que logo informou sobre o assalto ocorrido minutos
antes.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1903858/DF, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2021,
DJe 16/12/2021; grifou-se)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. INOBSERVÃNCIA DO
PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL ? CPP. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS
DE PROVA VÁLIDOS E INDEPENDENTES. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "O
reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na
fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a
autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do
Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas
na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa".
2. No caso dos autos, foram apresentados outros elementos probatórios,
independentes do reconhecimento fotográfico, que atestaram a autoria
delitiva. Nesse contexto, torna-se inviável o acolhimento do pleito
absolutório.

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3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no AREsp 1937518/TO,


Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
16/11/2021, DJe 19/11/2021; grifou-se)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL


PENAL. ROUBO MAJORADO. PLEITO DE DECLARAÇÃO DE
NULIDADE PROCESSUAL. RECONHECIMENTO EM
DESCONFORMIDADE COM O PREVISTO NO ART. 226 DO CPP.
CONDENAÇÃO FIRMADA EM OUTRAS PROVAS JUDICIAIS.
INVERSÃO DA CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM QUE,
APÓS EXAME INTEGRAL DOS FATOS E DAS PROVAS,
ENTENDEU PELA CONDENAÇÃO DO AGRAVANTE. NÃO
CABIMENTO NA VIA ELEITA.AGRAVO DESPROVIDO.
1. A Corte de origem não fundamentou a condenação com base apenas
no reconhecimento efetuado pela Vítima. Consta do acórdão atacado
que o Ofendido conseguiu acessar a localização do celular roubado por
meio de aplicativo específico, momento em que informou aos policiais o
local indicado. Assim, a condenação também alicerçou-se em elementos
outros, a saber, o estado flagrancial do Paciente, que foi encontrado na
posse do aparelho celular subtraído da Vítima, sendo certo que o
reconhecimento efetuado pelo Ofendido somente foi feito após as
diligências policiais. Assim, o reconhecimento pessoal foi apenas uma
das provas que levaram à condenação.
2. Para a inversão da conclusão do Tribunal a quo, que, após a análise
integral dos fatos e das provas - inclusive dos depoimentos dos policiais que
surpreenderam o Acusado, poucas horas após o crime, na posse do celular
subtraído da Vítima -, entendeu pela condenação do Réu, seria inevitável
nova incursão no arcabouço probatório, providência indevida no espectro de
cognição do habeas corpus.
3. Agravo desprovido. (AgRg no HC 632.966/SP, Rel. Ministra LAURITA
VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 30/06/2021; grifou-se)

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO


FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO
POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO
ART. 226 DO CPP. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS VÁLIDAS E
INDEPENDENTES COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO.
ORDEM DENEGADA.
1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do
julgamento do HC n. 598.886/SC, realizado em 27/10/2020, propôs nova
interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então
vigente, de que o disposto no referido artigo constituiria "mera
recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual
descumprimento dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram
apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O reconhecimento de pessoas
deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo
Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se
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encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À vista dos


efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do
procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o
reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual
condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 1.3) Pode o
magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que
observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se
convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não
guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;
1.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao
reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação
penal, ainda que confirmado em juízo.
2. Na espécie, ao contrário do que ocorreu no caso analisado no HC n.
598.886/SC (paradigma), é possível ter havido outros elementos
probatórios, que não apenas o reconhecimento fotográfico realizado
pelas vítimas na fase inquisitiva, que, submetidos à possibilidade de
refutação pelo exercício do contraditório pelas partes, também deram
amparo à condenação do réu. E, pela instrução deficiente dos autos, não
há como se afastar a compreensão das instâncias ordinárias de que há
elementos válidos e suficientes o bastante para se concluir pela prática
do delito de roubo em relação ao paciente.
3. As demais provas que compuseram o acervo fático-probatório amealhado
aos autos - depoimento dos dois policiais militares, conteúdo obtido por
meio do acesso ao celular e conteúdo obtido por meio das filmagens
registradas no momento da ação delitiva - foram produzidas por fonte
independente da que culminou com o elemento informativo obtido por meio
do reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitiva, de maneira que,
ainda que o reconhecimento haja sido feito em desacordo com o modelo
legal e, assim, não possua valor probante pleno, certo é que, ao que tudo
indica, houve outras provas, independentes e suficientes o bastante, para
lastrear um decreto condenatório.
4. Ordem denegada, com a cassação da liminar anteriormente deferida.
(HC 616.546/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 30/04/2021; grifou-se)

Conseguinte, por estar o acórdão recorrido de acordo com os aludidos


precedentes, já que os julgadores se convenceram da autoria dos fatos com base, também, em
outros elementos de prova, além dos atos de reconhecimento, há a incidência, no tópico, da
Súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça.

Reexame de provas

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Exige reexame do contexto fático-probatório, o que esbarra na Súmula 7 do


STJ, a cujo teor “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”, a
apreciação, na espécie, das alegações de que (I) “não houve emprego de violência ou grave
ameaça e, tampouco, auferimento de vantagem econômica indevida, eis que buscavam
apenas cobrar ou estabelecer um acordo referente a dívida contraída pelas vítimas” (fl.
1899), (II) ausente elementar do tipo penal do delito de extorsão, já que “a cobrança que
desencadeou a presente ação penal era devida, conforme amplamente demonstrada no
decorrer da instrução processual” (fl. 1900), (III) “ainda que se possa presumir pela
palavra da vítima que a motivação dos acusados era cobrar os valores de uma dívida
existente (real e lícita) [...] restou comprovada a inexistência do delito de extorsão” (fl.
1905), impondo-se a desclassificação para (a) perturbação da tranquilidade, (b) exercício
arbitrário das próprias razões, ou, ainda, (c) a forma tentada do delito, (IV) “ausente a
comprovação do roubo do aparelho pelos acusados, a absolvição é medida que se impõe”
(fl. 1912), (V) “é nítida a ausência de dolo do acusado em ‘subtrair’ o objeto” (fl. 1913),
razão pela qual, caso não se entenda pela absolvição, cabível a desclassificação para o crime
de dano, (VI) “uma vez que inexiste qualquer elemento comprobatório capaz de se amparar
a acusação de organização criminosa, ante a tamanha abstração ou fundamentação diversa
dos fatos contidos no processo, a absolvição é medida que se impõe” (fl. 1918), (VII)
“considerando que o Ministério Público não logrou êxito em demonstrar a existência de
estrutura ordenada com a respectiva divisão de tarefas, deve ser desclassificado o delito
para associação criminosa” (fl. 1919), e (VIII) “inexiste no processo documento hábil a
demonstrar a ocorrência de dois delitos autônomos de extorsão (pagamento da dívida) e
roubo (subtração do aparelho celular)” (fl. 1919).

De efeito, Câmara Julgadora procedeu ao exame do conjunto probatório e


concluiu que os elementos de prova submetidos ao contraditório são aptos à formação de
seguro juízo condenatório dos Recorrentes pelos delitos de roubo, extorsão e organização
criminosa, afastando, conseguinte, os pleitos desclassificatórios, conforme se lê do seguinte
excerto do voto condutor (fls. 1719-verso/1736):

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Quanto aos pleitos absolutórios por insuficiência probatória, não


colhem.
De plano, destaco que as insurgências defensivas recaem sobre os 1º
(extorsão majorada), 2º (roubo majorado), 5º (organização criminosa) e 7º
(posse irregular de munições de arma de fogo) fatos descritos na exordial
acusatória.
A materialidade e autoria do 1º e 2º fatos vieram demonstradas por
meio (a) do registro de ocorrência policial nº 189/2019 (fls. 68-69 e 322-
323), (b) do auto de apreensão (fls. 70 e 324), (c) dos depoimentos dos
ofendidos Oldemar Luiz Jung (fls. 71-72 e 325) e Marivane de Fátima
Sarturi (fls. 73 e 326), (d) dos autos de reconhecimento de pessoa por
fotografia (fls. 74-75, 338 e 339) (e) do termo de arrecadação (fl. 76), (f) dos
atestados médicos das vítimas (fls. 77, 78, 323 e 324), (g) dos laudos
periciais nº 62302/2019 e nº 52285/2019, relativos aos exames de corpo de
delito realizados nos ofendidos (fls. 345 e 346), (h) de fotocópia da
embalagem do aparelho celular contendo o respectivo IMEI (fl. 335) e (i) de
certidão lavrada pelo policial civil Pedro Loch Moreira dando conta de que
as vítimas relataram ter recebido mensagem, via aplicativo de mensagens
WhatsApp, encaminhado pela empresa “Macchia Stara”, com os seguintes
dizeres “Gostara de saber onde o senhor vai disponibilizar a soja para nós
poder faturar” (fl. 337).
Já a materialidade e autoria do 5º fato vieram demonstradas (a) pelo
registro de ocorrência policial nº 189/2019 (fls. 68-69 e 322-323), (b)
relatório de análise do conteúdo dos aparelhos celulares, acompanhado de
mídia digital contendo os diálogos e mensagens extraídas dos telefones, e
fotografias dos objetos apreendidos (fls. 200-201, 202 e 204-206,
respectivamente) e (c) ocorrências policiais nº 4.399/2019, nº 54/2019, nº
159/2019, nº 994/2019 e nº 442/2019 das cidades de São Francisco de
Assis/RS, Cerro Largo/RS, Ernestina/RS, Trindade do Sul/RS e Ilópolis/RS
(fls. 85-86, 87-88, 166, 167 e 168, respectivamente).
Em relação ao 7º fato, a materialidade e autoria vieram
demonstradas pelos autos (a) circunstanciado de busca e apreensão (fls. 444-
445) e (b) de retificação (fl. 462), bem como (c) pelas fotocópias das
munições aprendidas (fls. 469-471) e (d) pelo laudo pericial nº 22072019
(fls. 476-480).
Para além do exposto, tem-se a prova oral colhida no curso da
instrução processual, esta devidamente sintetizada pelo julgador singular, Dr.
Rafael Echevarria Borba, ao que transcrevo o respectivo trecho da sentença a
fim de evitar desnecessária repetição12:
A vítima MARIVANE DE FÁTIMA SARTURI contou que
ouviu uns gritos e, logo em seguida, o seu marido (Oldemar)
pedindo para que a depoente ligasse para a polícia, pois estava
sendo assaltado. Falou que pegou seu celular e foi onde eles
12
As testemunhas DOUGLAS ANTUNES, DARLAN PERUZZO, FÁTIMA, JUAREZ DE
OLIVEIRA e ROBER PAULO GIARDI apresentaram depoimentos meramente abonatórios em
relação à conduta dos acusados, referindo que não têm conhecimento dos fatos que lhes foram
imputados, tampouco sabem de qualquer envolvimento deles com a prática de crimes (fls. 870-874).
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estavam, ao que viu dois indivíduos apontando uma arma para o seu
marido e dizendo que queria soja e que iria levá-lo para Passo
Fundo, efetuando um disparo de arma de fogo. Aduziu que pensou
em filmar e tirar fotos da ação, porém um homem se aproximou e
lhe deu uma “bofetada” no olho, tomando o aparelho celular de
suas mãos. Referiu que tentou pegar de volta o aparelho, mas o
indivíduo lhe agrediu novamente e quebrou o aparelho. Referiu que
segurou o indivíduo pela camiseta, quando ambos caíram ao solo.
Aduziu que esse homem lhe bateu muito e que Oldemar também foi
agredido. Disse que eram três indivíduos. Falou que foram
efetuados três disparos, todos em direção de Oldemar. Questionada
se os cachorros teriam avançado nos acusados, apenas disse que
eles estavam ali e que saíram quando ouviram os disparos (fl. 940).
A vítima OLDEMAR LUIZ YUNG, por sua vez, contou que
os acusados chegaram em sua casa e lhe apontaram uma arma, lhe
agrediram, assim como a sua esposa, roubaram o telefone dela e
efetuaram três disparos de arma de fogo. Referiu que sua esposa foi
agredida a pontapés. Disse que, quando chegou da lavoura, viu uma
camionete, modelo Triton, estacionada e quatro pessoas, sendo que
o indivíduo que lhe apontou a arma de fogo foi o que se identificava
como policial, reconhecendo-o, através das fotografias constante
nos autos, como sendo o acusado Gilberto. Referiu que os
indivíduos lhe disseram que estavam cobrando uma dívida do
depoente com a empresa Stara, da cidade de Bossoroca, e que iriam
levar o pagamento em sacas de soja, o que iria ocorrer por bem ou
por mal. Falou que diante de sua negativa, os acusados passaram a
lhe agredir. Aduziu que pediu para sua esposa chamar a polícia,
porém ela tentou filmar a ação, quando um indivíduo “tatuado” foi
para cima dela, o qual reconheceu, pelas fotografias dos autos,
como sendo o acusado Leiser. Contou que todos os acusados diziam
que estavam armados, porém só viu o acusado Gilberto com arma
de fogo. Falou que foram efetuados três disparos, sendo dois em sua
direção e outro em direção de sua esposa, o que ocorreu quando os
cachorros tentaram avançar nos acusados, mas que nenhum dos
disparos acertou o depoente ou sua esposa. Referiu que os acusados
levaram o celular de sua esposa e que não foi possível reavê-lo.
Falou que Gilberto estava portando uma pistola. Aduziu que os
acusados foram embora porque pensaram ter acertado um disparo
em sua esposa, tendo ouvido eles falando “vamos que a cagada está
feita”. Disse que conseguiu pegar sua camionete e perseguir o
veículo dos acusados, logrando ver a placa do automóvel. Falou que
mencionou a eles que tinha feito um acerto com o dono da empresa
Macchia, já tendo negociado a dívida, porém os acusados ligaram
para o dono da empresa, deixando o telefone no modo “viva-voz”,
tendo o depoente ouvido o dono da empresa falar que era para
receber a conta de qualquer jeito. Ao ser questionado quanto ao
número de indivíduos que estavam no local e se eles teriam feito
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uma ligação ao acusado Marcelo, disse que estava muito nervoso e


que teria ficado confuso devido as agressões, mas esclareceu que
eram três indivíduos, sendo um policial, outro o “tatuado” e um
terceiro. Esclareceu, também, que eles fizeram duas ligações, sendo
uma para a empresa credora e a outra para o “chefe” deles. Disse
que a lente de óculos que foi apreendida era do brigadiano e que ele
a perdeu lutando com o depoente e sua esposa (fls. 870-874).
O policial civil e testemunha PEDRO LOCH, outrossim,
relatou que a vítima (Oldemar) contou que tinha sido agredida por
uns homens, os quais teriam desferidos três disparos de arma de
fogo e também que teriam agredido a sua esposa e roubado o
telefone celular dela. Explicou que a partir de um cartão deixado
pelos acusados na propriedade das vítimas, foi possível a
identificação do acusado Gilberto, o qual teria se identificado na
ocasião como sendo policial e advogado. Disse que participou de
diversas diligências, inclusive do cumprimento do mandado de
busca e apreensão na residência do acusado Leiser, onde foram
apreendidas munições calibre .32, lacres plásticos, um bastão, um
facão, um veículo marca Renault Megane e materiais da empresa
“RS Cobranças”. Disse que a vítima teria visto parte da placa do
veículo dos acusados e lido o nome de Gilberto em uma carteira
funcional mostrada por ele. Disse que no local do fato também
foram colhidos um estojo de munição calibre .380 e uma lente de
óculos. Falou que o mandado de busca e apreensão da residência de
Gilberto foi cumprido por outra equipe, sendo apreendidas uma
arma de fogo, munições e materiais alusivos a empresa “RS
Cobranças”. Disse que os acusados se diziam representantes da
empresa “RS Cobranças”, sendo que a partir da pesquisa do CNPJ
da referida empresa foi possível a identificação do acusado Marcelo
e de outro sócio, porém verificou que este sócio não tinha
envolvimento com os fatos. Disse que teve contato com a vítima na
data do fato, oportunidade em que ela referiu que eram três
indivíduos. Falou que foi apreendida apenas uma cápsula de
munição. Aduziu que foram mostradas à vítima fotografias dos réus
Gilberto, Denilson e Marcelo. Disse ter apurado que os investigados
estavam realizando outras cobranças na região, o que foi
constatado através da verificação de registros de ocorrência (fls.
870-874).
O policial civil e testemunha ALESSANDRO DORNELES
INÁCIO, além do mais, falou que soube que os acusados foram ao
interior do município de Alegrete realizar uma cobrança, porém
houve uma desavença no local, ocorrendo agressões físicas e
disparos de arma de fogo. Asseverou que não participou das
investigações, mas apenas do cumprimento do mandado de busca e
apreensão na residência do acusado Gilberto (fls. 870-874).
[...] o réu MARCELO RODRIGO RODRIGUES DA SILVA
disse que não são verdadeiras as acusações feitas em seu desfavor.
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Referiu que é dono de um escritório e que encaminha pessoas para


realizarem cobranças, mas que, quando isso não é possível, o caso é
passado para o seu advogado. Disse que realmente recebeu uma
ligação no dia dos fatos, na qual lhe foi informado que tinha corrido
um problema, pois os devedores tinham atiçado os cachorros em
seus rapazes, ao que disse para eles entrarem na camionete e irem
embora, pois depois o advogado Everton iria ajuizar a cobrança.
Negou que tivesse ficado foragido, referindo que depois do término
de sua prisão temporária permaneceu em sua residência na cidade
de Passo Fundo (fl. 940).
[...] o acusado LEISER NEITZKE DOS REIS, outrossim,
negou a prática dos fatos que lhe foram imputados. Referiu que foi
ao local pra fazer um “acerto”, sendo que, enquanto estava falando
com o devedor, a esposa dele passou correndo em direção a
camionete, não sabendo se ela pretendia roubar a camionete ou ia
“fincar” o veículo numa árvore, ao que os cachorros avançaram no
interrogando, tendo o sargento Gilberto desferido um disparo para
defendê-lo dos animais. Falou que as vítimas avançaram em
Gilberto e o agrediram, inclusive quebrando o seus óculos. Disse
que, quando Gilberto conseguiu se desvencilhar, entrou na
camionete e foram embora do local. Falou que não sabe de nenhum
aparelho celular (fl. 940).
O acusado GILBERTO SILVA RIBEIRO, de sua vez, negou
os fatos que lhe foram imputados. Disse que foram cobrar uma
conta, encontrando as vítimas que vinham chegando da granja.
Referiu que o interrogando e Leiser foram conversar com as vítimas
e que depois Denilson disse que havia uma dívida de trezentos mil
reais em nome da vítima Marivane. Contou que falou com a vítima
(Oldemar), a qual estava com um colete na região cervical devido a
uma cirurgia, dizendo a ela que era policial aposentado e que fazia
o serviço de acompanhamento como motorista, tendo entregue a ela
um cartão da empresa “RS Cobranças”. Relatou que Leiser ligou
para o proprietário da empresa credora e passou o telefone para
Oldemar, o qual falou com o credor e depois jogou o aparelho ao
solo, momento em que teve início o desentendimento. Referiu que a
mulher (Marivane) “colocou” os cachorros para cima do
interrogando e dos demais acusados e entrou na camionete, a fim de
bater o veículo. Referiu que vítima Oldemar começou a dizer que
Denilson estava batendo em sua esposa, mas que falava para ele
que Denilson apenas estava tirando ela do interior da camionete.
Disse que efetuou um disparo, mas somente para afastar os
cachorros. Aduziu que não viu o aparelho celular da vítima (fl.
940).
[...] o acusado DENILSON BERNARDI MARTINS,
igualmente, negou a prática dos fatos que lhe foram imputados.
Disse que falou com a vítima (Oldemar) mostrando-lhe o contrato e
dizendo que estava ali para realizar a sua cobrança. Falou que
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ligou pra o dono da empresa credora e passou o telefone para


Oldemar, porém ele se alterou e mandou o interrogando e os
acusados embora, atiçando os cachorros, quando iniciou uma
discussão. Disse que tentou explicar para a Oldemar que estava ali
somente para fazer uma negociação. Negou que tivesse agredido as
vítimas e que tivesse roubado o aparelho celular. Referiu que tentou
apartar a briga e que falou com Marcelo, pelo telefone, o qual disse
que era para irem embora. Falou que a vítima Oldemar disse que já
tinha feito uma acordo na semana passada a respeito da mesma
dívida.
O exame do conjunto probatório que instrui os autos revela
inequívoco que Leiser, Gilberto e Denilson se dirigiram à residência das
vítimas Oldemar e Marivane para efetuar a cobrança de dívida,
contexto que é admitido pelos próprios denunciados.
A controvérsia principal consiste na acusação de que os três
inculpados integravam organização criminosa que, em sua atuação,
empregava armas de fogo com a finalidade de obter, direta e indiretamente,
vantagem econômica, mediante a prática de delitos de extorsão, roubo e
ameaça, figurando como líder da organização hierarquicamente estruturada o
quarto denunciado, Marcelo, proprietário e sócio-gerente da empresa “RS
Cobranças”, indivíduo que atuaria como autor intelectual das empreitadas
criminosas e teria o pleno conhecimento sobre o uso de violência física e
coação pelos demais membros da criminalidade organizada, por ele
contratados para promover as cobranças extorsivas a produtores rurais no
Estado do Rio Grande do Sul, possuindo o domínio sobre o modus operandi
adotado e quanto aos momentos de início e cessação das atividades delitivas.
Nesse contexto de atuação da organização criminosa é que, segundo
descrito no 1º e 2º fatos da incoativa, Leiser, Gilberto e Denilson teriam,
por ordens de Marcelo, teriam se dirigido à propriedade rural de Oldemar e
Marivane, apresentando-se como funcionários da pessoa jurídica “RS
Cobranças” e exigindo que os ofendidos efetuassem o pagamento de suposto
débito existente com a empresa “Macchia” (concessionária da marca de
máquinas e implementos agrícolas “Stara”), visando, portanto, à obtenção de
vantagem que não lhes era devida, circunstância também indiscutível,
especificamente a entrega de 1.000 (mil) sacas de soja como adimplemento
da dívida.
Nos termos da denúncia oferecida pelo Ministério Público,
quando Oldemar negou o alcance da commoditie pretendida, Gilberto
sacou a arma de fogo e a apontou em direção ao ofendido, iniciando-se
agressões consistentes em socos e pontapés perpetradas pelos três
acusados (Leiser, Gilberto e Denilson), os quais, ao perceberem que
Marivane estava iniciando gravação de vídeo da ação criminosa,
também lhe agrediram, momento em que seu aparelho celular foi
subtraído, as lesões sofridas pelas vítimas demonstradas através dos
laudos periciais nº 52302/2019 (fl. 345) e nº 52285/2019 (fl. 346).
Por fim, Gilberto teria efetuado disparo de arma de fogo em direção
ao chão e os ameaçado ao dizer que, na companhia de seus comparsas,
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voltaria para cobra-los novamente, afirmando que “seria diferente” na


próxima oportunidade, os três denunciados empreendendo fuga do local.
Feitas estas considerações, debruço-me inicialmente sobre o 1º
fato narrado na peça inicial, que imputa aos quatro inculpados a prática
do crime de extorsão majorado, nos termos do artigo 158, §1 º, do
Código Penal.
Os depoimentos prestados pelos ofendidos em ambas as etapas
persecutórias dão conta de que os réus se deslocaram até sua residência e, ao
encontrarem Oldemar retornando da lavoura, anunciaram que levariam “por
bem ou por mal” 1.000 (mil) sacas de soja como pagamento por dívida
existente com a empresa “Macchia”, ocasião em que Gilberto apontava
arma de fogo em direção ao proprietário rural.
No ponto, registro que inexistente dúvida quanto à presença dos
acusados no local dos fatos, circunstância confessada pelos próprios,
tampouco sobre estarem prestando serviços à pessoa jurídica “RS
Cobranças”, tanto é que mencionado por Gilberto, em seu interrogatório,
que entregou aos ofendidos um cartão da referida empresa e se apresentou
como motorista e policial aposentado, ao passo que Leiser confessou ter se
dirigido à residência de Oldemar e Marivane para “fazer um acerto”.
Ao compreender o motivo pelo qual os inculpados se encontravam
em sua propriedade, Oldemar informou-lhes que havia renegociado o débito
diretamente com o credor (empresa “Macchia”), informação esta confirmada
por Denilson em seu interrogatório, motivo pelo qual não iria entregar as
sacas de soja exigidas.
Nesta altura, surgem divergências sobre a dinâmica em que os
eventos se sucederam, a tese acusatória sustentando que, diante da negativa
de Oldemar, Leiser, Gilberto e Denilson teriam perpetrado socos e
pontapés contra o ofendido, que teria suplicado à sua esposa, Marivane, que
chamasse a polícia. Esta, ao ameaçar iniciar gravação de vídeo no intuito de
registrar as agressões protagonizadas pelos réus, por um deles também foi
agredida, identificado o acusado Leiser como o autor da investida que
culminou com a alegada subtração do aparelho celular da vítima.
Conforme mencionado por Oldemar, duas ligações telefônicas
ocorreram durante o período em que os inculpados estavam em seu
domicílio, uma ao dono da empresa “Macchia” e outra ao proprietário da
pessoa jurídica “RS Cobranças”, Marcelo, destacando que, no que diz
respeito ao contato telefônico estabelecido com o credor da dívida, este teria
determinado aos cobradores que recebessem o pagamento “de qualquer
jeito”13, manifestação que ouviu em razão de a ligação ter sido realizada na
modalidade “viva-voz”.
Quanto à efetiva ocorrência dos contatos telefônicos com o dono da
empresa “Macchia” e com Marcelo, tanto foi confirmado, respectivamente,
pelos réus Gilberto e Denilson, manifesta a autenticidade dos relatos
sustentados pelo ofendido.

13
Registro, no ponto, que o proprietário da empresa “Macchia” não figura como parte nos autos da
ação penal.
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Os acusados refutam, no entanto, a versão apresentada pelas vítimas


no sentido de que teriam agredido inicialmente Oldemar, diante da negativa
em entregar as sacas de soja reivindicadas, e, posteriormente, Marivane,
quando esta tentou iniciar gravação de vídeo por meio de seu aparelho
celular, aduzindo que, em verdade, Oldemar exaltou-se após conversar, via
telefone, com o credor do débito, investindo contra os denunciados, ao passo
que Marivane ordenou aos cachorros que avançassem contra os cobradores e
ingressou no automóvel utilizado por eles para se deslocarem até a
propriedade rural, com o objetivo de subtrai-la ou danifica-la.
Acrescem que, em virtude do “ataque dos cães”, Gilberto desferiu
disparo de arma de fogo para afastá-los, e que, após este desvencilhar-se da
investida protagonizada por Oldemar e Leiser ter retirado Marivane do
veículo, foram embora, atendendo orientação de Marcelo, que, por ocasião
do aludido contato telefônico, determinou que deixassem o local, informação
referida por Denilson14 e corroborada por Marcelo15 em seus respectivos
interrogatórios.
Depreende-se das declarações dos inculpados, portanto, que teriam
sido vítimas de agressões perpetradas por Oldemar e pela tentativa de
subtração ou dano protagonizado por Marivane em face do automóvel que
conduziam, tudo em virtude de terem se deslocado à propriedade rural
daqueles para, a serviço da pessoa jurídica “RS Cobranças”, efetuar a
cobrança de dívida existente com a empresa “Macchia”, prestação de serviço
esta de conhecimento de Marcelo.
Ocorre que a versão advogada pelos acusados se revela inverossímil,
não apenas porque não se cogita que Oldemar, sozinho, investiria contra três
homens, um deles portando arma de fogo, tampouco que Marivane
ingressaria no veículo conduzido pelos réus no intuito de danifica-lo, o
contexto em que efetuada a cobrança indicando que a vítima desejava que os
acusados fossem embora de sua propriedade rural, circunstância que seria
dificultada caso provocasse avaria no automóvel que lhes serviu de meio de
transporte, não sendo digna de maiores considerações a suspeita levantada
por Leiser de que a ofendida pretendia subtrair a camionete.
E os laudos periciais nº 62302/2019 e nº 52285/2019, consistentes
nos exames de corpo de delito aos quais submetidos Marivane 16 e Oldemar17
(fls. 345 e 346) tornam ainda mais frágil a tese defensiva e confirmam as

14
Denilson:“Referiu que tentou apartar a briga e que falou com Marcelo, pelo telefone, o qual disse
que era para irem embora.”
15
Marcelo: “Disse que realmente recebeu uma ligação no dia dos fatos, na qual lhe foi informado
que tinha corrido um problema, pois os devedores tinham atiçado os cachorros em seus rapazes, ao
que disse para eles entrarem na camionete e irem embora, pois depois o advogado Everton iria
ajuizar a cobrança.”
16
“Ao exame atual constato equimose peri orbicular à esquerda hiperemia na região sacra, medindo
quatro centímetros por quatro centímetros; lesão em raspagem medindo cinco milímetros de
diâmetros, em fossa poplítea à direita” (fl. 345 – sic).
17
“Ao exame atual constato equimose peri orbicular àdireita, com derrame conjuntival” (fl. 346 –
sic).
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narrativas dos ofendidos, constando nos documentos que ambos foram


lesionados por instrumento contundente.
De modo que o acervo probatório colhido no curso da instrução
aponta para a prática do delito de extorsão majorada, visto que praticada por
mais de duas pessoas e através do emprego de arma de fogo, os depoimentos
prestados pelas vítimas mostrando-se especialmente relevantes à
reconstituição processual dos fatos, detalhado o modus operandi adotado por
Leiser, Gilberto e Denilson e sua submissão hierárquica às ordens
emanadas por Marcelo, para quem efetuada ligação telefônica durante a
perpetração da empreitada criminosa.
Uma vez não derruída a conclusão de que, quando ouvidos,
transmitiram a verdade acerca do ocorrido, inexistindo prova de imputação
graciosa, seus relatos merecem especial credibilidade à elucidação do crime
e à formação do convencimento motivado, vigorando a presunção de que o
ser humano percebe e narra tão somente a verdade, presunção esta que,
fundada na experiência geral, figura como base de toda a vida em sociedade
e da lógica da credibilidade genérica dos elementos de prova testemunhal 18,
orientação que encontra amparo na jurisprudência desta Corte: [...]
Embora não remanesça qualquer dúvida sobre a autoria de
Leiser, Gilberto e Denilson, cumpre salientar que Oldemar foi expresso
ao afirmar terem sido três os indivíduos que compareceram em sua
residência, identificandos-os com convicção, por meio de fotografias,
quando realizados os atos de reconhecimento (fls. 74, 82 e 83).
Não bastasse isso, houve a apreensão de um estojo de munição,
marca CBC, calibre .380, na propriedade das vítimas (auto de
apreensão da fl. 70), comprovando que foi efetuado ao menos um
disparo de arma de fogo, circunstância confirmada por Gilberto em seu
interrogatório, ainda que sob o pretexto de assustar os cães que o
atacaram.
Todo o exposto evidencia que os atos perpetrados pelos inculpados
tinham como objetivo aterrorizar os ofendidos, constrangendo-os a entregar
mil sacas de soja a título de pagamento de dívida que havia sido renegociada
na semana anterior à data do fato.
Especificamente no que toca à participação de Marcelo, sua defesa
técnica sustenta (a) a atipicidade do delito de extorsão diante dos princípios
da pessoalidade e da correlação, ausente prova apta a demonstrar ter sido o
crime protagonizado pelo apelante, bem como (b) a preponderância do
princípio do in dubio pro reo, referindo que sua conduta não “teve qualquer
importância” ao deslinde dos fatos e que os eventos, inevitavelmente,
sucederiam-se da mesma forma.
Da leitura da denúncia oferecida pelo Ministério Público, verifica-se
que, quanto ao 1º fato descrito na incoativa, é imputada a Marcelo a autoria
intelectual do crime de extorsão majorada, ao argumento de que, em que
pese não tenha executado o núcleo do tipo penal, comandava, participava,
controlava finalisticamente e exercia o domínio do fato, tratando-se do
18
MALATESTA, Nicola F. D. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. 2ª Edição. Campinas:
Bookseler, p. 319.
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proprietário e sócio-gerente da empresa “RS Cobranças”, supostamente


contratada pela pessoa jurídica “Macchia” para efetuar a cobrança de
débitos.
Consoante retratado na exordial acusatória, Marcelo seria o
idealizador do modus operandi adotado por ocasião das cobranças, pelo que
plenamente ciente quanto ao uso de violência física, coação e ameaça,
contratando invidívuos dispostos a protagonizar os ilícitos penais e
determinando quando iniciavam e cessavam as empreitadas criminosas.
Imputada ao acusado, portanto, a autoria intelectual do delito, e não
a prática do verbo nuclear previsto no artigo 158 do Código Penal, não há
falar em ofensa ao princípio da correlação, tampouco cogitando-se
admissível a tese de violação ao postulado da pessoalidade, devidamente
narrada a natureza da atuação de Marcelo.
Assim, cuida-se de examinar se, em concreto, o acusado atuou na
qualidade de verdadeiro mentor ou artífice intelectual do delito (autor
mediato) levado a efeito por Leiser, Gilberto e Denílson (autores
imediatos), sendo indiscutível a possibilidade de condenação de determinado
indivíduo enquanto coautor de ilícito penal que tenha promovido,
preocupando-se o legislador, inclusive, em submeter o autor intelectual a
tratamento mais severo, tanto evidenciado pela previsão contida no artigo
62, inciso I, do Estatuto Repressivo19.
A teoria no âmbito da qual deve ser analisada a eventual condição de
coautor de Marcelo é denominada de “domínio do fato”, cuja aplicação é
amplamente admitida pelos Tribunais Superiores 20 e que se situa dentro da
teoria restritiva da coautoria, para a qual suficiente que o agente detenha o
controle final do fato, ostentando poderes decisórios sobre a prática,
interrupção e circunstâncias do ilícito, sendo irrelevante se cometeu o verbo
nuclear do tipo que lhe é imputado.
Lado outro, não se pode apontar determinado sujeito como autor do
crime quando inexistente, no plano fático, circunstância que estabeleça o
nexo entre sua conduta e o resultado lesivo, tratando-se a demonstração do
liame de causalidade de ônus do órgão acusador, que deve descrevê-lo por
ocasião do oferecimento da denúncia, sob pena de institucionalização da
responsabilidade objetiva na seara penal.
Na hipótese dos autos, como já exposto, o Ministério Público
observou seu encargo, enquanto o caderno probatório colhido no curso das

19
  Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
        I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
20
[...] Cumpre ressaltar, por relevante, que, em tema de concurso de agentes, a autoria pode se
revelar de diversas maneiras, não se restringindo à prática do verbo contido no tipo penal. Assim, é
possível, por exemplo, que um dos agentes seja o responsável pela idealização da empreitada
criminosa; outro, pela arregimentação de comparsas; outro, pela obtenção dos instrumentos e meios
para a prática da infração; e, outro, pela execução propriamente dita. Assim, desde cada um deles –
ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso – exerça domínio sobre o fato,
responderá na medida de sua culpabilidade. (Habeas Corpus 191.444, Sexta Turma, STJ, Relator
Ministro OG Fernandes, julgado em 06/09/2011 – Grifei)

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etapas persecutórias demonstra que Marcelo era proprietário da empresa


“RS Cobranças” e Leiser, Gilberto e Denilson seus empregados e
responsáveis pela efetiva realização das cobranças aos devedores.
Partindo-se da premissa de que o fato de ser dono da pessoa jurídica
empregadora dos autores imediatos do crime não tem o condão de,
necessariamente, responsabilizá-lo por eventuais condutas transgressoras
protagonizadas por seus funcionários, apenas elementos substanciais
autorizam a condenação de Marcelo como autor intelectual do delito de
extorsão. E é exatamente o que se tem no caso sob exame.
O registro de ocorrência policial nº 189/2019, (fls. 68-69 e 322-323),
o relatório de análise do conteúdo dos aparelhos telefônicos dos acusados e a
respectiva mídia digital contendo os diálogos e mensagens extraídas dos
aparelhos, as fotografias dos objetos apreendidos (fls. 200-201, 202 e 204-
206, respectivamente), somados à prova oral angariada 21, notadamente os
depoimentos das vítimas Oldemar 22 e Marivane e do policial civil Pedro
Loch, revelam que a pessoa jurídica “RS Cobranças” consistia em fachada à
ocultação de atividades ilícitas, estas a verdadeira finalidade da dita empresa,
que efetuava cobranças de dívidas através do exercício de grave ameaça e
violência em face dos devedores e seus familiares, inclusive mediante o
emprego de arma de fogo.
A organização estrutural dos denunciados e o modus operandi por
eles adotado restam estreme de dúvidas a partir da análise do aparelho
celular de Leiser, sobretudo dos arquivos de áudio constantes na mídia
audiovisual (constantes na mídia digital da fl. 202), enviados em grupo
formado pelos acusados no aplicativo de mensagens WhatsApp denominado
“Rs cobranças”, revelando-se essencial à compreensão sobre o
protagonismo intelectual ostentado por Marcelo a transcrição de dois áudios
extraídos pela Polícia Civil, os quais foram enviados pelo mencionado réu:
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 05min22seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo: Meu irmão, seguinte: “nois” não quer saber que
é ou quem vai ser. Nós respeita criança e mulher, enquanto a mulher não
abrir a boca e ficar tagarelando. Quem acha que pode, vem. Meu nome é
Marcelo Negão e quem pode que acha, vem. E o seguinte: para de ficar
mandando mensagensinha e audiozinho ai, querem defender vagabundo?
Paguem as contas deles ou peguem e fiquem quietinhos com o rabo entre as
pernas, que nos entramos dentro da casa de vocês.
Aos 50min05seg: Viu, gurizada. O que um vídeo ou um áudio que
nem essa ocorrência ai contra a empresa RS Cobrança. Esse áudio vai
chegar e mostrar pro juiz e deu. A nossa profissão não é contra a lei, tanto
que não tire sangue e não tenha tortura. Só que nos “aleguemo” que somos
uma empresa de comunicação de dívida. Nós estamos comunicando o
devedor que ele tá devendo. Depois desliga o telefone, desliga o áudio, caga
de pau mulher, caga de pau filho, os cachorro, os cavalos. Primeiro nos
21
Por ocasião de seu interrogatório, Denilson afirmou que falou com Marcelo por telefone,
22
Em seu depoimento judicial, Oldemar referiu que, durante a empreitada criminosa, “eles fizeram
duas ligações, sendo uma para a empresa credora e a outra para o “chefe” deles.

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temos que arrumar prova que nos “semo” uns anjos, depois que nos
“desliguemo” os telefones, quebramos os telefones dos “veiacos” e
“viramo” o Diabo.
De modo que inequívoca a posição de líder do grupo criminoso e
coordenador das cobranças realizadas por seus subordinados, estes
responsáveis pela execução dos atos previamente idealizados pelo autor
mediato, conclusão referendada pelo depoimento judicial de Oldemar, o qual
referiu que, durante a empreitada criminosa, “eles fizeram duas ligações,
sendo uma para a empresa credora e a outra para o “chefe” deles”, e pelo
interrogatório de Denilson, que mencionou ter ligado para Marcelo no
momento em que se sucediam os acontecimentos, o que foi confirmado pelo
próprio23 também em sede judicial.
Antes de avançar aos pedidos subsidiários referentes ao 1º fato,
impõe-se enfrentar as alegações de que a cobrança realizada pelos acusados
era lícita, circunstância que afastaria a incidência do tipo penal previsto no
artigo 158 do Código Penal, ao argumento de que inexistente dolo de obter
vantagem econômica indevida.
De plano, saliento que, caso se admitisse a tese defensiva no sentido
de que a vantagem econômica perseguida pelos inculpados era devida, ainda
assim não haveria falar em atipicidade da conduta, mas em desclassificação
ao delito de exercício arbitrário das próprias razões, disposto no artigo 345
do Estatuto Repressivo24.
Ocorre que o conjunto probatório que instrui os autos não apenas é
insuficiente para demonstrar a licitude da cobrança efetuada, como também
evidencia sua ilicitude. Se não, vejamos.
A fotocópia do contrato de prestação de serviços acostada aos autos
à fl. 714 está assinada por pessoa de nome Igor Viera25, instrumento através
do qual foram contratados serviços de cobrança para diversas dívidas, dentre
elas uma no valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais), em nome de
Marivane e Oldemar, inexistente no contrato de prestação de serviços ou em
qualquer outro documento juntado ao feito a origem da dívida cobrada pelos
acusados.
E no que toca às notas fiscais das fls. 567-585, não se prestam a
comprovar que os compradores dos produtos agrícolas foram Marivane e
Oldemar. Pelo contrário, constam como destinatários dos Documentos
Auxiliares da Nota Fiscal Eletrônica (DANFEs) Rogério Augusto Rosa da
Rocha (CPF: 517.402.810-04)26 e Camilo Rosa da Rocha (CPF:

23
Marcelo.
24
Exercício arbitrário das próprias razões
        Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo
quando a lei o permite:
        Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
25
À fl. 715, consta fotocópia de um cartão da empresa “Macchia” (concessionária da marca de
máquinas e implementos agrícolas “Stara”), com o nome de Igor Viera como sendo Gerente
Administrativo da referida empresa.
26
Fl. 567
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106.071.020-04)27, as transações totalizando R$ 146.402,00 (cento e


quarenta e seis mil, quatrocentos e dois reais).
Percebe-se que os adquirentes dos bens negociados por meio das
aludidas notas fiscais não são os ofendidos, o valor total não corresponde à
dívida cobrada e sequer os endereços indicados nos documentos para entrega
dos produtos se situam em Alegrete, município em que localizada a
propriedade rural de Marivane e Oldemar.
No que tange à fotocópia de cheque28 firmado por Marivane em
favor de “Igor Viera Cia. Ltda.” (cujo nome fantasia seria “Macchia”), no
valor de R$ 322.000,00 (trezentos e vinte e dois mil reais), datado de 30-06-
2017, diversamente do que pretende fazer crer a defesa técnica de Denilson,
nada comprova sobre a dívida que estava sendo cobrada.
A cártula em questão, sobre cuja autenticidade inexiste
comprovação, mas que se admitirá como autêntica para fins de
enfrentamento da tese defensiva, revela que a ofendida assinou o documento
em favor de pessoa jurídica de nome “Igor Viera & Cia. Ltda.”, cumprindo
mencionar que, conforme fotocópia de cartão acostado à fl. 715, Igor Viera
seria Gerente Administrativo da empresa “Macchia”.
Inobstante conste nas razões recursais de Denilson outra fotocópia
indicando a devolução do cheque pelo banco sacado na mesma data (30-06-
2017), não resta esclarecido nos autos sobre eventual pagamento posterior,
total ou parcial, do saldo devedor, circunstância manifestamente essencial à
compreensão sobre a origem da dívida cobrada em 29-03-2019 29, visto que,
no contrato de prestação de serviços juntado à fl. 714 (atinente à contratação,
pela empresa “Igor Viera & Cia. Ltda.”, da pessoa jurídica “RS Cobranças”),
consta como valor do débito de Oldemar e Marivane R$ 105.000,00 (cento e
cinco mil reais).
Nesse contexto, ausente informação nos autos capaz de demonstrar
que a aludida cártula diz respeito à dívida cobrada na data dos 1º e 2º fatos
descritos na exordial acusatória, tendo em vista que sequer o numerário do
cheque corresponde ao valor constante no contrato de prestação de serviços
lavrado entre “Igor Viera Cia. Ltda.” e “RS Cobranças” como sendo o saldo
devedor das vítimas.
Aqui, ressalvo que o documento juntado pela defesa técnica de
Denilson à fl. 1.582, consistente em cópia de termo de declaração datado de
06-07-2021 e autenticado pelo Tabelionato de Notas de Bossoroca-RS, no
qual Igor Viera, na condição de gerente da pessoa jurídica “Igor Viera &
Cia. Ltda.”, manifesta que, em 25-03-2019, contratou a empresa “RS
Cobranças” para realizar a cobrança de saldo devedor que os ofendidos
possuiriam com sua empresa, no valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil
reais), referente ao cheque firmado por Marivane no valor de R$ 322.000,00
(trezentes e vinte e dois mil reais), não ostenta envergadura suficiente para
comprovar que o débito cobrado em 29-03-2019, de fato, dizia respeito
àquela cártula.
27
Fls. 568-585
28
Fl. 1349 das razões recursais de Denilson.
29
Data dos 1º e 2º fatos descritos na exordial acusatória.
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Para além do exposto, a prova foi produzida extemporaneamente,


após a prolação de sentença condenatória, interposição de recursos de
apelação e oferecimento das respectivas razões, pelo que não submetida ao
crivo do contraditório e da ampla defesa, ausente nos autos justificativa
formulada pela defesa do réu que demonstre o justo impedimento de
apresentação do documento em momento oportuno, tampouco havendo falar
em documento novo, tendo em vista que o termo de declaração, ainda que
elaborado em 06-07-2021, diz respeito a fato ocorrido no ano de 2019.
De fato, a defesa optou por não produzir a prova quando lhe cabia,
sendo inviável que, nesta altura do curso processual, pretenda sua produção
ao arrepio da lei, destacando-se, como já exposto, que se revelaria de
qualquer sorte insuficiente para comprovar o alegado, visto que seu conteúdo
apenas apresenta informação já conhecida pelo processo, carecendo de
maiores esclarecimentos que poderiam ter sido supridos caso Igor Viera
houvesse sido arrolado como testemunha durante a instrução, como
eventualmente refutar a alegação de Oldemar no sentido de que a dívida foi
renegociada com a empresa credora.
Veja-se, neste particular, que não há prova ou mesmo tese
minimamente capaz de colocar em dúvida a afirmação de renegociação da
dívida, não se tratando de demonstração sobre a existência de um débito,
este inquestionável e devidamente reconhecido pelo magistrado singular e
também no corpo deste Voto, inobstante não se saiba, de fato qual a origem
da dívida, tampouco, se oriunda do cheque cuja fotocópia consta nas razões
recursais de Denilson, como alcançado o cálculo de R$ 105.000,00 (cento e
cinco mil reais) a título de saldo devedor se o valor constante na cártula é R$
322.000,00 (trezentes e vinte e dois mil reais), havendo outra fotocópia
também integrante das razões de apelo do referido réu que aponta ter sido
devolvido o título de crédito em questão pelo banco sacado, todas estas
questões evidenciando a ausência de enfrentamento pelas defesas da
alegação de que a dívida havia sido renegociada, pedindo-se escusas pela
exaustiva repetição.
Em suma, as defesas técnicas não se desincumbiram de seu ônus de
demonstrar a licitude da cobrança, o que lhes poderia socorrer quanto ao
pleito de desclassificação do delito de extorsão ao de exercício arbitrário das
próprias razões. Lado outro, como reiteradamente mencionado, o
depoimento judicial de Oldemar revela que a dívida, cujo valor também não
restou satisfatoriamente desvendado, havia sido renegociada diretamente
com a pessoa jurídica “Macchia” na semana anterior à data do fato.
Ainda que esta circunstância seja incapaz de descortinar se houve a
novação do débito30, a dilação do prazo para seu adimplemento ou a divisão
do saldo devedor em maior número de parcelas, certo é que a informação
sobre a renegociação da dívida, que também não foi refutada pelas defesas
técnicas a ponto de demonstrar sua inocorrência, demonstra que 29-03-2019,
dia em que exigidas pelos acusados 1.000 (mil) sacas de soja em favor da

30
Isto é, a contratação de nova dívida com o fim de extinção da obrigação anterior, nos termos do que
preconiza o artigo 360, inciso I, do Código Civil.
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empresa “Macchia”, não era a data do termo para quitação do débito


renegociado.
E a exigência de entrega da commoditie em momento anterior ao
termo para quitação do saldo devedor configura antecipação de crédito, e,
via de consequência, torna indevida a vantagem econômica pretendida,
entendimento que vai ao encontro da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: [...]
A fundamentação supra, portanto, não apenas demonstra
suficientemente a prática do delito de extorsão majorada, nos termos do
artigo 158, § 1º, do Estatuto Repressivo, pelos quatro denunciados, como
também autoriza a rejeição do pleito subsidiário de desclassificação ao
crime de exercício arbitrário das próprias razões, visto que a vantagem
buscada era inequivocamente indevida.
Prossigo aos pleitos subsidiários relacionados ao 1º fato, que
consistem em: (a) desclassificação do delito de extorsão à contravenção
penal de perturbação da tranquilidade; (b) afastamento da causa de aumento
prevista no § 1º do artigo 158 do Código Penal; e (c) o reconhecimento da
modalidade tentada do ilícito em questão.
No que diz respeito à desclassificação do delito de extorsão à
contravenção penal de perturbação da tranquilidade, sorte não lhes
assiste, visto que o artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41 subsume à norma
aquelas condutas consistentes na moléstia ou perturbação da tranquilidade de
alguém, por acinte ou motivo reprovável, ao passo que o 1º fato descrito na
exordial acusatória trata sobre a prática de ação na qual exercida grave
ameaça mediante o emprego de arma de fogo e violência física, tanto
comprovado pelos depoimentos prestados pelos ofendidos em ambas as
etapas persecutórias e pelos laudos periciais nº 62302/2019 e nº 52285/2019,
consistentes nos exames de corpo de delito aos quais submetidos Marivane e
Oldemar (fls. 345 e 346), manifesto que o modus operandi adotado pelos
acusados supera em muito os contornos delimitados pela contravenção penal
aventada, razão pela qual também vai refutado o pleito de afastamento
da causa de aumento prevista no § 1º do artigo 158 do Código Penal,
sendo certa a presença de três indivíduos na propriedade rural das vítimas, o
porte de artefato bélico por Gilberto e, inclusive, a ocorrência de disparo de
arma de fogo, todas estas circunstâncias retiradas dos próprios
interrogatórios dos acusados.
Sobre o pleito de reconhecimento da modalidade tentada do
ilícito em questão, muito não há a ser dito, considerando que a questão foi
objeto de Súmula31 editada pelo Superior Tribunal de Justiça, consolidada a
orientação no sentido de que “o crime de extorsão consuma-se
independentemente da obtenção da vantagem indevida”.
Cuida-se a extorsão de crime formal, desimportando à sua
consumação a obtenção da vantagem econômica pretendida, não havendo
margem à discussão de que, na hipótese dos autos, o delito se consumou no
momento em que Leiser, Gilberto e Denilson, através de grave ameaça
exercida mediante o emprego de arma de fogo, exigiram que fossem
31
Enunciado nº 96 das Súmulas do STJ.
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entregues 1.000 (mil) sacas de soja, eventual alcance configurando mero


exaurimento da empreitada32.
Rechaçados os requerimentos subsidiários atinentes à extorsão
majorada, passo ao delito de roubo majorado imputado aos réus, descrito
no 2º fato da incoativa, salientando-se que o contexto fático no qual
praticada a subtração do celular pertencente à Marivane está inserido no
desenrolar da perpetração do crime de extorsão majorada, de modo que me
dedico especificamente à subsunção da conduta cometida à norma penal
capitulada na denúncia, pela qual condenados os acusados (artigo 157, § 2º,
inciso II, e § 2º-A, iniciso I, do Decreto-Lei nº 2.848/40).
Como já exposto, quando Oldemar negou o alcance das sacas de soja
exigidas, iniciaram-se as agressões consistentes em socos e pontapés
perpetradas pelos três acusados (Leiser, Gilberto e Denilson), os quais, ao
perceberem que Marivane estava iniciando gravação de vídeo da ação
criminosa, também lhe agrediram, momento em que seu aparelho telefônico
foi subtraído.
A prova oral produzida se mostra especialmente relevante à
reconstituição processual dos fatos, pois detalhado o modus operandi
adotado pelos inculpados, ao passo que as versões defensivas se restringiram
a refutar a subtração do eletroeletrônico, não havendo qualquer elemento nos
autos que ampare a tese de insuficiência probatória, consideradas as firmes e
harmônicas declarações prestadas pelos ofendidos em ambas as etapas
persecutórias, os laudos periciais nº 52302/2019 (fl. 345) e nº 52285/2019,
que demonstram as lesões sofridas pelas vítimas, e o fato de o celular, cujo
IMEI (nº 354105076621449) foi acostado à fl. 335, não ter sido reavido,
circunstância que desautoriza o pleito de desclassificação do injusto
subtrativo ao crime de dano, uma vez que, caso o único intuito dos
acusados fosse destruir o aparelho telefônico, não haveria razão para que o
levassem consigo, cessando-se a conduta com a inutilização da coisa alheia,
o que não ocorreu na hipótese dos autos.
Preenchidas todas as elementares do crime previsto no artigo 157 do
Código Penal, subtraída coisa alheia móvel pelos denunciados mediante o
emprego de violência, a manutenção do decreto condenatório nos moldes em
que proferido é medida que se impõe, suficientes as provas produzidas no
curso da instrução para embasá-lo.
Em relação às causas de aumento reconhecidas, previstas nos § 2º,
inciso II, e § 2º-A, iniciso I, do aludido dispositivo legal, de igual modo

32
Em idêntico sentido é a jurisprudência deste Órgão Fracionário: [...] 4. TENTATIVA.
IMPOSSIBILIDADE. O crime de extorsão consuma-se independentemente da efetiva obtenção da
vantagem indevida, que se constitui em mero exaurimento. Súmula nº 96 do E. STJ. Hipótese na qual
os denunciados, mediante grave ameaça, constrangeram a vítima a entregar-lhes o valor de R$
3.000,00 para recuperação de seu automóvel subtraído, além de a ameaçarem de morte e à sua
família, caso entrasse em contato com a polícia. Nesse contexto, ainda que não tenha sido efetivada a
entrega do numerário, o que seria mero exaurimento, o delito alcançara seu momento consumativo
com o constrangimento do ofendido a fazer o que não era devido. Tentativa inocorrente. Mantida a
condenação pelo crime consumado. [...]. (Apelação Criminal, Nº 70084491356, Oitava Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 17-05-2021)
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seguem inalteradas, fartamente demonstrado pelo robusto caderno probatório


que foram três os indivíduos que ingressaram na propriedade rural dos
ofendidos e, em comunhão de esforços e conjugação de vontades,
consumaram a subtração do celular de Marivane, bem como o emprego de
arma de fogo, admitido inclusive pelos próprios acusados, tendo ocorrido
pela Polícia Civil a apreensão de um estojo de munição, marca CBC,
calibre .380, na propriedade das vítimas (auto de apreensão da fl. 70),
comprovando que foi efetuado ao menos um disparo de arma de fogo.
Sobre o ponto, cumpre destacar que, por ocasião do cumprimento de
mandado de busca e apreensão na residência de Gilberto, apreendeu-se
artefato bélico de idêntico calibere ao estojo de munição encontrado no
domicílio das vítimas, tudo a indicar ter sido esta a arma empregada durante
a empreitada criminosa.
Resta o enfrentamento de pedido formulado pela defesa técnica de
Gilberto, consistente no reconhecimento de crime único entre os 1º e 2º
fatos (extorsão majorada e roubo majorado) ou o concurso formal entre
ambos, afastando-se o concurso material.
Ocorre que as circunstâncias demonstradas no curso da instrução
processual indicam a autonomia dos desígnios dos agentes, que se
deslocaram à propriedade rural dos ofendidos no intuito de perpetrar o delito
de extorsão. Durante a execução do 1º fato, enquanto os réus exerciam
violência física contra Oldemar, sua esposa tentou iniciar gravação de vídeo
para registrar os acontecimentos, quando, então, os inculpados decidiram
dela subtrair o aparelho celular, a fim de assegurar a impunidade do primeiro
ilícito subtrativo.
Inviabilizada, portanto, a incidência de crime único, ao passo
que a tese de concurso formal se revela destoante das provas
produzidas, que não deixam margem a questionamentos no sentido de
terem sido os crimes patrimoniais em questão praticados atavés de, no
mínimo, duas ações, manifesto o concurso material entre os ilícitos.
Avanço ao 5º fato narrado na exordial acusatória, que imputa
aos acusados o crime de organização criminosa armada.
O artigo 2º da Lei nº 12.850/2013 estabelece como delito de
organização criminosa sua promoção, constituição, financiamento ou
participação33, pessoalmente ou por interposta pessoa, previsto o aumento de
pena até a metade caso a criminalidade organizada, em sua atuação, utilize-
se de armas de fogo34, assim como o agravamento da corporal para quem
exerce o comando, individual ou coletivo, da organização, ainda que não
pratique pessoalmente atos de execução35.
Feito o registro sobre as elementares do tipo penal e as hipóteses de
agravamento e majoração da privativa de liberdade contidas na denúncia,
deve-se ter em vista os requisitos que devem ser preenchidos para que se
possa falar em organização criminosa, dispostos no artigo 1º da legislação
em comento: (a) associação de 04 (quatro) ou mais pessoas; (b)
33
Aqui, aplicado na qualidade de sinônimo do verbo “integrar”, utilizado pelo legislador.
34
Art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013.
35
Art. 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013.
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estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que


informalmente; (c) com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem
de qualquer natureza; (d) mediante a prática de infrações penais cujas
sanções máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional, neste caso, independentemente da pena máxima
cominada.
Merece destaque, ainda, que tais condições são cumulativas, de
modo que, na hipótese de ausência de qualquer delas, deixa de existir a
figura típica prevista na Lei das Organizações Criminosas, podendo a
conduta, a depender do caso, configurar o delito de associação criminosa
(artigo 288 do Código Penal) ou associação para o tráfico (artigo 35 da Lei
11.343/06), notadamente nas hipóteses em que envolver a prática de ilícitos
penais relacionados ao tráfico de entorpecentes.
Conforme descrito na denúncia, em diversas datas e horários não
esclarecidos nos autos, mas a partir do mês de janeiro de 2019, de modo
reiterado, em diversas localidades, especialmente nas cidades de Passo
Fundo, São Francisco de Assis, Cerro Largo e Alegrete, os denunciados
Marcelo, Leiser, Gilberto e Denilson, em comunhão de vontades e
conjugação de esforços, promoveram, constituíram e integraram,
pessoalmente, organização criminosa, que, em sua atuação, empregava
armas de fogo, com a finalidade de obter, direta e indiretamente, vantagem
econômica, por meio da prática de delitos como extorsão e roubo.
O detido exame do relatório de análise do conteúdo dos aparelhos
telefônicos de Gilberto e Leiser e da respectiva mídia digital contendo
diálogos e mensagens extraídas dos celulares, para além das fotografias de
armas, facas, bastões, munições, cartões e folderes da empresa “RS
Cobrança”, objetos apreendidos também em posse de Gilberto e Leiser (fls.
200-201, 202 e 204-206, respectivamente), evidenciam que os acusados
integravam grupo criminoso chefiado por Marcelo, executando cobranças de
dívidas através do exercício de grave ameaça e violência física em face dos
ditos devedores e de seus familiares, inclusive mediante o emprego de arma
de fogo.
Quanto à mídia audiovisual, acostada à fl. 202, consiste em dois
vídeos elaborados pela Polícia Civil, nos quais são mostrados dados
extraídos dos aparelhos celulares pertencentes a Gilberto e Leiser,
constando arquivos de áudio, mensagens de texto e imagens de contatos, em
especial do “grupo” criado no aplicativo WhatsApp de nome “Rs cobranças”,
alusivo à pessoa jurídica cujo proprietário e sócio-gerente é Marcelo.
Em diversos trechos dos vídeos, há áudios extraídos do referido
grupo de WhatsApp, enviados pelo acusado Marcelo aos corréus e a outros
integrantes, e vice-versa, comportando transcrição alguns dos áudios que
descortinam o modus operandi adotado pelos membros da criminalidade
organizada, não havendo margem a questionamentos não apenas sobre a
plena ciência de Marcelo acerca do exercício de grave ameaça e violência
nas atividades desempenhadas por seus funcionários, mas também, e
principalmente, quanto à posição de liderança por ele ocupada na estrutura

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hierárquica da organização, responsável por planejar as empreitadas


delitivas36:
Áudio extraído do celular de Gilberto: Aos 12min13seg de vídeo,
encaminhado por Leiser: Tamo lidando com um vigarista ali de Ijuí, um
diabo, um diabo que tinha de matar, nem devia de cobrar, tem uns que tem
que morrer, nem dá pra cobrar.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 05min22seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo em 04-05-2019: Meu irmão, seguinte: “nois”
não quer saber que é ou quem vai ser. Nós respeita criança e mulher,
enquanto a mulher não abrir a boca e ficar tagarelando. Quem acha que
pode, vem. Meu nome é Marcelo Negão e quem pode que acha, vem. E o
seguinte: para de ficar mandando mensagensinha e audiozinho ai, querem
defender vagabundo? Paguem as contas deles ou peguem e fiquem
quietinhos com o rabo entre as pernas, que nos entramos dentro da casa de
vocês.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 07min16seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo em 06-05-2019: Só pede pra ele mandar foto do
maquinário que ele tem então e pra ele mandar o ano, as “coisarada”, o
que vale e o que não vale, e marca pra nos amanha de manhã avaliar.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 07min27seg de vídeo,
encaminhado por Denilson em 06-05-2019: Claro, já tô intimando ele aqui
pra ver quanto que vale e se ele tem foto. Só que agora ele não tá online,
esse puto né. Mas eu vou dá uma insistida sim, acho que até amanha cedo
nos “resolvemo” isso ai, Marcelo. Se não tiver, vamos ter que ir lá em
Chapado buscar esse guri, né?
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 12min10seg de vídeo: O
bom era o senhor ir junto lá com nós e nós dar um pegão nele, entendeu?
Bah, nós ia arrancar um dinheiro dele, porque nove mil, dez mil, ele tá
dizendo que deve. Então ele tá assumindo, isso é uma coisa boa, é uma parte
que ele já sabe que deve. E tem essa diferença, né, eu não os “brikes” de
vocês.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 14min12seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo em 19-05-2019: Gurizada, eu acho que leva o
Paulo37 junto amanhã de tarde, viu? Eu dou duzentos pila pra ele e não vai
mudar nada né. Levem ele junto porque vá que os caras chamem a polícia aí
vamos começar a se precaver mais, tá? Dá para se programar para sair tipo
onze horas, almoça em Tapera e depois do meio dia tão lá.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 50min05seg de vídeo,
encaminhado por Leiser em 29-06-2019: Viu, gurizada. O que um vídeo ou
um áudio que nem essa ocorrência ai contra a empresa RS Cobrança. Esse
áudio vai chegar e mostrar pro juiz e deu. A nossa profissão não é contra a
lei, desde que não tire sangue e não tenha tortura. Só que nos aleguemo que
somos uma empresa de comunicação de dívida. Nós estamos comunicando o
devedor que ele tá devendo. Depois desliga o telefone, desliga o áudio, caga
36
Conforme já afirmado às fls. 37-38 deste Voto, por ocasião do enfrentamento de tese defensiva
sustentada pela defesa técnica do aludido réu no âmbito da análise do 1º fato descrito na peça inicial.
37
Identificado como Sargento Paulo no grupo do aplicativo de Whats App.
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de pau mulher, caga de pau filho, os cachorro, os cavalos. Primeiro nos


temos que arrumar prova que nos semo uns anjos, depois que nos
desliguemo os telefones, quebramos os telefones dos veiacos e viramo o
Diabo.
Os vídeos elaborados pela Polícia Civil a partir dos dados
extraídos dos celulares de Gilberto e Leiser são, de fato, reveladores.
Percebe-se, do teor dos áudios transcritos, a preocupação dos
integrantes da organização criminosa de produzir provas aptas a serem
apresentadas em juízo, na hipótese de algum dos devedores denunciar
as empreitadas criminosas por eles protagonizadas por ocasião da
efetuação das cobranças, restando inequívoco o modo de atuação do
grupo, pautado na prática de delitos das mais diversas naturezas,
passando por ameaças, lesões corporais, roubos e extorsões.
Outros trechos de áudios, no entanto, revelam que a ousadia e
periculosidade de Marcelo vai além, também participando das agressões
cometidas em face dos devedores:
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 16min05seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo: esse velho tá pegando esse Nólio. Vamos chama
o gringo e “vamo” rachar a cabeça desse Nólio na frente do gringo, e se o
gringo facilitar “rachamo” o gringo também.
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 23min33seg de vídeo:
“Temo” meio bêbado aqui, João. Viu, tenho uma coisa pra contar para o
senhor, “quebremo” a cacete, viu, “quebremo” o escritório inteiro e vá pau,
olha MARCELO bateu um pouco, DENILSON bateu um pouco e eu bati
mais um pouco. “Quebremo” a cacete, “fizemo” a mãe dele vim sacar
dinheiro pra dar pra nos dar. A velha disse que era bom dar umas pauladas
no filho dela mesmo, porque o homem não tem jeito. Diz pra dar uma
cutucada no Corolla, viu João. Qualquer coisa fala no meu nome, ficou
brabo de ter dado umas pauladas nele e me disse: viu, não quero mais
amizade contigo. Comigo não me faz falta, bastião.
Não bastasse isso, constata-se que, ao menos em uma oportunidade,
Marcelo levou a própria filha, I. R. S. para testemunhar as agressões aos
devedores38:
Áudio extraído do celular de Leiser: Aos 32min24seg de vídeo,
encaminhado por Marcelo: (risos), viu? Ontem nóis na estrada, eu e o Leno,
me ligou um cara: Marcelo, é o Vagner, eu tenho que te pagar uma conta.
Eu disse: fala Vagner. Ele disse: eu tenho que te pagar uma conta, mas
assim meu camarada. Eu disse: amanha de amanhã eu te passo e Leno te
chama. Ele: não quero falar com esse Leno, esse safado, esse jaguara, sem
vergonha, fica falando mal de mim ai, dizendo que eu devo não sei o que. Eu
digo: viu, filha de uma puta, vou rachar tua cabeça porque tu falou mal do
cara. Como é que tu vai falar mal do cara? Se é tu que deve, imundícia.
Amanhã eu te chamo. E agora de manhã ele me ligou: viu, tô no escritório.
Então espera ai que tô chegando. Eu tava ali na loja do lado com a Isabeli.

38
O que se comprova pelas fotocópias da certidão de nascimento e da carteira de identidade de I. R.
S., ambas carreadas pela própria defesa às fls. 557 e 558, respectivamente.
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Isabeli, vamos lá vê o pai surra o tio. Eu dei a primeira e os pitbull


estraçalharam o rapaizinho (risos).
Devidamente demonstrada, portanto, a presença concomitante dos
requisitos imprescindíveis à configuração de determinada associação de
indivíduos enquanto organização criminosa, estreme de dúvidas que
compunham o grupo no mínimo 04 (quatro) pessoas (Marcelo, Leiser,
Gilberto e Denilson), com o objetivo de obter diretamente vantagem de
natureza patrimonial, mediante a prática de infrações penais cujas sanções
máximas superam 04 (quatro) anos, tais como extorsões, estruturalmente
ordenada, de forma estável e permanente 39, e caracterizada pela divisão de
tarefa.
No que toca ao último dos requisitos, a magnitude da estrutura
ostentada pelo grupo resta evidenciada, dentre outros tantos elementos já
mencionados no corpo deste Voto, por propaganda de vídeo elaborada pela
pessoa jurídica “RS Cobranças”, de propriedade de Marcelo, que aparece na
companhia de diversos funcionários realizando uma cobrança, a preocupação
em demonstrar a licitude da atividade, já referida por ocasião da transcrição
dos áudios das fls. 49-50, concretizada na mencionada publicidade.
Reforçam a tese aqui sustentada determinadas imagens constantes do
vídeo da mídia digital da fl. 202, elaborado a partir da extração de dados do
aparelho celular de Leiser, nas quais Marcelo informa no grupo de Whats
App denominado “Rs cobranças” que a Polícia Civil cumpriu mandado de
busca e apreensão em sua residência, a fim de que os demais membros
procedessem à ocultação de eventuais provas que mantivessem em seus
domicílios, tais como armas de fogo utilizadas em cobranças efetuadas.
E a divisão de tarefas consistia na atuação de Marcelo na qualidade
de líder, responsável pela coordenação das atividades ilícitas e definição do
modus operandi a ser adotado nas cobranças, e de Gilberto, Leiser e
Denilson enquanto seus funcionários e executores, levando a efeito as
práticas delitivas planejadas pelo autor intelectual, tratando-se a “RS
Cobranças” de empresa dedicada à perpetração de delitos, valendo-se do
exercício de grave ameaça mediante o emprego de arma de fogo e de
violência, exatamente como ocorrido na hipótese dos autos, para alcançar a
vantagem econômica perseguida.
A fim de que não pairem dúvidas sobre a estabilidade da
organização, ainda que amplamente retratada por meio das provas colhidas a
partir da extração de dados dos celulares de Gilberto e Leiser, importa
mencionar que existentes diversas ocorrências policiais registradas nos
municípios de São Francisco de Assis-RS, Cerro Largo-RS, Ernestina-RS,
Trindade do Sul-RS (boletins de ocorrência nº 4.399/2019, 54/2019,
159/2019, 994/2019 e 442/2019; fls. 85-86, 87-88, 166, 167 e 168,
respectivamente) dando conta da larga atuação do grupo, não havendo falar
em condutas eventuais aquelas narradas no 1º e 2º fatos da exordial
acusatória.

39
A empresa foi constituída em 07-06-2013, encontrando-se em funcionamento, à época das condutas
descritas no 1º e 2º fatos da denúncia, há mais de 05 (cinco) anos.
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No ponto, ressalto que a menção a estas ocorrências policias ou


mesmo a valoração dos áudios extraídos dos aparelhos celulares não se
presta a analisar eventual prática ou não de outros ilícitos penais, cuja
apuração dar-se-á em expedientes próprios, mas a viabilizar o
preenchimento, ou não, dos requisitos necessários à classificação de
determinado agrupamento como organização criminosa, rechaçada a tese de
violação ao princípio da correlação aventada pelas defesas técnicas.
Acresço que o delito previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/13 é de
perigo abstrato, que atenta contra a coletividade e a paz pública, e formal,
consumando-se com a simples associação de 04 (quatro) ou mais pessoas,
observados os demais requisitos já elencados, dispostos no artigo 1º, § 1º, da
legislação extravagante em comento.
De modo que seria inclusive desnecessária demonstração do efetivo
cometimento de qualquer ilícito penal por parte dos agentes mancomunados,
cuidando-se a organização criminosa, em si e autonomamente, de crime
próprio, assim definido na legislação especial 40.
Por todo o exposto, aliás, impositiva não apenas a rejeição dos
pleitos defensivos de absolvição por insuficiência probatória, mas
também dos pedidos subsidiários de desclassificação do delito de
organização criminosa ao de associação criminosa, visto que preenchidas
as condições previstas no artigo 1º da Lei nº 12.850/2013 ao reconhecimento
de determinado grupo como organização criminosa, imperiosa, ainda, a
manutenção da causa de aumento prevista no § 2º do mesmo Diploma
Legal, indiscutível o emprego de arma de fogo no âmbito da “RS
Cobranças”, como exaustivamente argumentado por ocasião do exame dos
delitos de extorsão e roubo majorados, não sendo demais repisar que foram
apreendidos em posse de Gilberto e Leiser armas, facas, bastões, munições,
cartões e folderes da pessoa jurídica de propriedade de Marcelo.
Saliento que a aplicação das causas de aumento pelo concurso de
agentes nos delitos de extorsão (1º fato) e roubo (2º fato) e pelo emprego
de arma de fogo nos crimes de extorsão (1º fato) e roubo (2º fato) e
organização criminosa (5º fato) não implica bis in idem, diversamente do
que pretendem fazer crer as defesas técnicas, cuidando-se de delitos
independentes e com desígnios autônomos.
Demonstrado que os ilícitos patrimoniais foram praticados em
concurso de agentes e mediante o emprego de arma de fogo, bem como que

40
Conforme ensina Renato Brasileiro de Lima:“Não se pode confundir o conceito de crime
organizado por natureza com a definição de crime organizado por extensão. A expressão crime
organizado por natureza refere-se à punição, de per si, pelo crime de organização criminosa, ou seja,
pelo tipo penal do art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/13, ou pelos delitos de associação criminosa (CP,
art. 288; Lei nº 11.343/06, art. 35). Noutro giro, a expressão crime organizado por extensão refere-se
às infrações penais praticadas pela organização criminosa ou pelas associações criminosas. A título
de exemplo, verificada a existência de organização criminosa especializada em crime de peculato, os
agentes deverão ser denunciados pelo crime de organização criminosa (Lei nº 12.850/13, art. 2º,
caput) – crime organizado por natureza – em concurso material com os delitos de peculato (CP, art.
312) – crime organizado por extensão.” (Legislação criminal especial comentada: volume único. 5.
Ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017. pp.669-670).
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a organização criminosa por eles constituída era armada, inexistente óbice ao


reconhecimento das majorantes previstas nos respectivos tipos penais.
Passo ao delito de posse irregular de munições, descrito no 7º fato
da denúncia, imputado tão somente a Leiser.
Conforme consta da exordial acusatória, em 11-07-2019, o
mencionado réu matinha sob sua guarda, no interior de sua residência, 12
(doze) munições, calibre .32, todas de uso permitido, em desacordo com
determinação legal ou regulamentar.
A prova que embasa esta acusação e referenda a condenação do
inculpado é breve e cirúrgica. Por ocasião do cumprimento de mandado de
busca e apreensão, foram apreendidas as referidas munições no domicílio do
acusado, fato suficientemente demosntrado pelo auto de apreensão da fl. 439
e pelo depoimento judicial prestado por Pedro Loch, policial civil
responsável pela realização da diligência em questão. Para além destes
substratos, tem-se o laudo pericial nº 2.207/2019 (fls. 469-471), cujo
resultado atestou as normais condições de uso e funcionamento dos
apetrechos.
Rejeito, por fim, o pleito de reconhecimento do princípio da
insignificância, tendo em vista que o tipo penal em questão não estabelece
número mínimo de munições para fins de sua caracterização, tampouco a
apreensão conjunta de arma de fogo, tratando-se de delito de perigo abstrato,
tuteladas a segurança pública e a paz social.
De modo que mantenho as condenações de Marcelo (1º e 5º fatos –
extorsão e organização criminosa), Denilson (1º, 2º e 5º fatos – extorsão,
roubo e organização criminosa), Gilberto (1º, 2º e 5º fatos – extorsão,
roubo e organização criminosa) e Leiser (1º, 2º, 5º e 7º fatos – extorsão,
roubo, organização criminosa e posse irregular de munição) nos exatos
termos proferidos na sentença. [grifou-se]

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “a valoração da prova, no âmbito


do recurso especial, pressupõe contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no
campo probatório, ou mesmo à negativa de norma legal nessa área. Tal situação não se
confunde com o livre convencimento do Juiz realizado no exame das provas carreadas nos
autos para firmar o juízo de valor sobre a existência ou não de determinado fato; cujo
reexame é vedado pela Súmula n.º 07/STJ" (AgRg no AREsp 160.862/PE, Rel. Ministra
Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 21/02/2013, DJe 28/02/2013).

Assim, “se o tribunal a quo aplica mal ou deixa de aplicar norma legal
atinente ao valor da prova, incorre em erro de Direito, sujeito ao crivo do recurso especial;
tem-se um juízo acerca da valoração da prova [...]. O que, todavia, a instância ordinária
percebe como fatos da causa (ainda que equivocadamente) resulta da avaliação da prova,
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que não pode ser refeita no julgamento do recurso especial” (AgRg no AREsp 117.059/PR,
Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, julgado em 11/04/2013, DJe 19/04/2013).

Nesse sentido, citam-se os seguintes precedentes:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO E EXTORSÃO QUALIFICADA.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DISPOSIÇÕES DO ART. 226
DO CPP. RECOMENDAÇÃO LEGAL E NÃO EXIGÊNCIA. PROVAS
DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO.
REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO CABIMENTO. SÚMULA
7/STJ. ROUBO E EXTORSÃO. CONTINUIDADE DELITIVA
INAPLICÁVEL. CRIMES DE ESPÉCIES DISTINTAS.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que as
disposições insculpidas no art. 226 do CPP configuram uma recomendação
legal, e não uma exigência, não se cuidando, portanto, de nulidade quando
praticado o ato processual (reconhecimento) de modo diverso.
2. Conforme consignado pela Corte de origem, o ato judicial repressivo não
foi prolatado com fundamento unicamente no reconhecimento fotográfico
dos envolvidos, mas também com esteio em todas as provas produzidas,
colhidas na fase do inquérito policial e judicial, circunstância que afasta a
nulidade alegada. Assim, houve fundamentação concreta para a condenação
do acusado, em que o Tribunal a quo, diante das provas dos autos, concluiu
pela autoria e materialidade do delito. Assim, rever os fundamentos
utilizados pela Corte estadual, para concluir pela absolvição, em razão da
ausência de provas para a condenação, como requer a parte recorrente,
importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso
especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.
3. É inviável o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes
de roubo e de extorsão, por se tratarem de delitos de espécies distintas, ainda
que cometidos no mesmo contexto temporal (HC 552.481/SP, Rel. Ministro
JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe
02/03/2020).
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.641.748/MG,
relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
18/8/2020, DJe de 24/8/2020)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE DO RECONHECIMENTO
PESSOAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E
356 DO STF. CONDENAÇÃO LASTREADA EM PROVAS COLHIDAS
TANTO NO INQUÉRITO QUANTO JUDICIALMENTE. VIOLAÇÃO DO
ART. 155 DO CPP. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. REEXAME
PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AVAS
Nº 70085742377 (Nº CNJ: 0001337-14.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

1. Hipótese em que não houve o prequestionamento do art. 226 do CPP -


reconhecimento pessoal realizado sem observância das formalidades legais -,
tendo a defesa deixado de opor embargos de declaração para exame da
matéria, de forma que incidem as Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Não fora isso, tendo o acórdão concluído que os elementos
informativos do inquérito, em especial a palavra das vítimas, foram
corroborados pela prova colhida judicialmente, sob o crivo do
contraditório, mormente os depoimentos dos policiais e a confissão do
acusado, e que tais elementos seriam suficientes para a comprovação da
autoria e da materialidade, não há falar em violação do art. 155 do CPP.
3. Outrossim, o acolhimento da tese recursal, no sentido da insuficiência
de provas, demandaria necessário revolvimento de provas, o que,
conforme destacado na decisão agravada, encontra óbice na Súmula 7
desta Corte.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 1.924.674/DF, relator Ministro Olindo Menezes
(Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em
5/4/2022, DJe de 7/4/2022; grifou-se)

Fundamentação deficiente

O Recorrente não indicou os dispositivos legais que teriam sido violados


pelo acórdão relativamente ao pedido de readequação da pena de multa, o que atrai a Súmula
284 do Supremo Tribunal Federal aplicável ao recurso especial interposto com base na alínea
a do artigo 105, inciso III, da Constituição da República, a cujo teor “é inadmissível o
recurso extraordinário, quando a deficiência da fundamentação não permitir a exata
compreensão da controvérsia”.

Nesse sentido, citam-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


1. ENUNCIADOS N. 7 E 83 DA SÚMULA DO STJ E 283 E 284 DA
SÚMULA DO STF NÃO REBATIDOS. 2. FALTA DE
IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE
INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 182 DA
SÚMULA DO STJ. 3. DISPOSITIVOS VIOLADOS NÃO
APONTADOS. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INCIDÊNCIA
DO ENUNCIADO N. 284 DA SÚMULA DO STF. 4. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
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1. Inicialmente, cumpre observar que a defesa continua a não rebater os


fundamentos da inadmissão do recurso: os enunciados n. 7 e 83 da
Súmula do STJ e os enunciados n. 283 e 284 da Súmula do STF; no
mais, apenas reitera os temas trazidos no recurso especial.
2. Desse modo, não se desincumbiu o recorrente do ônus de impugnar os
fundamentos da decisão de inadmissibilidade, atraindo para o caso a
incidência da Súmula n. 182/STJ, que firma o entendimento segundo o
qual é inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada. Com efeito, esta
Corte Superior tem reiteradamente decidido que os recursos devem
impugnar, de maneira específica e pormenorizada, os fundamentos da
decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos. Não são
suficientes meras alegações genéricas sobre as razões que levaram à
inadmissão do agravo ou do recurso especial ou a insistência no mérito
da controvérsia.
3. Ainda que assim não fosse, o agravante não apontou quais
dispositivos teriam sido violados, o que revela fundamentação
deficiente, inviabilizando, assim, o conhecimento do recurso. Como é
cediço, "a admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação
dos dispositivos supostamente vulnerados, o que não se observou na
hipótese em testilha, circunstância que atrai a incidência da Súmula nº
284/STF devido à deficiência na fundamentação do pedido" (AgRg no
Resp n. 1.359.695/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma,
julgado em 19/10/2017, DJe 27/10/2017).
4. Agravo regimental a que se nega conhecimento. (AgRg no AREsp
1631755/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 19/03/2020; grifou-se)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA.


NULIDADE. SÚMULA N. 284 DO STF. DECISUM DE ACORDO
COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PROVA INQUISITORIAL EM
HARMONIA COM A CONFISSÃO DO RÉU EM JUÍZO.
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há violação do art. 155 do CPP quando a confissão do réu,
produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, está em
harmonia com os elementos indiciários.
2. A ausência de indicação dos dispositivos de lei federal violados faz
incidir a Súmula n. 284 do STF, por falta de fundamentação do apelo
raro. Ademais, inviável a concessão de habeas corpus de ofício quando o
acórdão foi prolatado nos termos da jurisprudência desta Corte.
3. O órgão julgador, com base no princípio do livre convencimento
motivado, não está atrelado à manifestação do Parquet exarada em
alegações finais, em contrarrazões recursais ou mesmo como custos
legis.

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4. Em processo por crime doloso contra a vida, caso existam incertezas


a respeito da dinâmica dos fatos, não é facultado ao juízo singular
dirimi-las, visto que a competência para tanto é do juiz natural da
causa, valer dizer, do Tribunal do Júri.
5. Na hipótese, a Corte de origem consignou que "o recorrente confirma
que atirou um tijolo na pessoa do ofendido (em que pese alegar que não
atingiu a vítima), o que evidencia, ao menos de forma indiciária, a
participação do mesmo no contexto delitivo" (fl. 394).
6. Assim, não há como afastar o impedimento da Súmula n. 7 do STJ,
pois o reconhecimento da legítima defesa ou da despronúncia por esta
Corte exige o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado em apelo
raro.
7. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1590847/TO, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
26/11/2019, DJe 02/12/2019; grifou-se)

Agravante

Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a agravante prevista no art. 61,


II, ‘b’, do CP é aplicável aos casos em que determinado delito é praticado para facilitar ou
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, tal como se
deu na espécie” (AgRg no HC n. 614.828/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta
Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 2/12/2020), v.g.:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. USO DE


DOCUMENTO FALSO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUTODEFESA.
INVIABILIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA.
DOSIMETRIA. PRETENSÃO AO AFASTAMENTO DE MAUS
ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO QUE ULTRAPASSA O PERÍODO
DEPURADOR DE CINCO ANOS. PRINCÍPIO DA
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AGRAVANTE DO ART. 61, II, "B",
DO CP. INCIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal a quo consignou que somente quando o objeto ou o meio
forem absolutamente impróprios é que não se pune a conduta. Não é o caso,
pois o documento exibido pelo réu era apto a iludir e prejudicar direitos.
Desse modo, inviável a tese de crime impossível que só se caracteriza
quando o meio empregado pelo agente for absolutamente ineficaz para a
produção de resultado, o que não é o caso dos autos.
2. A utilização de documento falsificado, a fim de ocultar a condição de
foragido da justiça, como exercício da autodefesa, não é admitida por esta
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Corte Superior, independente de solicitação da autoridade policial para


apresentar o documento.
3. Conforme precedentes desta Corte, "é possível a exasperação da pena-
base com fulcro em condenações anteriores transitadas em julgado há mais
de 5 anos, porquanto, apesar de não espelharem a reincidência, pois
alcançadas pelo período depurador previsto no art. 64, inciso I, do Código
Penal, podem ser utilizadas para caracterizar os maus antecedentes do ré, 4.
A teor do art. 61, II, "b", do CP, é circunstância que sempre agrava a pena,
ter o agente cometido o crime para facilitar ou assegurar a impunidade de
outro crime. O Tribunal a quo assinalou que o condenado fez uso de
documento falso por esse motivo, o que justifica concretamente a incidência
da agravante.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 557.776/ES, relator
Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de
16/8/2021)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE USO


DE DOCUMENTO FALSO E RECEPTAÇÃO. ARTIGOS 180, 304 C/C
299, TODOS DO CÓDIGO PENAL - CP. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
INAPLICABILIDADE. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA - STJ. AGRAVANTE DO ART. 61, II, DO CÓDIGO PENAL.
INCIDÊNCIA. PRÁTICA DE UM DELITO PARA A ASSEGURAR A
EXECUÇÃO DE OUTRO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Tendo a instância ordinária, soberana na análise do conjunto probatório,
afastado a aplicação do princípio da consunção e entendido que a conduta do
recorrente se subsume aos tipos descritos nos arts. 180, 304 c/c 299, todos do
CP, pois o o uso do documento falso (CRLV) e a receptação não se
relacionam, não sendo possível afirmar que um figurou como meio
necessário para a consumação do outro, a alteração desse entendimento
demandaria incursão no universo fático-probatório da demanda.
2. A agravante do art. 61, II, b, do Código Penal é aplicável aos casos em
que determinado delito é praticado para facilitar ou assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, tal como se deu na
hipótese, pois o ora agravante fez uso de Certificado de Registro e
Licenciamento de Veículo (CRLV) ideologicamente falso com o fim de
burlar a fiscalização policial rodoviária e ocultar a prática do crime de
receptação.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.899.205/MS, relator
Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de
24/6/2021)

Órgão Julgador, na espécie, decidiu pela aplicação da aludida agravante,


conforme se lê do seguinte excerto do acórdão vergastado (fl. 1739/1739-verso):

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Na segunda etapa, incidente a todos a circunstância agravante prevista no


artigo 61, inciso II, alínea “b”, do Código Penal 41, ante a manifesta intenção,
ao subtrair o aparelho celular de Marivane, de assegurar a impunidade do
delito de extorsão majorada, o que se depreende não apenas do farto
conjunto probatório que instrui os autos, notadamente a revisitação da prova
oral, mas também de áudio extraído do aparelho celular de Leiser, contido
no vídeo elaborado pela Polícia Civil a partir dos 50min05seg, encaminhado
pelo próprio, evidenciando que a destruição de celulares dos ofendidos era
parte do modus operandi dos acusados, exatamente para que pudessem
“virar o Diabo” (fl. 51), sendo adequado e proporcional o aumento aplicado
pelo julgador monocrático de 1/6.

Incide, portanto, a Súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça.

Não fosse isso, reapreciar a aplicabilidade da agravante prevista no artigo 61,


inciso II, b, do Código Penal, “em vista da ausência dos elementos que a constituem” (fl.
1927), exige o reexame do contexto fático-probatório, o que esbarra na Súmula 7 do STJ, de
que é exemplo o seguinte julgado:

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL.


CORRUPÇÃO ATIVA. LAVAGEM DE ATIVOS. OMISSÃO DO
ACÓRDÃO APELATÓRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ADOÇÃO DE CRITÉRIOS
SUFRAGADOS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ILEGALIDADE.
NÃO INEXISTÊNCIA. CRIME CONTINUADO. CRITÉRIOS LEGAIS.
PENA PECUNIÁRIA. NÚMERO DE DIAS-MULTA E VALOR
UNITÁRIO. PROPORCIONALIDADE. ATENDIMENTO. MEDIDAS
CAUTELARES ALTERNATIVAS. DETRAÇÃO PENAL. VALOR
MÍNIMO INDENIZATÓRIO. NORMA DE CARÁTER HÍBRIDO.
APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA DA PENA. OVERRULING JURISPRUDENCIAL.
IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. AGRAVO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o
entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão
vergastada por seus próprios fundamentos.
II - Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os Embargos de
Declaração objetivam extirpar da decisão reprochada eventual ambiguidade,
obscuridade, contradição ou omissão. Os aclaratórios não constituem,
41
  Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o
crime: [...] II - ter o agente cometido o crime: [...] b) para facilitar ou assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

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segundo a iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores, via adequada


para a veiculação de mero inconformismo com os fundamentos de decidir.
III - A revisão, por este col. Superior Tribunal de Justiça, das premissas
utilizadas pelas instâncias ordinárias para individualização da penal, deve se
restringir às situações excepcionais, quando evidenciado primo ictu oculi a
violação das balizas estabelecidas pelo artigo 59 do Código Penal.
IV - Nos termos de reiterada jurisprudência deste eg. Tribunal Superior alta
escolaridade; a larga experiência profissional e a percepção de proventos
consideráveis são circunstâncias fáticas que, inerentes à pessoa do
recorrente, lhe impõem uma maior obrigação de se pautar conforme os
ditames legais e, portanto, aumentam a reprovabilidade subjetiva de
condutas ilícitas que venha a perpetrar, em especial aquelas praticadas com
objetivos patrimoniais.
V - O oferecimento e pagamento de quantias expressivas, especialmente
quando a empreitada criminosa se deu em meio a fraudes diversas, tais como
contratos e notas fiscais ideologicamente falsas, além da utilização de
empresas de fachada, constituem elementos acidentais que envolvem os
delitos de corrupção ativa e lavagem de dinheiro e, portanto, merecem maior
reprovabilidade.
VI - Ao fazer incidir a agravante prevista no artigo 61, inciso II, "b", do
Código Penal, o Tribunal de Apelação, soberano na análise do conjunto
fático-probatório, concluiu que os ativos ilegalmente reciclados tiveram
origem em delitos relacionados a fraudes licitatórias, e foram utilizados
para assegurar o pagamento de propina ofertada aos agentes públicos.
Portanto, apreciar a questão fora da moldura fática estampada no
acórdão objurgado, necessariamente, esbarraria no óbice referente da
Súmula 07 desta Corte Superior.
VII - No atinente à aplicação do parágrafo único do art. 333 do Código
Penal, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se em
reconhecer que "para desconstituir a conclusão das instâncias ordinárias a
respeito da prática da corrupção ativa majorada pelos réus, seria necessário o
amplo revolvimento de matéria fático-probatória, [...]" (AgRg no HC n.
529.935/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 19.11.2019),
providência que refoge ao escopo do recurso de direito estrito.
VIII - O art. 71, caput e parágrafo único, do Código Penal prevêem duas
modalidades de crime continuado. Enquanto na continuidade qualifica o
órgão julgador observará a quantidade de condutas praticadas em paralelo
como a culpabilidade do autor; na continuidade simples impera o chamado
critério objetivo puro, ou seja, a fração de exasperação é diretamente
proporcional ao número de reiterações delitivas.
IX - No que diz respeito à continuidade simples, "a jurisprudência desta
Corte é firme no sentido de que a fração referente à continuidade delitiva
deve ser firmada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se
o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5 para 3 infrações; 1/4 para 4
infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais
infrações" (AgRg no AREsp n. 1.377.172/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi
Cordeiro, DJe de 24.10.2019).
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X - O reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de corrupção


ativa e lavagem de dinheiro afigura-se inviável, pois, mesmo que se olvide o
fato de se tratarem de espécies delitivas distintas, eis que possuem
elementares típicas e objetividade jurídica totalmente distintas, o exame da
tese defensiva exigiria o afastamento das premissas fáticas esteares da
decisão reprochada, juízo que ultrapassa os propósitos do Recurso Especial.
XI - Fixado o número de dias-multa com arrimo no critério da
proporcionalidade em relação à sanção corpórea e, por outro lado, o
respectivo valor unitário, à vista das condições econômicas do acusado,
encontram-se atendidos os critérios previstos nos artigos 49 e 60 do Código
Penal.
XII - Com vistas a estabelecer novas balizas entre a necessidade de
resguardo do interesse social e a limitação ao excesso de poder estatal
(übermassverbot), as alterações no processo penal cautelar criaram um leque
com diversos mecanismos assecuratórios de natureza pessoal. Ocorre que
dentre essas nova medidas alternativas à prisão, apenas o recolhimento
domiciliar noturno e internação provisória, previstas nos incisos V e VII do
art. 319 do Código de Processo Penal, se compatibilizam com o instituto da
detração penal. Aplicação do artigo 42 do Código Penal.
XIII - Embora parte das condutas ilícitas e dos pagamentos indevidos
tenham ocorrido quando já se encontrava em vigor a atual redação do art.
387, inciso IV, do CPP, dada pela Lei 11.719/2008, com vacatio legis de 60
(sessenta) dias a contar de 23.6.2008, as instâncias ordinárias se valeram, em
parte que não restou determinada, de eventos e termos ocorridos em período
que precederam à inovação legislativa.
XIV - Por certo que eventual esforço decisório tendente a limitar o alcance
do critério objetivamente utilizado para fixação do valor indenizatório, ou
seja, os pagamentos ilicitamente realizados, apenas àquelas ocorrências
havidas a partir de 24.8.2008, data a que se chega pela aplicação do § 1º do
art. 8º, da Lei Complementar 95/1998, exigiria revolvimento do conjunto
probatório, em arrepio ao óbice sumular de n. 7/STJ. Por esses motivos se
afigura juridicamente mais adequado legar à instância cível a determinação
do quantum indenizatório e seus consectários legais, nos termos do art. 63 do
CPP.
XV - Com o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43;
44 e 54 pelo Excelso Pretório, novo overruling jurisprudencial ocorreu
quanto à possibilidade de execução da pena privativa de liberdade após a
extinção das vias recursais ordinárias. Destarte, assentada, com efeito
vinculante e eficácia erga omnes, a interpretação literal do art. 283 do
Código de Processo Penal, a prisão antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória restou limitada à possibilidade de decretação da prisão
preventiva. Por esse motivo, há de ser acolhido o pleito defensivo de
suspensão da execução antecipada da pena privativa de liberdade imposta ao
agravante.
Agravo Regimental conhecido e parcialmente provido. (AgRg no REsp n.
1.792.710/PR, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em
15/9/2020, DJe de 23/9/2020; grifou-se)
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Concurso de crimes

Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “os crimes de roubo e extorsão,


apesar de serem do mesmo gênero, são espécies delituosas diferentes, admitindo o concurso
material quando praticados no mesmo contexto fático. Precedentes” (AgRg no AREsp n.
1.930.118/TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de
20/5/2022).

Nesse sentido, citam-se os seguintes precedentes:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM


HABEAS CORPUS. EXTORSÕES QUALIFICADAS, EM
CONTINUIDADE DELITIVA, E EM CONCURSO MATERIAL COM
ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS CONSUMADOS. ALEGAÇÃO DE
ILEGALIDADE NA DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PEDIDO DE REDUÇÃO DO
NÚMERO DE CRIMES. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO-
PROBATÓRIO. PLEITO DE CONSUNÇÃO DOS CRIMES.
COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS.
1. Como houve concreta fundamentação, não há também como esta Corte
intervir no sentido de reduzir a pena imposta, já que fixada com
razoabilidade e de acordo com as provas dos autos.
2. Se o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de
violência ou grave ameaça, a constrange a entregar o cartão bancário e
a respectiva senha para sacar dinheiro de sua conta corrente, ficam
configurados ambos os delitos, roubo e extorsão, em concurso material.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 763.413/SP, relator
Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe
de 2/12/2022; grifou-se)

PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS


CORPUS. ROUBO E EXTORSÃO. NULIDADE DO INQUÉRITO E
ABSOLVIÇÃO POR CARÊNCIA DE PROVAS. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. TEMAS VENTILADOS NA REVISÃO CRIMINAL.
DECISÃO MONOCRÁTICA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691/STF.
PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE.
CONTINUIDADE DELITIVA. DELITOS DISTINTOS. BÁSICAS JÁ
FIXADAS NO MÍNIMO LEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
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1. Conforme o reconhecido no decisum ora impugnando, quanto ao pleito


absolutório pela nulidade do reconhecimento realizada em sede policial e de
reconhecimento da nulidade por alegada ausência de audiência prévia entre
defesa e o réu, em que pesem os esforços defensivos, verifica-se que os
temas não foram objeto de cognição pela Corte de origem, o que obsta sua
apreciação por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida
supressão de instância.
Precedentes.
2. Esta Corte possui entendimento pacificado no sentido de que não cabe
habeas corpus contra decisão que indefere pedido liminar, salvo em casos de
flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada (Súmula
691/STF). Tal entendimento também se aplica à hipótese em que o recurso
ordinário é interposto de writ julgado por decisão unipessoal da qual era
cabível o manejo de recurso para órgão colegiado.
3. No caso, se as matérias restaram ventiladas apenas em sede de revisão
criminal, a qual foi indeferida liminarmente, sem a interposição de agravo
regimental, impõe-se reconhecer o óbice da Súmula 691/STF.
4. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam
a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do
conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
5. Descabe falar em crime único, pois "é firme o entendimento desta
Corte Superior de que ficam configurados os crimes de roubo e
extorsão, em concurso material, se o agente, após subtrair bens da
vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a
entregar o cartão bancário e a respectiva senha, para sacar dinheiro de
sua conta corrente" (AgRg no AREsp n. 1.557.476/SP, relator Ministro
Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/2/2020, DJe de 21/2/2020.).
6. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, não há continuidade
delitiva entre os delitos de roubo e extorsão, porque de espécies
diferentes, não sendo, de igual modo, possível reconhecer o concurso
formal de crimes.
7. Quanto à dosimetria, importante destacar que a individualização da pena,
como atividade discricionária do julgador, está sujeita à revisão apenas nas
hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, quando não observados os
parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade.
8. No caso, percebe-se que a pena-base do crime de extorsão qualificada foi
estabelecida no mínimo legal, já que a Corte de origem readequou a
reprimenda no julgamento do apelo. De igual modo, quanto ao crime de
roubo, a pena restou fixada no patamar mínimo previsto no preceito
secundário do tipo penal, qual seja, 4 anos de reclusão.
9. Agravo desprovido. (AgRg no HC n. 756.355/SP, relator Ministro Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 4/11/2022; grifou-se)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. ROUBO MAJORADO E
EXTORSÃO QUALIFICADA. CONDUTAS DIVERSAS. DELITOS
AUTÔNOMOS. INCABÍVEL O RECONHECIMENTO DO CRIME
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AVAS
Nº 70085742377 (Nº CNJ: 0001337-14.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

ÚNICO. APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL. PRECEDENTES


DO STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o
entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão
vergastada por seus próprios fundamentos.
II - "É firme o entendimento desta Corte Superior de que ficam configurados
os crimes de roubo e extorsão, em concurso material, se o agente, após
subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a
constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha, para sacar
dinheiro de sua conta corrente" (AgRg no AREsp n. 1.557.476/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 21/02/2020).
Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.931.204/SP, relator
Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de
26/5/2021)

Câmara Julgadora, in casu, rechaçou o pedido do Recorrente de


reconhecimento de crime único e/ou concurso formal entre os delitos de roubo e extorsão,
consoante se lê do seguinte excerto do acórdão vergastado (fls. 1731/1731-verso):

Resta o enfrentamento de pedido formulado pela defesa técnica de


Gilberto, consistente no reconhecimento de crime único entre os 1º e 2º
fatos (extorsão majorada e roubo majorado) ou o concurso formal entre
ambos, afastando-se o concurso material.
Ocorre que as circunstâncias demonstradas no curso da instrução
processual indicam a autonomia dos desígnios dos agentes, que se
deslocaram à propriedade rural dos ofendidos no intuito de perpetrar o delito
de extorsão. Durante a execução do 1º fato, enquanto os réus exerciam
violência física contra Oldemar, sua esposa tentou iniciar gravação de vídeo
para registrar os acontecimentos, quando, então, os inculpados decidiram
dela subtrair o aparelho celular, a fim de assegurar a impunidade do primeiro
ilícito subtrativo.
Inviabilizada, portanto, a incidência de crime único, ao passo que a
tese de concurso formal se revela destoante das provas produzidas, que não
deixam margem a questionamentos no sentido de terem sido os crimes
patrimoniais em questão praticados através de, no mínimo, duas ações,
manifesto o concurso material entre os ilícitos.

Portanto, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do


Superior Tribunal de Justiça, o que atrai a incidência da Súmula 83 do Superior Tribunal de
Justiça.

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Ademais, rever as conclusões da Câmara Julgadora acerca da configuração


de ações distintas e da existência de desígnios autônomos, a fim de afastar o concurso
material, exige o reexame do contexto fático-probatório, o que esbarra, mais uma vez, na
Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

A esse propósito:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO E EXTORSÃO.
CONDUTAS PRATICADAS NO MESMO CONTEXTO FÁTICO.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. AFASTAMENTO. REEXAME DO
CONTEXTO FÁTICO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. No recurso especial, sustenta o Parquet ser imprópria a aplicação do
princípio da consunção ao caso, porquanto que não haveria crime único e,
sim, concurso material entre os delitos de extorsão qualificada (art. 158, § 3º,
do CP) e roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II, do CP).
2. Tendo a Corte de origem, ao analisar as provas constantes nos autos,
entendido que os crimes teriam ocorrido no mesmo contexto fático, não há
como modificar o acórdão atacado, em razão da necessidade de incursão no
contexto probatório, óbice intransponível nos termos da Súmula n. 7/STJ.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 399.982/MG, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe
19/11/2015)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO PRÓPRIO.


INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E
EXTORSÃO QUALIFICADA. CRIME ÚNICO. CONSUNÇÃO ENTRE
OS DELITOS. INVIABILIDADE. CONCURSO FORMAL. CRIMES
PRATICADOS MEDIANTE MAIS DE UMA AÇÃO, COM DESÍGNIOS
AUTÔNOMOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO.
CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE ROUBO E EXTORSÃO.
INVIABILIDADE. CRIMES DE ESPÉCIES DISTINTAS. CONCURSO
MATERIAL MANTIDO. TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA DO
CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. AUMENTO EM FRAÇÃO
SUPERIOR À MÍNIMA LEGAL. CRITÉRIO QUANTITATIVO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 443/STJ. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL CONFIGURADO. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO E
SUBJETIVAS COMUNS AO PACIENTE E AO CORRÉU. ART. 580 DO
CPP. EXTENSÃO DOS EFEITOS. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO, COM EXTENSÃO
DOS EFEITOS EM FAVOR DO CORRÉU.

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1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção


deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva
do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato
ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a
possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante
ilegalidade. 2. A extorsão não é meio necessário para a prática do crime de
roubo, tampouco o inverso, razão pela qual resulta inviável a aplicação do
princípio da consunção entre os referidos delitos.
3. Hipótese em que a Corte local assentou que os crimes de roubo
circunstanciado e extorsão qualificada foram praticados mediante ações
diversas e sucessivas, com desígnios autônomos, o que impossibilita o
reconhecimento do concurso formal. Entendimento em sentido
contrário demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório,
inviável na via estreita do writ. Precedentes.
4. Não é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes
de roubo e extorsão, pois embora sejam delitos do mesmo gênero, são de
espécies distintas, o que inviabiliza a aplicação da regra contida no art. 71 do
Código Penal. Precedentes.
5. "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo
circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a
sua exasperação a mera indicação do número de majorantes" (Sumula
443/STJ). Hipótese em que o Tribunal a quo limitou-se a indicar a existência
de três majorantes para aumentar a pena do crime de roubo em patamar
superior à fração mínima.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para
redimensionar a pena do paciente, com extensão dos efeitos em relação ao
corréu. (HC 409.602/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 27/09/2017;
grifou-se)

3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE GILBERTO SILVA RIBEIRO


(FLS. 1814/1871)

Repercussão geral

Recorrente cumpriu o disposto no artigo 102, § 3º, da Constituição da


República, ao alegar, formal e fundamentadamente, a existência de repercussão geral. Está,
portanto, preenchido o requisito extrínseco de admissibilidade do recurso extraordinário, nos
termos do artigo 1.035, § 2º, do Código de Processo Civil.

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Violação ao artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da


República. Tema 660 do STF

No julgamento do ARE 748.371 RG/MT, Supremo Tribunal Federal decidiu


que a impugnação das decisões judiciais mediante recurso extraordinário depende,
“fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o
Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos
fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na
interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites
da construção jurisprudencial” [grifou-se].

Assim, firmou-se jurisprudência no sentido de que o exame do “tema


relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da
coisa julgada e do devido processo legal” não possui repercussão geral quando o
“julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas
infraconstitucionais” (ARE 748371 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/06/2013,
Acórdão Eletrônico DJe-148 Divulg 31-07-2013 Public 01-08-2013).

Conseguinte, a violação aos princípios constitucionais, na esteira do


suscitado pelo Recorrente, não constitui afronta direta à norma constitucional, mas, sim,
ofensa reflexa decorrente da interpretação dos dispositivos legais atinentes à matéria.

A esse respeito, citam-se os seguintes julgados:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INSUFICIÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE
REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULAS 282 E 356 DO STF. APLICABILIDADE DOS TEMAS 339 E
660 DA REPERCUSSÃO GERAL OFENSA CONSTITUCIONAL
MERAMENTE REFLEXA. REEXAME DE PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.

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1. Os Recursos Extraordinários somente serão conhecidos e julgados,


quando essenciais e relevantes as questões constitucionais a serem
analisadas, sendo imprescindível ao recorrente, em sua petição de
interposição de recurso, a apresentação formal e motivada da repercussão
geral, que demonstre, perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a
existência de acentuado interesse geral na solução das questões
constitucionais discutidas no processo, que transcenda a defesa puramente de
interesses subjetivos e particulares.
2. A obrigação do recorrente em apresentar formal e motivadamente a
preliminar de repercussão geral, que demonstre sob o ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, a relevância da questão
constitucional debatida que ultrapasse os interesses subjetivos da causa,
conforme exigência constitucional e legal (art. 102, § 3º, da CF/88, c/c art.
1.035, § 2º, do CPC/2015), não se confunde com meras invocações
desacompanhadas de sólidos fundamentos no sentido de que o tema
controvertido é portador de ampla repercussão e de suma importância para o
cenário econômico, político, social ou jurídico, ou que não interessa única e
simplesmente às partes envolvidas na lide, muito menos ainda divagações de
que a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é incontroversa
no tocante à causa debatida, entre outras de igual patamar argumentativo.
3. Quanto à alegação de afronta aos arts. 5º, LIV, LV, LVII e XLV, da
CF/1988, o apelo extraordinário não tem chances de êxito, pois esta
CORTE, no julgamento do ARE 748.371-RG/MT (Rel. Min. GILMAR
MENDES, Tema 660), rejeitou a repercussão geral da alegada violação
ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou aos
princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, quando se mostrar imprescindível o exame de normas de
natureza infraconstitucional.
[...]
9. Agravo Regimental a que se nega provimento. (ARE 1369777 AgR,
Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em
11/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 18-04-2022
PUBLIC 19-04-2022; grifou-se)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL E


PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE
SEQUESTRO. ARTIGO 159, § 1º, DO CÓDIGO PENAL.
COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAMENTO
MONOCRÁTICO DO FEITO. PRECEDENTES. ALEGADA
VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA
AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. OFENSA REFLEXA
AO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA
VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO. PRINCÍPIO
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS
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AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. VIOLAÇÃO AO


ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. (RE 1249113 AgR, Relator(a): LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 03/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
058 DIVULG 13-03-2020 PUBLIC 16-03-2020; grifou-se)

Reexame de prova

Quanto à violação ao princípio da presunção de inocência, a apreciação da


alegação de insuficiência de provas para a condenação exige o reexame do contexto fático-
probatório, o que esbarra na Súmula 27942 do Supremo Tribunal Federal.

A esse propósito, citam-se os seguintes precedentes:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRAVENÇÃO
PENAL. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. ARTIGO 47 DO DECRETO
LEI 3.688/1941. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5º, LIV E LV,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA,
DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA
REFLEXA AO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO
DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
ALEGADA OFENSA AO ARTIGO 5º, XII E LVII, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. DIREITO DE PROPRIEDADE E PRINCÍPIO DO IN DUBIO
PRO REO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
AUTORIA E MATERIALIDADE. REEXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO CARREADO AOS AUTOS.
IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (ARE 1116513 AgR, Relator(a): 
Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/06/2018, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 26-06-2018 PUBLIC 27-06-2018;
grifou-se)

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015.
REVISÃO CRIMINAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE.
INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO
ÓRGÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º,
XLVI e LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DEVIDO
PROCESSO LEGAL. LEGALIDADE E INDIVIDUALIZAÇÃO DA
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“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”
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PENA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SÚMULA 279/STF.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO.
AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015.
1. Inexiste violação do art. 93, IX, da Constituição Federal. A jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o referido dispositivo
constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões do
seu convencimento, desnecessário o exame detalhado de cada argumento
suscitado pelas partes.
2. O entendimento adotado na decisão agravada reproduz a jurisprudência
firmada no Supremo Tribunal Federal. O exame da alegada ofensa ao art. 5º,
XLVI e LVII, da Lei Maior, observada a estreita moldura com que devolvida
a matéria à apreciação desta Suprema Corte, dependeria de prévia análise da
legislação infraconstitucional aplicada à espécie, bem como do revolvimento
do quadro fático delineado na origem, o que refoge à competência
jurisdicional extraordinária prevista no art. 102 da Magna Carta.
3. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os
fundamentos que lastrearam a decisão agravada.
4. Agravo interno conhecido e não provido.
(ARE 1078005 AgR, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma,
julgado em 18/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 06-
02-2018 PUBLIC 07-02-2018; grifou-se)

ARE 1207349 / RS - RIO GRANDE DO SUL


RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO
Julgamento: 17/05/2019
Publicação: 22/05/2019
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 21/05/2019 PUBLIC
22/05/2019
Partes
RECTE.(S) : ERNI ANGELO MAINARDI ADV.(A/S) : FELIPE
MOREIRA DA SILVA ADV.(A/S) : LUCIO SANTORO DE
CONSTANTINO RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL INTDO.(A/S) :
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA
Decisão
DECISÃO:

SGS/RB 70
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Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que inadmitiu recurso


extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, assim ementado:

“APELAÇÃO CRIME. JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES.


CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA.
Apelo interposto e conhecido, nos termos do art. 593, inciso III,
alíneas "a" e "c", do CPP.
Alínea "a". Violação ao artigo 422 do Código de Processo Penal, pois
foi ouvida uma testemunha após a decisão de pronúncia e antes do
julgamento em plenário, além de inovar a ordem de produção de
prova. Considerando que a defesa ao ser intimada sobre a oitiva da
testemunha não impugnou oportunamente, a matéria restou preclusa.
Violação ao princípio da paridade de armas. Alegação de que, se
foi permitida a oitiva de testemunha da acusação, contrariando o
procedimento e surpreendendo a defesa, também deveria ter sido
deferido o pedido defensivo. Do mesmo modo, levando-se em conta
que a defesa deixou de se manifestar por ocasião do julgamento (art.
571, inc. V, do CPP), preclusa ficou a matéria. Ademais, ausente
demonstração de prejuízo quanto a qualquer das duas alegações,
inocorrente nulidade (art. 563 do CPP). Nulidades rejeitadas. Nulidade
por cerceamento de defesa, pois o réu, na data do julgamento, estava
internado em hospital, entretanto, embora o pedido da defesa, a sessão
não foi adiada, inviabilizando a defesa pessoal do acusado. Justificada
a ausência do réu por motivo de força maior, como informado na
abertura da sessão pela defesa e comprovado, documentalmente, ainda
no decorrer da sessão, sendo manifestada, por meio de seu defensor, a
vontade do acusado de estar presente ao julgamento para ser ouvido e
dar sua versão sobre os fatos, imperativo era o adiamento do
julgamento (art. 457,§ 1°, do CPP). Prejuízo à defesa pessoal do réu
demonstrado. Nulidade reconhecida. Apelo parcialmente provido.”

O recurso busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A


parte recorrente alega violação ao art. 5º, LV, da CF. Aduz que “o
deferimento e a oitiva de testemunha após a sentença de pronúncia e antes do
Plenário é situação processual totalmente inviável, pois afronta o
procedimento estabelecido em lei, que dispõe que após a pronúncia as
testemunhas serão arroladas para serem ouvidas perante o plenário do júri
(artigo 422 do Código de Processo Penal)”.
O recurso é inadmissível, tendo em vista que, por ausência de questão
constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou preliminar de
repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos
princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e
do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes -
Tema 660).
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No caso, a parte recorrente se limita a postular a análise da legislação


infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do
material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase
processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula
279/STF.
Quanto à necessidade de reavaliação dos fatos subjacentes, confiram-se
os seguintes trechos do voto condutor do acórdão ora recorrido:
“[...]
No que diz respeito às duas primeiras nulidades, [1] violação ao artigo
422 do Código de Processo Penal, pois foi ouvida uma testemunha
após a decisão de pronúncia e antes do julgamento em plenário, além
de inovar a ordem de produção de prova, e [2] violação ao princípio
da paridade de armas, alegando que se foi permitida a oitiva de
testemunha da acusação, contrariando o procedimento e
surpreendendo a defesa, também deveria ter sido deferido o
pedido defensivo, ambas foram examinadas com propriedade (…)
[…]
Como efeito, ambas alegações de nulidade já foram exaustivamente
rechaçadas, não havendo muito mais a ser dito, mas somente ratificar
que se tratam de questões preclusas. A primeira, porque a defesa
intimada da inquirição, não a impugnou, e, a segunda, porque a defesa
deixou de se manifestar por ocasião do julgamento, como deveria, na
forma do art. 571, inc. V, do Código de Processo Penal. Ademais,
sabe-se que o novo defensor recebe os autos na situação em que se
encontram.
Além disso, ausente demonstração de prejuízo pela defesa quanto a
qualquer das duas alegações, inocorrente nulidade, nos termos do
artigo 563 do Código de Processo Penal, que se encontra em plena
vigência (…)
[...]” [...]
Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao
recurso.
Publique-se.
Brasília, 17 de maio de 2019.
Ministro Luís Roberto Barroso

4. RECURSOS ESPECIAIS DE GILBERTO SILVA RIBEIRO (FLS.


1964/1994 E FLS. 1997/2027) E RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO DE
DENILSON BERNARDI MARTINS (FLS. 2030/2035 E FLS. 2037/2041)

Os recursos são intempestivos.


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A intimação dos Recorrentes da decisão que julgou os embargos infringentes


ocorreu em 16 de dezembro de 2022, sexta-feira, por meio da Nota de Expediente nº
195/2022, disponibilizada em 15 de dezembro de 2022 (fl. 1956).

O prazo, dessa forma, iniciou-se em 19 de dezembro de 2022, segunda-feira,


e encerrou-se em 02 de janeiro de 2023, segunda-feira, sendo que, em face do ATO nº
256/2022-CGJ, deste Tribunal de Justiça, que suspendeu o expediente forense entre 20 de
dezembro de 2022 a 06 de janeiro de 2023, teve o vencimento prorrogado para o primeiro
dia útil subsequente ao término do aludido período, ou seja, 09 de janeiro de 2023.

Os recursos, contudo, somente foram protocolados neste Tribunal, (I) no dia


25 de janeiro de 2023 (fls. 1963 e 1996), pela defesa do réu GILBERTO SILVA RIBEIRO e
(II) no dia 02 de fevereiro de 2023, pela defesa do réu DENILSON BERNARDI MARTINS
(fls. 2029 e 2036), depois de esgotado o prazo recursal.

De efeito, os processos criminais que envolvam réus presos não têm os


prazos suspensos no período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, na esteira
dos artigos 798 e 798-A, inciso I, do Código de Processo Penal.

Nessa senda, Supremo Tribunal Federal já decidiu que “os prazos, no


processo penal, são contínuos e peremptórios, não sofrendo suspensão ou interrupção em
decorrência de recesso judiciário” (RHC 201479, Relator MARCO AURÉLIO, Primeira
Turma, julgado em 21/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123, DIVULG 24-06-
2021 PUBLIC 25-06-2021).

Da mesma forma, Superior Tribunal de Justiça assentou que, "em matéria


penal, não há a automática suspensão dos prazos processuais no recesso forense, senão
mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao término do
aludido período, não se aplicando o Código de Processo Civil - CPC à hipótese, mas sim, o
art. 798 do Código de Processo Penal - CPP, em razão do princípio da especialidade"
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Nº 70085742377 (Nº CNJ: 0001337-14.2023.8.21.7000)
2023/CRIME

(AgRg no REsp n. 2.017.960/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado
em 19/12/2022, DJe de 22/12/2022; grifou-se).

Ante o exposto, (I) NÃO ADMITO os recursos especiais de fls. 1873/1928,


1964/1994, 1997/2027 e 2030/2035, (II) NÃO ADMITO o recurso extraordinário de fls.
2037/2041 e (III) NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário de fls. 1814/1871, tendo
em vista o ARE 748.371/MT (TEMA 660 do STF), e (IV) NÃO ADMITO o aludido recurso
em relação à questão remanescente.

Intimem-se.

DES. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA,


2º VICE-PRESIDENTE.

SGS/RB 74

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