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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RGL
Nº 70084482041 (Nº CNJ: 0086563-89.2020.8.21.7000)
2020/CRIME

APELAÇÃO CRIME. CRIME DE


RESPONSABILIDADE. ART. 1º, INC. XIII,
DECRETO-LEI 201/67. PREFEITO MUNICIPAL.
REUNIÃO DE PROCESSOS. INADMISSIBILIDADE.
NOMEAÇÃO DE SERVIDOR PARA CARGO DE
FISCAL AMBIENTAL COM INOBSERVÂNCIA DO
DISPOSTO NAS LEIS MUNICIPAIS N.° 2.078/2013 E
N.° 696/1991. CRIME DE MERA CONDUTA.
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.
DOSIMETRIA DA PENA ALTERADA.
I – A mera menção dos números dos processos, sem
apresentar qualquer fundamento e/ou documentos capazes
de demonstrar a conexão entre os feitos, nos termos do art.
71, do CP, não é suficiente para amparar o pleito. Ademais,
verifica-se através da movimentação processual, os
processos estão em fases processuais distintas.
II – O dispositivo constitucional é claro ao determinar que a
investidura em cargo público depende de aprovação prévia
em concurso público, de provas ou de provas e títulos, de
acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego. Além disso, prevê que admissões diretas devem
respeitar a forma prevista em lei.
III - Restou provado que o ex-prefeito do Município de
Sertão designou C. A. F. para o cargo de Fiscal Ambiental,
em inobservância às regras ditadas pela Lei nº 2.078/2013 e
Lei Municipal nº 696/1991, visto que a contratação ocorreu
sem a realização de concurso público e tampouco havia
previsão legal para a contratação emergencial e temporária
para o cargo. Além disso, o contratado sequer possuía a
qualificação técnica para ocupar o cargo, fato admitido pelo
réu e confirmado por C. A. F.. E isso basta para a
configuração do ilícito, não sendo necessário que se
comprove que a nomeação irregular visava, por vias
transversas, gerar vantagens indevidas para terceiros.
IV - O dolo de ferir o fundamento constitucional de acesso
ao serviço público restou configurado e, por isso, a
condenação deve ser mantida, como bem posta, não havendo
que se perquirir o prejuízo material à Administração, por se
tratar de crime formal, consumando-se com a publicação do
ato de nomeação e renovação do contrato
emergencial/temporário. O bem jurídico tutelado é,
essencialmente, a moralidade administrativa e a
impessoalidade, não o patrimônio público.
V – Havendo a nomeação de servidor contra expressa
determinação legal, configura-se o crime de
responsabilidade denunciado, incorrendo o réu nas sanções
do art. 1º, inciso XIII, do Decreto-Lei nº 201/1967.
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VI – Ausentes elementos probatórios capazes de ensejar a


condenação em relação aos incisos I, II, III e X, do art. 1º, do
Decreto-Lei nº 201/1967.
VII – Mantida a condenação tão somente em relação a
conduta delitiva tipificada no inc. XIII, do art. 1º, do
Decreto-Lei nº 201/67, o apenamento restou modificado,
visto que a pena prevista para este delito é de detenção, de
três meses a três anos.
VIII - Manutenção da exasperação da pena base, haja vista
que o réu ostenta antecedente criminal.
IX - O agente praticou duas ações distintas, em momentos
que resultaram em mais de um crime, razão pela qual
mantido o concurso material reconhecido na sentença.
RECURSO PROVIDO EM PARTE.

APELAÇÃO CRIME QUARTA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70084482041 (Nº CNJ: 0086563- COMARCA DE GETÚLIO VARGAS


89.2020.8.21.7000)

MINISTERIO PUBLICO APELADO

MARCELO D'AGOSTINI APELANTE

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento para manter a
condenação relativamente ao disposto no inc. XIII, do Decreto-Lei nº 201/67,
redimencionando a pena privativa de liberdade para 01 (um) ano de detenção, a ser cumprida
em regime aberto, bem como substituir a pena corporal por uma pena restritiva de direito de
prestação de serviços à comunidade.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE E
REVISOR) E DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO.

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Porto Alegre, 11 de fevereiro de 2021.

DES. ROGÉRIO GESTA LEAL,


Relator.

RELATÓRIO
DES. ROGÉRIO GESTA LEAL (RELATOR)
Trata-se de apelação interposta pelo réu Marcelo D’Agostini contra
sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Getúlio Vargas que o condenou
como incurso nas sanções do art. 1º, incisos I, II, III, X e XIII, todos do Decreto-Lei nº
201/67, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, em
regime semiaberto, em virtude da prática dos seguintes fatos:
1° FATO:
No período compreendido entre 11/12/2013 e 20/12/2013, nas dependências
da Prefeitura Municipal do Sertão, o denunciado Marcelo D'Agostini
desviou rendas públicas em proveito alheio, contratando, em caráter
excepcional e temporário, Carlos Antônio Franceschi, para o exercício do
cargo de Fiscal Ambiental do Município de Sertão, conforme Contrato
Administrativo de Serviço Temporário n.° 094/2013 (fl. 140-1),
contrariando a Lei Municipal n.° 2.078/2013 (fls. 138-9) e a Lei Municipal
n.° 696/1991 (artigos 180/192), tudo em desacordo com expresso Parecer
Jurídico, emitido pela Unidade de Controle Interno do Poder Executivo
Municipal (fl. 16).
Na ocasião, o denunciado, após ser cientificado formal e expressamente
pela Unidade de Controle Interno do Poder Executivo Municipal (fl. 16) de
que Carlos Antônio Franceschi não tinha qualificação técnica compatível
com as exigências do cargo de Fiscal Ambiental Municipal, uma vez que
não preenchia os requisitos previstos no Anexo I da Lei Municipal n.°
2.078/2013, pois era guardado apenas em Ciências Econômicas, sem
qualificação na área afeta à matéria ambiental, contratou-o com violação
expressa das referidas leis.
Assim agindo, desviou as rendas relativas ao pagamento da remuneração
(Padrão 09, da Classe “A”, do Plano de Pagamento de Cargos e Salários
do Município), durante o período de vigência do contrato (20/12/2013 a
17/06/2014), em benefício de Carlos Antônio Franceschi e em prejuízo ao
erário.

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Dessa forma, o denunciado, além de nomear/admitir/designar o servidor


Carlos Antônio Franceschi contra expressa disposição das Leis Municipais
n.° 2.078/2013 (fls. 138-9) e n.° 696/1991 (artigos 180 e 192), desviou
rendas públicas e as utilizou/aplicou, indevidamente, em proveito alheio,
deixando de destiná-las à contratação de profissionais com qualificação
técnica para o exercício do cargo de Fiscal Ambiental Municipal,
beneficiando indevidamente Carlos Antônio Franceschi.
O delito foi praticado com violação dos deveres para com a Administração
Pública, já que o denunciado afrontou os princípios constitucionais da
legalidade, moralidade, probidade, economicidade e isonomia, por razões
desvinculadas do interesse público.

2° FATO:
No período compreendido entre 18/06/2014 e 14/12/2014, nas dependências
da Prefeitura Municipal do Sertão, o denunciado Marcelo D'Agostini
desviou rendas públicas em proveito alheio, prorrogando a contratação, em
caráter excepcional e temporário, de Carlos Antônio Franceschi, para o
exercício do cargo de Fiscal Ambiental do Município de Sertão, conforme
Aditivo Contratual ao Contrato Administrativo de Serviço Temporário n.°
094/2013 (fl. 142), contrariando a Lei Municipal n.° 2.078/2013 (fls. 138-9)
e a Lei Municipal n.° 696/1991 (artigos 180 e 192), tudo em desacordo com
expresso Parecer Jurídico emitido pela Unidade de Controle Interno do
Poder Executivo Municipal (fl. 16).
Na ocasião, o denunciado, após ser cientificado formal e expressamente
pela Unidade de Controle Interno do Poder Executivo Municipal (fl. 16) de
que Carlos Antônio Franceschi não tinha qualificação técnica compatível
com as exigências do cargo de Fiscal Ambiental Municipal, uma vez que
não preenchia os requisitos previstos no Anexo I da Lei Municipal n.°
2,078/2013, pois era graduado apenas em Ciências Econômicas, sem
qualificação na área afeta à matéria ambiental, prorrogou o contrato, por
meio de Aditivo (fl. 142), com violação expressa das referidas leis.
Assim agindo, o denunciado desviou as rendas relativas ao pagamento da
remuneração (Padrão 09, da Classe “A”, do Plano de Pagamento de
Cargos e Salários do Município), durante o período de vigência do Aditivo
Contratual (fl. 142 – 18/06//2014 e 14/12/2014), em benefício de Carlos
Antônio Franceschi e em prejuízo ao erário.
Dessa forma, o denunciado, além de nomear/admitir/designar o servidor
Carlos Antônio Franceschi contra expressa disposição das Leis Municipais
n.° 2.078/2013 (fls. 138-9) e n.° 696/1991 (artigos 180 e 192), desviou
rendas públicas e as utilizou/aplicou, indevidamente, em proveito alheio,
deixando de destiná-las à contratação de profissional com qualificação
técnica para o exercício do cargo de Fiscal Ambiental Municipal,
beneficiando indevidamente Carlos Antônio Franceschi.
O delito foi praticado com violação dos deveres para com a Administração
Pública, já que o denunciado afrontou os princípios constitucionais da

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legalidade, moralidade, probidade, economicidade e isonomia, por razões


desvinculadas do interesse público.

Nas razões (fls. 820/845), preliminarmente, postulou a reunião dos processos


que estão em andamento, por se tratar de crime continuado, nos termos do art. 71, do CP. No
mérito, sustentou a ausência de prova quanto ao dolo específico na conduta do agente ao
contratar o servidor público e desviar verbas públicas, citando jurisprudência da Corte
Suprema. Alegou a atipicidade da conduta descrita na denúncia, visto que a contratação do
servidor não violou a legislação municipal, sendo autorizada a contratação de servidores
temporários, em caráter emergencial, para atender necessidade de excepcional interesse
público. Salientou que o fato de ter sido condenado em ação de improbidade, não implica
configuração da prática do delito na esfera criminal. Asseverou que somente foi autorizada a
contratação temporária na cidade de Sertão mediante a aprovação da Lei Municipal nº
2.078/2013. Quanto a qualificação técnica exigida para o provimento do cargo, não houve
disposição acerca da necessidade de formação específica para a ocupação do mesmo, tão
somente a exigência de curso superior completo e a habilitação legal para o exercício da
profissão. Postulou a absolvição. Alternativamente, caso mantida a condenação, pugnou pela
reforma da dosimetria da pena, vez que ausente motivação para a fixação da pena base acima
do mínimo legal.
Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 847/852).
Em parecer, o Procurador de Justiça, Dr. Ubaldo Alexandre Licks Flores,
opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.

VOTOS
DES. ROGÉRIO GESTA LEAL (RELATOR)
Em termos de antecedentes, o réu possui diversas condenações, não
transitadas em julgado, pela prática de crimes de responsabilidade, bem como condenação
definitiva por crime de responsabilidade, transitada em julgado em 14.03.2019, e seis
denúncias recebidas por crimes de responsabilidade.

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O apelante postulou a reunião dos processos nº 050/2.17.0000037-2,


050/2.16.0002060-6, 050/2.16.0002105-0, 050/2.16.0002056-8, 050/2.16.0002058-4,
050/2.16.000205-6 e 050/2.18.0001098-1, por tratar-se de crime continuado. Entretanto, a
mera menção dos números dos processos sem apresentar qualquer fundamento e/ou
documentos capazes de demonstrar a conexão entre os feitos, nos termos do art. 71, do CP,
não é suficiente para amparar o pleito.
Ademais, verifica-se através da movimentação processual que os processos
estão em fases processuais distintas, o que inviabiliza a reunião dos feitos. Nesse sentido,
esta Câmara já decidiu em caso semelhante, envolvendo o mesmo réu:
APELAÇÃO-CRIME. CRIMES DE RESPONSABILIDADE PRATICADOS
POR PREFEITO MUNICIPAL. RÉU QUE À ÉPOCA DO OFERECIMENTO DA
DENÚNCIA NÃO ERA MAIS PREFEITO. IRRELEVÂNCIA. FATOS QUE FORAM
COMETIDOS QUANDO DO EXERCÍCIO DO CARGO. CIRCUNSTÂNCIA QUE
SE REVELA SUFICIENTE PARA QUE ELE RESPONDA A IMPUTAÇÕES
REFERENTES AOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 1º DO DECRETO-LEI N.
201/67. PEDIDO DE REUNIÃO DE PROCESSOS-CRIME A QUE O RÉU
RESPONDE. REJEIÇÃO. FEITOS QUE DIZEM RESPEITO
A CRIMES PRATICADOS EM MOMENTOS DISTINTOS. REUNIÃO QUE
NÃO SE MOSTRA CONVENIENTE E ÚTIL. INCONFORMIDADE EM
RELAÇÃO AO INDEFERIMENTO DE CONTRADITA DE TESTEMUNHA. zNÃO-
ACOLHIMENTO. MÉRITO. ART. 1º INCISO XIII DO DECRETO-LEI Nº 201/67.
NOMEAÇÃO DE SERVIDORA PARA CARGO DE COORDENADORA DE
SISTEMA DE CONTROLE INTERNO COM INOBSERVÂNCIA ÀS EXIGÊNCIAS
PREVISTAS NA LEI MUNICIPAL Nº 1.272/2000. CRIME DE MERA CONDUTA.
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA.
PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, SOB O
ARGUMENTO DE QUE A SERVIDORA NOMEADA IRREGULARMENTE
PERMANECEU SOMENTE 30 DIAS NO CARGO. IMPOSSIBILIDADE. BEM
JURÍDICO TUTELADO PELO TIPO PENAL INCRIMINADOR É
A MORALIDADE ADMINISTRATIVA, O QUAL É INSUSCETÍVEL DE
VALORAÇÃO ECONÔMICA. ARTIGO 1º INCISO XIV DO DECRETO-LEI Nº
201/67. NEGATIVA DE VIGÊNCIA À LEI MUNICIPAL Nº 1.272/2000. RÉU QUE
EXONEROU A SERVIDORA DE FORMA IMOTIVADA E SEM PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO, CONFORME EXIGE A LEI
MUNICIPAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DELITO QUE
EXIGE O DOLO GENÉRICO DE DESOBEDECER DELIBERADAMENTE A
DISPOSIÇÕES DE UMA LEI MUNICIPAL DE QUE DETINHA
CONHECIMENTO. PROVAS COLHIDAS E SUCESSÃO DE FATOS QUE
EVIDENCIAM O DOLO NO AGIR DO RÉU. EXONERAÇÃO QUE VISOU
ATENDER INTERESSES PESSOAIS. CONDENAÇÃO MANTIDA. APENAMENTO.
PENAS REDUZIDAS. DECOTE DA VETORIAL PERSONALIDADE COM BASE
EM FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. VETORIAL NEUTRALIZADA. REGIME
PRISIONAL MANTIDO NO SEMIABERTO FACE À DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 33
§3º DO CÓDIGO PENAL. NEGATIVA DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA
CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS MANTIDA COM FUNDAMENTO

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NO ARTIGO 44 INCISO III DO CÓDIGO PENAL. APELO DEFENSIVO


PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 70080886831, Quarta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão,
Julgado em: 29-08-2019)

Quanto ao mérito, conforme descreveu a denúncia, o réu Marcelo


D’Agostini, então Prefeito Municipal de Sertão, no período compreendido entre 11/12/2013
a 17/06/2014 (data corrigida em memoriais pelo Ministério Público), desviou verbas
públicas em proveito alheio, ao contratar, em caráter emergencial e temporário, Carlos
Antônio Franceschi, para o exercício do cargo de Fiscal Ambiental, conforme Contrato
Administrativo de Serviço Temporário nº 094/2013, violando o disposto na Lei Municipal nº
2.078/2013 e na Lei Municipal nº 696/1991, visto que não possuía qualificação técnica
compatível com as exigências do cargo de Fiscal Ambiental Municipal, bem como em
desacordo com o Parecer Jurídico emitido pela Unidade de Controle Externo do Poder
Executivo Municipal (fato 01).
Ainda, no período compreendido entre 18/06/2014 a 14/12/2014, nas
dependências da Prefeitura Municipal de Sertão, o denunciado, então Prefeito Municipal,
prorrogou a contratação emergencial e temporária de Carlos Antônio Franceschi, conforme
Aditivo Contratual ao Contrato Administrativo de Serviço Temporário nº 094/2013,
contrariando o disposto na legislação municipal, bem como em desacordo com o Parecer
Jurídico emitido pela Unidade de Controle Externo do Poder Executivo Municipal, visto que
Carlos Antônio Franceschi não tinha qualificação técnica para ocupar o cargo de Fiscal
Ambiental Municipal (fato 02).
Desse modo, o denunciado, além de nomear/admitir/designar o servidor
contra expressa disposição de Leis Municipais, desviou renda pública e a utilizou,
indevidamente, em proveito alheio, deixando de destiná-la à contratação de profissional
qualificado para o exercício do cargo de Fiscal Ambiental Municipal, beneficiando
indevidamente Carlos Antônio Franceschi, incorrendo, portanto, nas sanções do art. 1º,
incisos I, II, III, X e XIII, do Decreto-Lei nº 201/1967.
Com efeito, verifica-se através do Contrato Administrativo Temporário (fls.
140/141 e 708/709), e do Aditivo Contratual ao Contrato Administrativo de Serviço
Temporário (fl. 142), que o denunciado, na condição de Prefeito Municipal de Sertão,
realizou a contratação de Carlos Antônio Fransceschi, para serviço temporário no cargo de
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Fiscal Ambiental, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, cujo término ocorreu em
17/06/2014, prorrogado até 14/12/2014, recebendo a remuneração correspondente ao Padrão
09, da Classe “A”, do Plano de Pagamento de Cargos e Salários do Município.
Ao tempo da contratação, a Unidade de Controle Interno, emitiu Parecer
12/2013, desfavorável à contratação, apontando a ausência de formação específica do
candidato para o cargo de Fiscal Ambiental, na forma da legislação municipal (fl. 16):
“(...) Segundo o que consta nos requisitos para investidura no cargo criado
pela Lei Municipal nº 2.078/2013, Anexo I, o servidor deverá ter formação
em curso superior e habilitação legal para o exercício da profissão.
Contudo, tendo em vista as atribuições do cargo, observa-se claramente,
que a formação do candidato e pretenso servidor deve ser totalmente
vinculada a área ambiental, com habilitação que lhe confira conhecimento
específico e permita o desempenho e eficiência no desenvolvimento de sua
atividade.
Porém, a contratação emergencial que ora se coloca a Parecer desta
Unidade de Controle Interno, não encontra fundamento, eis que, o
candidato não possui formação superior em área ambiental, ao contrário,
sua formação acadêmica em Ciências Econômicas não vincula a
necessidade de nenhum conhecimento específico e voltado diretamente à
área de conhecimento que se necessita, não conferindo habilitação legal
(inscrição nos conselhos representativos da profissão e que permitam o
exercício legal da atividade) para o desempenho a contento da função,
tanto que, sequer participação em simpósios, congressos e cursos sobre a
área ambiental foram apresentados pelo candidato.
Diante de todo o exposto o parecer da Unidade de Controle Interno é
desfavorável a contratação do único candidato que se inscreveu para
ocupar, ainda que em caráter emergencial, o cargo de Fiscal Ambiental”.

Embora ciente da manifestação desfavorável, na condição de Prefeito


Municipal de Sertão, o denunciado firmou o Contrato nº 094/2013, assim como o Aditivo
Contrato Administrativo de Serviço Temporário, designando Carlos Antônio Franceschi para
prestação de serviços de Fiscal Ambiental. A contratação ocorreu em total desrespeito ao
disposto no Anexo I, da Lei Municipal nº 2.078/20131, visto que o contratado não possuía

1
Anexo I
Cargo: Fiscal Ambiental.
Padrão 09.
Atribuições:
Síntese dos Deveres: Fiscalizar as atividades, sistemas e processo produtivos, acompanhar e monitorar as
atividades efetivas ou potencialmente poluidores, causadores de degradação ou promotoras de distúrbios, além
das utilizadoras de recursos naturais.
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qualificação técnica para o cargo, assim como em inobservância ao previsto nos artigos 189
a 192, da Lei Municipal nº 696/912, visto que era vedado a recontratação, antes de decorridos
seis meses do término do contrato, o que não foi respeitado pelo gestor público, que renovou
o contrato em 18/06/2014, quando deveria ser a partir de 18/12/2014, caso os demais
requisitos restassem atendidos.
A prova oral colhida mostra-se suficiente a denotar que tinha o réu
conhecimento da contratação irregular de servidor que não possuía habilitação específica
para ocupar o cargo de Fiscal Ambiental, desrespeitando o disposto na legislação municipal,
conforme a transcrição constante da sentença:
Da análise dos autos, inicialmente quanto à prova produzida
extrajudicialmente, observa-se que a testemunha Carlos Antônio Franceshi
(fls. 533) declarou que trabalhou em Sertão pouco mais de um ano e meio e
foram dois contratos, sendo um contrato de 180 dias e outro em igual prazo.
Disse que conhecia o Prefeito Marcelo e o encontrou na rua quando então
pediu um emprego, tendo Marcelo lhe convidado para ser fiscal ambiental.
Disse ter ficha no PDT. Antes de ser contratado, fazia visitas “a campo” em
uma empresa para fiscalização ambiental, qual seja, a empresa era a ZH8
Ambiental. Contou que fez um curso em Porto Alegre depois de haver
ingressado no município, sendo realizado na Famurs e era de 14 horas.
Referiu que fazia vistorias de campo acompanhando a bióloga do município
e que quem fazia o licenciamento ambiental era a servidora Laura.

Exemplos de Atribuições: Observar e fazer respeitar aplicação da legislação ambiental vigente (...) verificar a
observância das normas e paddrões ambientais vigentes; proceder a isnpeção e apuração das irregularidades e
infrações através do processo competente; instruir sobre o estudo ambiental e a documentação necessária à
solicitação de licença de regularização ambiental; emitir laudos, pareceres e relatórios técnicos sobre matéria
ambiental; executar tarefas correlatas.
Requisitos para Investidura:
(...)
Instrução: Curso superior completo;
Habilitação: Legal para o exercício da profissão.
2
Art. 189 – Para atender as necessidades temporárias do excepcional interesse público, poderão ser efetuadas
contratações de pessoal por tempo determinado.
Art. 190 – Consideram-se como de necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que
visam a:
Atender a situações de calamidade pública;
Combater surtos endêmicos;
Atender outras situações de emergência ou necessidades temporárias, nos seguintes casos:
PROFESSORES: quando houver necessidade de professores, não dispondo nos quadros do Magistério público
Municipal de professores disponíveis concursados;
OPERÁRIOS: quando o serviço depende de tempo prefixado ou da execução de serviços específicos, ou ainda
da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada; e, quando o serviço não puder, por falta
de pessoal, ser realizado pelos funcionários da Prefeitura.
Art. 192 – É vedado o desvio de função de pessoa contratada, na forma deste título, bem como a sua
recontratação, antes de decorridos seis meses do término do contrato anterior, sob pena de nulidade do
contrato e responsabilidade administrativa e civil da autoridade contratante.

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Declarou que fazia fiscalização para saber se o que estava no projeto estava
sendo cumprido e que fez várias notificações para o comércio, por ausência
de licenças, destinação de lixo, solicitação de enquadramentos, como em
borracharias. Afirmou que não tinha sala específica, sendo que no fundo do
corredor onde tinha a cozinha, tinha uma mesa para o declarante. Disse que
seu salário bruto era cerca de R$2.000,00; trabalhou até o final de 2014
(12/12/2014).
Já na fase judicial, a testemunha Carlos Antônio Franceshi (fls. 738/739)
declarou que Marcelo D’Agostini o contratou sem concurso público,
porém não tinha conhecimento de que a contratação pudesse ser ilegal.
Contou que estava desempregado na época e foi chamado à Prefeitura pelo
Prefeito Marcelo, o qual lhe ofereceu o cargo, recebendo convite pessoal
do Prefeito Marcelo. Referiu que não participou de processo seletivo para
ser contratado e que na época da contratação, não era filiado a partido
político, apenas era simpatizante do partido ao qual Marcelo era filiado.
Disse que exercia o cargo de fiscal ambiental, vinculado à Secretaria da
Agricultura, sendo que trabalhava na mesma repartição do Secretário da
Agricultura. Afirmou que tem curso superior completo, em Economia e no
desempenho do cargo de fiscal, era assessorado por uma empresa,
contratada pelo Município. A demanda de trabalho era simples e os
projetos que eram submetidos à Secretaria eram simples, não havendo
processos complexos. O cotidiano do órgão era liberar pequenas obras, tais
como açudes e corte de árvore. Afirmou que tinha noções de legislação
ambiental, pois chegou a fazer um curso de uma semana em Porto Alegre.
Contou que quando iniciou o desempenho do cargo, havia uma grande
demanda de trabalho que estava represada e acredita que nunca deu
parecer que prejudicasse alguém. Nos processos de licenciamento ambiental
em que atuou, foi assessorado pela empresa de consultoria ambiental. Disse
que a Prefeitura tinha estrutura para dar parecer de forma fundamentada e
que não da dava parecer “no escuro”, sendo que quando recebia um projeto
para analisar, procurava estudar o projeto e se inteirar a respeito do tema
com a empresa que prestava consultoria ao Município. Na época em que
trabalhou no órgão, havia projetos de licenciamento de aviários e
chiqueiros. No exercício do cargo, não analisava questões financeiras,
pois isso competia ao empresário/proprietário. Referiu que tinha a função
de verificar, no local, se o projeto estava adequado e se respeitava a
legislação. Nem o Prefeito ou outra pessoa disse-lhe que a contratação era
ilegal, sendo que acreditava que a contratação era legal.

A informante Micheli Uana Saccardo (fls. 738/739) declarou em juízo que


na época dos fatos, ocupava o cargo de Coordenadora do Controle Interno
do Município de Sertão e foi feita uma contratação emergencial de Carlos
Antônio Franceshi, para ocupar o cargo de fiscal ambiental. Contou que
como praxe, o pessoal do setor de recursos humanos encaminha a
documentação para o setor Controle Interno, para fins de emitir parecer
acerca da regularidade da contratação. Recebeu a documentação referente

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à contratação de Carlos e emitiu parecer pelo indeferimento, visto que ele


era formado em Economia, o que era incompatível com as atribuições do
cargo de fiscal ambiental, visto que a legislação que regulava o cargo
exigia que a pessoal tivesse formação compatível a área ambiental. No
parecer emitido pela declarante também constava a recomendação para se
desse maior publicidade ao processo de contratação, para que mais
profissionais ligados à área ambiental se candidatassem a concorrer à
vaga, porém mesmo com o parecer do Controle Interno, Carlos foi
contratado. Disse que Carlos foi contratado por 06 meses e houve a
prorrogação do contrato por mais 06 meses. No período em que venceu o
primeiro contrato, foi editada uma lei para tentar regularizar algumas
contratações e o que chamou a atenção da declarante na época foi que
Carlos, além de ser formado em Economia, tinha determinado parentesco
com os donos da empresa que prestava assessoria ambiental para a
Prefeitura, qual seja, ZH8 Assessoria Ambiental. A referida empresa
estava registrada no nome do sobrinho de Carlos, mas quem administrava a
empresa e comparecia à Prefeitura em reuniões era o cunhado de Carlos,
Fernando Camozato. Diante disso, detectou uma situação antiética, visto
que a empresa de consultoria à Prefeitura poderia estar “prestando serviços
por fora”. Diante desse contexto, fez um parecer contrário à contratação
de Carlos para o cargo de fiscal ambiental. Tem ciência de que o anexo da
lei que regula o cargo de fiscal ambiental exige concurso público para a
contratação. Na época não foi feito concurso público para esse fim, sendo
feita contratação emergencial. O cargo de fiscal ambiental foi preenchido
por concurso público somente neste ano (2019). O concurso público não foi
feito para este cargo e para outros tantos porque se pretendia continuar
contratando quem quisesse, por meio de contrato emergencial.
A testemunha Laura Benetti Slaviero (fls. 738/739) declarou em juízo que é
licenciadora ambiental do Município e chegou a trabalhar com Carlos,
quando ele ocupava o cargo de fiscal ambiental. Referiu que o ocupante do
cargo de fiscal ambiental fazia as fiscalizações quando recebia denúncias,
notificava quem não tinha licença ambiental, fazer a vistoria juntamente
com a empresa de assessoria ambiental. A declarante fez algumas vistorias
juntamente com Carlos, o qual fazia emissão de pareceres de vistoria para
fins de liberação de licenças.
A testemunha Fernando Camozatto (fls. 738/739) declarou em juízo que
sabe que Carlos foi contratado para ocupar o cargo de fiscal ambiental,
como “CC”. Na época, o declarante fazia a assessoria ambiental da
Prefeitura, trabalhando para a empresa ZH8 Ambiental. A contratação da
empresa do declarante ocorreu por meio de licitação. O declarante é
cunhado de Carlos. A empresa do declarante começou a prestar assessoria
ao Município de Sertão no ano de 2013 e durante o período que prestou
serviços ao Município, várias pessoas ocuparam o cargo de fiscal
ambiental.
As testemunhas Joel Alves Alves (fls. 738/739) declarou em juízo que foi
Secretário Municipal da Fazenda no primeiro semestre do ano de 2013 e

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pediu exoneração porque desempenhava o papel mais técnico e o setor de


licitações não acatava as orientações dadas pelo setor que o declarante
ocupava.
As testemunhas Roberta Merlim Rosseto, Carina Shuster, Luís Maurício
Braga, Leonara Mattana e Daniel Antonio Vicenzi Maldaner (fls. 738/739)
declararam em juízo não possuem conhecimento sobre os fatos.
O réu MARCELO D'AGOSTINI, ao ser interrogado (fls. 738/739),
declarou que fez a contratação de Carlos, mas não houve infração da lei.
Disse que houve descentralização da questão ambiental do Estado para o
Município, o qual ficou responsável pelo licenciamento ambiental. Referiu
que foi feita uma lei municipal, na qual constava que o departamento de
meio ambiente teria que ter um licenciador ambiental e um fiscal
ambienta. Já havia licenciador quando o declarante assumiu a Prefeitura.
Quanto ao fiscal ambiental, a contratação já ocorria por contrato. Contou
que para a contratação havia um chamamento público pelo setor de
recursos humanos, sendo que os interessados se inscreviam e
candidatavam à vaga. Se não se engana, precisava ser pelo menos técnico
para preencher a vaga. Disse não recordar de quantas pessoas
inscreveram-se para concorrer à vaga. Afirmou tinha uma comissão e o
departamento de pessoa, os quais eram responsáveis por analisar. Todo o
setor agrícola que dependia de financiamento para o desempenho da
atividade produtiva necessitava de licença ambiental. Diante disso, houve
pressão do setor produtivo para que o Município tivesse fiscal ambiental,
para atender a demanda, motivo pelo qual foi feito um edital de
convocação de interessados, mas ninguém se inscreveu. Se recorda que a
empresa que prestava assessoria ambiental pode ter indicado o Carlos ao
declarante, para o cargo de fiscal ambiental, mas não se lembra. Conhece
Fernando Camozatto, pois este participou de uma licitação no Município.
Pode ser que Fernando tenha indicado o nome de Carlos ao declarante, mas
não se recorda. O declarante apenas passou a situação para o
departamento de pessoal, para averiguar a regularidade da contratação do
fiscal ambiental.

A conduta prevista no art. 1º, inciso XIII, do Decreto-Lei nº 201/1967, trata-


se de norma penal em branco, “que se completa com a legislação constitucional e
infraconstitucional relativa à contratação de servidores públicos municipais, notadamente a
Carta Magna, que exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos para a investidura em cargo ou emprego público”.3
Nessa esteira, o art. 37, da Constituição Federal dispõe que:

3
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Crimes de Responsabilidade dos Prefeitos. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p.
89-90.
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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (grifei)

Com efeito, o dispositivo constitucional é claro ao determinar que a


investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público, de provas
ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.
Além disso, prevê que a admissão em cargo público diretamente deve respeitar a forma
prevista em lei.
No caso, restou provado que o ex-prefeito Marcelo designou Carlos para o
cargo de Fiscal Ambiental, em inobservância às regras ditadas pela Lei nº 2.078/2013 e Lei
Municipal nº 696/1991, visto que a contratação ocorreu sem a realização de concurso público
e tampouco havia previsão legal para a contratação emergencial e temporária para o cargo.
Além disso, Carlos sequer possuía a qualificação técnica para ocupar o cargo, fato admitido
pelo réu e confirmado pelo contratado. E isso basta para a configuração do ilícito, não sendo
necessário que se comprove que a nomeação irregular visava, por vias transversas, gerar
vantagens indevidas para terceiros.
O dolo de ferir o fundamento constitucional de acesso ao serviço público
restou configurado e, por isso, a condenação deve ser mantida, como bem posta, não
havendo que se perquirir o prejuízo material à Administração, por se tratar de crime formal,
consumando-se com a publicação do ato de nomeação.
Cumpre destacar que o bem jurídico tutelado é, essencialmente, a
moralidade administrativa e a impessoalidade, não o patrimônio público, que, se lesado,
corresponde a mero exaurimento do crime.
Quanto ao tema, segue julgado proferido pela Corte Superior:

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


PREFEITO. DELITO DO ART. 1º, XIII, DO DECRETO N. 201/1967.
CRIME FORMAL. ALEGAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA
DIVERSA. SÚMULA N. 7/STJ.
1. "O crime do art. 1º, XIII, do Decreto-lei 201/1967 é formal, porque basta
a conduta de admitir, nomear ou designar pessoa para exercer cargo ou
função pública em desconformidade com a legislação pertinente,
independente do prejuízo à Administração Pública ou vantagem ao prefeito
para sua consumação. Outrossim, não há qualquer elemento subjetivo do
tipo a indicar intenção especial do prefeito em cometer a conduta típica,
portanto, despicienda é a intenção de causar danos ao erário, sendo
suficiente o dolo de burla ao mandado constitucional do concurso público,
nos termos da legislação aplicada, para a nomeação, admissão ou
designação de servidor" (HC n. 370.824/PB, rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 17/10/2017,
grifei).
2. O acolhimento da tese de inexigibilidade de conduta diversa demanda a
apreciação de fatos e provas, vedada pelo óbice da Súmula n. 7/STJ.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgInt no AREsp 1273356/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 19/06/2018)

Por esses fundamentos, havendo a nomeação de servidor contra expressa


determinação legal, configura o crime de responsabilidade denunciado, incorrendo nas
sanções do art. 1º, inciso XIII, do Decreto-Lei nº 201/1967. Aliás, neste mesmo sentido esta
Câmara já teve oportunidade de se manifestar:
APELAÇÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. ART. 1º, INC. XIII, DO
DECRETO-LEI Nº 201/67. PREENCHIMENTO DE CARGOS
COMISSIONADOS PARA A EXECUÇÃO DE ATIVIDADES TÍPICAS DA
ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INC. II, DA CF/88.
MALFERIMENTO À ACESSIBILIDADE DE CARGOS PÚBLICOS.
CONDENAÇÃO MANTIDA. Os servidores nomeados pelo acusado para
ocupar cargos em comissão exerciam atividades típicas da Administração
Pública, o que configura o tipo penal previsto no art. 1º, inc. XIII, do
Decreto-Lei 201/1967. Dispõe a doutrina, "o Prefeito que nomear
livremente alguém para cargo público que, segundo a natureza de suas
funções, deveria ser provido por servidor público concursado, mesmo sob
falsa justificativa de ser cargo em comissão, incide na figura penal em
exame". Elemento subjetivo do tipo demonstrado, diante da vontade livre e
consciente de frustrar concurso público, violando a forma originária de
investidura em cargo ou emprego público. Os cargos em comissão destinam-
se ao cumprimento de funções de direção, chefia e assessoramento,
enquanto que os servidores públicos estavam afeitos às atividades típicas e
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fixas da Administração, concernentes à realização de serviços de limpeza de


ruas, faxina em prédios, recepcionista, entrega de fichas a usuários e de
semente de milho para agricultores, ornamentação de canteiros e corte de
grama, afrontando lisamente a Constituição Federal e as leis locais que
dispõem sobre as funções de livre nomeação e exoneração. APELAÇÃO
DEFENSIVA DESPROVIDA.(Apelação Crime, Nº 70063079768, Quarta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal,
Julgado em: 26-02-2015)

Por outro lado, não vislumbro elementos capazes de ensejar a condenação


em relação aos incisos I, II, III e X, do Decreto-Lei nº 201/1967.
Quanto ao peculato-desvio (inc. I), não configura crime de responsabilidade
o pagamento de salário a servidor público que tomou posse do cargo de maneira irregular,
mas desempenhou as atividades laborais respectivas, por se tratar de obrigação legal do
gestor público, conforme recente precedente do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART.
1º, I, DO DECRETO-LEI 201/67. FUNCIONÁRIOS "FANTASMAS".
REMUNERAÇÃO RECEBIDA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DOS
SERVIÇOS CONTRATADOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO
IMPROVIDO. 1. O pagamento de salário não configura apropriação ou
desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/67,
pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de
parentes do Prefeito. 2. Agravo regimental improvido (AgRg no AREsp
1162086/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
5/3/2020, DJe 9/3/2020)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 1º, I, DO


DECRETO-LEI 201/67. PAGAMENTO DE SALÁRIO A SERVIDOR
PÚBLICO.REMUNERAÇÃO RECEBIDA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO
DOS SERVIÇOS CONTRATADOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Esta Corte possui o entendimento de que o pagamento de salário ao
servidor público não configura o delito do art. 1º, I, do Decreto-Lei n.
201/67, por se tratar de obrigação legal do gestor público. Precedentes.
2. A contratação de parentes do chefe do executivo, embora possa ocasionar
forma de provimento direcionada ou com fraude, é passível de sanções
administrativas ou civis, não se submetendo a responsabilização criminal.
3. Do mesmo modo, a apropriação dos salários, sem a prestação do serviços
atinentes ao cargo em foi nomeada, pode configurar, em tese, infração
disciplinar ou ato de improbidade, mas não fato típico.
4. Agravo interno desprovido.

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(AgInt no REsp 1859830/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK,


QUINTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020)

Em relação aos incisos II, III e X, do Decreto-Lei nº 201/1967, não há


qualquer elemento nos autos capaz de ensejar a condenação, tampouco a denúncia expôs os
fatos criminosos, com todas as circunstâncias, demonstrando no que consistiu a utilização
indevida em proveito alheio, de bens, rendas ou serviços públicos, ou desvio de rendas ou
verbas públicas referentes a boa gestão das finanças municipais e a alienação ou oneração de
bens imóveis ou rendas municipais sem autorização da Câmara, em desacordo com a lei.
A condenação merece ser mantida quanto aos dois fatos, mas tão somente
em relação a conduta delitiva tipificada no inc. XIII, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 201/67, o
que refletirá no apenamento, visto que a pena prevista para este delito é de detenção, de três
meses a três anos, conforme §1º, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 201/67:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao
julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da
Câmara dos Vereadores:
XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de
lei;
§1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos
itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a
pena de detenção, de três meses a três anos.

No que tange ao apenamento, a magistrada de origem, na avaliação das


circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, exasperou a pena-base um pouco acima do mínimo
legal para os dois fatos, em virtude dos antecedentes criminais:
Examinando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, verifico
que a culpabilidade do agente, tida como grau de reprovação de seu agir,
não desborda o ordinário. O réu registra antecedentes (fls. 744/749).
Quanto à personalidade, não nada há nos autos que permita avaliar, de
modo seguro, a personalidade da ré. No tocante aos motivos, são comuns ao
delito. Nada sobre a conduta social da acusada. Com relação às
circunstâncias e consequências, observo que nada há de peculiar nestes
vetores, em relação ao caso concreto, que não desborde dos elementos já
previstos na figura típica. Assim, não serão consideradas negativamente,
sob pena de bis in idem. Desconsidero o comportamento da vítima, pois é o
Estado o sujeito passivo deste delito.

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Sendo apenas uma das oito circunstâncias judiciais do art. 59 do Código


Penal desfavorável ao réu, fixo a pena-base um pouco acima do mínimo, em
2 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, ficando assim estabelecida, por não
haver outras causas de modificação.

Analisando a certidão de antecedentes criminais (fls. 744/748), o réu ostenta


diversas sentenças penais condenatórias, sem trânsito em julgado, as quais não se prestam
para a exasperação da pena-base, conforme a previsão da Súmula nº 444, do STJ: “É vedada
a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Por
outro lado, possui condenação no processo nº 050/2.16.0002055-0, cujo transito em julgado
ocorreu em 14.03.2019, no curso da presente ação penal, por fato cometido em 01.05.2014,
ou seja, no interregno de tempo envolvendo a prática do primeiro fato delitivo descrito na
denúncia (11.12.2013 a 17.06.2014), e anterior ao período envolvendo o segundo fato
(18.06.2014 a 14.12.2014).
Dessa forma, mantenho a exasperação da pena base em virtude dos maus
antecedentes, redimensionando a pena privativa de liberdade para 06 (seis) meses de
detenção, observando os critérios legais de proporcionalidade e razoabilidade.
Ausentes agravantes e atenuantes, assim como outras causas modificadoras,
a pena privativa de liberdade resta fixada em 06 (seis) meses de detenção para cada delito.
O agente praticou duas ações distintas, em momentos que resultaram em
mais de um crime, razão pela qual mantenho o concurso material, reconhecido na sentença,
resultando o total de pena privativa de liberdade fixada em 01 (um) ano de detenção, a ser
cumprida em regime aberto, nos termos do art. 33, §2º, ‘c’, do CP.
Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de
direito de prestação de serviços à comunidade, nos termos do art. 44, §2º, do CP.
Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para manter
a condenação relativamente ao disposto no inc. XIII, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 201/67,
redimensionando a pena privativa de liberdade para 01 (um) ano de detenção, a ser cumprida
em regime aberto, bem como substituir a pena corporal por uma pena restritiva de direito de
prestação de serviços à comunidade.

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DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE E


REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO - Presidente - Apelação


Crime nº 70084482041, Comarca de Getúlio Vargas: "À UNANIMIDADE, DERAM
PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA MANTER A CONDENAÇÃO
RELATIVAMENTE AO DISPOSTO NO INC. XIII, DO ART. 1º, DO DECRETO-LEI Nº
201/67, REDIMENSIONANDO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA 01 (UM)
ANO DE DETENÇÃO, A SER CUMPRIDA EM REGIME ABERTO, BEM COMO
SUBSTITUIR A PENA CORPORAL POR UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITO DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE."

Julgador(a) de 1º Grau: DANIELA CONCEICAO ZORZI

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