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P ROCURADORIA DE J USTIÇA C RIMINAL

P RIMEIRO G RUPO C RIMINAL

APELAÇÃO CRIME Nº 0000837-32.2019.8.16.0046


Procedência: Vara Criminal da Comarca de Arapoti
Apelante: Ronaldo da Luz Ferreira da Silva
Apelado: Ministério Público do Estado do Paraná
Relator: Des. Miguel Kfouri Neto

Colenda Primeira Câmara Criminal:


Doutos Julgadores:

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo réu Ronaldo da


Luz Ferreira da Silva contra sentença, oriunda da Vara Criminal da Comarca de Arapoti,
que o condenou nas sanções do artigo 147 do Código Penal e artigo 24-A da Lei n.
11.340/06, impondo uma pena de 3 meses e 15 dias de detenção em regime aberto .

Nas razões recursais, pretende a absolvição dos crimes por


insuficiência probatória dos autos (mov. 120.1).

A denúncia apresenta a seguinte descrição fática (mov. 26.1):

FATO 1
No dia 12 de abril de 2019, por volta das 09h15min., na Rua Teodoro Campos,
n° 77, Bairro Vila dos Funcionários, Arapoti/PR, o denunciado RONALDO DA LUZ
FERREIRA DA SILVA, agindo com consciência e vontade, portando, dolosamente,
ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, descumpriu decisão
judicial (autos 0000158-32.2019.8.16.0046) que deferiu medidas protetivas de
urgência em favor da vítima DIENEFER LUANA ALVES DE MOURA, consoante
descrito no Auto de Prisão em Flagrante Delito às fls. 02/04, termos de
depoimentos de testemunhas às fls. 05/13 e Boletim de Ocorrência n°
2019/440054 às fls. 22/26.

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Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que o denunciado, mesmo após
ser notificado sobre da referida decisão judicial (em anexo), abordou a vítima
próximo a uma creche, violando a proibição de aproximação e contato
determinada pelo Juízo desta Comarca, inclusive, o denunciado ameaçou a
vítima dizendo-lhe que se vingaria dela.

FATO 2
Nas mesmas circunstâncias de espaço e de tempo apontadas no Fato I, o
denunciado RONALDO DA LUZ FERREIRA DA SILVA, agindo com consciência e
vontade, portando, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua
conduta, prevalecendo-se das relações domésticas, ameaçou causar mal injusto
e grave à vítima DIENEFER LUANA ALVES DE MOURA, sua ex-convivente, ao lhe
dizer “eu vou embora, mas vou voltar, isso não vai ficar assim” (sic.), consoante
descrito no Auto de Prisão em Flagrante Delito às fls. 02/04, termos de
depoimentos de testemunhas às fls. 05/13 e Boletim de Ocorrência n°
2019/440054 às fls. 22/26.

Instruído o feito e apresentadas as alegações finais, sobreveio a


sentença condenatória julgando procedente a denúncia (mov. 110.1).

Surgiu, então, o inconformismo objeto da presente apelação.

O doutor Promotor de Justiça manifestou-se em contrarrazões


pelo conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 126.1).

Os autos ascenderam e, por determinação do Eminente


Desembargador Relator, vieram ao Primeiro Grupo da Procuradoria de Justiça Criminal
para manifestação.

É o relatório.

Preenchidos os pressupostos recursais, o recurso comporta


conhecimento, apesar de extinta a punibilidade, em razão da permanência dos efeitos
condenatórios. No mérito, entretanto, merece desprovimento.

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A materialidade e autoria delitiva mostram-se consubstanciadas


pela prisão em flagrante (mov. 1.1), boletim de ocorrência (mov. 1.13) e decisão concessiva
de medidas protetivas de urgência (mov. 26.2), além da prova testemunhal.

A vítima Dienefer Luana Alves de Moura declarou que foi levar


seus filhos para a creche quando o réu a encontrou no local, ocasião em que ele
perguntou das roupas, respondendo na sequência que não tinha nada a dizer. Ato
contínuo, ele disse que iria embora, mas não ficaria assim, incutindo-lhe, com isso, grande
temor, pois anteriormente ateou fogo na sua residência (mov. 1.7 e 97.6).

Os policiais militares José Leandro de Camargo e Laércio Vieira de


Araújo, cada qual à sua maneira, relataram que foram acionados pelo escrivão da polícia
para atender a ocorrência, pois a vítima estava na Delegacia da Polícia Civil. Quando
chegaram no recinto, ela informou sobre a abordagem do réu na creche e da ameaça
proferida, que ele a seguiu até a delegacia, tanto que quando foram procurar,
encontraram-no cerca de uma quadra do local. Por fim, confirmaram que previamente o
réu colocou fogo na casa da vítima (mov. 1.5 e 97.5).

Em seu interrogatório judicial, o réu Ronaldo da Luz Ferreira da


Silva negou que tenha praticado os crimes, afirmando que apenas perguntou a vítima
sobre as roupas (mov. 97.7).

De início, importa mencionar que o crime de ameaça se caracteriza


independentemente da real intenção do agente de praticar o mal injusto e grave,
bastando que a conduta seja capaz de infundir temor na vítima, afetando-lhe
sobremaneira a tranquilidade, tratando-se, ademais, de crime formal e classificado de
forma livre.

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Nesse pensar, considerando os elementos de corroboração


colacionados aos autos e a consistência da narrativa apresentada pela vítima tanto em
juízo quanto na fase investigativa, não há como acolher a tese defensiva no sentido da
insuficiência probatória, na medida em que a prova oral apresenta-se harmônica, clara e
contundente, acerca da ocorrência e dinâmica da infração penal em exame, e que o réu,
de fato, ameaçou a vítima de morte quando disse que “iria embora, mas não ficaria
assim”, traduzindo-se em conduta com um potencial intimidatório apto a afetar a
tranquilidade da vítima, tanto que confirmou judicialmente o temor.

Embora os policiais militares não tenham presenciado os fatos,


traduzindo-se em testemunho indireto, suas declarações convergem com a narrativa
apresentada pela vítima e com o interrogatório do réu, que confirmou sua aproximação
para perguntar das roupas, elementos fáticos que apontam para o cometimento da
infração penal em exame, mormente porque ele também colocou fogo anteriormente na
residência da vítima.

Assim, as provas acostadas lograram comprovar todos os


elementos para configuração do tipo penal, encontrando suporte nos precedentes da
Primeira Câmara Criminal:
APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA.
AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO COM RELAÇÃO AO CRIME DE AMEAÇA. ALEGADA
FRAGILIDADE PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. DEPOIMENTO HARMONIOSO DA
VÍTIMA NAS DUAS OPORTUNIDADES EM QUE OUVIDA. CORROBORADA POR
DEPOIMENTOS DAS POLICIAIS MILITARES QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA.
CONJUNTO PROBATÓRIO QUE COMPROVA DE FORMA SATISFATÓRIA A
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS, BEM COMO A PRESENÇA DOS ELEMENTOS
TÍPICOS DA AMEAÇA, INCLUSIVE O FUNDADO TEMOR GERADO NA VÍTIMA.
CONDENAÇÃO MANTIDA. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61,
INCISO II, ALÍNEA “F”, DO CP. IMPOSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM.
SITUAÇÃO QUE NÃO INTEGRA A ELEMENTAR DO TIPO PENAL DO ART. 24-1, DA LEI Nº
11.340/06. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR – 1ª Câmara
Criminal – 0002727-06.2021.8.16.0088 – Guaratuba – Rel.: DESEMBARGADOR NILSON
MIZUTA – J. 12.02.2022) (grifou-se)

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APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.


SENTENÇA CONDENATÓRIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA
PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS
PELAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA, GENITORA DO ACUSADO, E DOS POLICIAIS
MILITARES QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. ALTERAÇÃO DA VERSÃO DOS FATOS
PELA VÍTIMA NÃO É CAPAZ, POR SI SÓ, DE AFASTAR O DELITO, NOTADAMENTE NOS
CASOS EM QUE O RELACIONAMENTO FAMILIAR FOI REATADO. INTELIGÊNCIA DO ART.
147, DO CP. PROMESSA DE MAL INJUSTO E GRAVE DESCRITA NA DENÚNCIA E
CORROBORADA PELO RELATO POLICIAL HARMÔNICO. PEDIDO SUBSIDIÁRIO.
APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 28, §2º. IMPOSSIBILIDADE. EMBRIAGUEZ
VOLUNTÁRIA QUE NÃO JUSTIFICA A INSUBORDINAÇÃO À NORMA PENAL. SENTENÇA
CONDENATÓRIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR – 1ª Câmara Criminal –
0005412-69.2019.8.16.0083 – Francisco Beltrão – Rel.: DESEMBARGADOR NILSON
MIZUTA – J. 29.01.2022) (grifou-se)

Do mesmo modo, verifica-se que foram concedidas em favor da


vítima as medidas protetivas de urgência previstas no artigo 22, incisos II e III, alíneas “a” e
“b”, da Lei nº 11.340/06 (mov. 26.2), sendo o réu devidamente intimado pessoalmente em
24 de janeiro de 2019 (mov. 17.1 – autos n. 0000158-32.2019.8.16.0046).

Entretanto, apesar da determinação judicial, de que tinha plena


ciência, o réu, conscientemente e voluntariamente, a descumpriu quando abordou a
vítima na creche perguntando sobre suas roupas, colocando em risco a sua integridade
física e psicológica, configurando-se, ademais, o crime de descumprimento de decisão
judicial concessiva de medidas protetivas de urgência. A propósito, vale citar:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA – SENTENÇA


CONDENATÓRIA – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS – CONDENAÇÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
(TJPR – 1ª Câmara Criminal – 0002698-12.2019.8.16.0189 – Pontal do Paraná – Rel.:
DESEMBARGADOR TELMO CHEREM – J. 23.09.2021)

APELAÇÃO CRIMINAL – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA –


PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA
PELAS PROVAS ORAL E DOCUMENTAL – CONDENAÇÃO MANTIDA – PLEITEADO
ABRANDAMENTO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA – IMPOSSIBILIDADE
– RÉU REINCIDENTE – RECURSO – NEGA PROVIMENTO. (TJPR – 1ª Câmara Criminal –
0014686-91.2018.8.16.0083 – Francisco Beltrão – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO
EM SEGUNDO GRAU SERGIO LUIZ PATITUCCI – J. 03.10.2021)

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Logo, a sentença hostilizada valorou os elementos probatórios e


concluiu pela procedência das imputações, conferindo a devida relevância à declaração da
vítima, de modo a definir pelo aperfeiçoamento dos crimes de ameaça e descumprimento
de decisão judicial que concede medidas protetivas.

Conclusão.

Ante o exposto, a manifestação se conclui pelo conhecimento e


desprovimento do recurso, mantendo-se inalterada a r. sentença.

Curitiba, datado e assinado digitalmente.

FUAD CHAFIC ABI FARAJ


Promotor de Justiça

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