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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Processo: 1.0518.20.000596-6/001
Relator: Des.(a) Maurício Pinto Ferreira
Relator do Acordão: Des.(a) Maurício Pinto Ferreira
Data do Julgamento: 29/10/2020
Data da Publicação: 05/11/2020

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO IMPRÓPRIO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES -


CABIMENTO - SUBTRAÇÃO CONSUMADA QUANDO DO EMPREGO DA VIOLÊNCIA - OFENSA À INTEGRIDADE
FÍSICA - DELITO AUTÔNOMO DE LESÃO CORPORAL - AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO - DECADÊNCIA
OPERADA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
- Possível a desclassificação da conduta de roubo impróprio imputada na denúncia para os crimes de furto e lesão
corporal, ambos na forma simples, porquanto comprovado nos autos que a subtração havia se consumado quando a
acusada empregou violência física contra a vítima. Com isso, a figura delitiva do artigo 155 do Código Penal
aperfeiçoou-se, impedindo, via de consequência, a alteração da situação fático-jurídica por conduta posterior, que
deve ser entendida como delito autônomo. Doutrina.
- Inexistindo representação válida da vítima das lesões corporais, forçoso concluir que a punibilidade da acusada se
encontra extinta pelo fenômeno da decadência, consoante artigos 107, inciso IV, do Código Penal, e 88 da Lei nº
9.099/95.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0518.20.000596-6/001 - COMARCA DE POÇOS DE CALDAS - APELANTE(S):
SANDRA GARCIA DE ARAUJO - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO E JULGAR EXTINTA A
PUNIBILIDADE DA APELANTE EM RELAÇÃO AO DELITO DE LESÃO CORPORAL SIMPLES PELA DECADÊNCIA.

DES. MAURÍCIO PINTO FERREIRA


RELATOR.

DES. MAURÍCIO PINTO FERREIRA (RELATOR)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por SANDRA GARCIA DE ARAÚJO contra a r. sentença de
fls. 119/122-v, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Poços
de Caldas, que julgou procedente a denúncia e a condenou como incursa nas sanções do artigo 157, § 1º, do Código
Penal, ao cumprimento de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de
11 (onze) dias-multa, fixados na fração unitária mínima legal. Por fim, a pena corporal não foi substituída ou suspensa
condicionalmente.
Narra a denúncia que:

(...) no dia 02 de fevereiro de 2020, por volta das 15h44min, na rua Caldasita, nº 19, bairro Jardim Kennedy I, em
Poços de Caldas, a denunciada subtraiu, para si, o aparelho celular Moto Z3 Play, cor preta, de propriedade da vítima
Patrícia Alves Fonseca Neto, empregando, logo depois da subtração, violência em face da vítima, a fim de assegurar
a impunidade do crime e a detenção do objeto.
Segundo restou apurado, na data dos fatos a vítima Patrícia encontrava-se em sua residência, realizando faxina em
um dos cômodos e deixou seu aparelho celular conectado na tomada da sala, tocando músicas.
Ocorre que, em um dado momento, a vítima notou que a música parou de tocar e, ao se deslocar até a sala para
verificar o ocorrido, notou que seu aparelho celular havia desaparecido.
Em ato contínuo, a vítima dirigiu-se à frente de sua residência e questionou um vizinho se havia presenciado algo
suspeito, ocasião em que este lhe relatou ter avistado uma moça deixando o imóvel, descrevendo suas
características.
De posse das informações repassadas, a vítima saiu ao encalço da denunciada, logrando encontrá-la na Rua
Aluminita, momento em que a questionou acerca de seu aparelho celular, solicitando que lhe devolvesse.

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Diante da negativa da denunciada, que afirmava não ter pego aparelho celular, a vítima lhe segurou pelos braços,
dizendo que iria acionar a polícia, instante em que a denunciada, a fim de garantir a sua impunidade e assegurar a
detenção da res, passou a desferir socos, chutes e unhadas contra a vítima.
Após as agressões, a denunciada sentou-se defronte uma casa e tentou arremessar o bem por debaixo de um portão,
sendo, então, recuperado pela vítima.
A Polícia Militar Chegou em seguida e efetuou a prisão em flagrante da denunciada. (...) (sic, fls. 2D/2D-v itálico do
original).

A denúncia foi recebida em 19 de fevereiro de 2020, fls. 66/66-v, e após a instrução, sobreveio a r. sentença
condenatória supramencionada, publicada em cartório em 10 de junho de 2020, fl. 124. A ré foi pessoalmente
intimada, fl. 140, e manifestou interesse em recorrer, fl. 142.
Nas razões de fls. 144/148, a defesa pede a desclassificação do delito de roubo para o de furto, considerando que
não há prova de que a violência visava garantir a posse da res ou a impunidade do crime, bem como porque o delito
de furto já havia se consumado. Subsidiariamente, requer a aplicação da pena mínima e do regime inicial semiaberto.
Contrarrazões ministeriais às fls. 150/156, pela manutenção da decisão hostilizada.
No mesmo sentido é o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, fls. 163/165.
É o breve relatório.
ADMISSIBILIDADE
O recurso de apelação criminal deve ser conhecido, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
PRELIMINARES
Não foram arguidas preliminares, nem se observa alguma que deve ser reconhecida de ofício, razão pela qual se
passa ao exame do mérito recursal.
MÉRITO
De início, pondera-se que a existência do fato é evidenciada pelo APFD, fls. 2/6-v, pelo BO, fls. 9/11-v, pela cópia
da Nota Fiscal do aparelho celular, fl. 12, pelo Laudo de Avaliação Direta, fl. 13, pelo Auto de Apreensão, fl. 15, e pelo
Termo de Restituição de fl. 16, tudo em conformidade com as demais provas do processo, sobretudo a oral.
A autoria do fato também é inconteste, consubstanciada na confissão judicial da ré, esta corroborada pela prova
circunstancial da apreensão da res em seu poder e pelas firmes declarações da vítima e demais depoimentos
colhidos em Juízo, conforme mídia de fl. 108.
Aliás, a defesa não manifesta inconformismo quanto às provas colhidas em desfavor da apelante.
1. Da Desclassificação para Furto Simples
No entanto, a combativa defensora constituída argumenta que a ré não empregou violência para assegurar a
posse do celular ou garantir a impunidade do crime, e que o furto já havia se consumado no momento das agressões
físicas, razão pela qual a desclassificação pra o delito de furto simples é de rigor.
Inicialmente, deve-se destacar que o delito de roubo distingue-se do crime de furto justamente pela ofensa a bens
jurídicos distintos, quais sejam, o patrimônio e a incolumidade da pessoa, seja ela física ou mental.
Com isso, impinge-se maior grau de censura à conduta daquele que, mediante violência ou grave ameaça, subtrai
coisa alheia móvel.
Neste contexto, o legislador permitiu a responsabilização do agente pela infração patrimonial mais grave quando
provado que houve emprego de violência logo depois do crime para assegurar a impunidade do crime ou a detenção
da coisa para si ou para terceiro.
E sobre a expressão logo depois, preleciona ROGÉRIO SANCHES CUNHA:

No roubo impróprio, a violência ou grave ameaça deve ser empregada após a efetiva subtração patrimonial ("logo
depois" do apoderamento do objeto), não podendo decorrer período prolongado após a subtração do bem. A
interpretação que se dá à expressão "logo depois" é no sentido de que é admissível somente até a consumação do
furto que o agente pretendia cometer. Após esse período, o crime não pode mais sofrer qualquer alteração, já que a
infração penal (furto) está consumada. Por isso, transcorrido esse momento, o emprego de violência ou grave ameaça
gera crime autônomo de lesões corporais ou ameaça, em concurso material com o furto consumado. (in Manual de
direito penal - parte especial (arts. 121 ao 361) - 7. ed. rev. atual. e ampl. - Salvador: JusPodivm, 2015. p. 257,
negritei)

Portanto, caso consumada a subtração, o que ocorre com a efetiva inversão da posse da res, conforme Súmula
582 do Superior Tribunal de Justiça, inviável a imputação do delito de roubo impróprio, restando configuradas as
figuras autônomas de furto e lesão corporal ou ameaça, conforme for.
Fixadas tais premissas, e após análise da denúncia e das provas constantes dos autos, vê-se que a subtração do
celular havia se consumado tão logo a acusada deixou a casa sem que a vítima percebesse.

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A propósito:

(...) QUE, a declarante perguntou para seu vizinho de frente, cujo nome desconhece, se ele havia percebido algo de
estranho em sua casa, tendo ele afirmado que uma mulher de cabelos curtos, vestindo short e camiseta branca, havia
acabado de sair da casa da declarante; QUE assim a declarante e seus familiares saíram no encalço da suspeita,
tendo encontrado a mulher na Rua Aluminita; QUE, ao ver a mulher suspeita, a declarante a indagou sobre seu
celular e o pediu de volta; QUE, a mulher disse que não estava com o celular e, então, a declarante tentou segurá-la
dizendo que iria acionar a polícia; QUE, nesse momento, a mulher agrediu a declarante com socos, chutes e
unhadas, deixando lesões visíveis em seu pescoço (...) (sic, Patrícia Alves Fonseca Neto, fl. 5, confirmada em Juízo
na mídia de fl. 108)

(...) QUE, a depoente e seus familiares saíram a procura dessa mulher, quando, na Rua Aluminita, próximo ao
número 510, encontraram a mulher; QUE, a mãe da depoente pediu o celular de volta, mas a mulher disse que não
estava com ele e, quando acionaram a polícia, a suspeita passou a agredir a mãe da depoente com socos, chutes e
unhadas, casando lesões em seu pescoço, (...). (sic, Monique Alves Goulart, fl. 4, confirmada em Juízo na mídia de fl.
108

E apenas a título de reforço argumentativo, uma breve pesquisa ao Google Maps revela que a distância entre a
casa da vítima e o local da abordagem é de 900 m (novecentos metros). Logo, não resta a menor dúvida de que a
subtração efetivou-se muito antes da vítima e sua filha encontrarem a ré, momento em que a agressão física ocorreu,
razão pela qual é, de fato, inviável a condenação pelo delito de roubo impróprio.
Do contrário, estar-se-ia negando vigência a entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que a
subtração de patrimônio alheio consuma-se com a inversão da posse da res, na aplicação da teoria da amotio ou
apreehensio.
Uma vez imperativa a desclassificação para os crimes de furto e lesão corporal, ambos na forma simples, deve-se
reconhecer que houve a extinção da punibilidade da acusada quanto ao delito tipificado no artigo 129, caput, do
Código Penal.
Isto porque o mencionado delito é processado mediante ação penal pública condicionada à representação,
conforme artigo 88 da Lei nº 9.099/95. E em nenhum momento a vítima exteriorizou a vontade de representar contra a
agressora.
Então, o fato ocorreu em 2 de fevereiro de 2020 e, desde então, já se passaram mais de 6 (seis) meses, pelo que
a pretensão punitiva estatal foi fulminada pelo fenômeno da decadência.
Assim, forçoso reconhecer que houve a extinção da punibilidade da apelante quanto a este delito, conforme
dispõem os artigos 103 e 107, inciso VI, ambos do Código Penal, 38 do Código de Processo Penal e 88 da Lei nº
9.099/95.
2. Da Dosimetria
Resta, agora, refazer a dosimetria da pena frente ao remanescente delito de furto simples.
E já se adianta que não há falar em remessa dos autos ao Ministério Público para proposta de suspro, porque,
segundo a CAC de fls. 101/106, Sandra Garcia de Araújo é reincidente e possui antecedentes desabonadores,
recaindo em seu desfavor 2 (duas) condenações transitadas em julgado e ainda em execução. Logo, não preenche os
requisitos do artigo 89 da Lei do Juizado Especial.
Por idênticos motivos, impossível a aplicação da pena mínima, vez que os antecedentes foram considerados em
desfavor da apelante, e assim deve permanecer, porque tampouco é viável o reconhecimento de outras
circunstâncias judiciais desfavoráveis, sob pena de reformatio in pejus.
Nestes termos, fixa-se a pena-base em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Na segunda fase, deve-se manter a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão
espontânea, tal como procedido pelo d. Juízo primevo, então a pena permanece provisoriamente estabelecida em 1
(um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Por fim, a terceira fase não conta com majorantes ou minorantes, pelo que a reprimenda fica definitivamente
estabelecida em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
O regime inicial semiaberto e a não substituição da pena corporal por prestação de serviços comunitários
permanecem, considerando a reincidência e a quantidade de pena aplicada, conforme artigos 33 e 44, ambos do
Código Penal, e Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO e DESCLASSIFICO a conduta imputada à acusada Sandra
Garcia de Araújo para aquelas tipificadas nos artigos 129, caput, e 155, caput, ambos do Código Penal, com
fundamento no artigo 383 do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, JULGO EXTINTA A PUNIBILIDADE da apelante Sandra Garcia de Araújo, quanto ao delito de
lesão corporal simples, com fulcro nos artigos 103 e 107, inciso VI, ambos do Código Penal, 38 do Código de
Processo Penal e 88 da Lei nº 9.099/95, e SUBMETO a acusada ao cumprimento de 1 (um) ano e

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2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, em regime inicial semiaberto, sem direito a benefícios substitutivos
ou suspensivos.
Custas pelo apelante, na forma do artigo 804 do Código de Processo Penal.
Prevalecendo este entendimento, comunique-se incontinenti o d. Juízo das Execuções acerca do inteiro teor desta
decisão, para fins de retificação da guia de recolhimento provisória de fl. 126.
É como voto.

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).


DESA. MÁRCIA MILANEZ - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO E JULGARAM EXTINTA A PUNIBILIDADE DA


APELANTE EM RELAÇÃO AO DELITO DE LESÃO CORPORAL SIMPLES PELA DECADÊNCIA."

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