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Acórdão Nº 1791094
EMENTA
1. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância incide quando presentes,
cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii)
nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e,
(iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, ressaltando, ainda, que a contumácia na prática
delitiva impede a aplicação do princípio. Em se tratando de réu reincidente por crime contra o
patrimônio, portanto, incabível a aplicação do princípio da insignificância, porquanto ausente o
requisito consubstanciado no grau reduzido de reprovabilidade do comportamento do agente.
3. Considera-se consumado o delito do furto se o agente detém a posse do aparelho celular subtraído,
ainda que por breve espaço de tempo, sendo abordado por policiais logo em seguida.
4. Na fixação do regime inicial para o cumprimento da pena, o juiz deve atentar para três fatores:
quantidade de pena, reincidência e circunstâncias judiciais favoráveis.
5. Deve ser fixado o regime prisional semiaberto se a pena fixada for inferior a 4 anos, o réu for
reincidente, mas, das circunstâncias judiciais, tiver apenas os antecedentes valorados negativamente.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação criminal interposta pela defesa de Luiz Carlos da Silva contra a r. sentença de
ID 50985190, em que o d. juízo a quo julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o
réu pela prática do crime tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal (furto simples), à pena de 01
(um) ano, 05 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 16
(dezesseis) dias-multa, à razão unitária mínima.
Em suas razões recursais (ID 51850631), o apelante sustenta a aplicação ao caso do princípio da
insignificância, uma vez que o delito não produziu maiores consequências, sendo o celular devolvido à
vítima. Aponta contradição no depoimento do policial militar Tyago Ferreira de Paula, no sentido de
que, primeiro, ele afirmou que o celular estava na mão do apelante, e, logo em seguida, afirmou que a
vítima estava chegando com o celular. Assim, afirma que a verdade dos fatos pode ter sido alterada,
devendo ser reconhecida a nulidade do depoimento. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do
crime de furto para sua forma tentada, sob o fundamento de que o réu confessou a tentativa de furto,
afirmando, contudo, que ao sair do local, foi abordado por duas pessoas e imediatamente devolveu o
celular.
Requer, pois, o conhecimento e provimento do apelo, a fim de absolver o réu com base no artigo 386,
III, ou VII, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do delito para
a forma tentada.
A d. 11ª Procuradoria de Justiça Criminal oficiou pelo conhecimento e não provimento da apelação (ID
51935978).
É o relatório.
À douta revisão.
VOTOS
Na origem, o sentenciado foi denunciado como incurso nas penas do artigo 155, caput, do Código
Penal (furto simples), nos seguintes termos (ID 50985139):
No dia 13 de junho de 2023, por volta das 22h, no SRIA II, QE 40, conjunto I, Lote 11, Pizzaria
Pallazzio, Guará/DF, o denunciado subtraiu, para si, 01 (um) aparelho celular, marca Motorola,
modelo Moto G5 S Plus, IMEI 356477081210833 / 356477081210841, pertencente à P. M. C.
Após ele ter deixado o local, a funcionária deu falta do telefone. A proprietária do estabelecimento e
dona do aparelho celular acessou o sistema de monitoramento e confirmou que o denunciado havia
subtraído o aparelho.
Em seguida, um outro funcionário saiu atrás do denunciado, visualizando-o algumas ruas a frente.
Neste momento, uma guarnição avistou pessoas correndo atrás do denunciado e foram averiguar.
Ao serem informados do furto, verificaram que o denunciado estava com o celular em mãos.
Prontamente, a vítima reconheceu como seu o aparelho celular apreendido. Após, foi o denunciado
encaminhado à Delegacia de Polícia para as medidas cabíveis.
Após o trâmite processual, foi proferida sentença em audiência, sendo o réu condenado pelo crime
tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal (furto simples), à pena de 01 (um) ano, 05 (cinco)
meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 16 (dezesseis) dias-multa, à
razão unitária mínima. Não foram concedidos os benefícios da substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos ou sursis, em razão da reincidência, e mantida a prisão preventiva.
1 - Da autoria e materialidade
Conquanto não tenha havido insurgência em relação à autoria e a materialidade do delito, imperioso
ressaltar que são incontroversas nos autos, tendo sido devidamente comprovadas através dos
documentos que instruíram a ação penal: Auto de Prisão em Flagrante de ID 50983953; Auto de
Apresentação e Apreensão de ID 50985111; Termo de Restituição de ID 50985112; Ocorrência
Policial de ID 50985117; imagens de câmera de segurança de ID 50985115; Relatório Final de ID
50985119; bem como pelas provas orais produzidas nas duas fases da persecução penal.
Sobre a suposta contradição no depoimento da testemunha policial Tyago Ferreira de Paula, sem razão
a defesa.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a referida testemunha, em verdade, era o policial militar Samuel
Alves Carreiro de Araújo. A testemunha Tyago Ferreira, embora devidamente requisitada, não
compareceu à audiência, tendo as partes desistido de sua oitiva.
No que tange à suposta nulidade, como apontado pela própria defesa, o magistrado em audiência, tão
logo constatada a contradição, inquiriu a testemunha para que esclarecesse se o celular estava na mão
do réu, tendo a testemunha esclarecido que sim.
Seu depoimento, inclusive, é harmônico e coerente com aquele prestado quando da prisão em
flagrante do réu, em que ele também relatou que o aparelho celular estava na posse do réu (ID
50983953).
Além disso, a condenação do réu baseou-se em todo o conjunto probatório, e não somente no referido
depoimento. Veja-se que, inclusive, há imagens do circuito de segurança do estabelecimento em que é
possível visualizar claramente a ação delitiva (ID 50985115).
A defesa alega que deve ser reconhecida a atipicidade material da conduta, ante a incidência do
princípio da insignificância.
O princípio da insignificância ou da bagatela própria, embora não previsto em lei, tem aplicação
consagrada pela doutrina e pela jurisprudência pátria, a fim de excluir a tipicidade penal nos casos em
que a ofensividade da conduta, de tão ínfima, não é penalmente relevante. Tal postulado decorre dos
princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria criminal, pois o Direito
Penal só deve alcançar os fatos que acarretem prejuízo efetivo ao titular do bem jurídico ou à
sociedade.
De fato, a tipicidade penal ocorre quando a conduta do agente se amolda à descrição abstrata da
norma; todavia, se a lesão não chega a atingir o bem jurídico tutelado, diante de sua insignificância,
não há que se falar em adequação entre o fato e o tipo penal. Isso porque a atuação do Direito Penal
somente se legitima quando insuficientes os demais ramos do direito, de modo que uma conduta
inexpressiva não merece a censura tão grave como a restrição à liberdade.
É necessária, pois, uma ofensividade mínima para que se caracterize a tipicidade penal. Assim, a
atuação estatal não pode ir além do que o necessário para a preservação do interesse público, para a
proteção dos indivíduos, da sociedade e dos bens jurídicos tutelados pela lei. Dessa forma, além do
enquadramento formal ao tipo penal, deve haver também relevância material, consubstanciada em um
grau mínimo de lesão ao bem jurídico protegido.
Deste modo, consoante vasta jurisprudência desta egrégia Corte de Justiça, a reincidência do autor do
crime, em especial em crimes contra o patrimônio, é motivo suficiente para impedir a aplicação do
princípio da insignificância, porquanto demonstra a elevada reprovabilidade do comportamento do
agente. Confira-se:
2. A pena de multa é uma sanção de caráter penal, de aplicação cogente, e a possibilidade de sua
isenção viola o princípio constitucional da legalidade. Todavia, no caso de insolvência absoluta do
réu, a pena pecuniária pode não ser executada até que a sua situação econômica permita a execução.
De qualquer forma, tal possibilidade fica a cargo do Juízo das Execuções.
(...)
5. Recurso conhecido e parcialmente provido para, mantida a sentença que condenou o réu nas
sanções do artigo 155, caput, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias
de reclusão e 11 (onze) dias-multa, à razão mínima, alterar o regime inicial de cumprimento de pena
do semiaberto para o aberto e deferir a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de
direitos, nos moldes e condições a serem fixados pelo Juízo da Vara de Execução das Penas e
Medidas Alternativas.
1. Apelação criminal contra sentença que condenou o réu à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses
de reclusão, no regime inicial semiaberto, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, calculados à
razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime
previsto no artigo 155, § 4º, inciso I, do Código Penal.
O referido entendimento, aliás, se coaduna com o exarado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça:
(STJ, AgRg no AREsp n. 1.950.073/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em
23/8/2022, DJe de 31/8/2022; grifo nosso)
(STJ, AgRg no HC n. 745.250/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado
em 2/8/2022, DJe de 8/8/2022; grifo nosso)
In casu, a folha de antecedentes penais do acusado (ID 50985145) demonstrou que ele possui diversas
outras condenações, inclusive por crimes contra o patrimônio.
Nesta toada, a análise casuística revela a contumácia na prática delitiva, constatada pelos diversos
antecedentes, em especial em crimes contra o patrimônio, o que obsta veementemente a aplicação do
princípio da insignificância por restar ausente o requisito do reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento, exigido pela excelsa Suprema Corte.
Além disso, não foi realizada a avaliação indireta do bem, o que inviabiliza o reconhecimento do
pequeno valor, consoante entendimento do STJ, confira-se:
A defesa requer, ainda, a reforma da sentença para que o crime de furto seja considerado na sua forma
tentada e não consumada, sob a alegação de que o réu, tão logo saiu do estabelecimento, foi abordado
por duas pessoas, tendo prontamente restituído o aparelho celular.
Sem razão.
Sobre a questão, vale pontuar que a consumação do crime de furto se opera com a simples inversão da
posse do bem, ainda que por breve instante, não sendo necessário que a coisa subtraída saia da esfera
de vigilância da vítima, tampouco que a posse seja mansa e pacífica.
A propósito, a jurisprudência adota a Teoria da Apprehensio (ou Amotio), segundo a qual se considera
consumado o crime de furto quando, cessada a clandestinidade, o agente detém a posse de fato sobre o
bem subtraído, ainda que seja possível à vítima retomá-lo, sendo prescindível a posse mansa, pacífica
e desvigiada.
1. Recurso especial processado sob o rito do art. 543-C, § 2º, do CPC e da Resolução n. 8/2008 do
STJ.
3. Delimitada a tese jurídica para os fins do art. 543-C do CPC, nos seguintes termos:
Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de
tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou
desvigiada.
4. Recurso especial provido para restabelecer a sentença que condenou o recorrido pela prática do
delito de furto consumado.
(REsp n. 1.524.450/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe
de 29/10/2015. Grifo nosso)
3. A pena pecuniária deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. 4. Apelação
criminal conhecida e parcialmente provida.
Assim que ele saiu do estabelecimento, ao acessarem as imagens das câmeras de segurança, viram sua
ação delituosa, tendo um funcionário saído imediatamente a sua procura. Contudo, ele fugiu, sendo
logo em seguida abordado pelos policiais militares na posse do aparelho celular.
Desse modo, consoante se verifica, houve a inversão da posse, uma vez que o recorrente saiu do
estabelecimento com o aparelho celular, não havendo que se falar em tentativa de furto, mas sim do
delito em sua forma consumada.
1. Crime impossível é a tentativa não punível, que ocorre quando o agente se vale de meios
absolutamente ineficazes para produzir o evento criminoso ou quando a sua conduta se volta contra
objetos absolutamente impróprios, de maneira a tornar impossível a consumação do crime.
(...)
4 - Da dosimetria da pena
Destaca-se, nesse ponto, que, ante o efeito devolutivo em profundidade, conferido à apelação criminal,
forçosa a análise das demais matérias não alegadas nas razões recursais.
O réu, além de ser multirreincidente, pois ostenta condenações por roubo circunstanciado (ID
164392916, fls. 12-13) e furto qualificado (ID 164392916, fls. 29-36), tráfico de drogas (ID
164392916, fls. 14 e 25-27), também tem maus antecedentes, pois ostenta condenação por crime de
dano qualificado (ID 164392916, fls. 21-22).
O feito não traz elementos que permitam a análise adequada da personalidade e da conduta social do
réu.
Assim, considerando que há circunstância judicial desfavorável (antecedentes), fixo a pena base em 1
(um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, mais 15 (quinze) dias-multa.
Assim, observa-se que a pena-base foi fixada a partir da aplicação da fração de 1/8 sobre a diferença
entre as penas mínima e máxima em abstrato, não merecendo qualquer reparo.
Na segunda fase, o magistrado considerou a atenuante da confissão espontânea. Por outro lado,
reconheceu a multirreincidência do réu.
No caso, o magistrado, sopesando os dois fatores, entendeu pela majoração da pena em 1 (um) mês e
11 (onze) dias de reclusão e em 1 (um) dia-multa, de modo que a sentença também não merece
reforma nesse particular.
Por fim, inexistindo causas de aumento ou diminuição da pena, a pena foi definitivamente fixada em 1
(um) ano, 5 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão.
5 - Do regime de cumprimento
A sentença entendeu pela fixação do regime inicial fechado para cumprimento da pena, em razão da
reincidência e maus antecedentes do réu.
Contudo, entendo que o regime não é compatível com a pena imposta, mesmo diante da reincidência e
maus antecedentes do réu.
Acerca do regime de cumprimento insta constar que, na sua fixação, o juiz deve atentar para três
fatores: [a] quantidade de pena; [b] reincidência; e [c] circunstâncias judiciais favoráveis.
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito),
poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto.
In casu,verifica-se que a pena fixada é inferior a 4 anos, mas o recorrente é reincidente, de modo que,
deve ser fixado o regime semiaberto para o cumprimento da reprimenda.
Ademais, a Súmula 269 do colendo Superior Tribunal de Justiça reconhece ser “admissível a adoção
do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos
se favoráveis as circunstâncias judiciais”.
Nesse contexto, em que pese o recorrente ter antecedentes criminais desfavoráveis, as demais
circunstâncias judiciais são favoráveis, de modo que deve ser reformada a sentença no ponto em
questão para que o regime inicial de cumprimento de pena seja o semiaberto.
1. Apelação na qual a Defesa postula a reforma da decisão condenatória para que seja redimensionada
a pena.
3. Condenação já utilizada para considerar maculados os antecedentes penais não pode ser
considerada também como reincidência.
4. Segundo entendimento prevalente no Superior Tribunal de Justiça a agravante da reincidência
compensa-se integralmente com a atenuante da confissão.
5. Inviável a causa de aumento do repouso noturno no furto qualificado porque ela só se aplica na sua
modalidade simples.
6. Mantém-se o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena se o réu possui maus
antecedentes e é reincidente, ainda que a pena aplicada seja inferior a 04 (quatro) anos de
reclusão.
Assim, entendo que a sentença merece reparo nesse ponto, devendo ser fixado o regime inicial
semiaberto para início do cumprimento da pena.
Uma vez não preenchidos os requisitos dos artigos 44 e 77 do Código Penal, a apelante não faz jus à
substituição da pena privativa de liberdade por sanção restritiva de direitos e nem à suspensão
condicional da pena. Naturalmente, em virtude da reincidência específica do réu, a medida não é
socialmente recomendável.
7 - Da prisão preventiva
Em relação à manutenção da prisão preventiva não há reparos a se fazer, uma vez que esta não é
incompatível com a fixação do regime para cumprimento semiaberto, se atendidos os requisitos
previstos nos artigos 282, § 6º, 311, 312 e 313, II, todos do CPP.
Ademais, na espécie, verifica-se, pela extensa folha de antecedentes penais do apelante, que a
atividade criminosa lhe é contumaz, motivo pelo qual se justifica a manutenção da prisão preventiva
para evitar a reiteração delitiva.
É como voto.