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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2019.0000109931

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº


0000970-33.2014.8.26.0382, da Comarca de Neves Paulista, em que é apelante
MEIRINHO JOSÉ ANTONIO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso.
V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIZ


FERNANDO VAGGIONE (Presidente sem voto), ALMEIDA SAMPAIO E
FRANCISCO ORLANDO.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2019

KENARIK BOUJIKIAN
RELATORA
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação Criminal nº 0000970-33.2014.8.26.0382 (Físico)


Apelante: Meirinho José Antônio (advogado dativo fl. 197)
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Comarca: Vara Judicial da Comarca de Neves Paulista
Juiz de Direito: Dr. Tiago Octaviani
Artigo da condenação: artigo 121, §2º, II e IV do Código Penal
Réu preso: 16/11/2014 (fls. 02/08 - flagrante), conversão em preventiva (fl. 28 do apenso próprio) e
manutenção da preventiva na sentença (fl. 408)
Pena: 18 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial fechado.
Trânsito em julgado para o MP: 24/04/2017 (fls.434)
GRP: fls. 423
Réu maior de 21 anos: RG (fl.41)

VOTO Nº 9689

Apelação. Crime doloso contra a vida. Homicídio


qualificado.
1. Somente é possível a anulação do julgamento realizado
pelo Júri se a decisão for manifestamente contrária à prova
dos autos.
2. No caso, a decisão condiz com a prova produzida, em
especial, com o interrogatório do réu, em ambas as fases do
procedimento do júri, e depoimentos prestados pelas
testemunhas na primeira fase do rito bifásico.
3. Não comprovação da caracterização do homicídio
privilegiado. Domínio de violenta emoção após injusta
provocação da vítima não configurado.
4. As qualificadoras do motivo fútil e do recurso que
dificultou a defesa da vítima, acolhidas pelos Jurados, estão
em conformidade com a prova dos autos.
5. Conselho de sentença que, amparado na sua soberania,
optou por uma das versões existentes no acervo probatório,
justamente aquela desfavorável ao réu.
Recurso não provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por


Meirinho José Antonio (fls. 442/450) contra a r. sentença (fls. 406/409)

Apelação nº 0000970-33.2014.8.26.0382 - Neves Paulista Nº 2/8


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que o condenou ao cumprimento de 18 (dezoito) anos e 08 (oito) meses


de reclusão, em regime inicial fechado, tendo-o como incurso no artigo
121, §2º, incisos II e IV do Código Penal.

Pugna a Defesa pela anulação do julgamento e


realização de novo júri popular, sob alegação de que a decisão dos
Jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez que
não foi acolhida a tese de homicídio privilegiado e ante o
reconhecimento da incidência das qualificadoras do motivo fútil e do
recurso que dificultou a defesa da ofendida.

O Ministério Público apresentou contrarrazões


às fls. 455/464, oportunidade em que aduziu o acerto da sentença e
requereu o não provimento do recurso.

A D. Procuradoria de Justiça (Dr. Walter Tebet


Filho), manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls.480/484).

É o relatório.

Consta da denúncia que, no dia 15 de novembro


de 2014, às 19h40min, no “Bar e Mercearia Encontro dos Amigos” ou
“Bar da Rosalina”, situado na Rua Dabid de Melo nº 310, São José II,
Neves Paulista/SP, Meirinho José Antonio, por motivo fútil e utilizando-
se de recurso que dificultou a defesa da ofendida, matou a sua
convivente Lucerleia Aparecida Bertoldini, em circunstâncias de
violência doméstica e familiar contra a mulher.

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Colhe-se que o acusado e a ofendida conviveram


em união estável por aproximadamente 06 (seis) meses e, na data dos
fatos, estavam sentados no bar mencionado na companhia de amigos e
ingerindo cerveja, quando, então, iniciou-se uma discussão.

O apelante, embriagado, saiu da mesa e deitou-se


na calçada, do outro lado da rua. Após algum tempo, retornou ao bar e
chamou Lucerleia para conversar, porém esta se recusou.
Inconformado, Meirinho sacou um canivete multiuso e, de surpresa,
golpeou a vítima no mínimo 06 (seis) vezes contra a região do tórax e
fugiu do local.

Cumpre destacar que as decisões do Tribunal do


Júri somente serão revistas se manifestamente contrárias à prova dos
autos, o que não ocorreu no caso vertente.

Consta dos autos e comprovam a materialidade


do delito: auto de prisão em flagrante delito (fl. 02), boletim de
ocorrência (fls. 11/14), auto de exibição e apreensão do canivete (fl.
15), laudo de exame necroscópico e laudo complementar (fls. 49/52 e
236/237), laudo pericial do local do crime e laudo complementar (fls.
71/77 e fls. 130/137), laudo pericial do objeto do crime (fls. 82/83) e
prova oral colhida.

A autoria foi aferida pelos Jurados em virtude da


prova oral colhida e dos laudos periciais.

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Aliás, muito embora o réu tenha exercido o


direito constitucional de permanecer em silêncio em sede policial (fl.
08), confessou a prática delitiva na primeira fase do procedimento
judicial (fls. 226/227 mídia digital de fl. 230) e em plenário (fls.
398/399 mídia digital acostada à fl. 410).

A confissão veio corroborada pelos demais


elementos de prova, sobretudo pelo laudo pericial do canivete que
estava em poder do réu, que atestou a existência de manchas
avermelhadas na lâmina e adjacências do objeto, cujo ensaio apresentou
resultado positivo para sangue humano (fls. 82/83).

Este conjunto probatório fornece certeza quanto à


autoria e a materialidade delitiva e a condenação é a única solução que
se apresenta.

Verifica-se, pois, que as teses defensivas cingem-


se à análise da caracterização do homicídio privilegiado e à incidência
das qualificadoras do delito.

Pois bem.

Sustenta a Defesa a necessidade de


reconhecimento da modalidade privilegiada do delito, sob alegação de
que o apelante teria matado Lucerleia em virtude de provocações
vítima, que despertou ciúmes no recorrente ao se agarrar com outra

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pessoa no bar em que ambos estavam.

Aduz, assim, que o réu agiu sob o domínio de


violenta emoção após injusta provocação da vítima, razão pela qual
merece ter a pena reduzida, nos termos do artigo 121, §1º, do CP, que
dispõe:

Se o agente comete o crime impelido por motivo de


relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Acerca do tema, é a lição de Nucci:

Configura a hipótese do homicídio privilegiado, quando o


sujeito está dominado pela excitação dos seus sentimentos
(ódio, desejo de vingança, amor exacerbado, ciúme
intenso) e foi injustamente provocado pela vítima
momentos antes de tirar-lhe a vida. As duas grandes
diferenças entre o privilégio e a atenuante (art. 65, III, c,
CP) são as seguintes: a) para o privilégio exige a lei que o
agente esteja dominado pela violenta emoção e não
meramente influenciado, como mencionado no caso da
atenuante; b) determina a causa de diminuição de pena que
a reação à injusta provocação da vítima se dê logo em
seguida, enquanto a atenuante nada menciona nesse
sentido. Portanto, estar tomado pela emoção intensa,
causada pela provocação indevida do ofendido, pode
provocar uma resposta imediata e violenta, terminando em
homicídio. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal
comentado: estudo integrado com processo e execução
penal: apresentação esquemática da matéria: jurisprudência
atualizada / Guilherme de Souza Nucci 14. ed. rev., atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 660).

No caso dos autos, revela-se inadmissível a

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anulação do júri pelo não acolhimento da tese defensiva, uma vez que
não restou cabalmente comprovada a violenta emoção seguida de
injusta provocação, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas
na primeira fase do procedimento judicial mencionou situação de
provocação de ciúmes por parte de Lucerleia, versão que foi tão
somente sustentada pelo acusado. A preliminar suscitada pelo apelante
de recorrer em liberdade resta prejudicada em razão do julgamento do
presente apelo.

Ao contrário, a testemunha Rosalina atestou,


inclusive, que Meirinho chegou ao bar já bêbado e dizendo que iria
matar Lucerleia (fl. 224).

No mais, as qualificadoras do motivo fútil e do


recurso que dificultou a defesa da vítima, acolhidas pelos Jurados, estão
em conformidade com a prova dos autos.

Extrai-se do conjunto probatório que o réu


surpreendeu a vítima com golpes de canivete e que não houve qualquer
reação ou possibilidade de defesa de Lucerleia.

Outrossim, depreende-se que o réu matou a


vítima em razão de discussão em mesa de bar e recusa da vítima em
atender o pedido do acusado para que conversassem.

Não há, portanto, qualquer respaldo para


anulação do julgamento realizado pelo Júri.

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Ademais, a manifesta contrariedade à prova dos


autos só pode ser reconhecida para anular o julgamento quando a
decisão do Conselho de Sentença se mostra totalmente dissociada do
contingente probatório, não sendo passível de anulação quando tal
decisão, ao interpretar as provas existentes nos autos, adere a uma das
teses deduzidas pelas partes.

No caso vertente, o Conselho de sentença,


amparado na sua soberania, optou por uma das versões existentes no
acervo probatório, justamente aquela desfavorável ao réu. Deve, pois,
prevalecer a soberania dos veredictos.

Por fim, não havendo impugnação contra a


dosimetria da pena, inviável a sua análise nesta fase, a teor do que
preconiza a súmula 713 do STF, a saber:

O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri


é adstrito aos fundamentos da sua interposição.

Isto posto, nego provimento ao recurso interposto


por Meirinho José Antônio para manter a sua condenação à pena de 18
(dezoito) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado,
tendo-o como incurso no artigo 121, §2º, incisos II e IV do Código
Penal.

Kenarik Boujikian
Relatora

Apelação nº 0000970-33.2014.8.26.0382 - Neves Paulista Nº 8/8

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