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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 647.215 - SC (2021/0052755-9)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


AGRAVANTE : F C S (PRESO)
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DANIEL DEGGAU BASTOS - SC030139
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EMENTA
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PLEITO DE APLICAÇÃO DA
REGRA DA CONTINUIDADE DELITIVA EM DETRIMENTO DO
CONCURSO MATERIAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
AUMENTO DA PENA-BASE E EXASPERAÇÃO NO MÁXIMO EM
RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA
DEVIDAMENTE JUSTIFICADOS.
1. Verifica-se que o tema referente à aplicação da regra da
continuidade delitiva e o afastamento do concurso material não
foi debatido perante a Corte de origem, sendo vedada a análise
da matéria, sob pena de indevida supressão de instância.
2. A exasperação da pena-base, em decorrência dos graves
abalos psicológicos sofridos pelas vítimas, inclusive a queda de
cabelo e a necessidade de acompanhamento profissional,
revela-se concretamente justificada.
3. "Nas hipóteses em que há imprecisão acerca do número
exato de eventos delituosos, esta Corte tem considerado
adequada a fixação da fração de aumento, referente à
continuidade delitiva, em patamar superior ao mínimo legal, com
base na longa duração dos sucessivos eventos delituosos.
Precedentes desta Corte" (AgRg no AREsp n. 455.218/MG,
relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA,
julgado em 16/12/2014, DJe 5/2/2015).
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª

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Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Brasília, 24 de agosto de 2021 (data do julgamento).

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Relator

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AgRg no HABEAS CORPUS Nº 647.215 - SC (2021/0052755-9)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


AGRAVANTE : F C S (PRESO)
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DANIEL DEGGAU BASTOS - SC030139
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto por F C S contra decisão de


minha lavra que conheceu parcialmente do habeas corpus impetrado em seu favor e,
na parte conhecida, denegou a ordem.

Depreende-se dos autos que o réu, ora agravante, foi condenado à


pena de 83 anos e 4 meses de reclusão pela prática reiterada dos crimes de estupro
de vulnerável contra 2 vítimas, em concurso material (art. 217-A, c/c o art. 226, II, na
forma do art. 71, todos do Código Penal, contra M. E.; art. 217-A, c/c o art. 226, II, na
forma dos arts. 69 e 71, todos do CP, contra S.; tudo na forma do art. 69 do CP).

Interposta apelação pela defesa, o Tribunal de origem deu parcial


provimento ao recurso para readequar a sanção para 80 anos de reclusão. Eis a
ementa do acórdão (e-STJ fls. 99/101):

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPROS DE VULNERÁVEL (ART.


217-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA
CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO A UMA DAS VÍTIMAS.
DESCABIMENTO. PALAVRAS DA OFENDIDA QUE, ALÉM DE
UNÍSSONAS E COERENTES, RESTARAM CORROBORADAS
PELO RELATÓRIO PSICOLÓGICO E LAUDO PERICIAL
ATESTANDO RUPTURA HIMENAL ANTIGA, BEM COMO POR
MEIO DOS RELATOS DE SEUS FAMILIARES, EM AMBAS AS
ETAPAS DO PROCEDIMENTO. ACUSADO QUE, NA CONDIÇÃO
DE AMIGO DOS GENITORES DA INFANTE E QUE, AINDA,
MORAVA NO MESMO TERRENO DA FAMÍLIA, PRATICOU, POR

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DIVERSAS VEZES, ATOS LIBIDINOSOS E CONJUNÇÃO CARNAL
EM FACE DA VÍTIMA, QUANDO ESTA POSSUÍA CERCA DE 12
(DOZE) ANOS DE IDADE. PRESCINDIBILIDADE DE LAUDO
PERICIAL CONCLUSIVO ACERCA DA AUTORIA DELITIVA.
EXAME REALIZADO CERCA DE 5 (CINCO) ANOS APÓS OS
FATOS. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS SEGURAMENTE SUPRIDA
POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. OUTROSSIM, TIPO
PENAL QUE NÃO NECESSITA DA EXISTÊNCIA DE PROVA
TÉCNICA CONCLUSIVA, PORQUANTO CONSUMA-SE COM A
PRÁTICA DE QUALQUER ATO LIBIDINOSO. CONDENAÇÃO
MANTIDA.
1 "É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que,
em crimes contra a liberdade sexual, praticados, em regra, de
modo clandestino, a palavra da vítima possui especial relevância,
notadamente quando corroborada por outros elementos
probatórios" (STJ, AgRg no AREsp n. 1586879/MS, rel. Min. Nefi
Cordeiro, j. em 3/3/2020).
2 "O simples fato de o laudo pericial concluir pela ausência de
vestígios de prática sexual, não afasta, por si só, a materialidade
do delito, até porque a consumação do referido crime pode ocorrer
com a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal,
como no caso concreto. Precedentes" (STJ, AgRg no AREsp
1162046/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em
7/11/2017).
DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. REQUERIDA A EXCLUSÃO DA
NEGATIVAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DOS CRIMES.
ACOLHIMENTO, PORÉM, SOMENTE QUANTO AOS DELITOS
PRATICADOS CONTRA UMA DAS VÍTIMAS. ABUSO DA
CONFIANÇA DEPOSITADA PELOS PAIS DAS MENORES ÍNSITO
AO FUNDAMENTO DA APLICAÇÃO DA MAJORANTE DESCRITA
NO ART. 226, II, DO CP, APLICADA NA TERCEIRA FASE. AUTOR
DOS FATOS QUE ERA AMIGO DA FAMÍLIA E, POR ESSE
MOTIVO, DETINHA AUTORIDADE SOBRE AS INFANTES. BIS IN
IDEM CONFIGURADO. DOSIMETRIA DOS CRIMES PRATICADOS
CONTRA A VÍTIMA M. E. AJUSTADA NO PONTO. TODAVIA, NO
TOCANTE AOS DELITOS PERPRETADOS EM FACE DA
OFENDIDA S., EXISTÊNCIA DE FATORES DIVERSOS QUE
AUTORIZAM A MANUTENÇÃO DO INCREMENTO.
1 O fato de o acusado valer-se da amizade e da relação de
confiança que recebia dos pais das vítimas, a fim de praticar os
estupros, in casu, configura condição ínsita à causa de aumento
descrita no art. 226, II, do Código Penal, e, por isso, não pode ser
utilizado como fundamento para incrementar a pena-base, sob
pena de bis in idem.
2 Entretanto, quanto aos delitos praticados em face de uma das
ofendidas, é possível a manutenção da valoração negativa das
circunstâncias do crime, diante da subsistência de outros
fundamentos lançados pelo sentenciante para justificar a
majoração da reprimenda.

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SEGUNDA FASE. ALMEJADO O AFASTAMENTO DA
VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DAS
INFRAÇÕES PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. IMPACTOS
PSICOLÓGICOS PROVOCADOS NAS INFANTES QUE
EXTRAPOLAM O ESPERADO PARA O TIPO. VÍTIMAS QUE
NECESSITARAM RECEBER AUXÍLIO PROFISSIONAL E
APRESENTARAM DIFICULDADES PARA IR À ESCOLA. UMA DAS
OFENDIDAS QUE, INCLUSIVE, CHEGOU A PERDER CÍLIOS E
CABELOS, ALÉM DE NÃO CONSEGUIR ANDAR. FUNDAMENTOS
IDÔNEOS.
"Na dosimetria da pena em caso de estupro de vulnerável,
justifica-se a valoração negativa das circunstâncias do delito
quando verificado, mediante prova suficiente ao convencimento do
julgador, como declarações contundentes prestadas em juízo, que
o fato trouxe impactos altamente negativos à vida da vítima, com
desejos de isolamento e não prosseguimento das atividades
habituais, tornando necessário o tratamento psicológico [...]"
(TJSC, Apelação Criminal n. 0001702-34.2018.8.24.0057, rel. Des.
Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. em 7/5/2020).
TERCEIRA ETAPA. PEDIDO DE DECOTE DA CAUSA DE
AUMENTO DESCRITA NO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL.
INVIABILIDADE. RÉU QUE, EMBORA NÃO POSSUÍSSE RELAÇÃO
DE PARENTESCO COM AS VÍTIMAS, ERA AMIGO ÍNTIMO DAS
FAMÍLIAS E, ALÉM DISSO, MORAVA NO MESMO TERRENO,
RAZÃO PELA QUAL, POR DIVERSAS VEZES, ERA O
RESPONSÁVEL POR CUIDAR DAS MENORES E SEUS IRMÃOS.
PRESCINDIBILIDADE DA PRESENÇA DE VÍNCULO DE
PARENTESCO. RELAÇÃO DE AUTORIDADE EVIDENCIADA.
MAJORANTE MANTIDA.
"A despeito de não se tratar de hipótese de parentesco natural ou
por afinidade, a majorante deve incidir sempre que restar
demonstrada a relação de autoridade, ainda que momentânea, do
acusado sobre a ofendida" (TJSC, Apelação Criminal n.
0000337-46.2017.8.24.0067, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. em
7/5/2019).
CONTINUIDADE DELITIVA. SOLICITADA A APLICAÇÃO DA
FRAÇÃO MÍNIMA DE 1/6 (UM SEXTO). IMPRATICABILIDADE.
ABUSOS COMETIDOS AO LONGO DE DIVERSOS MESES, COM
FREQUÊNCIA DIÁRIA. PROPORÇÃO DE 2/3 (DOIS TERÇOS)
MANTIDA.
"É assente neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de
que nos crimes sexuais envolvendo vulneráveis é cabível a
elevação da pena pela continuidade delitiva no patamar máximo
quando restar demonstrado que o acusado praticou o delito por
diversas vezes durante determinado período de tempo, sendo
inviável exigir a exata quantificação do número de eventos
criminosos, sobretudo porque em casos tais, os abusos são
praticados incontáveis e reiteradas vezes, contra vítimas de tenra

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ou pouca idade (AgRg no REsp 1640747/RJ, Rel. Min.ª. Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe, 20.4.2017)" (TJSC,
Apelação Criminal n. 0011078- 31.2017.8.24.0008, rel. Des.
Alexandre d'Ivanenko, j. em 21/3/2019).
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Opostos embargos de declaração, deles não se conheceu.

No writ impetrado nesta Corte, a defesa pediu o afastamento do


concurso material entre os crimes de estupro praticados contra as duas vítimas, a fim
de que fosse aplicada a hipótese de crime continuado.

Arguiu que, embora praticados contra vítimas distintas, as infrações


foram perpetradas nas mesmas condições de modo e local, devendo o requisito
temporal ser relativizado na hipótese, pois "os fatos teriam ocorrido entre 2013 e 2014
no caso da vítima M. e no caso da vítima S. de 2016 a 2019 [...] necessário que se
flexibilize este requisito até porque já o foi feito por três ocasiões no presente caso, uma
vez que não se conseguiu precisar qual o intervalo de tempo entre os delitos
reconhecidos, nem o respectivo número de vezes" (e-STJ fl. 6).

Destacou que as instâncias antecedentes rechaçaram o tema do


crime continuado sem fundamentação suficiente (art. 489, §1º, II, do Código de
Processo Civil).

Sucessivamente, pugnou pela aplicação do crime continuado entre as


infrações imputadas contra a vítima S.

Insurgiu-se contra a fração máxima de 2/3 cominada na terceira fase


da dosimetria sob o argumento de que cada delito de estupro de vulnerável deveria ter
recebido uma dosimetria individualizada, sob pena de violação ao art. 71, caput, do CP
e ao princípio constitucional da individualização da pena.

Aduziu que "(a) não houve a comprovação do número exato de


condutas delitivas; (b) não houve a individualização das condutas perpetradas; (c) não
houve a fixação da reprimenda para cada um dos crimes isoladamente" (e-STJ fl. 10).
Concluiu que deveria ser readequado o aumento para 1/6.

Alegou falta de motivação idônea para majorar a pena-base sob o


argumento de que as consequências deletérias apontadas pelas instâncias de origem

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já integram a previsibilidade típica do crime de estupro de vulnerável, notadamente em
se considerando a majorante aplicada ao caso. Destacou que manter o demérito das
consequências configuraria o vedado bis in idem.

Subsidiariamente, requestou a aplicação de 1/6 para cada vetorial


negativa considerada no cálculo da sanção básica.

Requereu, liminarmente, a suspensão dos efeitos da condenação com


relação ao excesso de pena. No mérito, pediu a readequação da pena-base e a
aplicação do crime continuado com relação às duas vítimas. Sucessivamente, postulou
o reconhecimento da continuidade delitiva entre as infrações cominadas contra a vítima
S. ou a aplicação de 1/6 decorrente do art. 71, caput, do CP.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 733/737).

Informações prestadas às e-STJ fls. 740/815 e 820/823.

O MPF manifestou-se pelo não conhecimento do writ (e-STJ fls.


824/835).

Conhecida em parte a impetração e, nessa parte, denegada, a defesa


interpõe o presente agravo regimental, no qual afirma que o tema referente à aplicação
do art. 71 do Código Penal, a despeito de não ter sido tratado na instância ordinária,
deve ser apreciado por consubstanciar matéria de ordem pública.

Além disso, sustenta que os requisitos necessários para a aplicação


da regra do crime continuado estão presentes.

Por fim, destaca ser indevido o aumento imposto à pena na terceira


fase da dosimetria pois não se pode precisar o número de crimes praticados, bem
como não haver justificativa para a exasperação da pena-base.

É, em síntese, o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Não assiste razão ao agravante.

Conforme consignado na decisão ora agravada, o tema referente ao


pleito de aplicação da regra da continuidade delitiva em detrimento do concurso
material não foi enfrentado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o que
impede seu conhecimento por se tratar de hipótese configuradora de supressão de
instância. Ademais, afirmar que se trata de questão de ordem pública não altera a
conclusão de ser inviável o seu exame.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO


MAJORADO. DOSIMETRIA DA PENA. ALEGAÇÃO DE
REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. DETRAÇÃO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
(...)
2. No que se refere à detração penal, verifica-se que o tema não
foi debatido perante a Corte de origem, sendo vedada a análise da
matéria, sob pena de indevida supressão de instância.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 460.228/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA,
julgado em 15/6/2021, DJe 23/6/2021.)

Com relação aos demais questionamentos relativos à dosimetria da


pena, os argumentos trazidos no presente recurso, embora relevantes, não alteram
minha compressão sobre eles, razão pela qual reproduzo os fundamentos declinados
na decisão recorrida:

Transcrevo, inicialmente, trecho da sentença condenatória em que


foi realizada a dosimetria da pena (e-STJ fls. 510/514):
Aplicação da pena Art. 217-A c/c art. 226, ambos do CP Vítima [M

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E].
Quanto à dosimetria trifásica do crime, na primeira fase, a análise
das circunstanciais judiciais (art. 59 do CP) é a seguinte: a) A
culpabilidade (reprovabilidade da conduta) é normal ao tipo em
questão. b) Os antecedentes não prejudicam o denunciado. c) A
conduta social do acionado não diverge daqueles do seu convívio.
d) A personalidade do acusado não enseja majoração, segundo os
elementos coligidos aos autos. e) Os motivos não militam em
desfavor do acusado. f) As circunstâncias do delito fugiram da
normalidade, pois o acusado se valia da amizade e da relação de
confiança que recebia dos pais da vítima para praticar o crime.
Assim, majoro a pena em 1/6 (um sexto). g) As consequências da
infração implicam agravamento, eis que [M E] relata que sofre até
hoje com o ocorrido e que inclusive realizou acompanhamento
psicológico para amenizar a situação.
Portanto, majoro a pena em 1/6 (um sexto). h) O comportamento
da vítima não prejudica nem beneficia o denunciado. Logo, fixo a
pena base em 10 (dez) anos e 08 (oito) meses de reclusão.
Na segunda fase, não se apresentam agravantes (art. 61 do CP)
nem atenuantes (art. 65 do CP). Consequentemente, a pena é
mantida.
Na terceira fase, por sua vez, presente a causa de aumento de
pena tipificada no art. 226, II do CP, haja vista que Fábio morava
na mesma casa de Maria Eduarda e exercia autoridade sobre a
mesma, sendo que por vezes ficava encarregado de cuidar da
menor. Assim, majoro a pena de metade (1/2) para fixá-la em 16
(dezesseis) anos de reclusão. Inexistem causas de diminuição da
pena.
Portanto, a pena privativa de liberdade definitiva para a infração
criminal em tela é fixada em 16 (dezesseis) anos de reclusão.
Há continuidade delitiva (art. 71 do CP) das infrações criminais
previstas no art. 271-A do CP, razão pela qual aplico a pena da
mais grave, aumentada em 2/3 (dois terços), visto que o conjunto
probatório demonstrou que os atos libidinosos ocorriam quase que
diariamente pelo período de 06 (seis) meses, sem prejuízo da
conjunção carnal consumada. Assim, fixo a pena em 26 (vinte e
seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão.
Aplicação da pena – Art. 217-A c/c art. 226, ambos do CP - Vítima
[S C] – 1º período (ano de 2016) Quanto à dosimetria trifásica do
crime, na primeira fase, a análise das circunstanciais judiciais (art.
59 do CP) é a seguinte: a) A culpabilidade (reprovabilidade da
conduta) é normal ao tipo em questão. b) Os antecedentes não
prejudicam o denunciado. c) A conduta social do acionado não
diverge daqueles do seu convívio. d) A personalidade do acusado
não enseja majoração, segundo os elementos coligidos aos autos.
e) Os motivos não militam em desfavor do acusado. f) As
circunstâncias do delito fugiram da normalidade, pois o acusado
se valia da amizade e da relação de confiança que recebia dos

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pais da vítima para praticar o crime. Acrescente-se que os delitos
tiveram início quando a vítima estava com a perna quebrada e
seus pais foram num velório. Assim, majoro a pena em 1/6 (um
sexto). g) As consequências da infração implicam agravamento,
eis que neste primeiro período os crimes perpetrados
causaram-lhe grave problema emocional, de modo que [S C]
perdeu parte do cabelo, ficou sem andar e tinha medo de sair de
casa. Portanto, majoro a pena em 1/4 (um quarto). h) O
comportamento da vítima não prejudica nem beneficia o
denunciado.
Logo, fixo a pena base em 11 (onze) anos e 04 (quatro) meses de
reclusão.
Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes ou
atenuantes, pois o acusado confessou o delito apenas no segundo
período (agosto de 2018 até abril de 2019). Sob pena de configurar
bis in idem, deixo de aplicar o previsto no art. 61, II, alínea "f" do
CP, pois a coabitação será levada em consideração na terceira
fase de aplicação da pena, notadamente para caracterizar a
autoridade exercida pelo acusado frente à vítima.
Na terceira fase, por sua vez, presente a causa de aumento de
pena tipificada no art. 226, II do CP, haja vista que Fábio morava
na mesma casa de [S C] e exercia autoridade sobre a mesma,
sendo que por vezes ficava encarregado de cuidar da menor.
Assim, majoro a pena de metade (1/2) para fixá-la em 17
(dezessete) anos de reclusão. Inexistem causas de diminuição da
pena.
Portanto, a pena privativa de liberdade definitiva para a infração
criminal em tela é fixada em 17 (dezessete) anos de reclusão.
Há continuidade delitiva (art. 71 do CP) das infrações criminais
previstas no art. 271-A do CP, razão pela qual aplico a pena da
mais grave, aumentada em 2/3 (dois terços), visto que o conjunto
probatório demonstrou que os atos libidinosos ocorriam quase que
diariamente neste período de 04 (quatro) meses. Assim, fixo a
pena em 28 (vinte e oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
- Vítima [S C] – 2º período (agosto de 2018 até abril de 2019)
Quanto à dosimetria trifásica do crime, na primeira fase, a análise
das circunstanciais judiciais (art. 59 do CP) é a seguinte: a) A
culpabilidade (reprovabilidade da conduta) é normal ao tipo em
questão. b) Os antecedentes não prejudicam o denunciado. c) A
conduta social do acionado não diverge daqueles do seu convívio.
d) A personalidade do acusado não enseja majoração, segundo os
elementos coligidos aos autos. e) Os motivos não militam em
desfavor do acusado. f) As circunstâncias do delito fugiram da
normalidade, pois o acusado se valia da amizade e da relação de
confiança que recebia dos pais da vítima para praticar o crime.
Nas oportunidades ele acordava a vítima para praticar o crime.
Assim, majoro a pena em 1/5 (um quinto). g) As consequências da
infração implicam agravamento, eis que neste primeiro período os

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crimes perpetrados causaram-lhe grave problema emocional, de
modo que [S C] perdeu parte do cabelo, ficou sem andar, tinha
medo de s air de casa, tomou um coquetel para evitar a
transmissão de eventual doença contagiosa e deixou de frequentar
a escola. Portanto, majoro a pena em 1/2 (um meio). h) O
comportamento da vítima não prejudica nem beneficia o
denunciado. Logo, fixo a pena base em 13 (treze) anos, 07 (sete)
meses e 06 (seis) dias de reclusão.
Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes. Sob pena
de configurar bis in idem, deixo de aplicar o previsto no art. 61, II,
alínea "f" do CP, pois a coabitação será levada em consideração
na terceira fase de aplicação da pena, notadamente para
caracterizar a autoridade exercida pelo acusado frente à vítima.
Presente a atenuante da confissão espontânea, via de
consequência reduzo a pena em 1/6 (um sexto) para fixá-la em 11
(onze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Na terceira fase, por sua vez, presente a causa de aumento de
pena tipificada no art. 226, II do CP, haja vista que Fábio morava
na mesma casa de [S C] e exercia autoridade sobre a mesma,
sendo que por vezes ficava encarregado de cuidar da menor.
Assim, majoro a pena de metade (1/2) para fixá-la em 17
(dezessete) anos de reclusão. Inexistem causas de diminuição da
pena.
Portanto, a pena privativa de liberdade definitiva para a infração
criminal em tela é fixada em 17 (dezessete) anos de reclusão.
Há continuidade delitiva (art. 71 do CP) das infrações criminais
previstas no art. 271-A do CP, razão pela qual aplico a pena da
mais grave, aumentada em 2/3 (dois terços), visto que o conjunto
probatório demonstrou que os atos libidinosos ocorriam quase que
diariamente neste período de 04 (quatro) meses. Assim, fixo a
pena em 28 (vinte e oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Por fim, aplico o concurso material entre os delitos praticados por
Fábio em face de [M E] e [S C] (1º e 2º período), logo, efetuo a
soma das penas para alcançar o patamar de 83 (oitenta e três)
anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
O regime de cumprimento é inicialmente fechado, porquanto se
trata de condenado à sanção privativa de liberdade superior a 8
anos, na forma do art. 33, § 2º, 'a' e 'b', e §3º, do CP.
A substituição por pena restritiva de direitos (art. 44 do CP) é
inviável, haja vista que se trata de denunciado condenado a pena
superior a 4 anos.
Pela mesma razão, deixo de aplicar o sursis.

O Tribunal de origem, ao apreciar o recurso de apelação,


procedeu a pequeno reparo nas sanções (e-STJ fls. 117/129):

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O pleito merece parcial acolhimento, porém por motivos diversos.
Inicialmente, avulta pontuar que não se pode subtrair do
Magistrado a possibilidade de adequar a pena-base ao caso
concreto, porquanto a operação se encontra na esfera da
discricionariedade judicial motivada.
(...) No tocante aos delitos perpetrados em face da vítima M. E.,
percebe-se que o fato de o acusado se valer da amizade e da
relação de confiança que recebia dos pais da vítima a fim de
praticar os abusos é condição intrínseca à causa de aumento
descrita no art. 226, II, do Código Penal.
Isso porque, não fosse a crença na boa-fé do réu, os genitores de
M. E.
jamais teriam-na deixado aos cuidados de F. – fator que foi crucial
para o reconhecimento da referida majorante.
Logo, uma vez que os fundamentos utilizados para negativar as
circunstâncias do crime são inerentes às justificativas lançadas
para incrementar a pena na terceira fase da dosimetria, tem-se a
ocorrência de bis in idem.
Nesse viés, mutatis mutandis, esta Egrégia Corte já decidiu:
(...) Por outro lado, com relação às infrações penais praticadas
contra a vítima S., constata-se que a Magistrada, na primeira fase
dosimétrica, sopesou as circunstâncias do delito com base em
elementos que vão além do abuso de confiança, como no fato de
a infante estar com a perna quebrada quando os estupros tiveram
início e de o acusado acordar a vítima, enquanto esta dormia
durante a noite, aproveitando-se das situações, para praticar as
violências sexuais.
Dessa forma, mesmo que a relação de amizade e confiança com
os genitores de S. não constitua, no caso, motivação idônea,
diante da ocorrência de bis in idem, quanto aos crimes praticados
em face de S., ainda remanescem outros fundamentos, os quais
demonstram que as circunstâncias dos crimes extrapolaram o
esperado para o tipo penal em apreço e, com isso, autorizam a
manutenção do incremento da pena basilar nas proporções
operadas na sentença.
Por oportuno:
(...) Diante disso, viável a exclusão do incremento decorrente das
circunstâncias dos crimes, mas somente quanto aos delitos
cometidos em face da vítima M.
E..
b) Consequências das infrações penais No mais, a defesa almeja
a exclusão da negativação das consequências dos delitos, pois
"como o próprio tipo penal em comento possui altíssimo grau de
negatividade, estão inclusas nas consequências o natural
acompanhamento psicológico às vítimas de crimes sexuais" (f.

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Superior Tribunal de Justiça
233).
Sem razão.
(...)
No caso, as consequências dos delitos transcenderam em muito a
linha de normalidade que decorre da sua prática, visto haver
imposto às vítimas prejuízos psíquicos duradouros, cuja
comprovação foi perfeitamente demonstrada nos autos pelas
declarações das próprias ofendidas, de seus familiares, bem
como do relatório psicológico de fls. 17-24.
Como visto, em razão do estresse emocional provocado pela
violência sexual, a infante S. passou a sofrer de alopécia aerata,
com a perda de seus cabelos e cílios, além de apresentar
problemas para caminhar. Ademais, a ofendida vem realizando
sessões de terapia psicológica, porém, segundo relatos de sua
genitora, cerca e 1 (um) mês antes da audiência de instrução,
deixou de comparecer às consultas, por não conseguir mais sair
de casa (depoimentos audiovisuais, fls. 35, 160 e 161).
M. E., por sua vez, possuía problemas na escola, por ter vergonha
de que algum colega descobrisse os fatos. Além disso, ficou mais
calada e necessitou receber auxílio psicológico até mesmo quando
adulta (depoimentos audiovisuais, fls. 35 e 160).
Dessa forma, viável a negativação das consequências do crime,
com base na extensão dos danos psíquicos provocados pelas
condutas do apelante.
Nesse sentido, colhe-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
(...) Portanto, o incremento da pena-base em razão das
consequências dos crimes deve ser mantido.
2.2 Terceira fase Na derradeira etapa, o causídico requer o decote
da causa de aumento descrita no art. 226, II, do Código Penal,
porquanto "o apenado não é ascendente, padrasto, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador
das vítimas, tampouco exerce qualquer tipo de autoridade para
com elas" (fl. 238).
A tese não merece respaldo.
O referido dispositivo assim estabelece:
Art. 226. A pena é aumentada:
[...] II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou
madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador,
preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver
autoridade sobre ela (grifou-se).
Sobre o tema, Cleber Masson esclarece que:
[...] as causas de aumento de pena relacionam-se com a
qualidade do sujeito ativo, atinentes ao seu parentesco ou com
sua posição de autoridade perante o ofendido. Não se restringem,

Documento: 2089783 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 31/08/2021 Página 13 de 4
Superior Tribunal de Justiça
portanto, ao poder familiar. O aumento justifica-se pelo fato de ser
o delito cometido exatamente por quem tem o dever de proteção,
educação e cuidado para com a vítima. A condição de ascendente
pode advir do nascimento biológico ou da adoção (o art. 227, § 6º,
da CF). Os irmãos podem ser bilaterais ou unilaterais. Preceptor é
a pessoa incumbida de acompanhar e orientar a educação de uma
criança ou adolescente. No tocante à expressão "ou por qualquer
título tem autoridade sobre ela", o agente tem com a vítima uma
relação de direito (como o carcereiro em relação ao detento) ou de
fato (criança abandonada que passa a noite de quem a recolhe da
rua) (Código Penal Comentado. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 931 – grifou-se).
Assim, para a caracterização da majorante, revela-se prescindível
a existência de parentesco entre o sujeito ativo e a vítima.
Na hipótese em tela, resgata-se da prova oral colhida que o
acusado, além de possuir a confiança e frequentar a residência
dos familiares das ofendidas, mormente porque habitava no
mesmo terreno – e, aliás, por certo período, chegou a residir na
casa dos pais de S. – , em diversas oportunidades, era o
responsável pelos cuidados das menores, ocasiões em que
ocupava posição de autoridade de fato sobre estas e, inclusive,
aproveitava-se de tal condição para perpetrar os abusos.
Por oportuno, colhe-se do interrogatório judicial de F.
(interrogatório audiovisual, fl. 160): "que tinha boa relação com
todas as crianças da família e as levava para a escola [...] que os
pais de S. pediam para que o depoente cuidasse dos filhos"
(transcrição extraída da sentença, fl. 202).
Da mesma forma, a genitora de S., J. B. R., relatou, em ambas as
fases do procedimento, que costumava deixar seus filhos aos
cuidados de F., pois possuía mais confiança no acusado, que era
amigo da família há mais de 15 (quinze) anos, do que em seu
próprio irmão (depoimentos audiovisuais, fls. 35 e 160).
A vítima S., tanto em sede de relatório psicológico quanto em
juízo, relatou que os estupros tiveram início quando seus pais
precisaram viajar para ir a um velório e, então, ficou sob a
supervisão de F. (depoimento audiovisual, fl. 161).
Em igual sentido, a genitora de M. E., na etapa extrajudicial, disse
acreditar que os abusos iniciaram quando começou a trabalhar
durante o período noturno, momento em que a ofendida
permanecia na companhia do acusado, visto que este morava no
mesmo local, em residência adjacente, e costumava conviver com
a família (depoimento audiovisual, fl. 35).
Ademais, o próprio acusado disse que possuía relação muito
próxima com a família de M. E. e que frequentava o imóvel dos
genitores, tanto é que era o responsável por levar as crianças para
a escola todos os dias (interrogatório audiovisual, fl. 160).
Com efeito, "a despeito de não se tratar de hipótese de parentesco

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natural ou por afinidade, a majorante deve incidir sempre que
restar demonstrada a relação de autoridade, ainda que
momentânea, do acusado sobre a ofendida" (TJSC, Apelação
Criminal n. 0000337-46.2017.8.24.0067, de São Miguel do Oeste,
rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. em 7/5/2019).
Nesse norte, não restam dúvidas de que o réu possuía poder de
autoridade sobre as menores e praticou as violências sexuais
prevalecendo-se dos momentos em que estas permaneciam sob
seus cuidados, a pedido dos genitores, que o tratavam com
confiança e hospitalidade.
A propósito:
(...) Dessa forma, mantém-se a majorante aplicada.
2.3 Da continuidade delitiva Por fim, o causídico pleiteia a
aplicação da fração de aumento referente à continuidade delitiva
no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), diante da inexistência de
provas acerca do número de vezes que os estupros teriam sido
praticados.
O pleito não merece prosperar.
Da análise da prova produzida nos autos, não restam dúvidas de
que o apelante praticou, contra ambas as vítimas, atos libidinosos
e conjunções carnais ao longo de diversos meses, com frequência
diária.
Nesse passo, colhe-se do relato da ofendida S., oriundo do
relatório psicológico, que "os atos iniciaram quando os pais
viajaram para um velório de familiar. Como estava com o pé
quebrado, não pôde os acompanhar, então ficou com Fábio. Que
na ocasião este começou a passar as mãos em seu corpo e
genitais, mas em uma semana já a obrigava a fazer tudo que
quisesse: lambia, colocava o negócio dele dentro de mim: tais
atos aconteciam todos os dias, de madrugada, em sua casa, pois
os pais tinham sono pesado" (fl. 20, grifou-se).
Sem destoar, em juízo (depoimento audiovisual, fl. 161), ao relatar
os estupros, destacou "que ele [F.] fez isso por várias vezes,
quase todos os dias" (transcrição extraída da sentença, fl. 206).
Da mesma forma, M. E., à psicóloga da polícia civil, afirmou que
"os atos ocorriam sempre que seus pais não estavam [...] Que
apesar de geralmente apenas 'passar a mão', chegou a praticar o
ato sexual cerca de três vezes, quando tinha 12 anos" (fl. 21).
Sob o crivo do contraditório (depoimento audiovisual, fl. 160)
contou "que os abusos ocorreram quando tinha por volta de 12
anos, durante seis meses e diariamente" (transcrição extraída da
sentença, fl. 201).
Desse modo, ainda que não haja precisão quanto ao número de
vezes em que o acusado praticou os crimes contra a dignidade
sexual, considerando o longo período de tempo que as vítimas
foram submetidas aos abusos, em regularidade diária, a fração de

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aumento aplicada na sentença (2/3) deve ser mantida.
Colhe-se da jurisprudência deste Sodalício:
(...) Portanto, não há qualquer reparo a ser realizado no ponto.

Destaco, inicialmente, que, por se tratar de questão afeta a certa


discricionariedade do magistrado, a dosimetria da pena é passível
de revisão em habeas corpus apenas em hipóteses excepcionais,
quando ficar evidenciada flagrante ilegalidade, constatada de
plano, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo
fático-probatório.
No caso, a leitura dos excertos acima colacionados evidencia que
foram declinados fundamentos concretos para a fixação da
reprimenda, não merecendo nenhum reparo a pena aplicada.
As consequências do crime, negativamente valoradas por ocasião
da fixação da pena-base, para ambas as vítimas, e as
circunstâncias do crime, no que tange exclusivamente à vítima S.,
foram examinadas de forma concretamente motivada, tendo sido
justificada, com base em dados da conduta delitiva, os motivos
pelos quais as sanções foram agravadas.
As vítimas, segundo consta voto condutor do acórdão atacado, em
virtude dos abalos psíquicos sofridos, necessitaram de tratamento
psicológico, tendo desenvolvidos sintomas graves, que extrapolam
o mero resultado da conduta praticada.
Em caso semelhante, decidiu esta Corte que "o desvalor das
consequências do delito foi concretamente fundamentado diante
do abalo psicológico sofrido pela vítima, que necessitou de
tratamento psicológico semanal, a fim de minimizar os efeitos da
conduta do réu, o que foi comprovado pela prova oral colhida na
instrução do feito" (AgRg no HC n. 641.666/SC, relator Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
13/4/2021, DJe 20/4/2021).
De igual modo, não procede o pedido para que seja afastado o
aumento de 2/3 decorrente do reconhecimento da continuidade
delitiva, uma vez que as condutas duraram meses, e, segundo
consta, ocorriam com muita frequência.
Desse modo, nota-se que a decisão ora impugnada ajusta-se à
orientação jurisprudencial assente nesta Corte Superior de Justiça
segundo a qual, estando presentes na espécie os requisitos de
ordem objetiva e subjetiva caracterizadores da continuidade delitiva
e não sendo possível precisar o número de vezes que o crime
sexual foi cometido, há de se considerar o longo período de tempo
em que o ilícito ocorreu. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL.DILIGÊNCIAS DEFENSIVAS
INDEFERIDAS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. PROVASPARA A
CONDENAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA.

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Superior Tribunal de Justiça
NÚMERO DE CRIMESINDETERMINADO. LONGO PERÍODO DE
TEMPO. AUMENTO SUPERIOR AO MÍNIMO.POSSIBILIDADE.
RECURSO IMPROVIDO.
[...]
3. Embora impreciso o número exato de eventos delituosos, esta
Corte Superior tem considerado adequada a fixação da fração
aumento no patamar acima do mínimo nas hipóteses em que o
crime ocorreu por um longo período de tempo, como na espécie,
em que ficou demonstrada que a vítima foi abusada diversas vezes
entre os cinco e oito anos de idade.
Ademais, afigura-se inviável exigir a exata quantificação do número
de eventos criminosos, sobretudo em face da pouca idade da
vítima à época.
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1003600/SP, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 16/03/2017, DJe27/03/2017)
PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 217-A, CAPUT, C/C ART. 226, II,
NA FORMA DOART. 71, DO CÓDIGO PENAL. WRIT
SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. VIAINADEQUADA.
DOSIMETRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. QUANTUM DE
AUMENTO.NÚMERO DE INFRAÇÕES. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL.WRIT NÃOCONHECIDO.
[...]
2. Esta Corte sedimentou o entendimento de que na fixação do
quantum de aumento de pena pela continuidade delitiva, o critério
fundamental é o número de infrações praticadas. Na espécie,
tendo em vista que a reiteração delituosa perdurou do ano de 2002
a 2010, não tendo sido apontado um número exato de infrações,
todavia sendo ressaltado pela vítima (filha do paciente) que
ocorreu com regularidade por reiteradas vezes, não há qualquer
impropriedade no incremento em 2/3 (dois terços).
3. Habeas corpus não conhecido. (HC 351.849/MS, Rel. Ministra
MARIATHEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
07/06/2016, DJe21/06/2016)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO PELO RELATOR.
POSSIBILIDADE. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.DOSIMETRIA.
SENTENÇA QUE FIXOU O PATAMAR DE AUMENTO
DECORRENTE DA CONTINUIDADE DELITIVA EM 2/3 COM BASE
NO LONGO PERÍODO DA VIOLÊNCIA.REFORMA PROMOVIDA
PELA CORTE DE ORIGEM PARA REDUZIR A FRAÇÃO AO
MÍNIMO.ILEGALIDADE. RESTABELECIMENTO DA FRAÇÃO
ORIGINAL (2/3). VIOLÊNCIA QUEPERDUROU POR 6 ANOS.
PRECEDENTES DESTA CORTE.
[...]
2. Nas hipóteses em que há imprecisão acerca do número exato

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de eventos delituosos, esta Corte tem considerado adequada a
fixação da fração de aumento, referente à continuidade delitiva, em
patamar superior ao mínimo legal, com base na longa duração dos
sucessivos eventos delituosos. Precedentes desta Corte.
3. No caso, considerando-se que as instâncias ordinárias
reconheceram que os eventos delituosos perpetrados contra uma
das vítimas ocorreram pelo período de seis anos, deve ser
restabelecida a sentença condenatória na parte que fixou a fração
de aumento (art. 71 do CP) em 2/3.4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 455.218/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe
05/02/2015)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


Relator

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

AgRg no
Número Registro: 2021/0052755-9 HC 647.215 / SC
MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00067543420198240038 082019001314722 40246122720198240000 67543420198240038


82019001314722

EM MESA JULGADO: 24/08/2021


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSE ADONIS CALLOU DE ARAUJO SA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DANIEL DEGGAU BASTOS - SC030139
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : F C S (PRESO)
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Dignidade Sexual - Estupro de vulnerável

AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : F C S (PRESO)
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DANIEL DEGGAU BASTOS - SC030139
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região),
Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.

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