TRIBUNAL DE JUSTIÇA OITAVA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0014286-97.2013.8.19.0203 RELATOR: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA
Apelação Criminal. Corrupção de Menores. Absolvição
expedida pela sentença de piso, mantida pela Câmara, ao desprover recurso ministerial. RECURSO REPETITIVO. Art. 543-C, § 1º,, do CPC. Juízo de Retratação. Manutenção da Decisão. A Egrégia Terceira Vice-Presidência deste Tribunal, no exercício do juízo de admissibilidade do Recurso Especial interposto pelo Ministério Público, por entender existir aparente confronto entre o acórdão lavrado por esta Câmara e a tese n.º 401 extraída do Recurso Extraordinário n.º 1.127.954/DF, determinou o retorno dos autos a este Colegiado para pronunciamento acerca de eventual juízo de retratação. Em que pese o brilhantismo da tese divergente, é de ser mantido o acórdão objurgado. Embora o delito possa ser considerado como formal, consumando-se quando da indução ou prática de uma infração penal e isso não está em discussão, o certo é que o bem jurídico protegido, qual seja, a formação moral do menor, quando da prática do fato, ainda deve existir, pois se o que se pretende tutelar já não pode mais ser guarnecido, não haverá lesividade na conduta do agente, fazendo com que a simples imputação fática de cometimento de um delito com um menor se transforme em verdadeira ofensa ao princípio da lesividade. Deve-se atentar que um dos elementos formadores do tipo penal é o resultado, sendo que este deve ser analisado segundo a ótica normativista e não apenas naturalista. RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDA. MANTENÇA DO DECISO.
GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA:000013935 Assinado em 01/07/2015 16:13:08
Local: GAB. DES GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA 387
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.º
0014286-97.2013.8.19.0203,
ACORDAM as Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a
Colenda Oitava Câmara Criminal, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em manter o entendimento lançado no acórdão recorrido, vencido o Des. Claudio Tavares de Oliveira Junior, que mantinha o seu entendimento original e assim exercia juízo de retratação.
Cuida-se de uma Apelação Criminal, julgada por esta Câmara, que
manteve a absolvição quanto ao delito de corrupção de menores. . O acórdão desta Câmara recebeu a seguinte ementa:
APELAÇÕES CRIMINAIS. ROUBO DUPLAMENTE
CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DESEJANDO A CONDENAÇÃO DE RODRIGO NAS CONDUTAS DOS ARTS. 244-B, DO ECA, E 288, DO CP, CONFORME ORIGINALMENTE DENUNCIADO. RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO, AO ARGUMENTO DE CARÊNCIA DA PROVA DA AUTORIA DELITIVA. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER A EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO REFERENTE AO EMPREGO DA ARMA DE FOGO E O RECONHECIMENTO DO CRIME ÚNICO. Restou provado que no dia, hora e local apontados na denúncia, Rodrigo e o comparsa menor Carlos Felipe transitavam dentro de um automóvel, procurando por uma oportunidade de assalto. Em dado momento avistaram os amigos Artur e Fernando que conversavam distraidamente, enquanto caminhavam pela calçada em direção a um bar que normalmente frequentavam. Os meliantes encostaram o carro e os chamaram, mandando que parassem, caso contrário morreriam. Rodrigo, então, subtraiu os pertences de Artur enquanto o outro meliante, Carlos Felipe, subtraía os bens de Fernando, tudo sob a ameaça de arma de fogo. Encerrada a ação delitiva, determinaram que as vítimas corressem, também sob a empunhadura de arma de fogo e dizendo que se não o fizessem 388
morreriam. A narrativa segura da vítima Artur, em Juízo, não deixa
margem de dúvida quanto à dinâmica delitiva ou autoria. De curial sabença, a palavra da vitima em sede de crimes patrimoniais é de suma importância, vez que a mesma, não mantendo nenhum laço de conhecimento com os indigitados, só se interessa em colaborar com a realização de Justiça, conforme a firme lição de nossos Pretórios e mais autorizada doutrina. É o caso dos autos, onde o discurso de Artur entra em plena sintonia com o depoimento do policial Marcel, que participou das investigações envolvendo uma série de delitos de igual modus operandi, em tese praticados por Rodrigo, Carlos Felipe e outros. Juízo de desvalor da conduta acertado, que deve ser mantido, fazendo quedar o principal pleito defensivo, que é o da absolvição. Em relação ao pedido de exclusão da causa de aumento referente ao emprego da arma de fogo, eis que a sua arrecadação é totalmente prescindível, desde que por outros meios idôneos o juiz possa aferir a sua utilização no cenário delitivo, como no caso dos autos foi possível aferir através do seguro discurso da vítima. Não há como reconhecer a figura do crime único quando distintos em natureza e propriedade os patrimônios atingidos, configurando, exatamente, o concurso formal de tipos penais, do art. 70, do CP, acertadamente reconhecido na instância julgadora. Em relação ao pedido do MP, pela condenação na conduta do art. 244-B, do ECA, desassiste razão ao Parquet. Afinal, ainda que se reconheça a existência de corrente doutrinária a proclamar como meramente formal o crime de corrupção, bastando, então, o cometimento de um delito juntamente à criança ou adolescente para o seu exaurimento, eis que o caso dos autos não permite a adoção desse posicionamento, mormente quando o menor apreendido figura em outro procedimento e é suspeito de integrar quadrilha armada de roubadores, conforme noticiado nos autos e é objeto de apuração pela especializada, tudo indicando a deformação de caráter anterior aos fatos aqui apurados. A mesma impossibilidade se verifica em relação à pretensão do MP de ver Rodrigo condenado também por associação criminosa, uma vez que nestes autos não há provas que sustentassem tal condenação, até porque a mesma, segundo o policial que depôs em Juízo, ainda está sendo apurada. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS, na forma do voto do Relator. 389
A Egrégia Terceira Vice-Presidência deste Tribunal, no exercício do
juízo de admissibilidade do Recurso Especial interposto pelo Ministério Público, por entender existir aparente confronto entre o acórdão lavrado por esta Câmara e a tese n.º 401 extraída do Recurso Extraordinário n.º 1.127.954/DF, determinou o retorno dos autos a este Colegiado para pronunciamento acerca de eventual juízo de retratação.
Em que pese o brilhantismo da tese divergente, é de ser mantido o
acórdão objurgado.
Com efeito, a análise sobre a realização do tipo penal em questão
não pode ser tão singela.
O tipo penal em comento descreve como elementares as condutas
de “corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la”.
O bem jurídico protegido pela norma é a boa formação moral do
menor de 18 anos, ou seja, o que o legislador procura evitar com a referida tipificação é que o menor seja iniciado na criminalidade, corrompendo a sua formação moral.
Embora o delito possa ser considerado como formal, consumando-
se quando da indução ou prática de uma infração penal e isso não está em discussão, o certo é que o bem jurídico protegido, qual seja, a formação moral do menor, quando da prática do fato, ainda deve existir, pois se o que se pretende tutelar já não pode mais ser guarnecido, não haverá lesividade na conduta do agente, fazendo com que a simples imputação fática de cometimento de um delito com um menor se transforme em verdadeira ofensa ao princípio da lesividade. 390
Assim, deve-se atentar que um dos elementos formadores do tipo
penal é o resultado, sendo que este deve ser analisado segundo a ótica dos normativistas e não dos naturalistas.
O moderno Direito Penal que se constrói objetivando a real
proteção da sociedade não mais fica preso ao rigorismo de teorias elaboradas abstratamente, optando por sua construção frente à situação enfrentada no caso concreto.
A teoria constitucionalista do Delito defendida pelo Professor LUIZ
FLÁVIO GOMES, que tem sua base construída sobre a teoria funcionalista, ou teoria da imputação objetiva, de CLAUS ROXIN/1970, empresta relevância especial ao bem jurídico e a sua ofensa.
De fato, a imputação objetiva surge como importante ferramenta
para o balizamento da responsabilidade penal, instrumento eficaz para a correta delimitação do comportamento proibido. Possui sistema coerente de interpretação voltado para a análise do sentido social do comportamento humano, com vistas a estabelecer se a conduta criou, ou não, um risco proibido tipicamente relevante, bem como se o risco criado se transformou em efetivo resultado jurídico.
Através dessa moderna teoria é possível verificar que a tipicidade
penal é composta da tipicidade formal + tipicidade material ou normativa + tipicidade subjetiva. E a tipicidade material exige uma tríplice valoração, a saber: 1º) juízo de desaprovação da conduta (criação ou incremento de risco proibido relevante); 2º) juízo de desaprovação do resultado (resultado jurídico desvalioso); e 3º) nexo de imputação ou imputação objetiva do resultado – relação entre o resultado e a criação ou incremento do risco proibido relevante. 391
Por força do segundo juízo valorativo acima descrito (juízo de
desaprovação do resultado) é possível afirmar que não há crime sem resultado jurídico, que consiste numa lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido.
E não se deve confundir o resultado natural com o jurídico. O
resultado naturalístico bem serve para a classificação dos crimes em materiais, formais e de mera conduta, mas quando se questiona o resultado jurídico, não se pesquisa a mudança no mundo exterior ou natural acarretada pela conduta, mas, isto sim, a ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado.
A efetiva conduta de induzir à prática ou praticar com menor uma
infração penal nada mais é do que um enfoque naturalista para a classificação do crime como formal, mas isto não basta.
A dimensão da tipicidade não pode ser apenas investigada no plano
formal, onde é composta de quatro requisitos, a saber: a conduta, o resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a adequação típica.
Como já referido, ainda devem ser encontrados os requisitos da
tipicidade material ou normativa que exige aqueles três juízos valorativos: de desaprovação da conduta, do resultado e da imputação objetiva deste.
É neste momento que devemos indagar se houve criação ou
incremento de riscos proibidos relevantes ao bem jurídico tutelado, se houve ofensa desvaliosa ao bem jurídico e se o resultado deve ter conexão direta com o risco criado ou incrementado.
Na hipótese em tela, devemos averiguar se o bem jurídico protegido
(formação moral) foi atingido pela ação do agente em praticar um crime 392
em companhia do menor. Caso não exista o resultado jurídico, não
podemos nos contentar com o resultado natural, pois este pertence à tipicidade formal. Todos os crimes exigem uma ofensa concreta ao bem jurídico protegido. A realização dos dados típicos apenas esgota o plano formal do delito, mas, por força do princípio da ofensividade, não há crime sem que também se verifique o desvalor do resultado (nullum crimen sine injuria).
Na doutrina, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ao tratar da corrupção
de menores prevista no art. 1º, da Lei nº 2.252/54, expressa seu entendimento sobre o tema nestes termos:
“É importante ressaltar que não comete o crime previsto neste
artigo o maior de 18 anos que pratica crime ou contravenção na companhia do menor já corrompido, isto é, acostumado à prática de atos infracionais. O objetivo do tipo penal é evitar que ocorra a deturpação na formação da personalidade do menor de 18 anos. Se este já está corrompido, considera-se crime impossível qualquer atuação do maior, nos termos do art. 17 do Código Penal.” (“Leis penais e processuais penais comentadas”, ed. RT, 5ª edição, 2010, pág. 215).
No mesmo sentido a posição de ROGÉRIO GRECO, para quem:
“...deverá ser demonstrado que, com a prática da infração penal,
houve efetiva corrupção ou, pelo menos, a facilitação da corrupção do menor de 18 (dezoito) anos, pois, caso contrário, o fato deverá ser considerado atípico. Assim, imagine-se a hipótese em que um menor tenha participado do cometimento de uma infração penal levada a efeito por um 393
agente imputável e, logo após, arrepende-se do que fez e deixa de praticar
qualquer outro ato infracional, levando uma vida ‘normal’, de acordo com os padrões legais exigidos. Não se pode dizer, neste caso, que o agente tenha corrompido ou facilitado a corrupção do referido menor, razão pela qual devemos entender pelo afastamento da Lei nº 2.252/54.” (Curso de Direito Penal, Ed. Impetus, 5ª edição, 2008, pág. 543).
Embora a matéria não seja pacífica nos tribunais, o Colendo
Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME
FORMAL, DE EVENTO. PRECEDÊNCIA DA CORRUPÇÃO. AFASTAMENTO DO TIPO PENAL.
1. Reconhecida a precedente corrupção do menor, não há falar em
caracterização do ilícito tipificado no artigo 1º da Lei 2.252/54, que é de natureza formal, da subespécie dos crimes de evento.
2. Recurso conhecido e improvido.
(STJ - Sexta Turma – Rel.: Ministro HAMILTON CARVALHIDO – REsp.
n° 116.877/DF, julgado em 03.10.02, DJ de 24.03.03, pág. 291).
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, DA LEI N° 2.252/54
(CORRUPÇÃO DE MENORES). ABSOLVIÇÃO. CRIME DE PERIGO. ANTERIOR INOCÊNCIA MORAL DO MENOR. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. 394
I - O crime previsto no art. 1º da Lei n° 2.252/54 é de perigo, sendo
despicienda a demonstração de efetiva e posterior corrupção penal do menor.
II - No entanto, a anterior inocência moral do menor se presume
iuris tantum como pressuposto fático do tipo. Quem já foi corrompido não pode ser vítima do delito sob exame (Precedentes).
III - In casu, restou cabalmente demonstrado, através de
documentos, conforme reconhecido tanto na sentença condenatória quanto no v. acórdão guerreado, que os menores que participaram da conduta delituosa já contavam com diversas passagens pelo Juízo da Infância e da Juventude pela prática de atos infracionais graves, inclusive com aplicação de várias medidas sócio-educativas.
IV - Comprovado que os menores já eram corrompidos, não se
verifica a prática do delito previsto no art. 1º da Lei n° 2.252/54.
Recurso desprovido.
(STJ – Quinta Turma – Rel.: Ministro FELIX FISCHER – REsp. n°
822.977/RJ, julgado em 12.09.06, DJ de 30.10.06, pág. 401).
À conta de tais considerações, mantém-se o acórdão.